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Acerca Da Eternidade Do Mundo - Santo Tomás de Aquino
Acerca Da Eternidade Do Mundo - Santo Tomás de Aquino
Suposto, conforme a fé católica, que o mundo não foi desde sempre, como
equivocadamente afirmaram alguns filósofos, mas que o mundo teve um
começo em sua duração, segundo atesta a Sagrada Escritura, que não pode
enganar‐se, suscita‐se porém a dúvida de se poderia ter sido desde
sempre.
Para solucionar esta dúvida, há que começar por distinguir aquilo que nos
une aos que negam que o mundo tenha sido desde sempre daquilo que nos
separa desses mesmos.
Se se entende que algo além de Deus possa ser desde sempre, como se
fosse possível algo eterno além d'Ele sem ser feito por Ele mesmo, tal
hipótese implica um erro digno de abominação não somente por parte da
fé mas também por parte dos filósofos, que afirmam e demonstram que
tudo o que de alguma maneira é não pode ser senão porque é causado por
Aquele que possui o ser em grau máximo e perfeito.
Se, por outro lado, se entende que algo seja desde sempre sendo,
ademais, causado por Deus em tudo o que é, então há que perguntar se tal
afirmação se pode sustentar. Se se diz que é impossível, será ou porque
Deus não pode fazer algo que seja desde sempre, ou porque tal não pode
ser feito em si mesmo, ainda que de seu o pudesse fazer Deus.
Com o primeiro sentido estão todos de acordo: sem dúvida Deus pode
fazer algo que seja desde sempre, em razão de sua infinita potência.
Resta averiguar, portanto, se é possível que seja feito algo que sempre
tenha sido.
No primeiro sentido se pode dizer que, antes de o anjo ter sido feito, não
podia ser feito, por não ter sido precedido de nenhuma potência passiva,
já que não foi feito de matéria prévia. E, contudo, Deus podia fazer o
anjo, e podia fazer que o anjo fosse feito, porque o fez, porque o anjo foi
feito.
No segundo sentido, diz‐se que algo não se pode fazer por repugnar à
razão, assim como não se pode fazer que a afirmação e a negação sejam
simultaneamente verdadeiras, ainda que, segundo alguns, Deus o possa
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fazer. Outros, no entanto, dizem que Deus não poderia fazer tais coisas,
porque tais coisas não são nada.
E todavia é claro que Deus não pode fazer que tais coisas sejam feitas,
porque a proposição que afirma isto se destrói a si mesma.
Se porém se afirmar que Deus pode fazer que tais coisas sejam feitas, não
é herética a afirmação, conquanto seja, como julgo, falsa, assim como o
afirmar que o passado não tenha sido traz em si uma contradição.
Donde S. Agostinho dizer no livro contra Fausto [1] : “Quem assim diz: Se
Deus é onipotente, que faça que o que foi não tenha sido, não entende
que com isto diz: Se é onipotente, que faça que o que é verdadeiro, ao
mesmo tempo que é verdadeiro, seja falso.”
Não obstante, creio que, se tal repugnasse à razão, seria falso. Se porém
não repugna à razão, não somente não é falso, mas também é impossível
que seja de outro modo, e errôneo pois afirmá‐lo. Pois, como é próprio à
onipotência de Deus o exceder a toda a inteligência e virtude, derroga
claramente a onipotência de Deus quem diz que se pode ver algo nas
criaturas que não possa ser feito por Deus. E não vale contra‐argumentar
com o caso dos pecados, pois que esses, enquanto tais, nada são.
Toda a questão, por conseguinte, consiste nisto: se ser criado por Deus
segundo toda a substância e não ter princípio de duração são proposições
que se excluem mutuamente ou não. E que não se excluem demonstra‐se
da maneira que se segue.
Se se excluem, não pode ser senão por uma de duas razões, ou por ambas
: ou porque é necessário que a causa agente preceda em termos de
duração a seu efeito, ou porque é necessário que o não‐ser preceda em
duração ao ser, pois que a criação de Deus foi feita do nada. Em primeiro
lugar, portanto, deve‐se mostrar que não é necessário que a causa agente,
ou seja, Deus, preceda em duração a seu efeito, se assim Ele o quiser.
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Não se pode objetar contra esta razão que Deus é causa agente voluntária,
porque não é necessário que a vontade preceda em duração a seu efeito,
e nem sequer o agente voluntário, a não ser que obre a partir de
deliberação, o que de modo algum convém digamos de Deus.
Ademais, a causa que produz toda a substância de uma coisa não pode
menos no produzir toda a substância que a causa que produz a forma na
produção da forma: antes, poderia muito mais, porque não produz
eduzindo da potência da matéria, como sucede com aquela que produz a
forma.
Mas um agente que produz somente a forma pode fazer que a forma por
ele produzida seja tanto tempo quanto ele próprio, como se vê
claramente no caso do sol ao iluminar. Logo, com muito mais razão Deus,
que produz toda a substância da coisa, pode fazer que seu efeito seja em
cada momento em que Ele seja.
E, assim, é claro que não repugna à razão dizer que a causa agente não
precede a seu efeito em duração, porque Deus não pode fazer que sejam
coisas que repugnam à razão.
Resta agora ver se repugna à razão que algo feito nunca tenha não sido,
por ser necessário que seu não‐ser preceda em termos de duração a seu
ser, dado que se afirma ter sido feito do nada.
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Mas tal em nada repugna à razão, o que se mostra pelo que diz Anselmo no
Monologio , cap. 8, quando expõe o modo por que a criatura se diz feita
do nada. “A terceira interpretação”, diz ele, “pela qual se diz que algo é
feito do nada, deve‐se a compreendermos que algo de fato é feito, sem no
entanto existir algo de que seja feito.”
Claro está, pois, que em nada repugna à razão dizer que algo é feito por
Deus e que nunca não tenha sido.
Houvesse qualquer coisa que lhe repugnasse, seria assombroso que não a
tivesse visto Agostinho, pois teria sido uma via eficacíssima para refutar a
eternidade do mundo, a qual ele impugna com muitas razões nos livros 11
e 12 d' A Cidade de Deus . Como, então, deixou passar totalmente esta?
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E isto é evidente também para aquele que considera com diligência a tese
dos que postularam que o mundo sempre foi, pois que, não obstante, o
afirmam feito por Deus, sem nisto perceber nada que repugne à razão. Por
conseguinte, aqueles que tão sutilmente percebem repugnância à razão
são homens sábios, e com eles nasce a sabedoria [3] .
Diz pois o Damasceno no livro I, cap. 8: “Aquilo que é tirado do não ser
para o ser não é apto por natureza para ser coeterno d'Aquele que não
tem princípio e que sempre é.” [4] Também Hugo de São Vitor diz, no
início do livro Acerca dos Sacramentos : “A virtude inefável da onipotência
não pode ter tido junto de si algo coeterno, de que se teria ajudado para
criar.” [5]
Donde estar claro também que tampouco procede o que alguns objetam, a
saber, que a criatura se igualaria a Deus em termos de duração; de modo
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algum algo pode ser coeterno de Deus, porque nada pode ser imutável
senão Deus mesmo, o que se patenteia pelo que disse Agostinho n' A
Cidade de Deus , livro 12, cap. 15: “O tempo, porquanto transcorre
mutavelmente, não pode ser coeterno da eternidade imutável. E por isso,
conquanto a imortalidade dos anjos não transcorra no tempo, nem seja
passada como se já não fosse, nem futura como se ainda não fosse, seus
movimentos, de que procedem os tempos, passam de futuros a pretéritos.
E, assim, não podem ser coeternos do Criador, em cujo movimento é
preciso dizer que não é nem foi o que já não seja, nem será o que ainda
não for.”
Notas:
[1] [N. da P.] Santo Agostinho, Contra Faustum , XXVI, cap. 5.
[3] [N. da P.] Quanto a esta passagem, nota Robert T. Miller: “Aqui ele está
provavelmente fazendo alusão ao Livro de Jó 12:2, em que diz Jó: ‘Logo,
só vós sois homens sábios, e convosco morrerá a sabedoria?' A diferença
entre ‘nasce' ( oritur ) e ‘morrerá' ( morietur ) é pequena.”
[4] [N. da P.] São João Damasceno, De Fide Orthodoxa , livro I, cap. 8.
[7] [N. da P.] Santo Agostinho, Super Genesis ad Litteram, livro VIII, cap.
23.
[8] [N. da P.] Santo Agostinho, Confissões , livro XI, cap. 30.
Tradução: Permanência
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