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DOI: http://dx.doi.org/10.35499/tl.v14i1
Resumo:
Este artigo analisa as possibilidades didáticas viabilizadas pelo jogo Veri-
diana (SILVA, 2017) como ferramenta pedagógica para o ensino de leitura.
Embaso-nos teoricamente as considerações teóricas acerca das estratégias
de gamificação em educação, tal como lançadas por Fardo (2013) e Tolomei
(2017), bem com acerca das estratégias de leitura que devem ser desenvol-
vidas na escola, tal como pensadas por Cafieiro (2010) e Antunes (2003). A
metodologia é de base qualitativa e documental. A análise permite o enten-
dimento de que o jogo Veridiana se apresenta como ferramenta pedagógica
útil para o ensino de leitura, pois promove o aprimoramento de diferentes
estratégias metacognitivas de leitura, em um projeto de ensino que se anco-
ra na dimensão interacional da linguagem.
Palavras-chave: Estratégias de gamificação. Ensino de leitura. Jogo Veridiana.
Abstract:
Gamification in reading teaching: the example of the
Veridiana game
This article analyses didactic possibilities that are made possible by Veridia-
na game (SILVA, 2017) as a pedagogical tool for the teaching of reading. We
theoretically support theoretical considerations about gamification strategies
in education, based on Fardo (2013) and Tolomei (2017), as well as about
the reading strategies that should be developed at school, according to Ca-
fieiro (2010) and Antunes (2003). The methodology consists in a qualitative
and documentary basis. The analysis allows the understanding that Veridiana
game presents itself as a useful pedagogical tool for teaching reading, as it
Introdução
Conforme preconiza a Base Nacional Co- posterior, das estratégias de leitura. Depois,
mum Curricular - BNCC (2018), é objetivo descrevemos a metodologia que viabilizou
do ensino de língua materna tornar os es- nossa análise. Após isso, apresentamos o
tudantes capazes de atuar de maneira ética jogo, suas regras e analisamos de que ma-
e engajada nas diversas práticas sociais por neira ele pode efetivar um ensino de língua
meio da linguagem. Com esse fito, torna-se baseados na fundamentação teórica que nos
desafiador, em um contexto em que diferen- abaliza. Por fim, traçamos nossas considera-
tes semioses verbais e não verbais configu- ções finais.
ram os textos do cotidiano, chamar a aten-
ção dos estudantes para realizar a análise Gamificação no ensino de língua
crítica desses textos a partir de metodolo-
materna
gias tradicionalmente difundidas.
Neste artigo, entendemos que os jogos, A utilização de jogos em metodologias edu-
ainda que não substituam as metodologias cacionais não é uma prática nova, visto que
já difundidas para o ensino da leitura, são eles são uma construção humana que en-
ferramentas que oportunizam um efetivo volve fatores sócio-econômico-culturais. De
ensino dessa habilidade. Nossa crença de- acordo com Elkonin (2010), os jogos surgi-
corre do fato de eles propiciarem a cons- ram nas sociedades com o intuito de desen-
trução monitorada de estratégias de leitura, volver o trabalho em grupo, bem como per-
cumprindo, portanto, os objetivos didático mitir a utilização virtual de ferramentas e
-pedagógicos desse ensino. artefatos que o indivíduo usa durante toda a
Nessa percepção, apresentamos, neste sua vida, despertando no ser humano a sen-
texto, a análise do jogo Veridiana (SILVA, sação de recompensa ao atingir objetivos,
2017), um Story Game, ou seja, um jogo em fator crucial para a aprendizagem. Huizinga
que os participantes são levados a narrar (1993) define o jogo como
uma história de forma compartilhada, de uma atividade ou ocupação voluntária, exer-
maneira que o seu desenrolar só acontece cida dentro de certos e determinados limi-
ao longo da narrativa em que os jogadores tes de tempo e espaço, segundo regras li-
participam como personagens e, assim, ao vremente consentidas, mas absolutamente
passo que desvendam, também contam a obrigatórias, dotado de um fim em si mes-
mo, acompanhado de um sentimento de ten-
trama. Temos, como objetivo principal, ana-
são e alegria (HUIZINGA, 1993, p. 33).
lisar como o referido jogo mobiliza estraté-
gias de leitura, a fim de formar sujeitos lei- O uso de jogos, inicialmente pensados
tores ativamente responsivos. apenas para o público infanto-juvenil, re-
Para isso, após esta introdução, discuti- cebeu um exponencial interesse dos mais
mos algumas considerações teóricas acer- variados públicos. Esse fenômeno, segundo
ca do conceito de gamificação e, em tópico Gee (2009), acontece em decorrência de os
jogos serem ferramentas que engajam seus vedores de web e disseminadores de con-
usuários, promovendo habilidades ineren- teúdo.
tes à apreensão da identidade, à promoção Para Alves et al. (2014, p. 76), a prática
da interação, à apreensão de riscos, à reso- de adotar características de jogos em servi-
lução de problemas e desafios e à criação. ços, aplicativos ou aprendizagem “se consti-
Essas características, conforme Huizinga tui na utilização da mecânica dos games em
(1993), propiciam um processo de aprendi- cenários non games, ou seja, fora de games,
zagem de forma contextualizada, engajan- criando espaços de aprendizagem mediados
do os jogadores, de forma a interagir com o pelo desafio, pelo prazer e entretenimento”.
meio, com a situação de interação e com os Em concordância com isso, entendemos
outros indivíduos, respeitando as regras do gamificação tal como postula Fardo (2013,
jogo e, por isso, sendo levados a agir de ma- p. 13), para quem o conceito se refere ao
neira ética. “uso de elementos, estratégias e pensamen-
Mattar (2018) observa esse fenômeno tos dos games fora do contexto de um game,
em áreas como computação e marketing, com a finalidade de contribuir para a reso-
que aproveitaram o auge dessa temática lução de algum problema”. Nessa formula-
para disseminar o processo de gamificação1 ção, em consonância com Gee (2009, 2014),
em suas esferas, trazendo estratégias gami- Prensky (2012), Kenski (2012) e Deterding
ficadas para aplicativos de assessoria es- et al. (2011), entende-se que o uso das es-
portiva, bancos, programas de milhagem e tratégias gamificadas no contexto escolar
propaganda. Essa ação foi amplamente acei- configura-se como ferramenta valiosa de
ta e bem quista pelo público. Dado o caráter aprendizado.
desafiador e lúdico dos games, práticas co- Coadunados com isso, Fardo (2013) e
tidianas e repetitivas, como a visita a uma Tolomei (2017) propõem uma gama de es-
padaria, tornaram-se mais instigantes com tratégias que gamificam uma atividade es-
a pontuação do Foursquare2, por exemplo, colar. Expomos, a seguir, com base nesses
e, portanto, melhor assimiladas pelos usuá- autores, os elementos necessários para que
rios, trazendo um excelente custo-benefício ocorra a composição de um game em ativi-
para o público em geral e para os desenvol- dades escolares.
socialmente delimitado e real, a fim de que de que necessita, o que demonstra que o
possa se engajar na atividade de leitura. sentido só emerge na própria interação.
Entendida a leitura sob essa ótica, faz- Em torno disso, por exemplo, para um
se necessário, então, que se mobilizem es- estudante de língua materna, torna-se di-
tratégias cognitivas e metacognitivas, a fim ferente ler um romance de Machado de As-
que o leitor efetive sua leitura e consiga for- sis, porque gosta da literatura desse autor e
mular sua compreensão. Kleiman (1997) gostaria de fruí-la, de ler o mesmo romance
afirma que as estratégias cognitivas dizem para cumprir uma atividade avaliativa esco-
respeito a atividades inconscientes reali- lar, uma vez que a seleção de objetivos, ainda
zadas pelo leitor. O fatiamento sintático e que para o mesmo texto, se redimensiona.
o processamento de informações, segundo Mas, além disso, numa conjuntura ou em
exemplifica a autora, seriam evidências des- outra, a partir da seleção de objetivos, é pre-
sas estratégias, uma vez que não é possível ciso, também, entender quem foi o autor do
realizar uma reflexão consciente acerca dis- romance, em que época viveu, que traços cul-
so. Obviamente, há estratégias para que isso turais marcam a sociedade em que se enga-
ocorra, mas não é possível estipular regras jou etc. De igual maneira, é preciso, também,
para elas. A exemplo disso, quando o lei- conhecer o gênero por meio do qual o texto
tor se depara com um texto que apresenta se engendra, perceber como ele desenvolve
muitas informações novas, é comum que ele a temática, quem são os personagens, como
retome a leitura de parágrafos e faça essa os elementos da narrativa se constroem nes-
leitura mais pausadamente, justamente por- se texto, como o estilo do autor se marca no
que isso pode ser uma estratégia, mas não romance, que efeitos de sentido se erigem a
é possível que ele meça a quantidade de in- partir das seleções vocabulares, sintáticas
formação que recebe, já que isso se processa e metafóricas. Ainda, o leitor há de ter que
inconscientemente. mobilizar seu conhecimento de mundo, seu
As estratégias metacognitivas, por seu conhecimento linguístico, bem como anali-
turno, dizem respeito a atividades monito- sar sua própria historicidade, os traços cul-
radas e conscientes a serem realizadas pelo turais que marcam a sociedade em que vive
leitor. Nessa orientação, cada exemplar tex- e o contexto de leitura em que se engaja. To-
tual exige diferentes estratégias, sendo de- das essas ações formam um feixe complexo
ver do ensino de língua materna fornecer que se engendra no ato de ler, revelando, por
subsídios teórico-práticos para que os es- isso, o emaranhado de habilidades necessá-
tudantes monitorem as atividades necessá- rias à construção de um leitor crítico.
rias para os diferentes gêneros de discurso, Percebendo isso, Kleiman (1997) propõe
de maneira a tornar “a sua leitura uma ati- a necessidade de o ensino de leitura se cal-
vidade consciente, reflexiva e intencional” car no desenvolvimento de habilidades que
(KLEIMAN, 1997, p. 51). Assim, as estraté- tornem o ato de ler significativo e praticável
gias metacognitivas de leitura se dividem, para os sujeitos. As primeiras habilidades,
segundo Kleiman (1997), em duas macroca- referentes a estratégias cognitivas, seriam
tegorias: a seleção de objetivos de leitura e, aquelas que propõem o reconhecimento
em consequência disso, o empreendimento de estruturas sintáticas, complexas ou não,
de uma automonitoração da compreensão, bem como da estrutura morfológica das pa-
que leve o leitor a selecionar as informações lavras e da apropriação do vocabulário.
O ensino dessas habilidades envolveria fa- Cafiero (2010), ao encontro desse enten-
zer um trabalho com o texto que visasse, por dimento, defende que o leitor é sujeito ativo
um lado, desenvolver a capacidade do aluno desse processo, pois ele
para usar seu conhecimento gramatical im-
plícito (morfossintático e semântico), e, por não age apenas decodificando, isto é, juntan-
outro, a sua capacidade de identificar pala- do letras, sílabas, palavras, frases, porque
ler é muito mais do que apenas decodificar.
vras mediante reconhecimento visual ins-
Ler é atribuir sentidos. E, ao compreender o
tantâneo. (KLEIMAN, 1997, p. 66).
texto como um todo coerente, o leitor pode
Nessa proposta, é necessário que o ensi- ser capaz de refletir sobre ele, de criticá-lo,
no de leitura possa, por exemplo, fornecer o de saber como usá-lo em sua vida. [...] É im-
portante que, nas aulas de leitura, o aluno
trato com textos que utilizam diferentes mo-
faça perguntas, levante hipóteses, confronte
dalidades linguísticas, partindo de gêneros interpretações, conte sobre o que leu e não
com estruturas sintáticas menos complexas apenas faça questionários de perguntas e
até as mais complexas, justamente para que respostas de localização de informação. (CA-
os aprendizes tenham contato com esses FIEIRO, 2010, p. 86).
diferentes recursos. Além disso, é necessá- Para realizar essa complexidade de
rio, através disso, fazer o estudante inferir ações ativas, é necessário, pois, explicitar ao
o sentido de palavras e expressões dentro estudante as estratégias metacognitivas que
do contexto de interação em que está imer- deve empreender para construir sua com-
so. A operação de reconhecimento dos itens preensão. Estas são atividades conscientes
lexicais é inconsciente, mas a ancoragem de do leitor, que o levam a efetivar seu projeto
sentidos é uma habilidade que deve ser mo- de leitura. Em sua proposta, Cafieiro (2010)
nitorada pelo leitor. entende que essas estratégias são:
Na dimensão dessas implicações peda- lares. Ela se preocupa [...] com um nível de
gógicas, entende-se que a mediação da lei- realidade que não pode ser quantificado
tura no ensino básico deve permitir que o [...]”, objetivando, nessa orientação, descre-
leitor realize um encontro interativo com ver, explicar e compreender a natureza dos
o produtor do texto que lê, com a intenção fenômenos pelos quais o pesquisador se in-
de propiciar subsídios teórico-práticos para teressa.
que o estudante se capacite a monitorar sua Com base nisso, nossa investigação é
leitura e possa, assim, ser um sujeito ativo fruto de estudos bibliográficos acerca do
nesse processo, portanto alguém engaja- ensino de leitura e dos elementos de gamifi-
do na situação de interação. Como dizem cação. Além disso, partimos também de es-
Silva (1999), Cafieiro (2010) e Koch; Elias tudos documentais com base na análise do
(2012), a leitura é um ato interativo de pro- jogo Veridiana e suas possibilidades de di-
dução de sentidos, é necessário que tanto o datização para aulas de leitura. É importan-
texto quanto o leitor se transformem nesse te destacarmos aqui a diferença entre pes-
evento, o que só é possível quando o leitor quisa bibliográfica e pesquisa documental:
se entende como protagonista da interação.
A pesquisa documental trilha os mesmos
Embasados nessas considerações caminhos da pesquisa bibliográfica, não
teóricas, a seguir, apresentamos a metodo- sendo fácil por vezes distingui-las. A pes-
logia que viabilizou este estudo. quisa bibliográfica utiliza fontes constituí-
das por material já elaborado, constituído
Metodologia basicamente por livros e artigos científicos
A presente pesquisa insere-se no campo localizados em bibliotecas. A pesquisa docu-
mental recorre a fontes mais diversificadas
da Linguística Aplicada. Consiste em uma
e dispersas, sem tratamento analítico, tais
pesquisa documental (GIL, 2002), na qual como: tabelas estatísticas, jornais, revistas,
adotamos a abordagem qualitativa (MINA- relatórios, documentos oficiais, cartas, fil-
YO, 2011) para a análise dos dados. Minayo mes, fotografias, pinturas, tapeçarias, rela-
(2011, p. 21) fala que “[...] a pesquisa qua- tórios de empresas, vídeos de programas de
litativa responde a questões muito particu- televisão, etc. (FONSECA, 2002, p. 32).
Neste estudo, a principal base de análise tamente, o professor pode imprimir todo o
é o jogo Veridiana. A escolha por esse jogo material necessário para utilizar o jogo com a
é decorrente de ele estar disponível na turma que deseja. Nesse sentido, o jogo-livro
internet3, para que sejam impressos os é jogado em formato físico, salientando que
materiais necessários a seu uso. Por conta as estratégias de gamificação não são sinôni-
disso, julgamos ser importante analisar mo de uso de games apenas no âmbito digi-
a oportunidade que um jogo como esse, tal, mas é a aplicação de mecânicas de design
que se encontra num espaço gratuito para de games (MATTAR, 2018).
que todo professor possa utilizá-lo, tem de No jogo disponibilizado, há os seguin-
auxiliar na aula de leitura. À luz dessa pers- tes materiais: o jogo-livro, que apresenta as
pectiva metodológica, no tópico a seguir, orientações e as páginas com o desenrolar
apresentamos o jogo e também realizamos do enredo, chamado pelo autor do livro de
nossas considerações analíticas acerca das manual de instruções; a ficha de persona-
possibilidades didáticas que ele edifica para gem, que, conforme é orientado no manual,
a aula de leitura. cada participante deve possuir uma cópia; e
a ficha de centro de mesa, onde os partici-
Apresentação e análise do jogo pantes devem jogar os dados e que fornece
as ações que devem ser realizadas a partir
Veridiana é um jogo-livro. Ao longo desta
do resultado de cada dado.
análise, portanto, utilizamos a nomenclatu-
ra jogadores-leitores para fazer referência
Figura 1: Capa do manual de instruções do jogo
aos participantes, uma vez que eles não so-
Veridiana
mente assumem a posição de jogadores na
tentativa de cumprir as regras estabelecidas
para cumprir o objetivo da competição, mas
também se posicionam como leitores que
desenvolverão estratégias de leitura. Só é
possível jogar Veridiana se mobilizadas tais
estratégias, tal como podemos perceber.
Também por ser um jogo-livro, Veridia-
na é importante para desmistificar algumas
concepções acerca do uso de jogos em sala de
aula, já que não é necessária a utilização de
games virtuais, que necessitam de um apa-
rato tecnológico mais sofisticado, pois, con-
forme discutem Alves et al. (2014) e Fardo
(2013), utilizar a gamificação é aplicar mecâ-
nicas de games a atividades que, prioritaria-
mente, não se realizam através de games. As-
sim, por estar disponível na internet gratui-
colocando o conflito com o qual se depara- tes do grupo, que, por vezes, fica acima do
rá. Além de decidir sua trajetória, os joga- bem-estar individual. Além disso, essa ação
dores-leitores devem comentar como estão é fundamental porque é ela que faz o jogo
se sentindo a partir da tomada de suas deci- acontecer.
sões. Ao poder tomar decisões acerca de sua O jogo-livro, tal como podemos perceber,
trajetória e da de seus colegas e discorrer apresenta, assim, os elementos de games
sobre sentimentos e sensações e como estas apresentados por Fardo (2013) e Tolomei
interferem na narrativa, é possível uma inte- (2017), imergindo os jogadores em narrativa,
ressante discussão acerca de decisões éticas níveis, regras, competição, desafio e recom-
para propiciar o bem-estar dos participan- pensa. Podemos ver isso no quadro a seguir.
O jogo avisa que, sob pena de serem expulsos do lar, os demais personagens
não podem descobrir os sintomas da doença que acometem os outros. Ainda,
é sabido que só há como se salvar se chegar até Veridiana, caindo em um sono
Regras
profundo quanto mais se passa o tempo. Além disso, os jogadores recebem peças
que representam sua quantidade de vida e em cada rodada poderão ganhar mais
peças ou perdê-las, dependendo de quanto o jogador tirou nos dados.
O feedback acontece em cada jogada, pois, após lançarem os dados e decidirem
Feedback a ação que irão tomar no jogo, os personagens comentam como se sentiram em
relação a jogada do companheiro.
Desde o início do jogo, os participantes sabem que somente um deles conseguirá
Competição chegar ao lago mítico de Veridiana, precisando formular estratégias que os
façam, sozinhos, conseguir esse objetivo.
Cada jogador-leitor representa um personagem do enredo da narrativa, sendo,
Engajamento
portanto, o participante imergido totalmente na história.
Os jogadores são recompensados caso consigam chegar a Veridiana, conseguindo
Recompensa
salvar-se do sono profundo.
É medida por peças. O jogador começa recebendo quatro dessas peças, e pode
Pontuação/
ter placar maior ou menor dependendo da pontuação obtida através do dado.
Progressão
Quando houver redução de pontos, os personagens também perdem cabelos.
É um jogo em que os personagens são encorajados a apoiar um aos outros,
portanto não há um ranking propriamente dito, mas, ao passo que os personagens
Ranking
perdem os cabelos, saem do jogo, o que evidencia um certo ranqueamento a
partir da chegada dos personagens sobressalentes a Veridiana.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Desafio, fantasia e
curiosidade presentes
em toda a narrativa
Modelos conceituais de Modelos conceituais dos componentes
da obra, ao relacionar
unidades de design de games dos jogos ou da experiência de jogar
elementos mitológicos
com desafios éticos,
permitindo discussões.
Design centrado no
Modelos e processos de Processos e práticas específicas do jogador e game design
design de games design de games com consciência de
valores
Fonte: Adaptado de Deterding et al. (2011 p. 12).
Com isso, o jogo se baseia na leitura com- tida, a quantidade de dados vai se alterando
partilhada do manual, que fornece as regras entre os personagens e, caso algum dos jo-
para administração dos dados (o jogo utiliza gadores “perca” todos os seus dados, signifi-
um total de 25 dados de seis faces) e geren- ca que seu cabelo inteiro caiu, não podendo
ciamento dos personagens. O jogo introduz mais continuar a jornada.
a história, e os jogadores a continuam. Com- Com base nisso, percebemos que há a
porta até 4 pessoas e tem duração média de possibilidade de desenvolvimento de di-
45 minutos. O jogo se desenrola alternando ferentes estratégias de leitura ao longo do
entre informações do livro-base e detalhes jogo. No quadro a seguir, com base na dis-
criados pelos personagens para ultrapassa- cussão que empreendemos anteriormente
rem os desafios, que devem ser criados em a partir de Cafieiro (2010), apresentamos a
conjunto entre os jogadores. Durante a par- análise dessas estratégias.
Assim, com base nas estratégias meta- extremamente versátil e uma ferramenta
cognitivas sintetizadas por Cafiero (2010), o muito útil para introduzir os estudantes à
que se percebe é que Veridiana, por ser um leitura de textos narrativos e construir pos-
texto real e propiciar um engajamento do sibilidades de interpretação.
participante na situação de interação pro- O primordial na abordagem do autor em
piciada pela narrativa do jogo, possibilita a Veridiana é que o livro-jogo pode compor-
construção dessas habilidades, tendo o jo- tar várias histórias e situações-problema,
gador-leitor que, a todo instante, se utilizar para além da história apresentada pelo cria-
delas para que possa atingir o objetivo de dor do jogo. Destacamos a história virtual
ser o campeão da competição. -real desenvolvida na fusão da trajetória do
Além disso, como vimos anteriormen- jogador e do personagem virtual do game e
te, percebendo a dimensão interacional da a possibilidade da criação de personagens
linguagem, Antunes (2003) formula uma com habilidades e capacidades específicas,
série de implicações pedagógicas que essa que, ao criar a história em conjunto com os
percepção tem para o ensino da leitura. Com participantes, serão moldados à realidade
base nessa formulação, ao adotar Veridiana da interação, possibilitando discussão de
como uma das ferramentas pedagógicas parâmetros críticos e ético-sociais durante
para o ensino da leitura, está-se trabalhan- a partida.
do com um texto autêntico, sem, portanto, Dessa maneira, o que se percebe é uma
ter que se construir uma situação hipotética atividade que, mesmo tendo como objetivo
de interação. principal o desenvolvimento da leitura, per-
Há, ainda, a dimensão interativa da lei- mite, também, a interação dos estudantes
tura, no momento em que, além de neces- entre si, respeitando suas vezes de falar, a
sitar se apegar às informações fornecidas atuação ética com a vez do outro, o que de-
pelo texto, o jogador-leitor também ter que senvolve habilidades concernentes à intera-
interagir com seus adversários, fornecendo ção oral.
as informações necessárias para vencê-los. Além disso, caso queira, é possível que o
O jogo propicia também uma leitura motiva- professor utilize a narrativa do jogo para tra-
da, a todo instante propiciada pela vontade balhar questões concernentes à análise lin-
de ganhar e de chegar o mais longe possível guística/semiótica, tais como o uso de dia-
da competição. gramações, cores e a maneira como isso se
Vale ressaltar que Veridiana não é um organiza nas páginas do jogo. Ainda no que
Role-Playing Game (RPG)4, mas tem um for- se refere ao mesmo eixo, pode-se trabalhar
te elemento narrativo, podendo abarcar di- com a utilização de verbos no imperativo ou
versos temas além da história base que vem de verbos modais ao longo da explicitação
no manual, permitindo aos jogadores criar das regras, bem como o uso de articuladores
várias outras histórias, o que torna o jogo espaço-temporais ao longo da narrativa.
4 Role-playing game, também conhecido como
De igual maneira, é possível anali-
RPG, é um tipo de jogo em que os jogadores assu- sar as características do gênero, bem como
mem papéis de personagens e criam narrativas propiciar a escrita dos estudantes, seja na
colaborativamente. O progresso de um jogo se
formulação de outros jogos que partam de
dá de acordo com um sistema de regras prede-
terminado, dentro das quais os jogadores podem uma história ficcional seja na construção de
improvisar livremente. outras narrativas escritas com base na fic-
ção de Veridiana. Percebe-se, assim, que as Isso desmonta dois argumentos clássi-
possibilidades de trabalho com o jogo não cos dos críticos de games na educação: 1 – o
se isolam na leitura, mas garantem a possi- de que um jogo é só uma historinha boba,
bilidade de construção de habilidades con- quando, ao contrário, ele pode suscitar mui-
cernentes aos diferentes eixos de aprendi- tas histórias, cujos sentidos se constroem
zagem da língua, o que, para Rojo (2012), diferentemente para cada sujeito, depen-
certamente, coloca os estudantes no pata- dendo da sua bagagem pessoal e de sua
mar de analistas críticos dos textos com os história de vida, conjugadas com a maneira
quais têm contato. Ora, obviamente, ao lon- como ele interage com o game; e 2 – o de
go de suas práticas, os alunos se deparam que um game só serve para entreter, já que
com jogos, mas, por ainda não ter subsídios um jogo, dependendo dos elementos inseri-
de análise crítica, Rojo (2012) entende que dos pelo designer, pode servir aos propósi-
seus engajamentos se ancoram em um po- tos educacionais, no tocante à compreensão
sicionamento de consumidor acrítico. Cabe crítica do mundo e às práticas de linguagem.
à escola, nessa ancoragem, permitir que,
através da construção de habilidades de tra- Referências
to com textos reais, os estudantes alcem o ALVES, L. R. G., MINHO, M. R. S. E DINIZ, M. V. C.
patamar de analistas críticos. Gamificação: diálogos com a educação. In: Fadel,
L. M. et al. (Org.). Gamificação na Educação.
São Paulo: Pimenta Cultural, 2014, p. 74-97.
Considerações finais
Neste artigo, tivemos como objetivo nortea- ANTUNES, I. Aula de Português: encontro & in-
teração. 8. ed. São Paulo: Parábola, 2003.
dor analisar o jogo-livro Veridiana, conside-
rando as possibilidades de sua usabilidade BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional
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em sua dimensão documental. ELKONIN, D. B. Psicologia do jogo. São Paulo:
A análise permitiu a compreensão de Martins Fontes, 2010.
que Veridiana, por ser um texto que imerge DETERDING, S.; DIXON, D.; KHALED, R.; NACK-
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