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BAPTISTA SIQUEIBA

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Docente Livre por concurso de títulos e provas da E. N. M.
da Universidade do Brasil

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Aprovada por unanimidade pelo 1.° Congresso Brasileiro de Folclóre


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RIO, 1951

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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
• www.etnolinguistica.org

BAPTISTA SIQUEIRA
'
Docente Livre por concurso de títulos e prqvas da E. N. M.
da Universidade do Brasil

Influência Ameríndia na
Música · Folclórica do Nordeste
Aprovada por unanimidade pelo 1.° Congresso Brasileiro de Folclóre

RIO, 1951


• p s ee 4 XX
Direitos reservados pata todos os Paísest da acôrdo com a Convenção de
Berna
• p s ee 4 XX
PARECER DO IlELATOR: IvIARIZA LIRJS...

/lntes de 'inais nada não é justo chamar-se a êsse trabalho de Baptista Si-
queira de tese) caberia com 111ais acerto denorniná-lo - 1\!I.onografia científica)
/10rq ue se trata) na realidade de urna observação eni tôrno de uni fato
cienlí.f ico.
Era, até então, ponto pacífico entre os fol cloristas que versaram o proble-
?t1a rnusica l) a negação da influêricia ameríndia em nossa miísica folclórica,
ln/vez porque não levassern em conta a vastidão do nosso país.
Baptista Si queira contesta essa afirmativa) e procura denionstrar, através
• de docinnentação paralelística, o influxo da 'inúsica a1neríndia na música jJO-
pular da região cha'i?J-ada por Euclides da Cunha de T apuiretama.
Do si1nples exrune dessa 111onograf ia percebe-se que seu autor procurou
jJrinzeiro observar nas tneloclias da 'região citada, certas particularidades dife-
rentes das que ocorreni em outras regiões do país. Experimentou) de várias
'i11aneiras) as linhas 'inelódicas desses cantos do povo) descobrindo riêles, final-
111en te, caracterlsticas gerais que não podia1n deixar de os tornar notórios.
Assi?n descoberto o caniinho) fez as análises e os confrontos à luz dos co-
nhccin1entos tecnicos 1nodernos.
J)essr1s j;esquisas resilltou o seguinte:
a) sisternatização de inte'rvalos ascendentes nas melodias) que devem pro-
cf'der por graus disjuntos, nornialrnente;
b) sisteniatização do abaixamento ou elipse da sensível nos dois modos;
e) alteração ascendente do 4.0 grau do modo maior ou seu correspondent e
G. 0 grau menor, nias) 'resolvendo sem rnodular.
De fato há u1n liniitado 11 úrnero de exe1nplos, mas não é a quantidade
que revela o fenôu1eno científico, rnas o fato de sua confirmação, quando su/J-
111etido à anâlise e compa1·ação.
O conjunto instrurnental que ilustra êste trabalho) tem bastante signifi-
cação) revela que ainda hoje, existeni nos sertões, descendentes tapuios fa-
zendo ?n úsica coni as rnes1nas caracterlsticas que nci1na foi observado .
Nã? é possível negar que a monografia de Baptista Siqu.eira vem abrir no
f olclóre 1nusical brasileiro urna insofisrnável polê1nica.
So1'nos da opini<io que a ?1'1onografia científica do JVIaestro Baptista Si-
queira seja aprovada, publicada e discutida por autoridades no assunto, pois)
1
re presenta na sva rstrutura, u1n te1na que deve ser pôs to ao alcance de espe-
cialistas e estudiosos a f i1n de debatê-lo exaustiva rnenle e dela tirar as con-
rlusões que tais estudos ·oenha11i permitir.
a) i\1Al~IZA LIRA
llio, 19 de julho de 195 1
• p s ee
Há algum tempo, lendo um opúsculo do professor João Bapt-ista Siqueira,
referente ao folclóre do nordeste brasileiro, verifiquei, nas várias lendas colhi·
das ali, à grande influência que poderia, tal livrinho de contos, ter, se viesse
acompanhado dos respectivos temas musicais.
Pedi, então, ao autor, que procurasse trabalhar num outro livro) dando-
nos alguns motivos musicais originários do seu rincão na.tal - a Paraíba.
Esta é a raz.ão da presente tese.
O autor} músico culto} livre·docente da Escola Nacional de Música, da
Universidade do Brasil} foi muito além do meu pedido. Apresentou um ver-
dadeiro libelo contra os que, por descuido ou preguiça de estudar a etmologia
dos povos do nordeste, afirmam que o nosso índio não teve nenhuma interfe-
rência nos seus costumes) índoles e caracteres.
Essa tese, aliás, foi apresentada no 1. ° Congresso Folclórico, realizado, êste
ano, no Brasil} e aprovada, malgrado o desg6sto de alguns despeitados, pela
comissão técnica, da qual era eu representante da Escola N . de Música.
Trata-se como se pode ver, de um estudo de real valor, com rico documen-
tário, que vern mais uma vez. acabar com a malquerença aos pobres indígenas.
O professor ] oão Baptista, além de expor as lendas, costumes populares}
etc., estuda muito a fundo, as escalas em que se baseiam tais melodias.
i' erifiea.-se que o entrelaçamento das várias raças, que povoaram aquelas
partes do Brasil, legou-nos um grande manancial para composições musicais de
vulto; buriladas com "ciência e arte") dar-n.os-ão obras padrões, necessárias
à música erudita brasileira.
A "Influência Ameríndia na Música Folclórica do Nordeste" é um trabalho
que deve ser publicado e divulgado.
Rio, 17 de novembro de 1951
ASSIS R E P UBLI CANO
• p s te

A JOAQUIM RIBEIRO
• p s te

"Eu ouvi, dizia Crítias, contar esta histórià pelo


meu avô, que a ouvira de Sólon, o célebre filósofo".

"Diálogo dii Timeu a Crítias"


Platão

L
• p s te

ALGUMAS PALAVRAS

Unia preocupação dominadora apoderou-se do nosso intuito) desde os pri-


11zeiros esboços da presente obra:
ser simples conio as nielodios pri11iit1:vas e claras com.o as idéias
que elas sugereni.
Certamente havenios de tropeçar nos 1nesnios obstáculos que encontrarani
outros cultores do folclóre retrospectivo.
Mas isto são deficiências inevitáveis) de ordem geral.
São defeitos que não se evitam j1orque estão vinculados às fontes reniotas
de onde dimanam .
É preciso esclarecer por outro lado) que não esteve eni nossas cogitações)
1

abranger o folclóre musical 1tordestino) e111 sua generalidade.


Tivemos o cuidado de liniitar a área geogrâfica de nossas pesquisas. às
regiões agrestes) onde a enia selvageni) resistindo às contingências dos gofjJes
aliJruptos) conio o próprio home1n) domina o solo incleniente. E o dra1na se
desenrola) ajJresentando seus personagens e conflitos:
O jesuita) corn suas rnissões) trocando cre1Zças) lransfonnando
vidas;
O carirí) indómito na resistência inútil da flecha contra o ba-
camarte;
O sertanista) queimando ocas) levantando estacas de currais.

Seguindo e?n linha rela) à convergência do plano d~ trabalho , divicli1noJ


a parte do f olclóre canipestre e11i ciclo leniático) a f i11i de lhe do ·r) con~ 1nais
facilidade, classificação adequada.
/\To enipenho de descobrir características evidentes nas melodias de nossas
recoitas, usaremos de paradigmas que irão norteando as análises e os confronlos.
Partire111os das niúsicas indlgenas ele várias procedências) un1a vez que as
princijJais etnias se estendiam eni várias latitudes do Brasil fJrecolo11ial.
"O estado atual dos estudos antropolâgicos dos diversos grupos anieríHdios,
dc111onstra a coexistência de diversos tipos se111 11enhu11ia Ugação de parentesco".
Acreditamos que nas 1nelodias se de1.1e1n encontrar certos aspectos que j>os-
sibib:tem aqu1:Zatar até que ponto a 11i1í.sica do selvagern, contribuiu para a for-
rnação dos cantos da zona sertaneja) que) pela sua originalidade) se destacara ni
das de1nais regiões do B rasil.
Procurarenios) a seguir, encontrar jJontos de incidências angulares) entre
a 1nelodia aborígene e a do sertanejo nordestino) usando) para isso) princif;ios
técnicos de arte.


INTRODUÇÃO

.. As obras de contribuição ao folclóre, que ne1n esta, podem aparecer na


singeleza de sua forma, sem necessidade de apresentação retumb ante, espécie
de fogo de artifício, ou anúncio luminoso, em que a inteligência ensaiasse com-
petir com a pureza das tradições.
O cabedal oferecido pelo intelécto, que é também precioso, não deve apa-
recer como ornamentação dos problemas de recolta, quer sejam étnicos, socio-
lógicos, psicológicos ou estéticos. Deve, ao invés, confundir-se em verdadeira
"amálgama", com êsses elementos, ordenando-os em ciclos temáticos de inte-
résse cultural.
Em troca do polimento superficial que pressupõe trabalho mecânico, i
preferível deixar que surjam as sutilezas das tradições onde a espontaneidade)
a ingenuidade mesmo, das coisas, esboçam novas formas de beleza.
Talvez tenhamos de penetrar fundo, nos 1neandros de evocações do pas-
sado, que firam) de leve, idealizações anímicas. Tal é o caso da. langura dos
aboios. Porém, essa indulgência é da alma humana, que interfere . sempre que
pode, nos problemas de natureza étnica.
Não dizemos, coni isso, coisa nova) nem precisa1nos buscar comp1ovações
outras, que não a lira popular de todos os tempos e de todos os povos, se rnani-
festando espontaneamente. A criginalidade das idéias felizes, o encanto das
imagens surgidas de um assunto trivial, a sutileza, enfim, do pensamento, tudo
per/eitamente acabado em seu natural, é obra de arte pura e sadia. Criando
raízes, elas se vão alastrando mais e mais, tornndo-se indefinidas, longínquas . . .
até que um dia ressurgem aqui e ali, brotando, cristalinas na alma do povo . . .
distinguindo nações.
É curioso notar que, justamente na inspiração, na sensibilidade do homem
rude dos · rincões mais afastados das civilizações, é onde a gente vai encontrar
a.s mais raras preciosidades, envoltas no anonimato.
Cantos de uma simplicidade encantadora) guardados, anos a fio na 1ne·
mória de um indivíduo sem instrução, de um caboclo rude mes1no, de>!Jois de
coligidos têm a perfeição lapidar dos cristais sem jaça.
E, tal a flor silvestre em seu pedúnculo, não desaparece ao cair da última
pétala da corola, porque fecunda além, outra flor, igualmente selvagem.
Assim, a tradição popular.
Desconhecendo os lustres culturais, o caboclo vai repetindo o canto de seus
antepassados, sem lhe emprestar colaboração alguma. Destarte êles se perpe-
tuani nas gerações vindouras, aco1n panhando as cadências seculares dos
seus ritos.
Esses processos, assini morosas ern sua penetração, mas atraentes em sua
beleza sutil, são como as árvores dos desertos, que ar1naze11ani seiva nas raízes.
.1!.clzanzos lugar aqui para duas divagações que tanto nos Lêni encantado n1as
que teiniam e?n nos iludir:

a) Nas nielodias trad icionais coligidas na zona p.a<~toril do


nordeste_, de fundo orientalista evidente_, há contribuição
autóctone?
b) Esse orientalisnio teria surgido no período colonial_, ou seria
jJatriniônio de algum povo elo co11tinente que neni o Ge (1 ),
o Tupi_, o Carirí e7n seus cruzanientos?

Se11do afirmativa n primeira indagação, seria1n responsáveis pelas estra·


11/zas n1elodias, ou os Tapuias_, ou os Carirís, que guardava1n os tesouros da
raça, na men1ória de seus filhos.
Nos cruzanicn los sucessivos com os europf'us, restos d ·;sses a[:.n·ígenes forr.111.
t-;·ans1nitindo aos 1r1an1elucos e curibocas seus descendentes, os cantos 11zf.gicos
ou guerreiros de suas tribus.
Eu clides da Cunha) eni "Os Sertões", nos aninza a assirn ~be11sar:

"Sern idéia algu11ia p1 econcebida, pode-se afir1nar que a


extinção do indígena no norte, pro1 eio, segundo Varnagl1en,
1

mais, eni virtude de cruza111entos sucessivos, que de 1.1erdadeiro


extermínio".

E adiante afirnia:

"Não sofismanios a história. Causas muito enérgicas deter-


mina,am o insulamento e conservação do autóctone.

IJ esla quen10-las:

l'orani, prinieiro, as gra ndes ronceções de sesmarias, def inidu-


ras da feição mais durável do nosso f eu.dalismo tacanho.
Os possuidores do solo) de que são 1nodelos clássicos os herdf.'iros
de Antônio Guedes de Britto) erani ciosos dos dilatados latif ún-
--------
(1) ·- O mesmo que Tapuia.

16
dias, se1n raias, avassalando a terra. A custo tolera!·am a inter-
venção da própria metrópole.
A carta régia de 7 de fevereiro de 1701 foi, depois, uma me-
dida supletiva dêsse insulamento. Proibira, culminando severas
penas aos infratores, quaisquer comunicações daquela parte dos
sertões com o sul, co1n as rninas de S. Paulo.
Nem mesmo as relações cornerciais foram toleradas_; inte'-,,ditris
às mais simples trocas de produtos.
A flora agressiva, o clinia inipiedoso, as sêcas periódicas, o
solo esteril, crespo de serranias, desnudas, insulado entre os esplen-
dores do majestoso araxá, (lugar de onde se avista, P'rirneiro, o sol)
do centro do planalto e as grandes matas, que acompanham e or-
lam a curvatura das costas. Esta região ingrata para a qual o
próprio tupi tinha um têrmo sugestivo - para-pora-iema (lugar
esteril) remanescente ainda nurna das serranias que a fecham pelo
levante (Borburema) foi o asilo do tapuia (1). B atidos pelo por-
tuguês,, pelo negro e pelo tupi, coligados, refluindo, ante o nú-

mero, os indômitos Carirfs encontraram proteção singular naque-
le cólo duro da terra, escalavrado pelas tormentas, endurado pela
ossamenta rígida das pedras, ressequido pelas soalheiras, esvllr-
mando espinheirais e caatingas.
Ali se amorteciam, caindo no vácuo das chapadas, onde, adf·
mais, nenhuns indícios se mostravani dos niinérios a1Jetecidos. os
L

arremessos das bandeiras.


A tapuiretama misteriosa, ataviara-se para o estoicism,o do
, .
niisszonarzo . ..
As bandeiras que a alcançavam, decampavam logo, seguindo,
rápidas, fugindo, buscando outras paragens.
É natural que, grandes populações sertanejas, de par com as
que se constituíram no médio S. Francisco, se formassem ali, com
a dosagem preponderante do sangue tapuia".
A verdade e profundeza dessas infarmações detalhadas, de maneira tal, a
não deixar subterfúgios_, justifica a estirada da citação.
A ser afirmativa, a questão proposta em segundo lugar, seria preciso ad-
mitir duas hipóteses pouco prováveis:
A primeira, a mais atrevida, seria a de que no nieio dos ele-
mentos degredados tivesse vindo alguns elementos asiáticos_. supo.5-
tamente aprisionados pelos portuguêses nas bandas orientais, ou

mes1no nas guerras mouras.

(1) - "Os tupis são mais bronzeados do que os t.apuias" - Oliveira Viann a -
"Evoluç~o do Povo Brasileiro". ,.

17
••

Sílvio Roniero, em "Cantos Populares do B rasil" cons:gna dois temas rnou.-


ros recolhidos, um, em Pernam buco e oittro, no Ceará. E Gustavo Barroso 1•11i
"Ao Som da Viola" insere o auto do "R ei dos J1'1ouros") no Cl:czo de Natal.
Uni outro fato nos cha1na a atenção para ésse ponto:
De on de proveio, no nordeste, a tradicional buchada de carneiro que é
urna ahn1entação usada na Síria?
Os aboios dos vaqueiros, lernbrani a orige111 rernota d e cantos árabes.
Esclarecer convenienteniente êsse assunto, é matéria difícil, senão, impos-
sível. Negar a hipótese, é cómodo, é plausível.
Guilherme de Melo em "A 111.úsica no B rasil" diz textualrnent c :

"O que são os nossos aboiares senão uma assiniilação elas


zombras e dos hudas cantados pelos tropeiros drabes?"
Buscamos a verdade histórica das tradições, porque sabemos que elas for·
1na1n o pedestal dos monumentos sociais.
A últi1na hipótese constitue outra incógnita.
Nela o elemento formador da raça perfeitamente constituída, hoje en . di.a ,
nos rincões sertanejos, seria, de um lado, o tupi d o1nesticado no sul, cru1andn
com a mulher tapuia ou carirí das tribus devastadas; de outro, o mameluco do
niédio São Francisco miscegenarido-se ao curiboca vindo do centro do país.
Não temos, porém, o p ropósito de levantar polérnicas inúteis. As conjectu-
ras formuladas) visam mais a procura da verdade histórica, que sustentaria
rnelhor as bases do nacionalismo musical - questão da 1nais alta relevância
no panorama da música contemporânea; e as 1nelodias do folclóre nurdestino
_r;e vêm elabórando no seio do povo, através d e três séculos e meio) conservando
intáctas) linhas que convergem em, direção polar para um á'ngulo co1num, onde
surgem, e1n foco, deixando as perspectivas d e f urido e forma rle sugestões ·n ovas
e atraentes.
Mas, se as sociedades não vivem sem a história, a arte morreria sem ela.
Sabemos, no entanto, que as indagações que formulamos têm o fulgor que
as mariposas vêm nas chamas das candeias, - quando atraídas queimam as
asas q ue é o melhor de sua vida.
O fo totropismo não se opera com a lâmpada de R oentgen (R aio X), onde
a penetração dos raios supera a luz; assim, a inteligência do sábio, a quem dei-
xamos as questões aqui propostas.

18
1

I - A SUPOSTA CONTRIBUIÇÃO JESUfTICA


-

Nosse pon to, desejamos recorrer constantemente à documentação


coeva, a fim de n1anter o assunto e m nível que se eleve na direção da
imparcialidade.
Consigna Euclides da Cunha, em "O! Sertões", que a influ~ncia dos
padres jesuítas, no nordeste, foi a té certo ponto benéfica.
Mantinham êles, desde a Bahia até o Maranhão, inteiro contrôle dos
selvícolas. Freiaram todos os desmandos dos conquistadores que, no sul
(principalmente em Minas, com as bandeiras), liquidavam impiedosarr1ente
os selvagens. O trabalho dos catequistas se a lastrou nos vários setores,
mas teve mão firme no domínio do curt1mi (criança índia). Por interméciio
ào filho, fàcilmente conquistavam os pais.
O indiozinho, ao voltar à taba, era ao mesmo tempo aliado e mensa-
geiro das missões.
Assim, o jest1Íta conseguiu salvar a pele de muitos índios taptlias e
carirís, do trabuco dos bandeirantes, salvando, assim, algumas de s'...:as
tradições.
~

A penetração catequista, visava, de preferência, o gentio tapuia adora-


dor dos astros e diabolatra.
Diz Pereira da Costa, citando o jesuíta Simão de Vasconcelos:

"Entre os nossos índios que tinham grande canalha de fei-


ticeiros, agoureiros, bruxos e curandeiros, na frase de Simões de
Vasconcelos e, principalmente os Tapuias, que além de não
conhecerem a Deus, criam inv isivelmente no diabo (Juru~ari,
Anhangá), sob aspéctos ridículos, era tôda essa gente, (feiti-
ceiros), estimada e venerada, que, em qualquer parte que apa-
reciam, faziam-lhe grandes festas, danças e bailes".
l

É igualmente da obra "Folclóre Pernambucano" de Pereira da Costa o


trecho seguinte:
"Eram vários e ridículos os modos de dar os seus oráculos e adivinhar
o futuro, e como que endemoniados, revelavam o que lhes vinha à bôca,
com o cérebro exaltado, ou pelo efeito do tabaco ou pelas libações d e em-

21
briagante netar fabricado de fôlhas de jurerna, a uns ameaçando de morte,
a outros, de bôas e más venturas, no que, tudo, firmemente, acreditava tôda
a gente, como revelação de algum profeta, ou ditame de alguma divindade".
Era a liturgia da jurema, de funestos efeitos nas mãos dos mamelucos
da Pedra Bonita.
O trabalho da poderosa Companhia de Jesus, ficou, no entanto, apenas
iniciado, em virtude da interferência oportuna da Metrópole, pela voz do
Marquês de Pombal.
O Brasil ga11hou com isso duplamente: os padres jesuítas haviam ani-
. quilado o poder destruidor das bandeiras vindas do sul, agora, Pombal sal-
vava do desaparecimento, alguns restos das tradições aborígenes.
"'
Gilberto Freire em "Casa Grande e Senzala" é de opinião que a in-
fluência jesuítica foi perniciosa.
Damos abaixo o trecho que Estevão Pinto inseriu, dês se çrutor, em sua
obra "Os Indígenas do Nordeste".

"O regime das missões era de "puro internato de colégio


de padres, uniforme, rígido, desagregador, sedentário, capaz de
destruir tudo o que no selvícula era "alegria animal", frescura,
espontaneidade, ânimo combativo, potencial de cultura".

Nesse ponto, uma interrogação importuna se impõe:


Qual a importância dêsse documentário histórico sôbre o jesuitismo no
nordeste?
t que o canto gregoriano dos padres jesuítas tern sido acusado de
haver penetrado nas tabas dos gentios. Isso é coisa muito difícil de ser
provada ou negada categoricamente.
Que falem os documentos de conteúdo histórico:

"Os jesuítas, que exploravam hàbilmente o prestígio dos


milagres, aproveitavam todos os recursos para que êsses efei-
tos dramáticos produzissem profunda impressão.
Todos êsses autos eram intermeados por cantos e toques de
instrumentos à maneira dos Mistérios e Moralidades, executados
nas igrejas européias, durante os séculos XVI e XVII; e repre-
sentam, entre nós, não só a criação do primeiro teatro nacional,
mais ainda a primeira exibição da arte musical brasileira, ba-
seada no sistema diatônico (tonal) e cromático dos povos cultos".
Guilherme de Melo assim fala em "A Música no Brasil" dentro d os fun-
damentos mais convincentes.
E, adiante; na mesma obra, diz:.

22
"Além de Anchieta, Navarro e Alvaro Lobo foram tarnbém
instituidores e propagadores da escala tonal e diatônica de sete
graus, na Bahia, Fr. Euzébio de Matos, irmão do célebre re-
pentista e exímio trovador Gregório de Matos; Fr. Antão de San-
ta Elias e Fr. Francisco Xavier de Santa Tereza, que foram ex-
'
celentes músicos e ótimos organistas, os quais concorreram com
os seus vastos conhecimentos para o desenvolvimento do en-
sino da música nos tempos coloniais".

Têm essas afirmações categóricas e oportunas, inteiro apôio na história


da música religiosa do século XVI, que obedecia a orientação superior de
Palestrina, propugnador do sistema tonal moderno.
Não há negar que o papel do catequista na música, era evidentemente
de sentido diatônico e também instrumental.
Tanto isso é verdade que a música diatônica veio a predominar justa-
mente onde os jesuítas possuíam suas maiores escolas que ficavam na faixa
litorânea.
Aqui não queremos perder a oportunidade de lembrar que, no nordeste,
há duas espécies de melodias perfeitamente sistematizadas, que evoluiram
no seio do povo:

l.ª - A de origem negra, de acentuação sincopada, que


evoluiu do litoral para os canaviais próximos da costa; tem ca-
ráter modulante e emprega abusivamente a bateria nos a:en·
tos rítmicos.
2.ª - A de origem ameríndia, unitônicc.c, isto é, não ·:no-
dulante.

É justamente nesse aspecto de música modulante e música unitônica,


que encontramos polos diferenciais entre a música européia e a nordestina.
O canto europeu se enriquece procurando o embelezamento das IT!O-
dulações. Isto se observa, não apenas no diatonismo clássico, mas, no pró ·
prio modalismo dual - profano religioso.
A melodia nordestina do alto sertão, tem por base ':l variedade iJ.:iUô-
nica, isto é, não modula, embora empregue alterações de graus que pode-
riam sugerir modulações.
Os nordestinos, a despeito de não conhecerem o fenômeno da harmo·
nia cromática, empregom as suas alterações sem modular.
Essas conclusões não se podem classificar de apressadas, pois encon-
tram apôio nas ilustrações musicais que adiante empregaremos.
Fica ent~ndido que a música de características negras se alastrou de
sul a norte do país percorrendo as vastas regiões do litoral. Os instrumen-

23
ª i


tos de percussão em acentos sincopados dão os primeiros passos no ce~ário
da senzalas.
O meio social dos engenhos, favoreceu de maneira considerável o de-
senvolvimento da música afro-brasileira, pois os senhores feudais considera-
vam os cantos como maneira de distração dos negros escravos.
A música ameríndia ficou insulada, como o próprio caboclo, nas
áreas povoadas dos currais, progredindo lentamente com as classes ru-
rais (pastorís).

24
ll - DOCUMENTARIO AMERíNDIO

'
As controvérsias dos autores, nesse particular, são de maneira flagrante
Luciano Gallett, nega que possa haver influência ameríndia na músicC!
brasileira; e Renato Almeida, em "História da Música Brasile:ra" o acom-
panha, dizendo textualmente ao encerrar capítulo a êsse respeito:

"Não acredito ·q ue venha, algum dia, a influir no caráter


da música brasileira".

Porém como se trata aqui de um estudo folclórico em área geográfica


delimitada, é possível acreditar que um raio de luz possa incidir nos pontos
obscurecidos.
Recorramos, de início, às fontes históricas que falam linguagem convin-
cente, nesse trecho bastante citado, d o padre jesuíta Fernão Cardim:

"São muito estimados entre êles os cantores1 assim homens,


como mulheres, em tanto que se tomam um contrário bom can-
tor e inventor de trovas, por isso lhe dão a vida e não no
comem nem os filhos".

O padre Gabriel Soares, em seu "Roteiro do Brasil", diz o seguinte, sô-


bre a musicalidade dos índios:

"São hávidos êstes Tamoios, por grandes músicos e baila-


dores entre todo o gentio os quais são grandes componedores
de cantigas de improviso; pelo que são muito estimados do
gentio, por onde quer que vão"'.

Do "Folclóre Pernambuco" de Pereira da Costa são os seguintes tr9':'hos:

"Os Tapuias da serra da Ibiapaba festejam a elevação das


constelações com dansas e cânticos, porque as reputam divin-
dades''.

27
E, adiante:

"Os nossos índios (como os descrevem os escritores qui-


nhentistas que se ocupavam dos seus usos, costumes e viver
íntimo na época inicial da colonização do país), eram grandes
bailadores, em cujos exercícios se adestravam desde pequeni·
nos, ensinando-lhes os próprios pais a dansar e cantar.
"As mulheres bailavarn também, a sós ou conjuntamente
com os homens e faziam com os braços e corpo, grandes gati-
monhas e mornos, principalmente quando bailavam sós. Guar-
davam e ntre si diferença de vozes em consonância, e, de or-
dinário, levavam os triples, contraltos e tenores.
"A dansa guerreira do selvagem, ao som de cantos patrió-
ticos, era solene e excitadora à vingança d os brios ofendidos;
e , no ato do sacrifício de seus prisioneiros de guerra, figurava
uma plêiade de ninfas, que respondia, em côro, a um canto
apropriado à solenidade, tirado por uma velha muito versada
nisto e mestra de côro.
"Ao lançar-se a corda ao pescoço da vítima, diziam uns
versos d o canto:

" Nós somos aquêles


que fazem estirar
, ,,
o pescoço ao passaro•••

E cantavam noutro pé:


"Se tu foras papag aio
voando nos fuqiras" .

E: a descrição de uma cêna de matança!


'Nesses suplícios dos prisioneiros, entoavam, também , os íri.-
dios, uns cantos comemorativos das guerras antigas da nação".

Tôda a documentação recolhida por Pereira da Costa, que se refere aos


índios, principalmente aos Tapuias, falam de seu interêsse admirável pela
música. Foi, aliás, conhecendo êsse assunto, que os jesuítas empregaram
na catequese a motivação da dansa e do canto intermeando seus autos
re ligiosos.
Os poetas e repentistas que se exprimiam car..tando, tinham passa<Jem
livre nas ta bas e ocas e nenhuma flexa traicceira seria atirada nos Piaqas
~

e Nl1engaçaras, como eram conhecidos, porque a música dêles era tabú.

28
Informam os escritores coevos, que todos os atos sociais das tribus ta-
p u i:::rs eram re alizados ao som de músicas dansadas.
A documentação de valor musical é, infelizmenta, de u.1.na insignificân-
cia aberrante. O povo que nos soube garantir pcrtrimôn]') tão vasto de
terra, era mais afeito ao comércio que à cultura.
Por sorte nossa, aportou ao Brasil um Jean Lery, que, tendo embora
pequeno contacto com nossos indígenas, visto que acompanhava a expec.h-
ção francesa de Villegaignon, nos legou dois exemplares autênticos de can-
to tupi:

Canide Iune e Hé! hsura! hua ouechl


n .0 1 - Canide !une (Pássaro Azul)
Moderato expressivo
' .
fo) e

Observações:
a) Intervalos disjuntos no movin1ento ascendente;
b) Repetição, até três vêzes, do mesmo som;
e) Intervalo conjunto, descende11te predominante;
d) Quadratura rítmica perfeita.

Iié h eural h ua ouechl


(Palavras cabalísticas de um sabath indígena ouvidas por Jean Lery
na casa das mulheres)

Observações:

a) Sentido descendente da linha melódica;


b) Som repetido duas vêzGs;
• e) Quadratura perfeita.

Nota:
Os exemplos musicais, que aqui incluimos, estão insertos em "A Mú-
sica no Brasil", de Guilherme de Melo, em notação antiga, tendo sido por

29
nós modernizada. Coincidem com os da edição francêsa de 1611.
Vejamos agora a contribuição preciosa de J. B. Spix e Martius em "Bre-
silianische Volkslieder Indianische Melodien, pertencente à Biblioteca Na-
cional (Seção de Obras raras).

Canto de bebida dos índios coroados

\.,


b

p
Observações:

a) Sentido descendenfei
b) Graus disjuntos no plano ascendente;
e) Repetição de som até três vêzes;
d) Repetições expressivas substituindo a quadratura.

Queremos chamar a atenção para um fato da mais alta relevância.


Trata-se do emprêgo dos acentos dinâmicos reveladores do sentido expres-
sivo do trecho, que se encontram nos originais (f - forte; ff - fortíssimo
e < > que significa: crescer e decrescer).
Ora, é sabido que somente um espírito adiantado em ma téria de arte,
é capaz de procurar exprimir o que se afigura pertencente à sensibilidade.
Não sabemos, no entanto, se essa expressão é obra do etnógrafo.
:t:sse tema aparece em "Pequena História da Música" de Mário de An-
drade, sem os acidentes da armadura da clave, constituindo grave prejuízo
de sentido artístico.
É que, no modo menor, como é o caso do tema em aprêço, a nota mi
que aparece com um bequadro (q) é alteração ascendente do 6. 0 grau da
escala menor, fato ocorrente na música nordestina.

30
Daremos, a seguir, outro trecho dos mesmos autores que, no original,
também está no tom de sol menor.
"Tanze der Purís"

Maestoso qrave

a)

p
• • •

Tanto o fundo como a forma dêsse período inusical, fogem ao conteúdo


da linha melódíca do alto sertão. Nela aparecem:

a) Síncopas;
b) Sons repetidos até quatro vêzes;
e) Modulação ao relativo;
d) Incisos e membros de frase assimétricos.

Da mesma coleção, é o número que vai a seguir: (Melodia tão perfeita e


bem trabalhada que honraria qualquer génio da atualidade que a pudesse
subscrever).
Pode dizer-se, que nela, os processos de composição temática, mais mo-
dernos, foram esquecidos.

Do motivo principal
...
surge por imitação e ampliação, a ídéia geral em todo o seu explendor.

Parece tratar-se de uma marcha fúnebre tal a imponência de sua


apresentação:

31
Grave Moderato

>

O que estamos procurando nessa análise, através dos poucos exem-


plares de música aborígene não é, precisamente, a sua originalidade, mas,
o que êles possam oferecer de semelhante à melódica ocorrente no5 vastos
sertões do nordeste. Recorremos à Rondonia de Roquette-Pinto.

Te irú - tndioa Parecís

b)

Observações:

a) Som repetido até três vêzes;


b) Irregularida de no plano ascendente;
c) Termina pela repetição . . esteriotipacla da tônica;
d) Frase quadrada.

O segundo trecho escolhido na mesma obra, é quase uma variante do


primeiro e pertence, também, aos índios Parecís. Aqui vai, apenas, o mo-
tivo principal:

32
Fonograma 14 . 594 e 14. 595
(índios Parecís)

o) f

Observações:

a) Melodia de sentido descendente;


b) Intervalo de 3.ª inferior entre a tônica e o 6.0 grau da escala no
final da idéia;
e) Quadratura rítmica perfeita;

Mais uma vez usaremos aqui o processo de focalização da idéla prln·


cipal. contida na estrutura temática, buscando a explicação de certas ana·
logias entre a música do selvícola e a do sertanejo do nordeste.
Eis o motivo principal do fonograma 14. 596 da Rondonia da P cquette
Pinto:

ModMato

e . . . . .. . ~ ..

.. ...... ---- --

Observações:
J

a) Intervalos disjuntos no plano ascendente;


b) Repetição, do mesmo som, até três vêzes;
c) Melodia de sentido descendente.

Encontra-se na mesma obra outro fonograma dos índios Parecís, cuja


semelhança, com a música do alto sertão, é flagrante. Apenas, a arma-
dura da clave do original, não está de acôrdo com o sentido tona l. Deveria
ser no tom de mi maior com a sensível aba ixada, como vamos apresentar.
No entanto as notas não se modificam, permanecendo como foram ouvidas:

33
Fonograma 14 . 602

(índios Pdrecís)
I

·b

e) •.


---

.-.

Observações: '

a) Intervalo disjunto no plano ascendente;


b) Som repetido até três vêzes;
c) Abaixamento da sensível.

Apesar de limitada, a documentação de origem amerÍ11dia tem valor


inestimável na pesquisa que estamos empreendendo. Os documentos de
recolta mais recente, não nos impressionaram, porque necessitamos de es·
pécimens de origem aborígene sem ínfluência alguma da civilização.

34 '
m- ENTRADAS SERTANISTAS

(
A penetração dos altos sertões do .n ordeste se operou por dois cami-
nhos principais:
As bandeiras vindas do sul, que se foram postar à margem do Piauí;
As entradas que, vindas do oriente, iriam dominar, porque acompanha-
varn a marcha do sol levante.
Façamos um retrospecto histórico dos fatos mais importantes, começ1.:c.1-
do por Oliveira Viana em "Evolução do Povo Brasileiro":

"Cristovam de Barros, em 1590, conquistando Sergipe, abre


• caminho à vanguarda dos povoadores baianos .
tstes, libertos da pressão dos selvagens, chegam ràpida
mente ao grande rio, (S. Francisco), em cujas margens batem
as vagas colonizadoras dos criadores vindos de Pernambuco.
Das terras de Garcia d'Avila, é que saem Domingos Sertão e
Domingo Jorge Velho, com os seus poderosos exércitos de m:x-
melucos e índios domesticados, para a conquista do Piancó, do
Maranhão e da banda ocidental do Rio Grande do Norte, do:
Paraíba e do Ceará. Deixando o S. Francisco no ponto em que
êle faz sua máxima inflexão para o sul, e seguindo pela margeru
setentrional, galgam a serra dos Dois'
Irmãos, que separa e
Piauí de Pernambuco.
Conquistam, pela fôrça das armas aos ferozes "pimentei-
ras", as imensas planícies piauienses. Tangem à frente das
tropas, os seus rebanhos de gado grosso fundando inúmeras
fazendas na zona conquistada.
Transpondo a Borburema e Araripe, penetram a zona fértil
dos Carirís levando seu gado e seus m.arnelucos às regiões do
alto sertão cearense".

Quanto à penetração das entradas vindas da bonda oriental, damos a


palavra ao mesmo autor:

"Os colonizadores do norte, menos aguerridos do que êsses


colonizadores do sul, recorrem a êstes, quando é preciso abrir

37
caminho através das tribus bravias que infestam os altos ser·
tões do S. Francisco, do Itapicurú, do Piranhas, do Parnaíba e
das chapadas da Borborema.
Os colonos brancos têm de fazer caminho através da massa
belicosa dos "caetés" dos "potiguaras", dos "tupinambás" e
dos "aimorés" que barram pelo litoral a entrada dos sertões,
em Pernambuco, na Bahia, em Sergipe, nas Alagoas, no Rio
Grande do Norte, na Paraíba, no Ceará, no Piauí e no Mara-
nhão. No interior, encontram pela frente, a feroci~ade irresis-
tível das grandes tribus "carirí" que defendem palmo a palrr10,
os rincões agrestes contra a invasão dos novos conquistadores".

:t: possível admitir que a maioria dos homens tenha caído na luta, porém,
o mesmo não deve ter sucedido com as mulheres e crianças.
Conquistados os campos, surgiam os currais, onde um vaqueiro, no
geral, um índio domesticado, ou um mameluco, ficava no rancho improvisado.
Isso foi resolvido porque os dominadores reconheceram que a zona não
era agrícola. Grande número de poovadores foi levado do médio S. Fran-
cisco para essa eventualidade.
A ereção de um curral era coisa de pouca monta. Dí-lo à documenta-
ção coeva. Por isso, êles ficaram em grande número, dando motivo aos
pontos de apôio das entradas vindas do litoral.
O que se consegue apurar de tudo isto, é que os vaqueiros, (índios do·
mesticados no sul, ou seus descendentes, os mamelucos), são os principais
elementos povoadores do sertão nordestino.
Eram os agentes diretos dos grandes latifundiários que os escravisavam,
baseandc-se na fôrça e na ignorância. O elemento ne';íro mais a prcprlado
à lavo"0ra, foi deixado no litoral, na zorla cgrícola (1). J6 nê:c havir.l !:lil"'a3
nos sPrtões a ex}:'lorar.
Domingo Jorge Velho ·liquidou a penetração do africano para o inte-
rior, quando deu o tiro de graça nos "Palmares".
Gustavo Barróso, no seu interessante livro "Ao Som da Viola", àiz tex-
tualmer.te, referindo-se às entradas dos sert~es:

"Infelizmente não houve quem recolhesse tôdas as histórias


e versos relativos às primeiras mistiçagens com o índio. Elas
perderam-se, já, na memória dos sertões e será quase impos-
sível determinar, hoje em dia, os primeiros limites dêsse ciclo
admirável".

(1) Vide Boletim comemorativo da Exposição Nacional de 1908, página 83, citado
por Oliveira Viana.

38
Barbosa Rodrigues, descobriu no meio dos selvívolas um Upo de poesia
/

que Mário de Andrade qualifica de brasileira, "cuja forma se caracteriza por


seguir a cada verso da estrofe, um refrão curto".
Nossa contribuição nesse momento é a apresentação de um "côco" de
época remota, pois D. Maria Lima Siqueira o ouviu de sua mãe no fim do
século passado:

Côco Paraná
(versão do interior pernambucanoJ

Chuva! chuveu!
Paraná!
As goteiras me molhan,:l·::> ...
Paraná! •

Tá chuvendo tá relampiando
Paraná!
As goteiras me molhando
Paraná! •

!:ste é um assunto da aclimatação do europeu no meio nordestino onde


a sêca é uma ameaça constante.

Côco Paraná ''

,
Chu-va Chu -veu Pa-ra- na 'º -tei-ras me

t
,
mo -lhan-do •••.. Pa-ra - na ta chu-vondo ta re-la.m-pe ~ an•

•••• do -ra-ná As 'º - tei- ras mo mo -Jhando Pa-ra-na


O estilo dos versos é indígena, porém, essa é a única contribuição do
meio, visto que a música está construída no sistQma tonal moderno. Não é
de admirar isso, porque os "côcos" estão impregnados dessa influência eu-

39
ropéia (1). A origem dêles parece ser a do litoral, onde o fruto do mesmo
nome se produz abundantemente.
Inversamente há canções cuja música é de inspiração ameríndia e os
versos demonstram certa cultura de seus autores:
Pulga maldita
Levada do cão (diabo)
Mordeu no meu peito
Foi no coração.,·

...
hl-ga aa1 - d.1 -'ta le-va- do "e&o" cr-deu no m9u

.foi ao co - ra - ção.
(~ste tema está registrado e pertence à série brasileira).
Dois importantes motivos nos levaram a incluir, neste capítulo, o "côco
Cajueiro".
O primeiro é que êle fala justamente de uma árvore frutífera que era
cultivada pelos Gês ou Tapuias.
O segundo é o de ser o "côco" uma dança evidentemente de origem
ameríndia, embora remota.
Neste caso particularíssimo, o verso do côro é repetido corno erc cos-
tume no canto selvagem, que usava abusivamente um mesmo vocábulo de-
pois da apresentação de cada verso:
Cajueiro o Norte (1) abalou . ..
Cajueiro o Norte abalou ...
Versos:
Quem roubou meu carneiro
Dêste chiqueiro
Por fav·or me diga onde demora
Quero dêle fazê uma "buchada"
Carne dêle tá muito aperriada
Assim mesmo ainda como ela
Inda falta comprá uma panela
Aguardente de cana "imaculada''

(1) L. C. Cascudo - "Vaqueiros e Cantadores", pág. 121.


(1) Norte - Vento.

40
(versão musical do interior pernambucano)

Paradigma: a) ausência do 7. 0 grau; b) tendência descendente; c) grat1s


disjuntos no plano ascendente; d) quadratura perfeita.

41


IV - FOLCLORE CAMPESTRE

43

J
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

a) Ciclo do vaqueiro

"O meu boi era de ouro


Suas pontas de marfim
Por apelido o chamavam
Boio preto surubim ... "

. . . ... - ._ . . •.
"' • - - "' "' o a o - -- "º • j - "' -

ABOIOS

Conhecemos no sertão do nordeste duas espécies de aboios:

uma de .curral,
outra de despedida.

Na primeira, o vaqueiro chama o gado retardatário que coleia mansa-


mente na quebrada distante.
É, aboio, de efeito comunicativo praticado na porteira do curral.

- t: vaca mansa bonita!


.p; -
L l"O - "I... .
O

O segundo é o canto de despedida do vaqueiro: (triste como se fôsse


para nunca mais voltar) a seus campos, à sua gente.
Q uando o aboio termina, a tristeza se comunica à boiada e ouvem-se
mugidos também dolentes. . . Tudo é agora nostalgia, como se o gado adivi-
nhasse que a vida bôa terminou alí .. .
Na estrada poeirenta o vaqueiro escourado vai desfiando seus lamen-
tos. . . em aboios sucessivos que são muitas vêzes improvisados ...

ABOIO DE CURRAL
(Recolhido no sertão paraibano)

O vaqueiro trepado no moirão da porteira, coloca os dedos mínimos


nos ouvidos e solta, a plenos pulmões, o canto do aboío, que, de Cfuebradcr
em quebrada se vai repetindo seguidamente.

Ê. . . va ... ca mansa bonita! - 14 --


f;. . . lô . . . ô ...

>-- - > >

... ....
2. ..........•. · vacomans abo- -m. 1-ta .. i . .. lo ... o •••
-.

47
ABOIO DE DESPEDIDA (l)

(Do vaqueiro Codim se despedindo de Lita e de seus campos)


Tradição do interior de Pernambuco

Adeus . . . Lita! . . . Adeus, Li ... i ... ta


Até nestes quinze dias, Lita
Adeus . . . Lita. . . Adeus . . . Li . . . i ... ta
Eu te trago
Um vestido de chita bonita
Lita.

A- deU8 Li - - - ta A-deu~-us

•• . º A- .. te- nes - tes Quin - se dia e Lt~ -ta • •• •A- •

(1) Recolhido por HermQnegildo Siqueira em Serra Talha da (Pernambuco).

48

l I ] 1 1

b) Ciclo dos Cangaceiros

"Pai e mãi é muito bom


Barriga cheia é mió
O pudê d e Deus é grande
Porém o mato é maió".

,

Zé do Vale
(Versão do alto sertão que D. Maria Lima Siqueira guardava de men1ória
há mais de meio século).
"Senhor presidente
Se dinheiro vale
Tome sete contos
Solte Zé do Vale
ó minha senhora
Eu não solto não
Seu filho é malvado
Tem má condução".
Andantino

:\
a) .. lo.
b) ~~ 1
e)
,
• •
• ?
.. ,,.
~
!.
• ,

• I
~1

i ~

t. Se- nhor Jl f.e- si -den -te ••.•••••••• se di -nhoi-ro


mi- -nha &e-rího- -ra ••••••••••• Eu
J)
-
uo sol- to
e)

va
- .. le ••.••.•.• To -me se •- te con - toe sol-~eZé
. do
n.ao •••••••••••• Seu t 1-lhoe uml -va - do tem macon-d.u-
. .
,,

____
1

_...

-
va - le ••••••••••••••••••••••••
çao ••••••••••••• , •••••••••••••••
Observações:
• a) Intervalos disjuntos no plano ascendente;
b) Sensível abaixada;
e) 6.0 grau elevado no modo menor;
d) Som repetido até duas vêzes;
e) Melodia de sentido descendente;
f) Quadratura regular.

51
Nota: Empreguei êste terna na composição de Cantiga, cujos vE;rsos c;5o
de autoria do poeta Wilson Rodrigues.
Mulher rendeíra

:t: mulher rendeira


f; mulher rendá
Quem chora por mim não fica
Soluçou vai no borná .
.o

b)

e) d)

Observações:
a) Intervalo disjunto no plano ascendente;
b) Som repetido até duas vêzes;
e) Sentído descendente da melodia;
d) Quadratura perfeita;
e) Ambiguidade modal entre fá maior e ré menor.
:t:ste fato da ambiguidade modal entre os tons relativos parece cor.sti!uir
um dos processos de expressão do sistema nordestino.
Vejamos o terna dêsse "côco'" que foi usado por José Siqueira em um
de seus trabalhos de sentido nacionalista:

To •O.& - no - la ,. a.n -
e)


To •e& t• -10 .na pa-ne-la d.o&D- CU·•

Observações:
a) Intervalo disjunto no plano ascendente;
b) Som repetido até duas vêzes;
e) Sentido d escendente da melodia;
d) Quadratura perfeita.
• 't 1 _ .. _ . . . , -
..
52
e) - Ciclo Pastoril

"O coqueiro, de sabldó


foi-se pôr naquela altura
pensando que eu não sabia
quando tem fruta madura".
..

JANDAIA
(versão do interior pernambucano)

Plantei meu mio (milho)


Na beira da praia (1)
E con1i verde
Mode a jandaia

Comi meu mio


ô jandaia.

Essa música que usamos em nossa série brasileira, está incluída na fase
evolutiva. Nela se encontram certas particularidades que determinam o
processo de desenvolvimento da música tonal européia para a nordestina
do alto sertão.
Os mesmos sons repetidos, como st1cede nos "côcos", algumas síncopas,
e, sendo o tema no modo menor, o 6.0 grau não foi alterado ascendente-
mente. Sua criação se operou na época da transição das idéias temáticas.

O cavalo e a macacaria
(Versão do interior paraibano)

Certa vez, no interior da Paraíba, tive ocasião de ouvir, cantados ao


som da viola, uns versos ingênuos, mas de inspiração admirável.
Contavam a história de um cavalo russo que apostou com seu dono,
sua liberdade, em troca da liquidação da macacaria que lhe estava de:vo-
rando o milharal (1).
O ca-yalo fingindo estar morto conseguiu o que não podia o ser huma·1.0.
Os macacos, quando trabalham, deixam vigias, que ficam de tocaia em lu-
gares apropria.d os.

(1) Na vazante dos rios.


(1) O assunto é do folclore geral, porque encontrei o fato registrado em prosa ,
no livro "O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará", de José de Carvalho.

55
Mal viram o cavalo estirada no meio da roça acharam qúe estava morto
e que a carniça iria atrapalhar o socêgo em que viviam.
A narração é fluente e fe ita em versos corno êstes que consegui guar-
' , '
aar na memoria:

''Alerta rapaziada
Tira cipó sem preguiça
Pra arrastar ê sse cavalo
Que não aguento carniça".
t
A história, em versos, é completa desde a l1ora em que o cavalo, me-
tendo os pés leva a macacaria prêsa até a chegada à casa do dono. Na
corrida um macaco grita para outro:
. .. . . . . . . . . . . .. . . . . .. .
'faz fincopé tomé
r

No dedo grande do pé"


~. . . . . . . . . . ... . . . . . . . . .
Não consegui o princípio nem o fim dessa descrição interessante, ;)o-
rém, um filho de Pernumbuco, o Sr. Antônio Gonçalves, sabia a música da
cantoria de viola, que recolhi imediatamente.
É un1 trecho que identifiquei com as características de verdadeira· ::1e-
lodia nordestina, pertencente ao modo menor. Sôbre ser longa, inch1f.~ os
graus da escala me11or em sua totalidade, porque o segundo grau se fc1z
J)Or elípse.
'
MACACARIA
b) e)
ª'

f}

O trecho musical acima, foi registrado e pertence à 5.ª série brasileira,


que é o poema sinfônico - Jandaia).
Damos aqui, mais uma vez, o paradigma levantado das n1e lodias já
estabelecidas em sua evolução, e pertencente ao folclóre das regiões agres-
tes e da lira
. matuta.
.
Modo menor.

56
7
a) movimento ascendente por graus disjuntos predominantes; 1

b) repetição do mesmo som, no máximo três vêzes;


e) intervalo conjunto descendente constante;
d) quadratura rítmica perfeita;
e) ausência de sensível e 6. 0 grau alterado (aqui é modo menor) as-
cendentemente;
f) intervalo de 3.ª superior ou 4.ª justa inferior dando idéia de conclusão.

A ONÇA E OS COMPADRES
Chega! meu cumpadre . ..
...'r
Os cachorro acuaram uma onça
Estou com rnêdo da onça ..
A A A /\
r. co . . . e. . . co ...

Chega! meu cumpadre ...


Me traga esta espingarda
Junto com essa patrona
Vamos matar essa onça
' - a onça me come ....
Smao 1
,
ê . . . cô .. .
ÊcÔ . ..
Chega meu cumpadre
A onça comeu um cachorro
Está acabando de comê ...
Quando acaba . . . olha pra mim
' 1
... .
Vamos matar essa onça
Si não a onça não comei
-A /'\
.i:.co ... e/"\. ... co/\ . ..
Estou atrepado num patl
Estou com mêdo da onça
Chega mell cumpadre ...
"A ONCA E OS COMPADRES"
~

~ l"':"-t


1

- .

(Usado pelo autor dêste livro, na 5.ª série brasileira)

57
qURIATAN

Esta música, com q ue fizemos um trabalho substancial, e que tem sido


executado repetidas vêzes, é um canto folclórico do nordeste, merecedor de
referência especial. J

Meu pai, João Baptista Siqueira, que era músico de grandes dotes (exe-
cutava bem o violino, a clarineta e tocava violão por música), tentou reco-
lher o tema do Guriatan, em Triu~fo, no p rincípio dêste século, mas não o
conseguiu por ser música dos roceiros. Conhecia a importância dos can tos
populares por ter lido Sílvio Romero, e o valor do folclóre, através d as obras
famosas de João Ribeiro. Tudo fêz para "pegar" a n1Úsica, tal como se diz
no sertão, sendo infrutífero seu esfôrço. Sempre que pegava no violão
para ler grandes métodos (eu na ignorância de pequeno, não sabia o nome
d os autores) falava de desafios _como aquêle do cantador mascarado, qli.:~
estando elegantemente vestido, competia com um famoso re pe ntista n~ :i l­
trapilho.
O tipo insinuante titubeia nas rimas e não respo11de aos ataques suces-
sivos do pobre repentista, quando a assistência rompe e m formidá vel v a :a .
() cantador elegante engasgou-se e o repentista aproveitou:
"A gente vê o saco cheio
Mas não sabe o que tem dentro! "
Somente um desafio era capaz de fazer meu pai pass.a r a noite
acordado.
Certo dia, em Conceição, estava êle fala ndo sôbre a beleza d e um
canto chamado Guriatan; que os romeiros cantavam no rancho, a caminho
do Joazeiro do Padre Cícero.
Tentou repetir no v iolão, porém, a memória falhou . . . Pequenas passa-
gens ainda se esboç°:ram, porém, êle não estava compondo, mas, tentando
lembrar um canto do povo ...
Fiquei curioso para aprender a música que tanto embevecera meu pai.
Era meu propósito recolher a melodia para surpresa sua, como fizera escre-
vendo o dobrado Marechal Oiama, por ouvir executado no g·r amofone.
Para que ninguém soubesse o que eu estava fazendo, e as sucessivas
repetições não incomodassem às pessoas de casa! resolvi colocar a agulha
numa caixa de fósforo vazia, e foi idéia admirável, porque trabalhei sem
•J
ser molestado.
Quando em 1919, mal ouvi, nas areias do Paj6Ú, uma cabocla lavadeira
cantarolando o Guriatan corri pressuroso para lhe pedir que mo ensína~se.
Um pouco encabulada, a princípio p retestando não possuir dotes, aca-
bou cedendo, por não poder resistir à sofreguidão de um adolescentE?-. C~an-
tarolou a música porque os versos não sabia, com' certeza.

58
Com que tristeza saí dalí, com a música integral memorizada mas im-
possível de transmití-la a meu pai falecido exatamente um ano antes.
Acho que com isto ganhei um complexo: Para escrever a música de
t1m canto é preciso suprimir-lhe as palavras, em primeiro luga r.
Foi a seguinte a melodia que ouvi na s areias do PajeÚ de Flôres, rio
que foi cantado em versos maravilhosos por Emídio de Miranda, o saudoso
poeta paraibano:

" Rolando em giros ca prichosos


O sultã o domina as várzeas
E os montes pedregosos".

Eis o tema integral como o ouvi no interior perna mbucano:

.
'

>

.. .. . --

-
3

Aqui 'é o original, tal como era cantado p elos roceiros. No rá dio r•.::-·EJ-
r beu certas influências praianas que se caracterizam pelo e mprêgo de
,
~·1 n c opas.

Não é possível descrever com que satisfação ouvi a me lodia sonhada


por meu pai, caindo gostosamente no receptor de meu lar.
Guriatan não pode ter dono. Dí-lo a própria contestura da melodia.
A concepção expontânea tem um não sei que de original que se re-
vela naturalmente.
Guriatan é um acêrvo tradicional d e nossa raça.
Que o digam investigações mais profundas nas regiões agrestes, onde
a soalheira abrasa até a alma, que se purifica com ela.

59

..
\
. 1
e) Cantadores e repenüstas

"É um dedo, é um dado é um dia


É um dado, é um dia é um dedo ... "

(Desafío de Zé Pretinho com Aderaldo).

-
l
. 1
"Assubí de céu a cima
a procura do truvão
e descí de céu abaixo
.
com sete relampo na mão"

"Quando eu vim de la de ~1ma


Que passei. no Craxatú
Truxe bomba envenenada
Com raio de fogo azú".

(Atribuída s a Inácio da Catingueiro)


!
. 1
REPE:f\ITE

Lieyeh·a (Folclóre geral)

"O vintem caiu na taba


Fez tim . . . tiin . . . tara ... tatá.

Quem não gosta da ligeira


De que diabo há de gostá?

Gosta do cão d o inferno


Que é danado pra atentá

Quero que você me diga


Quantas pinta tem gambá?

Uma no mole da verita


Outra na volta da pá.

Quero que você m e diga


Q uantos dente tem preá

Dois em cima, dois em baixo


Fora os quatro do queixá.

II

Assubi na bananeira
Fui até o mangará

Comí banana madura


Até as gata miá.

65

1
Pisei na taba de cima
Ví a de baixo morgá
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . "'
. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .
O carne ro da lã fina
É do colo de Ya yá

Un1 é môcho outro é de p on ta


Erra a ponta dá na pá".
'
Foi recolhido da tradição oral e não encontramos os versos e m sua
generalid a de.

'
' . .'

Confrontando-se essa melodia com o p aradígma per nós leva n tado no


esq uema das melodias populares do alto sertão, e da zona matuta, verifica-se
q ue ela está perfeitamente enquadrada nêle.
a ) Predominância de sons disjuntos no p lano asce ndente, b ) sétin10
grau abaixado, e) graus conjuntos descendentes, d) quadratura rítmica
perfeita, e) ausência de síncopa.
José Síqueira usou êste tema em uma de suas comp osições, tendo-o re-
colhido da tradição oral de D. Maria Lima Siqueira.
Consideramos êsse canto de desafio, como do tipo n ordestir..o p erfeito.
A re peticã
,, o de um mesmo som, não vai além d a terceira
'\ . ve z. As demais
características estão evidentes.
A quadratura rítmica vem dos acentos acordais das violas de som plo:n~
gente, ao que os matutas dizem em sua linguage m simples:
- A viola ralha direitinho!

66
Rompe o desafio em que o cantador procura todos os meios de anular
o adversário.
São assuntos adrede escolhidos, repassados de certas malícias, capazes
de levar o contendor a se atrapalhar com elas.
Adivinhações, motejos, trocadilhos, prosódia de conteúdo onomatopáico,
tudo o repentistq usa para levar a palma da vitória na luta tjo martelo. da
ligeira. como das .décimas e carriiilhas.

CANTIG.A DE DESAFIO

Recolhid_a da tradição oral de José Pereira Sobrinho que a ouviu em


Ab6bora do Município d e Princesa).

"Plantei batata
Nasceu macaxêra
!'Jego macho fede
'
Nega fême. . . cl1êra

Nego macho fede


Pruque tem suó
Nega feme chêra
Pruque bota pó"

(Atribuída a Iná cio da Catingueiro que era escravo e analfabeto).

(Tema de um desafio ao som cla viola, que ouvimos no interior da


Paraíba).

b)
•J

e
-
67
Paradígma:
a) movimentos ascendentes por graus disjuntos;
b) repetição do mesmo som no máximo três vêzes;
c) intervalo d escendente por graus conjunto:5 predominantes;
d) 7.0 grau abaixado;
e) Intervalo de 3.ª final entre as tônicas dos 1ons relativos;
f) quadratura perfeita.
Fragmento do desafio da jurema preta que é a árvore dos sortilégios
indígenas.
(Versão do inte rior pernambucano r€colhido da tradição oral de J\.ntô-
nio Gonçalves).
(décimas)

No meu sítio eu tenho um pau


Chamado jurema preta
No tronco tem uma veia
Com um jogo de ancore ta
Nos g aio tem um macaco
E tá fazendo careta
Tem nas foia um maribo11do
Coberto de borboleta
Você se fô bom poeta
Derrube a jurema preta.
(resposta em oitavas)
(coisa bastante rara)

Eu jogo terra nas foia


Não fica mais borboleta
Dô um tiro no macaco
:t:le não faz mais careta
Meto o chicote na veia
•• •
Quebro o jogo de ancoreta
"Pa sso" o machado no pou
Derrubo a jurema preta.
Ao som da viola, êste d esafio é feito num recitativo que semelha um
gemido entrecortado. Não é possível, na linguagem musical erudita, en·
centrar meio de grafar essa toada sen1 variedades substanciais, cadenciando
um mesmo som, num planger angustiado.
"A viola devia ter sido o instrume nto mais antigo do cantador sertanejo.
Fernão Cardim diz que os padres catequistas ensinaram os curumins a tan-
gê-la" - "Vaqueiros e Cantadores" - Câmara Cascudo.

68
CEGOS CANTADORES
. '

Um tipo curioso surge no folclóre nordestino. Ê o cego de gui.:-1, que


vive, ao mesmo tempo, na zona dos rnatutos e nos vilarejos, cantando de
feira em feira.
Percorrem vastas zonas territoriais sempre cantando e pedindo esmolas.
Não sã o poucos os cegos cantadores e repentistas, hábeis no manejo da
viola, capazes de pelejar, noites a fio, ao compasso da ligeira ou do martelo.
Recolhemos na feira de Bonito de Santa Fé, dois cantos de cegos d e
porta de igreja, que são bastante curiosos. Constituem variante de outros
já publicados por Mário de Andrade.
Sua inclusão aqui se justifica, principalmente porque estamos c0fejando
temas de grande penetração na zona serta11eja, compreendida de Crato a
Garanhus e de Joazeiro na Bahia a Cajazeiras na Paraíba. A seguir pro-
curaremos verificar até que ponto as melodias se enquadram no paradígrna
que esta mos usando no processo analítico.

andante (v·ariante paraibana)

. k)

'

"Quem me deu a santa esmola


Tenha muito p'ra me dá
Acompanhe o Deus eterno
Jesus Christo no a ltá" •
Observacões:
.>

a) intervalos disjuntos constantes, no plano ascendente;


b) repetição do mesmo som d uas vêzes;
e) intervalo conjunto descendente sem restrições;
d) quadratura rítmica perfeita;
e) ausência da sensível e 4. 0 grau alterado ascendentemente.
A fim de aproveitar o esquema dessa análise, daremos, a seguir, outra
conhecidíssima cantiga de cego, colocando as letras dêsse paradígma nos
lugares em que a linha melódica está cornbinando com êle:

l'9

FOLCLóRE GERAL

,,
- ?/, b)
- ·

'
e) L) al )
_,
- -
- ..
l\.i
'

•- •-
--

l

' ...,
- -

~· iiW-' 1-'"
i .
P•

,\
r. •
... ·, 1 ," . . ' ..

As letras e1n coniraposição à ordem a lfabética se justificam p or '"1.pro-


veitarem o processo de onáliEe empregado anteriormente . .
Querendo precisar a importâncie: do . cego cómo elemento propagddor
do canto popular, penetrando em vários ciclos, daremos -abaixo dois ter.-;.0s
coligidos, pelo p rofessor .l.\.bdon Lira e m Itam.bé, empregados ·na "Raps6d1c.:
Nordestina" de sua autoria. O trabalhó do professor Abdon Lira é interes-
sa.;lte e foi composto para orquestra sinfônica.

1
. .
'CANTIGA DE CEGUINHO NA FEIRA"

(grafa do sem a síncopa q ue é de inlluência pruiana)

b) ..... e} - • .. .. >
-
..... ~ • •
'\
#
• ,"
1
,
1 r-; --.-----··- ~·
r:int-
,l_....;
:p:::~ ,

A I


1
I ,,,

I
I I
]:=li •
e.

Ílm;i11-

Observações:

a) Intervalo disjunto no plano ascendente ;


b) Sensível bc.ixada;
e) Sentido descendente da melodia;
·~) Quadratura perfeita.

70


II
Moderato
'2) b)
·-

e.)

,• . . ' ..

d
' -··" "' ....

\. . ,)

Observações :
A mudança de compasso nos sons prolongados q ue o professor Abàon
Lira ouviu e registrou , é um fenôn1eno mui.to conhecido, pe rtencente à ex-
pressã o musical. O cantor não espe ra o tempo necessário à quadratura
rítmica, e entra a ntecipadame nte.
Quanto ao valor da melodia, como d etermina n te do sistema que s1.~r-:,.1iu
:no a lto sertão, dí-lo o paradígma que estamos levantando:
a ) Intervalos disjuntos no plano ascendente;
b) 4. 0 grau elevado no tom maior q ue corresponde a o 6.0 d o medo
menor;
e) Sentido descende nte da melodia;
d) Ambiguidade modal entre escalas relativas.
Os dois números que me foram gentilmente cedidos são preciosos do~
cumentos pertencentes ao folclóre ge ral, visto q ue eu já os ouvira cantar
nas feiras da cidade de Cajazeiras d o Rolim por mendigos cegos.
O primeiro e stá composto no princípio do a baixamento da sensível, e o
segundo no da ambiguidade modal entre escalas relativas. (Alteracão ,, do
4.. 0 grau). Todos os demais aspéctos, calham perfeitame nte no pa ra-
dígma que estamos usando para confron to d a s melodias tradiciona is da
tapuiretama { 1).

Cl > Tapuiretamo. Região do Ta puia - Euclides da Cunha - Os "Sertões", página


106, 17ª edição corrigida. Livra1ia Francisco Alves - 1944.

• 71
"BAIÃO DE VIOLA" (2).

Desejamos, antes de tudo, esclarecer a origem de dois têrmos do folclóre


nordestino, cuja semelhança é flagrante.
"
Trata-se de baiõ:o e baiano.
Ambos nomeiam folgan.ças, sendo o baião de origem serta neja e o baiano
nascido no bulício das cid.ades litorâneas.
O baião é portanto contribuição do mameluco, enquanto o baiano (3)
vindo, em linha reta do lundú, trai c1 origem Cafuz.
Sílvio Romero, em "Cantos Populares do Brasil", fala do "baiano" dan-
do-lhe identidade correta. O mesmo não sucede com Euclides · da Cunha,
quando registrou os nomes de bcrião e choradinho.
Pa ra termos um ponto de reparo mais a tualizado, afirmamos que o
baiano se projeta modernamente no swnba rasgado.
O balão ao contrário, é dança que evita a síncopa, começando a frase
melódica depois de pequena pausa. Tecnicamente êsse feito recebe o nome
de frase decapitada:.
Baião, no nordeste, veio da curruptela de b ailão. O caboclo é vezo em
suprimir 11, rr e ss. Gustavo Barroso registra êsse fato, quando trata dos
desafios dizendo:
,
"na toada ligeira, isto é, apressada, com rL11as sempro em u
ou ar ou a l que têm a mesma prosódia no sertão".
O étmo é bailar, de origem latina.
No Brasil, pela tendência supressora do l, deu o verbo balar que já se
integrou no vernáculo, estando até registrado no "Dicionário Enciclopédico
Ilusirado".
Ora quar1do os caboclos estavam a dançar ou baiando alegremente,
entrava um companheiro já eniiesado pela iehnosa (1) e gritava:
- Que baião!
Baião é o baile grande dos caboclos e do vaqueiro set1 avô.
O ritmo do baião e sua repulsa às síncopas, íala melhor do que qual~
quer argumento, porque aí está o fato incontestável.
Baião au~ênlico recolhido e arranjado pelo sanfonista Luiz Gonzagu.

b)

l ~
....
.••. •


\
-
--
..t ••
>....--.
.•
-J,: R
, ..
~.

.,.
.
",,

'
'
,;;

. •
- >....-...

• '"
• .

• ' ..
d

--· ~~i=:-.-J.2..-~~::ere-
•/
(2) "Bater baião de vio1<1 " - Josué Romano.
(3) Luiz da Câmara Cascudo - "Vaqueiros e Can tadores", pág. 113.
(1 ) Agu.c,n:dcn±e =--= gfribiia.

,,, -
Além das características gerais que norteiam . as músicas nordestinas,
como seja: s étin10 grav. abaixado, tendência ascendentes por disjunção dos
graus, e quadra tura regular, o baião tem a particularidade interessante de
começar por frases decapitadas. O rítmo é seguido e invariável com a
seguinte figuração musical:

~
=a=! y
D li E.4 r li 'z E v 1
1 ·1

i.r "1~
·= "
Achamos lugar aqui para regisirar uma passagem do livro "Vaqueiros
e Cantadores" de Câmara Cascudo, no qual o ilustre escritor diz de maneira
eloqüente de onde veio o boião:

"No sertão o canta dor independe do acompanhamento . No


fim de cada pé findando cada linha do verso, dá um arpejo
na viola ou um acorde na rabeca. Entre um verso e o seguin-
te, entoado pelo antagonista, executa-se um trecho 1nusical, ".ll~
guns compassos. Durante o tempo, junto com a voz humana,
nada, absolutamente nada.
O pequeno trecl10 executado depois de cada cantador can-
tar (sextilha, décima etc.), chama-se " rojão (1 ) ou baião".

E registra um frag1nento que seria eloqüente afirmativa às p~lavras su_r,ra


citadas:

"Aderaldo quando ouviu


O baião que fez Siqueira ...
.
. . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . .
Mas a minha vida é esla -
bater boião de viola
e ganhar dinheiro em festa ... ''

Daremos a baixo u1n trecho musical que aparE:)ce no folclóre 1e:-...:.cl tendo
1

grande número de variantes:

'
(2) Tema usado por José Siqueira em "Uma Festa na Roça".

73
Como

·Embolada de Sanfona (2)
(versão paraibana)
_,

. . •

Outra variante aparece com a letra seguinte:


11
Onde vai Cabaré
tão capiongo?

Pera por mim cabaré


I 11
que tam b em vou . . .
Moderato

(fí,

Vejamos um belo exemplo de música do alto sertão nordestino, reco-


lhido dá tradição oral por Joaquim Wanderley, e:m São Se rafim do Estado
de Pernambuco:
,,
..

?'
:f J . _: 1
l
Aqui a ambiguidade modal é o meio de expressão estética da melódica
:lordestina. A ambiguidade se dá e ntre fá maior e ré menor, isto é, entre
tons relativos.

(1) São ocorrentes as expressões "baião de viola" ou "rojão de viola".

74
t) Conjunto Inst?mnental.

.1
!
. 1
OS PIFEIROS
(Conjunto instrumental)

Os pifeiros constituem un1a nota pitoresca dos f~steios nordestinos.


~les representam, nã o temos dúvida, um ma rco tradicional de nossa
raça , que, nem o tempo nen1 a civilização os puderam destruir. Na região
q ue Euclides da Cunha chamou, com muita propriedade a tapuiretama, ou
seja a região dos tapuia s, êles se insularam de maneira admi!ável, mantendo
intactas certas tradições históricas. Q uando o professor ou mestre da Za-
bumba, sente que está decaindo, passa, em tempo oportuno, o comando, a o
filho mais velho q ue vem acompa nhando o pai como elemento do conjunto.
Assim conseguem homogeneidade e fôrca de resistência ao meio.
~

O conjunto de que ora nos ocupamos, recebe nomes vários, sendo co-
nhecido em todo o sertã o.
Assim, Zabumbeiros, Pifeiros, Cutilada e Banda Cabaçal, significam a
mesma coisa, isto, um conjunto operando nos centros populosos e ganhan-
do a vida folgada mente.
Os doís últimos apelativos, evidentemente, têm maís remota origem, e,
Banda Cabaçal1 parece indicar que havia nêle instrumento feito de cabaça .
Certa vez pedi informação a um dos pifeiros do conjunto, sôbre a origern
do têrmo cutilada. Não soube precisa r bem, mas, do que ouvi, pude concluir
que se origina de cutilar, isto é, bater com o cutelo.
Tendo o referido pifeiro, indicado que era devido ao pauzinho que bate
r.o couro op osto ao da b a tida da maçaneta, achei a origem.
É que :> 4:.abumb eiro, com a mão direita, mc~rca o ten1i_o forte do co1n·
passo a, com a esq uerdo., o contratempo.
Uma varinha tão flexível (uns dizem ser de pereiro, outros de cipaúba
e fi~almE?.nte outros de oiticlca) que chega a aca mar no couro oposto ao da
maçaneta percute completando a ca dência.
É ê sse fato que deu motivo ao nome quase paradoxa l.
Mas, não é. Cutilada é uma palavra figurada.
Ouvimos outra s opiniões contrárias a essa q ue acima expusemos.
Dizia-se que o têrmo cuülada era pejorativo. Alguém, intriqado com o
bJrulho do zabumba , bradou revoltado:

77
- "Isto é uma cutilada! (Quer dizer bater de cutelo).
11

Compõe-se o terno do zabumba, de quatro indivíduos, mas, o nome de


terno, que parece um contrasenso, tem certa lógica, visto que, dois, tocam
instrumentos idênticos. São os pifeiros que ora tocam err. uníssono ou em
terceiras e sextas, que é o dueto da tradição popular.
Os instrumentos é qua individualmente r-ão três:
Tambor
Pífanos
Zabumba
A Banda Cabaçal - tal é o nome mais popular - tem sido lo'J.vada
'pelos cantadores e repentistas e, seus instrl1mentos são fabric:-tdos p:ir êles
'
propr1os.
'

Ouvimos, no sertão, êstes versos convincentes em vários lu·::rarejos:


"Festa sem cutilada
- e, festa nao
Nao - e' riada .1 . .. li

Os músicos-volantes deambulam de festa em festa e tocam desde o cla-


rear do dia (1) até a hora em que a charanga do lugar sai à rua. Apesar
disso, não entram, absolutamente, em contacto com os moradores dos centros
populosos; são como bichos do mato em seu mutismo e isolamento social.
Por issó mesmo se lhes deve a sua originalidade.
Sua música, por essa feliz razão, não se impregnou do tonalismo euro-
peu, coPservando inteiriças as heranças de seus maiores.
São características de fundo orientalista evidente, a:=sim pE:nsamos·, pôr
nóc haver outra forma de classificar uma frase de conteúdo musical . sui-

genens.
Vejamos um tema dos pifeiros que coligi' por intermédio d e José Pereira
'.3obrinho, que é filho de Princeza:
..
DOIS PIFEIROS

Pc.1radígma:
a) 7.0 grau baixado; b) tendência descendente; c) quadratura perfeita. '

(1) Quebrar da barra.

78
O mais ilnportante dos tema s é o. que vai abaixo, e que José Siqueira
empregou em uma de suas danças.
Todos os zabumbas do nordeste o conhecem e fazem o motivo princi-
pal de sua organização. É uma espécie de canto mágico de certas ceri-
mônias religiosas. Mas não é com êsse aspecto que êles, os pifeiros, o
executam. Não. É que nunca o ouvimos em instrumento algum que não
fôssem os pífanos:
calmo

e.}

w-

Paradíma:
a) 7. 0 grau baixado; b) tendência descendente; c) graus disjuntos no
plano ascendente; d) quadratura perfeita.
He rmenggildo Siqueira conseguiu coligir uma estrofe bastante ingê11ua
, .
com essa musica.
''Meu amô me deixou la no fogo
Para o fogo pudê 1ne queimá
tle me queima e me a rranca os pedaço
:tv1ais o amô dela e u não posso deixá"

NO ADRO D.A IGREJA


f'I.. •
s e= li :,. •
' ] - J! ~
.
r
~
r
-,


1 1 •
-


t..

- •
Com esta melodia os pifeiros fazem louvação dos santos na porta da
iqreja. Enquanto vão tocando, ensaiam passos co1no se fôra uma quadri-
l

(1) (Temas usados por José Siqueira em "Uma Festa na Roça").

-- _,_-
- --
lha, e trocam de lugar fazendo mezuras para o lado da porta principal. O
têrmo próprio é mesmo mezura, porque não chega a ser a genuflexão d o
riío r:atólico.
O conjunto tal!1bém dramatiza certos aspectos da vida do caboclo.
Há uma represenlação de luta do homem com o jaguar, porém, não é
fécil r·~presentar-se em notação musical.
A zabumba imita o esturro da onça e, os pífanos o ganir dos cachorros.
A ~eguir tocam alegremente, pela morte da fera temível.
Veiamos outro tema que tanto pode ser de pifeiros como de um bc-.. cião:

Tradiçcro oral de José Pereira Sobrinho

?aradíg1na:
a} 7.ª baixada; b) tendência descendente; e) graus disjuntos no pl0no
rtscendente; d) quadratura perfeita.

80
Zabumba de Santanna do Município de Princeza.
A sanfona come ça a se infiltrar em alguns conjuntos típicos do nordeste,
,
como e prova a fotografia q ue d amos aba ixo.

Banda Caba ça l - Princeza - E. da Paraíba


CONCLUSÃO

.A documentação que se acumulou em virtude dos sucessivos exemplos


musicais e paradigmas dêles resultantes, nos per;mitem admitír que se possa
cchar uma diretiva segµra que possibilfte nortear um sistema musical em
bas-es positivas..
-P ela simples audiç6:o das melodias ou cantos àêsse sistema aqui chama-
ào nordestino, é fáeil verificar que sua beleza e originalidade têm o fulgor
das gemas do Sincorá.
É base·a do na documentação e na analise .q ue podemos declarar: a mÚ·
sica do folclóre nordestino não se enquadra em qualquer dos sistemas mo-
dais co~eeidos.
Foram precipitados 0s autores que declarara1n que êsse sistema se ba-

seava no gregoriano.
n possível enconmar pontos de 0011tacto bem evidentes entre êlesl mas
não se. exclue, por outr:o lado, a estimativa de que vieram da mesma foi:te
- o f)0\10.
Os mendigos v~vem sempre às portas das igrejas, e, ali mesmo, inven·
tam melodias para louvar ós esmoleres transeuntes. Ouvindo amiudadas
vêzes os cantos litúrgicos; se influenciam por eles.
:Uma coisa nova: surge no entanto.
No canto gregoridno as alterações nos graus das escalas, sã o modu-
lantes, enquanto na ''música do ceguinho'', têm o valor das alterações cro-
ináticas, isto é, :não provocam modulaçõo.
O mesmo fato se revela quando uparece o- beinol da nota· si. no tom
de Dó Maior ou o fá sustenido. qo mesmo tom.
t:sses acidentes são modulantes no canto gregoriano, e, no nordestino,
nao.-
t verdade que os erudit0s db Canto Greqotiano, no alvorecer do sistem:a
harinônico da música instrumental, prot:>useram v:árias orientações de sen·
tido evolutivo, mas essa tentativa não saiu de cogita9ã:o ousada. A Igreja
é conservadora por índole, nã0 aceitdndo oertas imposições extranhas, se~
não quando impossibilitada de rejeitá-las. O caso do pro];)osto mi-dórico.

81
tendo por base modelar o tom frígio, e1n nova forma é testemunho disto.
Exe1nplifique1nos para n1elhor entendimento:

1v1odo dórico da Igreja ' f, so 1 l'


re, m1...__..._a ' d'
_a s1"-" o re,

lvfodo frígio mL._.Já sol lá sL,_..,.dó ré mi

Para termos o proposto mi-dórico, os intervalos de meios tons deviam


coincidir com os do modêlo dórico, isto é, entre o 3.0 e 4. 0 grau e 6.0 e 7. 0
graus.
A escala proposta teria, de fato, semelhança inequívoca com q encon-
trada no nordestei porém, era de sentido ascE:.'n dente, o que não ocorre
em nosso folclóre do sertão.
V eiamos a escala frígia modelada pela dórica conforme a propo&ta:
mi, fá sust·e nido - sol, lá, si, dó s~stenido, ré, mi.
Nas melodias do nordeste , não somente o dó sustenido não sobe ao r4.
como o segundo grau, fá sustenido, está no geral elítico. O modo mixo ·
lídio, em que, à semelhança do caso nordestino, o sét~o grau vem abai-
xado, suéede o mesmo, isto é, no canto-chão, o sentido é ascendente e, no
popular do sertão, é descendente.
Êsse fato que estamos procurando focalizar de maneira €;Vkiente, não
está circunscrito à música da tapuiretama. É um deri•rati•.,-o dos cantos ~er·
tencentes à totalidade das raças .. habitantes da América do Sul, antes ·do
s0u descobrimento:

CANTO-DE~BEBIDA dos índios coroados (1),

Motivo p1incipal:

(Fragrhento)

r4) b)

As letras CL estão nos luqares de intervalos ascendentes, qua são quase


invariàvelmente disjuntos; e, as letras b, nos movimento.s conjuntos descen-
dentes, mais numerosos.

(1) Vide página 19.

82
ESCALAS RESULTANTES DOS TEMAS ANTERIORMENTE APRESENTADOS
Escala maior sem 7.0 grau 1.0 Tipo

f 1 = (!j 23 ,., i ;z d e> -9-


li :
Escala maior
'
com a 7.ª abaixada 2.º Tipo

~ 1 l
e > ~g • q e C( ~
-f9- (::>

Escala maior sem 7.ª e com o 4. 0 grau alterado ascendentemente 3. 0 Tipo

-
Escala do modo menor ambígua com o 1.0 tipo 4. 0 Tipo

~LÊ• Ô- z:-:;[, : é :::


-61- - -
: -e 1
Q
:
-::: :~
Escala do modo menor a mbígua com o 3.0 tipo 5. (.) Tipo

Portanto, o sistema inclue três escalas maiores diferenciadas e duas


menores, relativas, de ambiguidade c;ruase total. Somente se diferenciam
no canto pela nota final.
Não há dúvida, porém, de que essa ambiguidade modal é u1n dos pro·
cessas d~ estética da música nordestina. Tem o mesmo papel melódico
das alterações cromáticas, ante o sistema tonal, por não provocarem
modulação.

(1) Não raras vêzes, o 2. 0 ou 7.0 graus dessas escalas deixam de aparecer ,

... 83
A colocação dos meios tons naturais, está em pleno desacôrdo, não
somente corn os modos litúrgicos, mas ainda com o sistema grego que lhe
deu origem.
Não é preciso ser técnico para compreender isso que dizemos:
Na escala do 1.0 tipo o semitom só aparece uma. vez.
Nas do 2. 0 tipo, os semitons aparecem duas vêzes, mas não somente '
ern lugares diferentes, como um, não é naturaL nem modulante.
Nas do 3. 0 tipo, não há o semitom natural, nem modulação.
As duas escalas do modo menor, sendo ambíguas das maiores, s~us
intervalos são iguais.
Convém destacar o seguinte caso que é freqüente e bastante curioso:
O · sist~ma modal proscreve o intervalo cromático, porém, da mistura
das duas escalas dos .tipos 1.0 e 3.0 , surge o 4.0 grau, ora natural, ora alterado.
No geraL porém, o 4. 0 grau alterado ascendenternente, é atingido por
grau conjunto e resolve descendo.
Êsse fato tem contacto evidente com outro quase idêntico dos modos
gregorianos.
Vejamos como o caso sucede, segundo ensina M.gr L. Lootens em "O
Canto Gregoriano", ao concluir o estudo das escalas; ""
(0 caso é modulante):

""n~e menor. 7:..


WGa menar ••• o•••

-
• • • • • • • • • • ~ • • • • o ~ • • • • •

·
, ...
Lã ae.ncr

Tal é o discutidíssimo assunto do abaixamento do sétimo grau da es-


cala maior e da alteração ascendente do quarto grau do mesmo modo.
Contudo, o assunto não é, por assim dizer, questão fechada na litur-
<Jia católica, senão, fato histórico da linguagem musical que também surgiu
no cantochão.
Foi êsse fato, aliás, que nos levou a descobrir que a música nordestina
é de coráter descendente e modal invariável.

84

'
O sistema nordestino tem outra referência particular que lhe aproxim.a
· do sistema tonal. É o de poder ser reproduzido em tons dilerentes, tendo
por base a 5.ª justa superior e a 5.ª justa inferior.
Há infinidades de músicas no tom de fá maior por ser considerado cam-
pestre, porém, isso é o mesmo que dó maior, visto constituir, apenas, 0b-
jeto de transposição.
Com o intuito de provar melhor o aparecimento dessÇts escalas, indica-
remos as melodias de onde elas surgiram:
Escalas do 1.0 tipo:
., número das melodias: 6, 7, 12, 32, 35 {n.0 18 mistura do 1.9 e 4. 0 tipos) .
Escalas do 2.0 tipo:
melodias números: 9, 11, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 30, 31, 33, 34 e 36.
Escalas do 3.0 tipo:
número das melodias: 26, 27.
Escalas do 4.0 tipo:
número das melodias: 5, 14, 17 e 19.
Escalas do 5.0 tipo:
número das melodias: 3, 16, 20, 29 (27 mistura do 5.0 e 3.0 tipos).
Modos ambíguos, isto é, confusão relativa entre o 1.0 e o 4. 0 tipo:::
número dexs melodias: 2, 17, 18, 19 etc.
Mário de Andrade, que era um. grande observador e argut0 pesqulza-
àor, nos deu, em sua "Pequena História da M11sica", três exemplos de es-
calas, as quais declarou serem ocorrentes no Brasil. Não precisou, no en-
tanto, se essa ocorrência se verificou nas regiões onde iri'veu a gente Tapuia.
Há também um reparo a fazer de suas escalas: É que no geral, quando
o 4.0 grau aparece alterado, o 7.0 não participa do canto. Damos como
prova disto as Cantiqas de cego, nún1eros 26, 27 e da Macacaria, que rece-
/)eu o número 20. Outro reparo a fazer, é o de não ter o saudoso escritor,
tomado conhecimento da existência do modo menor e do jogo de passagem
entre modos relativos, que a nossa música da Tapuiretama, usa, em substi-
tuição às modulações. Exemplo frisante disto é a melodia que, neste tra
balho, tomou o número 19, a qual, passa, de si bemol maior, a sol menor,
com a mais elegante naturalidade.
Compete-nos, ainda, falar da maneira imprevista como terminam as
melodias do nordestei jamais encontramos em música de qualquer país,
coisa semelhante. t uma estética nova que surge na cadência terminativa
dessa música admirável.
A arte que nos legaram as civilizações da Europa ocidental, tem, para
terminar os seus cantos, 11otas que devem pertencer às cadências perfeitas e
plagais. As músicas orientais, ou dali procedentes, terminam sempre pelo
4. 0 grau descendo ao primeiro. É uma indicação sugestiva da cadência pla-

85


gaL Também isso é o que ocorre no canto gregoriano originário dos modos
gregos.
Porém, na música do caboclo nordestino, a terminação, ou se faz pola
repetição esteriotipada da tônica, ou, por intervalo de terceira, entre as tô-
nicas dos tons relativos.
-
Cantos terminados por êsse processo:

números 4, 5, 6, 7, 15, 17, 18, 22, 25, 29, 34 e 35.


Cantos terminados pela repetição esteriotipada da tônica:·
números 10, 11, 16, 20, 21, 23, 27, 32, 33 e 36.

Embora nos julguem enfadonhos com essas citações numéricas e refe-


~

rências a exl'm plos de textos anteriormente estudados, o caso é, que há mu:ta


gente incrédula e as demonstrações convencem de fato.
"Não sofismamos a história.".
Observa-se, pelo documentário recolhido, que, melodias em estado evo-
lutivo se proj.etaram em perspectiva, através dos séculos, criando uma r1ova
forma de expressão melódica, perfeitamente identificada como obre: 3upe-
rior 'd e arte.
Como surgiram, como nasceram, dí-lo a história do povó, que contingên-
cias extranhas o levaram ao insulamento, ora imposto, ora necessário para
conseguir sobreviver na luta desigual.
A idéia terminativa em 3.ª com as tônicas dos tons relativos, é um deri·
vativo aut6ct.~ne. Não há negar. É a tern1inação mais generalizada tanto
encontramo-la nos cantos indígenas, como nos nordestinos, porém, a termi-
nação esteriotipada da tônica, é indígena tambérn. Vejamos o número 3
da ilustração musical, em que o indígena usava os dois elementosr isto é,
a terceira e repetição da tônica, como idéia conclusiva.
Um sistema harmôntco pode ser funda1nentado aqui nesses estudos, po-
rém, é parte mais pertinente à técnica musical, que propriamente a um es-
tudo analítico. '
Não nos furtaremos ao dever de informar que as i1ovidades da músi~a
nordestina derivam mais da beleza fluent~ de seus cantos de inspiração ma·
ravilhosa, que mesmo dessas características que focalizamos ..
A maneira de concluir o período musical do nordeste, opesar de perfei-
tamente igual ao usado pelos índios Parecís, não deixa de ser tambérn co~
nhecida em outros sistemas, porém, na melodia do alto sertão, essa ccisa !oi.
sistematizada;. proliferou em todos os quadrantes, tomando aspecto de n10-
tivação.
A cadência harmônica que deriva dêsse fato, é também sistematizada.
t uma variante da cadência plagal.

86
As fíguraçõe·s rítmicas mais importantes, são, nas principais danças:

,
:> .
.......
4
Por meio de contratempos acentuados.

>
,

l
t

> •

Na música popular do nordeste, n unca ouvimos os três elementos, con-


juntamente; porém, isso se explica, porque os instrumentos de percussã.o
rareiam bastante na zona matuta. Na orquestra sinfônica, os três elementos
pode1n aparecer ao mesn10 tempo e se produz um efeito surpreendente que
se confunde, até crto ponto, com as síncopas da música penetrada de
africanismo.
Isso observan1os na peça sinfô~lica "Guriatan" por nós aprese ntada, em
r~petídas execuções na Capital Federal.
Os paradígmas usados através de vários aspectos com o propósito de des-
cobrir semelhanças, poderão servir a novas pesquizas, de fatos quê, ;)Ol"
ventura, tenham escapado à nossa observação.

87
!
. 1
BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA Renato) - História da Música Brasileira.


ANDRADE (Mário de) - Ensaio sôbre Música Brasileira.
ANDRADE (Mário de) - Pequena História da Música.
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BECK (Jean) - La Musique des Troubadours.
CAMELLO. (C. Nery) - Alma do Nordeste.
CANDIDO (Antônio) - Curso Elementar de Música.
CASCUDO (Luiz da Câ mara) - Vaqueiros e Cantadores.
CASCUDO (Luiz da Câmara) - Antologia do Folclóre Brasileiro.
C.,O STA (Pereira da) - Folclóre Pernambucano.
C"JNHA (Euclides da) - Os Sertões.
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ROMERO (Sílvio) - Cantos Populares do Brasil.
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VALLE (Flausina Rodrigues) - Elementos do Folclóre Musical Brasileiro.
VIANNA (Oliveira) - Evolução do Povo Brasileiro.
WOLF (J.) - História de la Música.

89
!
. 1
1NDICE DA ILUSTRAÇÃO MUSICAL

Canindé !una, canto indígena citado por páginas João de Lery .. 29


He heural hual ouechl idem . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Canto de Bebida dos índios Coroados . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . • • l 30
Tanze der Purís . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Idem, idem • • • • • • • • • • . . . . . . . . . . . . . . . . . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . . . . . • • • 32
Teirúdos índios Parecís . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Idem, idem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
.
Idem, idem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. .. . . 34
Idem, idem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
~ 34
Côco Paraná • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . . . . . . . . . . • • • • • • • • . ·- . . . . ... . . . 89
Pulga maldita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • • • • • • • . . . . . . . 40
Côco Tajueiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Aboios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. .. . . . . .. . .. 47
Idem, idem . . . ... . . .. . . . . . . . . . . . 48
Zé do Vale· . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . .. • • • • 51
M ulhet Rendeira ... . . ... . .. .. . 52
Côco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . .. .. ... 52
Jandaia . . .... . . . .. . .. . .. . .. . . .. . .. 55
Macacaria . . . . . . . . . . . . . . . . ... . .. 56
A onça e os cumpadres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 57
Guriatan .. .. . . .. .. ... . . . .. . . 59
Ligeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . .
~ 66
Cantiga de Desafio . . . . . . . . . . . . . . • • . . . . . . . .. .. ... .. .. . 66
Ide m, ide m . . . . . .. . .. .. 67
Cantiga de cego . . . . . . . .. ... . ~ . .. . .. 68
Idem, idem .. . . . . .. . . . . .. 70
Idem, idem . . . .. . . . ... 70
Idem, idem . . . . . . . . . . • • • • • • • • . . . . . . . . . • • • • • • • • • • • • • • 71
Baião de Viola • • • • • • • • • • • • • • • • • .. . . . . . • • 4• • • •
• • • • • • • •
• • • • • • 72
Embolada . . . . . . . . . . . . ,, . . .. . .. . . . .. . . .. . • • • .. . . . . 74
-
• Tema folclórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. .. . . . 74
Dois pifeiros ... . . . . . .. .. . .. .. . .. . . .. . . . . . . 74
Tema de pifeiros . .. .. • > • . . .. . ... . . . . . . . .. . . ... . 78
Idem, idem .. .. . . ~"' . . . . . . . . . . . .. 79
Idem, idem .. . . . . . . . . .. .. . . 79
Idem, idem .. . . .. . . . . . . .. . . . 80

91
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org


Composto e Impresso
na Oficina Grãfica da
Universidade do Brasil
••


l
...

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