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CLÍNICA MÉDICA
EDITORES ASSOCIADOS:
Débora Gonçalves da Silva
Felipe Marques da Costa
Gabrielly Borges Machado
Iara Baldim Rabelo
Lívia de Almeida Costa
Milena Tenório Cerezoli
Nícollas Nunes Rabelo
Robson Eugênio da Silva
Tárcia Nogueira Ferreira Gomes
Valéria Garcia Caputo
Victor Ferreira Schuwartz Tannus
Yanne Franca Montino
OBSTRUTIVA CRÔNICA
Autores:
Pedro Henrique Bernardo de Mendonça
Gustavo Frazatto Medeiros de Miranda
DOENÇA
PULMONAR OBSTRUTIVA
CRÔNICA
1. INTRODUÇÃO
De acordo com a Iniciativa Global para Doença Pulmonar Obstrutiva (GOLD), a doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma doença comum, heterogênea e multifatorial, com
complicações sistêmicas, perda da qualidade de vida, e gastos excessivos com cuidados de
saúde. É a quarta causa de morte no mundo e até 2020, se tornará a terceira. A prevalência é
de 15,8% nas pessoas acima de 40 anos no Brasil.
O tabagismo é o principal fator de risco (entre 80 e 90% dos pacientes). O percentual re-
manescente pode estar associado à exposição a outros gases e fumaças como agentes ocu-
pacionais, fogão a lenha, carvão ou queima de biomassa. Entre 25 e 40 % dos tabagistas de-
senvolverão a doença.
Tem-se também a deficiência de alfa-1-antitripsina. Enzima antiproteolítica, que desativa
a elastase neutrofílica. Quando reduzida é capaz de potencializar o dano pulmonar. Cerca de
1% dos pacientes com DPOC apresentam deficiência grave desta enzima. Todos os pacientes
com DPOC devem ter ao menos uma dosagem de alfa-1-antitripsina durante seu seguimento.
Como terceiro fator de predisposição, tem-se doenças pulmonares, como asma na infância
e infecções, incluindo tuberculose.
3. FISIOPATOLOGIA
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Nas fases iniciais o paciente pode apresentar apenas tosse e expectoração crônicas. Com a
progressão da doença surge dispneia, de caráter progressivo, inicialmente aos grandes esforços
(subir ladeira ou escada), posteriormente, aos médios (trocar de roupa, tomar banho, caminhar
no plano) e pequenos (higiene pessoal, caminhar dentro de casa, alimentar-se). Habitualmente, a
dispneia surge depois da tosse e expectoração. Por apresentarem frequentemente mais de qua-
renta anos e serem sedentários, o cansaço é atribuído à idade ou ao sedentarismo pelo próprio
paciente, que não procura auxílio médico. A dispneia mantém o estilo de vida sedentário (pois
não tolera esforços) do paciente, reduzindo a capacidade física, diminuindo a realização das ativi-
dades diárias e chegando, em casos de doença muito grave, a restringir o paciente ao leito.
Considerar a doença em qualquer paciente com tosse crônica ou produção de escarro e/ou
dispneia associada à história de exposição a fatores de risco para a doença (tabela 1). O diagnós-
tico da DPOC é clínico e a espirometria, com característica de distúrbio ventilatório obstrutivo,
confirma o diagnóstico. O critério diagnóstico é a relação entre volume expiratório forçado no
primeiro segundo e a capacidade vital forçada pós-broncodilatador (VEF1/CVF) menor que 0,70.
Os pacientes com DPOC apresentam episódios de exacerbação da doença com mudança
aguda dos sintomas, com piora da dispneia basal, aumento da tosse e volume do escarro. As exa-
cerbações da doença precisam ser reconhecidas e tratadas.
Exames de imagem, como radiografia de tórax, e tomografia de tórax, não têm a finalidade
de fazer o diagnóstico de DPOC. Eles têm o objetivo de excluir outras doenças como bronquiec-
tasias, câncer de pulmão e cardiopatias. Em fases iniciais, a radiografia de tórax pode ser normal
ou com pequenas alterações de aumento da trama broncovascular. Em casos mais avançados e
com enfisema, a radiografia de tórax pode demonstrar retificação das cúpulas diafragmáticas,
aumento do diâmetro anteroposterior do tórax, aumento dos espaços intercostais e do espaço
retroesternal (> 2,5 cm), afilamento mediastinal e redução da vasculatura pulmonar. A tomografia
de tórax pode demonstrar redução da atenuação pulmonar e do diâmetro dos vasos pulmonares
nas áreas acometidas por enfisema, espessamento das paredes das vias aéreas, áreas de enfisema
centrolobular, parasseptal ou panlobular.
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5. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
6. ESTADIAMENTO
De acordo com a Iniciativa Global para Doença Pulmonar Obstrutiva (GOLD), inicialmente ava-
lia-se a gravidade da doença baseada no grau de obstrução das vias aéreas, ou seja, VEF1. Na tabela
2 está descrita a classificação da gravidade da DPOC em leve, moderada, grave e muito grave.
Após a classificação da gravidade da DPOC, estratifica-se a DPOC baseada nos sintomas (disp-
neia) e no histórico de exacerbação nos últimos 12 meses. Essa estratificação definirá o tratamen-
to medicamentoso.
Pacientes com dispneia pela escala do Medical Research Council modificada (mMRC) maior
ou igual a dois (mMRC > 2) são considerados mais sintomáticos e devem receber mais broncodi-
latadores para alívio da dispneia, por exemplo. Pacientes com escala mMRC menor ou igual a um
(mMRC 0 e 1) são menos sintomáticos, e recebem broncodilatador isolado. A tabela 3 descreve a
escala do mMRC.
Quanto à exacerbação, pacientes com histórico de duas ou mais exacerbações no ano ante-
rior ou uma internação por exacerbação da DPOC são considerados exacerbadores frequentes
e merecem tratamento farmacológico para prevení-las, por exemplo, com a associação de dois
broncodilatadores de longa ação (beta-2 agonista de longa ação – LABA e anticolinérgico de lon-
ga ação – LAMA) ou associação de beta-2 agonista de longa ação – LABA e corticoide inalatório
(ICS). Pacientes com no máximo uma exacerbação no ano anterior e sem hospitalização por exa-
cerbação são considerados de baixo risco para exacerbação futura.
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A figura 1 demonstra a forma de estadiar a DPOC baseado nos sintomas (eixo horizontal) e
histórico de exacerbação (eixo vertical), sempre considerando a variável mais grave, com a defini-
ção de quatro grupos de pacientes:
História de
exacerbações
≥2
ou
≥ 1 internação
por
C D
exacerbação
0 – 1 (sem
hospitalização
A B
Assim, define-se a classificação final do DPOC inicialmente com o estadiamento GOLD basea-
do no VEF1 e após o nome do grupo baseado em sintomas e exacerbações. Por exemplo, se existi-
rem dois pacientes com VEF1 30%, mMRC 2, porém o primeiro nunca apresentou exacerbações e,
o segundo, internou recentemente por exacerbação, classifica-se: o primeiro como GOLD 4 grupo
B e o segundo GOLD 4 grupo D, determinando diferenças em seus tratamentos.
7. TRATAMENTO
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• Atividade física regular (mínimo 30 minutos, quatro vezes por semana) está indicada para
todos os estágios desde o momento do diagnóstico.
• Reabilitação pulmonar: programa multiprofissional de cuidados a pacientes com doença
respiratória crônica que inclui recondicionamento físico, apoio psicológico e educação com
o objetivo de otimizar o desempenho físico e social, reduzir a dispneia e melhorar a qualidade
de vida dos pacientes. Tem duração de pelo menos três meses, com três a cinco sessões
por semana. Indicado para pacientes que tenham dificuldade para a realização de atividade
física domiciliar, ou seja, aqueles com mais sintomas, hipoxêmicos, com comorbidades ou
pacientes mais graves.
• Cessação do tabagismo é o principal modificador da doença. Abordagem em todas as con-
sultas e encaminhamento para grupo multidisciplinar quando o paciente apresentar dificul-
dade em cessar o tabagismo é obrigatório. E exposição à fumaça de biomassa também deve
ser retirada.
• Vacinação anti-influenza: anualmente para todos os pacientes com DPOC.
• Vacinação antipneumocócica polissacarídica está indicada para pacientes com mais de 50
anos e um único reforço após os 65 anos. A vacina pneumocócica conjugada 13-valente
não necessita desse reforço. Podem ser aplicadas ambas a vacinas: se a primeira tiver sido a
polissacarídea, esperar um ano para aplicar a conjugada; do contrário, esperar dois meses.
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Para pacientes com menor intensidade de dispneia ou apenas para os esforços mais intensos
(Grupo A) opta-se por broncodilatadores de curta ação apenas para alívio. As opções são uso isola-
do ou associado de beta-2 agonista de curta ação (SABA) e/ou anticolinérgico de curta ação (SAMA).
Para os pacientes com dispneia persistente (mMRC > 2) e não exacerbadores (Grupo B) esco-
lhe-se um broncodilatador de longa ação, seja LABA ou LAMA. Não existe diferença entre as duas
classes no alívio da dispneia e a escolha deve ser baseada na experiência do médico, o melhor
custo-benefício e o dispositivo adequado ao paciente. Se os pacientes não apresentarem a res-
posta desejada, associa-se às duas classes de broncodilatadores (LABA + LAMA).
Para os pacientes com pouca dispneia mas com histórico de exacerbações no ano anterior
(Grupo C), pode-se optar pelo LAMA isolado ou pela associação de LABA com o ICS (LABA/ICS). Se
não apresentar a melhora desejada pode-se trocar para LAMA + LABA ou associar a terapia tripla
com LAMA+LABA+ICS.
Para os pacientes muito dispneicos e exacerbadores no ano anterior (Grupo D) pode-se deci-
dir pela associação LAMA + LABA ou pela associação de LABA com o ICS (LABA/ICS) ou LAMA iso-
lado. Se não apresentar a melhora desejada pode-se trocar para terapia tripla com LAMA + LABA
+ ICS ou se estiver usando LAMA isolado, associar LAMA + LABA e depois passar para terapia tripla
se persistir exacerbando. Caso os pacientes mantenham exacerbações mesmo em terapia tripla,
opta-se por associar roflumilaste 500 mcg uma vez ao dia ou azitromicina 250 a 500 mg três vezes
na semana (2a, 4a e 6a feiras, por exemplo).
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Está indicada em pacientes com hipoxemia crônica e que tenham gasometria arterial com
a PaO2 igual ou menor do que 55 mmHg em repouso ou saturação igual ou menor que 88%, ou
quando a PaO2 estiver entre 56 e 59 mmHg com evidências de cor pulmonale ou policitemia. O
período mínimo de uso diário é de 15 horas, sendo o ideal durante as 24 horas.
Pode ser indicado em casos mais graves, e inclui a cirurgia redutora de volume pulmonar,
bulectomia e transplante pulmonar.
8. EXACERBAÇÃO DA DPOC
Exacerbação da DPOC caracteriza-se pelo aumento dos sintomas respiratórios além da va-
riação diária habitual, por mais de dois dias, com necessidade de medicações adicionais ao seu
tratamento. O primeiro passo é identificar a causa para tratá-la especificamente, visto seu grande
impacto na saúde do indivíduo.
As causas mais frequentes de exacerbação são infecções respiratórias, mudanças climáticas,
exposições à fumaças e não aderência ao tratamento.
A classificação das exacerbações divide-se em leve, moderada e grave, conforme mostrado
na tabela 5.
Tabela 5. Classificação da exacerbação da DPOC.
As exacerbações infecciosas têm como agente viral mais comum o rinovírus, porém também
ocorrem devido ao influenza, parainfluenza, adenovírus, coronavírus e vírus sincicial respiratório.
Exacerbações de causas virais tendem a ser sazonais (prevalente no inverno), mais graves, com
maior duração e hospitalização.
As exacerbações bacterianas são mais comumente por Streptococcus pneumoniae, Haemo-
philus influenzae e Moraxela catarrhalis. Pseudomonas aeruginosa é frequente em pacientes
mais graves (VEF1 ≤ 50%) ou com uso recente de antibióticos. Outros microrganismos também
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Oxigenoterapia para manutenção da saturação de oxigênio entre 88 e 92%. Checar com gaso-
metria arterial se mantém o alvo da saturação, sem piora da PaCO2 e/ou da acidose. Na suspeita de
retenção crônica de CO2, os pacientes devem receber oxigênio suplementar com cautela por risco
de piorar o quadro de retenção e até de levar a rebaixamento do nível de consciência por narcose.
Ventilação não invasiva (VNI) é preferível à ventilação invasiva (intubação orotraqueal) como
modo inicial em paciente com insuficiência respiratória aguda devido a exacerbação da DPOC,
desde que não apresente contraindicações. Sua taxa de sucesso gira em torno de 80%. Com seu
uso pretende-se melhorar a oxigenação e a acidose respiratória, reduzir o trabalho respiratório e
a taxa de intubação, diminuir tempo de internação e melhorar sobrevida. A tabela 7 apresenta os
critérios para VNI, ao menos um dos achados, já indica seu uso.
Importante ressaltar que portadores de DPOC podem ser retentores crônicos de CO2. Nesses
pacientes, o objetivo nunca será a normalização da PaCO2 com VNI e sim, melhora do equilíbrio
ácido-básico, do nível de consciência e conforto respiratório.
Ventilação mecânica invasiva (VM) está indicada para pacientes em DPOC exacerbada com
rebaixamento do nível de consciência (não causada pela hipercapnia ou refratária à VNI); instabili-
dade hemodinâmica não responsiva à volume e vasopressores; falência do tratamento inicial com
a VNI ou naqueles que não a toleram e persistem hipoxêmicos; aspiração maciça ou dificuldade
de aspiração de secreções das vias aéreas inferiores; arritmias ventriculares ou supraventriculares.
A VM aumenta tempo de hospitalização, morbidade e mortalidade.
Fisioterapia respiratória para reabilitação deve acontecer em todos os pacientes internados
por DPOC.
8.4.1. Broncodilatadores
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8.4.2. Metilxantinas
Não devem ser utilizadas para o tratamento das exacerbações, pois só aumentam o risco de
efeitos colaterais associados, sem grandes benefícios respiratórios.
8.4.4. Antibióticos
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9. CASO CLÍNICO
9.1. Impressão
9.2. Prescrição
• Jejum.
• Soro glicosado 10% 500 mL + NaCl 20% 40 mL, EV, 12/12 h.
• Moxifloxacino, 400 mg EV, uma vez ao dia.
• Metilprednisolona 20 mg EV, de 8/8 horas.
• Omeprazol 40 mg EV uma vez ao dia.
• Enoxaparina 40 mg SC uma vez ao dia.
• Inalação: Fenoterol 10 gotas + Ipratrópio 40 gotas + SF 0,9% 3 mL. Realizar três inalações na
primeira hora. Após, manter de 4/4 h.
• Cateter de oxigênio para manter SpO2 entre 88 e 92%.
• Ventilação não invasiva.
• Cabeceira elevada a 45 graus.
• Fisioterapia motora e respiratória.
REFERÊNCIAS
1. Jardim J; Oliveira J; Nascimento O. II Consenso de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica da Sociedade
Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, 2004. Disponível em: <http://www.jornaldepneumologia.com.br/
detalhe_suplemento.asp?id=40>. Acesso em: 26 ago 2018.
2. Camelier AA et al. Alpha-1 Antitrypsin Deficiency: Diagnosis And Treatment. J Bras Pneumol, 2008
jul;34(7):514-27.
3. Qiu S; Zhong X. Macrolides: A Promising Pharmacologic Therapy For Chronic Obstructive Pulmonary Di-
sease. Ther Adv Respir Dis, 2016 dez;1.
4. Vogelmeier CF et al. Global Strategy For The Diagnosis, Management, And Prevention Of Chronic Obs-
tructive Lung Disease 2017 Report. Respirology, 2017 fev.
5. Montes OM et al. Alat-2014 Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD) Clinical Practice Guidelines:
Questions And Answers. Arch Bronconeumol, 2015 ago;51(8):403-16.
6. Global Initiative For Chronic Obstructive Lung Disease. Disponível em: <http://goldcopd.org/>. Acesso
em: 20 ago 2018.
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