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CLAUDIA LETICIA GONCALVES MORAES DNC e orien) CONEXOES ihn ander SOB A DIVISA DA COR: A REPRESENTACAO FICCIONAL DO RACISMO ESTRUTURAL E SEUS ESTEREOTIPOS NO ROMANCE 0 AVESSO Da PELE PELE, DE JEFERSON TENORIO Fabio Henrique Gonaives (Universidade Federal do Maranho) Introdusto En 109 en Di peas ssn tpn ecco Nar Cinna cs een Neowin ins eerran erp cn npn feng rnc pene Peey miso pets po ty ner oo, come pa fan un ose amarante ren es rom tna en eng me cn ro Sia apm cl dae cate Dt pn voi cineca Re papel aan See eee Scie eters au ee 9 de machado, dus inns, Ao final da naratva,condenado a cumprir lguns anos de cada le mantém a espranga de reconstri sua vida to lado da mulher amda, que prometera esperar sua sada da pris. ( professor Henrique Nunes era grande dmirador de Dostoivsk Em especial do vo que conta a hstria de Rasksinikov. Com 0s dois sos, oral eo fetiio, dé par dizer que ele divi um histrico de ‘ondenatio. Mas no, Henrgue mune consprou contra quslqcrau- torkade, Também nunca assasinow ninguém. Nio hi, ali, quasqucr regisros de que tena alguna vez cometido um ato iegal. Apesar diss, «diferente dos rissos que 0 encantaram,aele nunca seria dada & opor- tuna de ivrar-se dfinitivamente da pena e tocar sua vida em pa Numa lve rferéncia a0 romance de Dostoigvaki,podemes dizer que Henrique se enguadra numa espcie de castigo sem crime. Julgado © ondenado prevamente —¢nlo apenas una, mas sucesivas vezes. Sem dircitoa uma dfesa que, defnitvament,olivasse de tos as wesagBes {0 fund, sempre a mesma). Ao “no crime” de Henrique esta vedas «8 possbilidade de prscrig, Uma sna que 0 aeompantou a longo de todd a vida. Henrique & um bomem negro. Henrique € um homer neg {que vive no Bras Mais preisamenteno sul do ps ~na capital gic, Porto Alegre, Alguém que, a0 camiahar pelas rus da cade, sentiase consanemente como um invasor. Ou metho, muita gente fia questo ‘de que ele se prcebese sempre assim. Como a perorrer um ugar 20 qu ‘le jamaispertenceria, Mas Henrique inssia, Permanecia, Teimavs em exist. Até que um dia, quem sabe, persisténcia Ihe proporcionsse Finalmente ries; uum dia em qu sua eimosiafosse de vezneutalizads. ‘Assim como Raskélnikov, Henrique s6 existe no mundo da fc- «io. Eum dos protagonists de O avesso da pele, esto pelo carioca {radicado no Rio Grande do Sul) Jeferson Teno, Langado em 2020, 6 livgosurgiu num contexio em que o Brasil vinha ht alguns anos em ‘uma erescente onda conservadora,refletida na composigo do cenirio police. Ambiente que mesclava auoritarsmo ereterados atques (vir ‘ais rei, ndviduase institucional) aquaisque discrsos priticas relacionadas direitos de grupos minoritirios ea questionamentos sobre 250 privilégise procssos de exclusio—intimamentevinculidos i chamada heteronrmatvidadebrancae masculina 0 avesso da pele encara esse debate, atuaizando wm hisérico problema brasileiro: as desigualdades racais, em suas mais diversas configrages emanifestage,leferson Tendrio representa estticamente (com os instruments prprios dew icionsta que domina su ofcio) 6 racismo e sua colego de desrespetes: por quem compe & mairia a populasio deste pals, pela consieraglo de uma cidadania ampls, pela grantia de oportunidades de desenvolvimento, por tatamentos ‘qualitiris, pea dignidade de existécia, pela mobilidadee ocupaso os espagos piblics sem interrupo arbitra, pelo oar para 0 outro ‘como semelhante, © onto de patdn da narativa¢& constatago de uma ausénca, Da falta que um psi oj eitado Henrique, passa a represenarna vida 4e seu filbo, Per. Sim, a informaglo de que Henrique est morta & colocada logo nas primeiaslinhas, no se tratando aqui, portant, de «stragar alguma surpresa para o futur leitor do romance. Isso porque toda a histria € nara por aquele fl, que procurareconstivir (mas sobretdo invent, como se vers mais fens) avid desse pa. Buscando ‘entender suas escofha,atrbuir significado & sua taetéria, identifiar ‘0s obsticulos qu tve de superar, mas também rastrear sus raqueas Nao se trata da construgo de um pai iealizado, Meno ands da Jung de elementos que confrmem uma espécie de heroism ou de excepeionalidade desse pai dante da vida. Talvez sea justamente 0 contro. £ por no ter sido alguém de destague, de vida incomum ou rmemorivel fei deidenlfcar edecfrar, que a busca de Pedro se toma, do ponto de vista pessoal, nds mus neceséra, Eno que exsténcia de Henrique teve de mais banal ecoriquera, no moldeem que, olongoda ‘ida, ele se vi is vezsprisioniro,& que Peo ter as respsts sobre quem foo pai. Eo pada dentro do qual a existéncia de Henrique processu foi aestraturaracista de que sempre fi alvoe objeto; que perseruto seus moviments, ent determina seus pass, suspeitou de sss Bes, clasificou seus comportamentoseoaprisionoua esteedtpos Pensar o concito de racism estar € entender que as clasii- cages a ptr de ragas no esto margem do compo socal (nero dado leatrio ou una manifesto de vontade individual), im nappa forma como a sociedad se organiza, come estio montades seus meca- nismos decsirios, seus prncipis agentes econdmicos, sus instncas| {de poder politico e de epitimaso cultural © processo de esravizagio, a0 longo de mais de tts séulos, fo scompanhado por uma ideolgia de inferorzago esubaltemizagio da opulasto negra, cerceada de dzcits de cidaani, vigiada em seus ‘nknsitos,perseguida em suas manifestagbesculturas, neghigenciads na sua insergZo em condigbes de iguldade ao mercado de trabalho livre pds o fim da esraviio. As condigfes estuturas para que os negros no fossemn de ato integrads& realidad dana estavam dads. E suas ‘onsequencias sida sio observiveis: entre outas, falta de aceso & uma educago de qualidade, a uma moraia digns, « postos de trabalho ‘que exjam maior qualficagdoe tempo de estudos. ‘De acordo com o profesor efilssfo Silvio Almeida (2019), “o racismo é sempre estutral” pois vem delealgica eos mecanismos que satan a eprodugdo das desigualdades eda violencia (em sus vias ‘manifestagdes) que atingem a populaso negra. Quando se depara com «xemplosprtcos de expresso do racist, somente um olhar ngénuo, apresado,desatento ou mal-intencionado interretars © mesmo corpo um ft isolado ou produto de uma histria individual (a de quem est sendo racist. O fio & que esas ocasidescotidianas se eportam a algo histricamenteenaizado, “que se desenvolve mas entranhas poticas| ‘ econdmicas da sociedade” (ALMEIDA, 2019, p21). Desse modo, 0 racimo €sobretudo algo sstémic: No se ta, pt, de apenas toes 08 Inesmo dew inno etn mr Ge unprocesiem gue as Condi dealer de ei gue se sre ate grupos ai repose nos dies pli, 252 {economia ds reasSes cans, (ALMEIDA, 201, 24, ie do an. (© ravismo no & um elemento equivocado a perturba o funciona ‘mento normal da sociedade. No se rata de “uma ptoogia sociale nem ‘um desaranjo insituconal"(ALMEIDA, 2019, 9.50), Mas éasociedade ‘qe, na dogo ds seus eitéios de normale, clege 0 discursoe @ ica racists como um de seus constinintes~ ainda que distargados no explictos enquanto valores que, de fat, tém ressonanciae em ‘do repoduzidos a0 longo das geragdes. O racismo, componente das estruturas sobre as quas se assentam a sociedade bral, tem vor ativa na constiugo das “relagdespoicas, econdmics,jurdicase até familiares" (ALMEIDA, 2019, 50), © aspecto estrutural do racism passa, na maior parte do tempo, ‘espereebido ou ni sendoalvo de maiores discusses justamente pelo process de “naturalizagio” do seu funcionamento. Esso &possivel Porque forma como a sociedade¢concebida te uma lgica, que € vene Aida sob a mbalagem do “normal”, do" assim qu as cosa funciona sempre fneionaram Perde-e dimen histrica da construgio das relugdes sociis, que aparecem Soba aura da atemporaidade Desse modo, ainda que soja inegivel a exstncia da desigualdade racial oracsmo produ um sistema de ideas” que raz una “explicagao rcional” quel (ALMEIDA, 2019, p63). E, como consequénca dso, ‘nits pessoas no sentem maioresinedmmodos perante manifests de

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