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CIVILIZACAO S105 (O08) je J. W. BAUTISTA VIDAL José Walter Bautista Vidal é Pema sesso Co Cia ele Maio cise @e MON ol sidades Federais da Bahia e de ERE gsc ke Ua ala Rottnest sosurae Celene ele ole ral, Foio 1° Secretario de Estado de Ciéncia e Tecnologia do Brasil, ew =r We (ome eee eu elt) Polen SA ee Tecnologia Industrial, a partir do saudoso Severo Gomes como Sem yeeros oro fester eC CR as t al, ciéncia, tecnologia, meio Prstcuickctee(Merscomcs oii fee Mua To mA CLL nesses setores. Foi 0 principal responsavel pela implantagao do [reese Cee OMe sel NRCS Me Cia cuiet mest Mice ec Amc Fee Mee Rd a er PEM Cie- Vile (MMe Ter <1 Me) cu scac (eco MeO E Mac tl leira 1987/88. Assessorou o Con- Picea eerur meme ca Neeser usu n Cure Yorfolce eon Velcro aay se) eee CUM McC c ey ers CM Toile): A Ae] Oe) centenas de trabalhos, artigos. Peele eC Ue SRL ek ae Meee teers ieee ess et ete merc motion fi emer lot ae feréncias em todo o pais, em Petar Mee w mien eer CIVILIZACAO SUICIDA J. W. BAUTISTA VIDAL Brasilia, agosto de 2000 Direitos Autorais 2000 de J. W. Bautista Vidal TV’ edicao Agosto de 2000 Projeto grafico, Capa e Arte-final Mauro Nunes Barbosa Revisao José Humberto Fagundes Todos 08 Direitos reservados. Nenhuma parte desta edigto pode ser utilizada ou reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecani- co ou eletronico, lotocdpia, gravagdo etc. - nem apropriada ou esto- cada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorizagao do autor N778n Vidal, J. W. Bautista Brasil Civilizagao Suicida. J. W. Bautista Vidal. - Bra- silia; Star Print Grafica e Editora, 2000 88 p. 1. Nacionalismo, Brasil. 2. Minério. 3. Energia. 4. Sis- tema Financeiro. 5, Colonialismo. 6. Pocler Mundial. 1. Vidal, J. W. Bautista. I. Titulo CDU 172.15 cpp 172 Editora Nacio do Sol SMPW Quadra 17, Conjunto 10, Casa 7 Cep 71745-170 - Brasilia, DF, Bra Telefax: 55 0 () 61 380.1344 E-mail: bautista@brnet.com.br Pie oe he PREFACIO Apenas poucas palavras sobre as razGes deste livro. Ele agrega textos que nasceram com objetivos distintos aos que mo- tivaram o seu surgimento. Cabe neste caso a idéia de que o todo é maior do que a soma das partes, como as funcdes no ser humano sio maiores do que as dos drgios que o compéem. O primeiro texto trata da internacionalizacao da Compa- nhia Vale do Rio Doce na fase de resisténcia, prévia a “privatiza- go”. Ele procurava conscientizar a sociedade brasileira acerca do crime que representava a entrega da Vale a forgas externas. O segundo texto resultou de iniciativa de Gilberto Vas- concellos e minha de preparar um ensaio para ser publicado no Le Monde Diplomatique, que nos parecia veiculo defensor das mesmas idéias da nossa luta. Puro engano. Esquecemos que uma coisa era 0 espirito francés de independéncia e outra a questio colonial brasileira, da qual eles sio beneficiados. Oterceiro ensaio acentua a evolucao do colapso dos com- bustiveis f6sseis ¢ a gravidade do seu desfecho. Os trés textos agregam os ramos da natureza dos quais dependem todos os bens e servigos que sao de uso da humanida- a oe i ces de: os minerais e os produtos da fotos{ntese, 0 que reafirma a importincia estratégica do Brasil na solucao dos perigosos pro- blemas atuais e por vir. Em contrapartida, procuramos analisar a violéncia do pro- cesso que se abateu sobre nds, em que estamos perdendo o con- trole de tudo o que é essencial para poder dar nossa contribuigdo para a solugdo da gravissima situagao mundial e para garantir nossa sobrevivéncia como povo e como cultura, em projeto his- (6rico de consistentes fundamentos. Verificamos, também estarrecidos, que 0 processo destru- tivo esta sendo realizado por dirigentes nativos, sem necessidade das forgas externas interessadas darem um s6 tiro. Assim, estamos perdendo aceleradamente a condugio do pais. 70% de nosso PIB jaécontrolado por nao-residentes. Como nesse bojo esta o poder - quem decide -, prevé-se que esse controle chegue rapidamente 4 totalidade do que é essencial 4 nossa sobrevivéncia como socie- dade organizada. Como esse controle estende-se a nossos patri- ménios naturais, essenciais para o futuro das novas geragées de brasileiros, fica evidente que estamos, como sociedade, caminhan- do de modo acelerado para o suicidio. Como a histéria ensina, as civilizagGes nao siio morias, elas se autodestroem. O historiador White considerou 0 poder norte-americano como um perigo para a humanidade, por falta de percepgao na cultura de seu povo do “sentido tragico da historia”. Sera que essa auséncia de sentido da historia também nos atinge, em con- digdes porém opostas aos dos norte-americanos? Neles, existe 0 perigo de destruirem os demais sem olhar para as conseqiiéncias e, em nds, o perigo de sermos exterminados sendo atores do pro- $0. ces O Autor INTRODUCGAO ste livro visa ao estabelecimenta de conceitos e ao acimulo de informagdes de natureza es- tratégica que permitam uma rigorosa avalia- cao da realidade brasileira e mundial, a par- tir do mundo fisico que fundamenta a produ- cdo econémica ¢ o poder. Ele rejeita as misti- ficagdes € esquizofrenias atuais - praxis na condugao do que chamam de economia, orientada por teorias de base monetaria ficticia. Nem elas sao teorias, nem tratam das questées que fundamentam a producao ¢ 0 poder. Elas descolam da realidade concreta, como dizem os que a defendem, e servem a interesses antinacionais de grupos hegemOnicos. Elas nada tém a ver com as concepcdes que levam a estruturagao de teorias de bases conceituais e filoséficas consistentes. Nos propomos a evidenciar esses fatos com as conse- quéncias da experiéncia brasileira e 0 exemplo dos infelizes caminhos que estamos seguindo, sob a con- ducao de dirigentes sem compromissos com a Nacaio 7 PT Wo bc Este é um livro que pretende ser contunden- te, radical e claro, no sentido estrito dessas palavras Ou seja, pretende ser verdadeiro. As leis do mundo fisico sao tratadas com rigor, sem salamaleques que deformem sua precisao e allerem os conceitos que fundamentam a realidade concreta. Nele, nao so admitidas falsas simbologias. Por isso, a versio mone- taria dos fatos econémicos é exclufda. Nao € tolerada a forma como atualmente é utilizada, com moeda sem lastro e emitida sem critérios, salvo os da prepoténcia, em regime de monopélio mundial. O livro procura mostrar a natureza impar, do ponto de vista historico, do brutal processo de espo- liagao a que esta sendo submetido o Brasil, como parte subordinada a um sistema financeiro internacional, dentro do qual, qualquer que seja seu imenso poten- cial de riqueza, € impossivel sobreviver, caminhando de modo inexoravel para a ruf{na como entidade co- letiva historicamente constitufda. Em contrapartida, os fatores concretos do mundo econdmico, como matérias-primas, energia e tecnologia, ganham nele as dimensdes de apotedtica realidade, refletindo sua essencialidade, es abundancia relativa. Revivendo sua valorizacao com- parativa em sadio processo de competicao produtiva. Ao sair da economia exclusivamente financeira, que tudo subordina a uma falsa simbologia monctaria manipulada pela especulacao, o arbitrio ¢ a prepo- téncia, foge-se da arlificialidade estipida para uma realidade concreta que fundamenta os fatos econd- micos na sua concepgao fisica de bens e servicos. sez OU as ache me O que predomina porém sao as deformacdes impostas a essa realidade natural por politicas finan- ceiras unilaterais, conduzidas por grupos hegeménicos que conduzem os mais fracos, subjugados, pelos ca- minhos de um esptirio sistema financeiro. $6 a ruina os espera, apesar de imenso potencial de riqueza natural, base consistente e insubstitufvel do processo de producao de bens € servicos. Nao é porém este livro o local para demonstrar essa realidade contun- dente, pois ela esté explicita no cotidiano do pals. Apenas usaremos algumas evidéncias simples dessa realidade. Ao fugirmos do clima de esbérnia que ca- racteriza 0 dominio econémico pela via financeira, procuramos um caminho consistente e sé¢rio para reconduzir a vida nacional a responsabilidade e a decéncia. As premissas deste trabalho sao simples e cla- ras. A primeira delas resulta da retomada do trato da producdo como bens eé servicos retirados da natu- reza - matérias-primas - por ente também da nature- za que as transforma - a energia -, gracas aos conhe- cimentos que 0 homem foi adquirindo das leis e prin- cfpios que regem a natureza inerte e a vida - tecnologia. Isso € tudo. As teorias que tratam da pro- ducao ¢ da transformacao de matérias-primas ¢ bens envolvem fundamentalmente essas iaveis e valo- res. Qualquer (eoria que procure interpretar a gera- cao de riquezas titeis ao homem deve contemplar esta ordem de valores ou entes que a compéem, com con- sisténcia € veracidade. O monetario, se fictfcio, falsa- mente simbdlico, é apenas deformador da realidade errr impostas a essa realidade natural por polifticas finan- ceiras unilaterais, conduzidas por grupos hegemdnicos que conduzem os mais fracos, subjugados, pelos ca- minhos de um esptrio sistema financeiro. $6 a ruina os espera, apesar de imenso potencial de riqueza natural, base consistente € insubstituivel do processo de producdo de bens e servicos. Nao € porém este livro o local para demonstrar essa realidade contun- dente, pois ela esta explicita no cotidiano do pats. Apenas usaremos algumas evidéncias simples dessa realidade. Ao fugirmos do clima de esbérnia que ca- racteriza 0 dominio econdmico pela via financeira, procuramos um caminho consistente e sério para reconduzir a vida nacional a responsabilidade e a decéncia. As premissas deste trabalho sao simples € cla- ras. A primeira delas resulta da retomada do trato da producao como bens e servicos retirados da natu- reza - matérias-primas - por ente também da nature- za que as transforma - a energia -, gragas aos conhe- cimentos que o homem foi adquirindo das leis e prin- cfpios que regem a natureza inerte ¢ a vida - tecnologia. Isso € tudo. As teorias que tratam da pro- ducao ¢ da transformacao de matérias-primas ¢ bens envolvem fundamentalmente essas variaveis e valo- res. Qualquer teoria que procure interpretar a gera- cao de riquezas titeis ao homem deve contemplar esta ordem de valores ou entes que a compdem, com con- sisténcia e veracidade. O monetario, se ficticio, falsa- mente simbélico, é apenas deformador da realidade Pie Wo bes € serve de instrumento para maos esptrias, delin- quentes, externas e internas, atuarem de modo nega tivo sobre nossa vida como nacao organizada. E, praticamente o que vem acontecendo com © falso simbolo monetério imposto ao mundo por inaceilavel Lirania baseada no arbftrio e na prepo- téncia. Sobre essa varidvel ficticia, monta-se estrutu- ra logica de bases falsas imposta a todos por exército de profissionais que fazem valer essas falsas idéias, desrespeitam as leis da natureza, do mundo concre- to, e desvalorizam o potencial de riqueza de patses e povos. F o descolamento da realidade a que se refe- rem os economistas, como se dissessem algo inteli- gente € nao estivessem cometendo grave ato de falsi- dade que favorece de modo ileg{timo grupos € paises em detrimento dos demais. Como impdem essa légica, com o suporte da urania video-financeira que nos subjuga, quem dela discorda é démodé, como se o trato das questoes civilizatorias e da vida dos povos fosse uma questi de moda. Deste modo, todos somos tratados como tolos... € aceitamos essa condicéo sem enérgico pro- testo € disposigao de decidida luta para garantir a manutencao da cabeca erguida e da dignidade. Partimos de uma realidade inconteste em que tados os bens fisicos usados na construcao e suporte das civilizagdes e na existéncia, manutencao e evolucao da vida dos povos estao sintetizados em dois grandes ra- mos dos recursos naturais: aqueles do mundo inerte, as minerais, € os que tém origem na fotosintese, a bioma: a qual ademais fundamenta a vida, vegetal e animal. 10 Ty Os trés capitulos deste livroa tratam do papel ¢ significacao do continente brasileiro em relagao ao trato do que resulta desses dois ramos absolutos da natureza, de onde provém tudo o que serye ao ho- mem em suas aventuras de construir ¢ manter civili- zagées e€ na superacao de seus infortinios. E, vivendo a humanidade os dois grandes colapsos de sua existéncia, o dos combustiveis fosseis e o ecoldgico, este decorrente do uso descontrolado daquele, evidenciamos a necessdria agio que cabe ao povo que habita este continente tropical - locus das solugoes para esses potenciais desastres. A Nagao brasileira encontra-se assim ante duas possiveis alternativas: ou assume sua predestinacao geopolitica com autonomia e grandeza ou caminha servilmente para o desmembramento € acgao pr edadora das forgas externas que nos dominam com a conivén- cia consentida e criminosa dos atuais dirigentes: ou seja, caminha para 0 suicidio. Essa aparente predestinagao é fruto do espi- rito colonizado que domina as mentes da atual classe dirigente brasileira, servil e traidora, portanto, se- guindo a clara concepcao de Ortega y Gasset: “mente colonial € aquela que ignora seu proprio espaco e seu tempo”. Os matizes de pseudo-intelectualidade que cercam de aureola, nessa concepcao de Ortega, o prin- cipal dirigente brasileiro atual, apenas reflete seu po- der de verbalizar o servilismo, com elegancia sem virilidade, e a intrinseca ignorancia sobre 0 que so- mos, infelizmente generalizada na intelectualidade BR AS EL civuzacao suicina dominante hoje. Isto materializa-se na também pseu- doteoria chamada teoria da dependéncia, esséncia da definicdo orteguiana, que lhe é atribufda e que tem o suporte de uma esquerda falsamente vitoriosa, que suporla no campo cultural o dominio de oligarquia financeira externa mais implacdvel que a do colonialismo mercantil do século XIX. A historia do Brasil deste século, entretanto, até os anos 50, desmente essa tendéncia superficial e oportunista pés-Bretton Woods e pds-Juscelino - o presidente do modelo econdmico dependente. Nesse periodo, despontaram as figuras anticoloniais de Floriano ¢, principalmente, de Getilio Vargas, este fruto de profunda revolucao politico-cultural que teve seu ponto alto na Revolugao de 30 e provocou a maior transformacaéo da nossa histéria, com as lutas que levavam a existéncia de um Projeto para a Nacaio brasileira, haje em processo de destruicao. Por ele, nosso povo foi libertade do espirito de dominacao colonial que se estendeu até a Republi- ca Velha e que agora renasce com o neocolonialismo dos Fernandos, alimentado e conduzido de fora do pats por oligarquias internacionais delinqtentes. Estas sub- metidas & perigosa decadéncia, intrinseca a natureza das regides hoje ainda hegeménicas, e dominadas pela alucinagao esquizofrénica e enlouquecida provocada por uma falsa moeda, imposta como referéncia. is i Wo hers CAPITULO I O PODER MUNDIAL CONTRA O BRASIL humanidade enfrenta situacao das mais diff- ceis de sua histéria com o ocaso dos combus- tfveis fésseis e as conseqiéncias ambientais decorrentes da qucima descontrolada desses combustiveis. As atuais nacdes hegeménicas, todas si- tuadas em regides temperadas e frias do planeta e, por isso, carentes de energia limpa e permanente, basearam seus projetos de poder e desenvolvimento no uso exten- sivo desses combustiveis, carvao mineral e petréleo. O predominio tecnolégico dessas nagdes € a condicao colonial das demais impuseram ao mundo essas formas energéticas. O petréleo encontra-se em processo de exaustao € o carvao mineral provoca seve- ras conseqiiéncias ecolégicas, com perigosas mudancas climaticas. Suas imprudentes queimas - jogam-se na a mosfera bilhdes de toneladas por ano de CO* que leva- ram centenas de milhdes de anos sendo retiradas da mesma atmosfera - aceleram graves perturbacdes na ecosfera, pondo em risco seu instavel equilibrio. Thy Wop os As evidéncias dessas limitagoes eram conheci- das desde o inicio década dos anos 70, quando o primeiro informe do Clube de Roma constatou a exaustao de recursos naturais, dos quais dependem vitalmente as nagdes hegem@nicas, sem dispor de alter- nativas em seus territérios. A primeira conseqléncia foi o embargo de petrdleo promovido pela Opep em 1973, com 0 apoio de corporacées de petréleo - as Sete Irmas, hoje Cinco Irmas (Shell, British Petroleum, Exxon, Texaco e Chevron). Desde entao, a situacao sé tem pio- rado, apesar de frenético esforgo nos EUA, no governo Nixon, na fracassada procura de novas reservas. Por isso, nos ultimos 25 anos, acorreu pro- fundo ajuste no uso desses combustiveis, com medi- das de conservacao € procura de allernativas, poste- riormente abandonadas. Esse ajuste reduziu a deman- da global e alargou o horizonte de uso. Pouco porém foi acrescentado em novas reservas. A panacéia da fissto nuclear retardou a busca de alternativas, em- bora tenha durado pouco, sendo interrompida pelos acidentes de Three Mile Island, nos EUA, e Cher- nobyl, na ex-Uniao Soviética. Uma onda ambientalista mobilizou a opiniao pu- blica mundial nos anos 80, a partir dos EUA. Serviu pa- ra despertar para os perigos do uso extensivo de combus- tiveis fosseis, mas também para os efeitos da radiatividade criada pela fissao nuclear, especialmente o plutOnio, de agdo nefasta por centenas de milhares de anos. Nos EUA da era Carter, € em outras partes, realizaram-se iniimeras tentativas tecnoldgicas visan- do a busca de alternativas a esses combustiveis wie ee he Brasil, a iniciativa foi anterior, comegou em marco de 1974, resultando em novembro de 1975 na cria- cao do Programa Nacional do Alcool, na administra- cao do ministro Severo Gomes, pela Secretaria de Tecnologia Industrial - STI. O Prodlcool evidenciou a potencialidade do Brasil no setor energético. Programa de éxito mundi- al, ponta de imenso iceberg, foi porém interrompido. Como concebido pela STI, visava nao s6 a substitui- cao da gasolina, mas dos derivados do petrdleo e do carvao mineral por combustiveis renovaveis e limpos, pois o Brasil nao importava gasolina, mas carvao mi- neral e petréleo. As importagées de petroleo chega- ram a consumir, no fim dessa década, 70% de nossas exportagoes. Ficaram por isso invidveis com os novos precos do petréleo provocados pelo embargo. O nos- so colapso energético nessas circunstancias era imi- nente. Entre intimeras iniciativas tomadas em varios paises no Ultimo quarto do século 20, a tinica verda- deiramente vitoriosa foi a brasileira. Implantou-se frota de 5 milhes de veiculos com motores ciclo Otto com uso de 4lcool, além de mistura de 24% a gasoli- na. Isto evitou o uso do perigoso chumbo como antidetonante. Para impedir esse mal e para evitar a importacao de dlcool do Brasil, os EUA optaram pelo uso de MTBE. Agora constata-se que em 31 Estados americanos esta substancia contaminou 30% dos po- cos de agua potavel. Como eles nao tém como produ- zir suficiente alcool e o Brasil desativou a ampliacio da sua producio, corre-se agora o risco de virem 15 re iW Wonk a para ca, tomar nossas usinas e instalar grandes plantations, expulsando © brasileiro do campo. Uma tragédia! Em 1986, os veiculos a dlcool chegaram a re- presentar 98% da linha de producao. Os veiculos a gasolina s6 eram disponiveis por encomenda. Devido a medidas na drea financeira, a producao de carros a alcool hoje mal chega a 1% da frota nova. Os que restam a alcool estarao em uso por curto tempo. O programa foi exterminado. Com ele, e computando-se os efeitos colaterais, o Brasil economizou em custos externos cerca de 80 bilhdes de ddlares. Criaram-se 800 mil empregos di- retos, reduziu-se drasticamente a poluicao nas gran- des cidades e 0 pafs passou a deter 0 dominio tecno- I6gico mundial no setor. De modo lamentavel, o programa nao se es- tendeu aos demais derivados do petréleo, especial- mente a substituigao do dleo diesel por dleos vegerais - mais eficientes como energéticos € nao-danosos para o ambiente. Também nao ocorreu a substituigao do car- ) mineral importado por carvao vegetal nas siderdr- gicas brasileiras, nem a construcdo de termelétricas com biomassa - florestas energéticas, carvao vegetal ¢ gas de madeira, como se faz hoje com éxito em paises da Unido Européia com rejeitos agricolas. Pelo contrério, implanta-se no Centro-Sul do pais 49 termelétricas a gas de petréleo importado da Bolivia, Peru e€ Argentina, sob 0 controle de cor- poragdes transnacionais. Destrdi-se deste modo nossa autonomia de energia limpa, com custos reduzidos, ¢ BRASIL “Macho suicion ativos ja ressarcidos, em moeda nacional. Ascenden- tes precos internacionais de petréleo vao impor-se ¢ ficaremos submetidos & chantagem de suprimento sem alternativa. O contrato de compra do gas determina o pagamento de volume pré-estipulado, quer seja con- sumido ou nao. Além disso, pelas privatizagdes, os controladores externas passam a dominar a distri- buicao, podendo desativar os ativos hidrelétricos. Pas- sam assim a senhores absolutos de cartel que domi- nara o mercado elétrico do Centro-Sul, nosso grande mercado, Sua parte onerosa, 0 gasoduto, foi pago pela Petrobras. Entre as sidertirgicas, a unica nacional que usa- va com sucesso carvao vegetal era a Acesita - nossa mais sofisticada sidertirgica, tinica projetada com tecnologia nacional. Com sua privatizacao, abandonou-se 0 carvao vegetal pelo carvao mineral importado, apesar de gr yes danos ambientais, sociais e do balango comerci externo, além de representar retrocesso tecnoldégico. Qual a raz4o para tanto despropdsito? O aban- dono do uso do carvao vegetal, neste ¢ noutros casos, provocou milhares de desempregados, 26 mil em Minas Gerais. Somente os produtores de gusa e a Mannesmann continuam a usar carvao vegetal, lim- po, renovavel e produzido no pais. O despropésito se deve a visio m{ope, incompetente e antinacional de dirigentes, ao subordinar a escolha a um processo de forjada e artificial concorréncia, apoiada em nominal monetario falso, manipulado do exterior. Deste modo, foram desprezados valores maio- res e estratégias de autonomia e qualidade dos pro- 17 PT Wo bn dutos finais, custos ambientais e sociais - desempre- go, violéncia -, a satide humana e a valorizacéo com- parativa de fatores locais abundantes. Em sintese, a soberania nacional. Proyocou também danos estrutu- rais no balango comercial, nas contas externas e na autonomia tecnolégica ¢ energética, base universal de sadia competicao. Condiciona-se tudo ao arbiirio de uma tirania financeira de comando externo. O esforco mundial até 6 governo Carter, de substituicao dos combustiveis fésseis, foi bruscamen- te interrompido a partir do governo Reagan, enquanto se promoviain guerras no Oriente Médio € jogava-se © preco do petréleo a valores inferiores aos de antes do embargo em 1973. Em 1979, o barril de petréleo chegou a 52 délares no spot market de Rotterdam. Com a derrubada do xeque Yamani, ministro do Pe- tréleo da Arabia Saudita, o preco foi reduzido a irri- soria quantia de sete ddlares, em processo de dumping. Para qué? Para tornar invidveis - do ponto de vista monetario nominal, pela visdo curta dos tecnocratas - | vitoriosas iniciativas energéticas. Especialinente a mais importante delas, a brasileira, em fase inicial, mas de allo potencial tecnolégico e de poder. Os faleées, adeptos americanos do uso da for- ¢a militar, sobrepuseram-se aos construtores de solu- cdes da era Carter. Deste modo, as violéncias militar e monetaria viraram norma. Internamente, promoveu-se a “abertura” que viabilizou a implantacao de modelo dito neoliberal, le- vado avante a todo custo, com a deterioracao moral do processo politico com as eleigoes de Collor e FHC 18 iy Woh cs (duas vezes). Nesse processo, a tirania financeira de Foram governos a servico da oligarquia financeira internacional. Pro- moveram o desmonte do Estado e€ a entrega dos pa- triménios naturais estratégicos a forcas externas, quan- do a histéria econémica do Brasil neste século de- pendeu de modo vital do Estado. Nesse processo, a Nacao esta sendo destrogada, como admite seu prin- cipal responsavel: “Estamos na iminéncia de grave ruptura insti- tucional.” controle externo fez o que quis. Como complemento dessas agdes, criou-se na city de Londres 0 mercado dos petrodélares, inicial- mente com empréstimos a juros negativos, embora flexiveis, com © objetivo de fazer a limpeza de di- nheiro sem lastro que os produtores de petréleo se recusavam a aceitar como pagamento. As vitimas des- ses empréstimos foram paises que garantiram com seus patriménios naturais € ativos estratégicos a limpeza des- se dinheiro ficticio, o Brasil 4 frente. Daf 0 processo de “privatizacao”, na realidade internacionalizagao desses patrimonios e de suas empresas guardias. O mesmo se deu pela Lei das Patentes com o patriménio genético da biodiversidade do trépico wmi- do. Concedeu-se 0 monopélio mundial a corpo-ra- ces transnacionais. Monopélio mercantil sobre a base da vida. Desses empréstimos, submetidos depois a ju- ros extorsivos, resultaram as impagdveis dividas exter- na e€ interna que levaram o Brasil a ruina financeira em janeiro de 1999. Os desdobramentos dessa mani- WS hah eh acl pulacao, em associagao com a politica neoliberal, le- varam A internacionalizacao referida - biodiversidade, sistema hidrelétrico e de aguas, minérios, CSN (Com- panhia Sidertirgica Nacional), Usiminas, Embraer, Embratel, ruptura do monopélio do petréleo e das comunicagdes e entrega de reservas de petréleo ja descobertas. Tudo praticamente de graca: moedas podres, subavaliacdes, incentivos governamentais, corrupcao desenfreada, que serviram apenas para encher as burras de especuladores delinqientes, aos quais nossos dirigentes servem, enquanto as dividas se avolumaram a dimensGes assustadoras e a econo- mia nacional ficou a eles vulnerdvel. Anuncia-se agora que estrangeiros se prepa- ram para comprar, na “bacia das alias”, as usinas privadas de dlcool paulistas. Fecha-se o ciclo iniciado com os “empréstimos” de “petroddélares”, que permi- tiram montar a armadilha monetaria, dentro da qual é impossivel sobreviver como sociedade organizada. } Financistas justificaram esses empréstimos para cobrir déficits externos criados pelas importa- | cées de petréleo. Sem duvida, portanto, a questao | energética mundial esta na origem dessa armadilha financeira que esmaga nossa economia, entregue a agentes desse sistema. Nao crise do petrdleo - n se levou em conta que a a verdade, colapso energético - abria perspectivas incomuns para o Brasil, que ja- mais nenhum pais experimentou. Fez-se, porém, 0 contrario ao ignora-las e¢ submeter-se & ficticia rédea financeira de controle externo. Como os hegemdnicos nao tém solugoes energéticas proprias, optam por nos 20 BRASIL“ esmagar por meio dessa tirania comandada interne mente por agentes nativos e com um regime politico, dito democratico, que nos leva ao desastre. Fica en- tao aberta a possibilidade de se apoderarem dos nos- sos patrimOnios naturais estratégicos, a troco de nada. Com a elevacéo do consumo de petréleo, com a volta ao descontrole anterior ao embargo e com 0 nao-cumprimento pelos hegemdnicos (exceto Alema- nha) dos acordos assinados na Fco-92, 0 mundo ca- minha para perigosa situagao decorrente dos maio- tes colapsos que a humanidade jamais sofreu: 0 energético, dos combustiveis fésseis; ¢ 0 ecoldgico, do efeito estufa. Sem falar na chuva acida. Neste caso, por exemplo, a cidade de Sao Paulo corre risco de perder seus acessos ao porto de Santos devido a des- moronamentos de encostas nas vias Anchieta e Imi- grantes, pois a chuva acida provoca a destruicgaéo da protecao florestal. Os EUA tém em seu territério reservas de 21 bilhoes de barris para consumo diario de 16 milhdes. E petréleo para menos de cinco anos, na hipdtese de nao reduzir drasticamente o consumo ou aumentar suas reservas, 0 que é pouco provavel. As reservas das companhias anglo-americanas vém caindo 6% em média anual. Alemanha, Japao, Italia ¢ Franga nao tém reservas. As da Noruega, Canada e Inglaterra estao em acentuado declfnio. Somente o Oriente Médio detém reservas para duas ou trés décadas. Por isso os EUA ocuparam com forgas militares essa regio, gas- tando nisso, conforme a revista International Qil, cer- ca de 100 délares por barril que importam - subsfdio 21 DA BRASIL “Wvacio suicioa varias vezes maior que o seu prego nominal em moe- da falsa. Seu preco esta acima de 30 dolares, cresceu mais de 300% em um ano. Na realidade, em 1979, corrigida a inflacao do délar, o barril chegou a 70 dolares. Nao sera sur- presa que 0 poder americano queira ressarcir-se das despesas militares no Oriente Médio e aumente o preco do barril para valores acima de 100 ddlares. Para eles, emissores arbitrérios de moeda de referén- cia nao seria problema. Além disso, é 0 poder militar sobre o petrdleo que garante a manutencado da falsa moeda de referéncia. Nessas circunstancias, os tecnocratas brasileiros impoem ao petrdleo a condigao de commodity, como se féssemos todos uns tolos. Nos anos 80, os EUA concentravam no Ori- ente Médio 60% de suas importagdes de petrdleo e apenas 20% na América Ibérica (Venezuela e Méxi- co). Hoje inverteram esses percentuais devido a gran- des riscos nos paises arabes. Estes, ha muito, procu- ram defender seus patriménios estratégicos com ele- vado custo de vidas e resistem a brutais embargos econdmicos. Assim, é mais facil se apoderarem das reservas de petréleo do Brasil e da Argentina, neste caso ja consumado, do que enfrentar os arabes. A ruina financeira do México permitin 0 controle dos norte-americanos sobre suas reservas de petrdleo, entre as maiores do mundo. Nao € por acaso que a nova lei brasileira so- | bre o petréleo permite livremente a exportacdo, que passa a ser propriedade de corporacées estrangeiras por compra do existente ou descoberta, o que nao 22 BRAS conseguiram com os contratos de risco. As reservas, fruto dos éxitos da Petrobras, que nos garantem cer- ca de 30 anos de consumo, estao em perigo. Podem ficar exauridas em 5 ou 10 anos A globalizacao, portanto, imps mudangas nas matrizes energéticas para resolver a precdria situa- cao de nagdes hegemdnicas, as custas de pafses como o Brasil, México, Argentina € outros. Das formas energéticas que nao tém origem no sol, apenas a energia nuclear poderia ter resulta- dos compatfveis com a situacdo pela fissdo ou fusdo. Ja analisamos os perigosos efeitos da fissio nuclear. O governo da Alemanha, em junho de 2000, resol- yeu desativar suas 19 plantas nucleares correspon- dendo a geracao de 30% de eletricidade atual. A desativacao da uiluma usina elétrica nuclear ocorrera em 2021. Quanto a fusao, ¢ de dificil realizacao, pois ocorre a milhoes de graus quando toda matéria soli- da ou liquida se vaporiza. O sol, como as demais estrelas, é, no entanto, gigantesco e “eterno” reator a fusio nuclear. As formas edlica, geotérmica, das marés, captacao solar direta e outras ganham espaco, embora sejam restritas e locali- zadas. Nao sao, portanto, alternativas para a substitui- ao do petréleo, de uso extensivo. A unica forma ener- gética de dimensoes potenciais para ocupar o vacuo que se forma, com o declinio dos combustiveis fésscis, ¢ a biomassa, de produgao preponderante nos trépicos. Seus derivados podem substituir sob a forma sélida, liquida e gasosa os derivados dos combustiveis fésseis nas dimen- sdes do consumo mundial, atual e futuro. Py Woe Com excecaa das energias das marés, geo-tér- mica ¢ nuclear, todas as outras formas utilizadas pe- lo homem, tanto [6sseis como renovaveis, provém do sol. A energia de origem fossil exige centenas de milhées de anos para se formar. Ela representa capital energético acumulado em eras geoldgicas. Sao, portanto, nao-renovaveis. E impossivel recom- por suas reservas quando esgotadas. Esse capital so- lar armazenado nos fdsseis foi depauperado pelo uso desordenado de uma sociedade de consumo sui- cida. Os combustiveis derivados da biomassa sao re- novados permanentemente pela captacao da radia- cao solar, gracas & fotossintese dos vegetais, excepci- onais coletores naturais Essa energia é acumulada sob a forma quimi- ca nos carboidratos (acticares, amidos, dleos vegetais, celulose e hemicelulose), todos de facil conversao em combustiveis, com tecnologia que dominamos, a mais avancada em todo 0 mundo. A incidéncia de radiacao solar sobre o hemis- fério da Terra corresponde, por dia, & mesma ordem de grandeza das reservas de petréleo. A radiacao solar, porém, concentra-se nas regides tropicais. Regides temperadas e frias, onde se localizam hoje os paises hegeménicos, nao tém a espetacular vocagao energética | dos trdpicos. Por isso, somos levados a concluir que as futuras civilizagdes auténomas somente serao pos- sfveis nos tropicos. Sem energia nada é possivel, nem o mundo econdmico, nem as dinamicas do cosmo ou do dtomo. Nem as civilizacdes. ieee Nas regides tropicais, predominam yastos ocea- nos e desertos, além de estruturas nacionais de insu- ficiente nivel técnico, incapazes de extensos € efici- entes processos produtivos de biomassa e seus deri- vados energéticos. O Brasil, entretanto, é 0 incomparavel conti- nente dos trépicos, com mais de 20% da agua doce do planeta e com nfvel tecnolégico agroindustrial para ser o grande fornecedor de energia limpa e renovavel da humanidade. Somos por isso predestinados a cons- truir a civilizagéo dos carboidratos, de energia abun- dante, limpa e€ renovavel, que dependem do sol ¢ da Agua, abundantes nos trépicos brasileiros. Somos a Na- cao do Sol e das Aguas. Nossa vocaco energética nao ¢ a dos combustiveis fésseis, dos hidrocarbonetos, estamos predestinados a construcao da Civilizacao dos Hidratos de Carbono, como demonstrou 0 qufimico brasileiro Sebastiao Simoes Filho. O Worldwatch Institute, no relato Sitwagda do Mundo - 1997, prevé o surgimento de novo grupo de poder mundial, designado E-9, de Environment (Meio Ambiente), relacionando-o portanto com questoes ambientais e, naturalmente, energéticas. Ele sera mais poderoso no futuro que o atual Grupo dos 7 grandes (G-7), conforme atesta. Entre os 9 paises do E-9, trés sao considerados superpoténcias: EUA, maior potén- cia econémico-militar e maior agressor ambiental; China, segundo maior agressor, com potencial para tornar-se o primeiro; e Brasil, nico entre os nove nao- predador, com potencial e competéncia técnico-econé- mica para resolver os previstos colapsos ambiental e 25 Tw be energético do planeta. Os demais membros do E-9 sao: Alemanha, Japao, Russia, India, Indonésia e In- glaterra. E neste contexto politico de poder mundial que o Brasil tem o dever de colocar-se, deixando de com- portar-se como pais dependente, satélite de decadentes nagGes que mantém artificialmente laivos de hegemonia. Essa postura leva - esta levando - @ desagregacao nacio- nal, em postura incompativel com nossa historia, com o que nos legaram nossos ancestrais, além de ser crimino- sa para o destino das futuras geracdes de brasileiros. Ou assumimos nosso papel ou seremos esmagados. A historia costuma ser implacavel com os fi Nagées hegeménicas nado admitem competi- dores, mesmo que legitimos. Por isso, montaram sis- tema financeiro guarnecido por “exército de ocupa- ¢4o” de tecnocratas e politicos que detém o poder. Somente outros dirigentes ¢ um novo regime, com- promissados com o que é essencial A nossa sobrevi- véncia como povo e como cultura, poderao nos sal- var. Nessa emprcitada, paises importantes a nds se juntarao e de nos esperam postura mais compattvel com 0 que representamos. Pela natureza tropical, pela riqueza do subsolo, pela gente que habita este continente, fruto de mara- vilhosa miscigenagio de racas e de culturas, pela ale- gria de viver, pelo que fizeram nossos ancesirais, so- mos predestinados a construir nova civilizagao, mais justa, se nos libertarmos do colonialismo neoliberal. A historia ensina: as civilizagdes nao sio extermina- das, elas se exterminam. ‘aCOS. CAPITULO IT OCASO DOS COMBUSTIVEIS FOSSEIS E O NOVO COLONIALISMO J. W. Bautista Vidal ¢ Gilberto Felisberto Vasconcellos rise das Nacées Hegeménicas. Desmorona- mento do Sistema Financeiro Internacional ou desmonte de Estados Nacionais com ri- cos patriménios naturais. Carénc grandes blocos econémicos, EUA, Uniao Européia e Japao. Brasil, grande poténcia ecolégica da humani- dade. Estratégia geopolitica das poténcias econémi- co-militares para a Regiao Amazénica Eis a questao fundamental de nosso tempo: estamos diante de uma crise decorrente do desmoro- namento estrutural do Sistema Financeiro Internaci- onal ou ela tem por objetivo promover 9 desmonte de Estados Nacionais detentores de ricos patriméni- os naturais estratégicos? Até ha pouco tempo minerais dos sabfamos para onde ca- minhaya a humanidade. Hoje, vagamos perdidos sem saber para onde vamos. Vivemos a destruigao dos va- PW ee lores que fundamentaram nosso passado, sem que novos valores sejam criados. Fala-se no fim da hist6- ria, como se isso fosse possivel sem destruir o ho- mem Vivemos profunda crise monetiria mundial, com gravissimas conseqténcias sociais, econdmicas, culturais e geopoliticas. Apés devasiar as financas do México ¢ de paises asidticos - anteriormente tao elo- giados pelos neoliberais pela integragao ao sistema financeiro mundial - alcangaram a Russia e o Brasil, este em janeiro de 1999. Até o Chile, que fez tudo conforme os cAnones desse sistema, terminou o ano de 1998 com um déficit em conta corrente de 7%, préximo das cifras que provocaram as débicles finan- ceiras no México e na Tailandia € superior ao do Brasil. A crise, portanto, nao é geografica e nao che- gou ao 4mago do sistema, as nacdes hegemdnicas, delas porém se aproxima e as ameaca. Para o prémio Nobel Modigliani, ¢ iminente o colapso. O sistema financeiro de poder mostra sinais evidentes de decre- pitude. Seu intenso poder destrutivo tem sido reser- vado para regides de cconomias emergentes dispon- do de amplos mercados que, de um modo ou de ou- tro, dispoem de elevadas potencialidades concretas. Uns, com fortes projetos nacionais e grande capaci- dade de trabalho e de organizacao, como 0s asiaticos; € outros, com elevados potenciais de recursos natu- rais estratégicos, como o México (petréleo), Argenti- na (alimentos), Chile (cobre) e Brasil (minérios, 28 chy oe biodiversidade € energia renovavel), no momento em que paises hegemOnicos, ditos ricos, estao em situa- cao desesperadora em setores naturais estratégicos. Nao foi por acaso que o primeiro a cair fosse o México, dispondo de imponentes reservas de pe- tréleo na América do Norte. O epicentro da débldcle, porém, como diz 0 Secretario-geral da Unctad, Rubens Ricupero, localizou-se na Tailandia. O poder destrutivo dessa crise foi concentra- do em regides em transicao com altfssimas potencia- lidades, mas submetidas as regras impostas pelo FMI, Banco Mundial e burguesia financeira internacional, que os comanda. Por essa dependéncia, tornaram-se vulneraveis e débeis, pois estao subordinadas a um suposto processo de integragaéo com os centros de poder financeiro, controladores da moeda de refe- réncia. Os paises ditos desenvolvidos, entretanto, nao apenas foram poupados dos efeitos desse processo, mas, ao contrario, foram altamente beneficiados por ele. Hoje, parece claro ter sido esse processo monta- do para tornar os ricos ainda mais ricos pela via monetaria, apesar de profundas caréncias em setores cruciais, como o mineral e da fotosintese - energia. A estratégia visa @ superacao dessas gravissimas vulnera- bilidades. Eles ganharam escandalosamente nesse pro- cesso, devido ao colapso provocado nos pregos inter- nacionais de recursos naturais essenciais & produgao pelos oligopdlios e cartéis compradores: matérias-pri- mas escassas e energia, além do barateamento de Ty importagoes de manufaturados de nagdes forcadas a desvalorizar suas moedas. O impacto cumulative desses efeitos, além da truculéncia do sistema financeiro internacional, com o controle de arbitraria e suspeita moeda de referén- cia e suas unilaterais politicas impostas aos pafses dependentes, explicam o “milagre” da economia nor- te-americana, que permitiu financiar seus colossais déficits em conta corrente. Isto deu a improvisados analistas do terceiro mundo a impressao de grande poder, na realidade de natureza ilegitima e esptria e sem condigdes de persistir por falta de fundamento concreto no mundo fisico que suporta a produgio e o poder. Assim, comprova-se 0 equfvoco da idéia -se algum momento existiu - de que paises ditos em de- senvolvimento, subjugados a esse sistema monctario, pudessem fazer crescer suas economias de forma mais acentuada que as dos ricos. Ela fracassou, como nao poderia deixar de ser, nas condigdes estabelecidas por esse sistema dominante. Assim, 0 proprio concei- to de paises em desenvolvimento desmorona. Ou seja, a conceituagao de que esses pafses chegariam ao desenvolvimento, obedecendo a regras impostas por esse sistema, & falsa. Os resultados a que chegaram eram facilmente preyistos quando con- sideradas as politicas unilaterais que Ihes foram impos- las, especialmente quando se acentuaram os meios de opressao sobre eles pela via financeira, no contex- to da ideologia neoliberal e das praticas da globali- aca. Ayo icterfstica Outra ca mum Aqueles atingidos pela débacle financeira é que ela se concentra, de modo preferencial, como diz 0 Secretario-geral da Unctad, entre os mais avancados cesses pafses emergentes que, ademais, dispoem de importantes mercados internos e destacados patrimonios naturais estratégicos. Os africanos, que entre os pobres nao ofere- cem perspectivas de desenvolvimento em futuro pré- imo, no estao entre as vitimas da débdcle financeira. Uma razao evidente é a falta de acesso desses paises aos mercadas financeiros privados, cuja volatilidade de seus ativos - nem mais “papel pintado” é - consti- tuiu-se na principal causa dos gravissimos estragos causados nos desmoronamentos de moedas nacionais. Ou seja, a principal razao do desastre esta na prépria esséncia do sistema monetario. Diz Rubens Ricupero: “Se o desenvolvimento € processo que deveria em tese reduzir o grau de vulnerabilidade das economias a choques externos, como explicar que alguns dos mais afetados tenham sido justamente aqueles como a Coreia ou Hong Kong, considerados como quase promoyidos ao clube dos ricos? Ou entao pafses como a Maldsia, Tailandia, Indonésia, Brasil ou, no prévio e similar episédio de 95, México e Argentina, nagdes que sempre figura- ram no pelotao de frente da inserg¢ao na economia monetaria mundial?” Nesses casos, nao estaria em contradigdo a receita que recomenda a insercao rapida e radical a economia global como o melhor caminho para o de- senvolvimento? Essas nagGes fracassadas dentro des- 31 Sry cc se sistema tiveram em comum a suicida aspiracao de se “integrarem” & economia globalizada, estruturada de modo matreiro, principalmente pela via financei- ra, para servir aos interesses dos paises ricos, por meio de implacayel destruigao daqueles com impor- tantes polenciais em recursos naturais estratégicos As nacdes hegeménicas sofrem caréncias em questOes essenc energia, meio ambiente, matéri- as, agua, patriménio ger ». Além de de- sordem financeira, inconsisténcia ideoldgica, degene- racao moral, desprezo pelo ser humano e pela vida. Elas precisam urgentemente equacionar suas caréncias, pois esto criando situacdes insustentaveis para o futuro de seus povos. Nao se vive eternamente apenas de falsa moeda, seja ela “papel pintado” ou moeda digital, pois 0 mundo da producio e da riqueza cons tente fundamenta-se no universo concreto de natureza fisica. A farsa da moeda ficticia tende a entrar em co- lapso por absoluta inconsisténcia com a realidade. O que fundamenta o projeto das nacées hegemoOnicas sao razdes de natureza geopolitica, re- sultantes de desastrosa situacéo quanto a disponibili- dade de recursos naturais estratégicos tenovaveis e na4o-renovaveis. Essas caréncias sao tao graves que podem levar a graves conflitos, como a chamada “guer- ra das matérias-primas”, prevista pelos autores nor- le-americanos George Friedman e Meredith Lebard em seu livro “EUA & Japao, Guerra & Vista”. A de- pendéncia dos principais blocos econdmicos, EUA, Japao e Unido Européia (UE), em minerais é assusta- dora, como veremos no capitulo seguinte. BRAS IL “Muacaosuiciva Na realidade, essas caréncias fundamentais deixam as sociedades industrializadas em situacao de grande vulnerabilidade e tendem a promover confli- tos semelhantes aos que hoje existem na area do pe- trdleo. Essa situacao fica agravada pela demanda desenfreada e perduldria que as sociedades de con- sumo impéem a seus povos, criando graves desequi- librios, que tém piorado com a concentragao de ri- queza nas m4os de grupos e de paises ditos ricos, conforme atesta 0 “Relatério sobre o Desenvolvimen- to Humano” do Programa das Nagdes Unidas para 0 Desenvolvimento (PNUD), atualizado todos os anos. Nele fica claro que as agdes de globalizacao neoliberal tém ganhadores certos que sao os pafses ditos mais ricos. Isto pode levar a um grande niimero de explo- soes de revolta em varias parte do mundo, como pre- viram membros eminentes do neoliberalismo inter- nacional na reuniao do féro de Davos, na Sufca, onde anualmente se retinem. Esse brutal desequilibrio entre os que conso- mem € os que detém as reservas naturais ¢ forjado pelo arbfirio do poder da moeda internacional de referéncia, que retira desses recursos as vantagens comparativas que deveriam ter. Essa moeda, como suposto simbolo de todas as riquezas, emitida em re- gime de arbitrio, sobrepde-se a todos os fatores, prin- cipalmente ao que é concreto, ao mundo fisico, des- yalorizando-o0, como ocorre com os escassos recursos minerais estratégicos. Criou-se deste modo uma dita- dura financeira de moeda falsa que torna os paises 33 Sy oc detentores de grandes riquezas naturais impossibili- tados de serem recompensados pela sua contribuigao para o bem estar dos ricos. O poder desse dinheiro ficticio retira o valor dos bens essenciais da natureza e leva os povos que detém esses patrimOnios naturais insubstituiveis & miséria. A competi¢ao fica reservada apenas aos membros do clube fechado controlador desse fraudulento sistema financeiro internacional. O controle da situagao se da por meio de instrumen- tos financeiros unilateralmente estabelecidos e ad- ministrados pelo arbitrio dos emissores monetarios, tais como (axas de cambio, juros, niveis de infla- cdo etc. Ademais, ha de se considerar o outro grande perigo de colapso mundial, além do energético, que ocorre no campo ecolégico. O Informe 1997 “A situ- acao do Mundo” do Worldwatch Institute, referido no capitulo anterior, definiu um novo grupo de poder mundial, o Grupo E-9 (E, de Environment), compos- to pelos Chefes de Estado das nove nagoes mais im- portantes do mundo no campo ambiental. O Informe afirma que o E-9 tera no futuro papel de maior im- portancia para a humanidade do que o atual Grupo dos 7 (G-7), restrito &’s quest6es econémico-financei- ras, que hoje regem artificialmente o mundo. Naque- le grupo, o Brasil situa-se entre as trés superpotén- cias - as outras duas sao FUA e China, 0s dois prin- cipais agressores ambientais. Entre as nove, o Brasil € 0 unico pais nao predador, que tem solugdes defi- nitivas para as graves questdes ecolégicas do planeta. A questao ambiental mais grave, o cfeito estufa, é, de 34 BRASIL“ modo intrinseco, ligada aos combustiveis fésscis ¢ estes estao no centro do jogo de poder mundial. Neste, os grandes perdedores seriam as nacdes atualmente hegemOnicas, os grandes consumidores desses com- bustiveis, sem alternativas validas. Com o fim da era do petréleo, esta em risco a sobrevivéncia das civili- zacdes de consumo contemporaneas. Por isso, os EUA ocuparam militarmente o Oriente Médio. De modo surpreendente, porém, a classe di- rigente brasileira esta de cc $ grav{ssimas questoes, e a cultura brasileira sofre de alienacao profunda em relacao ao papel que representa como unica solucao identificada: 0 potencial de nosso ter- ritorio tropical, de dimensdes continentais. As nacdes hegeménicas, contudo, postergam as solucdes dessas quest6es e preferem, em contra- partida, garantir os meios naturais de que carecem pelo uso da forcga ou pelo acesso ilegftimo via o en- fraquecimento de Estados nacionais que detém esses recursos e por meio de um esptirio sistema financei- ro que controlam. O general Patrick Hughes, chefe do Servico de Informacoes das Forcas Armadas norte-america- nas, em conferéncia no Massachusets Institute of Technology - MIT, tendo como pano de fundo su- postos incéndios na floresta tropical umida de Ro- raima, onde existem “campos gerais” € nao florestas tropicais, ameaga com a invasdo armada norte-ameri- cana nas seguintes hip6teses: a) ameaca de desastres ecoldgicos que atin- jam em seus efeitos o territério dos EUA; e€ AS para es! 35 Scr Pio bcs b) escassez de recursos minerais estratégicos. Nos forjados incéndios da floresta tropical umida de Roraima, foi prevista a ocupacao da area pelos “boinas verdes” das Nagées Unidas que, uma vez ocorrida, jamais sairiam da regido. Felizmente, as Forgas Armadas brasileiras reagiram e impediram tal | ocupacao indevida, que feria de modo frontal nossa soberania. As outras duas razOes para “justificar” uma intervencao militar dos EUA, conforme o referido general, seriam o terrorismo nuclear e o narcotrafico, também com suporte de forcas internacionais na re- giao amaz@nica A possfvel intervencéo militar das forcas da OTAN na regiao subcontinental ibero-americana, fora da sua area de jurisdicao, originalmente limitada a Europa, representa também grave perigo sobre a Amazonia, principalmente depois do que ocorreu em Kosovo, na lugoslavia. Por essas € outras “razdes”, o Brasil é a hora da vez, a nacao-continente dos trépicos que, submetida a brutal dependéncia financeira externa, caminha para a ruina econémica, para o exterminio de seu povo e para o esfacelamento de seu rico territério. Protetorados es- trangeiros e republiquetas, impossiveis de se transfor- marem em nagées soberanas, sao o destino que sua ¢ se dirigente atual quer ver rapidamente consumado para 0 territorio brasileiro. Na realidade, apos a débécle de janciro de 1999, pela acao programada do governo, o Brasil transformou-se em protetorado do FMI. A estabilizagao monetadria, imposta por taxa de cambio artificial criou no Brasil moeda em falsa paridade com o délar. Na pratica, isto resultou em transferéncia para fora do pats do controle de patri- ménios naturais estratégicos; destruicao do pacto fe- derativo; desmonte do Estado e, em janeiro de 99, débacle das finangas nacionais, levando o pais ao de- sastre econdmico. Tudo comegou, como ja vimos, com a monta- gem de impagavel divida externa com juros flutuan- tes arbitrados pelos credores, que tém o arbitrio do monopélio de emissao, Esse monopdlio foi denuncia- do desde os anos 60 - “inexplicavel privilégio” - por De Gaulle. Com a criacao do euro, possfvel alternati- va européia ao ddlar, essa demtincia foi reiterada pela Franca de Chirac-Jobim. O euro podera vir a repre- sentar 0 papel de moeda-verdade, contrapondo-se & ditadura da pseudomoeda dolar. Espurio processo de “renegociacao” de nossa divida conduziu 0 pais A incapacidade de agao e de defesa, com a conivéncia de inescrupulosos dirigen- tes. Nessas condic6es, houve intervencao externa di- reta em questdes fiscais, tributarias, de gastos publi- cos, regime cambial, liberalizacao comercial e de in- versoes estrangeiras, propriedade industrial - nefan- da lei de patentes - ¢ nas chamadas privatizagoes. Estas transferiram para o controle externo, em muitos casos de suspeita natureza, ou seja, por quase nada, ativos publicos acumulados em meio século de dedicado trabalho de todo um povo. Tudo com a coni- véncia culposa do Congresso Nacional que nao apresen- tou qualquer reacio contraria em defesa do controle nacional de cruciais reservas naturais. Esse processo tam- Cerrery eT Woh mee bém transferiu o controle de complexas estruturas guardias desses patrim@nios naturais estratégicos: as eficientes empresas de economia mista. Sem qualquer duvida, esse processo caracteriza um projeto suicidal Nacao de dirigentes subalternos, 0 desmonte estrutural do Estado brasileiro foi conseqhéncia de sistema financeiro opressor que, ademais, impede po- liticas ptiblicas de interesse nacional. Nem mesmo a moeda nacional restou. O FMI, o Organizagio Mun- dial do Comércio - OMC ¢ o Banco Mundial gover- nam do Palacio do Planalto Relacdes da moeda com o mundo concreto. Aparato conceitual das “teorias” econémicas. Novo colo- nialismo e a Quarta Guerra Mundial. Nesse quadro, as nacdes hegemdnicas joga- ram pesado com a desvalorizacao dos bens naturais, matérias-primas ¢ energia. Vejamos alguns exem- plos: a) os precos do cobre e do chumbo, nos anos 80, com a economia mundial ativada, eram inferiores aos de 1982, quando tudo estava parado pelo “crack” de 29; b) a tonelada de minério de ferro era expor- tada em 1986 ao valor de 22 gramas de ouro; hoje, mal chega ao valor de 1,5 grama; c) © gigantesco aumento da demanda mundi- al de quartzo, provocado pela tecnologia do silicio, re- duziu o seu preco de 5 délares 0 quilo para menos de meio dolar (o Brasil é praticamente o tinico fornecedor mundial de quartzo de primeira qualidade); 38 BRAS d) o preco do barril de petrdleo, levando em conta a desvalorizacao do délar, até abril de 1999, era inferior ao seu preco antes do embargo do petr6- leo, em 1973, quando se considerava que as reservas eram infindaveis; e) na agricultura, cada unidade de energia nela utilizada reproduzia-se entre 15 e 50 vezes. A agricultura mecanizada atual necessita mais de 15 unidades de energia para produzir uma unidade energética em matéria protéica. Mesmo assim - incrivel! - 0 sistema monetario promove elevado lucro para as corporagoes trans- nacionais do ramo! Ao nao simbolizar riqueza con- creta, 0 dinheiro faz seu préprio jogo, reproduzin- do-se por si mesmo. Nem cocafna consegue dar a recompensa que a supervalorizacao da moeda impée. Essa desqualificagao dos bens naturais essenciais é promovida por sofisticadas “teorias”, ditas econdmi- cas, fundamentadas exclusivamente nessa varidvel monetaria que nada simboliza. Por isso, é imperioso rever 0 aparato conceitual dessas “teorias”. Elas sao causas principais dos infortunios dos seres humanos e de nagdes que teriam tudo para ser ricas, mas que refletem em miséria os incriveis ajustes a@ uma “or- dem” mundial espuiria. O que chamam de “economia”, portanto, nao € senao um sistema irreal, baseado em abstrata e fic- ticia variavel monetdria, sem vinculo, ainda que sim- bélico, com o mundo concreto, do qual porém de- pende de modo vital. Dele provém os fatores fisicos de producao que da vida as civilizagoes: energia, 39 PW Woh a matérias-primas e tecnologia, A escamoteacao destes, substitufdes por moeda que nao os simboliza, como essas falsas teorias procuram impor, desfaz vinculos essenciais da realidade fisica, configurando sua esca- moteacao. Esta é a conceituacao que hoje comanda o poder financeiro mundial. Ao exclufrem os fatores nacionais no mode- lo de crescimento dependente utilizado no Brasil nos tiltimos 50 anos - base ideolégica da CEPAL -, ausen- tes nos pacotes tecnolégicos agregados fora do pais, deixam esses fatores de serem opcodes de uso. Ignora- se, assim, pela natureza do modelo dependente, a valo- rizagao comparativa dos fatores locais de producio. Tudo se resume, portanto, a funcaio do dinheiro, como se ele fosse 0 simbolo absoluto da riqueza e do poder, 0 que é falso. Isto se mantém até hoje, exacerbado pelo neoli- beralismo; ou , a escamoteacdo é a norma E fundamental, portanto, na dinamica mone- taria especulativa em uso, discernir entre o que € causa e 0 que é cfcito. No roteiro que vai do concreto ao abstrato, dos elementos fisicos (energia, por exem- plo) para a abstracao monetaria, constata-se a neces- sidade de inverter a sistematica atual do mundo de- pendente, em que se parte do abstrato, pela via do dinheiro de controle externo, para chegar-se ao con- creto, & realidade do mundo fisico e & necessidade de sua valorizagao comparativa. Daf o absurdo: nacées com espléndidas riquezas naturais caminham para o inforttnio. O aparato formal da economia criada por es- sas “teorias”, oculta a base fisica do universo. B 0 que 40 et BRASIL cMuracao suicioa os economistas chamam de descolamento da realida- de, como se isso fosse possivel e saudavel e nao ap nas uma irresponsavel ¢ artificial tendéncia destrui- dora. Uma tendéncia de ma-fé, que configura crime ao se Ihe dar a condicao de inexoravel. Essa é a causa pela qual fatores que funda- mentam o poder das nagdes - dimensao territorial, importancia demogrdfica ¢ riqueza em matérias-pri- mas cstratégicas- nao mais se constituem em razao de poder, mas, ao contrario, de crescentes dificuldades. India, China, Brasil, Nigéria, Indonésia, Paquistao, México e Russia sao exemplos dessa surrealista situa- cao. Os EUA, que deveriam estar préximos desse contexto, apesar de sofrer graves caréncias energéticas e de matérias-primas estratégicas, diferenciam-se no entanto por serem emissores monopolistas da moeda de referéncia internacional. Surgem, entao, hipéteses nada convincentes ou fundamentadas para explicar as “novas” causas da ' riqueza das nacoes. Elas procuram obscurecer 0 que designamos por Novo Colonialismo, fruto de proces- so opressivo, instalado principalmente pela via finan- ceira, fundamentada em uma pseudomoeda, que esta , jogando os principais paises ditos emergentes no caos econdmico e os povos do mundo em processo de cres- : cente violéncia. Ele substitui, com acréscimos, 0 ve- Iho imperialismo, e submerge no desespero patses > que tudo teriam para se Wansformar em prdésperas ¢ poderosas nagoes. i Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, t evidencia em janciro de 1999 que, desde 1989, final 41 Ty ee da guerra fria, houve cerca de sessenta conflitos ar- mados que causaram centenas de milhares de mortos e mais de dezesseis milhdes de refugiados. Ou seja, estamos na quarta guerra mundial nao declarada, assim como a terceira, que encerrou-se com o fim da | guerra fria. Ante as gravissimas dificuldades das nacdes hegemdnicas em questdes energéticas - © suas carén- cias em matérias-primas estratégicas -, ficam claras as conlingéncias que levaram 4 montagem da falsa simbologia monetaria, na suposi¢ao de que a moeda, por natureza - o que é falso - € sfmbolo automatico de todas as riquezas. Trata-se, na realidade, de uma simbologia esquizofrénica, distante da realidade con- creta. Na auséncia de patrim6nios naturais estratégi- cos préprios, foi criada essa fraudulenta forma de simbolizar a riqueza que possibilita apoderar-se do alheio, a troco de nada! Esse é o instrumental usado na subjugacao de Estados nacionais, responsaveis le- gitimos pelo controle desses patriménios essenciais. Daf o crime das “privatizaces” - na realidade, inter- nacionalizagao - das nossas empresas estratégicas de economia mista, guardias desses patriménios. O Bra- sil €, pois, a mais eloquente vitima desse processo que designamos de Novo Colonialismo, mais cruel que o que criou as tradicionais colénias. Com o indiscutivel declinio de uso dos com- bustiveis fésseis e a escassez de matérias-primas es- tratégicas, surge assim 0 tenebroso espectro do Novo Colonialismo para subjugar as nagdes em cujos terri- (Grios situam-se portentosos patriménios naturais. 42 a — BRASIL c™uzacio A E o peso da natureza na estrutura da produ- cao e do poder, o fundamento concreto para uma possivel resisténcia 4 apocalipse que se aproxima, fruto dessa celerada politica neoliberal. Dessa resisténcia, podem ser extrafdos os elementos para a criagao de entes capazes de simbolizar com legitimidade a ver- dadeira riqueza, unico modo de salvar do descré e do colapso universal esse ente essencial as relacées de troca: a mocda. © caminho inverso, que parte de moeda especulativa, digital e volatil, para chegar a bens cruciais da natureza, como se faz hoje, sacrifica e escamoteia a realidade concreta, a base fisica do uni- verso. Isso forja a ignorancia e a ma-f¢ sobre o valor de elementos essenciais & produgao: a energia, a tecnologia - que da forma 4s estruturas de producao e poder - e as matérias-primas estratégicas Esse é 0 alimento da alienagao de dirigentes ignorantes, desconhecedores do espago e do tempo em que vivem, sobre o qual deformam a histéria dos ricos territérios nacionais que desgovernam, e lando-os por meio de falsa simbologia de uma pseudomoeda, de controle externo. E. preciso, portanto, voltar ao roteiro natural ¢ reconquistar a credibilidade deste ente complementar essencial As relacoes mundiais de troca. A atribuicao de valor ao que € concreto, faz essurgir a seriedade que € exigéncia bisica de qualquer simbolo respeitavel que, com legitimidade, represente o universo dos bens patrimoniais e de utilidade. Primeiro a energia, ¢ de- mais recursos naturais estratégicos, que baseiam, fazem ito “ace- 43 oe Po hee movimentar e transformam o mundo fisico e a vida; depois, os simbolos que, para ser legftimos, necessitam representar, simbolizar a realidade concreta do univer- so fisico e das relacdes sociais ¢ humanas. A desvinculacao da moeda do fluxo de mer- cadorias e servicos assusta e transforma os meios de trocas em instrumentos de acéo de miéfias especiali- zadas em derrubar moedas nacionais, em conluio com autoridades financeiras locais e internacionais. Deste modo, levaram & miséria milhdes de seres humanos, no México, na Indonésia, na Coréia do Sul e no Brasil. As plantations. O yaticinio de Kissinger. Ditadura financeira e débdcle nacional. Reservas naturais de alguns paises permitem superar as caréncias estratégicas dos hegeménicos, especialmente aquelas que resultam do ocaso dos com- bustiveis fésseis e da escassez de matérias-primas. A exaustao de minerais; a escassez de agua; a limitacao do patrim6nio genético; a auséncia de grandes ex- tensdes de terras agricultdveis e, sobretudo, a reduzi- da incidéncia solar representam graves entraves, embora possfveis de ser superados a partir dos tré- picos. Os mais industrializadas nao poderao manter os atuais niveis de consumo se lhes faltarem os recur- sos naturais essenciais, escassos ou inexistentes em seus territérios. Esses paises caminham para o declinio, a nao ser que venham a valer-se de patriménios es- tratégicos de nagdes que dispdem de elevado poten- cial de energia renovavel e limpa; abundancia de Agua; M4 ae ee

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