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2021

Tupi Antigo
A Língua da Costa
do Brasil em 1500
tupiperiodico.tumblr.com

TUPI ANTIGO
A LÍNGUA DA COSTA DO BRASIL
EM 1500

2021
tupiperiodico.tumblr.com

TUPI ANTIGO
A LÍNGUA DA COSTA DO BRASIL
EM 1500

Inspirado no Curso de Tupi Antigo do Pe. Lemos Barbosa

2021
ÍNDICE
Fonologia
I. Vogais
II. Consoantes
III. Nasalidade
IV. Perda de sílaba átona
V. Ortografia
Saudações
Substantivos
I. Pronomes pessoais
II. Pronomes demonstrativos
III. Posposições e Sufixos
IV. Negação
V. Advérbios de lugar
VI. Pluriformes
VII. Verbo “ter”
Adjetivos
I. Uso de adjetivos
II. Incorporação
III. Negação
IV. Comparação
Verbos
I. Indicativo
A. Intransitivos
B. Transitivos
C. Intransitivos posposicionados
D. Incorporação do objeto
E. Forma negativa
F. Forma Interrogativa
G. 2ª classe
H. E opcional
I. Forma futura
II. Orações Subordinadas
A. Infinitivo
B. Agente
C. Modo
D. Passivo
E. Condicionais e Temporais
III. Gerúndio
IV. Modos
A. Vontade e Capacidade
B. Permissivo e Imperativo
C. Mutualidade, Reflexividade e Reciprocidade
D. Causatividade
Conteúdo Adicional
I. Partículas e Interjeições
II. Indicativo Circunstancial
III. Fauna e Flora
Textos próprios
SUGESTÕES DE ESTUDO

Livros:
NAVARRO, Eduardo de Almeida. Método Moderno de Tupi Antigo.
BARBOSA, Lemos. Curso de Tupi Antigo.

Fontes:
Vocabulário na Língua Brasílica.
VIÉGAS, A. P. Vocabulário Português–Tupi.
de CARVALHO, Moacyr Ribeiro. Dicionário Tupi (antigo)–Português.
BARBOSA, Lemos. Pequeno Vocabulário Tupi–Português.
Biblioteca Digital Nimuendaju
Cursos de Tupi e Nheengatu na FFLCH–USP

Blogs:
Abánhe'enga rupi/resé xe remikûatîara
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Tupi Periódico
Aprender a Língua Tupi
Ame o Brasil
O QUE É O TUPI E O QUE NÃO É

Na escola, quando aprendemos do Brasil pré-cabralino, nos contam muito


sobre os povos “tupi-guarani.” Nas aulas de geografia, aprendemos que
“Caraguatatuba” e “Jericoacoara” são nomes “tupi-guarani.” Isso é parte de uma
simplificação feita para crianças que não têm contato com a história e com os povos
nativos brasileiros. “Tupi-guarani” é um ramo de uma grande família linguística tupi,
e dentro deste ramo se encontra o tupi antigo de que falo neste livro; o tupi falado na
costa do Brasil durante os primeiros anos da colonização. Língua da qual se
desenvolveram línguas gerais no Norte e no Sul, das quais também vêm muitos
topônimos. Além do tupi, não podemos nos esquecer a diversidade cultural e
linguística do Brasil. A língua tupi e a língua krenak, por exemplo, são tão
ininteligíveis quando o português e o tupi. Já o tupi antigo e o guarani antigo podem
ter sido tão inteligíveis mutualmente quanto o português e o castelhano.
Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

FONOLOGIA

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

I. Vogais
Antes de qualquer coisa, é importante entender os sons e a escrita da língua.
Aqui, vou começar explicando as qualidades das vogais em tupi, suas consoantes e
mudanças fonéticas que vão afetar as palavras em diversos casos. O tupi e outras
línguas da família apresentam uma tendência a espalhar sons nasais pelas palavras, ou
seja, se uma sílaba é nasal, todas são nasais, dependendo da sílaba tônica. Esse
fenômeno dá uma beleza à língua assim como a harmonia vocálica do turco e do
finlandês, a metafonia no alemão e até os plurais metafônicos do português
(“ôvo”→“óvos”).
A língua tupi tem 12 vogais: 6 sonoras e suas variações nasais. Todas são
abertas, ou seja, o “e” tem som de “é” (/ɛ/), o “o” tem som de “ó” (/ɔ/), e o “a” tem
som aberto mesmo quando é nasal (/ã/, e não /ɐ/ɐ , como em português).
O tupi tem a vogal /ɨ/, representada pela letra “y”. Algumas pessoas dizem que
esse som é entre o /i/ e o /u/, ou o contrário do “u” francês e do “ü” alemão. Para
produzir esse som, pronuncie /iuiuiu/ e perceba o movimento da língua de frente pra
trás no céu da boca. A língua deve ficar bem no meio. Perceba também que os lábios
ficam arredondados para pronunciar /u/, mas abertos para pronunciar /i/. Mantenha-os
abertos como em /i/. Assim se faz o som /ɨ/.

anterior média posterior


/ɨ/ y
/i/ i /u/ u
alta /ɨɨ / ŷ
/ĩ/ ĩ /ũ/ ũ
/ɨ/ɐ y
/ɛ~e/ e /ɔ~o/ o
média
/ɛ~
ɐ ẽ/ ẽ /ɔ~
ɐ õ/ õ
/a/ a
baixa
/ã/ ã

II. Consoantes
A língua tupi tem 19 consoantes: 3 nasais, 4 surdas, 3 prenasalizadas, 2
fricativas, 1 palatalizada, 1 líquida e 3 aproximantes. Antes de tudo, vamos entender
esses termos. Uma consoante pode ser surda ou sonora. As sonoras fazem as cordas
vocais vibrarem na gargante e as surdas não – sinta a diferença entre /s/ e /z/. Tanto
em português quanto em tupi, todas as consoantes nasais são também sonoras.
Consoantes também podem ser oclusiva ou fricativa. As oclusivas param totalmente a
passagem de ar, como /t/, enquanto as fricativas permitem que passe um pouco de ar,
como /s/. Algumas são aproximantes, quando a boca se articula para fazer o som,
mas não obstrui o ar. Uma aproximante labial é o /w/. Vamos ver agora os sons só
tupi:

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• O m tem o mesmo som do português, como na palavra: tetama. Não esqueça


de fechar os lábios para pronunciar o “m” no final de palavras, como em sem.
• O n também tem o mesmo som do português, como na palavra: kunumĩ. Não se
esqueça de mover a língua para pronunciar o “n” no final de palavras também,
como em nhan.
• O ng tem seu som como no inglês: porang. Se o ng for seguido de uma vogal,
é possível que tenha som de “ng” como em portugês: nhe'enga.
• O mb é um som de /b/ pré-nasalizado. Então, comece a pronunciar b com um
som nasal anterior a ele. Como na palavra: mba'e.
• O nd também é um som pré-nasalizado. Comece a pronunciar o d com um som
nasal anterior a ele. Como na palavra: endé.
• O p tem o mesmo som como em portugês: paranã.
• O t tem o mesmo som como em português e é possível que tenha o som de /tʃ/
antes de i. Exemplo: tining.
• O k tem o som como em inglês. Por exemplo: oka.
• O b tem o som como no castelhano entre vogais. Para fazer esse som, tente
pronunciar /b/ sem tocar os lábios. Por exemplo: karaíba.
• O s sempre tem o som surdo, isto é, nunca tem som de /z/. Por exemplo:
ka'aasapaba (daí Caçapava).
• O x é um alofone de s. Todo “s” depois de “i” torna-se “x.” Por exemplo: i xy.
• O r é sempre um flap simples, como no português “arara”. Nunca é velar (“rr”)
e tampouco vibrado. Exemplo: karagûatá.
• O ' é uma pausa glotal. É o som que fazemos em uh-oh. Por exemplo: 'y.
• O h é o mesmo som do inglês. É um som bastante raro no tupi, como no
cumprimento he.
• O g é uma aproximante. Acontece no mesmo lugar da boca do g do português,
mas a passagem de ar não é obstruída: ygara.
• A semivogal û tem som de /w/. Nos casos de gû e no começo de palavra, o som
varia livremente entre /w/ e /ɰʷ/: gûyrá.
• A semivogal î tem som de /j/, e em contextos nasais pode se transformar em
/j~ɐ ɲ/: îandé/nhandé.

bilabial dental coronal velar glotal


nasal /m/ m /n/ n /ŋ/ ng
pré-nasalisada /ᵐb/ mb /ⁿd/ nd /ᵑɡ/ ng
surda /p/ p /t/ t /k/ k /ʔ/ '
fricativa /β/ b /s/ s /h/ h
palatalizada /ʃ/ x
líquida /ɾ/ r
/j/ î
aproximante /w~ɰʷ/ û, gû /ɰ/ g
/j~ɐ ɲ/ î, nh

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III. Nasalidade
Como foi comentado, ambientes nasais modificam a fonologia. Por exemplo:
îandé pode ser pronunciado como nhandé. Isso serve para diversos prefixos: îe/nhe,
îo/nho. Na verdade, toda vogal ao lado de uma consoante nasal fica nasalizada:
amana lê-se “ãmáɐnã”.
Várias consoantes mudam em ambientes nasais. As labiais “b” e “p” tornam-se
“mb” ou “m;” “t” torna-se “nd;” “r” torna-se “nd” ou “n;” “s” torna-se “nd;” “k”
torna-se “ng.”

• p → mb, m
• b → mb, m
• t → nd
• s → nd
• r→n
• k → ng

Assim, o sufixo -pe pode vir a ser -me, e -ramo pode vir a ser -namo. Essas
mudanças nasais acontecem com a junção de morfemas numa só palavra no caso de
apenas uma das palavras ser nasal. Caso ambas as palavras sejam nasais, a mudança
não acontece. Por exemplo: kunhã + puku = kunhãmuku; kunhã + porang =
kunhãporanga.
Repare que o som nasal do lado de uma sílaba tônica não-nasal se torna
m→mb e n→nd. Por exemplo: emi + 'u→embi'u, etãma + etá→etãmetá.
É possível haver exceções para a mudança. Por exemplo, enquanto que
“trovão” é Tupã, “relâmpago” pode ser dito como Tupãberaba.

IV. Perda de sílaba átona


No caso da junção de morfemas em tupi, além da nasalização, é necessário
reparar na tonicidade da palavra. Muitas palavras tupis são oxítonas, ou seja, têm a
última sílaba tônica. No caso daquelas que não são oxítonas, as sílabas depois da
sílaba tônica desaparecem, mas com certas regras.

• Se o morfema seguinte começar em consoante, toda a última sílaba some: taba


+ porang = taporanga.
• Se o morfema seguinte começar em vogal ou em ', a consoante da sílaba átona
se mantém: ybytyra + etá = ybytyretá.
• “B” antes de “û” tende a tornar-se “gû”: tekóába + ûama = tekóágûãma.

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Também vale relatar como consoantes no final de palavras costumam sumir no


tupi meridional. Assim: nem→nẽ, aíb→aí, sok→só.

V. Ortografia
A acentuação em tupi segue as regras do português. Isto é, oxítonas terminadas
em “a(s)”, “e(s)” e “o(s)” recebem acento. Ditongos terminados em “i” ou “u”
recebem acento.
Para fins didáticos, é comum usar do hífen (-) ou manter os acentos próprios
dos morfemas ao juntar palavras. Por exemplo:

• tekóágûãma (ortografia mais comum aqui)


• tekoagûama ou
• t-ekó-ág-ûama (ortografia mais comum em Barbosa).

Vírgula usa-se para separar orações, mas não para fazer enumerações. Apesar
das partículas “pe” e “serã” indicarem pergunta por si próprias, ainda faz-se o uso do
ponto de interrogação (?).

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SAUDAÇÕES

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Saudações
Como podemos conversar em tupi? Yves, Léry e vários
outros autores registraram diálogos em tupi dos quais podemos
tirar algumas expressões do dia-a-dia.

Primeiramente, o cumprimento mais comum talvez seja:


• Ereîúrype? Ereîúpe? (lit. “vens?”)
E respondemos:
• Eẽ/pá, aîur. (lit. “sim, venho”)
• Tereîukatu (boas vindas, inspirado no guarani paraguaio teregguahẽporã; lit.
“que venhas bem”)

Para chamar pelo nome ou título de alguém, lembre-se de:


• No caso de não-oxítonas, a última vogal átona cai. É possível que r torne-se t e
que b torne-se p.
• Use a partícula vocativa îu (para mulheres) ou gûé (para homens).

Perceba que a palavra para “sim” depende do gênero: eẽ é para qualquer


pessoa, mas pá é somente para homens. Já a palavra para não é aã ou aãni.

Para os cumprimentos ao longo do dia, temos registrados:


• Tîa nde ko'ema (bom dia)
• Tîa nde karuka (boa tarde)
• Tîa nde pytuna (boa noite)
Sendo tîa algo como “bora?”

Para perguntar o que a pessoa está fazendo, usam-se:


• Marãpe ereîkó? (como estás?)
• Marã erépe? (como/que dizes? Talvez também que pensas?)
• Marãpe nde nhemongetá? Marãpe nde îeangerekó? (de onde imagino que
podemos dizer “Marãpe erenhemongetá?” para dizer “Que pensas?”)

O verbo ikó:
Um primeiro verbo importante apareceu: ikó, que significa
“ser,” “estar” ou “viver.”
eu estou → aîkó
você está → ereîkó.
As outras conjugações estarão nas aulas de verbos.

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Para saber o nome de alguém, perguntamos:


• Marãpe nde rera? (como é teu nome?)
• Xe rera… (meu nome é…)
• Xe roryb nde kuaba resé. (estou feliz por te conhecer)
• Mamõ suípe ereîur? (de onde vens?)
• Aîur X suí. (venho de X)
• Mamõpe eresó? (onde vais?)
• Asó Xpe. (vou a X)

Perceba:
A palavra para “nome” é era (t-, r-, s-). “Meu nome” é xe rera e
“seu nome” é nde rera. Veremos mais sobre essas consoantes t-, r- e
s- posteriormente.

Também apareceram mais dois verbos básicos: só (ir).


eu vou → asó
você vai → eresó.

O outro é o verbo ur (vir):


eu vim → aîur
você veio → ereîur.

Também veja que há um outro pe, que é uma posposição que


significa “para” ou “a.” Usamos, por exemplo, para indicar para onde
vamos ou onde estamos. Igualmente, suí significa “de” ou “a partir
de.”

Como podemos pedir favores, pedir desculpa, agradecer, etc.? Nem todas
essas expressões têm registros. Especialmente “obrigade” e “por favor” não têm
anotações. Apesar do guarani paraguaio ter aguyje para agradecer, tampouco tem
palavra para “por favor” (usa-se o castelhano “por favor” ou ikatúramo, lit. se puder).

• Ta xe repîakĩ îepé (com licença; lit. que não preste atenção em mim)
• Aîeruré ndébe [mba'e resé] ou aporandub ndébe [mba'e resé] (por favor, lit. te
peço de coisas, te pergunto de coisas)
• Aûîé, aûîébeté, aûîé ipó (obrigade, lit. está pronto, está bom, chega)
• Aîkuab [endé xe pytybõ] (obrigade, lit. sei/reconheço que me ajudaste)
• Nde nhyrõ (desculpe, lit. teu perdão)

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Enfim, para se despedir, usamos té ou ne'ĩ e dizemos:


• Ne'ĩ, asó ikó (eis, vou agora)
• Té, asó ko'yré (bem, agora vou)
• Tasó, tasóne (que eu vá)
• Tereîkókatú (que fiques bem)
• Teresókatú (que vás bem)

Baseado no guarani paraguaio, sugiro também:


• tîanhomongetáne (que nos falemos)
• tîaîoepîákyne (que nos vejamos)

Além de cumprimentos e despedidas, ao aprender uma língua nova é


importante saber pedir por informação. Veja as frases úteis a seguir:

• Marã e'ipe asé ... abanhe'enga rupi?


Como se diz ... em tupi?
• Mba'epe osa'ang ... peronhe'enga rupi?
O que ... quer dizer em português?
• ... osa'ang ... serã? ou ... oîkó ... îabé serã?
... significa ...?

Exercícios
1. Verta para o tupi:
a) Boa tarde!
b) Boa noite!
c) Tudo bem?
d) Que pensas?
e) Bom dia!
f) Qual o seu nome?
g) De onde você vem?
h) Eu venho de Nhoesembé.
i) Meu nome é Pindobusu.
j) Meu nome é Ybotyra.
k) Vou agora.
2. Leia o seguinte diálogo:
Îasy: Tîa nde ko'ema!
Îagûanharõ: Tîa nde ko'ema! Marãpe nde rera?
Îasy: Xe rera Îasy. Marãpe nde rera? Mamõsuípe ereîur?
Îagûanharõ: Xe rera Îagûanharõ. Aîur Nheterõîa suí.

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Îasy: Marãpe ereîkó, Îagûanharõ îu?


Îagûanharõ: Aîkókatú. Ne'ĩ, asó ikó.
Îasy: Tereîkókatú.
Îagûanharõ: Tîanhomongetáne, Îasy gûé!

Traduzir ≠ verter
Traduzir – passar um texto de outra língua para a sua língua própria.
Verter – passar um texto da sua própria língua para outra.
Interpretar – traduzir uma fala em tempo real.

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SUBSTANTIVOS

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I. Pronomes pessoais
Os pronomes em tupi são poucos, e são divididos em duas classes.
1ª classe 2ª classe
Eu ixé xe
Você endé nde
Ela, ele, elas, eles a'e i o
Nós (incl.) îandé îandé
Nós (excl.) oré oré
Vocês peẽ pe
Nós (genérico) asé i o
Alguém (genérico) gûá i o

Os pronomes de 1ª classe têm a função de sujeito de verbos transitivos e


intransitivos. Já os de 2ª classe funcionam como
• possessivos,
• sujeitos de adjetivos,
• sujeitos de verbos de 2ª classe,
• sujeitos no indicativo circunstancial, e
• sujeitos em orações subordinadas.

A diferença entre os pronomes i e o é que o é para o que se refere ao próprio


sujeito da oração. Por exemplo:

Îagûareté oker o kûara pupé.


A onça dorme na sua (própria) toca.
Asó Ybotyra irũnamo i tápe.
Vou com Ybotyra para sua aldeia.

Para perguntar “quem?” usamos a mesma palavra que significa “pessoa”: abá.
Não se esqueça que perguntas têm uma de duas partículas: pe ou serã. Pe é usado
depois daquilo sobre o que você está fazendo a pergunta. Serã é usado no final da
pergunta para confirmar com “sim” ou “não.”

Como em tupi não há verbo para “ser” ou “estar,” apenas com os pronomes
você pode fazer algumas frases simples:

Ixé gûarinĩ (eu sou guerreiro)


A'e xe membyra (êlu é mi filhe; dito por uma mulher sem especificar gênero)
Peró endé (você é português)
Îandé îagûara (nós somos a onça)

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Linguagem neutra: perceba que vou usar bastante linguagem neutra


(também chamada de neolinguagem) nesta apostila. O tupi é uma língua
sem gênero, mas é possível impor nuances de gênero na linguagem
usando palavras que só são usadas por mulheres, ou associando
membros da família a um homem, ou mencionando uma gûãîbĩ – idosa.
Tanto em respeito às pessoas não-binárias quanto para demonstrar a
lógica da língua tupi, usarei linguagem neutra sempre que a palavra em
tupi não indicar gênero, e só usarei o gênero em português quando isso
corresponder com uma palavra que indica gênero em tupi.

Assim também podemos falar de membros da família em tupi. Tupi tem vários
nomes para membros da família, e muitos deles são diferentes de acordo com o
gênero.

• mãe – sy
• pai – uba (t-, r-)
• tio paterno – uba (t-, t-)
• tia paterna – aîxé
• tia materna – sy'yra
• tio materno – tutyra
• avó – aryîa
• avô – amũîa (t-, r-)
• esposa – emirekó (t-, r-, s-)
• esposo – mena

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TERMOS QUE DEPENDEM DO GÊNERO


Para mulheres: Para homens:
• filhe (sem gênero) – membyra • filho – a'yra (t-, r-)
• irmão – kybyra • filha – aîyra (t-, r-)
• irmã mais nova – pyky'yra (m) • irmã – endyra (t-, r-, t-)
• irmã mais velha – ykera (t-, r-, t-) • irmão mais novo – ybyra (t-, r-, t-)
• sogro – menduba • irmão mais velho – yke'yra (t-, t-)
• sogra – mendy • sogro – atu'uba (t-, t-)
• sogra – aîxó (t-, t-)

O CORPO HUMANO EM TUPI

É notável o registro do jesuíta Pedro Castilho publicado no séc. XVII listando


diversos nomes para partes do corpo humano em tupi. É interessante que a palavra
para pênis (akûãîa) é usada para diferenciar animais machos no termo sakûãîba'e – o
que tem pênis. Também é interessante como a palavra para vulva é metafórica –
embé, igual para lábios. Há registro de tapipira também. Vejamos algumas partes:

• cabeça – akanga
• cabelo da cabeça – 'aba
• olhos – esá (t-, r-, s-)
• nariz – tĩ
• orelha – nambi
• boca – îuru
• lábios – embé (t-, r-)
• braço – îybá
• mão – pó (mb)
• dedo da mão – posã (mb)
• perna – etymã (t-, r-, s-)
• pé – py
• dedo do pé – pysã
• dente – ãîa (t-, r-, s-)
• língua – apekũ
Retrato de tupinambás por John White • vulva – embé (t-, r-)
• seio – kama
• testículos – api'a (t-, r-, s-)
• pênis – akûãîa (t-, r-, s-)
• corpo – eté (r-, s-)
• alma – 'anga

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Como falar de amizade em tupi?

A palavra mais comum que você vai encontrar para “amigue” é irũ, que
significa colega, companheire. Daí vem irũnamo (na condição de ser companheire, de
acompanhar) que se usa como o “com” do português. Com irũ criam-se atairũ para
companheire de viagem e maranirũ para companheire de guerra.
No filme Hans Staden (1999), foi muito usado o termo îekotyasaba, que é
algo como camarada. Se usa muito apixara (t-, r-, s-), que significa semelhante, e
aûsupara (t-, r-, s-), que ama, e há também registros de atûasaba para colega,
compadre. Leia os exemplos:

• Xe rapixara oîkó ka'ape (O meu semelhante está na mata)


• Xe raûsupara abati onhotym (Quem me ama está plantando milho)

Os pronomes genéricos têm funções interessantes. Asé é para as pessoas.


Quando quem faz o verbo é uma pessoa qualquer ou todo o mundo, usamos asé. Por
exemplo: Marã e'ipe asé aîpóba'e abanhe'enga rupi? (Como a gente diz isso em
tupi?)
O gûá é uma pessoa não especificada. Por exemplo: I tyb sygûasuranetá
Karagûatatýpe, e'i gûá (há muitas suçuaranas em Caraguatatuba, me disseram).

Como foi explicado, os pronomes de 2ª classe funcionam como possessivos.


Para a relação genitiva, coloca-se o possuidor antes do possuído. Assim, é possível
dizer:
Xe sy (minha mãe)
Kunhambeba ra'yra (o filho de Kunhambeba)
Peró ygarusu (A caravela do português)

Retrato de Kunhambeba

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Mudança fonética: Quando usamos os pronomes i e o, é notável a


mudança fonética. I antes de i/y torna-se iî. O antes de o ou u torna-se
og/oû.

Agûapyk Ybotyra irũnamo iî inĩme – Sento com Ybotyra em sua rede


Iperugûasu osem oû oka suí – Iperuguasu saiu da sua (própria) casa

Porém, é notável que não há registros mostrando a possibilidade de possuir


tudo. Isto é, elementos da natureza parecem ser impossuíveis. Usamos de outras
estruturas para dizer:

• animais da Serra – so'o ybytyrixûara


• cobra do rio – mboîa 'ypupîara
• pessoa da mata – ka'apora
• meu tatu (que eu capturei) – tatu xe rembîara
• meu milho (que eu plantei) – abati xe remityma

II. Pronomes demonstrativos


Os pronomes demonstrativos em tupi são relativamente complexos.
Distinguem-se por proximidade (perto do falante, perto do ouvinte, longe) e por
visibilidade (visível, invisível).

Assim:

visível invisível
Perto do falante ikó, kó 'ã, 'iã
Perto do ouvinte ebokûé, ebokûeî, ebogûĩ aîpó
Longe kûé, kûeî a'e, akûé, akûeî
Algum (inespecífico) amõ
Qual? umã

Todos os casos mencionados na tabela são demonstrativos que devem ser


seguidos de um substantivo. Por exemplo:

kó kunhã (esta mulher)


ebokûé kunumĩ (esse menino)
akûé túîba'e (aquele velho)
kûé ybyrá (aquela árvore)

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

amõ gûãîbĩ (alguma velha)


ebokûé sagûi (esse sagui)

Para dizer “isto” ou “aquilo,” mas sem mencionar o que é isto ou aquilo, use:

visível invisível
Isto ikóba'e, kóba'e 'ãmba'e, 'iã
Isso ebokûé, ebokûeîa aîpóba'e
Aquilo kûé, kûeîa a'e, akûé, akûeîa
Alguma coisa mba'e
Qual? umãba'e

Então agora você pode fazer perguntas em tupi:


Mba'epe ikóba'e? (o que é isto?)
Mba'epe ebokûé? (o que é isso?)
Mba'epe a'e? (o que é aquilo?)
Kó abá okaru, kûeîa oker (Este homem come, aquele dorme)

Quando não souber a resposta de uma pergunta, aprenda a responder com sé.
Abápe kûé abaré? Sé! (quem é aquele padre? Sei lá)
Umãba'epe Tebiresá remirekó? Sé! (quem é a esposa de Tebiresá? Sei lá)

Dando ênfase
É muito comum usarmos a partícula ipó ou o ne (nipó em
conjunto). O ne vem antes ou depois de um pronome demonstrativo:
ne + ikó → nikó; ikó + ne → ikóne. Essa partícula tem o papel de dar
ênfase ao objeto demonstrado. É bastante útil para responder
perguntas:

Umãba'epe oré roka? Kûéne! – Qual a nossa casa? Aquela!

Já o ipó vem depois do pronome ou substantivo. Com ela,


podemos dizer:

A'e ipó xe sy'yra – Ela que é minha tia (materna)

Também se usa muito a partícula é ou aé para focar no


substantivo mencionado. É algo como “isso mesmo.”

Paîé nde ramũîa é – Seu vô é que é o pajé

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Exercícios
1. Traduza do tupi:
a) Abápe a'e? A'e ipó xe ruba.
b) Abápe nde rendyra? Xe rendyra kûeîne.
c) Kûeîa i mena serã? Sé.
d) Ebokûeîa nde rykera serã? Aã, kóba'e xe pyky'yra.
2. Verta para o tupi:
a) Quem é ele? Ele é meu avô.
b) Esse é o pajé? Sim, este é o pajé.
c) Aquele é o português? Sim, aquele é o Pedro.
d) Essa é sua mãe? Não, esta é minha vó.
e) Onde você vai? Vou para Rerityba.

III. Posposições e sufixos


O tupi é uma língua de várias posposições. Isto é, enquanto o português tem
preposições, o tupi, assim como o japonês e uma boa parte das línguas do mundo, usa
posposições, que vêm depois do substantivo. Já os sufixos, são mais amplos.

PE
Usa-se para lugares. Algo como “em” e “para.” Essa posposição torna-se “me”
depois de sílabas nasais. Em palavras que terminam em consoante ou em a átono,
acrescenta-se um y. Palavras que terminam em pa, ba ou ma átonos perdem essa
última sílaba. Assim:

• ka'a + pe = ka'ape (na mata)


• ygara + pe = ygárype (na canoa)
• Karagûatátýba + pe = Karagûatátýpe (em Caraguatatuba)
• Paranã + pe = Paranãme (no mar)

SUÍ
Suí significa “a partir de.” Usamos para dizer de onde vem alguém ou alguma
coisa. Nenhuma mudança fonética está envolvida:

Karagûatátýba suí.

SUPÉ
Supé significa para usado com pessoas e como posposição de alguns verbos.
Por exemplo:

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

• Maíra oporandub Pindobusu supé kaûĩ apóába resé


O francês perguntou a Pindobusu sobre o preparo do cauim
• Agûasem amõ îagûareté supé
Encontrei aquela onça

Embora se use supé para pessoas, com os pronomes ocorre uma interação
diferente:

• ixé + supé → ixébo, xebo, xebe


• endé + supé → endébo, ndebo, ndebe
• a'e + supé → i xupé
• îandé + supé → îandébo, îandébe
• oré + supé → orébo, orébe
• peẽ + supé → peẽmo, peẽme

PUPÉ
Pupé significa “dentro de.” Por isso:
Tatu onhemim o kûara pupé
O tatu se esconde em sua toca

Mas também pode significar “com” para uma ferramenta:


Kunhambeba tobaîara oîuká ybyrapema pupé
Kunhambeba matou o inimigo com a ybyrapema

IRŨNAMO
Irũnamo (às vezes só irũmo) significa literalmente “na condição de colega.” É
muito usado para indicar quando mais pessoas fazem uma ação junta, como a
preposição “com” do português. Também é possível usar o sufixo ndi e ndibé, mais
parecidos com o guarani ndi/ndive. Por exemplo:
Aîkó xe tápe xe anama irũnamo
Fico em minha aldeia com minha família
Ereîkó nde ruba irũnamo
Você fica com seu pai
Asó Karagûatátýpe xe syndi
Vou para Caraguatatuba com minha mãe

TYBA
Tyba não é uma posposição, mas é uma terminação comum em diversos
topônimos do Brasil. Dá o sentido de ajuntamento de alguma coisa. Devido à
ausência de uma vogal equivalente ao y tupi no português, essa terminação têm várias
formas:

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Karagûatátýba – Caraguatatuba
Mboîtyba – Boituva
Kuri'ytyba – Curitiba.

É notável que, com esse sufixo, perde-se a última consoante átona. Isso mostra
que o topônimo de Pacatuba não é tupi, mas de outra língua do ramo (talvez uma
língua geral) ou até uma invenção.

ETÁ
Etá também acontece em topônimos, como Paketá – Paquetá e Gûyrátingetá –
Guaratinguetá. Na verdade, etá (r-, s-) é um adjetivo que significa “muitos.” Pode ser
usado como indicador de plural para evitar ambiguidade. Para dizer “pouco,”
podemos usar mbobyr.

YGÛARA
Põe-se depois de um topônimo para falar de alguém de lá. Por exemplo:
Nheterõîa → Nheterõîygûara
Rerityba → Reritybygûara.
Até mesmo Hans Staden diz que é Hessen-ygûara.

RAMA/PÛERA
Rama e pûera são sufixos bastante úteis para substantivos em tupi. Significam
“futuro” ou “antigo.” Dão sentido de algo que ainda não existe ou que já está extinta.
Por exemplo:

• A'e îandé rembi'urama (aquilo é o que vai ser a nossa comida)


• Ybyrápûéra (o que foi árvore ou uma cerca de madeira)

É possível juntar os dois em “rambûera” ou “pûerama” para algo que ia ser,


mas não aconteceu: îagûara xe rembîarambûera (a onça que eu ia capturar).

BRADENBURGER, Clemente. Lendas dos Nossos Índios. 1931.


Antologia de histórias indígenas brasileiras.

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

IV. Negação
A negação em tupi é feita com circumposições, isto é, adicionando uma
palavrinha antes e depois do substantivo. Isso depende se é a negação de um
adjetivo/verbo ou de um substantivo. Para negar substantivos, usa-se nda … ruã. Já
para negar verbos e adjetivos, usamos nda … i, como será tratado nas seções
seguintes.

• Kó tetama nda Portugal ruã (esta terra não é Portugal)


• Tebiresá nda xe îekotyasaba ruã (Tebiresá não é meu amigo)
• Nda abá ruã (ninguém)
• Nda mba'e ruã (nada)

Também negamos usando a terminação -e'ym para dizer “sem.” Isso aparece na
esperança da Terra sem Males – Yby Marãe'yma.

• Amotar (querer bem, amar) → amotare'ym (odiar)


• Nhe'eng (voz, fala) → nhe'enge'ym (sem voz, sem fala)

V. Advérbios de lugar
Para dizer “aqui” em “ali” em tupi, usamos geralmente os mesmos pronomes
demonstrativos que já conhecemos com a posposição -pe, como podemos ver nas
poesias do Pe. José de Anchieta, com a exceção de que “aqui” diz-se iké. Assim:

• Akûépe suí aîur (dali eu venho)


• Xe ruba oîkó iképe (meu pai está aqui)

Com esses advérbios, podemos também conversar sobre os elementos da


natureza e de uma aldeia:

Natureza Aldeia
• Sol – Kûarasy • aldeia – taba
• Lua – Îasy • casas – oka (r-, s-)
• Estrela – îasytatá • praça central – okara
• Céu – ybaka • barro vermelho – tagûá
• Nuvem – ybatinga • cerca – ybyrá, ka'aysá
• Chuva – amana • roça – kó, kopixaba
• Trovão – Tupã, Tupana • cacique – morubixaba
• Relâmpago – Tupãberaba • pajé – paîé, karaíba

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• Terra – Yby • guerreiro – gûarinĩ, kyre'ymbaba


• Rio – 'y, ty, îy, Paranã, Pará • fumo, cachimbo – petyma
• Enseada – kûá, piráîké • dança – poraseîa (m)
• Mangue – gûapara'yba • chocalho – maraká
• Mar – Paranã • adornos – îegûakaba
• Ilha – 'ypa'ũ • cauim – kaûĩ
• Praia – 'yembe'yba, Paranãembe'yba • pilão – ungûá
• Areia – ku'i, ybyku'i • rede de dormir – inĩ
• Pedra – itá • prato – nha'ẽ
• Árvore – ybyrá • forno – atákûára (t-, r-, s-)
• Raiz – (a)pó (r-, s-) • panela – nha'ẽpepó, kamusi
• Campo – nhũ • canoa – ygara
• Serra – Ybytyra

Retrato de uma aldeia tupinambá


(provavelmente feito por Hans Staden)

Exercícios
1. Experimente apontar esses elementos nas imagens seguintes:

Rio Santo Antônio, Caraguatatuba – SP

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Praia Brava, Caraguatatuba – SP

2. Verta para o tupi:


a) Eu estou sobre a pedra
b) Você está no mar
c) Você está na areia
d) Eu vou para o campo
e) Eu vou para a serra
f) Você vai para a ilha
g) Você está sobre a árvore

VI. Pluriformes
Diversos substantivos tupi são pluriformes, isto é, têm mais de uma forma. A
diferença nas formas do substantivo são normalmente a primeira consoante, que
muda de acordo com o possuidor do objeto. Várias dessas palavras apareceram nesta
seção. Vamos ver o exemplo de embi'u (t-, r-, s-) – comida:

• tembi'u – a comida
• xe/nde/îandé/oré/pe rembi'u – minha/tua/nossa/vossa comida
• sembi'u – sua comida (3ª pessoa)
• o embi'u – sua (própria) comida
• xe aryîa rembi'u – a comida da minha vó

VII. Verbo “ter”


Veja que qualquer substantivo, verbo e adjetivo pode dar o sentido de “ter.” Por
exemplo, se membyra é filhe (de mulher), dizer i membyra é dizer “su filhe,” mas

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dizer i membyr é dizer “ela tem filhe.” Devido a isso, o verbo “ter” (erekó) é pouco
usado em tupi, e fazemos frases como as seguintes:

• Kûé kunumĩ i tub


Aquele menino tem pai
• Nde rok
Você tem casa
• Nda xe îári
Não tenho mestre

Esta construção vai ser para dizer quantos de alguma coisa alguém tem. Posso
dizer, por exemplo, xe reîmbabetá para dizer “tenho muitos animais de criação” ou
a'e i ta'yretá para dizer “ele tem muitos filhos.” Se quiser usar números, não há
muitos em tupi:

• oîepé
• mokõî
• mosapyr
• irundyk

Além desses quatro numerais, há neologismos inspirados na lógica do guarani


paraguaio.

• 0: mba'ee'yma • 11: pá oîepé


• 5: ambó • 12: pá mokõî...
• 6: ambóîepé • 15: pá mbó
• 7: ambókõî • 16: pá mbóîepé...
• 8: amboapyr • 20: mokõî pá...
• 9: amborundyk • 100: sá
• 10: pá, pûã • 1.000: su
• 1.000.000: suá

Então posso dizer também nde reîmbaba ambó para “você tem 5 animais de
estimação” (lit. seus animais de estimação são 5).

Exercícios
1. Com as palavras relacionadas à vida na aldeia mencionadas anteriormente e
outras palavras que você já conheça, experimente listar coisas que você tem e não
tem, e faça o mesmo para as pessoas do seu lado.

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ADJETIVOS

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I. Uso de adjetivos
Todo adjetivo em tupi deve ter um sujeito que seja um pronome de 2ª classe.
Quando mencionamos um nome, é obrigatório usar o pronome i. Alguns adjetivos
serão pluriformes. Isto é, terão formas diferentes. Essas formas terão uma consoante
acrescentada ao início do tema.

Para os adjetivos uniformes, temos:

• Eu estou gordo – xe kyrá


• Eu estou triste – xe aruru
• Ele é feio – i nem
• O rio é fedorento – 'y i nem
• A onça está brava – îagûareté i nharõ
• O papagaio é bonito – aîuru i porang

Repare que, quando um adjetivo começa em i ou y, o i tende a tornar-se iî:

• Agûará iî ybaté – o lobo-guará é alto


• Akûé taba iî ymûan – aquela aldeia é velha

Os adjetivos pluriformes tendem a usar a consoante r- para a 1ª e 2ª pessoa, e


s- para a 3ª pessoa. Assim:

• Você está feliz – nde resãî, nde roryb


• A comida está gostosa – tembi'u sé
• O maracujá está azedo – murukuîá saî
• Está quente – sakub

Repare que o s- já funciona como o pronome, e não precisamos mais do i.

Embora exista eburusu (t-, r-, s-) para “grande,” é mais comum usar o sufixo
gûasu/usu (paroxítona recebe usu, oxítona recebe gûasu). Embora haja mirĩ, também
é possível usar o sufixo 'ĩ como diminutivo (a pausa glotal some em paroxítonas).
Assim:

a) gûyrá→gûyrá'ĩ
b) îagûara→îagûarĩ
c) mboîa→mboîusu
d) îakaré→îakarégûasú

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II. Incorporação
É possível incorporar o adjetivo e o substantivo numa palavra. Isso é a
diferença entre a onça está brava e a onça brava. Para isso, devemos seguir as regras
de nasalidade e da queda da sílaba átona. Para adjetivos que não terminem em vogal,
acrescentamos um -a ao final.

Îagûara i nharõ → îagûanharõ


A onça está brava → a onça brava
'ybá i îuk → 'ybaîuka
A fruta está podre → a fruta podre
'y i panem → 'ypanema
A água está imprestável → a água imprestável
Upaba i porang → upaporanga
A lagoa é bonita → a lagoa bonita
Ybyrá i puku → ybyrapuku
A árvore é alta/comprida → a árvore alta

III. Negação
A negação do adjetivo é bem parecida com a do substantivo, mas usamos o
sufixo -i no lugar da posposição ruã. Pela característica átona da preposição nda, ela
pode se juntar aos pronomes.

Assim:

nda + oré = ndoré


nda + îandé = ndîandé
nda + i = ndi

Exemplos:
• A mulher não é bonita – kunhã ndi porãngi
• Minha mãe não está triste – xe sy ndi aruruî
• A goiaba não está verde – arasá ndi 'akýri
• Eu não estou sujo – nda xe ky'aî

IV. Comparação
A comparação em tupi é, por natureza, sempre do maior pro menor. Digo,
sempre melhor que, mais bonito que, e nunca menos alto que ou menos quente que. A
comparação é feita acrescentando -eté (verdadeiramente, muito) ao final do adjetivo e

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

suí depois do substantivo. Assim: agûará i porangeté tu'ĩ suí (o lobo-guará é mais
bonito que o papagaio).
Se quiser comparar para dizer que uma coisa é tanto quanto uma outra coisa,
use a posposição îabé, que significa “como.” Por exemplo: nde sy i nharõ îagûara
îabé (sua mãe está brava como uma onça).

Vejamos alguns exemplos de adjetivos importantes:


• Comprido – puku
• Curto – apoaĩ, asang, akytã
• Verde (≠maduro) – 'akyr
• Maduro – aûîé
• Podre – îuk
• Cheiro forte – kating, nem
• Bonito – porang
• Bom – katu
• Ruim – aíb
• Bondoso – angaturam, marangatu
• Malvado – angaíb
• Feliz – esãî (r-, s-), oryb (r-, s-)
• Triste – aruru
• Forte, duro – atã (r-, s-)
• Gordo – kyrá
• Magro – angaîbar
• Com fome – ambyasy
• Com sede – 'useî

Sabores:
• é (r-, s-) – ter sabor
• e'ẽ (r-, s-) – doce, salgado, temperado
• aî (r-, s-) – azedo, picante
Perceba que são poucas as palavras para sabores. O guarani paraguaio
permite diferenciar o que é doce do salgado usando he'ẽ juky (relacionado ao tupi
îukyra para sal). Talvez se possa usar e'ẽ (r-, s-) îukyra îabé para “salgado” e até aî
(r-, s-) ky'ynha îabé para “apimentado.”

Cores:
As cores em tupi são poucas:
Vermelho – pytang
Amarelo – îub
Azul, verde – oby (r-, s-)
Branco – ting, há registro de moroting em São Vicente
Preto – un (r-, s-)

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Línguas com poucas cores não são um fenômeno incomum. O japonês antigo
tampouco diferenciava azul de verde, e, por isso, até hoje chamam a grama ou uma
floresta de “azul.” Se você quiser falar de uma coisa laranja, marrom, roxa ou de
outra cor, escolha a cor mais próxima (por exemplo, um canino avermelhado é
chamado de îagûapytanga, lit. onça vermelha). Você também vai perceber que às
vezes é melhor chamar de preto ou branco, porque o mais importante é o tom, e não a
cor em si.

Exercício
1. Verta para o tupi:
a) O papagaio é pequeno
b) A pedra está quente
c) Eu não estou triste
d) Você não é fedida
e) A aldeia bonita
f) O peixe amarelo está feliz
2. Preencha:
a) Gûyrá __ mboîa __ (porang)
b) Xe mena __ paîé __ (kyrá)
c) Kururu __ sygûasu __ (nem)
d) Murukuîá __ arasá __ (aî (r-, s-))

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VERBOS

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

I. Indicativo
A. Intransitivos

Os verbos intransitivos são aqueles que têm um sujeito mas não um objeto. São
verbos como “dormir” e “andar.” Em tupi, simplesmente acrescentamos um prefixo
de pessoa à esquerda do verbo, diferente de flexioná-lo, como fazemos em português.

ikó só pytá ker


(estar, ser) (ir) (ficar, parar) (dormir)
Ixé aîkó asó apytá aker
Endé ereîkó eresó erepytá ereker
A'e oîkó eresó opytá oker
Oré oroîkó orosó oropytá oroker
Îandé îaîkó îasó îapytá îaker
Peẽ peîkó pesó pepytá peker

Alguns verbos intransitivos úteis:

• andar, caminhar – gûatá


• comer (sem objeto) – karu
• pular – por, pererek
• nadar – 'ytab

Em tupi não há diferença entre presente e passado. Se quiser especificar o


passado, use um advérbio de tempo.

Existem verbos irregulares em tupi. Vejamos dois exemplos:

ur 'e, 'i
(vir) (dizer)
Ixé aîur a'e
Endé ereîur eré
A'e our e'i
Oré oroîur oro'e
Îandé îaîur îa'e
Peẽ peîur peîé

Note que ao usar o verbo 'e devemos usar o discurso direto. Isto é, jamais
“fulana disse que você está gordo,” mas sim “você está gordo, disse fulana.” Não
conhecemos registros de discurso indireto em tupi. Por outro lado, ele existe no
guarani paraguaio. Exemplo:

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

• Tereîukatu, e'i tabygûara i xupé (as pessoas da aldeia lhe deram boas vindas)
• Nde kating, e'i nde sy xebo (sua mãe me chamou de fedido)
• Eîori xe tápe, a'e i xupé kûesé (eu lhe convidei pra minha aldeia ontem)

Exercícios
1. Verta para o tupi:
a) Eu nado dentro do rio
b) A tartaruga nada no mar
c) Você caminhou pela Serra ontem
d) Nós (incl.) vamos a Nhoesembé (Porto Seguro)
e) Nós (excl.) viemos de Nheterõîa (Niterói) hoje
f) Meu pai fica em Karagûatátýba (Caraguatatuba)
g) Eu vou em direção a 'ypa'ũgûasu (Ilha Grande) dentro da canoa
2. Leia em voz alta e traduza:
a) Aîkó xe anama irũnamo Karagûatatýpe
b) Ere'ytab Paranãme
c) Iperu omanõ raka'e Paranãrembe'ype
d) So'oetá onhe'eng ka'ape
e) Tu'ĩ obebé ybytyra koty
f) Pekaru xe rókype oîeí

B. Transitivos

Para os verbos transitivos, além do prefixo de pessoa, é preciso indicar o


objeto. Isso pode ser feito pelo infixo -î-. Embora a colocação do objeto seja livre, a
tendência é colocá-lo antes do verbo.

ybõ apó aûsub (s-) tym


(flechar) (fazer, preparar) (amar) (enterrar, plantar)
Ixé anhybõ aîapó asaûsub anhotym
Endé erenhybõ ereîapó eresaûsub erenhotym
A'e onhybõ oîapó osaûsub onhotym
Oré oronhybõ oroîapó orosaûsub oronhotym
Îandé nhanhybõ îaîapó îasaûsub nhanhotym
Peẽ penhybõ peîapó pesaûsub penhotym

• Gûyrá'ĩ aîpysyk – capturo passarinhos


• Kaûĩ aîapó – faço o cauim
• Ka'ioby oîpytybõ o sy – Ka'ioby ajuda a sua (própria) mãe
• Ereîmongetá abaré kûesé – você conversou com o padre ontem

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• Aîamotar xe raûsupara – amo mi amigue


• Akûé abaré oîamotare'ym ebokûé paîé – aquele padre odeia esse pajé

Perceba que mongetá (conversar com) é um verbo transitivo. Repare também


que verbos monossilábicos têm o infixo -îo- no lugar de -î-.

• Mandubi ereîosok – você soca o amendoim


• Îurumũ anhotym – planto jerimum
• Nde nha'ẽ aîoseî – lavei (com água) seu prato

Paçoca
Se a palavra sok pareceu semelhante ao português,
não é coincidência. Socar ou triturar algum alimento vem
daí. Isso se faz com o ungûá (pilão) ou até com tepiti para
amassar e tirar o suco da mandioca ou do caju. Se for para
socar com a mão especificamente, podemos dizer pósók
(pó + sok), daí a paçoca.

Pilão de pedra

Note que eî (s-) é específico para lavar com água. Há outros verbos para lavar:

• îasuk – banhar-se
• moîasuk – lavar a outra pessoa
• petek – lavar roupa, bater para tirar pó
• syb – lavar o que está sujo de lama, molhado
• kitingok – tirar ferrugem

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Há exceções quando não é necessário o -îo-/-î-, como é o caso do verbo 'u


(comer).

Também há verbos pluriformes. Normalmente o objeto torna-se -s-:

• epîak (s-)→asepîak akaîuaûîé – eu vejo o caju maduro


• endub (s-)→pesendub Paranã pu – vocês ouvem o barulho do mar
• apy (s-)→osapy o kó – ele queima a sua (própria) roça
• arõ (s-)→asarõ xe sy xe ruba – cuido de minha mãe e meu pai

Quando acontece do objeto que sofre a ação ser um pronome, não se esqueça
de que devemos usar o pronome de 2ª classe. Então nunca diga *Ereîpytybõ a'e (a'e
não pode ser o objeto do verbo).

• Xe sy osenõî nde – Minha mãe te chama


• Abaré pe oîmongetá – O padre conversa com vocês

Há dois prefixos incomuns: oro e opo. Oro é usado quando o sujeito é da 1ª


pessoa e o objeto é nde (eu faço uma ação sobre você). Isso é bastante útil para
expressar seu amor. Já opo é quando o sujeito é pe (eu ou nós fazemos uma ação
sobre vocês).

• oroaûsub – te amo
• oroaûsubusu – te amo muito
• oroamotar – te quero bem
• oroepîaka'ub – tenho saudades de você
• opoenõî – chamo vocês

Usei ali o verbo epîaka'ub (s-), que é sentir saudades de alguém. Perceba que
existe, sim, palavra para “saudades” em tupi, em guarani (hechaga'u) e em outras
línguas também.

Em contraste, se o objeto é xe e o sujeito é endé/peẽ, a construção é: xe [verbo]


îepé/peîepé. Se o sujeito for outro, se diz o sujeito mesmo:

• xe pytybõ îepé – você me ajuda


• xe rendub peîepé – vocês me ouvem
• xe kuab nde sy – sua mãe me conhece

Perceba como o tema endub se mantém, mas a consoante passa a ser r-.

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Exercícios
1. Verta para o tupi:
a) Eu como amendoim pela mata
b) Você colheu goiaba pela Serra hoje
c) Ela viu um jacaré no rio
d) O português queimou o canavial
e) Eu te amo
2. Complete:
a) Peẽ __ (epîak) gûyrátingetá
b) Xe sy __ (tym) aîpĩ
c) Oró __ ('ok) akaîu ka'a rupi
d) Ixé __ (endub) aîuru nhe'enga
e) Îandé __ (pytybõ) (peẽ)
f) Piráakãîuba __ (ybõ) taîtitu

C. Intransitivos posposicionados

As posposições são palavras que vêm depois do substantivo. Por si só, são
muito úteis para qualquer verbo para indicar que algo aconteceu itá 'ári (em cima de
uma pedra) ou taba pupé (dentro da aldeia).

YPYPE
Significa “perto de”:
I membyra oîkó iî ypype memẽ – su filhe está sempre junto dela.

'ÁRI, 'ÁRYBO
Significa “acima de.” A palavra 'árybo é “acima de” ou “sobre,” mas não
diretamente acima. Algo como “mais acima” ou “mais alto.”

GÛÝRI, GÛÝRYPE
Significa “a parte de baixo” ou “abaixo de.”

AKYPÛÉRI (R-, S-)


Significa “atrás de.” Também é usado para descrever uma perseguição:
Kurupira osó kunumĩ rakypûéri
O Curupira perseguiu o menino.

KOTY
Koty significa direção. Usamos para dizer em que direção alguém vai. Por
exemplo: gûyrátingetá obebé Paranã koty (muitas garças voaram em direção ao

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mar).
Essa posposição também está presente em amõngoty e marãngoty. Amõngoty
pode ser usado depois de um substantivo para dizer “além de” ou “depois de.” Por
exemplo, ybaka amõngoty – além do céu. Já marãngoty é para perguntar “em que
direção.”

(R)ESÉ/RI
Resé significa sobre ou porque. Por exemplo:
• Paîégûasú peró oîmbo'e tekókatú resé
O grande pajé ensina ao português sobre as virtudes
• I tyb ybyrá rogûera yby resé
Há folhas de árvore sobre o chão, pelo chão

(R)UPI
Rupi signfica “através de.” Usamos, por exemplo, para dizer por onde alguém
passa ou em que idioma estamos falando.
• Tatámirĩ ogûatá ybytyra rupi (Tatámirĩ caminha pela Serra)
• Marã e'ipe asé aîpóba'e abanhe'enga rupi? (Como a gente diz isso em tupi?)

RAMO
Ramo significa “na condição de.” Usamos para vários adjetivos e substantivos.
Depois de sons nasais, o r torna-se n. Se a palavra anterior não for oxítona, -amo se
incorpora à última sílaba. Por exemplo:
• Peróetá oré robaîáramo oîkó
muitos portugueses estão como nossos inimigos
• Nãnamo...
assim/então...

Muitos verbos em tupi exigem uma posposição. Por exemplo, gûasem


significa “encontrar” ou “dar de cara com,” e exige a posposição supé. Quando
precisamos de alguma coisa, usamos o verbo ikotebẽ e a nossa necessidade com a
posposição (r)esé. Vejamos exemplos de verbos que pedem posposições:

• îeruré (supé, resé) – pedir


• sykyîé (suí) – ter medo
• ikotebẽ (resé) – necessitar
• gûasem (supé) – encontrar
• porandub (supé, resé) – perguntar
• ma'ẽ (resé) – olhar

Daí vem a escolha de usar “aîeruré ndébe mba'e resé” (peço a ti por coisas)
para substituir “por favor.” Repare nas frases seguintes:

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

a) Xe ruba oîkotebẽ mosanga resé


meu pai precisa de remédios
b) Maíra oporandub morubixaba supé ybyrápytãnga resé
o francês perguntou ao cacique sobre o pau-brasil
c) Kûé kunhã osykyîé mboîa suí
aquela mulher tem medo de cobra
d) Orogûasem amõ îakaré supé
encontramos um jacaré
e) Aîeruré xe raûsupara supé abati resé
peço a meu amigo por milho

Com as posposições, agora é possível conhecer todas as funções do verbo ikó e


da palavra ekó (t-, r-, s-) em geral.
Como substantivo, pode ser a lei:

a) Ndaîkuapotári peró rekó


não quero conhecer a lei dos portugueses
b) Tekomonhangaba
sentença, ordem
c) Orosekomonhang
nós fazemos a lei

Pode ser o jeito de viver, os costumes:

a) Oré rekó
nossos costumes

Pode significar estar ou estar com:

• ikó: estar, viver


• ekó (r-)/erekó: estar com, ter
• emirekó (t-, r-): esposa, com quem vive, com quem tem relações sexuais
• tekoara: quem vive, quem mora
• tekoaba: estadia, morada

a) Aîkó 'y kûape


estou na enseada do rio
b) Kunhambeba ogûerekó ybyrapema
Cunhambebe está com o pau-chato/Cunhambebe tem o pau-chato
c) Xe remirekó pirá ka'ẽ o'u oína
minha esposa está comendo peixe assado

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

d) Kurupira ka'ape tekoara


o Curupira é morador da mata
e) Ebokûé kûara îagûara rekoaba
essa toca é a estadia da onça
f) Potyra oîkó tobaîara resé o inĩme kûesé
Potira fez sexo com o inimigo na sua rede ontem

Tekó está presente em diversas combinações:

• tekokatu: virtude
• tekopoxy/tekoaíba/ekomemûã: pecado, maldade, enganação, vício
• tekoporanga: vida boa, vida virtuosa
• tekoeté: determinação, coragem
• tekoete'ym: covarde
• tekokuab: conhecedore
• tekokuabe'ym: ignorante
• motekokuab: fazer ser conhecedore

D. Incorporação do objeto

Objetos de um verbo transitivo podem ser indicados pelo -î/îo-, mas também é
possível incorporar o objeto e seguir as regras de perda de sílaba átona. Um exemplo
claro disso é: kama (seio) + 'u (tomar) = kambu (mamar). Isso continua existindo em
alguns verbos fossilizados no guarani paraguaio: y'u→hay'u (tomo água). Daí vem
a palavra em tupi para sede, que é 'useî, provavelmente de 'y'useî – querer tomar
água. Se eu capturo uma onça, por exemplo, posso dizer ixé aîagûapysyk (note a
perda da sílaba átona). Experimente as próximas combinações:

• marana + monhang → marãmonhang (fazer guerra, guerrear)


• pirá + kutuk → pirákutúk (furar peixe, pescar)
• nhe'enga + endub (s-) → nhe'engendub (ouvir a voz)
• Paranã + epîak (s-) → Paranãepîak (ver o mar)
• mba'e + kuab → mba'ekuab (saber das coisas)
• katu + 'ok → katu'ok (catar, escolher o melhor)
• moró + mbo'e → morombo'e (ensinar às pessoas)
• aoba + 'ok → aobok (tirar a roupa, despir)
• py'a + mongetá → py'amongetá (refletir, meditar, pensar)

Repare que há construções que se tornam novos verbos transitivos. Por


exemplo, parabok e katu'ok (escolher, catar) são verbos transitivos: aîporabok
komandá (cato feijão). Igualmente, podemos usar aobok como verbo transitivo para

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

dizer a quem estamos despindo. Por exemplo: gûarinĩ oîaobok peró 'y kûápe, osabok
abé (os guerreiros despiram ao português na enseada do rio, lhe cortaram o cabelo
também).

É possível incluir no verbo o sentido de repetição, de exagero, de coisa bem


feita, etc. Para a repetição, repetimos o verbo, mas não todo ele; repetimos a sílaba
anterior à tônica e a tônica. Assim:

Peró onhe'ẽnhe'eng orébo


O português ficou falando por muito tempo para a gente
Gûãîbĩ oîmombe'umbe'u oré ramũîa tekóporãnga
A velha nos contou muito sobre a vida boa de nossos antepassados

Por sua vez, mombe'umbe'u pode ter o significado próprio de tornar público ou
anunciar publicamente aqui que antes não se sabia, como aponta Lemos Barbosa. O
mesmo pode acontecer com -usu/gûasu no final do verbo; e o oposto, isto é, coisa
mal feita ou feita num instante, com -ĩ/'ĩ.

Asaûsubusu xe sy xe ruba
Amo demais minha mãe e meu pai
Ourusu tobaîara
Vieram muitos inimigos
Asepîakĩ iîukápyrãma
Dei uma olhadinha no que vai ser morto

Além disso, usa-se bastante o adjetivo katu no final de um verbo. Isso dá o


sentido de “bem vejo” ou “fiz bem (até o fim).” Vale lembrar das regras de nasalidade
e perda de sílaba átona.

Nde membyra oîapókatú kaûĩ


Sua filha preparou bem o cauim
Oroîkókatú Karagûatátýpe
Moramos bem em Caraguatatuba

E. Forma negativa

A forma negativa do verbo segue a mesma lógica da forma negativa do


adjetivo, isto é, usamos a circumposição nda-...-i:

a) Erema'ẽ agûará resé → nderema'ẽî agûará resé


Você não olha para o lobo-guará
b) Kunhãeté osykyîé mboîa suí → kunhãeté ndosykyîéî mboîa suí
A mulher verdadeira não tem medo de cobra

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

F. Forma interrogativa

As perguntas em tupi fazemos com uma de duas partículas: pe ou serã. A


partícula -pe é colocada depois da palavra da qual a pergunta se trata.

a) Ereîkuábype/ereîkuápe Pindobusu? – Você conhece o Pindobusu?


b) I membýrape a'e? – É su filhe aquela pessoa?
c) Umã 'ype ere'ytab? – Em que rio você nadou?
d) Marãpe nde rera? – Como é o seu nome?
e) Marã erépe? – O que você pensa? (lit. como você diz?)

Note que -pe não segue nenhuma regra de sílabas átonas ou de nasalidade. Se
um verbo termina com consoante, é possível removê-la ou acrescentar um -y- antes
da partícula. Perceba também que quando dizemos marã eré/peîé/e'i o -pe vem
depois do verbo 'e.
A partícula serã usamos para perguntas de “sim” ou “não,” isto é, quando
queremos conferir a verdade do que dizemos.

a) Kûé 'y pupé peîasuk serã? – Naquele rio vocês se banharam, né?
b) Ebokûé nde remîmonhanga serã? – Isso é seu trabalho, né?
c) Endé Ybotyra mena serã? – Você é o marido de Ybotyra, né?

G. 2ª classe

Existem em tupi muitos verbos que conjugamos como se fossem adjetivos.


Esses são os que chamamos de “verbos de 2ª classe.” Devido ao seu comportamento
como se fossem adjetivos, fica a critério de cada dicionário identificá-los como
verbos ou como adjetivos. Normalmente, esses verbos se referem a uma ação passiva,
o que ajuda a lembrar que não agem como verbos transitivos ou intransitivos.
Também é possível que o verbo de 2ª classe seja pluriforme. Vejamos alguns
exemplos:

• ma'endûar (resé): xe ma'endûar nde rendyra resé (lembro-me da sua irmã)


• esaraî (r-, suí): nde resaraî nde maraká suí (você esqueceu seu chocalho)
• tyb: i tyb piráetá 'y pupé (há muitos peixes no rio)
• nhyrõ (supé/resé): nda pe nhyrõî akûé porapitîarusu supé (vocês não perdoam
aquele genocida)
• apysyk (resé): xe apysyk pirámixýra (eu gosto de peixe assado)
• emo'em (r-): peró semo'em (o português mentiu)

Com essas formas, veja que você já pode falar sobre comida em tupi. Vamos

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

nos manter aos registros do séc. XVI e ver como era a dieta tupi da época:

Frutas: Outros vegetais


• arasá – goiaba • abati – milho
• akaîu – caju • komandá'ĩ – feijão
• nanã – abacaxi • mandubi – amendoim
• kupu'ygûasu – cupuaçu • aîpĩ – mandioca
• îabotikaba – jabuticaba • îetyka – batata-doca
• îurumũ – abóbora • tu'ã, ... ru'ã – palmito

Carnes
• ... ro'o – carne de...
• ... rupi'a – ovo de ...
• taîasu – porco-do-mato
• îagûara – onça
• sygûasu – veado
• pirá – peixe (muitas variedades: kandiru, parati, karamuru)
• potĩ – camarão
• îakaré – jacaré
• teîú – lagarto, teiú
• gûyrásapukáîa – galinha (não nativa)

Também devemos pensar nos preparados. Isto é, assado, cozido, suco,


churrasco, etc.

• ypûera (t-, r-, s-) – suco, caldo


• kaûĩ – cauim (bebida fermentada de mandioca, frutas ou até mel)
• îyb – cozido em geral
• moîyb – cozer, preparar
• ... ka'ẽ – assado na brasa, churrasco, seco
• moka'ẽ – assar na brasa, fazer churrasco
• mixyra – assado
• esyr (s-) – assar
• mimõîa – cozido na água
• syryryk – frito
• mosyryryk – fritar

Lembre-se que sempre é preciso dizer de que animal é o ovo – upi'a (t-, r-, s-),
a carne – o'o (r-, s-) (sendo que to'o é carne humana) e de que é feito o suco ou caldo
– ypûera (t-, r-, s-).
Tente agora encontrar de que comidas você gosta ou não gosta e se você as

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

come com frequência conforme o exemplo:

Ikónipó xe rembi'u: Estas são minhas comidas:


A'u gûyrasapukaîa rupi'a 'ara Como ovo de galinha todo dia.
îabi'õ. Xe apysyketé aîpĩmimõîa resé. Gosto muito de mandioca cozida.
A'upy'i pirámixýra îetyka abé. A'e riré, Frequentemente como peixe assado com
a'u murukuîá rypûera. Nda'uangáî îakaré batata-doce. Depois disso, tomo suco de
ro'o. maracujá. Nunca comi carne de jacaré.

Repare que disse pirámixýra îetyka abé (lit. peixe assado e batata-doce
também) para dizer “peixe assado com batata-doce.” Talvez seja possível dizer
pirámixýra îetyka resé (algo como “peixe assado sobre a batata-doce”), imitando o
guarani paraguaio (que seria pira mbichy jetýre). O infixo angá dá ênfase à negação
de não ter comido carne de jacaré. Aqui, decidi traduzi-lo com o sentido de “nunca.”

Exercícios
1. Traduza do tupi:
a) Xe nhyrõ nde mena supé
b) I xy ndi ma'endûári îandé resé
c) Akûé kunhã o'u apŷabetá
d) Xe rendúpe îepé?, a'e ndebe.
e) Kunhã onhotym mandubi îurumũ kó resé
f) Oroîasuk paranãme oîeí
g) Kó 'ybá i aûîé, e'i xebo.
h) Kó kunhã oîapó kaûĩ, kûéîba'e oîme'eng apŷaba supé
i) Ndasepîáki Tupã, e'i gûarinĩ xebo
2. Preencha:
a) Mamõpe endé __ (îasuk) kûesé?
b) __ (endé, kuab, interrog.) kûé kunumĩ ruba?
c) __ (peẽ, gûasem, interrog.) îagûareté __ ka'a rupi?
d) Oré __ (me'eng) piráka'ẽ peẽme.
3. Verta para o tupi:
a) Sua irmã me conhece
b) Você ajudou meu avô ontem pela Serra
c) Vocês conhecem o cacique?
d) Ela gosta de feijão
e) Meu pai perguntou se há piranhas no rio
f) Aquela (vis.) mulher se banhou no rio, e esta (vis.) na cachoeira
g) A sua esposa é a Piráakãîúba, né?

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

h) Você está em Nhoesembé, né?


i) Eu capturei muitas preás ontem
j) Ela perseguiu a cotia pela mata
k) Você viu a minha canoa?
l) Você deu uma olhada na toca da onça

H. E opcional

No tupi, há muitos verbos com um e inicial que some quando conjugamos o


verbo com o a-, ere-, îa-, e pe-.

• (e)rasó – levar
• (e)rur – trazer
• (e)rekó – ter consigo, cuidar, ter
• (e)robîar – acreditar

Vejamos alguns exemplos:

(e)rasó (e)rur (e)rekó


(levar) (trazer) (ter consigo)
Ixé arasó arur arekó
Endé ererasó ererur ererekó
A'e ogûerasó ogûerur ogûerekó
Oré orogûerasó orogûerur orogûerekó
Îandé îarasó îarur îarekó
Peẽ perasó perur perekó

Assim, repare nas seguintes frases:

a) Xe rendyra ogûerur komandá


b) Arasó aîpĩ xe sy supé
c) Sygûasu ogûerekó o membyra

I. Forma futura

O tupi não tem conjugação especial nem para o passado nem para o futuro. No
passado, podemos especificar com um advérbio de tempo.
O tupi tem um jeito distinto de falar do tempo. “Hoje” pode
ser dito de três formas diferentes: ko 'ara (lit. este dia; é assim que
se diz em guarani), kori (hoje, a partir de agora) e oîeí (hoje, antes
de agora). Ao longo do dia é dito como ko 'ara pukuî. “Amanhã”
também tem três formas: ko'eme (lit. de manhã), oîrã/oîrandé.

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Ontem pode ser dito como kûesé/kûeseîa. Daí, provavelmente, vem a expressão
kûesenhe'ym para “muito tempo atrás.” Também existem raka'e e erimba'e com o
mesmo sentido de um passado distante.
Para dizer “agora,” usa-se ko'yr. Também há ko'yré para “de agora em diante.”
Para indicar “já,” usamos ymã/ymûã depois do verbo; korite'ĩ e koromõ são jeitos de
dizer “logo;” 'angiré significa “daqui pra frente” ou “doravante;” e para indicar
“ainda” em orações negativas usamos ranhẽ ao final do período. Ranhẽ depois de um
pronome significa primeiro, antes de todos. Para dizer “antes” ou “anteriormente,”
usamos îanondé como um sufixo. Já “depois” é (r)iré, também como sufixo.
“Sempre” é dito como îepi ou memẽ; “todo dia” ou “diariamente” é dito como 'ara
îabi'õ; frequentemente pode ser dito como py'i ou como îaby; e “nunca” como aã,
igual à palavra para “não.”
O tempo é contado pelos ciclos da natureza. Podem-se contar os verões e
invernos como 'ara puku/'apuku (dias longos, verão) e ro'y (frio, inverno). Para medir
o ano solar, olhando para o céu, é possível reconhecer Plêiades, chamada de Seîxu. O
caju também aparece uma vez por ano, sendo akaîu uma medida do ano solar.
Hans Staden também registra o uso do piraka'ẽ (churrasco de peixe) como um
ciclo para medir o tempo.
A Lua pode ser um ciclo para medir o tempo, tendo registradas
três fases no lugar de quatro: Îasysema (saída da Lua), Îasyobagûasu
(cara grande da Lua) e Îasyangaîbara (Lua magra). Para quem vive no
litoral, as marés sobem e descem. As marés crescentes são 'yura, e
quando descem são 'ysyryka.

No futuro, porém, mesmo que digamos oîrã (amanhã) ou kori (hoje a partir de
agora), o uso da partícula ne é obrigatório. Essa partícula vai ao final da oração, ou
seja, não especificamente depois do verbo.

a) Aka'amondó xe ruba irũnamo korine – vou caçar hoje com meu pai
b) Apŷaba oka'une – os homens vão beber cauim
c) Kûarasy reîké riré, asendub paîé mombegûábane – depois do por-do-Sol, vou
ouvir as histórias do pajé

Já quando a oração no tempo futuro é também negativa, adicionamos o xûé


depois do verbo e o ne ainda no final do período. Assim:

a) Xe kane'õeté. Ndagûatáîxûé Ybytyra rupi oîrãne


Estou muito cansada. Não vou andar pela Serra amanhã
b) A'e i mara'ar. Ndoîmbo'exûé nde kó pytúnybone
Ele está doente. Não vai te ensinar esta noite
c) I tyb piranha ebokûé 'y pupé. Nda'ytábixûéne
Há piranhas nesse rio. Não vou nadar.

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Exercícios
1. Escolha um advérbio de tempo e passe para o futuro:
a) Aîasuk kûé 'y kûápe
b) Asó Ybotyra taba koty
c) Oro'u aîpĩmimõî
d) Nde resaraî peró nhe'enga suí
e) Ere'ytab xe irũnamo akûé ytupe
f) I xy oîapó abati ku'i îandébo
2. Passe para a forma negativa:
a) Kûé kunhã oîme'eng kaûĩ gûarinĩ supé
b) Maíra ogûerasó Itapuku o ygarusu pupéne
c) Opombo'e peró Tupana reséne
d) Abaré our Rerityba suíne
e) Asó paranã koty
f) Xe ruba oîapókatú so'o moka'ẽ
3. Verta para o tupi:
a) Ela não gosta do português
b) O guerreiro esqueceu da ybyrapema
c) Você vai caçar onça amanhã e eu vou ficar na roça
d) Ybotyra vai dar cauim ao Paragûasu

II. ORAÇÕES SUBORDINADAS

Até aqui, você foi capaz de desenvolver as orações mais


úteis e simples em tupi, com vários tipos de verbos, adjetivos e
porposições. A maioria das estruturas que você precisar usar para
o dia a dia foram essas. A partir daqui, começamos a ver orações
mais complexas e que demonstram maior domínio da gramática
da língua tupi – bem como da gramática da sua própria língua.

A. Infinitivo

Orações subordinadas são as orações que colocamos dentro de outras orações.


Em português, por exemplo: quero que ( ORAÇÃO PRINCIPAL) você faça isso (ORAÇÃO
SUBORDINADA); a capivara fugiu da onça que ( OP) mora na Serra (OS). Essas orações
podem ser um desejo, descrever um agente ou objeto, etc. Em português, usamos
alguma conjunção, como “que,” para criar essas orações, mas em tupi não.
Um jeito comum de criar orações subordinadas em tupi é usar o infinitivo do

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

verbo. Seria como dizer “quero sua conversa com o pajé” no lugar de “quero que
você converse com o pajé.” Vejamos alguns exemplos:

a) Abaré oîpotar (OP) nde nhemombe'u (OS)


O padre quer que você se confesse
b) Xe resaraî (OP) mosanga rerasó suí (OS)
Eu esqueci de levar o remédio
c) Aîmombe'u ymã (OP) Aîmbiré re'õ (OS)
Eu já contei que Aimberê morreu
d) Oroîpotar (OP) pe pytá oré tápe (OS)
Nós queremos que vocês fiquem em nossa aldeia
e) Asepîak (OP) i ka'amondó (OS)
Eu vi ele caçar
f) Ereîkuab ymã (OP) xe kamusi monhanga (OS)
Você já sabe que eu faço cestas

Perceba que o verbo manõ foi trocado pelo substantivo e'õ (t-, r-, s-), que
significa morte. Também veja que o pronome na oração subordinada está sempre na
2ª classe, e que verbos pluriformes ficam com a consoante r- (ou s-). Há, porém,
verbos irregulares. Vejamos dois deles:

ikó (r-, s-) ur (t-, r-, t-)


Ixé xe rekó xe rura
Endé nde rekó nde rura
A'e sekó tura
Oré oré rekó oré rura
Îandé îandé rekó îandé rura
Peẽ pe rekó pe rura

É possível indicar futuro ou passado na oração subordinada pelos sufixos


rama/pûera. Também é possível indicar negação negando o verbo ou com o sufixo
-e'ym.

a) Xe rorybeté nde rurûera resé


Fiquei muito feliz de você ter vindo
b) Peró ra'yra oîpotar turama
O filho do português quer que ele venha futuramente
c) Nda nde ma'endûári abati rerura resé
Você não lembrou de trazer o milho
d) Ixé asepîak pe pakûere'yma
Eu vi que vocês não acordaram
e) Xe sy oîkuab ymã xe rekóe'yma nde irũnamo
Minha mãe já sabe que eu não estou com você

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Exercícios
1. Verta para o tupi:
a) A onça quer que o tatu saia futuramente da toca
b) O padre vê que você está sem roupas
c) Vocês veem que os portugueses estão vindo
d) Jurupari quer que nós tenhamos medo dele
e) Eu queria que você tivesse me escutado
f) Nós sabemos que vocês detestam o Curupira
2. Complete:
a) Agûará oîpotar gûyrá'ĩ __ ('ar)
b) Asepîak kunhã kaûĩ __ (apó)
c) Abáetá osepîak tupinakyîa __ (ur)
d) Nde resaraî nde sy __ suí (pytybõ)
e) Oré ma'endûar tembi'u __ peẽme resé (me'eng)
f) Xe sy oîkuab xe __ (aûsub)

B. Agente

Além do uso do infinitivo, deverbais que indicam o agente do verbo (ara/ba'e)


também substituem orações subordinadas. É como dizer “quem nadou na cachoeira
veio perguntar de você.” Em tupi, podemos indicar o agente com dois sufixos: ara ou
ba'e.

Primeiro, vamos ver ba'e. Repare que também pode ser usado para adjetivos e
verbos de segunda classe. Quando usamos esse sufixo, mantemos o verbo conjugado
na 3ª pessoa, por exemplo: ogûatába'e – agente que caminha; oîagûápysýkyba'e – o
agente que capturou a onça (nada impede também de ser îagûara oîpysýkyba'e).

o + [tema] + ba'e

a) Îagûara oîpysýkyba'epûera xe ruba


SUJEITO–ORAÇÃO SUBORDINADA–PREDICADO
Quem capturou a onça foi meu pai
b) Abá ogûatába'e ka'a rupi pytúneme ndosykyîeî Îurupari suí
A pessoa que anda na mata de noite não tem medo do Jurupari
c) I tyb piranha 'y pupé, e'i kunumĩnema oîasuke'ýmba'e
O menino fedido que não toma banho disse que tem piranhas no rio

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d) A'e o'ytába'e paranãme xe sy


Aquela que está nadando no mar é minha mãe
e) Abáporúe'ýmba'e peró, amõaé abáeté
Quem não come carne de gente é português, o outro é indígena
f) Maíra oúryba'e okaru oré irũnamone
O francês que veio vai comer com a gente

Repare que preferimos deixar o verbo com o ba'e depois do complemento ou


objeto. Veja que no encontro com as consoantes labiais “b” e “p,” pode aparecer ou
não um y. Isto é: oîkuábyba'e ou oîkuába'e. Já quando o verbo termina em “m,” o y
também é opcional. Percebemos isso na forma negativa, que se faz com o e'ym antes
do ba'e. Em um dos exemplos, usamos o sufixo pûera para indicar o tempo passado.
Veja agora que há uma diferença sutil entre usar ba'e e ara. Ara indica uma
função ou característica do agente, “o agente fazedor de X,” enquanto que ba'e é algo
como “aquele sujeito que fez X.” No entanto, a diferença entre os dois ainda é
mínima. No caso de “alguém que me conhece,” diz-se xe kuapara, e não xe oîkuába'e
(o verbo em “xe kuab” nem mesmo está conjugado).

Para ajudar a lembrar:

A diferença entre os sufixos ba'e e ara é como a


diferença entre as seguintes orações:

Kyre'ymbaba peró oîukába'e


O guerreiro que matou portugueses
ou
Kyre'ymbaba peró îukására
O guerreiro matador de portugueses

Para usar esse sufixo, precisamos ver como é o verbo. Se termina em


consoante, simplesmente acrescentamos o ara: monhang + ara → monhangara. Mas
quando os verbos terminam em vogal, acrescentamos um “s:” îuká + ara →
îukására. Há, porém, exceções: pysyrõ + ara → pysyrõana (veja também a
transformação fonética pelo som nasal). Assim como em qualquer outro caso, verbos
transitivos precisam de um objeto direto. Não existe monhangara sem um substantivo
antes: inĩ monhangara (quem faz redes). Há, porém, a opção de usar poró/moró
(gente) e mba'e (coisa) como genéricos.

a) moró + mbo'e + ara


Ybotyra morombo'esara
Ybotyra é professora

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b) mo + oryb + ara
Kûé peró pitanga moorypara
Aquele português é o alegrador das crianças
c) enõî + ara
Paîé Îurupari renõîndara
O pajé é o invocador de Jurupari
d) aso'i + ara
Ta nde resaraî umẽ nde robá asoîara suí
Não se esqueça da sua máscara
e) pûaî + ara
A'e nda xe pûaîtara ruã
Ele não é meu chefe
f) ka'u + ara
Xe kybyra kagûara
Meu irmão é um beberrão
g) poro + apiti + ara
Akûé porapitîarusu oîpotar îandé re'õnama
Aquele genocida quer que a gente morra

Vamos ver as outras mudanças causadas pelo ara. Percebemos também que o b
final de verbos se torna p: saûsupara, kuapara, moorypara. Também vimos que 'i e 'u
no final do verbo se tornam 'i→î; 'u→gû. Apesar de eu ter usado tobá asoîara para
“máscara” (lit. cobertor facial), tobá asoîaba e îuru asoîaba também existem e tem
uso mais comum. Daí também o verbo transitivo asoîabok para “descobrir,” “tirar
cobertura.”
Quando o verbo termina em î, acrescentamos um t, e não um s. Esse t, por sua
vez, pode ficar nasalizado em nd. E, um último comentário, a palavra com ara é um
substantivo que pode recebes os sufixos (r)ama, (p)ûera, usu, ĩ, etc.

E quando não estamos descrevendo nem com um verbo nem com um adjetivo?
Normalmente, nesses casos estamos apenas usando uma posposição (pe, resé, 'ári,
etc.), e acrescentamos o sufixo sûara (eventualmente pora/bora, sûera e ygûara
também servem). Isso serve, por exemplo, para dizer
aîpysyk tatu ybytyrixûara – capturei o tatu da Serra
no lugar de
aîpysyk tatu ybytýrype oîkóba'e – capturei o tatu que vive na Serra.

a) Peró ygarusu pupéndûára oker


O português de dentro da caravela está dormindo
b) Xe kybyra U'ubatybygûara oîmongetá xe sy
Meu irmão de Ubatuba está conversando com minha mãe
c) Paka nhũ reséndûára oîabab
A paca do campo foge

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

d) Mara'abora nde'ikatuî kagûabo


A pessoa doente não pode beber cauim
e) Ka'apora paîé ruba
O habitante da mata é o pai do pajé
f) Kerixûera ndoîmongetáî peró
Aquele dorminhoco conversa com o português
g) 'yba oré retamygûara i 'a memẽ
As plantas da nossa região dão fruto sempre

A oração g) tem algumas palavras interessantes. Primeiramente, “dar fruto” é


um verbo de 2ª classe em tupi – 'a. Por isso escolhi i 'a. Isso é semelhante ao verbo
potyr, que é “dar flor.” Daí, para dizer que um pé dá flores dizemos i potyr.

Veja que pora/bora serve para falar de pessoas: mara'abora – a pessoa doente,
ka'apora – a pessoa da mata. Também é possível adicionar esse sufixo a verbos
intransitivos ou verbos transitivos com o objeto incorporado: moraûsubora – quem
ama as pessoas.
Ygûara é um sufixo que já vimos para “habitante”: U'ubatybygûara,
Karagûatátýbygûára, Nhoesembéygûára.
O sufixo sûara/ndûara é usado depois de posposições para criar um
substantivo: nhũ reséndûára – pelo campo; maraká pupéndûára – dentro do
chocalho.

Outro sufixo foi o sûera (que vira ixûera depois de consoantes), que vem
depois de verbos intransitivos para indicar o sujeito que os faz frequentemente, com
sentido quase idêntico ao -bora/pora: kerixûara – dorminhoco, atásûéra – andarilho.
Veja que também pode ser um adjetivo se usarmos apenas sûer/ixûer: nde pukasûer –
você é risonha.

C. Modo

O próximo sufixo é o aba, que é bastante similar ao ara. Esse sufixo indica
modo ou lugar. Em geral, usamos aba para coisas e conceitos e ara para pessoas.
Vamos ver alguns exemplos:

a) Abaré oîkó morombo'esápe


O padre está na escola
b) Xe mbo'e kunhãmuku kaûĩ aposagûama
A moça vai me ensinar como se vai fazer cauim
c) Mamõpe oîkó Pindámonhãngába?
Onde fica o lugar de fazer anzóis?
d) Xe ma'endûar nde xe pytybõambûera resé
Eu me lembro que você me ajudou

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

e) Oropytybõ nde raûsubápe


Te ajudo porque te amo
f) Nda xe rendúbi îepé nde kesápe
Você não me ouviu porque estava dormindo
g) Kunhataĩ osó 'y koty îasukápe
A garota foi ao rio para se banhar

Veja as mudanças fonéticas de i→î; 'u→gû e o uso de t, e as regras de


nasalização também valem. Também é possível acrescentar sufixos, como ûama e
ûera, mas vale apontar que o “b” tende a tornar-se “gû” nesses casos (enquanto o “m”
de palavras nasais se torna “mb”). Como aba também pode significar lugar, lembre-
se de que a última sílaba átona ba some ao usarmos a posposição pe.

Perceba como o aba pode até servir para responder perguntas, já que pode
explicar causa ou finalidade. Por exemplo: îasukápe com o sentido de “para se
banhar;” kesápe com o sentido de “porque estava dormindo.”

D. Passivo

O passivo é o modo do verbo que descreve quem recebe a ação, isto é, o


“ensinado,” o “caçado” ou o “escrito.” O passivo tem duas formas em tupi. A
primeira é a que usa o pronome de 2ª classe i com o sufixo pyr depois do verbo. Com
isso, podemos chamar ao guerreiro capturado que será morto no ritual antropofágico
de iîukápyrãma (o que vai ser morto; daí ijucapirama). Veja que nesse caso há o
(r)ama no final.

i + [tema] + pyr

a) Nhe'enga obebé, ikûatîarypyra opytá


A fala voa, o escrito fica – “verba volant, scripta manent”
b) Paîé nhõte oîkuab imombe'upyrama
Só o pajé sabe o que vai ser contado
c) Umãba'epe serobîarypyra?
Em qual se deve acreditar?
d) Sepîakypyra nda mba'eeté ruã
O que é visto não é o importante – “o que importa não é visível aos olhos”

Esse pyr está sujeito à nasalidade do verbo. Por exemplo, se “celebrar” é


momorang, o que é celebrado é momorangymbyra – veja também a aparição do y
entre consoantes. Em verbos que terminam com “p” ou “b,” esse y é opcional, assim
como com o ba'e. Por isso, saûsupyra ou saûsubypyra – é amado. O passivo com o

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

pyr também leva a consoante s- em verbos pluriformes: sepîakypyra, saûsupyra,


serasopyra, etc.
O pyr pode não apenas indicar o modo passivo, mas também indicar “aquilo
que deve ser...” Por exemplo, imombe'upyra pode ser “o que é contado,” mas também
“o que deve ser contado.”

Nas orações acima, você deve ter percebido que não falamos do agente do
verbo. Por exemplo, ninguém é o escritor em “o escrito fica.” Não é possível, por
exemplo, dizer “xe kûatîarypyra” para “minha escrita.” Sempre será somente “a coisa
escrita.”
No entanto, é possível mencionar o agente usando o outro passivo: (e)mi (t-, r-,
s-). Veja que, diferente de pyra, neste caso o prefixo é que nasaliza palavras não-
nasais. Assim: mi + potar → mimotara. Se a sílaba logo depois do mi for tônica, ele
se torna mbi. Por isso comida é embi'u (t-, r-, s-) e caça é embîara (t-, r-, s-). Vejamos
exemplos:

a) Xe anama oîkuab xe remimotara


Minha família sabe a minha vontade
b) Aîur xe pe rembi'urama
Vim eu, vossa futura comida – fala do guerreiro capturado
c) Ebokûé ipó nde remimonhanga
Isso é criação sua
d) Xe remiaûsuba oîkó oré roka pupé
Minha pessoa amada está em nossa casa

Perceba que esse passivo é praticamente a mesma coisa do i...pyr, com a adição
de poder mencionar o sujeito.
Lembre-se de como (e)mi acontece em alguns substantivos de forma fixa:
tembi'u (comida), mityma (plantação) ou mikûatîara (escrita, carta, livro). Daí vem o
termo (e)miaûsuba (t-, r-, s-), que significa literalmente “pessoa amada,” mas que já
foi usado para falar de servos e escravos. Daí a frase usada nos registros jesuítas:

i momiaûsubypyra renosema – fugir junto de quem foi feito de escravo.

Isso mostra a possibilidade de servos serem pessoas queridas e cuidadas ou de


serem considerados um “recurso” raro. O Vocabulário de Língua Brasílica – VLB
também registra “livre” ou “forro” como miaûsube'yma, lit. “que não é pessoa
amada,” mas com sentido de não ser escravizado. É curiosa a ausência de palavra
para “livre” em tupi, enquanto que em guarani paraguaio é “sãso,” lit. “cordas soltas.”

Mas e quando estou usando um verbo posposicionado? Por exemplo, pedir é


îeruré, e não é um verbo transitivo, como os outros que vimos, mas um intransitivo
posposicionado. Nesses casos, vamos usar a terminação (s)aba e não usar posposição

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

nenhuma. Dizemos:

a) Xe îeruresagûera komandámirĩ é
O que eu pedi era o feijão
b) Aîmombe'u nde resaraîtábane
Vou te contar o que você esqueceu

Exercícios
1. Preencha usando os sufixos ba'e e aba:
a) Kunumĩ ogûatá__ ybytyra rupi
b) Apŷaba oka'ú__ osykyîé Kurupira suí
c) Asó nde rekó__ koty
d) Amõ marakaîá oker nde rup__ resé
e) Kûé kunhã o'ytáb__ oîmonhang ygarama
f) Abá okér__ i kyrá
g) Xe ma'endûar îandé nhomongetá__ resé
h) Kunhã abati onhotým__ i porang
2. Preencha usando o sufixo de agente adequado:
a) Nde ramũîa nda iké__ ruã
b) Akûé peró oré raûsup__
c) Pitanga ndosepîáki te'õmbûera tym__
d) Peîkuápe ka'aasap__?
e) Abaré nda opákatú mba'e kuap__ ruã
f) Mba'ekûatîa__ our oré tápe
g) Eregûasẽmype îandé irũetá îuká__ supé?
3. Escolha o passivo adequado:
a) Ebokûé ipó xe sy __ (tym)
b) Umã gûarinĩpe nde __ (îuká)?
c) Mba'epe ebokûé __ (kûatîar)?
d) Ikó ipó xe __ (ar)
e) Mba'eeté ka'ugûasu. Aîpó __ (aûsukatu) – Monólogo de Gûaîxará
f) Marãpe nde __ (aûsub) rera?
g) Kûé inĩ xe __ (monhang)

E. Condicionais e Temporais

Expressar o tempo, isto é, dizer que A acontece quando acontece B, ou que C


acontece depois ou antes de D. Para essas orações, só precisamos saber de três
sufixos: îanondé (antes), (r)iré (depois) e (r)eme (quando). Esses sufixos vêm depois
de substantivos. Por isso, não dizemos “antes do Sol se por,” mas “antes do pôr-do-

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Sol;” não dizemos “depois de guerrearmos,” mas “depois da guerra.” Para isso, nos
aproveitamos do infinitivo dos verbos em tupi, e não é necessário conjugar o verbo.

O sufixo (r)eme em tupi também pode ser usado para indicar motivo, isto é,
“porque.” Perguntamos “por quê?” dizendo marãnamope ou mba'erama resépe, e
respondemos fazendo uma oração com o sufixo (r)eme – veja também que o (r)esé
pode ser usado nas respostas (“porque”) depois de um substantivo.

Vamos ver alguns exemplos:

a) Gûyrá'ĩ onhe'eng Kûarasy semyîanondé


Os passarinhos cantam antes do Sol nascer
b) Tukura osunung Îasy sẽmeme
Os grilos fazem barulho enquanto a Lua nasce
c) Xe karu îanondé, aîepoéî
Antes de comer, eu lavo minhas mãos
d) Marãpe ereîkó opá ybyrá 'okiréne?
Como você vai ficar depois de cortar todas as árvores?
e) Marãnamope kunumĩ ndoîasúki a'e 'y pupé? I xykyîéreme piranha suí
Por que o menino não se banha naquele rio? Porque ele tem medo de piranha
f) Mba'erama resépe ndereîmongetá nde rapixara? Xe nharõ resé
Por que você não fala com seu semelhante? Porque estou brava
g) Anhemoŷrõ pe nhomongetáreme peronhe'enga rupi xe retãme
Fico bravo quando você falam em português no meu país
h) Îagûara oîabab oré repîákeme
A onça fugiu quando nos viu
i) Kunhãmuku oîapó kaûĩ maíra îepotariré
As moças fizeram cauim depois dos franceses chegarem
j) Kyre'ymbabetá oîebyr o tápe maraniré
Muitos guerreiros voltaram para suas aldeias depois da guerra

Antes: îanondé
Durante: (r)eme
Depois: (r)iré

Perceba o comportamento peculiar desses sufixos. (R)iré torna-se apenas iré


em palavras paroxítonas ou que terminam já em “r.” Îanondé não pode vir logo
depois de uma consoante. Por isso, aparece um “y.” E (r)eme é sempre um sufixo
átono, mantendo o acento onde ele já ficava na palavra antes dele.
A forma negativa se faz com o e'ym, e e'ym + (r)eme → e'yme. Veja também
que o e'ymiré ganha também o significado de “depois de não fazer” tanto quanto

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

“enquanto não fazia.”

Apesar da simplicidade até agora, lembremos da existência do e'ymebé, para


dizer do que acontece depois de uma coisa possível, mas não certa. Por exemplo:
tîasó oré rendube'ymebé – vamos antes que nos ouçam.
Como dizemos quando queremos dizer “logo que A, acontece B?” Bem,
usamos abé ou upibé (r-, s-): ixé nde repîaka abé/rupibé, xe îase'õû – logo que te vi,
chorei.

Assim:

a) Abaré rekóe'yme taba pupé, orosykyîé Tupã suí


Quando o padre não fica na aldeia, temos medo de Tupã
b) Xe sy i nharõ xe ruba pirá rerure'ymiré
Minha mãe ficou brava depois que meu pai não trouxe peixe
c) Îagûara oîabab oré renduba rupibé
A onça fugiu assim que nos ouvir
d) Nde nhemoŷrõe'ymebé, aîapó aîpĩ mimõîa ndébo
Antes de você ficar com raiva, eu fiz mandioca cozida pra você

Com o (r)eme, podemos dizer coisas como “ao longo da tarde” ou “ao longo da
noite.” Além disso, existem também as posposições îabi'õ e pukuî para esse sentido.
Veja os exemplos:

• 'ara pukuî – durante o dia • ko'eme – de manhã


• 'ara îabi'õ – a cada dia • pytúneme, pytúnybo – de noite
• ro'y îabi'õ – a cada ano/inverno • pysaré – a noite toda
• a'e riré – depois isso • karúkeme – de tarde
• a'e îanondé – antes isso • karuka pukuî – durante a tarde
• a'eremebé, a'éreme – durante isso

Além disso, sempre evitei usar a oração com o iré/îanondé/eme antes da oração
principal quando o sujeito era alguém de terceira pessoa. Isto é, posso dizer “xe karu
îanondé, aîepoéî,” mas não “*o karu îanondé, oîepoéî.” Nesse segundo caso,
teríamos usados o modo indicativo circunstancial, que está no final do livro.

O próximo é o sufixo mo, que indica o condicional. O interessante, é que esse


sufixo pode aparecer depois de verbos conjugados e no infinitivo, inclusive junto aos
sufixos que vimos anteriormente. O mo também aparece no verbo da oração principal
e na oração condicional.
Por exemplo: abá mamõŷgûara rúrememo, marã erémope i xupé? – se viesse
um forasteiro, que você lhe diria? Nada impede, porém, de usarmos o mo sem

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explicar uma condição: oropytybõmo – eu te ajudaria.

a) Tupinakyîa nde oîpysýkymo


Os tupiniquim iam te capturar
b) Xe senõîememo, oúrymo
Se eu o chamasse, ele viria
c) Nde îasuke'ymemo, ndoroanhubãnixûémone
Se você não tomar banho, eu não vou te abraçar
d) Nde kyrirĩrirémo, oré ndosendubixûémo
Se você ficasse em silêncio, não nos teriam ouvido
e) Peró rure'ymbirémo, ndoré mara'arixûémo
Se os portugueses não viessem, não estaríamos doentes

Veja que o mo depois de riré dá sentido de “se tivesse acontecido X.”


Igualmente, o e'ymbiré seguido de mo dá o sentido de “se não tivesse acontecido.”
Lembre-se que orações negativas ficam com o ixûémo.
Orações subordinadas podem, além de causa, indicar uma contradição, isto é,
quando A acontece apesar de B. O îepé vem no final da oração subordinada que
complementa. Dá o sentido de “apesar de” ou “mesmo que.” Pode ser usado tanto
com verbos quanto com adjetivos. Por exemplo:

a) Oroekar îepé, ndagûasẽmi ndébe


Por mais que te procure, não te encontro
b) I kyrá îepé, satãeté
Apesar de ser gordo, ele é muito forte
c) Xe membyra ndoîmonhanguábixûémo kamusi aîmbo'e îepémo
Minha filha não sabe fazer cestas por mais que eu lhe ensine

Exercícios
1. Escreva o que você faz antes, durante e depois do seguinte:
a) Xe pakyîanondé
b) Xe anama (xe ruba, xe sy...) pakiré
c) Xe karu îanondé
d) Xe karu riré
e) Kûarasy reîké riré
f) Pytúneme
g) Xe keryîanondé
h) Xe raûsupara mongetáreme
2. Verta para o tupi:
a) Depois de eu vir pra casa, eu tomo banho

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b) Assim que chego em casa, lavo minhas mãos


c) Antes de sair, eu abraço minha mãe e meu pai
d) Assim que ela te chamou, você foi
e) Apesar de ser português, ele vive conosco
f) Antes de você sair, quero que você tome o cauim
g) Antes de você se confessar ao cacique, reflita
h) Se seu pai te ouvisse, ficaria com raiva
i) Apesar de ser magra, ela é forte
j) Se você não ouvisse a história do padre, o que você diria?

III. Gerúndio
O gerúndio é parte importante da gramática tupi. Quando fazemos uma oração,
se nela houver mais de um verbo, apenas um deles pode estar na forma indicativa,
que é a que vimos até agora. Se há mais de um verbo na frase, o outro verbo estará no
gerúndio, no infinitivo ou nalgum outro modo. Nesta seção, veremos frases em que o
sujeito do verbo no gerúndio e do verbo principal são o mesmo. Vamos ver as regras
para passar os verbos para o gerúndio.

Livro POEMAS – Lírica Portuguesa e Tupi


por José de Anchieta e organizado pelo prof. Eduardo de A. Navarro

VERBOS INTRANSITIVOS
Verbos intransitivos no gerúndio recebem um prefixo para cada pessoa e uma
terminação que depende de como termina o tema original. Os prefixos são: gûi, e, o,
îa, oro e pe.

• verbos que terminam em vogal tônica recebem um -bo/mo;


• se a vogal for “o” ou “u,” torna-se ûabo; se essa vogal “o/u” tiver uma pausa
glotal ('), ela tornará-se “g”, fazendo gûabo;
• se o verbo terminar em “i,” tornará-se îabo;
• se o verbo terminar em consoante, acrescenta-se a letra a;
• se a última letra do tema for “b,” ela pode vir a tornar-se p;
• se a consoante for “r,” ela simplesmente some;

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VERBOS TRANSITIVOS
Os verbos transitivos sempre devem mostrar qual o seu objeto. Sendo assim,
para colocá-los no gerúndio, basta escrever seu objeto junto a eles e seguir as mesmas
regras para a terminação do verbos intransitivos, e não é necessário mais indicar o
sujeito no caso de já estar claro na oração. Se for um verbo pluriforme, é necessário
lembrar de qual consoante usar.

Veja na tabela os intransitivos:

gûatá karu
Ixé gûigûatábo gûikarûabo
Endé egûatábo ekarûabo
A'e ogûatábo okarûabo
Oré orogûatábo orokarûabo
Îandé îagûatábo îakaruabo
Peẽ pegûatábo pekarûabo

E agora veja que os transitivos ficam mais simples:

'u (e)rasó (r-, s-)


Ixé
Endé
A'e
OBJETO gûabo OBJETO rerasóbo
Oré
Îandé
Peẽ

VERBOS DE 2ª CLASSE E ADJETIVOS

Os verbos de 2ª classe comportam-se sempre como adjetivos, e vemos como


isso acontece com o gerúndio também. Para isso, basta acrescentar a posposição
(r)amo ao final fo verbo/adjetivo e manter o pronome apropriado. Se for o pronome
de 3ª pessoa (i), ela virá a tornar-se o. Assim:

opesyî (r-, s-)


oryb ma'endûar
(com sono)
Ixé xe rorýbamo xe ropesýîamo xe ma'endûáramo
Endé nde rorýbamo nde ropesýîamo nde ma'endûáramo
A'e oû orýbamo oû opesýîamo o ma'endûáramo
Oré oré rorýbamo oré ropesýîamo oré ma'endûáramo
Îandé îandé rorýbamo îandé ropesýîamo îandé ma'endûáramo
Peẽ pe rorýbamo pe ropesýîamo pe ma'endûáramo

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Vamos ver alguns exemplos em uso:

a) Our Rerityba suí 'ybáurú reru


Venho de Rerityba trazendo uma cesta de frutas
b) Kunumĩ ogûatá xe irũnamo ka'a rupi Îurupari suí osykyîébo
O menino caminhou comigo pela mata tendo medo do Jurupari
c) Agûatá akûé kunhã mongetábo
Caminhei conversando com aquela mulher
d) Aîmongetá akûé kunhã gûigûatábo
Conversei com aquela mulher caminhando

PRESENTE CONTÍNUO

O gerúndio também faz parte do presente contínuo. Isso é usado em frases


como a que foi dita no filme Hans Staden (1999): oré rembi'urama opererek oîkóbo
(nossa comida está saltitando). Esse tempo verbal pode ser feito com um de três
verbos: in, ikó ou ub.

in ikó ub 'am
sem sair do lugar em movimento deitando-se em pé
Ixé gûitena gûitekóbo gûitupa gûi'ama
Endé eína eîkóbo eîupa e'ama
A'e oína oîkóbo oúpa o'ama
Oré oroína oroîkóbo oroîupa oro'ama
Îandé îaína îaîkóbo îaîupa îa'ama
Peẽ peína peîkóbo peîupa pe'ama

Assim:

a) Asendub gûitupa amandykyra pu xe abá'ýba irũnamo


Eu ouço o barulho das gotas de chuva com mi namorade deitando
b) Ybotyra osekar îurukugûá oîkóbo Paranãme
Ybotyra está procurando tartarugas no mae
c) Abákyrá okaru oína yby resé
O homem gordo está comendo sentado no chão
d) Kunhã oma'ẽ o'ama oré resé itáybaté 'ári
A mulher está olhando pra gente de pé sobre uma pedra alta

USANDO O GERÚNDIO COM 'E/'I

Com o gerúndio, podemos dar muitos usos ao verbo 'e/'i. Lemos Barbosa
apontou como ele pode ser usado para expressar julgamentos e pensamentos,

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

especialmente acompanhando py'ápe (no fígado, no coração, em sua mente), para


indicar a causa de uma ação. A tabela mostra que esse verbo segue a regra dos verbos
intransitivos, e os exemplos mostram como ele acompanha o discurso direto, isto é,
citando as palavras “ditas,” e não o discurso indireto, como usei nas traduções. Veja:

'e
Ixé gûi'îabo
Endé e'îabo
A'e o'îabo
Oré oro'îabo
Îandé îa'îabo
Peẽ pe'îabo

a) Ndi týbi piranha, gûi'îabo, aîasuk ikó 'y pupé


Achando que não tinha piranhas, entrei neste rio
b) Îagûara oker oúpa, o'îabo, oîké i kûara pupé
Pensando que a onça estava dormindo, entrou na sua toca
c) Ebokûé nha'ẽ xe mba'e serã, e'îabo, ererur xebo
Achando que o prato era meu, você o trouxe pra mim
d) Peró a'e, o'îabo o py'ápe, gûarinĩ ogûerur Hans Staden o tápe
Os guerreiros trouxeram Hans Staden para a aldeia achando que ele era
português
e) Okakuab ybyrápukúramone, e'i o py'ápe sa'ynha tyma
Vai crescer como uma grande árvore, pensou quando plantava

Podemos usar esse verbo para citar perguntas, pensamentos, convites, etc.:

a) Mamõpe oîkó xe membyra?, e'i Itapuku sy oporandupa xebo


A mãe de Itapuku perguntou onde ele está
b) Eîori oréndí Mbyrikiókype, oro'e kunhã supé i xogûabo
Convidamos a mulher para vir conosco para Bertioga

Tanto na forma negativa quanto na afirmativa, é possível usar o verbo 'e (dizer)
para dar ênfase ao verbo, e, para isso, o verbo fica no gerúndio. Isso equivale ao uso
do “do” para reforçar o verbo principal em inglês. Por exemplo:

a) A'e nde raûsuba


Eu te amo de verdade
b) Ndoro'éî nhemoaoba
Nós não nos vestimos
c) E'i o esaráîamo nde rera suí
Ele esqueceu do seu nome

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GERÚNDIO COMO SIMULTANEIDADE

O papel mais claro do gerúndio é o da simultaneidade, isto é, de duas ações que


ocorrem ao mesmo tempo, em sequência ou de alguma outra forma ligadas. Por
exemplo, no ritual antropofágico, acontece o diálogo:
Îukására – Xe irũetá peîuká i gûábo (Vocês mataram muitos colegas meus e os
comeram)
Iîukápyrãma – Xe irũetá xe repýkyne (Muitos colegas meus vão me vingar)

a) Oîasuk 'y pupé o'ytápa


Banhou-se nadando no rio
b) Apytá ytupe pirá retyîa
Fico na cachoeira pescando peixe
c) Xe îekotyasaba a'e, e'i o emo'emo
Mentiu dizendo que é su amigue
d) Oroaûsub, a'e nde îurupytera
Eu disse que te amo e te beijei

GERÚNDIO COMO FINALIDADE

Um uso notável do gerúndio em tupi é seu papel como finalidade. Podemos


acrescentar um verbo no gerúndio e passar o sentido de que aquela é a intenção da
ação realizada. Por exemplo: asó soka koty tembi'u rerasóbo – fui à sua casa para
levar comida.

a) Tupinakyîa our marãmonhanga


Tupiniquins vieram para guerrear
b) Kunhã osó 'y kûápe o mena repîaka
A mulher foi pra enseada ver seu marido
c) Kunumĩ osó ka'a rupi 'ybá 'oka
O menino foi pela meta pra colher frutas
d) Asó nde rókype nde mongetábo
Fui pra sua casa conversar com você
e) Ne'ĩ, asó ikó xe sy xe ruba pytybõmo
Bem, vou agora para ajudar minha mãe e meu pai

Exercícios
1. Preencha com o verbo no gerúndio:
a) Orogûatá ybytyra koty __ (ka'amondó)
b) Asem 'ypa'ũgûasu suí nde __ (epîak)

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

c) Gûarinĩ our sembîara __ (erur)


d) Peró osó ybyrapytanga __ (erasó)
e) Kunhã onhe'eng morubixaba supé __ (in)
f) I anhuban i __ (îurupyter)
2. Verta para o tupi:
a) Estou comendo peixe
b) Você está ouvindo o trovão?
c) Ela foi em direção ao mar para ver seu marido
d) Minha mãe foi pro rio se banhar
e) Você foi pra casa do Iperugûasu levar comida?

IV. Modos
A. Vontade e Capacidade

Para expressar sua vontade ou capacidade de realizar uma ação em tupi, temos
quatro verbos à nossa disposição: seî, potar, kuab, 'ekatu.
Seî só é usado com o verbo 'u. Assim: a'useî ebokûeîa – quero comer isso;
a'y'useî – quero tomar água. Para os outros verbos, usamos potar, sem esquecer das
regras de nasalidade e perda de sílaba átona.

• epîak (s-) + potar → epîapotar (s-)


• só + potar → sópotár
• poraseî → poraseîpotar

Então, façamos as seguintes frases:

a) Mba'epe nipó ere'useî?


O que você quer comer?
b) Îagûareté oîpysypotar îakaré
A onça quer capturar o jacaré
c) Asopotar kûé 'ypa'ũme xe anama repîaka
Quero ir pra aquela ilha ver minha família
d) Peró omendápotár kunhã tupinambá resé
O português quer se casar com a mulher tupinambá
e) Aîmongetápotár pe rubixaba
Quero conversar com seu chefe
f) Ndoroepîapotári nde arurúramo
Não quero te ver triste
g) Oroîurupytepotar, xe remiaûsup
Quero te beijar (na boca), minha pessoa amada
h) Oroanhubamotakatu, xe anam ygûé
Quero muito te abraçar, parente

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Removendo ambiguidade

E perceba que podemos usar o potá no gerúndio para mostrar


finalidade assim como fizemos usando o gerúndio simplesmente.
Isso pode servir para tirar ambiguidade. Por exemplo:

Tupinambá oîtyk peró o yby rarõmo


Tupinambá venceram os portugueses defendendo sua terra (ou
para defender sua terra, dependendo do contexto)

Tupinambá oîtyk peró o yby rarõmotá


Tupinambá venceram os portugueses querendo defender sua
terra (para defender sua terra, sem ambiguidade)

a) Kyre'ymbaba osó ka'amondá ↔ Kyre'ymbaba osó ka'amondápotá


O guerreiro foi caçar
b) Kunhã osó 'y kûápe o mena repîaka ↔ Kunhã osó 'y kûápe o mena repîapotá
A mulher foi pra enseada ver seu marido
c) Kunumĩ osó ka'a rupi 'ybá 'oka ↔ Kunumõ osó ka'a rupi 'ybá 'opotá
O menino foi pela meta pra colher frutas
d) Asó nde rókype nde mongetábo ↔ Asó nde rókype nde mongetápotá
Fui pra sua casa conversar com você

Para mostrar capacidade ou possibilidade, como seria com os verbos modais


can e may em inglês, podemos usar kuab ao final do verbo ou o verbo 'ekatu com o
verbo no gerúndio.

Kuab:
a) Paîé onhe'enguab perónhe'ẽnga rupi
O pajé sabe falar português
b) Kunumĩ ndo'ytákuábi ranhẽ
O menino ainda não sabe nadar
c) Kûé kunhã kaûĩ oîapókuáb
Aquela mulher sabe preparar o cauim
d) Ixé inĩ kamusi aîmonhanguab
Eu sei fazer redes e cestas

'ekatu:
e) Ixé a'ekatu gûigûatábo pe irũnamo kûeîpe
Eu posso andar com vocês até ali

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

f) A'e e'ikatu oké oré roka pupé


Ele pode dormir na nossa casa
g) Îurupari nde'ikatuî xe mosykyîébo
Jurupari não pode me assustar
h) Erékatúpe enhe'enga paîé supé, xe atûasap?
Você pode falar com o pajé, compadre?

Exercícios
1. Traduza do tupi:
a) Ebokûé paîé e'ikatu xe mena mombûeraba serã?
b) Xe tupã opákatú mba'e monhanga e'ikatúba'e, e'i peró orébo
c) Amõ kunumĩ o'ytakuab ymã
d) Kunhãmuku kaûĩ oîapókuáb
e) Aîkûatîakuab peronhe'enga rupi
f) Oromongetapotar, xe rapixar
g) Apŷaba nhõ e'ikatu kagûabo
2. Verta para o tupi:
a) Meu pai sabe fazer redes
b) (dito por mulher) meu irmão sabe preparar churrasco/moquém
c) Só eu posso falar ao cacique
d) Só o pajé pode escutar o Jurupari
e) O Curupira não sabe fazer cestas
f) Eu quero ir a Rerityba
g) Queremos ficar na roça

B. Permissivo e Imperativo

O modo permissivo em tupi indica desejo, finalidade, algo que diríamos em


português como “que eu faça...” ou “que você fique...” Isso fazemos em tupi com a
partícula ta antes do verbo/adjetivo. Repare que, tomo ta é átono, tende a se fundir
com os pronomes e prefixos pessoais.

a) Ybotyra oîo'ok komandá tîa'une


Ybotyra colhe feijão para comermos
b) Orosenõî paîé toîmombûerab mara'abórane
Chamamos o pajé para que ele cure a pessoa doente
c) Aîmbiré our oré tápe, tîasó gûarinĩnamo, o'îabo
Aimberê veio à nossa aldeia pra nos chamar para a guerra

Perceba que é comum juntar a partícula ta com a partícula ne ao final do

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

período. Quando a tîa, registros de José de Anchieta apontam que pode-se


pronunciar como /tja/ ou como /tʃja/, isto é, “tiá” ou “txiá.”

Já o imperativo em tupi pode ser ou singular ou plural e ou afirmativo ou


negativo. Isto é: faça você, façam vocês; não faça você, não façam vocês. O
imperativo para “tu” é o prefico e-, e para “vós” é pe-. Na voz negativa, apenas
acrescentamos o umẽ depois do verbo. Assim:

Exemplo com o verbo nhe'eng:

nhe'eng
afirmativo negativo
Endé enhe'eng enhe'eng umẽ
Peẽ penhe'eng penhe'eng umẽ

Note que há imperativos irregulares, como os seguintes verbos:

ur (t-, r-) só
eîori ekûá
Endé
eîor ekûãî
peîori ekûá
Peẽ
peîor pekûãî

Se quiser aliviar o imperativo, aproveitando a ausência de palavra para “por


favor” em tupi, Barbosa aponta o uso de angab: eker angap – durma, por favor; eré
xebo angab – diga-me, por favor. Isso equivale às várias alternativas de pedir favores
no guarani paraguaio, que tampouco tem expressão para “por favor:” -mi, -na, etc.
Para verbos de 2ª classe e adjetivos, misture a partícula ta com o umẽ. Assim:

Ta nde ma'endûar xe reséne – que você se lembre de mim


ta nde resaraî umẽ xe resé – que você não se esqueça de mim

Até com substantivos isso é possível:


ta xe paîé umẽne – que eu não seja pajé

Também é possível informar o imperativo negativo usando téumẽ com o verbo


no infinitivo. Por exemplo:
té umẽ 'ytapa 'y pupé – não nade no rio

Todos os imperativos também podem incluir a partícula ké logo depois do


verbo ou do téumẽ para chamar mais a atenção de quem está ouvindo. É equivalente
ao “olha” ou “ó” do português.

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Exercícios
1. Verta para o tupi usando o modo imperativo
a) Vá para Bertioga encontrar o Iperuguasu
b) Dê-me comida, por favor
c) Conte ao padre sobre o Curupira
d) Ajude sua mãe a trazer o milho
e) Venha para nossa (excl.) aldeia para dançarmos (permissivo, incl.)
2. Verta para o tupi usando o modo permissivo
a) Não se esqueça de ter medo do Jurupari
b) Perdoem-me, por favor
c) Vá para Caraguatatuba
d) Traga caju e mandioca (imperativo) para que eu prepare cauim (permissivo)
e) Me ajude, por favor
f) Que o padre não fique bravo

C. Mutualidade, Reflexividade e Reciprocidade

Os verbos em tupi podem receber uma série de prefixos que indicam


mutualidade, reflexividade e reciprocidade. Mutualidade significa que os dois
agentes do verbos fazem a ação um ao outro. O exemplo mais claro é oîoaûsub (se
amam). Inclusive, a palavra joayhu do guarani paraguaio significa não
simplesmente “amor mútuo,” mas “amizade.”
A reflexividade significa que o agente faz a ação sobre si mesmo. Por
exemplo:

Tatu onhemim o kûara pupé


O tatu se esconde em sua toca.

Já a reciprocidade acontece quando o agente faz com que o sujeito realize a


ação junto dele. Por exemplo aroporaseî (faço dançar comigo).
Vamos ver mais exemplos, e aproveite para perceber o impacto dos verbos
nasais nesses prefixos:

Mutualidade: îo
a) Kyre'ymbaba onhomongetá maranyîanondé
os guerreiros conversam entre si antes da guerra
b) Kunhã onhopytybõ tembi'urama tyma
as mulheres de ajudam plantando comida
c) Tîaîoepîákyne
que nos vejamos no futuro

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Reflexividade: îe
d) Amõ apŷaba onhemombe'u abaré supé
um homem se confessou para o padre
e) Eîepoéî
lave suas mãos
f) Teîú onhemoakub ybyku'i resé oína
o lagarto se esquenta ficando na areia

Reciprocidade: (e)ro
g) Ogûerosyk o a'yra
fez seu filho chegar consigo
h) Anosem Ka'ioby
fiz Ka'ioby sair comigo
i) Arogûeîyb xe sy Ybytyra rupi
fiz minha mãe descer comigo pela Serra

Veja que îo pode aparecer com posposições com o sentido de reflexividade. Por
exemplo: arur ikóba'e xe îoupé – eu trouxe para mim; nde apysyk nde îoesé – você
gosta de si.

D. Causatividade

A causatividade é o que chamamos quando um agente causa que outrem


realize uma ação. Em português, costumamos usar o verbo “fazer” para isso: eu te fiz
parar. Também usamos para substantivos e adjetivos: ele o fez pajé; ela a fez ficar
bonita. Em tupi, a causatividade pode ser indicada por um prefixo nasal mo- ou por
um sufixo -ukar.
Mo- é usado para adjetivos, substantivos e verbos intransitivos. Normalmente,
o mo- nasaliza a palavra. Daí: mo + só → mondó. Mas isso não vale sempre: mo +
tekokuab → motekokuab. Repare que quando acrescentamos o mo- a um verbo
intransitivo (ou a um adjetivo ou a um substantivo), ele torna-se um verbo transitivo.
Assim, exige objeto direto. Vamos ver frases com alguns verbos:

a) sykyîé → mosykyîé
Kurupira oîmosykyîé kunumĩ
O Curupira assusta o menino
b) paîé → mombaîé
Paragûasu onhemombaîé
Paraguasu se fez pajé
c) pak → mombak
Xe mombak xe sy
Minha mãe me acordou

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

d) pab → mombab
Pe Tupã e'ikatu amana mombaba serã?
O deus de vocês pode parar a chuva?
e) oryb (t-, r-, s-) → mooryb
Moraseîa oîmooryb gûãîbĩ
A dança alegra as velhas
f) apysyk → moapysyk
Xe moapysyk akaîu rypûera
Eu gosto de suco de caju
g) kyrirĩ → mokyrirĩ
Enhemokyrirĩ paîé nhe'enga rendupa
Cale-se para ouvir o que diz o pajé
h) kyrá → mongyrá
A'e onhemongyrá oû obaîara gûabo
Ele engordou comendo seus inimigos

Já conhecíamos apysyk como um verbo de 2ª classe com posposição (r)esé para


dizer que gostamos de alguma coisa. Também é válido usar a construção com o
causativo, como aparece no exemplo f). Como verbo transitivo, veja também que
podemos acrescentar o sufixo -îe- nesses verbos.
Quando fazemos o causativo de um verbo transitivo, não podemos mais usar o
mo-. Nesses casos, usamos -ukar como um sufixo. Com esse sufixo, usamos a
posposição supé para quem recebe a ordem, enquanto que o objeto da ação fica ainda
como objeto direto. Repare que -ukar pode dar sentido de permissão ou de ordem.
Vejamos:

a) epîak (s-) → epîakukar (s-)


Peró osepîakukar o ygarusu i xupé
O português deixou que vissem sua caravela
b) endub (s-) → endubukar (s-) → îeendubukar
Aîeensubukar peẽme
Eu fiz vocês me escutarem
c) pak → mombak → mombakukar
Eîmombakukar nde kybyra nde pyky'yra supé
Mande sua irmã mais nova acordar seu irmão
d) endy (r-, s-) → moendy → moendyukar
Eîmoendyukar tatá nde ruba supé taîapó piráka'ẽ
Mande seu pai acender o fogo para que eu faça o peixe assado
e) îasuk → moîasuk → moîasukukar → nhemoîasukukar
Túîba'e onhemoîasukukar orébo
O velho mandou que nós dêssemos banho nele

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Exercícios
1. Verta para o tupi:
a) Eu mandei ir para Iperu 'y
b) Ela alegrou o marido plantando milho
c) Eu te mostrei minha rede
d) Você me fez te ouvir
e) O Jurupari não assusta o homem valente
f) Ela te mandou colher a mandioca
2. Crie uma frase com o causativo do verbo/adjetivo/substantivo:
a) pak
b) endy (s-, r-)
c) só
d) me'eng
e) kyrá
f) tabygûara
g) ikobé
h) iké

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CONTEÚDO
ADICIONAL

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I. Partículas e Interjeições
O tupi é uma língua que permite a expressão de nuances com simples
partículas. Essas partículas têm o papel de indicar uma coisa feita em vão, de mostrar
determinação, contradição, etc. Já vimos lá no começo, por exemplo, o uso do ipó e
do ne para dar ênfase em um substantivo. Além disso, algumas delas são diferentes de
acordo com o gênero de quem as diz, oferecendo também a possibilidade da pessoa
se expressar conforme sentir-se melhor.

KÁ/KY
Repare que mulheres usam ky e homens usam ká. Dão ideia de decisão ou
ordem, e atuam como um ponto de exclamação:

a) Togûerur oré robaîara ká!, e'i moribixaba


Que tragam nosso inimigo, disse o cacique
b) Epytá xe irũnamo ky!
Fique comigo!

TE
Te é uma partícula átona que indica complementação ou até contradição.
Normalmente é o equivalente ao “mas” do português. Colocamos te depois da palavra
para a qual queremos dar atenção. Por exemplo:

c) Nhe'enga obebé, ikûatîarypýrate opytá


A fala voa, mas a escrita fica
d) Ndasykyîeî îagûareté suí, xe mosykyîéte Îurupari
Não tenho medo de onça, mas Jurupari me dá medo
e) Xe sy ikéygûára, xe arýîate amõa'e tabygûara
Minha mãe é daqui, mas minha vó é de outra aldeia


Diferente do te átono, o té é tônico, e vem no começo da oração. Dá sentido de
“enfim” ou “finalmente” ou até “ah” para falarmos de algo que tínhamos esquecido.
Por exemplo:

a) Té, asyk xe tápe


Enfim, cheguei em casa
b) Té paîé our îandé pytybõmo
Finalmente o pajé veio nos ajudar
c) Té, orogûatá Kuti'ytyba koty oîrãne
Ah, e vamos viajar para Curitiba amanhã

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

NHÕ
O nhõ significa “só” ou “apenas.” Comumente é acompanhado de um te átono,
fazendo nhõte. Por exemplo:

a) Abaré nhõte ndoîkuábi oré pepyka


Só o padre não sabe da nossa festa
b) Peró nhõte onhemoaob
Só o português usa roupas
c) Apŷaba nhõ oka'u
Só os homens bebem cauim

AMẼ
Colocamos essa partícla logo após o verbo para indicar costume de uma ação.
Pode dar tanto a ideia de costume no presente quanto no passado dependendo do
contexto. Por exemplo:

a) A'u amẽ so'o. 'Angiréte nda'uangáî so'one.


Eu comia carne. Mas de agora em diante, nunca mais vou comer carne.
b) Xe ruba opak amẽ Kûarasy sema rupibé.
Meu pai costuma acordar logo depois do Sol nascer.

Veja o angá entre o verbo 'u e o sufixo i da forma negativa. Esse infixo dá
ênfase à negativa. Aqui, deu o sentido de “nunca mais,” mas nada impede desse
infixo ser usado para o passado também.

NHẼ
Tenhẽ (outras vezes apenas nhẽ) dá o sentido de algo que acontece em vão ou
acidentalmente. Outras vezes tem um sentido parecido com “efetivamente.” Por
exemplo:

a) Îagûara oîabab tenhẽ


A onça acabou fugindo
b) Pepykiré, aker nhẽ
Depois da festa, acabei dormindo

No entanto, não confunda com katutenhẽ, que é uma forma de dizer “muito
bom” ou “excelente:” Ereîkókatútenhẽ – fez muito bem!

Também existe o anhẽ (às vezes aîé na ortografia do padre Lemos Barbosa),
que significa “de verdade” ou “na verdade.” Por exemplo:

a) Aîpytybõ xe ruba xe ropesýîamo anhẽ


Ajudo meu pai, mas na verdade estou com sono

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b) Abaré our oré mbo'ebo ybyrápytãnga anhẽ rerasópotá


O padre veio nos doutrinas, mas na verdade queria levar o pau-brasil

BIÃ
Indica que a ação não tem resultado, que é inútil ou em vão. Também indica
coisa mal feita. Por exemplo:

a) Aîmonhang kamusi biã


Fiz a cesta (mas não terminei ou não consegui)
b) Orosenõî karaíba biã
Chamamos o pajé (mas ele não veio ou nada se resolveu)
c) Kyre'ymbaba omarãmonhang biã
Os guerreiros guerrearam (mas nada mudou ou a guerra não terminou)

RE'Ĩ/RE'A
Essa partícula vai no final do período e indica expectativa ou suposição.
Usamos quando queremos indicar nosso desejo para o futuro ou o que supomos ter
acontecido, mas não temos certeza. Veja que re'ĩ é dito por mulheres e re'a dito por
homens. Por exemplo:

a) Osó a'e peró supé nhe'enga re'a


Deve ter ido falar ao português
b) Îaîpysyk so'oetá kori re'ane
Espero que capturemos muitos animais hoje
c) Oîkó oû oka pupé re'ĩ
Acho que está em sua casa

RA'E
Enquanto re'a/re'ĩ equivale à sua própria expectativa da realidade, ra'e é usado
para mostrar o que as pessoas dizem. Por exemplo:

a) Oîkó Îurupari ka'a rupi ra'e


Dizem que o Jurupari vive na floresta
b) I tyb Yby Marãe'yma ybytyrusu amõngoty ra'e
Dizem que tem a Terra sem Males além das montanhas
c) Abáetá onhemono'ong peró moaûîébo ra'e
Dizem que muitos indígenas se uniram para derrotar os portugueses

BYTER
Byter é como se fosse a versão afirmativa de ranhẽ. Enquanto ranhẽ é “ainda”
para orações negativas, byter pode ser usado no final de orações afirmativas para
falar de algo que continua acontecendo. Também é comum usá-la com o verbo
auxiliar 'e. Por exemplo:

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

a) Tobaîara oker byter


O inimigo ainda está dormindo
b) Abaré e'i byter o Tupã mombegûabo
O padre ainda está contando do seu deus

TEMÕ... MÃ
Essa partícula composta dá o sentido de desejo. É equivalente ao “tomara” ou
“oxalá” do português. Pode-se usá-la usando o -mo condicional depois de um verbo e
o mã ao final da oração, ou com temõ depois da primeira palavra da oração, seja qual
for, ou eté'ĩ depois do verbo mais o mã no final da oração. Na forma negativa, é
necessário usar o xûé. Por exemplo:

a) Ourete'ĩ xe ruba mã
Fico felicíssimo quando vem meu pai
b) Xe sy ogûerúrymo îandé maraká mã
Quem dera minha mãe traga nosso chocalho
c) Korite'ĩ temõ marana pábi mã
Tomara que a guerra acabe logo

II. Indicativo Circunstancial


O modo indicativo circunstancial em tupi se trata da circunstância, isto é,
descrição da ação, de detalhes ao redor da ação. Se colocamos essa circunstância
(onde, como, quando) antes do verbo na oração, então o verbo deverá estar na forma
indicativa circunstancial. Por isso, apesar de podermos escolher de o objeto vem
antes, depois ou agregado ao verbo, não podemos escrever a frase na ordem que bem
entendermos. Vejamos algumas transtormações:

a) Agûará (SUJEITO) punaré (OBJETO) oîpysyk (VERBO) yembe'ype (CIRCUNSTÂNCIA)


O lobo-guará capturou o rato na beira do rio
'yembe'ype (CIRCUNSTÂNCIA) agûará (SUJEITO) punaré (OBJETO) i pysýki (VERBO)
Na beira do rio, o lobo-guará capturou o rato
b) Xe ra'yra (SUJ.) ogûerur (VERBO) pirá (OBJ.) karúkeme (CIRC.)
Meu filho trouxe peixe de tarde
Karúkeme (CIRC.) xe ra'yra (SUJ.) pirá (OBJ.) rerúri (VERBO)
De tarde, meu filho trouxe peixe
c) Apytá xe roka pupé Kûarasy semyîanondé
Fiquei em minha casa até/antes do nascer do Sol
Kûarasy semyîanondé xe roka pupé xe pytáû
Ate/antes do nascer do Sol, em minha casa fiquei

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Perceba que verbos pluriformes exigem a consoante r- no lugar de s-. Também


veja que não há exemplos com a 2ª pessoa. O modo indicativo circunstancial só
existe para as 1ª e 3ª pessoa (ixé, a'e, oré, îandé). Além disso, ele é opcional para a
primeira pessoa, mas obrigatório para a terceira pessoa. Isso significa que tanto

Kûarasy semyîanondé xe roka pupé xe pytáû


quanto
Kûarasy semyîanondé xe roka pupé apytá
estão corretos, mas
Karúkeme xe ra'yra pirá rerúri
é obrigatório, e dizer
*Karúkeme xe ra'yra ogûerur pirá
está incorreto.

Além de verbos de 1ª classe, vamos ver exemplos de 2ª classe na tabela:

epîak (r-) ikó (r-) pytu


xe pytúramo
Ixé xe OBJ. repîáki xe rekóû
xe pytuû
o pytúramo
A'e i OBJ. repîáki sekóû
o pytuû
oré pytúramo
Oré oré OBJ. repîáki oré rekóû
oré pytuû
îandé pytúramo
Îandé îandé OBJ. repîáki îandé rekóû
îandé pytuû

Se o OBJ. do verbo transitivo pluriforme (epîak no exemplo da tabela) for a 3ª


pessoa, então o r- volta a tornar-se s-. Perceba que usamos os pronomes de 2ª classe
antes do verbo nesse modo. Veja também que verbos que terminam em consoante
ganham uma i átona, enquanto que os que terminam em vogal ganham a semivogal û.
Já os verbos de 2ª classe e adjetivos levam o sufixo i como em qualquer outro verbo,
ou o sufixo (r)amo no tupi meridional/tupinambá, e a 3ª pessoa i vira o pronome
reflexivo o. Vale apontar que há verbos irregulares para o modo indicativo
circunstancial. Por exemplo, manõ (morrer) torna-se e'õ (r-, s-), que é a palavra para
morte. Alguns verbos pluriformes podem ser distintos que como usamos no
indicativo. Então dizemos aîur, our, oroîur, îaîur, o tema é ur (t-, r-, t-), isto é: xe rúri,
túri, oré rúri, îandé rúri. Igualmente vimos na tabela que o verbo ikó torna-se um
verbo pluriforme ekó (r-, s-).

A forma negativa do modo indicativo circunstancial se faz com o sufixo


-e'ym, que por sua vez recebe a vogal átona i (ou o sufixo (r)amo para verbos de 2ª
classe e adjetivos no tupi meridional apenas). Assim:

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

pysyk gûatá esaraî (r-)


xe resaraîe'ymamo
Ixé xe OBJ. pysyke'ymi xe gûatáe'ymi
xe resaraîe'ymi
o esaraîe'ymamo
A'e i OBJ. pysyke'ymi i gûatáe'ymi
o esaraîe'ymi
oré resaraîe'ymamo
Oré oré OBJ. pysyke'ymi oré gûatáe'ymi
oré resaraîe'ymi
îandé resaraîe'ymamo
Îandé îandé OBJ. pysyke'ymi îandé gûatáe'ymi
îandé resaraîe'ymi

Note que, em muitos casos, o modo indicativo circunstancial é opcional. Em


geral, é totalmente possível comunicar-se em tupi sem usá-lo.

Opcional: Note que, em muitos casos,


o modo indicativo circunstancial é
opcional. Em geral, é totalmente
possível comunicar-se em tupi sem
usá-lo.

Exercícios
1. Passe as seguintes frases para o modo indicativo circunstancial:
a) Abaetá omanõ Maíra ruriré
b) Agûatá ybytyra rupi xe aryîa repîapotá
c) I membyra ogûerur komandá i xupé pepýkeme toîapó sembi'urama
d) Oroepîak ikó ybyrápukú suí
e) Semirekó ndoîapóî kaûĩ oîeí

III. Fauna e Flora


Temos inúmeros registros de viajantes das primeiras décadas da colonização
listando animais e plantas daqui, além, claro, de costumes e da cultura. Vale lembrar
que na época não conhecíamos a biodiversidade como atualmente. Por isso, a
definição de espécie era menos coerente, além de os nomes são de acordo com a
lógica da língua tupi. Se for necessário diferenciar os animais pelo sexo, kunhã serve
para fêmea e sakûãîba'e serve para macho.

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FAUNA BRASILEIRA EM TUPI


FELINOS E CANINOS AVES
agûará, agûaragûasu, gûyrá – ave (genérico)
îagûapytanga – lobo-guará, arara – arara
cachorro-do-mato gûaînumby – beija-flor
îagûara, îagûareté – onça pintada gûará – guará
marakaîá, îagûatyryka – gato-do- gûyratinga – gaivota
mato, maracajá îaku, îakutinga – jacu, jacutinga
sygûasurana – onça parda kaburé, urukue'a, îakurutu –
coruja
ROEDORES nhandu – ema
akuti – cotia tagûató, inaîé, akaûã – falcão
apere'a – preá tukana – tucano
gûabiru – gabiru tu'ĩ, aîuru – papagaio
kapi'ĩgûara – capivara ypeka – pato
paka – paca yrybu – urubu
punaré – rato-boiadeiro
saûîá – rato-de-espinhos RÉPTEIS E ANFÍBIOS
tapiti – coelho, lebre îaboti – jabuti, cágado
îakaré – jacaré
PRIMATAS îararaka – jararaca
gûariba – guariba îu'i – girino
ka'i – mico îu'iperereka – perereca
mbyryki – muriqui îurukugûá – tartaruga
sagûi – sagui, sauim kururu – sapo
mboîa – cobra
OUTROS MAMÍFEROS mboîsininga – cascavel
so'o – animal (genérico) mboîusu, mboîoby, mboîpeba –
mimbaba, eîmbaba (r-, s-) – variedades de cobra
animal criado teîú – lagarto
andyrá – morcego
îagûapopeba, gûaîraká – lontra
îagûasinĩ, îagûasininga –
guaxinim, mão-pelada
kûati – quati
sarigûé, sarigûéîa – saruê, gambá
sygûasu, sygûasueté – veado
taîasu, taîtitu – porco-do-mato
tamandûá – tamanduá
tapi'ira – anta
tatu – tatu

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

PEIXES E OUTROS ANIMAIS ARTRÓPODES


MARINHOS ambu'a – centopeia
pirá – peixe (genérico) borá – abelha borá
aîká – boto eiruba, eirusu, eirapu'a –
apé, apépûéra – concha variedades de abelhas
iperu – tubarão îate'i – abelha jataí
îunîá – jundiá îati'ũ – mosquito
karamuru – caramuru itasyba, taoka – formiga
mboîpiranga, mosyky – água-viva kaba, mamangaba, eîxu –
parati – parati variedades de vespas
pirábebé – peixe-voador mberu – mosca
piranha – piranha nhandu, nhandugûasu, nhandu'ĩ
piraysoka – lula – variedades de aranha
poîuîy, pukusĩ – toninha panama – borboleta
potĩ – camarão siri, seri – siri
kandiru – candiru tukura – grilo, gafanhoto
reri – ostra ysá – içá
sururu, urugûá – espécies de ysa'uba – saúva
molusco
tare'ira – traíra
ygûaragûá – peixe-boi
'ypupîara – leão-marinho

FLORA BRASILEIRA EM TUPI


GRAMÍNEAS E ARBUSTOS PARTES DAS ÁRVORES
pakobá – pacová (a)pó (r-, s-) – raiz
takûara – taquara, bambu a'ynha (s-, r-, s-) – semente,
takûare'ẽ – cana-de-açúcar caroço
nanã – abacaxi akã (r-, s-) – galho, ramo
komandá, komandámirĩ, oba (t-, r-, s-) – folha
komandágûasú – fava de feijão, u'ã (t-, r-, s-) – palmito
feijão 'ybá, 'a – fruta
abati – milho ybotyra, potyra – flor
aîpĩ, makaxera, mandi'oka –
mandioca, aipim, macaxeira
îetyka – batata-doce
îurumũ – jerimum
mandubi – amendoim

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

ÁRVORES E FRUTOS
ybyrá – árvore (genérico), madeira
akaîu – caju
arasá – goiaba, goiabeira, araçá,
araçazeiro
aratiku – araticum
gûapara'yba – mangue
îabotikaba – jaboticaba
îykytybá – jequitibá
kupu'ygûasu – cupuaçu
kuri, kuri'y – pinheiro, araucária
murukuîá – maracujá
pindoba, inaîá, îusara, mburiti –
variedades de palmeiras
tukũ – tucum, ticum
tukumã – tucumã
uruku – urucum, urucuzeiro
'ybákamusí – cambuci
'ybápytãnga – pitanga
ybyraygara, munduruku –
figueira

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

TEXTOS PRÓPRIOS

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Mikûatîara abanhe’enga rupixûara Haipyre avañe’ẽme


(escrito segundo o tupi) (escrito em guarani)
TEKOBÉ TEKOVE KARAGUATATYPEGUA
KARAGÛATATÝPENDÛÁRA

Ereîkuápe Karagûatatyba? Reikuaápiko Karaguataty?


A'epe, asé e'ikatu Paranã pu Amo ikatu ñahendu paranã ayvu.
rendupa. Xe gûatáreme Paranã koty, i Aguata vove yrembe'ýpe, oĩ heta yta
tyb itãetá ybyku'i resé. Amõ itáybaté yvyku'i ári. Peteĩ ita yvate ári, aguapy
‘árybo ixé agûapyk, 'ypa'ũporanga ahecha hagɐua ypa'ũ porã. Upégui apo ajahu
repîaka. Kûeî suí apererek taîasuk xe akaru mboyve. Chevare'árõ, ikatu ha'u
karu îanondé. Xe ambyasýramo, a'ekatu tembi'u he: piraka'ẽ, mandi'o, ha kaju húgo.
tembi'ué gûaba: piráka'ẽ aîpĩ akaîu Upéi, peteĩ pindoguýpe apytu'u. Ka'aru
rypûera. A'eriré, amõ inaîá gûýri pukúi, aguata ybyty gotyo. Ahecha heta so'o
aputu'u. Karuka pukuî, ybytyra koty che rapépe: akuti, jaku ha ka'i.
agûatá. So'oetá asepîak xe rapépe: akuti
îaku gûariba.
Kûarasy reîké îanondé, Tupana Ka'arupytũ mboyve, osunusunu.
osunũsunung. Xe moapysykatu i Chegustaite ijayvu. Upévare, amaña
nhe'enga. A'e ri, ama'ẽ ybaka resé yvágare ahecha hagɐua aravera.
Tupãberaba repîápotá.
Pytúnybo, Îasýobágûasú sẽmi. Pyharépe, osẽ Jasyrenihẽ.
Aúb xe inĩme taker. Ixé kó tetamygûara; Añemoñeno che kyhápe ake hagɐua. Chéngo
Karagûatatyba xe rekoaba. ko tetãygua. Karaguatatýko che renda.

Texto em Português
A VIDA EM CARAGUATATUBA
Você conhece Caraguatatuba?
Lá, podemos ouvir o som do Mar. Quando vou para a praia, tem muitas
conchas na areia. Sobre alguma pedra eu sento pra olhar a Ilhabela. Dali salto pra me
banhar antes de comer. Quando estou com fome, posso comer comidas gostosas:
peixe assado, mandioca e suco de caju. Depois disso, descanso debaixo de uma
palmeira. Ao longo da tarde, vou para a Serra. Vejo muitos animais no meu caminho:
cotia, jacu, macacos.
Antes do pôr-do-Sol, fica trovejando. Gosto muito do barulho do trovão. Por
isso, olho pro céu pra ver os relâmpagos.
De noite, a Lua cheia nasce. Eu deito na minha rede para dormir. Eu sou daqui;
Caraguatatuba é minha casa.

O nome da cidade em tupi é Karagûatatyba (karagûatá + tyba). Por terminar


em -ba, a posposição -pe come a última sílaba, deixando Karagûatatýpe. O sufixo
de substantivização é sûara/ndûara. Para fazer perguntas em tupi, usamos a partícula

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

-pe. Para dizer que podemos fazer alguma coisa, usamos o verbo ‘ekatu e o verbo
principal no gerúndio. Para dizer se ou quando, usamos o sufixo -eme (r-) no verbo
no infinitivo e com o sujeito na 2ª classe. Assim: xe gûatáreme (quando eu vou). Para
dizer que há alguma coisa, usamos o verbo de 2ª classe tyb. Para algo que está sobre a
terra (ou a areia, ou a grama), usamos a posposição esé (r-, s-). O tupi não tem artigos
definido e indefinido. A palavra amõ significa algum ou aquele. Para dizer a
finalidade de uma ação, usamos o gerúndio: ‘ypa’ũporanga repîaka (para ver a
Ilhabela). Para dizer finalidade, também podemos usar o prefixo permissivo ta. Em
tupi, antes é îanondé e depois é riré. O pôr-do-Sol é a entrada do Sol: Kûarasy
reîké(saba). O nascer-do-Sol é a saída do sol: Kûarasy sema(ba). O trovão em tupi é o
mesmo nome do deus do trovão Tupã/Tupana. Para dizer do que você gosta, você usa
o verbo de 2ª classe apysyk (satisfeito) com a posposição esé (r-, s-) ou o verbo
transitivo moapysyk (satisfazer, agradar). De noite em tupi é pytúnybo, e a Lua cheia
é Îasýobágûasú (lit. cara grande da Lua).

Em guarani, o sufixo é apenas ty, e o sufixo de substantivação é gua. Para fazer


perguntas em guarani, há duas opções: o sufixo pa e o sufixo piko. Para dizer de algo
que pode acontecer, usamos simplesmente ikatu em guarani, indiferentemente do
sujeito. Para dizer quando uma coisa acontece em guarani, só colocamos o vove
depois do verbo conjugado ou o sufixo átono -ramo/rõ. Em guarani, há é oĩ/oĩme. Em
guarani existe, sim, o artigo indefinido: peteĩ. Frequentemente se empresta o la do
castelhano como artigo definido. Finalidade em guarani se diz que a partícula
haggua/haguã depois do verbo conjugado. Antes em guarani é mboyve, o mesmo que
menos. O fim da tarde/por-do-Sol em guarani pode ser ka’arupytũ, lit. tarde escura.
Tupã em guarani é exclusivamente o nome do deus; usamos o verbo sunu para
estrondo/trovejar. A Lua cheia tem um nome diferente: Jasyrenihẽ. Deitar é um verbo
curioso: ñemoñeno provavelmente vem de nong (deitar ou por um objeto em tupi),
de onde veio ñeno (deitar-se), então moñeno (por) e mais uma uvez ñemoñeno
(deitar-se). Uma das minhas partes favoritas do guarani é a partícula ko/ngo para dar
ênfase a um sujeito.

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

OS ENSINAMENTOS DO PADRE CÍCERO SOBRE CUIDAR DA TERRA

Descobri uma vez uma lista de “mandamentos” do Pe. Cícero sobre cuidar da
Caatinga. São verdadeiras lições de ecologia essenciais não só à vida na roça como à
qualquer sociedade.

O texto original era mais voltado para a Caatinga:

• Não derrube o mato nem mesmo um só pé de pau.


• Não toque fogo no roçado nem na caatinga.
• Não cace mais e deixe os bichos viverem.
• Não crie o boi nem o bode soltos; faça cercados e deixe o pasto descansar para
se refazer.
• Não plante serra acima nem faça roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato
protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza.
• Faça uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água de chuva.
• Represe os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta.
• Plante cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou outra
árvore qualquer, até que o sertão todo seja uma mata só.
• Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a
jurema; elas podem ajudar a conviver com a seca.
• Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o
gado melhorando e o povo terá sempre o que comer.
• Mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o sertão todo vai virar um
deserto só.

Em tupi, fiz assim:

ABARÉ CÍCERO SÉRYBA’E MOROMBO’ESABA YBY RARÕAMA RESENDÛARA

• Eîmondok umẽ ybyrá ka'a pupendûara.


Não corte nada da mata.
• Esapy umẽ nde kopixaba.
Não queime o roçado.
• Eka'amondó umẽ, opá so'o moîngobebo.
Não cace, mas deixe viver todos os animais.
• Eîmoin umẽ nde reîmbaba yby resé. Eîopîakatu ka'aysá monhanga, kapi’ĩ
mongakuaba bé.
Não deixe seu gado sobre a terra. Cerque-o bem fazendo cercas, deixando o
pasto crescer também.

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

• Enhotym umẽ ybytýrype, erogûeîypape bé. Eîmongakuakatu kapi'ĩ yby rarõ,


amana serasoe'yme.
Não plante nos morros nem nas descidas. Deixe crescer bem a grama
protegendo a terra, não levando-a a água da chuva.
• Eîporukatu ‘y karamemûãgûasu tererekokatu amandykyra.
Use bem caixas d’água para teres água da chuva.
• Eîmombytá 'y toîké yby gûýrype.
Represe os rios para a água entrar sob o solo.
• Ybyrá enhotym 'ara îabiõ: akaîu, murukuîá, ka'aeté, inaîá.
Tokakuakatutenhẽ kó tetama.
Plante árvores diariamente: cajueiro, pé-de-maracujá, caeté, indaiá. Que cresça
bem mesmo esta terra.
• Enhemotekokuab ka'atinga porûaba resé tereîkokatu 'ara i amane’ýmba’e
pukuî: manisoba, karagûatá, îurema.
Faça-se saber como usar a Caatinga pra viver bem nos dias sem chuva:
maniçoba, bromélias, jurema.
• Ybypora teko rerekóreme, 'arabaíba i pábi mbegûembegûene. Sembi'u
ndopabixûene.
Se a pessoa da terra manter esta lei, os dias difíceis acabarão aos poucos. Sua
comida não acabará.
• Ybypora teko rarõe'yme, kó tetama re’õûne.
Se a pessoa da terra não manter, esta terra vai morrer.

kó, kopixaba: roça, roçado.


ka'amondó: caçar.
so'omimbaba, eîmbaba (t-, r-, s-), tapi'irusu: gado.
pîar: cercar.
ka'aysá: cerca.
karûaba, kapi'ĩ: pasto.
mbegûe(mbegûé): devagar.
ybytyra: serra, morro.
'ara îabi'õ: cada dia, diariamente, cotidiano.
erogûeîypaba: descida.

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

ABÁPORÚ

Paranã îar, nde angaturameté, apyapysasu mondobo oré retama pupé.


Toro'upakatu, oré kyre'ymbaba moatãmo.
Tembi'urama îepotariré, kunhãmuku kaûĩ apóû.
Oré kó yby oroîmoetene. Oré kó yby pora nhẽ!
Ndorosykyîeîxûé Îurupari suí, Anhangá suí, Kurupira suí bé, kó abá gûabo re'ane.
Emonãnamo, oré rorybeté! Kó oré rekóû, oré opoîuká!

Senhor do Mar, és muito bondoso, homens novos mandando para nossa terra.
Comamo-os todos, nossos guerreiros fortalecendo.
Depois da futura comida chegar, as moças fazem o cauim.
Nós está terra honraremos.
Nós somos gente desta terra.
Não temeremos a Jurupari, Anhangá, nem a Curupira, estes homens comendo.
Assim, nós estamos muito felizes!
Aqui estamos, nós vos mataremos!

Em 1613, alguns tupinambás cristianizados foram levados à França como


representantes dos povos do Brasil. Nessa ocasião, Itapuku proferiu um discurso
agradecendo aos europeus por terem lhe apresentado o cristianismo e livrado-os de
supostos tiranos. Baseado no discurso, fiz uma versão em que os primeiros perós não
tivessem tanta sorte e logo fossem capturados como inimigos.

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

A CONFEDERAÇÃO DOS TAMOIOS


Tamũîa nhemono'ongaba

Tamũîa nhemono'ongaba marandûera paranãrembe'ype Mbyrykioka suí


Nheterõîme. Marãmonhangara: Tupinambá, Tupinakyîa, Aîmoré, Temiminõ. Peroetá
oúryba'e omendar kunhã resé, onhemotabygûárybo. Peró boîá osekar tape. João
Ramalho Brás Cubas îekotyasábamo oîkó. Brás Cubas São Vicente morerekoara. A'e
omendar kunhataĩ gûaîanã resé. A'e riré, omarãmonhãmotar Tupinambá resé
momboîapotá. Peró Kaîrusu morubixaba oîpysyk îukabo. Sa'yra Aîmbiré séryba'e
onhemomorubixab. A'e riré, Aîmbiré “tîasó gûarinĩnamo” e'i morubixabetá supé:
Pindobusu, Koakira, Kunhambeba. Nã Tamũîa nhemono'óngi. Peró sobaîáramo
oîkó. A'eremebé, maíra oîepotar Nheterõîme. Maíra Tupinambá îekotyasaba
mokabetá me'enga. Maíra mara'aretá ogûerur. Kunhambeba omanõ mara'áramo.
Emonãnamo, Aîmbiré Tebiresá oîmongetá, “peroetá aîukapotar” o'îabo. Peró abé
oîmongetá Tebiresá onhomoirũmo. Tebiresá oîuká abaetá peró maranirũnamo.
Estácio de Sá oîepotariré, oîmosem Tupinambá, Maíra bé. Emonãnamo, marana
opab.
A união dos tamoios foi uma grande guerra no litoral de Bertioga a Niterói.
Guerrearam: Tupinambá, Tupiniquins, Aimorés e Temiminós. Muitos portugueses
que vinham casaram-se com as mulheres, fazendo-se cidadãos das aldeias. Os
portugueses buscavam escravos nas aldeias. João Ramalho era como amigo de Brás
Cubas. Brás Cubas era o chefe de São Vicente. Ele casou-se com uma jovem. Depois
disso, ele quis guerrear com os Tupinambá querendo fazê-los de escravos. Os
portugueses capturaram o chefe dos Cairuçu matando-o. Seu filho que se chamava
Aimberê fez-se chefe. Depois disso, chamou para a guerra muitos chefes: Pindobuçu,
Koakira, Cunhambebe. Assim, uniram-se os tamoios. Os portugueses eram como seus
inimigos. Enquanto isso, os franceses chegaram em Niterói. Os franceses eram
amigos dos Tupinambá dando-lhes armas de fogo. Os franceses trouxeram muitas
doenças. Cunhambebe morreu estando doente. Então, Aimberê falou a Tibiriçá,
“quero matar muitos portugueses” dizendo. Os portugueses também conversaram
com Tibiriçá fazendo-o de amigo. Tibiriçá matou muitos índios como colega de
guerra dos portugueses. Depois de Estácio de Sá chegar, expulsou os Tupinambá e os
franceses. Assim, a guerra acabou.

Usei aqui tamũîa para os tamoios, mas também se encontra tamyîa.


A palavra para unir/ajuntar é no'ong, mas há uma nuance antre juntar-se
inconscientemente, como a água em um rio, e conscientemente, como a união de
aldeias. Daí o uso de nhe-mo-no'ong (reflexivo-causativo-ajuntar, ou seja, se fazer
unir).
Várias palavras relacionadas a guerras são usadas no texto. De marana (guerra)
temos maranirũ (marana+irũ, colega de guerra), marandûera (marana+ûera, guerra
antiga ou passada). Para fazer guerra tem-se marãmonhang (marana+monhang, fazer

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

guerra ou guerrear) e só gûarinĩnamo (ir como guerreiro, guerrear).


Assim como para ajuntar, o tupi tem várias palavras para vir/chegar. Îur é
simplesmente vir; syk é chegar por terra e îepotar é chegar por águas.
Vários nomes que conhecemos são bastante próximos do original em tupi:
Bertioga é Mbyrykioka (casa do mbyryki, um primata); Niterói é Nheterõîa;
Guaianás é Gûaîanã; outras localidades não mencionadas são Caraguatatuba
(Karagûatatyba, ajuntamento de caraguatás), Ubatuba (U'ubatyba, ajuntamento de
flechas; antigamente também Iperoig – Iperu ‘y, água de tubarão) e Ilha Grande
('Ypa'ũgûasu, ilha grande).
Alguns nomes indígenas são mencionados, como Aimberê (Aîmbiré),
Cunhambebe (Kunhambeba), Pindobuçu (Pindobusu) e Tibiriçá (Tebiresá).
Gramaticalmente, vale notar o uso do prefixo mo- para fazer/tornar:
mo+tabygûara (que por sua ver é taba+ygûara) para tornar cidadão da aldeia;
mo+morubixaba para tornar chefe; mo+boîá para tornar escravo, e mo-sem para
expulsar/fazer sair.
Algumas palavras surgiram com o contato com os povos europeus: os termos
para portugueses e franceses são peró e maíra respectivamente, e armas de fogo eram
chamadas de mokaba.

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

Estas histórias são inspiradas no livro “Lendas dos Nossos Índios” (Clemente
Bradenburger, 1931).

MANI’OKA MOMBEGÛABA HISTÓRIA DA MANDIOCA


Karaibusu aîpóba'e oîmombe'u Um grande pajé conta esta história.
orébo. Uma garota tupinambá nasceu na
Kunhãtaĩ tupinambá o'ar o tápe aldeia um dia. Seu nome é Mani. A garota
erimba'e. Sera Mani. Kunhãtaĩ soryb era feliz lá, todo o mundo da aldeia a
a'epe, tabygûara o raûsúbemẽ. A’e, Mani amando. Então, Mani adoeceu. Todo o
i mara'ar a’éreme. Opakatu tabygûara i mundo na aldeia ficou triste. Chamaram o
aruru. Osenõî ygûá paîé, kunhãtaĩ pajé querendo salvar a garota. Mas a
pysyrõmotá. Kunhãtaĩ omanõ biã. I garota acabou morrendo. Sua família
anama setépûéra onhotym oû oka pupé. enterrou seu corpo na sua própria oca.
Taba rekó rupi. A'eriré, i anama osapirõ, Esse é o costume da aldeia. Depois disso,
setépûéra amõmo. sua família chorou e regou o seu corpo.
Ko'ẽme, Mani retépûéra ‘ári, amõ De manhã, sobre o corpo de Mani,
amikykuruba i kakuábi. Sapó i poranga, uma planta nova cresceu. Sua raiz era
sékatú bé. Mani amana ka'a oserek: bonita e gostosa. A família de Mani deu-
Mani'oka. Tabygûara tembi'u oîapó aîpó lhe o nome: Mani’oka. As pessoas da
sapó pupé, kaûĩ pupé abé. aldeia fizeram comida com essa raiz,
cauim também.
ÎETYKA MOMBEGÛABA HISTÓRIA DA BATATA-DOCE
Amõ tápe, i tyb gûarinĩmara'ara. Numa aldeia, tinha um guerreiro
Pereba setépendûára setá A’éreme, doente. As feridas do seu corpo eram
tabygûara abá oseîar ka'aatãndyba rupi, muitas. Então, as pessoas da aldeia
“tomanõ” o'îábo o py'ápe. Yrybu obebé deixaram o homem pelo Cerrado,
ybákaype, abámara'ára 'árybo. Yrybu a’e dizendo em seus corações “que morra”.
gûarinĩ oîmopu'am, sapirõmo. Ybatinga Urubus voavam no céu, sobre o homem
resé, yrybu abá mombûeráû. Abá sesãî doente. Os urubus levantaram o
a’éreme. guerreiro, chorando por aquele homem.
A’e, Yrybúetá abá ogûerasó amõaé Sobre as nuvens, os urubus o curaram. O
taba koty. A'epe, tabygûara “tereîukatu” homem ficou alegre.
e'i i xupé, tembi'u me'enga i xupé. Oû Então, os muitos urubus levaram o
orýbamo, gûarinĩ tembi'upysasu homem até outra aldeia. Lá, as pessoas da
ybakygûara i me'éngi i xupé. Sera: aldeia lhe disseram “bem-vindo”, dando-
Îetyka. lhe comida. Estando feliz, o guerreiro
lhes deu uma comida nova do céu. Seu
nome: Îetyka.
Esta história também tem palavras interessantes. Por exemplo: pereba (ferida).
O verbo pensar também tem uma tradução interessante aqui em: tabygûara abá
oseîar ka'aatãndyba rupi “tomanõ” o'îábo o py'ápe (as pessoas da aldeia deixaram o

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

homem pelo Cerrado dizendo “que morra” em seus corações). Na verdade, a parte de
o py'ápe é até opcional; apenas o'îábo já tem a função de pensar ou julgar. Perceba
como chamei o Cerrado: ka'aatãndyba (ajuntamento de mata dura; igual ao nome da
cidade de Catanduva).

KUNHÃ OMENDÁPOTÁBA'E
“Xe ambyasy. Tasem xe menama reká” e’i erimba’e kunhã o sy supé. Kunhã
semiré, mosapyr pé repîáki. “Umãba’epe inaîé rapé?” e’i opy’amongetábo. I tyb
inhambuaba amõ pé resé. “Ne’ĩ, kûéiba’e” e’i ogûatábo.
I gûatá riré, amõ gûãîbĩ roka supé i gûasẽmi. “Endépikó inaîé sy?” e’i
oporandupa i xupé. “Eẽ” e’i gûãîbĩ. “Aîur gûimendápotá nde membyra resé” e’i
kunhã i xupé. “Xe membyra i nharõ. Eîori enhemima” e’i kunhã supé o emo’ẽmamo.
Gûãîbĩ nda inaîé sy ruã. Sarigûéte i membyra. Karúkeme, i membyra rúri. Sembîara
gûyra’ĩ. Gûãîbĩ gûyra’ĩ moîybiré, “eîori ekarûabo” e’i kunhã supé. Sarigûé sesãî
kunhãporanga repîaka. Kunhãte ndi apysýki “nde kating” o’îabo sarigûé supé.
Ko’eme, “ne’ĩ, asó ikó gûiîepe’abá” kunhã i ‘éû oîebyre’yma. A’e riré, kunhã
oîpysyrõ amõaé pé. Kunhã osepîak amõ gûãîbĩ roka pé rupi. “Endépikó inaîé sy?”
e’i oporandupa i xupé. “Eẽ” e’i gûãîbĩ. “Aîur gûimendápotá nde membyra resé” e’i
kunhã i xupé. “Xe membyra i nharõ. Eîori enhemima” e’i kunhã supé o emo’ẽmamo.
Gûãîbĩ nda inaîé sy ruã. Yrybúte i membyra. A’e riré, yrybu rúri o embîara reru:
ybyrasoka. Gûãîbĩ sembi’urama oîapó ybyrasoka pupé. “Eîori ekarûabo” e’i kunhã
supé. Yrybu sesãî kunhãporanga repîaka. Kunhãte ndi apysýki yrybu katinga resé.
Té, kunhã oîabab amõaé pé pysyrõmo.
Aîpó pé rupi, gûãîbĩ roka supé i gûasẽmi. “Endépikó inaîé sy?” e’i
oporandupa i xupé. “Eẽ, xe membyra inaîé” e’i. “Aîur gûimendápotá nde membyra
resé” e’i kunhã. “Eîori enhemima. Xe membyra i nharõeté” e’i gûãîbĩ. Karúkeme,
inaîé rúri o embîara reru: gûyrá’ĩ. I xy gûyrá’ĩ oîmimõî. “Eré xébo, xe membyr”, e’i
oporandupa gûãîbĩ, “mamõygûara rúrememo, marã erémope i xupé?” “Eîori
ekarûabo oré irũnamo.” Nã e’i inaîéangaturãma. “Eîori, kunhã îu, ekarûabo oré
irũnamo” e’i gûãîbĩ senõîa. Inaîé sesãî kunhãporanga repîaka. Kunhã i apysyketé
inaîé kuapa resé.
Ko’eme, yrybu our sókype kunhã reká. Inaîégûasú oîakab yrybu saboka. A’e
riré, yrybu îababi, kunhãte opytá inaîé remirekóramo oína.

A MULHER QUE FOI PROCURAR MARIDO

“Estou com fome. Que eu saia procurando meu futuro marido” disse uma vez
uma mulher para sua mãe. Depois da saída da mulher, viu ela três caminhos. “Onde
está o caminho do inajé?” pensou. Tinha penas de inhambu sobre um caminho. “Eia,
ali está” disse caminhando.
Depois de caminhar, encontrou a casa de uma velha. “Você é a mãe do inajé?”
perguntou a ela. “Sim” disse a velha. “Venho para me casar com seu filho” disse a
mulher a ela. “Meu filho é bravo. Venha se esconder” disse à mulher mentindo. A

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Tupi Antigo – A Língua da Costa do Brasil em 1500 © Ariel L. de O.

velha não era a mãe do inajé, mas seu filho era o saruê. De tarde, seu filho veio. Sua
caça eram passarinhos. Depois da velha cozinhar os passarinhos, chamou a mulher
para comer. O saruê estava feliz vendo a moça bonita. Mas a mulher não estava
satisfeita e disse que o saruê era fedido.
De manhã, a mulher saiu para apanhar lenha e não voltou. Depois disso, a
mulher escolheu o outro caminho. A mulher viu a casa de uma velha no caminho.
“Você é a mãe do inajé?” perguntou-lhe. “Sim” respondeu a velha. “Venho para me
casar com seu filho” disse-lhe a mulher. “Meu filho é bravo. Venha se esconder” disse
à mulher mentindo. A velha não era a mãe do inajé. Mas seu filho era o urubu. Depois
disso, veio o urubu trazendo sua caça: vermes. A velha fez a sua comida com os
vermes. “Venha comer” disse à mulher. O urubu estava feliz vendo a moça bonita.
Mas a mulher não gostou do fedor do urubu. Bem, a mulher fugiu escolhendo o outro
caminho.
Por aquele caminho, encontrou a casa de uma velha. “Você é a mãe do inajé?”
perguntou-lhe. “Sim, meu filho é o inajé” disse. “Venho para me casar com seu filho”
disse a mulher. “Venha se esconder. Meu filho é muito bravo” disse a velha. De tarde,
o inajé veio trazendo sua caça: passarinhos. Sua mãe cozeu os passarinhos. “Diga-me,
meu filho”, perguntou a velha, “se viesse alguém de longe, o que você diria?” “Venha
para comer conosco.” Assim diz o inajé gentil. “Venho, ó moça, para comer conosco”
disse a velha chamando-a. O inajé estava feliz vendo a mulher bonita. A mulher ficou
muito feliz por conhecer o inajé.
De manhã, o urubu veio para a sua casa procurando a mulher. O grande inajé
brigou com o urubu depenando-o. Depois disso, o urubu fugiu, mas a mulher ficou
como esposa do inajé.

ANHANGÁ MOMBEGÛABA A HISTÓRIA DE ANHANGÁ


Kyre'ymbaba ogûatá erimba'e ka'a Um dia, um guerreiro foi andar
koty oka'amondópotábo. Sygûasu bé para a mata querendo caçar. Um veado
ogûatá ka'a rupi. Apŷaba osepîak a'e i também caminhava na mata. O homem
membyra rerekó. Apŷaba viu que ele cuidava de seu filhote. O
ndonhangerekóî sygûasu membyra. homem não se preocupou com o filhote
Emonãnamo, kyre'ymbaba sygûasu do veado. Então, o guerreiro seguiu o
momosẽmi. Apŷaba i membyra pysykiré, veado. Depois de capturar sua cria, o
a’e sygûasu ybõû. Anhangáte abá homem flechou o veado. Mas Anhangá
ogûerekomemûã. Sembîara nda sygûasu enganou o homem. Sua presa não foi o
ruã erimba’e. A’ete, a'e abá sy. Anhangá veado. Bem, foi a mãe do homem.
sygûasu oîpysyrõ, i membyra bé. A’ete Anhangá salvou o veado, sua cria
pŷaba o sy oîuká nhẽ. Té nipó, ta pe também. Mas o homem acabou matando
ma'endûar aîpó nhe'enga resé: peîuká sua mãe. Então, lembrem bem destas
umẽ so'o o membyra rerekóreme. palavras: não matem animais que estão
cuidando de filhotes.

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