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SOCIEDADE EDUCACIONAL TRÊS DE MAIO – SETREM

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

TAÍSA EDUARDA WEDDIGEN

O ACESSO À SAÚDE PÚBLICA E A RESPONSABILIDADE DO ESTADO


SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL

Três de Maio/RS
2022
TAÍSA EDUARDA WEDDIGEN

O ACESSO À SAÚDE PÚBLICA E A RESPONSABILIDADE DO ESTADO


SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado como requisito para a
aprovação no componente curricular de
Orientação de Trabalho de Conclusão de
Curso II.

Orientadora: Professora Ma. Danielli


Regina Scarantti

Três de Maio/RS
2022
Aos meus pais, Clério e Clarice, dedico
este trabalho, pois sem vocês nada disso
seria possível.
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, agradeço pelo apoio durante estes cinco anos de
graduação, por acreditarem cegamente em meu sucesso, me incentivando
quando eu mesma deixei de crer. Aos meus amigos, agradeço por
compreenderam a minha ausência e por terem ressignificado nossa amizade,
que hoje se fortalece a cada momento que passamos juntos. Aos professores da
instituição, agradeço por terem feito parte da minha caminhada acadêmica,
auxiliando cada um à sua maneira, em meu crescimento pessoal e profissional.
À minha orientadora Danielli Regina Scarantti, agradeço pela paciência e
atenção ilimitada. Pelos ensinamentos que transmitiu no decorrer deste ano e
pela dedicação que coloca em todas as coisas que faz. Existem pessoas que
passam por nossas vidas e nos mudam completamente, tenho certeza que não
sou a mesma pessoa que era quando entrei na graduação, pois no decorrer dela
admirei muitas pessoas e a admiração nos muda, nos faz querer evoluir. Hoje
eu admiro muitas pessoas e especialmente a minha orientadora, que não mediu
esforços para me auxiliar em todos os momentos.
“A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano
da razão; começo a suspeitar que é um continente.”. – Machado de Assis
RESUMO

A presente pesquisa aborda o acesso à saúde pública no Brasil. A delimitação


temática trata da saúde pública brasileira, como um meio de preservação da
dignidade da pessoa humana, diante do dever do Estado de garantir a efetivação
do referido direito aos cidadãos, bem como a relação deste dever com a
aplicação do princípio da reserva do possível nos casos judicializados nos
Tribunais de Justiça do Sul do país no primeiro trimestre do ano de 2022.
Objetiva-se, com esse estudo, analisar a judicialização do direito à saúde e os
posicionamentos dos Tribunais de Justiça do Sul do país em relação à aplicação
do princípio da reserva do possível. Para isso será estudado o princípio da
dignidade da pessoa humana e sua relação com a saúde, bem como a evolução
do referido direito constitucional ao longo dos anos, perfazendo uma relação com
a garantia do direito infraconstitucional à saúde, para que com isso seja
analisada a possibilidade de fornecimento de medicamentos e tratamentos
médicos, mediante as limitações orçamentárias estatais. Em continuidade, se
dissertará acerca da judicialização da saúde pública no Brasil, bem como será
realizada uma análise jurisprudencial. Metodologicamente, o estudo se
desenvolveu a partir do método de abordagem hipotético-dedutivo, com a
utilização de revisão bibliográfica, em razão da necessidade de esclarecer os
principais aspectos da temática abordada.

Palavras-chave: Saúde. Reserva do Possível. Judicialização.


ABSTRACT

This research addresses access to public health in Brazil. The thematic


delimitation deals with Brazilian public health, as a means of preserving the
dignity of the human person, in view of the duty of the State to ensure the
realization of this right to citizens, as well as the relationship of this duty with the
application of the principle of reservation of the possible in judicial ized cases in
the Courts of Justice of the South of the country in the first quarter of 2022. The
objective of this study is to analyze the judicialization of the right to health and
the positions of the Courts of Justice of the south of the country in relation to the
application of the principle of reservation of the possible. For this, the principle of
the dignity of the human person and its relationship with health will be studied, as
well as the evolution of this constitutional right over the years, making a
relationship with the guarantee of the infraconstitutional right to health, so that
the possibilities of supply of medicines and medical treatments are analyzed,
through state budgetary limitations. In continuity, we will talk about the
judicialization of public health in Brazil, as well as the jurisprudential analysis.
Methodologically, the study was developed from the hypothetical-deductive
approach method, using a bibliographic review, due to the need to clarify the main
aspects of the theme addressed.

Key-words: Health. Reservation of the Possible. Judicialization


SUMÁRIO

1 A SAÚDE COMO FORMA DE ACESSO À DIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA E O DEVER DO ESTADO NESSE CENÁRIO ................................ 12
1.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA RELAÇÃO COM A
SAÚDE 12
1.2 O DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE EM SUA PERSPECTIVA
HISTÓRICA ...................................................................................................... 19
1.3 A GARANTIA INFRACONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE NO
BRASIL 24
1.4 O ORÇAMENTO PÚBLICO E A RESERVA DO POSSÍVEL ........... 29
2 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE A APLICAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL NAS AÇÕES QUE DISCUTEM
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE ........................................................ 35
2.1 A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE PÚBLICA.................. 35
2.2 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DO SUL DO
PAÍS ACERCA DA RESERVA DO POSSÍVEL ................................................ 43
2.2.1 O posicionamento do TJ/RS ......................................................... 43
2.2.2 O posicionamento do TJ/SC ......................................................... 49
2.2.3 O posicionamento do TJ/PR ......................................................... 53
CONCLUSÃO .................................................................................................. 57
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 59
8

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Demonstrativo das argumentações mais utilizadas pelo TJRS


no primeiro trimestre do ano de 2022, em relação a aplicação do princípio da
reserva do possível. ......................................................................................... 48
Gráfico 2 - Demonstrativo das argumentações mais utilizadas pelo TJSC
no primeiro trimestre do ano de 2022, em relação a aplicação do princípio da
reserva do possível. ......................................................................................... 52
Gráfico 3 - Demonstrativo das decisões que utilizavam-se do princípio da
reserva do possível em ações que tratavam do direito fundamental à saúde no
TJPR, durante o primeiro trimestre de 2022..................................................... 56
9

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como tema central o acesso à saúde pública e a


responsabilidade do Estado sob a ótica do princípio da reserva do possível. A
delimitação temática dedica-se a estudar o acesso à saúde pública, no Brasil,
como meio de preservação da dignidade da pessoa humana, diante do dever do
Estado de garantir a efetivação do referido direito aos cidadãos, bem como a
relação deste dever com a aplicação do princípio da reserva do possível nos
casos judicializados nos Tribunais de Justiça do Sul do país no primeiro trimestre
do ano de 2022.
O questionamento que embasou a presente pesquisa funda-se no
entendimento de que a saúde integra o mínimo existencial dos indivíduos e cabe
ao Estado garantir a efetivação deste direito. Nesse sentido, quando o Estado
deixa de cumprir tal obrigação ocorre a judicialização das causas na maioria das
vezes. Logo, é constitucional que o Estado utilize o princípio da reserva do
possível para suprimir o acesso à saúde aos cidadãos?
Durante o estudo levantou-se a hipótese de que o Estado, como provedor
dos direitos sociais previstos na Constituição Federal, possui o dever de fornecer
à população o acesso à saúde, bem como de garantir o mínimo existencial para
os cidadãos. Entretanto, não é possível atender todas as demandas
judicializadas, em razão das limitações orçamentárias, motivo pelo qual caberá
ao Estado gerir os recursos públicos, valendo-se, quando necessário, da
aplicação do princípio da reserva do possível.
O objetivo geral deste trabalho de conclusão de curso é pesquisar sobre a
judicialização do direito à saúde, verificando de que forma o princípio da reserva
do possível interferiu nas decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça do sul
do país no primeiro trimestre do ano de 2022, em ações de medicamentos e
tratamentos médicos. Os objetivos específicos levantados para a pesquisa são:
analisar o princípio da dignidade da pessoa humana e sua relação com o direito
fundamental à saúde, pesquisando a evolução do referido direito constitucional
ao longo dos anos e perfazendo uma relação com a garantia infraconstitucional
à saúde, para que através disso seja demonstrado de que forma o orçamento
público afeta a efetivação de tal prestação social e; explorar a judicialização do
direito à saúde, verificando o posicionamento dos Tribunais de Justiça do sul do
10

país no primeiro trimestre de 2022, em relação a aplicação do princípio da


reserva do possível.
A justificativa do estudo se dá em razão de que o desenvolvimento da
sociedade depende de cidadãos saudáveis e, para isso, é necessário que exista
uma prestação por parte do Estado, que deverá fornecer à população o acesso
à saúde, o que, por muitas vezes, não ocorre administrativamente, fazendo com
que as pessoas ingressem com ações judiciais. As ações relacionadas à saúde
possuem grande relevância no ordenamento jurídico, principalmente por
possuírem relação direta com a vida das pessoas. Sabe-se que todos os seres
humanos estão sujeitos a adoecer e a necessitar de alguma intervenção médica
ou medicamentosa e que a ausência do fornecimento de tratamentos ou
medicamentos poderá levar os pacientes a óbito, sendo este um dos grandes
motivos do aprofundamento da pesquisa no assunto.
Muitos cidadãos brasileiros sobrevivem em virtude do Sistema Único de
Saúde (SUS), que possui um grande papel na efetivação do direito à saúde no
Brasil e também na proteção da dignidade da pessoa humana. Entretanto, o
Sistema Único de Saúde não possui capacidade de despender via administrativa
todos os insumos necessários para o tratamento da população em geral,
fazendo-se necessário o ingresso de ações judiciais. É notória a importância de
compreender os critérios que são exigidos para o fornecimento de fármacos e
tratamentos médicos, a fim de garantir o acesso a insumos e intervenções
médicas fundamentais para a subsistência daqueles que porventura estejam
enfermos. No entanto, de outro norte, é necessário o entendimento do porquê
de muitos tratamentos serem indeferidos pelo Judiciário sulista, pois, não é
possível a proteção do direito de um em detrimento ao de muitos outros.
O Estado, como garantidor dos direitos fundamentais e sociais previstos na
Constituição Federal, tem o dever de fornecer à população o acesso à saúde de
qualidade, entretanto, a aplicabilidade de tal direito não poderá ser absoluta,
considerando que a má gestão dos recursos orçamentários geraria a carência
dos fundos públicos. Isso porque, muitos dos pleitos relacionados à saúde
possuem valores exorbitantes, levando o julgador a escolher entre a “vida ou
morte” de um, em favor de toda uma sociedade necessitada.
Dito isso, tem-se como necessária a compreensão da utilização do princípio
da reserva do possível como limitador estatal para o fornecimento de
11

medicamentos, bem como em relação aos desdobramentos desta limitação


quando se trata da efetivação do direito à saúde. Isso no intuito de compreender
o porquê de muitos medicamentos e tratamentos médicos serem indeferidos,
mesmo sendo extremamente importantes para a manutenção da vida dos
requerentes.
A pesquisa será dividida em dois capítulos, sendo que o primeiro deles vai
analisar o princípio da dignidade da pessoa humana e sua relação com o direito
fundamental à saúde, pesquisando a evolução do referido direito constitucional
ao longo dos anos e perfazendo uma relação com a garantia infraconstitucional
à saúde, para que através disso seja demonstrado de que forma o orçamento
público afeta a efetivação de tal prestação social.
O segundo capítulo dissertará, em um viés teórico, sobre a judicialização
do direito à saúde. Em continuidade será verificado de que forma o princípio da
reserva do possível interferiu nas decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça
do sul do país no primeiro trimestre do ano de 2022, em ações de medicamentos
e tratamentos médicos, o que se fará por meio de uma análise jurisprudencial,
que se faz necessária para coletar dados e analisar de que forma a teoria está
sendo aplicada na prática.
12

1 A SAÚDE COMO FORMA DE ACESSO À DIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA E O DEVER DO ESTADO NESSE CENÁRIO

O presente capítulo abordará a dignidade da pessoa humana,


relacionando-a com o direito constitucional à saúde. Para isso, em sede de
considerações iniciais, será explicada a origem do princípio da dignidade da
pessoa humana e as classificações de direitos fundamentais dispostas na
Constituição Federal, com o intuito de esclarecer os principais aspectos da
temática. Na sequência, será feita uma abordagem acerca do direito
constitucional à saúde em sua perspectiva histórica, para que através disso seja
demonstrado como o referido direito evoluiu ao longo dos anos.
Posteriormente, será estudado o direito infraconstitucional à saúde no
Brasil e seus desdobramentos em relação à efetivação do referido direito
constitucional aos cidadãos, isso em razão da grande relevância de tal instituto
no país, tendo em vista que grande parte da população brasileira utiliza o
Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, ressalta-se que, conforme dados
da Agência IBGE “em 2019, ao buscarem atendimento de saúde, 76,5% das
pessoas costumavam procurar o mesmo lugar, médico ou serviço de saúde,
sendo que 69,8% delas procuram estabelecimentos públicos de saúde”. (IBGE,
2020). Por fim, será realizado o aprofundamento do estudo em relação às
limitações orçamentárias estatais e a aplicação do princípio da reserva do
possível.

1.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA RELAÇÃO COM A SAÚDE

Inicialmente, impende referir que a exata origem do termo “dignidade da


pessoa humana” não pode ser descrita, tendo em vista que o termo teve seu
surgimento em ideias teológicas e filosóficas, muito antes de ser positivado como
um direito constitucional. O termo passou por diversos momentos históricos até
chegar à formulação moderna. A dignidade, na antiguidade, era vista como um
atributo, o indivíduo era visto como “digno” de acordo com o papel que exercia
na sociedade. Com isso, era permitida a quantificação da dignidade entre os
agentes, podendo, assim, um indivíduo ser mais digno do que o outro. (WEYNE,
2013).
13

A concepção de dignidade humana, como a conhecemos hoje, se


consolidou nos anos de 1939 a 1945, sendo uma reação internacional às
atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial. Além disso, o ideal de
igualdade entre a pessoas tomou força, afastando quaisquer diferenciações
feitas em razão de cor, raça, etnia, religião ou sexo. A partir daí os documentos
nacionais e internacionais passaram a explicitar a ideia de dignidade da pessoa
humana. (WEYNE, 2013).
Em âmbito internacional, o documento mais influente em relação ao
assunto, sem sombra de dúvidas, é a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 10 de dezembro de 1948. (CANOTILHO et al, 2018). Em âmbito
nacional, a Constituição Federal de 1988 preconizou, pela primeira vez no direito
pátrio, a dignidade da pessoa humana como um direito fundamental. (WEYNE,
2013). O referido princípio está disposto no art. 1°, inciso III, da Carta Magna,
sendo considerado um preceito fundamental. Isso porque, existem diversas
normas que possibilitam a aplicação de tal princípio, tais como: os direitos dos
presos, dos idosos, dos deficientes e entre muitos outros. (MOTTA, 2021).
Os artigos dispostos no Título I da Constituição Federal de 1988, possuem
grande relevância no ordenamento jurídico. Os princípios ali dispostos podem
ser considerados um rumo, que orienta a aplicação das leis, sendo, por este
motivo, mais amplos, em razão de possuírem maior alcance interpretativo.
(MOTTA, 2021). “Trazendo tal definição para nossa seara, princípio
constitucional é um valor que comanda e direciona a interpretação dos
dispositivos constitucionais.”. (MOTTA, 2021, p. 183).
Nesse sentido, pode-se citar que:

A Constituição de 1988 inovou em diversos aspectos em relação às


anteriores: a) foi a primeira a fixar os direitos fundamentais antes da
organização do próprio Estado, realçando a importância deles na nova
ordem democrática estabelecida no País após longos anos de
autoritarismo; b) tutelou novas formas de interesses, os denominados
coletivos e difusos; c) impôs deveres ao lado de direitos individuais e
coletivos. (PINHO, 2020, p. 93).

A Constituição de 1988 foi a primeira a prever um Título destinado aos


direitos fundamentais. A Carta Magna consagrou, além disso, alguns dos direitos
sociais, os quais estão dispostos no art. 6° do referido Diploma Legal. Diante
disso, pode-se perceber que foi apenas em 1988 que alguns desses direitos
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sociais foram elevados à condição de direitos fundamentais. (SARLET;


MARINONI; MITIDIERO, 2021). “Observa-se que, dentro da sistemática adotada
pela Constituição brasileira, o termo “direitos fundamentais” é gênero,
abrangendo as seguintes espécies: direitos individuais, coletivos, sociais,
nacionais e políticos”. (PINHO, 2020, p. 93).
A concepção material dos direitos fundamentais possui variabilidade no
tempo e no espaço. Isso porque, alteram-se conforme a sociedade dentro da
qual sejam formulados e estejam inseridos, bem como diante do momento
histórico em que a formulação seja levada a cabo. Já a concepção formal,
fundamenta-se na previsão do direito na Constituição, sendo fundamentais, pois,
os direitos previstos no referido diploma legal. (MOTTA, 2021). Os direitos
fundamentais são aqueles indispensáveis aos cidadãos, necessários para a
dignidade, liberdade e igualdade entre os seres humanos. (PINHO, 2020).
A classificação dos direitos fundamentais está disposta no Título II da
Constituição Federal de 1988, subdividida em cinco capítulos, sendo eles: os
direitos e deveres individuais e coletivos; os direitos sociais; da nacionalidade;
direitos políticos e partidos políticos. Tais direitos, doutrinariamente, são
classificados em gerações, levando-se em conta a ordem em que foram
reconhecidos. (MORAES, 2021). Entretanto, conforme a doutrina moderna e o
entendimento acadêmico atual, tais direitos também podem ser classificados em
dimensões de direitos fundamentais, em vez de gerações, tendo em vista que
uma dimensão nova complementaria as anteriores, não abandonando as
conquistas das antecessoras. (LENZA, 2021).
Sobre o assunto:

A doutrina aponta a existência de três gerações de direitos


fundamentais. Utiliza-se o termo “gerações” porque, em momentos
históricos distintos, surgiu a tutela de novos direitos. Observa-se que
não existe contradição alguma entre eles. Todos são tratados como
igualmente fundamentais. Interessa ao indivíduo e à sociedade a
proteção de todos os interesses considerados indispensáveis à pessoa
humana. As três gerações ou dimensões de direitos fundamentais são
as seguintes: a) direitos individuais; b) direitos sociais; c) direitos de
fraternidade. (PINHO, 2020, p. 95).

Os direitos fundamentais de primeira dimensão são aqueles que


reconhecem as liberdades individuais abrangendo, com isso, a vida, liberdade,
segurança e propriedade. Estes direitos, consagrados constitucionalmente,
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objetivam limitar o poder de agir do Estado em benefício das liberdades


individuais. (MOTTA, 2021). “São exemplos de tais direitos, entre outros, o direito
à vida, à propriedade, à liberdade de locomoção, à liberdade de expressão, à
liberdade de participação política, à igualdade (formal) perante a lei, à
incolumidade física etc.”. (MOTTA, 2021, p. 213).
Pode-se dizer que os direitos de primeira dimensão são aqueles que
fomentaram a passagem do Estado autoritário para um Estado que respeitava
as liberdades individuais, tornando-se a partir daí um verdadeiro Estado de
Direito. (LENZA, 2021). “Tais direitos dizem respeito às liberdades públicas e aos
direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos a traduzir o valor liberdade”.
(LENZA, 2021, p. 563).
Os direitos de segunda dimensão consagram os direitos de ordem
econômica, social e cultural. Estão ligados, basicamente, ao dever do Estado de
realizar alguma prestação em favor da população. Nesta fase o Estado deixou
de ocupar uma postura passiva e passou a assumir uma postura positiva perante
a sociedade. (MOTTA, 2021). “Para exemplificar, podemos citar como direitos
de segunda geração o direito à proteção na idade avançada, o direito ao lazer,
à saúde, à assistência social, à previdência social, ao trabalho, à habitação, ao
desporto etc”. (MOTTA, 2021, p. 214).
Um dos grandes marcos históricos referentes aos direitos fundamentais de
segunda dimensão foi a Revolução Industrial Europeia, no século XIX. Isso em
razão das degradantes condições às quais os trabalhadores estavam expostos,
gerando diversos movimentos que reivindicavam condições adequadas nas
relações trabalhistas e pugnavam por normas de assistência social. (LENZA,
2021). “O início do século XX é marcado pela Primeira Grande Guerra e pela
fixação de direitos sociais.”. (LENZA, 2021, p. 563).
Os direitos de terceira dimensão estão essencialmente ligados aos valores
da fraternidade ou solidariedade. Possuem, por sua natureza, caráter
transindividual, ou seja, não possuem destinatários específicos, estando ligados
diretamente à proteção das presentes e futuras gerações. (MOTTA, 2021). “São
exemplos os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao
progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, à conservação do patrimônio
histórico e cultural, à comunicação [...]”. (MOTTA, 2021, p. 216).
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Esses direitos foram marcados por alterações significativas na comunidade


internacional, as quais ocasionaram, diante do desenvolvimento tecnológico e
científico, grandes alterações nas relações econômicas e sociais. Neste período
surgem novas preocupações mundiais, tais como a proteção ao consumidor. A
terceira dimensão engloba direitos transindividuais, ou seja, direitos que saem
da seara individual e atingem uma coletividade. (LENZA, 2021).
O acesso à saúde, tema central desta pesquisa, como dito anteriormente,
é um dos direitos sociais assegurados pela Constituição, estando abrangido pelo
rol de direitos fundamentais de segunda dimensão. Isso porque, é dever do
Estado efetivar a fruição de tal direito à população, por meio de políticas sociais
e econômicas, com o fito de viabilizar a todos o acesso universal e igualitário à
saúde. (PEREIRA, 2020). Ainda, “atuando como direito de defesa, o direito à
saúde impõe que o Estado e particulares se abstenham de intervir indevidamente
no âmbito de liberdade pessoal relacionada à saúde do indivíduo”. (PEREIRA,
2020, p. 25).
“Conceitualmente falando, os direitos sociais consistem em um subconjunto
de direitos fundamentais dentro dos direitos humanos”. (FERREIRA, 2020, p.
29). Com isso, tem-se como fundamental a participação do Estado na
concretização de tais direitos para com a sociedade, em especial o direito à
saúde, considerando o dever estatal intrínseco de fornecer condições mínimas
de subsistência para os cidadãos. (FERREIRA, 2020). Os direitos de terceira
dimensão, surgidos na década de XX, por exemplo, inauguraram os chamados
direitos de crédito, visto que vinculavam o estado ao fornecimento de prestações
sociais. (BEDIN, 2003).
Os direitos sociais possuem dupla dimensão, isso porque são subjetivos e
objetivos, assim como os direitos fundamentais em geral. A subjetividade se dá
em razão da possibilidade de exigir do Estado prestações relacionadas aos
direitos sociais. No aspecto objetivo, pode-se dizer que o Estado está
permanentemente incumbido de efetivar a prestação dos direitos sociais aos
cidadãos. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2021).
É perceptível a preocupação do legislador ao estabelecer que é dever do
Estado efetivar os direitos sociais para a população, o que trouxe, ao menos em
um plano teórico, a concepção de que é necessário que o Estado forneça aos
cidadãos direitos mínimos para a sobrevivência com dignidade. Fica explicitado
17

que o Estado tem o dever de garantir à população o acesso à saúde, pois este
está diretamente relacionado à vida e à dignidade da pessoa humana.
(FERREIRA, 2020). Conceitualmente, os direitos sociais “são direitos que
garantem a eficácia e a supremacia do princípio da dignidade da pessoa
humana”. (FERREIRA, 2020, p. 31).
O Preâmbulo da Constituição Federal já demonstra a preocupação do
constituinte em fornecer a justiça social, o que se reforça ainda mais pelos
princípios fundamentais elencados no texto constitucional, no qual se destaca a
dignidade da pessoa humana. O referido princípio possui grande força, pois se
conecta com diversos outros preceitos normativos, assim como o direito à saúde,
à alimentação, à moradia e entre outros. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO,
2021).
Nesse viés, ressalta-se que:

Infelizmente, no Brasil, as desigualdades econômicas e a não


concessão adequada de direitos fundamentais constantemente violam
o princípio da dignidade humana, por não permitirem que as pessoas
atinjam um nível adequado de melhorias de sua condição pessoal,
impedindo-as de realizar o seu plano de vida e também a construção
de uma sociedade justa e democrática. (FERREIRA, 2020, p. 63).

O Estado não pode deixar de fornecer aquilo que é básico para a


sobrevivência humana, bem como não pode deixar de efetivar os direitos
fundamentais, tendo em vista que estes são basilares para que os seres
humanos vivam com dignidade. Para isso, é necessária a concretização dos
princípios constitucionais, de modo que nenhum cidadão deixe de receber
prestações indispensáveis. (FERREIRA, 2020). “No caso do direito à saúde, tal
plano só será concretizado, quando todos tiverem acesso a este direito no real
limite de sua necessidade”. (FERREIRA, 2020, p. 67).
É compreensível que o Estado possua limitações materiais, vez que não
pode fornecer a todos os cidadãos aquilo que desejam, em razão da evidente
limitação orçamentária que possui. Entretanto, é necessário que o ente estatal
comprove a indisponibilidade dos recursos e não negue a efetivação de direitos
fundamentais sociais utilizando-se de argumentos genéricos, sob pena de ferir a
dignidade da pessoa humana. (FERREIRA, 2020).
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A saúde é um dos componentes mais importantes para a manutenção da


vida, sendo um pressuposto indispensável para a existência e também para a
manutenção da qualidade de vida do ser humano. Ainda, como um direito
fundamental, é de caráter autoaplicável e também de eficácia imediata, conforme
entendimento trazido pelo artigo 196 da Constituição Federal. (SCHWARTZ,
2001).
Os direitos sociais vinculam-se ao dever do Estado de realizar prestações
à população, garantindo aos mais carentes e necessitados acesso a insumos e
tratamentos necessários, fornecendo-lhes o mínimo para uma vida com
dignidade. Estes direitos estão diretamente relacionados com as necessidades
básicas dos seres humanos, garantindo-lhes o mínimo existencial. (MOTTA,
2021).
Nessa linha, é de se destacar o entendimento do seguinte doutrinador:

Em uma abordagem clássica, os direitos sociais inscrevem-se entre os


direitos a ações positivas do Estado, em contraposição aos direitos
fundamentais do homem, entendidos como liberdades públicas,
direitos a ações negativas do Estado, fazendo com que certa corrente
doutrinária desqualifique-os como verdadeiros direitos, entendendo-os
como simples garantias institucionais. (SCHWARTZ, 2001, p. 58).

Tais direitos foram vistos por muito tempo como sendo meramente
programáticos, ou seja, não possuíam caráter prestacional, assim como os
direitos fundamentais de primeira geração. O Estado não estava vinculado à
prestação do direito à saúde, pois a Constituição apenas elencava as ações que
deveriam ser realizadas e não obrigava o Estado a observá-las. Tais direitos
eram compreendidos como sendo apenas uma faculdade e não um dever.
(FERREIRA, 2020).
Dito isso, faz-se necessária uma análise acerca da evolução do direito
constitucional à saúde ao longo dos anos, com o fito de demonstrar quais foram
as principais mudanças sofridas pelo referido direito e como os seres humanos
lidaram com isso ao passar dos anos. A saúde ocupava um papel importante na
vida dos indivíduos antes mesmo de ser compreendida como algo fundamental,
assim como se demonstrará no tópico que segue.
19

1.2 O DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE EM SUA PERSPECTIVA


HISTÓRICA

Historicamente, ainda nos primórdios da humanidade, a saúde sofria


grande influência pelas crenças e ideologias religiosas, fazendo com que os
povos se utilizassem de magias e invocações sobrenaturais com o intuito de
curar suas mazelas. Em um primeiro momento, os seres humanos viam a saúde
apenas como uma forma de retirar de seus corpos os males que lhes
atormentavam. Era também uma forma de preservação da espécie, vez que os
povos ancestrais passaram por grandes epidemias que tinham a capacidade de
reduzir consideravelmente o número de seres humanos. (SCHWARTZ, 2001).
Um grande marco para a formulação do conceito de saúde ocorreu na
Grécia antiga, no momento em que os gregos afastaram as concepções de que
a saúde estava atrelada a conceitos religiosos e mágicos. Entretanto, ainda
cultuavam deusas como Hygieia e Panacea, divindades da saúde e da cura,
respectivamente. Os gregos trouxeram a ideia de que para ser saudável era
necessário que o ser humano estivesse bem fisicamente e mentalmente, além
de ter proporções harmoniosas. (SCHWARTZ, 2001).
Percebe-se que a saúde ocupou um papel importante na vida dos cidadãos
na antiguidade sendo, naquele período, objeto de preocupação, mas também
compreendida como um beneplácito divino, visto que o corpo e a mente sã
poderiam ser entendidos como uma benção divina e as doenças como uma
punição. Com isso, a cura não era voltada somente aos sintomas que o enfermo
estava sentindo, mas também para possível redenção dos pecados que o
levaram até a doença. (ALMEIDA, 2020).
Naquela época os praticantes da medicina eram geralmente pessoas de
alto poder aquisitivo e de grande poder na sociedade, fato que também decorria
das posições que ocupavam nos cultos e seitas religiosas. O patamar ocupado
por tais pessoas na sociedade gerava uma espécie de submissão dos pacientes
aos práticos da medicina, o que propiciava a ocorrência de abusos. Diante disso,
tornou-se necessária a criação de limites ao exercício da medicina, criando-se
as primeiras regras, mesmo que rudimentares, de um direito à saúde. (ALMEIDA,
2020).
20

Hipócrates teve grande influência na medicina grega, trazendo consigo o


entendimento de que as doenças deveriam ser tratadas conforme suas
peculiaridades locais, por exemplo, habitantes de cidades diversas deveriam ser
tratados de formas diferentes, considerando que seu tipo de vida influenciava
diretamente em sua saúde. (SCHWARTZ, 2001). “As ideias de Hipócrates
cruzaram séculos (com exceção da Idade Média), perdurando até os tempos
atuais, principalmente a noção de que a doença é algo palpável, com
causalidade natural”. (SCHWARTZ, 2001, p. 30).
Na Idade Média, houve um retrocesso, sendo a saúde fortemente
influenciada pela religião. Naquele período, os povos entendiam que pessoas
que nasciam com deficiência estavam sendo castigadas pelas divindades. A
Bíblia era considerada a maior fonte de conhecimento, em detrimento a toda a
forma de ciência. (FERREIRA, 2020). “Enfermidades, sobretudo hanseníase,
eram tidas como marcas do pecado e os que recorriam a chás e plantas para a
cura poderiam ser vistos como bruxos e seriam queimados pela Inquisição”.
(FERREIRA, 2020, p. 56).
Nos primórdios das civilizações a saúde era vista apenas como um meio
de cura para doenças individuais, não havendo a reflexão acerca da necessidade
de proteger a coletividade e evitar, por exemplo, a proliferação de epidemias. Foi
apenas no século XIX que o Estado passou a se preocupar com a proteção da
saúde da sociedade como um todo, em especial a dos trabalhadores, em razão
do período de industrialização que ocorria na Europa. (ALVES, 2016).
No século XIX, a sociedade industrial complementa o conceito de saúde,
considerando agora que a ausência de doenças era necessária para que o
proletariado produzisse. Diante do período de industrialização da sociedade, era
necessário que o trabalhador produzisse o máximo possível, não podendo,
dessa forma, adoecer e, se adoecesse, era necessário que se curasse
rapidamente, pois as doenças começaram a se tornar um empecilho para as
produções. (SCHWARTZ, 2001).
A saúde deixou de ser apenas “curativa”, e foi considerada também
“preventiva”, em meados do século XX. (SCHWARTZ, 2001). “Ora, a saúde
deveria não ser mais um “poder comprar a cura”, mas sim direito de que “todos
tenham acesso à cura”. (SCHWARTZ, 2001, p. 34). Nesse período foi
implementado o entendimento de que o Estado era o responsável por fornecer
21

saúde à população por meio de programas de atividade sanitária. As doenças,


neste período, passaram a ser tratadas antes de se instalarem no corpo humano
(prevenção) e não somente naqueles que já estavam enfermos (cura).
(SCHWARTZ, 2001).
O Estado deixou de entender a saúde apenas como um bem individual,
passando a trata-la como um bem de riqueza coletiva. Isso porque, tornou-se
necessária a ação governamental para que as pessoas estivessem saudáveis
não só para exercerem as atividades laborais, mas sim para que tivessem o
direito de gozar de uma vida saudável e digna. Este percurso de evolução
demonstra como a saúde deixou de ser vista apenas como algo individual, a ser
tratado por cada pessoa, e tornou-se algo de preocupação coletiva para,
posteriormente, ser efetivada como um direito fundamental. (ALMEIDA, 2020).
No ano de 1946, a Organização Mundial da Saúde, no preâmbulo de sua
Constituição, trouxe o conceito de saúde mais próximo ao de direito fundamental,
referindo que “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e
social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.”.
(OMS, 1946). Foi a partir daí que a saúde passou a ser uma preocupação
mundial.
Ressalte-se, em relação as disposições da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, que:

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu art.


25 estabeleceu que “Toda pessoa tem direito a um nível de vida
suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar...”,
restou claro que o direito à saúde passou a ser encarado como um bem
jurídico relacionado com o que se tem de mais importante: a vida.
Através dos demais tratados, pactos e leis que decorreram da
Declaração Universal citada, o direito à saúde passou a ser
compreendido, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),
como o completo e prioritário bem-estar físico, mental e social,
deixando de ser definido apenas como ausência de doenças ou seus
agravos. (ALVES, 2016, p. 22).

O Brasil incorporou o direito à saúde gradualmente em suas Constituições.


Entretanto, foi somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que
o país efetivamente trouxe a concepção do tema, cerca de 40 anos após a
Declaração Universal dos Direitos Humanos. (SCHWARTZ, 2001). O referido
direito foi efetivado no ordenamento brasileiro, consagrando-se no art. 6° da
22

Carta Magna como sendo um direito social e um elemento necessário para a


vida em sociedade. (FERREIRA, 2020).
A Constituição Federal de 1988 inovou o conceito de saúde, trazendo
consigo a concepção de que a saúde é direito de todos e dever do Estado,
conforme disposição expressa do artigo 196 do referido diploma legal. Verifica-
se, da análise do artigo supracitado, que a saúde se tornou um dever estatal,
estando o Poder Público incumbido de efetivar tal direito à população, por meio
da proteção, promoção e recuperação da saúde. (CANOTILHO et al, 2018).
A expressão direito à saúde abrange não só o conceito individual, mas
também todo o coletivo, sendo “um direito de todos” e uma obrigação estatal. A
saúde foi elevada ao patamar de direito fundamental com prestação positiva do
Estado, sendo, portanto, um dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios fornecerem as prestações referentes a tal direito. (ALVES, 2016).
Nesse viés, pode-se concluir a partir do conceito “direito de todos”, previsto no
art. 196 da Constituição Federal, que a saúde poderá ser exigida no plano
individual e também coletivo. (FREITAS, 2018).
Gize-se que a conceituação “dever do Estado”, disposta no artigo
suprareferido, foi propositalmente disposta pelo constituinte originário com o fim
de englobar todos os entes da federação e estabelecer uma espécie de
competência solidaria para o fornecimento do direito à saúde aos cidadãos. Com
isso, conforme disposição do art. 23, II, da Carta Magna, a competência para o
fornecimento da saúde pública será comum entre tais entes. (FREITAS, 2018).
“Assim, a CRFB/88 elevou o direito à saúde ao status de direito
fundamental, passando a tratá-lo como corolário do direito à vida”. (FERREIRA,
2020, p. 61). Isso ocorre, pois, a saúde possui diversas interconexões com outros
direitos fundamentais, a exemplo disso à vida, a proteção das crianças, dos
adolescentes, dos idosos e entre outros. (CANOTILHO et al, 2018). “Desse
modo, ainda que não tivesse sido consagrada explicitamente no texto
constitucional, a proteção da saúde poderia ser admitida na condição de direito
fundamental implícito”. (CANOTILHO et al, 2018, p. 2.014).
Frisa-se que:

A complexa classificação jurídica da saúde traz algumas implicações


que influem diretamente na possibilidade de sua efetivação. Uma das
questões a ser respondida é saber se é possível, com base no disposto
23

no art. 196 da CF/88, afirmar a existência de um direito público


subjetivo oponível contra o Estado, obrigando-o a determinada
prestação, independentemente de previsão em legislação ordinária, e,
portanto, passível de reclamação pelo titular do direito via judicial e/ou
administrativa. (SCHWARTZ, 2001, p. 56).

No momento em que o legislador trouxe para o texto constitucional o


conceito de saúde, também atribuiu ao Estado o dever de fornecer a população
tal direito, o que ocorrerá por meio de políticas públicas. (OLIVEIRA, 2018). Para
que tais direitos possuam eficácia, é necessário que o Poder Público atue de
modo a disponibilizar recursos financeiros para que sejam implementadas
medidas com o fito de disponibilizar a população os direitos sociais
constitucionalmente previstos no artigo 6 do referido diploma legal. (MOTTA,
2021).
O artigo 198 da Constituição Federal foi responsável por garantir as
diretrizes que seriam utilizadas no fornecimento da saúde. Com isso, fixaram-se
as garantias e os métodos aptos a estabilizar os repasses financeiros realizados
pela Administração Pública, com o fito de disponibilizar e efetivar a promoção da
saúde pública. (FREITAS, 2018). Ademais, saliente-se que cada vez mais a
jurisprudência volta-se ao fornecimento de prestações sociais que necessitam
de investimentos públicos. (MOTTA, 2021).
É certo que a Constituição Federal, ao trazer a previsão legal do direito à
saúde, estava a preconizá-lo como um direito fundamental. (CIARLINI, 2013).
“Por certo, o intento desses preceitos normativos que tratam de direitos
fundamentais é o de conceder certa efetividade e eficácia vinculante a
determinados princípios e regras constitucionais”. (CIARLINI, 2013, p. 34). As
políticas públicas são utilizadas para efetivar tais direitos, estando previsto,
ainda, nos arts. 196, 197 e 198 do referido diploma legal, as regras concernentes
à aplicação do Sistema Único de Saúde. (CIARLINI, 2013).
Nesse viés, faz-se necessária uma abordagem acerca da garantia do direito
infraconstitucional à saúde, com o intuito de melhor compreender o Sistema
Único de Saúde e seus desdobramentos em relação a efetivação do deste direito
fundamental. Como já dito anteriormente, muitos cidadãos brasileiros
sobrevivem em virtude dos tratamentos e medicamentos dispendidos pela
ferramenta, o que demonstra sua relevância no ordenamento jurídico.
24

1.3 A GARANTIA INFRACONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE NO


BRASIL

A legislação infraconstitucional possui um grande papel na efetivação do


direito à saúde no Brasil, visto que atua como garantidora das políticas públicas
instituídas a partir da Constituição Federal de 1988. A referida legislação traz as
diretrizes para a implementação do sistema que funcionará como instrumento de
efetivação do direito fundamental à saúde. (BREDA, 2020).
Sabe-se que o direito à saúde é uma garantia social prestacional que
deverá ser fornecida pelo Estado mediante a implementação de políticas
públicas em benefício dos indivíduos. Com isso, torna-se importante verificar de
que forma ocorrerá a disponibilização dos procedimentos por parte dos entes
federados. No Brasil, os serviços públicos de saúde são fornecidos por meio do
Sistema Único de Saúde, que é um sistema descentralizado, universal e integral
de fornecimento de medicamentos e também de tratamentos médicos.
(MORAES, 2019).
Sobre a composição do Sistema Único de Saúde, pode-se citar que:

O SUS é constituído por uma série de serviços que possuem objetivos


diferentes e complementares, mas sempre com foco na saúde e
seguindo os princípios e diretrizes preconizadas pela Lei n° 8080/90.
Eles podem estar sob a gestão de qualquer uma das três esferas de
governo federal, estadual e municipal. Isso determinará a abrangência
de suas ações: os serviços federais geralmente determinam regras e
fluxos que são referências para os demais serviços nacionais
(estaduais e municipais), e estes, por sua vez, são referenciais locais,
responsáveis pelos seus estados e cidades. (SOLHA, 2014, p. 13).

Os primeiros documentos que esboçaram a criação do referido sistema


foram apresentados na 8ª Conferência Nacional da Saúde, realizada em 1986.
A conferência ocorreu logo após o fim da ditadura e acabou por ter um grande
papel na criação de um novo modelo de saúde pública, que posteriormente se
transformaria no Sistema Único de Saúde. (DUARTE, 2019). Ainda, tamanha foi
sua importância que “o relatório da conferência teve suas principais resoluções
incorporadas à Constituição de 1988, primeiro documento a estabelecer o direito
à saúde definitivamente no ordenamento jurídico brasileiro”. (DUARTE, 2019, p.
136).
25

A 8ª Conferência Nacional da Saúde deu início a discussão acerca da


importância da efetivação do direito à saúde para a população, que
posteriormente seria efetivada na Carta Magna. A Conferência foi um grande
marco para o entendimento de que os indivíduos deveriam receber do Estado
prestações em relação à saúde, que proporcionariam aos cidadãos uma vida
digna. (BREDA, 2020). Ainda, conforme dados do Conselho Nacional de Saúde
“[...] ela foi a primeira Conferência Nacional da Saúde aberta à sociedade e seu
relatório final serviu de base para o capítulo sobre Saúde na Constituição Federal
de 1988, resultando na criação do Sistema Único de Saúde (SUS)”. (BRASIL,
2022).
A regulamentação do Sistema Único de Saúde se deu com a Lei n° 8080,
de 19 de setembro de 1990. Entretanto, a implementação do sistema não se deu
de maneira uniforme no Brasil, posto que haviam várias diferenças políticas entre
os municípios, fazendo com que vários dos entes retardassem a implementação
do Sistema Único de Saúde e optassem pela utilização de sistemas locais, o que
acabou por trazer transtornos e barrar o acesso efetivo à saúde por parte da
população. (SOLHA, 2014).
Sobre os empecilhos para a implementação do Sistema Único de Saúde,
pode-se dizer que:

Entre os desafios para a implantação do SUS, podemos relatar:


interesses político-partidários que fazem com que a gestão do sistema
dependa da vontade dos políticos locais; falta de estrutura de muitos
municípios para organizar e gerir seus serviços de saúde, falta de
profissionais comprometidos com os princípios e diretrizes do SUS,
para atuar na gestão e na assistência; pressão do empresariado do
mercado de saúde contra o sistema; falta de gestão profissionalizadora
(não existe uma carreira pública como gestor do sistema); rede
prestadora de serviços desarticulada e sucateada; subfinanciamento;
baixa participação social no controle do sistema; dependência da rede
privada de hospitais para prestação de serviços (como as Santas
Casas, hospitais de gestão privada que prestam serviços ao SUS), filas
de espera para serviços especializados, entre vários outros problemas
a serem superados. (SOLHA, 2014, p. 13).

A implementação do Sistema Único de Saúde, como o conhecemos hoje,


teve início com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que foi
considerada um dos grandes marcos regulatórios em relação a matéria.
Entretanto, é de se salientar que o sistema foi regulado infraconstitucionalmente,
ainda no ano de 1975, com a criação da Lei n° 6.229/79, que disciplinava o
26

Sistema Descentralizado de Saúde (SUDS), posteriormente revogado pela Lei


n° 8.080/90. (MORAES, 2019).
Nos termos da Lei n° 8.080/90, o Estado deverá formular políticas públicas
com o fito de prevenir e reduzir o número de doenças, bem como de fornecer o
acesso integral, universal e igualitário aos serviços dispendidos pelo Sistema
Único de Saúde. A referida lei busca trazer as diretrizes para a implementação
de um sistema que irá fornecer aos indivíduos acesso pleno ao direito
fundamental à saúde. (BACOLI, 2019).
A atuação do Sistema Único de Saúde é bastante ampla, conforme
disposto no art. 6 da lei supracitada, e sua gestão será realizada pelo Ministério
da Saúde e pelas Secretarias de Saúde, a depender da esfera de governo em
que esteja sendo exercida. Ainda, nos termos do artigo 28 da Lei n° 8080/80, só
poderão ser exercidos em regime de tempo integral os cargos que envolvam
chefia e assessoramento no Sistema Único de Saúde, dada a complexidade de
suas atribuições. (BACOLI, 2019).
Com a criação do Sistema Único de Saúde a população passou a ter direito
integral à saúde, por meio de ambulatórios, hospitais públicos, serviços de
vigilância sanitária, campanhas de vacinação, serviços de vigilância
epidemiológica e entre tantos outros serviços disponibilizados, que atuam não
só para curar doenças, mas também como uma forma de prevenção. O acesso
à saúde deverá ser fornecido pelos entes da federação de forma integral,
levando-se em conta a Relação Nacional de Medicamentos do Sistema Único de
Saúde (RENAME) e a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde
(RENASES). (REIS, 2019).
Nesse sentido:

Sendo atualmente um dos principais sistemas de saúde do mundo, o


SUS representou o intuito do constituinte pela universalização dos
serviços públicos de saúde. A partir da Constituição de 1988, a
prestação desses serviços não se encontra mais restrita aos
trabalhadores inseridos no mercado formal. Todos os brasileiros,
independentemente de vínculo empregatício e recursos financeiros,
passaram a estar integrados no atendimento público. (OTTONI, 2019,
p. 17).

Nesse viés, o princípio da integralidade do acesso ao Sistema Único de


Saúde impõe que os entes federados deverão promover políticas públicas com
27

o intuito de fornecer aos indivíduos o acesso à saúde em todas as situações em


que for cabível, utilizando-se para isso dos meios necessários para a garantia do
mínimo existencial. Com isso, o Poder Público deverá suprir o maior número de
demandas relacionadas a este direito. (PAIXÃO FILHO, 2020).
Ainda, um dos princípios basilares do Sistema Único de Saúde é a
universalidade, pois no Brasil todos os cidadãos têm direito à saúde, devendo o
Estado ser o provedor de tal prestação social. O Sistema Único de Saúde possui
um grande papel na efetivação do direito fundamental à saúde, tendo em vista
que a maior parte da população se utiliza de serviços de assistência fornecidos
pelo sistema. As ações fornecidas pelo Sistema Único de Saúde são
abrangentes, atingindo todas as situações que envolvem a assistência à saúde.
(SOLHA, 2014).
Basicamente, o princípio da universalidade dispõe que o acesso à saúde
deverá ser para todos, ou seja, qualquer cidadão, independentemente de
qualquer fator, como raça, sexo, classe social ou etnia, terá acesso universal ao
Sistema Único de Saúde, podendo utilizar integralmente os seus serviços. Este
princípio encontra embasamento no artigo 196 da Carta Magna. (PAIXÃO
FILHO, 2020).
Gize-se que os serviços fornecidos pelo Sistema Único de Saúde são
geridos pelo princípio da gratuidade, encontrando respaldo também no art. 196
da Constituição. Ou seja, a população tem direito de receber os medicamentos
e tratamentos médicos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde de forma
gratuita e, por este motivo, caberá ao Estado administrar a receita tributária de
modo a garantir aos indivíduos este acesso. (PAIXÃO FILHO, 2020).
Os princípios que norteiam o Sistema Único de Saúde, se corretamente
aplicados, serão um empecilho à individualização excessiva das causas
relacionadas ao direito à saúde. Isso porque, o Sistema Único de Saúde funda-
se no intuito de promover a justiça social, trazendo as populações mais
vulneráveis os insumos e tratamentos que necessitam, representando um
enorme avanço no que diz respeito às políticas públicas relacionadas ao direito
a saúde. No entanto, de outro viés, a aplicação descontextualizada de tais
princípios tende a tornar o sistema falho, acabando por não fornecer aos mais
carentes a eficaz prestação ao direito em voga. (OLIVEIRA, 2018).
28

O Estado deverá promover políticas de prevenção, ou de diminuição dos


riscos, com o fito de manter o bem-estar da população. Podemos citar dentre
estas políticas as campanhas de vacinação e as medidas de tratamento
sanitário. Isso porque, o direito social a saúde possui o intuito de fornecer a
população melhores condições de vida e não somente curar as doenças quando
estas já estão instaladas. (DUARTE, 2019).
Da análise dos arts. 196 e 198 da Constituição Federal pode-se perceber o
intuito do constituinte originário em estabelecer o Sistema Único de Saúde com
as suas peculiaridades e com ele realizar a promoção, proteção e recuperação
da saúde. Com isso, o Estado, utilizando-se da receita tributária, irá fornecer a
população a saúde pública e, em tese, atenuará as desigualdades impostas pelo
nível social econômico em relação ao acesso à saúde. (GROSS, 2019).
Da análise dos artigos, pode-se concluir que:

Enquanto o art. 196 da Constituição Federal define o alcance e a


abrangência do direito à saúde, o art. 197 determina como isso deve
se dar. Tendo isso em vista, o art. 198 determina como o Estado deve
pôr em prática o direito à saúde, devendo isso ser feito através de uma
rede regionalizada e hierarquizada a qual foi batizada de Sistema
Único de Saúde - SUS. (PAIXÃO FILHO, 2020, p. 58).

É clara a importância do artigo 196 da Constituição Federal, no sentido de


implementar as políticas econômicas e sociais que serão utilizadas para fornecer
e materializar o direito à saúde. O referido direito, conforme disposição
constitucional, será fornecido de forma universal e igualitária, isso porque os
cidadãos terão acesso à saúde na forma mais ampla possível, mas de forma
diferente entre os destinatários, visto que cada um tratará as suas próprias
mazelas. (FREITAS, 2018).
A Constituição Federal prevê o conjunto de ações que deverão ser
executadas pelo Estado para que seja assegurado o direito social à saúde, por
meio de sua proteção, promoção e recuperação. O artigo 198 do referido diploma
legal prevê as ações que deverão ser realizadas para a efetivação de tais
serviços, dispondo desta forma sobre as diretrizes do Sistema Único de Saúde.
(OTTONI, 2019).
Entretanto, quando entramos na discussão de fornecimento de
medicamentos e de tratamentos médicos por parte do Estado, se faz necessária
29

a observância do orçamento público. Isso porque, para que ocorra a


implementação das políticas públicas, é necessário que o Poder Público realize
a distribuição dos recursos, pois a efetivação dos direitos sociais, em especial o
da saúde, demanda investimentos altos e, no cenário atual, os recursos para
isso encontram-se escassos. (OTTONI, 2019).
Com isso, entra em voga a discussão acerca do princípio da reserva do
possível e de seus desdobramentos no ordenamento jurídico, em especial
quando se trata do fornecimento de fármacos e de tratamentos de saúde. Isso
porque, o orçamento público é limitado e as demandas relacionadas ao
fornecimento deste direito fundamental são muitas, fazendo-se necessária a
utilização de critérios e diretrizes para o seu fornecimento.

1.4 O ORÇAMENTO PÚBLICO E A RESERVA DO POSSÍVEL

Com o passar do tempo vários ordenamentos passaram a prever o direito


à saúde, de forma que o Estado teve a necessidade de implantar políticas
públicas para realizar a efetivação deste direito. Além da necessária
regulamentação do acesso à saúde pública, surgiu a necessidade de equacionar
o fornecimento dos tratamentos médicos e também dos medicamentos, visto que
para a efetivação da saúde era necessária a observância do orçamento público.
(SCAFF, 2010).
É sabido que o orçamento público é limitado, devendo o governante gerir
sua aplicação de forma consciente. O Estado deverá administrar os gastos
públicos de forma a saber se os recursos vão ser suficientes para suprir os
investimentos. Da mesma forma, é necessário que ocorra o planejamento dos
gastos que são destinados as políticas públicas implementadas no Brasil, com o
fito de determinar com o que se pode ou não gastar. (ABRAHAM, 2019).
A análise acerca do orçamento público é extremamente necessária para a
compreensão das medidas de fornecimento da saúde, visto que para a eficaz
efetivação deste direito fundamental será necessária a realocação e aplicação
de recursos públicos. (MORAES, 2019). Isso considerando que os direitos
sociais são custeados com tributos adquiridos dos contribuintes, funcionando
como uma verdadeira forma de redistribuição da renda e, em tese, de diminuição
das desigualdades sociais. Nesse sentido as prestações sociais devem ser
30

destinadas, essencialmente, para aqueles que não possuem condições de


prover a sua própria subsistência. (DUARTE, 2019).
O Estado deve realizar políticas públicas com o fito de garantir o acesso à
saúde, tendo em vista a necessidade de realocar os recursos públicos,
utilizando-se de critérios distributivos. (ALVES, 2016). Ainda, levando em conta
o contexto social a que estamos inseridos, notadamente no Estado brasileiro,
local onde as desigualdades sociais e econômicas podem ser visualizadas com
grande facilidade, torna-se ainda mais importante a distribuição cautelosa dos
recursos públicos, a fim de promover a real justiça social e reduzir o desequilíbrio
existente. (OLIVEIRA, 2018).
A busca individual pelo direito a saúde tende a resultar em inúmeras
demandas judiciais nesse sentido, fazendo com que o Judiciário tenha que
decidir sobre a efetivação de tal direito fundamental. Isso ocorre em todas as
comarcas do país, o que ocasiona uma impessoalidade das demandas, tendo
em vista que o julgador acaba por decidir apenas com base no entendimento
majoritário e não na individualidade e subjetividade de cada demanda, o que vai
de encontro com o ideal de efetivação da justiça social. (OLIVEIRA, 2018). “Não
se olvida, entretanto, que a realizada da escassez de recursos condiciona o
Poder Público à negativa de muitas prestações estatais da saúde”. (DUARTE,
2019, p. 216).
As políticas públicas funcionam como um meio de efetivação do referido
direito, sendo o primeiro meio utilizado pelo Estado para o fornecimento de
insumos e tratamentos necessários para a concretização da saúde. Em não
havendo a ação estatal nesse sentido, ocorrerá a atuação do Poder Judiciário,
que atuará diante da inércia do Estado em efetivar o direito fundamental
suprareferido. (SCHWARTZ, 2001). “Afirma-se, entretanto, que as demandas de
saúde devem ser preteridas por questões financeiras são as de segunda
necessidade, mormente as menos essenciais”. (DUARTE, 2019, p. 216).
Acrescenta-se ao citado acima que:

Especialmente, no que tange ao direito à saúde, o que se observa é


que, cada vez mais, o Estado utiliza argumentos para negar a
concretização plena desse direito fundamental, dentre os quais se
destacam: o discurso da reserva do possível e a impossibilidade
material de custear todos os direitos sociais, o dogma da separação
31

dos poderes, o planejamento financeiro e as leis orçamentárias, entre


outros. (FERREIRA, 2020, p. 63).

Sabe-se que a escassez de recursos públicos acabará por tornar as


escolhas dos Magistrados trágicas, tendo em vista que muitos dos
medicamentos e tratamentos que são negados pelo Judiciário acarretarão a
morte dos pacientes1. Com isso, a distribuição dos recursos será
inexoravelmente problemática, devendo o Poder Público, de uma forma ou outra,
optar métodos distributivos que irão concretizar o direito à saúde de forma
igualitária entre os cidadãos. Isso tendo em vista que os recursos são
insuficientes para a concretização dos direitos fundamentais, em razão, também,
da corrupção endêmica que atinge o país. (GROSS, 2019).
Evidentemente o maior obstáculo para a efetivação dos direitos sociais está
ligado à escassez de recursos orçamentários, que impede diametralmente o
acesso da população a uma vida digna, pois, sem recursos não há direitos que
possam ser alcançados. Não pode o Estado fornecer todas as políticas públicas
que são demandadas pela população, em razão de suas limitações materiais.
Dessa forma, caberá aos entes federados elegeram quais são as prioridades e
para onde serão destinados os recursos. Diante disso, o Estado invocará o
princípio da reserva do possível. No entanto, sua utilização deverá ser realizada
com ressalvas, não podendo o Ente evadir-se do fornecimento de direitos
fundamentais sem estar devidamente motivado. (FIGUEIREDO, 2019).
Sobre a origem do princípio da reserva do possível:

Por sua vez, a teoria da reserva do possível surgiu na jurisprudência


do Tribunal Constitucional Alemão, em decisão conhecida como
Numerus Clausus. O caso concreto envolvia o direito de acesso ao
ensino superior de candidatos que não lograram êxito em ingressar nas
instituições públicas de ensino de Medicina, devido a uma política de
restrição do número de vagas em cursos superiores adotada à época
do governo alemão. A pretensão dos candidatos foi judicializada com
fundamento no art. 12 da Lei Fundamental alemã, segundo a qual
“todos os alemães têm direito a escolher livremente sua profissão, local
de trabalho e seu centro de formação”. (MORGAN, 2020, p. 65).

O fornecimento de direitos é oneroso para o Estado, que acaba por adotar


o paradigma de escassez dos recursos. A consequência disso será a imposição

1https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/mineira-que-lutava-para-receber-remedio-de-

alto-custo-do-estado-morre-apos-seis-anos-esperando-decisao-que-ainda-tramita-no-stf.ghtml
32

de escolhas em relação ao fornecimento das políticas públicas, que não poderão


abranger todos os necessitados. Em vista disso será invocado o princípio da
reserva do possível, que trará, como explicado acima, a necessidade de algumas
escolhas trágicas. As consequências dessas escolhas são inevitáveis, ainda
mais quando relacionadas à saúde. (CARVALHO; FARIA; OLIVEIRA, 2020).
O princípio da reserva do possível é um dos argumentos comumente
utilizados para negar o fornecimento de tratamentos médicos, em especial os
medicamentos de alto custo. No entanto, tal argumentação deve ser utilizada
baseando-se nos critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo
existencial, visando salvaguardar a dignidade da pessoa humana e também
observando as receitas tributárias disponíveis. (FREITAS, 2018). Isso porque,
“Ao limitar a amplitude de direitos sociais aos cidadãos, se incorre, fatalmente,
em uma restrição desses direitos, havendo, portanto, um retrocesso em nosso
caso específico, no exercício de aplicação do direito público subjetivo à saúde.”.
(CUNHA, 2019, p. 126).
Não pode o Estado evadir-se da responsabilidade de fornecer a população
direitos e garantias previstas constitucionalmente apenas com a alegação de
escassez de recursos, visto que os direitos fundamentais sempre estariam
condicionados à existência de receita tributária disponível, o que causaria uma
insegurança jurídica para os requerentes. (CUNHA, 2020). Nesse norte, pode-
se considerar a reserva do possível como um meio de garantir a efetivação dos
direitos sociais para todos, de modo a gerir o orçamento público de forma
favorável a coletividade e não como uma barreira para a garantia dos direitos
individuais. (CARVALHO; FARIA; OLIVEIRA, 2020).
A Constituição Federal não dispõe expressamente acerca da garantia do
mínimo existencial, embora traga em seu preâmbulo que devem ser
assegurados os direitos sociais, que acabam por englobar as características
garantidas pela teoria. O mínimo existencial é frequentemente utilizado para
fundamentar decisões que fornecem direitos fundamentais aos requerentes,
possuindo um papel de destaque nas decisões proferidas pelo Judiciário.
(PAIXÃO FILHO, 2020).
Sobre o conceito de mínimo existencial:
33

O mínimo existencial abrange qualquer direito, como o direito à saúde


e a educação, ainda que não seja classificado constitucionalmente
como fundamental. Assim, esta teoria tem uma relação bastante
próxima com as questões envolvendo a caridade e o combate à
pobreza, embora não se confunda com esses dois aspectos, mais
ligados à ideia de justiça e de redistribuição de riqueza. (PAIXÃO
FILHO, 2020, p. 45).

Nesse sentido, necessária a observância dos custos dos direitos, pois não
basta a implementação de diversas políticas públicas e infindáveis direitos
prestacionais sem que haja a contraprestação estatal e um planejamento
econômico apto a suprir essas demandas. A distribuição dos recursos
orçamentários deve ser realizada de forma racional, visando atingir os direitos
fundamentais estabelecidos constitucionalmente. (FREITAS, 2018). “Além disso,
as políticas públicas relativas ao direito à saúde deverão ser executadas
integralmente, sob pena de o ente responsável incorrer em omissão”.
(CARVALHO; FARIA; OLIVEIRA, 2020, p. 93).
As necessidades da população ultrapassam os recursos públicos e os
valores que seriam destinados para a aplicação de políticas públicas. A
Constituição Federal prevê a realização de prestações que promovam a
população o mínimo existencial, visando fornecer-lhes uma vida com dignidade.
Entretanto, o Estado não possui os recursos necessários para garantir
integralmente estes direitos, o que acarreta a latente necessidade de realizar
escolhas, administrando os recursos limitados e por vezes utilizando-se da
aplicação da reserva do possível. (FREITAS, 2018).
O Estado tem o dever de garantir o mínimo existencial a população,
fornecendo prestações de caráter emergencial. Entretanto, se deve levar em
conta que a abrangência de tais prestações é diretamente proporcional aos
recursos públicos disponíveis. Nascendo deste impasse a utilização do princípio
da reserva do possível em detrimento ao mínimo existencial dos cidadãos e a
garantia da dignidade da pessoa humana. (PAIXÃO FILHO, 2020). “Assim
sendo, quando se tratar do caráter individual do direito à saúde, essa garantia
não poderá ser negada ao cidadão, ao argumento de que viola o preceito de
universalidade da saúde”. (CARVALHO; FARIA; OLIVEIRA, 2020, p. 95).
O princípio da reserva do possível pode ser utilizado para restringir o
fornecimento de direitos fundamentais, tais como os medicamentos e os
tratamentos médicos. No entanto, caberá a observância do mínimo existencial
34

dos indivíduos e a proteção da dignidade da pessoa humana. (CUNHA, 2019).


“Como nos ensina o mantra do direito econômico, as necessidades são infinitas,
mas os recursos são finitos, apesar de não haver nenhum critério ou indicador
que comprove o equilíbrio pragmático de tal afirmação”. (CUNHA, 2019, p. 123).
Em complemento a isso, ressalta-se que:

Sobre a disponibilidade fática de recursos financeiros, a reserva do


possível é interpretada no sentido de legitimar a ausência de
disponibilização orçamentária para a realização de direitos
prestacionais principalmente por parte da União, estados e municípios.
Observa-se, entretanto, que essa ausência de recursos deve ser
comprovada, não apenas alegada, sob pena de responsabilidade do
administrador. Destaca-se que a ausência de recursos não se restringe
somente aos recursos financeiros, mas também aos recursos humanos
ou materiais como, por exemplo, a falta de médicos, leitos e
medicamentos em hospitais públicos. (CUNHA, 2019, p. 124).

A garantia do mínimo existencial dos cidadãos deve ser a prioridade do


Estado, devendo os recursos públicos serem investidos inicialmente com o fito
de promover a saúde e o bem-estar da população e somente depois realocar os
recursos em outras áreas. Isso porque, a Carta Magna possui como uma de suas
finalidades a garantia de condições mínimas de existência para a população, em
consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, em suas
decisões, deve o Judiciário sopesar a garantia do mínimo existencial e a reserva
do possível. (MORGAN, 2020).
35

2 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE A APLICAÇÃO DO


PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL NAS AÇÕES QUE DISCUTEM
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

O primeiro capítulo da presente pesquisa teve como intenção dedicar


atenção para o reconhecimento do acesso à saúde como um direito de todos e
um dever do Estado. O presente capítulo, em continuidade lógica, abordará, em
um viés teórico, a judicialização do direito à saúde pública, demonstrando por
quais motivos os cidadãos recorrem as vias judiciais para terem acesso a este
direito fundamental. No Brasil, entre os anos de 2015 e 2021, foram ajuizadas
cerca de 400 mil ações por ano relacionadas ao direito à saúde (CONJUR, 2022).
Estes números exorbitantes demonstram por si só a importância do assunto, isso
considerando as vidas que estão envolvidas nesta demasiada porção de ações.
Após, será realizada uma análise jurisprudencial sobre a aplicação do
princípio da reserva do possível, em ações que tratam do acesso a saúde. A
pesquisa foi realizada com os Tribunais de Justiça do sul do país, quais sejam o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça do Paraná e o
Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Para a pesquisa foi utilizado o critério de
pesquisa “reserva do possível”, designando-se o lapso temporal de 01 de janeiro
de 2022 até 31 de março de 2022. A análise foi feita com julgados selecionados,
com o intuito de melhor explicar a aplicação do princípio da reserva do possível
pelos Tribunais.
A pesquisa jurisprudencial será identificada com gráficos, com o fim de
demonstrar quais são os argumentos mais utilizados pelos Tribunais quando da
aplicação do princípio em comento, bem como a porcentagem de decisões que
utilizam o princípio em ações relacionadas à saúde. Os gráficos foram
elaborados pela acadêmica que essa subscreve, com base nos dados por ela
levantados e serão analisados no contexto da aplicação do princípio da reserva
do possível nas decisões que englobam o direito à saúde.

2.1 A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE PÚBLICA

Debater sobre o direito à saúde é sempre delicado, tendo em vista que o


assunto perpassa por diversas outras questões. É necessária uma profunda
36

reflexão com o intuito de que sejam repensadas não só questões biológicas,


como viver e morrer, mas também questões filosóficas, com o crivo de visualizar
o coletivo se sobrepondo as questões individuais do ser humano. Deve ser
admitida, ainda, a escassez dos recursos para o fornecimento das políticas
públicas necessárias para a satisfação de todos os direitos fundamentais.
(ALMEIDA, 2020).
A aplicação das políticas públicas de efetivação do direito à saúde
demanda escolhas por parte do Estado, que por certo deverá obedecer aos
mandamentos constitucionais referentes a efetivação desse direito. As ações
que visam a promoção e recuperação da saúde estão voltadas em sua maioria
para os atendimentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, que possui um
papel de destaque na realização desses atendimentos assistenciais. (LIMA;
GODINHO; SARQUIS, 2020).
A judicialização do acesso à saúde, por exemplo, desperta várias
discussões no âmbito jurídico, tendo em vista que a efetivação dos direitos
sociais necessita de controle por meio do estabelecimento de critérios racionais,
pois, como visto anteriormente, não há como abranger todas as demandas. O
acesso à saúde deveria ser fornecido por meio de políticas públicas, mas isso
não ocorre em inúmeras situações, obrigando os cidadãos a ingressarem com
ações judiciais, sendo para muitos a última opção para a preservação da vida.
(DUARTE; VIDAL, 2020).
O fenômeno da judicialização exacerbada das demandas leva o Poder
Judiciário a realizar algumas escolhas trágicas, em razão da latente
impossibilidade de fornecer a todos aquilo que necessitam. O Estado ao
despender grande quantia de recursos para determinada área, esta
invariavelmente retirando verbas de outro local, as quais também poderiam estar
sendo utilizadas para o fornecimento de direitos essenciais para a população em
geral. É deveras complicado sopesar quais são as necessidades urgentes, de
modo a gerir os recursos em observância aos critérios da razoabilidade e
proporcionalidade. (CAZELLI, 2020).
A judicialização da saúde pode ser interpretada em um viés positivo, visto
que auxilia os enfermos a adquirirem os insumos necessários para a satisfação
de seus direitos. Ao revés, a judicialização também tem seus pontos negativos,
visto que o desenfreado provimento das demandas pode ocasionar lesão a
37

outros direitos. Outro ponto a ser levado em conta é o caráter sensível das ações
de saúde, por se tratarem de prestações relacionadas a manutenção da vida,
fazendo-se necessário que o magistrado deixe de lado os aspectos emocionais
e julgue com a razão. (CURY, 2020).
Não se pode deixar de considerar que o Sistema Único de Saúde fornece
diariamente a população uma vasta gama de atendimentos assistenciais.
Inclusive, a implementação do sistema modificou demasiadamente o tratamento
da saúde no Brasil, assegurando a população o acesso universal, igualitário e
descentralizado a atendimentos médicos, ambulatoriais, assistenciais e entre
tantos outros dispendidos pela ferramenta. (PIVETTA, 2022).
O Sistema Único de Saúde possui um papel de grande relevância quando
se fala em fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, sendo uma
ferramenta indispensável para o tratamento e recuperação da saúde dos
brasileiros. No entanto, mesmo considerando todas as atividades dispendidas
pelo Sistema Único de Saúde não a como despender administrativamente todos
os tratamentos e medicamentos necessários para salvaguardar a vida dos
cidadãos. Diante disso, faz-se necessária a judicialização do acesso à saúde.
(DUARTE; VIDAL, 2020).
Considerando a latente expansão do rol de direitos sociais, trazida pela
Constituição Federal de 1988, foi necessária uma readequação da infraestrutura
utilizada para o fornecimento das políticas públicas. As limitações financeiras do
Estado para a aplicação universal dos direitos fundamentais, em especial o da
saúde, fez com que o Poder Judiciário ingressasse nas demandas para o fim de
determinar a concretização do acesso à saúde. (BUCCI; DUARTE, 2017).
As ações relacionadas à saúde começaram a tomar espaço no Poder
Judiciário, com fundamento no artigo 196 da Carta Magna. Isso porque, as
pessoas começaram a solicitar tratamentos e medicamentos, pois o tinham como
direito subjetivo. As demandas para o tratamento do HIV foram as primeiras a
tomar espaço no Judiciário, logo após a promulgação da constituição cidadã. O
custo dos chamados “coquetéis antivirais”, utilizados para o tratamento da
doença possuíam um valor muito alto, impossibilitando que muitas pessoas o
adquirissem, surgindo daí a necessidade de judicializar as demandas.
(MOURÃO; HIROSE, 2019).
Sobre a judicialização do tratamento do HIV, é importante ressaltar que:
38

A inexorável busca do cidadão pelo justo acesso à satisfação de suas


demandas de saúde oportuniza que a judicialização da saúde cumpra
a importante melhoria das políticas públicas, já que vários dos pedidos
reiteradamente satisfeitos pela via judicial (a exemplo dos tratamentos
contra a Aids, que inauguraram o fenômeno no Brasil, e de vários
tratamentos contra o câncer) acabam por ser incorporados à prestação
administrativa. (DUARTE; VIDAL, 2020, p. 8).

Com isso, deu-se início a chamada judicialização da saúde, que vem se


modificando até os dias atuais. Na década de 1990 iniciaram-se as primeiras
demandas para o fornecimento dos tratamentos médicos e também da
assistência farmacêutica, que com o tempo foram aumentando
exorbitantemente. O crescimento desordenado das ações relacionadas à saúde
fez com que o Poder Judiciário tomasse espaço no fornecimento das políticas
públicas aos cidadãos. (MOURÃO; HIROSE, 2019). “Destaca-se, ainda, a
importância da limitação dessa atuação judicial, que deverá ser pautada pela
razoabilidade e pela motivação, para que o Judiciário não substitua ao
administrador”. (CARVALHO; FARIA; OLIVEIRA, 2020, p. 86).
O Poder Judiciário fornece aos cidadãos quase que na maioria das vezes
o acesso aos medicamentos postulados, desde que cumpridos os critérios para
o seu fornecimento, bem como diante dos princípios da proporcionalidade e do
mínimo existencial, visando salvaguardar o direito à vida. Entretanto, quando se
fala em acesso à saúde, há de se ressaltar que as ações relacionadas a este
direito fundamental crescem exponencialmente, sendo necessária a reflexão
acerca finitude das receitas tributárias estatais. Ressalta-se ainda que as ações
relacionadas à saúde vão muito além do fornecimento de medicamentos.
(MOURÃO; HIROSE, 2019). Isso porque englobam “ [...] o saneamento básico,
a saúde preventiva, além de toda estrutura hospitalar, de vacinação, de saúde
da família e uma lista infindável de ações que extrapolam em muito a assistência
farmacológica”. (MOURÃO; HIROSE, 2019, p. 149).
As ações que envolvem a saúde possuem peculiaridades que devem ser
observadas pelos julgadores quando da prolação da decisão, visto que as
inúmeras demandas, se não analisas de forma correta, podem colapsar os
recursos orçamentários estatais. O deferimento dos tratamentos em larga
escala, sem a verificação correta das especificidades do caso e da real ofensa
ao mínimo existencial tem o condão de desestruturar o sistema público de saúde,
39

o qual, diga-se de passagem, já passa por dificuldades no atual cenário.


(FREITAS, 2018).
Por certo que o direito a saúde integra o mínimo existencial dos indivíduos,
sendo imprescindível que o Estado forneça os meios necessários para a sua
efetivação. Entretanto, faz-se necessário acautelar as decisões proferidas pelo
judiciário, impondo-se critérios e diretrizes para o fornecimento de tais
demandas. A judicialização das demandas leva o Poder Judiciário a tomar
inúmeras decisões acerca da saúde, que em grande parte pendem para o
deferimento. Fato que pode ser explicado pela ânsia do constituinte em
proporcionar aos indivíduos respostas e talvez calmaria em meio a tantos outros
direitos que lhes são negados. (FREITAS, 2018).
A regulamentação de diretrizes para o fornecimento de insumos, cirurgias
e afins faz-se necessária para a implementação de parâmetros para as ações,
em especial as individuais. Isso porque o deferimento desenfreado das políticas
públicas aos requerentes poderá colapsar o sistema público, o que em nada
contribuirá para a efetivação do direito à saúde. Somente a adequada gestão,
tanto em um viés administrativo, quanto no judicial, terá a capacidade de auxiliar
a maior quantidade de cidadãos. (CARVALHO; FARIA; OLIVEIRA, 2020).
Outrossim, o entendimento utilitário de que o alocamento de recursos para
os pacientes mais jovens seria de maior utilidade, visto que preservaria uma
quantidade maior de anos de vida, deve ser refutado. Isso porque todos os
indivíduos merecem tratamento igualitário, independentemente de suas
condições pessoais. As peculiaridades da doença ou as chances de cura
também não devem ser sopesadas pelo julgador, visto que este não possui a
capacidade técnica para tal. (DUARTE, 2019).
Sobre o assunto:

Em relação ao argumento de que os jovens devem receber preferência


de forma a terem acesso a uma vida mais longa, que os idosos já
alcançaram, objetores afirmam que a oportunidade de viver não pode
ser mensurada objetivamente. Assim, uma pessoa idosa pode ter
passado boa parte de sua vida sobre um leito e ter tido menos
condições de usufruir sua vida do que um mais jovem que sempre
tenha gozado de plena saúde. (DUARTE, 2019, p. 237).

As demandas de medicamentos por muitas vezes postulam o fornecimento


de fármacos que estão englobados nas listas dispendidas pelo Sistema Único
40

de Saúde. Ocorre que, os pacientes deslocam-se até a secretaria de saúde, ou


aquilo que o valha, para fazer a retirada dos fármacos e acabam por receber a
negativa administrativa. Essa falha no sistema acaba por gerar inúmeras
demandas relacionas a saúde, que acabam judicializadas por uma ineficácia da
ferramenta. (ARABI; MALUF; MACHADO NETO, 2019).
Saliente-se ainda que as listas de medicamentos disponibilizadas pelo
Sistema Único de Saúde são realizadas após estudos científicos, que levam em
consideração a eficácia do tratamento e também a viabilidade de seu
fornecimento. (CAZELLI, 2020). Nesse sentido, verifica-se na relação nacional
de medicamentos essenciais do ano de 2022 que “A lista deve ser construída a
partir de uma avaliação que considere as informações de eficácia, efetividade,
segurança, custo, disponibilidade, entre outros critérios, obtidas a partir das
melhores evidências científicas disponíveis”. (BRASIL, 2022, p. 10)
Sabe-se que o Estado, como garantidor dos direitos sociais previstos na
Constituição, nunca conseguirá fornecer a população insumos e tratamentos
para além de suas disponibilidades financeiras. No entanto, outra é a questão da
má alocação dos recursos públicos, onde a ineficácia ou ausência de gestão dos
recursos acaba por afetar a disponibilização das políticas públicas aos
necessitados. Por óbvio que na ausência de fornecimento da saúde na via
administrativa, os pacientes serão obrigados a recorrer a via judicial, visto tratar-
se de prestação necessária para a manutenção da dignidade da pessoa humana.
(ARABI; MALUF; MACHADO NETO, 2019).
A saúde é um dos direitos sociais mais relevantes do ordenamento jurídico,
pois sem ela outros direitos não podem ser usufruídos, estando, portanto,
diretamente relacionada com o mínimo existencial. A ausência de tal direito
reflete consequências em todos os âmbitos da vida humana, como o trabalho,
lazer e tantos outros. No entanto, observa-se que o Estado, por vezes, escolhe
por suprimir este direito social aos cidadãos, o que gera inúmeras consequências
para a subsistência dos indivíduos. (LIMA; GODINHO; SARQUIS, 2020).
O direito fundamental a saúde, um dos mais importantes do ordenamento
jurídico, deve ser provido pelo Estado por meio de prestações positivas,
observando-se a receita disponível. Nesse sentido, é necessário observar que
quase a integralidade das ações relacionadas a este direito são de caráter
individual, o que tem o condão de enfraquecer o setor administrativo, visto que
41

o judiciário por vezes deixa de observar as limitações dos orçamentos que são
despendidos para cada setor. (CARVALHO; FARIA; OLIVEIRA, 2020). “Isso,
pois, desconsidera o fato de que essas políticas públicas foram definidas pelo
Poder Executivo num cenário orçamentário específico”. (CARVALHO; FARIA;
OLIVEIRA, 2020, p. 82).
O Poder Executivo possui a incumbência de realizar a implementação das
políticas públicas, utilizando-se da receita tributária disponível. De outro norte, o
Poder Legislativo irá gerir os recursos públicos disponíveis, realizando a gestão
das receitas e definindo qual será a verba destinada a implementação das
políticas públicas, por exemplo. (CARVALHO; FARIA; OLIVEIRA, 2020, p. 82).
O Poder Judiciário, a seu turno, ingressará nas demandas quando acionado,
com o fito de efetivar o acesso aos direitos fundamentais, quando da falta de seu
fornecimento.
Sobre o assunto, traz-se à baila a questão da separação dos poderes,
considerando que na situação narrada acima o Poder Judiciário estaria
invadindo as competências do Poder Executivo. Assim, o judiciário, na medida
em que estaria efetivando direitos prestacionais previstos na Constituição,
também estaria adentrando na atuação do executivo. Ainda, a de se dizer que
um dos motivos para o exorbitante número de demandas relacionadas à saúde
que são ingressadas no Poder Judiciário decorre da ineficácia do fornecimento
dos tratamentos pelo Poder Executivo, responsável por administrar e fornecer as
políticas públicas. O fenômeno da judicialização do acesso à saúde decorre da
previsão constitucional que não somente implementa as políticas públicas, mas
também obriga o Estado a fornece-las aos cidadãos. (CURY, 2020).

Some-se a isto, o fato de que a população hoje reconhece seus


direitos. Isso porque, há uma conscientização coletiva maior,
especialmente a partir da criação das Defensorias Públicas, que
difundiram a educação em direitos e a possibilidade de buscar sua
efetivação por meio de uma demanda judicial. (CURY, 2020, p. 77).

As decisões proferidas pelo Judiciário quando se trata de fornecimento de


medicamentos são em sua maioria positivas, desde àquelas relacionados a
tratamentos de atenção básica até os tratamentos para patologias especificas,
visto se tratar de direito fundamental assegurado constitucionalmente. O
aumento da procura pelo Judiciário para a resolução das demandas
42

relacionadas à saúde em muito se coaduna com a incompletude do fornecimento


das políticas públicas em âmbito administrativo. (FREITAS, 2018).
Nas demandas relacionadas à saúde deve ser prezado pelo julgador o
fornecimento de tratamentos essenciais para a manutenção da dignidade da
pessoa, deixando-se em segundo plano os pleitos sem caráter de urgência. Isso
em observância aos princípios da proporcionalidade e da reserva do possível.
(DUARTE, 2019). Nessa linha, em relação ao fornecimento de demandas de
primeira necessidade, entende Duarte que “[...] o conflito deverá ser solucionado
prioritariamente pelo Executivo e Legislativo, quando da formulação das políticas
públicas que resultarão da ponderação dos bens colidentes, à luz do princípio da
reserva do possível”. (2019, p. 217).
Nas decisões deve ser prezado o fornecimento dos tratamentos urgentes,
ou seja, os casos de vida ou morte. Gize-se que a definição de urgência no
tratamento deverá ser realizada por profissional médico, visto que os juristas não
possuem capacidade técnica para deliberar sobre a questão. Surgindo daí a
necessidade de acostar aos autos da ação laudo médico circunstanciado acerca
da situação atual do paciente. (CAZELLI, 2020). Ressalta-se, ainda, que
“contrariamente ao senso comum, quando dois pacientes concorrem para o
mesmo leito, a prioridade deverá ser daquele que tiver maior chance de
sobrevivência e não daquele que tiver maior risco de perder a vida”. (CAZELLI,
2020, p. 164).
A importância da realização da consulta e juntada de laudo médico nos
autos se dá em razão da necessidade de embasar a decisão judicial que defere
o fornecimento do tratamento cirúrgico ou farmacêutico. Ainda, a realização da
perícia estaria evitando o fornecimento de medicamentos e tratamentos que não
são essenciais, auxiliando na manutenção dos cofres públicos e prevenindo o
direito da coletividade. (FREITAS, 2018).
Não se pode olvidar que, diante da escassa receita tributária existente, o
ingresso de demandas no Poder Judiciário é um meio eficaz de satisfação do
direito à saúde, tendo em vista que os pacientes que demandarem o judiciário
tem chances muito maiores de receberem as prestações que necessitam do que
aqueles que ficam no aguardo das prestações administrativamente. (CAZELLI,
2020). “Ou seja, a decisão judicial passa a ser critério de distinção entre aqueles
43

que receberão a prestação e aqueles que terão o seu direito preterido”.


(CAZELLI, 2020, p. 150).
As ações relacionadas à saúde estão quase que em sua integralidade
voltadas para demandas individuais, que visam o fornecimento de
medicamentos, tratamentos médicos e alguns tipos de insumos. As demandas,
em sua maioria, são deferidas pelo Judiciário em sede de tutela de urgência,
dado o caráter de imprescritibilidade dos pedidos vinculados. Observa-se como
um meio de evitar tamanha quantidade de ações judicializadas o melhoramento
das políticas públicas de acesso à saúde, para que assim os cidadãos não
tenham a necessidade de recorrer a Judiciário. (LIMA; GODINHO; DAQUIS,
2020).
Para melhor exemplificar a judicialização do acesso a saúde, no tópico
seguinte serão analisadas jurisprudências selecionadas, retiradas dos Tribunais
de Justiça do Sul do país, em um lapso temporal delimitado (01 de janeiro de
2022 a 31 de março de 2022). Para isso, em consonância com o tema em estudo,
serão pesquisados julgados que tratam do princípio da reserva do possível em
demandas relacionadas à saúde.

2.2 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DO SUL DO PAÍS


ACERCA DA RESERVA DO POSSÍVEL

Neste tópico busca-se demonstrar a aplicação do princípio da reserva do


possível pelos Tribunais de Justiça do Sul do país, utilizando-se para isso de
julgados selecionados, que foram proferidos no primeiro trimestre do ano de
2022. Serão analisados julgados retirados do TJRS, do TJPR e do TJSC, com o
intuito de verificar as argumentações mais utilizadas pelos Tribunais quando se
trata de direito à saúde e reserva do possível, bem como analisar possíveis
entendimentos acerca do deferimento e indeferimento de medicamentos e
tratamentos médicos.

2.2.1 O posicionamento do TJ/RS

Foram localizadas, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 58


(cinquenta e oito) ementas relacionadas ao princípio da reserva do possível,
44

julgadas no primeiro trimestre do ano de 2022, especificamente do dia 01 de


janeiro ao dia 31 de março. Dessas ementas, 51 (cinquenta e uma) tratavam do
fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, sendo o restante
relacionado a outros direitos fundamentais, como por exemplo, o fornecimento
de vagas em creches.
Neste tópico serão analisadas algumas das decisões relacionadas ao
fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, com o intuito de verificar
qual o critério utilizado pelo Tribunal quando da aplicação do princípio ora
analisado. Nesse sentido, pode-se citar que a jurisprudência é firme em rechaçar
a hipótese de aplicação do princípio quando se fala em direito à saúde.
A exemplo disso, cita-se a Apelação Cível nº 5000431-86.2011.8.21.0006,
a qual argumentou, em síntese, que o princípio da reserva do possível não pode
ser aplicado para negar a efetivação de direitos fundamentais, em especial
aqueles que visam preservar a dignidade da pessoa humana, com fulcro nas
disposições da Constituição Federal de 1988.
A referida apelação foi interposta pelo município de Cachoeira do Sul em
face de sentença que julgou procedente a ação declaratória ajuizada por Marcelo
Crusser. A sentença condenou o ERGS e a municipalidade a providenciar os
custos dos procedimentos cirúrgicos e pós-cirúrgicos que o autor necessitava. A
decisão que rechaçou a aplicação do princípio da reserva do possível no caso
em voga foi proferida pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, e foi julgada na data de 21 de março de 2022, sendo o relator o
Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal, conforme ementa que segue:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO


ESPECIFICADO. TRATAMENTO DE SAÚDE. CONSIDERAÇÕES. 1.
Do direito ao tratamento. Sendo dever do ente público a garantia da
saúde física e mental dos indivíduos, e restando comprovada nos autos
a necessidade da parte requerente de submeter-se ao tratamento
descrito na inicial, imperiosa a procedência do pedido para que o ente
público o custeie. Exegese que se faz do disposto nos artigos 5º, caput,
6º, caput, art. 23, inciso II, e 196, todos da Constituição Federal de
1988. 2. Autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de
1988. Postulado constitucional da dignidade da pessoa humana. O
direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da
carta, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma
Constituição –, e não um direito meramente programático. 3. Princípio
da tripartição dos poderes. Dos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade. A violação de direitos fundamentais, sobretudo a
uma existência digna, legitima o controle judicial, haja vista a inércia do
poder executivo. 4. Princípio da reserva do possível. Não se aplica
45

quando se está diante de direitos fundamentais, em que se busca


preservar a dignidade da vida humana, consagrado na CF/88 como um
dos fundamentos do nosso estado democrático e social de direito (art.
1º, inc. III, da Carta Magna). 5. Princípio da proteção do núcleo
essencial. Princípio da vinculação. Da proibição de retrocesso. É de
preservação dos direitos fundamentais que se trata, evitando-se o seu
esvaziamento em decorrência de restrições descabidas,
desnecessárias ou desproporcionais. 6. Bloqueio de valores. O
descumprimento com a obrigação judicial imposta autoriza o bloqueio
de valores no erário dos réus para que a parte autora adquira o
tratamento na esfera particular. Para tanto é necessário apresentar três
orçamentos nos autos, devidamente atualizados. O de menor valor
deverá prevalecer para tal finalidade. APELO DESPROVIDO.
(Apelação Cível, Nº 50004318620118210006, Primeira Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal,
Julgado em: 21-03-2022)

Durante a análise foram localizadas outras 22 (vinte e duas) ementas que


utilizavam o mesmo argumento para negar a aplicação do princípio analisado,
sendo a argumentação mais utilizada pelo TJRS quando se trata da utilização
do princípio da reserva do possível. Outro entendimento comumente utilizado
pelo Tribunal diz respeito a máxima de que o fornecimento de medicamentos e
tratamentos médicos não ofende o princípio da reserva do possível, por se tratar
de direito fundamental. Nesse sentido foram localizadas 17 (dezessete)
ementas, sendo a segunda argumentação mais utilizada pelo Tribunal.
Nessa linha, cita-se a Apelação Cível n° 5000936-38.2015.8.21.0006,
proferida pela Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
julgada em 24 de março de 2022, tendo como relator o Desembargador
Francisco de Conti, que decidiu acerca do fornecimento de tratamento cirúrgico
de pseudoartrose do fêmur, enxerto em pseudoartrose e liberação articular -
correção do joelho.
Veja-se:

Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO HUMANO À SAÚDE.


CIRURGIA. BLOQUEIO DE VALORES. SOLIDARIEDADE PASSIVA.
1. É responsabilidade do Estado (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios) fornecer medicamento aos que dele necessitam, na forma
do que dispõem os artigos 196 da Carta Magna e 241 da Constituição
Estadual ao estabelecerem que a saúde é direito de todos e dever do
Estado, razão por que não há que se falar em ilegitimidade do
Município demandado. 2. Prevalência do direito humano à saúde que
não ofende os Princípios da Isonomia, Legalidade e
da Reserva do Possível. 3. Solidariedade passiva dos entes públicos
não implica obrigatória divisão de responsabilidade, podendo ser
efetivado bloqueio de valores na conta de apenas um deles.
APELAÇÕES DESPROVIDAS.(Apelação Cível, Nº
46

50009363820158210006, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do


RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em: 24-03-2022)

A aludida apelação foi interposta pelo Estado do Rio Grande do Sul e pelo
Município de Cachoeira do Sul, em face de sentença que julgou procedente o
pedido formulado por Bruna Marques da Silva, que postulava o fornecimento dos
tratamentos acima referidos. A decisão fundou-se no entendimento de que a
saúde é direito de todos e dever do Estado, não havendo ofensa ao princípio da
reserva do possível, posto que prevalece, no presente caso, o direito humano à
saúde.
Salientou-se, ainda, a existência de documentos que comprovam a
necessidade de fornecimento do tratamento postulado pela apelada, visto que a
ausência de sua realização poderia causar significativos danos à saúde da
paciente. Ressaltando-se, quanto a isso, que não se fez necessária a
demonstração de risco à vida para o deferimento do atendimento cirúrgico, mas
apenas a comprovação de risco a saúde, o que restou comprovado no presente
caso.
A terceira argumentação mais expedida pelo TJRS diz respeito ao
fornecimento de medicamentos de alto custo, havendo, no período analisado, 3
(três) ementas nesse sentido. O Tribunal entende que o alto custo dos
medicamentos não é argumento capaz de afastar a necessidade de
fornecimento dos fármacos, tendo em vista que a saúde é direito fundamental
assegurado pela Constituição Federal, direito este vinculado diretamente com a
dignidade da pessoa humana.
Foi realizada, ainda, a análise da decisão da Apelação Cível n° 500026-
54.8.2017.8.21.0037, proferida pela Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, pelo Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, no dia 03
de fevereiro de 2022, nos autos de medida de proteção de internação
compulsória requerida pelo Ministério Público em favor de Zilá, a qual foi julgada
procedente para o fim de determinar a internação da protegida na Casa Flores
de Maria. Ementa abaixo colacionada:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO


DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO
MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES
PÚBLICOS. RESERVA DO POSSÍVEL. INAPLICABILIDADE, NO
47

CASO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART.


196) PRECEITUA QUE “SAÚDE É DIREITO DE TODOS E DEVER DO
ESTADO”, AÍ ENTENDIDO EM SENTIDO AMPLO, CONTEMPLANDO
OS ENTES FEDERADOS UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. POR
CONSEGUINTE, ESTADO E MUNICÍPIO SÃO PARTES LEGÍTIMAS
PASSIVAS EM DEMANDAS QUE VERSEM SOBRE INTERNAÇÕES
COMPULSÓRIAS E ATENDIMENTOS NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL
E DROGADIÇÃO. 2. QUANTO À RESERVA DO POSSÍVEL,
EMBORA O PODER JUDICIÁRIO NÃO POSSA FECHAR OS OLHOS
ÀS RESTRIÇÕES FINANCEIRAS E ORÇAMENTÁRIAS DOS ENTES
PÚBLICOS, SITUAÇÕES DE RISCO – COMO A DO CASO –
MERECEM A TUTELA JURISDICIONAL, IMPONDO-SE, APENAS, O
ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS PARA QUE O DEFERIMENTO
DE PEDIDOS NÃO SOBRECARREGUE O COMBALIDO
ORÇAMENTO PÚBLICO. 3. POR FIM, NÃO SE VERIFICA, NA
SENTENÇA ATACADA, QUALQUER AFRONTA AOS PRINCÍPIOS
DA LEGALIDADE E DA INDEPENDÊNCIA DOS PODERES, UMA VEZ
QUE O JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO REFLETE,
NADA MAIS, A APLICAÇÃO DA LEI MAIOR, NO QUE TANGE À
TUTELA DO DIREITO À SAÚDE, CABENDO AO JUDICIÁRIO VIGIAR
SEU CUMPRIMENTO, MORMENTE QUANDO SE CUIDA DE
TUTELAR SUPERDIREITOS DE MATRIZ CONSTITUCIONAL COMO
VIDA E SAÚDE. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.(Apelação
Cível, Nº 50002654820178210037, Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em: 03-02-
2022)

O Município de Uruguaiana insurgiu-se contra a decisão que determinou a


internação de Zilá, argumentando que a distribuição dos recursos orçamentários
entre os entes responsáveis pela saúde pública é escassa. Destacou que o
Poder Judiciário, em regra, não deve intervir na distribuição das verbas
destinadas a saúde pública, bem como que deve ser observado o princípio da
proporcionalidade, visto que a destinação dos valores a setor diverso acarreta a
ausência de recursos em outros diversos setores, como o de políticas públicas
de prevenção.
Em que pese as argumentações expedidas pela municipalidade, a decisão
negou provimento ao recurso por unanimidade. Decidindo, em relação a
aplicação do princípio da reserva do possível que, embora o Poder Judiciário
não possa negar as limitações orçamentárias existentes, casos como o em
apreço, onde a paciente encontrava-se em extrema vulnerabilidade social, em
razão de quadro esquizofrênico, merecem o deferimento da tutela jurisdicional.
Destacou-se que devem ser estabelecidos requisitos para o deferimento dos
pleitos relacionados à saúde, com o intuito de gerir os recursos públicos de forma
a não os sobrecarregar.
48

Dentre todos os julgados pesquisados no TJRS, foram selecionados os


argumentos mais recorrentes expedidos pelos Desembargadores, bem como os
posicionamentos em relação a aplicação do princípio da reserva do possível. A
realização da análise teve o intuito de demonstrar qual o posicionamento da
jurisprudência em relação a aplicação do princípio pesquisado.

Gráfico 1 - Demonstrativo das argumentações mais utilizadas pelo TJRS no primeiro


trimestre do ano de 2022, em relação a aplicação do princípio da reserva do possível.

Fonte: elaboração própria (2022)

Conforme se verifica no gráfico acima, a argumentação mais utilizada pelo


TJRS, correspondendo a 37,9% dos julgados diz respeito a impossibilidade de
aplicação do princípio da reserva do possível em detrimento aos direitos
fundamentais. A segunda tese mais utilizada pelo Tribunal, correspondendo a
29,3% dos julgados, argumenta sobre o ideal de que o fornecimento de
medicamentos não ofende o princípio da reserva do possível, por se tratar de
direito fundamental. O terceiro entendimento mais frequente, correspondendo a
5,2% dos julgados, entende que o alto custo dos medicamentos não é argumento
capaz de afastar a necessidade de fornecimento dos fármacos, em razão de seu
caráter de imprescritibilidade.
Registre-se que os demais julgados pesquisados, que correspondem a
27,6% das decisões, não tratavam do direito à saúde ou utilizavam-se de
49

argumentações diversas. Salienta-se que durante a análise não foi localizado


nenhum julgado que indeferiu o fornecimento de tratamentos médicos com a
aplicação do princípio da reserva do possível.

2.2.2 O posicionamento do TJ/SC

No Tribunal de Justiça de Santa Catarina, utilizando-se o lapso temporal


escolhido para a pesquisa, qual seja o primeiro trimestre do corrente ano, foram
localizadas 16 (dezesseis) ementas que tratavam do princípio da reserva do
possível, sendo que 6 (seis) delas estavam relacionadas ao direito à saúde. No
presente tópico foram selecionados para análise alguns dos julgados que
tratavam do fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos.
O argumento mais utilizado nas decisões proferidas pelo TJSC é,
basicamente, no sentido de que nas demandas relacionadas ao fornecimento de
direitos fundamentais deve ser realizada uma ponderação entre os princípios da
proporcionalidade, da necessidade e da cláusula da reserva do possível. Foram
localizadas 4 (quatro) ementas que afixavam suas decisões nesta máxima.
Dentre elas a Apelação n° 0008855-59.2012.8.24.0080, proferida pela Primeira
Câmara de Direito Público, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, pelo relator
Desembargador Jorge Luiz de Borba, no dia 08 de março de 2022, abaixo
colacionada.

ASSISTÊNCIA À SAÚDE. MEDICAMENTOS NÃO PADRONIZADOS.


SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REQUISITOS DEFINIDOS EM
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. "Para
a concessão judicial de fármaco ou procedimento não
padronizado pelo SUS, são requisitos imprescindíveis: (1) a efetiva
demonstração de hipossuficiência financeira; (2) ausência de política
pública destinada à enfermidade em questão ou sua ineficiência,
somada à prova da necessidade do fármaco buscado por todos os
meios, inclusive mediante perícia médica; (3) nas demandas voltadas
aos cuidados elementares à saúde e à vida, ligando-se à noção de
dignidade humana (mínimo existencial), dispensam-se outras
digressões; (4) nas demandas claramente voltadas à concretização do
máximo desejável, faz-se necessária a aplicação da metodologia da
ponderação dos valores jusfundamentais, sopesando-se eventual
colisão de princípios antagônicos (proporcionalidade em sentido
estrito) e circunstâncias fáticas do caso concreto (necessidade e
adequação), além da cláusula da reserva do possível" (IRDR n.
0302355-11.2014.8.24.0054/50000, de Rio do Sul, rel. Des. Ronei
Danielli, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. 9-11-
2016). AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DA INEFICÁCIA DAS
ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS FORNECIDAS PELO SUS. NÃO
50

COMPARECIMENTO À PERÍCIA JUDICIAL DE MANEIRA


INJUSTIFICADA E REITERADA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC,
Apelação n. 0008855-59.2012.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina, rel. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Primeira
Câmara de Direito Público, j. 08-03-2022).

Trata-se de ação ordinária proposta por Lourdes Salete Bacchi em face do


Estado de Santa Catarina. A autora pugnava pelo fornecimento de
medicamentos para o tratamento da diabetes melittus. No caso em apreço os
fármacos foram indeferidos, tendo em vista que a autora não preencheu os
requisitos necessários para o fornecimento de medicamentos não constantes no
rol do Sistema Único de Saúde, ou seja, não padronizados. Para o julgamento
de tais demandas a Corte instaurou o incidente de resolução de demandas
repetitivas.
Outra argumentação expedida pelo Tribunal ora analisado diz respeito ao
ideal de que o direito à vida deve prevalecer sobre os interesses patrimoniais.
Nesse sentido, compreende-se que deve prevalecer o direito à saúde em
detrimento ao orçamento público. O Agravo de Instrumento n° 5061923-
64.2021.8.24.0000, proferido pela Segunda Câmara de Direito Público, pelo
relator Desembargador Carlos Adilson Silva, no dia 22 de março de 2022, decidiu
nesse sentido. Veja-se:

AGRAVO POR INSTRUMENTO. SAÚDE. INTERLOCUTÓRIO QUE


DEFERIU A CONCESSÃO DE MEDICAMENTO NÃO
PADRONIZADO. IRRESIGNAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SÃO
LUDGERO.PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR. SUSCITADA
ILEGITIMIDADE PASSIVA. TESE ARREDADA. PRESTAÇÃO DO
ACESSO À SAÚDE QUE É EXGÍVEL DE QUAISQUER UM, OU DE
TODOS, OS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES DESTA
CORTE. PLEITO DE INCLUSÃO DA UNIÃO NO POLO PASSIVO DA
DEMANDA. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO. AUTOS QUE
JÁ FORAM REMETIDOS AO JUÍZO FEDERAL E RETORNARAM.
APLICABILIDADE DA 2ª DIRETRIZ DO GRUPO DE CÂMARAS DE
DIREITO PÚBLICO DESTA CORTE. PRECEDENTES. "2ª
Diretriz: Processos que já foram remetidos à Justiça Federal e
retornaram, devem ser mantidos e julgados pela
Justiça Estadual, pois não podemos suscitar conflito à luz do
enunciado n. 254 da Súmula do STJ: "A decisão do Juízo Federal que
exclui da relação processual ente federal não pode ser reexaminada
no Juízo Estadual". (Ata registrada SEI 0018477-03.2021.8.24.0710.
DISPONIBILIZADO NO DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO N. 3541,
de 18/05/2021) ALEGADA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO
CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA, PORQUANTO A
DECISÃO FOI PROFERIDA SEM A PRODUÇÃO DE PROVA
PERICIAL. TESE AFASTADA. ANÁLISE DO REQUERIMENTO DA
TUTELA ANTECIPATÓRIA QUE EXAMINA A PROBABILIDADE DO
51

DIREITO DA REQUERENTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 300 DO


CPC. PRESCINDIBILIDADE DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL
NESTE JUÍZO DE COGNIÇÃO SUMÁRIA E NÃO EXAURIENTE.
APLICABILIDADE DO IRDR N. 0302355-11.2014.8.24.0054/50000
DESTA CORTE AO CASO. HIPOSSUFICIÊNCIA DA AUTORA
APARENTEMENTE EVIDENCIADA. AUSÊNCIA DE POLÍTICAS
PÚBLICAS DESTINADAS À ENFERMIDADE DA RECORRIDA E
NECESSIDADE DO FÁRMACO DEMONSTRADA, EM LINHA DE
PRINCÍPIO, PELO ATESTADO MÉDICO. DEMANDA VOLTADA À
CONCRETIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (MÍNIMO
EXISTENCIAL). PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.
MANUTENÇÃO DO INTERLOCUTÓRIO QUE SE IMPÕE. "[...] 1.2
Para a concessão judicial de fármaco ou
procedimento não padronizado pelo SUS, são requisitos
imprescindíveis: (1) a efetiva demonstração de hipossuficiência
financeira; (2) ausência de política pública destinada à enfermidade em
questão ou sua ineficiência, somada à prova da necessidade do
fármaco buscado por todos os meios, inclusive mediante perícia
médica; (3) nas demandas voltadas aos cuidados elementares à saúde
e à vida, ligando-se à noção de dignidade humana (mínimo existencial),
dispensam-se outras digressões; (4) nas demandas claramente
voltadas à concretização do máximo desejável, faz-se necessária a
aplicação da metodologia da ponderação dos valores jusfundamentais,
sopesando-se eventual colisão de princípios antagônicos
(proporcionalidade em sentido estrito) e circunstâncias fáticas do caso
concreto (necessidade e adequação), além da cláusula da reserva do
possível. [...]" (TJSC, Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas n. 0302355-11.2014.8.24.0054, de Rio do Sul, rel. Des.
Ronei Danielli, j. 09-11-2016). IRREVERSIBILIDADE DA
MEDIDA. DIREITO À SAÚDE E À VIDA QUE DEVE SOBREPUJAR O
DIREITO PATRIMONIAL DO ENTE PÚBLICO. "'Podendo o risco
da irreversibilidade decorrer tanto da concessão quanto do
indeferimento da tutela antecipada, deve-se resguardar o direito
preponderante, sendo indubitável que o direito à sobrevivência
prevalece sobre o patrimonial. (Agravo de Instrumento nº 00.017706-
7, rel. Des. Silveira Lenzi)". (Agravo de Instrumento n. 2011.044755-6,
de São Lourenço do Oeste, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, publ.
19/12/2011) (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4016336-
07.2019.8.24.0000, de Blumenau, rel. Des. Paulo Henrique Moritz
Martins da Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 23-06-2020).
REQUERIMENTO DE AMPLIAÇÃO DO PRAZO DE 10 DIAS
FIXADOS PARA CUMPRIMENTO DA DECISÃO. PRAZO QUE SE
MOSTRA RAZOÁVEL À AQUISIÇÃO DO REMÉDIO. PRECEDENTE
DESTA CÂMARA.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC,
Agravo de Instrumento n. 5061923-64.2021.8.24.0000, do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Adilson Silva, Segunda Câmara
de Direito Público, j. 22-03-2022)

Da análise do inteiro teor do Agravo de Instrumento acima mencionado


verifica-se que o Município de São Ludgero se insurgiu contra decisão proferida
pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Braço do Norte. Na decisão foi
deferida a tutela de urgência para o fornecimento de medicamentos, pois
comprovado o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo e a
probabilidade do direito. O recurso interposto foi conhecido pelo Tribunal e teve
seu provimento negado, por unanimidade.
52

Constou no julgado que o direito a saúde deve ser assegurado pelos entes
públicos: federal, estadual e municipal, conforme o art. 23, II, e art. 198, § 1°,
ambos da Constituição Federal. Entendimento fundado na responsabilidade
solidária dos entes. Ainda, argumentou-se que a saúde dos cidadãos deve
prevalecer sobre o direito patrimonial do Ente Público, porquanto elementar à
vida e a dignidade da pessoa humana.
Com a análise constatou-se que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina
firma-se no entendimento de que a saúde deve prevalecer em detrimento aos
interesses patrimoniais dos Entes Públicos. Gize-se, ainda, que não foram
localizadas ementas que se utilizaram da cláusula da reserva do possível para
indeferir o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos. Isso
considerando os julgados proferidos no período pesquisado.

Gráfico 2 - Demonstrativo das argumentações mais utilizadas pelo TJSC no primeiro


trimestre do ano de 2022, em relação a aplicação do princípio da reserva do possível.

Fonte: elaboração própria (2022)

Conforme se verifica do gráfico acima, a argumentação mais recorrente,


correspondendo a 25% dos julgados pesquisados, fixa-se no entendimento de
que quando se trata de direitos fundamentais deve ser realizada uma
ponderação entre os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da
cláusula da reserva do possível. Os demais julgados analisados utilizavam-se de
53

outras argumentações, ou tratavam de outros direitos fundamentais,


correspondendo a 75% dos julgados pesquisados.

2.2.3 O posicionamento do TJ/PR

Durante a análise dos julgados do Tribunal de Justiça do Paraná logrou-se


êxito em localizar 17 (dezessete) ementas a partir do critério de pesquisa
“reserva do possível” e com o lapso temporal escolhido para o estudo.
Constatou-se que 8 (oito) dos julgados encontrados diziam respeito à aplicação
do princípio em ações relacionadas à saúde.
O Tribunal de Justiça do Paraná possui o entendimento de que o princípio
da reserva do possível não prevalece sobre a dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, foi possível perceber que o Tribunal não se utilizou, durante o
período pesquisado, da cláusula da reserva do possível para negar o
fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos.
Nesse sentido, cita-se a decisão do Recurso Inominado n° 0002182-
75.2018.8.16.0205, proferido pela Quarta Turma Recursal dos Juizados
Especiais, no dia 02 de março de 2022, pela Relatora Bruna Greggio. O Recurso
foi interposto pelo Estado do Paraná em face de sentença que julgou procedente
a pretensão do recorrido Abel José Cordeiro.
Veja-se a ementa:

RECURSO INOMINADO. FAZENDA PÚBLICA. FORNECIMENTO DE


MEDICAMENTO. FÁRMACO AFLIBERCEPTE. PACIENTE
PORTADOR DE RETINOPATIA DIABÉTICA. SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA. IMPRESCINDIBILIDADE DO TRATAMENTO
DEMONSTRADA. DIREITO À SAÚDE. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO
PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL AFASTADA.
SUBSTITUIÇÃO PELO MEDICAMENTO AVASTIN. POSSIBILIDADE.
AUTORIZAÇÃO MÉDICA PARA SUBSTITUIÇÃO. SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E
PARCIALMENTE PROVIDO. (Relator: Bruna Greggio Juíza de Direito
Substituto; Processo: 0002182-75.2018.8.16.0205 Órgão Julgador: 4ª
Turma Recursal Data Julgamento: 02/03/2022).

Da leitura do acórdão se pode observar que o Estado do Paraná alegou


que a imprescritibilidade do medicamento não restou demonstrada pelo autor,
ônus que lhe incumbia. Foi argumentado, ainda, acerca de ofensa ao princípio
da reserva do possível e do acesso igualitário e universal. No julgado a relatora
54

afirmou que a necessidade do medicamento para o tratamento e controle da


doença restou comprovada, bem como que o princípio da reserva do possível
não pode se sobrepor aos direitos fundamentais dos cidadãos. Arguiu que a
ausência de previsão orçamentaria não é argumento suficiente para que o
Estado se escuse do dever de fornecer o acesso à saúde.
Na mesma linha, colaciona-se a ementa do Recurso Inominado Cível n°
0002302-36.2020.8.16.0145, proferido pela Quarta Turma Recursal dos
Juizados Especiais, julgado em 07 de fevereiro de 2022, pelo Relator Aldemar
Sternadt. O recurso foi interposto pelo Município de Ribeirão do Pinhal em face
do Ministério Público do Paraná, conforme segue:

RECURSO INOMINADO. PEDIDO DE FORNECIMENTO DE


MEDICAMENTO. INDICAÇÃO DO MEDICAMENTO
EMPAGLIFLOZINA 25 MG. NECESSIDADE COMPROVADA. TESE
DE AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO.
DESCABIMENTO. FÁRMACO CONTEMPLADO NA RELAÇÃO
NACIONAL DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS 2020 (RENAME).
DEVER DOS ENTES FEDERADOS NA GARANTIA E PROVIMENTO
DO DIREITO À SAÚDE. ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ART. 23, II, DA CF.
INAPLICABILIDADE DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL.
SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Relator: Aldemar
Sternadt Juiz de Direito da Turma Recursal dos Juizados Especiais;
Processo: 0002302-36.2020.8.16.0145 Órgão Julgador: 4ª Turma
Recursal Data Julgamento: 07/02/2022).

No presente caso era discutido o fornecimento do medicamento


Empagliflozina 25mg, restando demonstrado nos autos a imprescritibilidade do
tratamento, em razão do estado de evolução da doença. Argumentou-se que a
existência de receituário médico já é prova suficiente para o deferimento do
fármaco, bem como que o medicamento se encontra na lista do Sistema Único
de Saúde. Assim, a ausência de fornecimento do fármaco demonstra ofensa ao
mandamento constitucional insculpido no artigo 196 da Constituição Federal,
visto que o ente público municipal está se esquivando do dever de fornecer a
população o direito à saúde. Em relação ao princípio da reserva do possível
asseverou que o município não pode utilizar-se desta cláusula para evadir-se do
fornecimento de direitos fundamentais como o da saúde.
No mesmo sentido, o Recurso Inominado n° 0004598-36.2018.8.16.0069,
proferido pela Quinta Turma Recursal dos Juizados Especiais, julgado no dia 07
55

de fevereiro de 2022, pela Relatora Manuela Tallão Benke, decidiu pela não
aplicação do princípio da reserva do possível em detrimento ao acesso a
tratamento de retinopatia diabética com edema macular em ambos os olhos.
Segue a ementa:

RECURSO INOMINADO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.


FORNECIMENTO DE OZURDEX PARA TRATAMENTO DE
RETINOPATIA DIABÉTICA COM EDEMA MACULAR EM AMBOS OS
OLHOS. TESE DE ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM"
AFASTADA. SOLIDARIEDADE DA OBRIGAÇÃO. AUSÊNCIA DE
VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, SEPARAÇÃO DE
PODERES E RESERVA DO POSSÍVEL. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO. (Relator: Manuela Tallão Benke Juíza de Direito da
Turma Recursal dos Juízaados Especiais; Processo: 0004598-
36.2018.8.16.0069 Órgão Julgador: 4ª Turma Recursal Data
Julgamento: 07/02/2022).

No caso, o Município de São Tomé interpôs recurso em face do Ministério


Público do Paraná, em razão de decisão que julgou procedente o pedido de
fornecimento do medicamento Ozurdex, para o tratamento da comorbidade que
acomete o paciente. No acórdão constou que o princípio da reserva do possível
só pode ser aplicado em casos excepcionais e somente nos casos em que a
impossibilidade financeira de realizar o fornecimento dos medicamentos esteja
cabalmente demonstrada, o que no caso em questão não ocorreu.
Observa-se que o Tribunal de Justiça do Paraná não utilizou o princípio da
reserva do possível para negar o fornecimento de medicamentos e tratamentos
médicos no primeiro trimestre do corrente ano. Os julgados fundam-se no
entendimento de que a aplicação do referido princípio só pode ocorrer nos casos
em que o Ente Público demonstre a real impossibilidade do fornecimento do
acesso à saúde em razão de limitações orçamentárias. Dito isso, conclui-se que
o Estado não pode negar o acesso à saúde para a população utilizando-se de
argumentos vazios e desprovidos de comprovação.
56

Gráfico 3 - Demonstrativo das decisões que utilizavam-se do princípio da reserva do


possível em ações que tratavam do direito fundamental à saúde no TJPR, durante o primeiro
trimestre de 2022.

Fonte: Elaboração própria (2022).

Conforme se verifica no gráfico acima, durante o primeiro trimestre do ano


de 2022, o Tribunal de Justiça do Paraná expediu 8 (oito) decisões relacionadas
ao direito fundamental à saúde, que se utilizavam do princípio da reserva do
possível, correspondendo a 47,1% dos julgados pesquisados. Os demais
julgados, que correspondem a 52,9% das decisões, tratavam de outros direitos
fundamentais. Gize-se que durante a análise não foram localizadas ementas que
se utilizam do mesmo argumento para deferir ou indeferir prestações
relacionadas à saúde.
57

CONCLUSÃO

Esse trabalho de conclusão de curso teve como intuito principal o estudo


da temática do acesso à saúde pública e a responsabilidade do Estado sob a
ótica do princípio da reserva do possível. Tendo em vista que o instituto estudado
é de grande abrangência, a pesquisa delimitou-se em estudar o acesso à saúde
pública, no Brasil, como meio de preservação da dignidade da pessoa humana,
diante do dever do Estado de garantir a efetivação do referido direito aos
cidadãos, bem como a relação deste dever com a aplicação do princípio da
reserva do possível nos casos judicializados nos Tribunais de Justiça do Sul do
país no primeiro trimestre do ano de 2022.
O presente trabalho de conclusão de curso dividiu-se em dois capítulos,
sendo que no primeiro capítulo foi debatido acerca da dignidade da pessoa
humana e sua relação com a saúde. Em continuidade, o estudo se propôs a
exemplificar como ocorreu a evolução do direito à saúde em sua perspectiva
histórica, para que com isso se pudesse adentrar no estudo da garantia do direito
infraconstitucional à saúde e, posteriormente, dar início ao estudo do orçamento
público e da reserva do possível.
O segundo capítulo dedicou-se a analisar, em um viés teórico, a
judicialização do direito à saúde pública no Brasil. Após, foi feita uma breve
análise jurisprudencial, realizada com os Tribunais de Justiça do Sul do país,
com o fito de verificar o posicionamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do Tribunal de Justiça do Paraná
acerca da reserva do possível. Para a pesquisa foram utilizadas decisões
selecionadas, proferidas entre o período de 01 de janeiro de 2022 e 31 de março
de 2022, que tratavam de demandas relacionadas a aplicação do princípio da
reserva do possível em demandas que postulavam pelo fornecimento do direito
fundamental à saúde. Cada análise foi identificada com um gráfico, que foi
elaborado e explicado no contexto do estudo.
Com isso, pode-se concluir que a hipótese levantada foi confirmada, visto
que após a análise jurisprudencial constatou-se que os Tribunais de Justiça do
Sul do pais possuem resistência em aplicar a reserva do possível quando se
trata do fornecimento de medicamentos e de tratamentos médicos. Foi possível
58

constatar que nenhum dos Tribunais utilizou o princípio analisado para indeferir
prestações relacionadas à saúde, durante o período pesquisado.
Com presente a pesquisa se pode auferir quais são os parâmetros
utilizados pelos Tribunais de Justiça do Sul do pais quando se trata da aplicação
da cláusula da reserva do possível em ações que postulam pelo acesso à saúde.
A dignidade da pessoa humana é um do argumento comumente utilizado, sendo
uma das principais correspondências verificadas nas decisões expedidas pelos
três Tribunais durante a análise. Pode-se perceber que o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul utilizada o princípio com mais frequência do que os outros,
possuindo, por este motivo, argumentações diversas quando se trata da reserva
do possível. Os outros dois Tribunais, em que pese utilizem-se do argumento, o
fazem com menos frequência.
A partir disso pode-se responder ao questionamento inicialmente realizado,
acerca da constitucionalidade ou não da utilização do princípio da reserva do
possível para suprimir o acesso à saúde aos cidadãos. Como se viu acima, os
Tribunais de Justiça do Sul do país entendem pela não utilização do princípio
quando se fala o acesso à saúde, bem como que para a supressão deste direito,
o Estado precisaria estar devidamente motivado, não bastando a mera alegação
genérica de insuficiência de recursos.
Por outro lado, é necessário esclarecer que cada situação deve ser
analisada de acordo com as suas peculiaridades, posto que o acesso à saúde é
um assunto delicado, que perpassa por diversas outras questões. Como
estudado, o orçamento público é limitado e a má gestão da receita tributária
existente acaba por retirar dos cidadãos o acesso a outros direitos fundamentais,
visto que não se pode fornecer a todos tudo aquilo que necessitam. Por este
motivo pesquisas sobre o assunto se fazem necessárias, visando discutir o
direito à saúde e sua aplicação prática, dada a complexidade da temática.
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