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O CONCEITO DE BRANQUITUDE: REFLEXOES PARA O CAMPO DE ESTUDO Priscila Elisabete da Sitva EXORDIO: APRESENTACAO DA PROPOSTA Como estudiosa das relagées raciais no Brasil, tenho procurado entender as diferentes configuragées histérico-sociais que estruturam © pensamento racial em nossa sociedade e suas implicagdes para @ compreensdo da questo racial na contemporaneidade. Parto da compreensao de que o debate racial presente nas primeiras décadas do século XX merece atengo especial tendo em vista que nasceram, naquele contexto, instituigées centrais 4 nossa sociedade. Em conso- nancia com outros estudiosos (SANTOS, 200; PAIXAO, 2014) entendo que ndo ha como pensar a modernidade brasileira sem estar atenta & forga do pensamento racial que se apresentava — ja naquele contexto — como elemento estruturante das agdes empreendidas Por consideravel parcela de nossos intelectuais. Nessa concep¢ao, entende-se que se faz necessario repensar as interpretagGes classicas sobre nossa sociedade uma vez que essas raramente tratam a dimensao racial como elemento central 4 dindmica social brasileira. Tal negac3o tem contribuido Para afirmar a ideia de democracia racial como alicerce de nossa identidade nacional o que, Por sua vez, reverbera na dificuldade de identificar estruturas que per- mitem a sobrevivéncia do racismo entre nés. Essa linha interpretativa tem nos oferecido arcabougo teérico que auxilia na anélise sobre as diferentes facetas do racismo brasileiro. E sob essa tela que desenvolvo inquietagdes em relacao a dindmica da repro- dugo do racismo em nossa sociedade. Em estudos anteriores (SILVA, 2008, 2014 e 2015) procuro destacar, no contexto histdrico-social, ele- 19 Digitalizado com CamScanner mentos que auxiliam na compreensao dos mecanismos de reproducio do racismo, particularmente no que concerne ao campo da educacao superior, espaco que tradicionalmente tem sido tratado como locus de formagao das elites dirigentes do pals. Com este artigo inicio reflexdo acerca do alargamento de com- preenso sobre o conceito de branquitude e sua utilizacao na andlise das relacGes raciais em nossa sociedade. Entendo que essa empreitada pode contribuir para o fortalecimento dessa area de estudos e, consequente- mente, do potencial de compreenso sobre o racismo vigente no Brasil. Essa proposta de compreensdo acerca do conceito de bran- quitude surgiu a partir de estudos que venho realizando no campo das relagdes raciais (SILVA, 2008; 2014; 2015). Entender a dimensao racial em nossa sociedade tem exigido, a meu ver, esforco de repensar ana- lises aceitas como classicas (e com elas categorias e conceitos), mas que vistas em profundidade nado abordam a problematica racial como ele- mento central 4 compreensao sobre nossa sociedade. E com base nesse quadro que proponho pensar a utilizagao do con- ceito de branquitude como dispositivo analitico’, isto é, ferramenta capaz de fazer emergir 0 pensamento racial, mais especificamente a subjeti- vidade do branco, em contextos aparentemente nao racializados. Nesse momento, apresento uma primeira fase de reflexao cuja finalidade é iden- tificar e caracterizar o conceito de branquitude no contexto brasileiro. A ORIGEM DO CONCEITO DE BRANQUITUDE? Antes de caracterizar 0 conceito de branquitude, cabe apresentar, ainda que brevemente, um histdrico sobre seu surgimento?. *0 conceito de “dispositive analitico" seré foco de reflexdo posterior. Contudo, nesse artigo busco fornecer 05. subsidios necessérios & compreensio da ideia que ele representa Esse texto foi primeiramente apresentado como capitulo da tese: Um projeto civilizatério e regenerador: andlise sobre raga no projeto da Universidade de Sao Paulo (1900-1940), SILVA. 367f. 2036. Tese (Doutorado em Educac0) ~ Faculdade de Educagéo, USP - Universidade de S80 Paulo, Séo Paulo, 2036. No momento presente, o texto é anticulado com a proposta do artigo, No tenho a intengBo, ao apresentar um breve histérico sobre os estuds criticos da branguitude, de proceder 2 ‘uma revsio minuciose da bibiogrfica sabre esse tema, empreitada jérealizada pelo pesquisador Lourengo Car {6080 (2008), Procuro apenas stuar oeitor ea leita sobre algumas dimensBes do conceito.Aosinteressados essa ‘Questo sugio a leture dos trabalhos de Carone, |e Bento (2009); Cardoso, L. (2008; 2034); e Schueman (2012) bad ‘TANIAM. P, MOLLER | LOURENGO CARDOSO (ORGS.) 4 Digitalizado com CamScanner Os estudos criticos da branquitude nasceram da Percepcao de que era preciso analisar o papel da identidade racial branca enquanto elemento ativo nas relagées raciais em sociedades marcadas pelo colo- nialismo europeu. Percepcao esta que esteve presente nos estudos de intelectuais como W. E. B. Du Bois (1920, 1935)4; Frantz Fanon (1952); Albert Memmi (1957)°, Steve Biko (1978) e Alberto Guerreiro Ramos (ag57), hoje compreendidos como precursores dos estudos sobre a branquitude (CARDOSO, 2008; 2010 e 2014). Tais intelectuais, em diferentes contextos histdricos e sociais, chamaram a atenc&o para os efeitos da colonizagao e do racismo na subjetividade nao sé do negro, mas, sobretudo, do branco. Leitura que desafiava a interpretagao “univoca a qual via o negro como “objeto de estudo”, “tema de estudo” privilegiado para compreensao das relacées raciais. Seguindo esse lastro, na década de 1990, intelectuais norte-ame- ricanos iniciaram uma reflexdo sistematica sobre o fenémeno da bran- quitude e seus efeitos. O tema difundiu-se rapidamente por diferentes dreasde estudo (direito, arquitetura, geografia, antropologia, sociologia, psicologia). “A formulag3o e a aplicagao do conceito de branquitude alterou 0 modo como se pesquisava a categoria ‘raga’ na sociedade estadunidense” (CARDOSO, 2008, p. 174). A partir de entéo, o branco emerge como “objeto de andlise” para compreensao da dindmica das relagées raciais naquele pais. Esforgo que deu origem ao que ficou conhecido por critical whiteness studies? (CARDOSO, 2008; 2010 € 2014; CARONE e BENTO, 2009). Conforme Henry A. Giroux (1999), 0 objetivo dos académicos que se dedicaram a estudar esse fendmeno era buscar: “Em: Blackreconstruction in the United States. NewYork: Russell & Russell, 935; Darkwater voices rom withim the Vell. NY: Harcourt Brace &Co.,1920. Em: Pele negra, mascara branca, Traducio de Alexandre Pomar, Porto: Ediglo A Ferreira, 2952. ‘ Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador (1957). Rio de Janeiro: Civilizacio Brasileira, 2007 Em: Escrevo o que ev quero. Série Temas, vol 23. Sociedade e Politica. Traduco do Grupo Solidério Séo Domin- {905.50 Paulo: Atica. "Em; Patologia social do “branco* brasileiro. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 2955; "Segundo aponta o pesquisador Lourenco Cardoso (2008, p. 175), dentro dos estudos crticos da branquitude (n0s Estados Unidos da América), destacam-se duas linhas de estudos: a primeira "propée a reconstrugao da raga branca, mantendo-se uma sociedade racializada com a supressio das hierarquias socials; [..] segunda linha de Pensamento subjaz.o projeto de uma sociedade néo racializada™. [BRANQUITUDE: Estudos sobre a identidade branca no Brasil Digitalizado com CamScanner | C..] acumular uma quantidade sub: explorando o significado da anélise construgo social, cultural e histéri tlzou por varias tentativas para sit: categoria racial e analisé-la como um locus de on ¢ Ideologia. Além disso, esse trabalho procure camente de que modo a branquidade, experienciada, reproduzida e tr, brancos que se identificam co! (GIROUX, 1999, p. 103). stancial de conhec im da branquidade™ como n ca. Esse trabalho se Caracte. var a branquidade com, U examinar crt, entidade racial ¢ MENS © mulheres OSIGbeS € Valores, como id ‘atada pelos hoy M suas pressup Cardoso L, (2008), Ruth Frankenberg (2004) (2004) destacam o didlogo desses Pesquisadores com os estudos cul. turais e com a teoria feminista. Segundo Cardoso L, (2008), os estudos criticos da branquitude nos Estados Unidos apresentam duas vertentes Principais: “a primeira linha de estudos critic ) @ David R, Roediger }0-Se uma sociedade racializada com a supressao das hierarquias sociais”, j J8 a segunda “subjaz o projeto de uma sociedade Nao racializada”, (CARDOSO, 2008, p. 175). Nas | Palavras desse autor; [Na primeira linha] sustenta-se que 0 ideal do ativismoe da teo- fia anti-racista consiste mM suprimir a identidade racial branca &m va inclinago subjugadora, forjando uma identidade racial anti-racista e isenta de culpa [..]. A proposta dessa linha de ester dos seria de resignificar e reconstruir aidentidade racial branes Ave, Sem deixar de ser branca, deixaria de possuirtracosracistas Nao se propée, portanto, a supressio da diferencaesimofimda hierarquia entre os diferentes que resulta no favorecimento de uns em detrimento de outros [...]. (CARDOSO, 2008, p. 174). \quitude em lingua inglesa para a portuguesa fez-se uso de re ec “branguitude’, para expressar o conceito de "whiteness" Por ese roti ene ‘termos nas citacSes aqui apresentadas, sem prejuizo do entendime “passive iden- 'ce o mesmo. Todavia, ao estudar a literatura brasileira sobre o a ede bra {| tifcar certo consenso entre a maloria dos pesquisadores sobre o uso do termo' "branqutee” soi ou) vem 1 Guidade’. A questio, contudo, tem merecido Atencio. O estudo que a pesquisadora Camila | fesenvolvendo visa inquidade, aprese”” Siscutir a utlizacio do conceito de branquitude em oposicio 20 os prancuitude ¢brangy daden ina, Pesslidade de amplar acapacidade de apreceebo oe fectrnora ot arse roc "ABPN, ade? Uma revisto tedrica di witude. Revista plicag8o dos termos no cenério brasileiro”. In: Dossié Branquitude. ¥.6,n33, «Mar. «jun, 2014, » ‘TANIA M. P, MOLLER | LOURENGO CARDOS‘ d Digitalizado com CamScanner [...] sustenta que aidentidade racial branca assi 7 trulda pode ser descontuda,defendenda» abo do ees de raga branca [...]. Parte-se do pressuposto de que a pertanga étnica e racial branca é uma construgo histérico-social ea poe lugdo dos problemas sociais advindos dessa identidade cultural resolve-se com sua supressao. Esta linha de tedricos criticos nao esté convencida da possibilidade de expurgar o traco racista da identidade racial branca, portanto, propée a aboligo da bran- quitude e, por via de consequéncia, a aboligdo da negritude. (CARDOSO, 2008, p. 174-175). O que esté de fundo tanto numa discussdo quanto na outra é a compreensdo e superagao dos efeitos da branquitude nas relagdes sociais contemporaneas. Os resultados dos estudos empreendidos até entdo demonstram que a branquitude deve ser interpretada como ele- mento resultante da estrutura colonialista que, por sua vez, “configurou, efetivamente, a estrutura de poder mundial durante todo 0 século XX e até hoje, apesar do sucesso dos movimentos anticolonialistas de liber- tagao” (WARE, 2004, p.08); a branquitude é assim entendida como resultado da relac3o colonial que legou determinada configuragao as subjetividades de individuos e orientou lugares sociais para brancos e nao brancos. Conforme assinala 0 socidlogo Valter Silverio: Esta consciéncia silenciada ou experiéncia branca pode ser defi- nida como ‘uma forma sécio-histérica de consciéncia’ nascida das relagdes capitalistas e leis coloniais, hoje compreendida como ‘relagdes emergentes entre grupos dominantes e subor- dinados’. Essa branquitude como geradora de conflitos raciais demarca concepgées ideolégicas, praticas sociais e forma- go cultural, identificadas com e para brancos como de ordem ‘banca’ e, por consequéncia, socialmente hegeménica. (SILVE- RIO, 2002, p. 240-241). Ao analisar historicamente tal fendmeno, esse socidlogo marca © processo de sua formagao a partir da relacéo entre colonizador e colonizado: © encontro com 0 ‘outro’ (denominado indio, escravo, preto, negro, nomenclaturas essas estabelecidas para justificar sua [BRANQUITUDE: Estudes sobre a dentidade branca no Brasil 23 Digitalizado com CamScanner desumanidade, invisibilidade e coisificagio), n&o incluido como membro social, permitiu aos colonizadores anglo-euro. peus perceberem a branquitude como uma representacao de Identidade e ponto de referencia para legitimar a distinglo e a superioridade, assegurando assim sua posico de privilégio, (SILVERIO, 2002, p. 242). No mesmo sentido, 0 pesquisador Lucio Otavio Alves Oliveira (2024), a0 refletir sobre o processo de Constituigéo da identidade branca e suas implicagées subjetivas, afirma que, em sociedades mul- ticulturais, & possivel identificar expressées da branquitude tendo em vista que 0 branco constitui sua identidade na Oposigao ao “Outro”. Em suas palavras: “a branquitude emerge dissecando no outro aquilo que Ihe parece estranho e indesejavel”, (OLIVEIRA, 2014, p. 43). O “Outro” (leia-se o nao branco) torna-se, assim, balizador da identidade branca; ela, por sua vez, Passa a ser reafirmada na Oposi¢ao com o nao branco. Processo que pode ser interpretado tanto do Ponto de vista da neces- saria diferenciagdo para Constituigado da identidade, como pela pers- Pectiva danosa apontada Por Bento como “falsa projec3o”, isto é: {1 © mecanismo por meio do qual o sujeito procura livrar-se dos impulsos que ele no admite como seus, outro. Aquilo, portanto, que the é familiar, algo hosti e & projetado para fora de si, ou seja, na ‘vitima em potencial’. (BENTO, 2009, p. 38). depositando-os no Passaa ser visto como Nas sociedades marcadas pela heranca colonialista, o negro é, Necessariamente, essa “vitima em Potencial”, ou seja, aquele que é interpretado pelo branco como sua antitese (C, Privilégios e lugar de Poder de um grupo étnico-racial especifico auto- declarado “branco", Porter sua histéria marcada pela expansdo colonialista, afirmar a existéncia da branquitude em Nossa sociedade (C. podemos ‘ARDOSO, 24 ‘TANIA M. P. MOLLER | LOURENGO CARDOSO (ORGS.) Digitalizado com CamScanner 2014). Fato que muito recentemente tem sido analisado de maneira mais sistematica. Liv Sovik, estudiosa do tema na sociedade brasileira destaca a importancia desses estudos: ' interesse em analisar a branquidade nao é de tracar o perfil de um grupo populacional até entao ignorado, mas de entender ‘como, hi tanto tempo, nao se prestou atencao aos valores que o definem. O estudo da branquidade pode esclarecer as formas de suavizar os contornos de categorias raciais enquanto se mantém as portas fechadas para afrodescendentes. (SOVIK, 2004, p.384). Como demonstrou o pesquisador Lourengo Cardoso (2008, 2010 @ 2014), no Brasil os estudos sobre branquitude emergiram de forma mais sistematica a partir do ano 2000*. O levantamento desses estudos indica as areas de conhecimento que, primeiramente, preocuparam-se gia, psicologia social e comunicagao social). Os pri- der o papel da identidade ram Alberto Guerreiro Maria Aparecida com o tema (sociolo: meiros intelectuais que se ocuparam em enten branca nas relagdes sécio-raciais em nosso pais fo Ramos, Edith Piza, César Rossato e Verénica Gesser, Bento e Liv Sovik (CARDOSO, 2008). Esses primeiros trabalhos langaram as bases para 4 interpre- tag3o do conceito de branquitude em nossa sociedade. Promoveram um importante deslocamento na interpretagdo sobre estudos raciais até ent3o vigentes a partir da: a) insergo do debate no Brasil pela relagdo teoria-pesquisa social; b) problematizagao do viés interpre- tativo recorrente nos estudos sobre relacdes raciais, ao inverterem 0 sentido e colocarem o foco dos estudos na identidade racial branca; ©) revisio dos conceitos fundamentais & interpretagéo de nossa sociedade como, por exemplo, mestigagem & democracia racial, levando em consideragSo aspectos da branquitude; d) problemati- zagao da identidade racial branca como elemento de analise na pro- dugdo da pesquisa social, bem como na produgao intelectual. Além de contribuirem ao langarem luz sobre questdes até entao majorita- TE aber slo deh de marcer Guerreiro Ramos como © grande precursor da importéncia do debate sobre 3 Identidade racial branca, ainda na década de 2950. BRANQUITUDE: Estudos sobre a dentidade brance no Brasil 3s Digitalizado com CamScanner riamente interpretadas a partir de teorias e conceitos centrados nos arcabougos antropoldgicos e socioldgicos. A partir da primeira década do século XXI, 0 tema branquitude tem chamado cada vez mais a atengéo de novos pesquisadores, ° que tem fortalecido o tema, constituindo-o como campo de pesquisa reconhecido por seus pares®. A “atual geragao” de pesquisadores da branquitude no Brasil tem contribuido nao sé para consolidar questées apresentadas pela “geracao anterior”, como também para abrir novos caminhos, tanto para o adensamento do conceito quanto para a cons- truco de uma teoria sobre o tema. Sao também esses estudos que nos auxiliam a entender as caracteristicas do conceito e suas implicagdes em nossa sociedade. CARACTERISTICAS GERAIS DO CONCEITO DE BRANQUITUDE NA SOCIEDADE BRASILEIRA A despeito do consenso entre os pesquisadores da branquitude sobre a premissa de se tratar de um fendmeno fluido que se modifica através do tempo, ao receber influéncias de diferentes contextos sécio-histéricos, pesquisas nesse tema tém identificado certas caracte- risticas recorrentes. Nao é simples definir o conceito de branquitude, tampouco o que é ser branco, dada a complexidade do fenémeno e suas articulagées contextuais. Contudo, entende-se que a branquitude, vista como a identidade racial do branco, é concebida como um construto ideoldgico de poder que nasceu no contexto do projeto moderno de colonizagao europeia (STEYN, 2004; SCHUCMAN, 2012). Como afirmou Silvério (2002), trata de uma “consciéncia silenciada” dos brancos. vitude tem sido pauta numa das principais associacdes de pesquisadores do Brasil a Asso Pesquisadores Negros (ABPN), entidade que congrega militantes do Movimento Negro Brasileiro, OrganizagBes nfo governamentais (ONG); Nicleos de Estudos Afto-brasileiros (Neab's), acadmicos, Pesquisadores de diferentes instituicbes, professores do ensino basico, bem como interessados na temétice tico-racial e suas intersecdes. Em 2014, a ABPN lancou um dossié sobre o tema branquitude, com recentes pesquisas desenvolvidas no &mbito dos programas de pds-graduacdo em universidades brasieiras. Cf. Doss Branquitude. Revista da Associagdo Brasileira de Pesquisadores Negros - ABPN. v. 6, 0. 13, Mar. ~jUN. 2034. ae TANIA M, P, MOLLER | LOURENGO CARDOSO (ORGS.) / j Digitalizado com CamScanner Para adensar a compreensao sobre o conceito, recorremos ainda a um quadro de “marcagao” da branquitude apresentado por Fran- kenberg (2004) a partir dos resultados de seus estudos. No quadro, essa autora elenca oito elementos estruturais a esse conceito”: 1. A branquidade é um lugar de vantagem estrutural nas socie- dades estruturadas na dominago racial. 2. A branquidade é um 'ponto de vista’, um lugar a partir do qual nos vemos e vernos os outros e as ordens nacionais e globais. 3.A branquidade é um locus de elaboraco de uma gama de pré- ticas e identidades culturais, muitas vezes nao marcadas e nao denominadas como nacionais ou ‘normativas’, em vez de espe- cificativamente raciais. 4. A branquidade é comumente redenominada ou deslocada dentro das denominagées étnicas ou de classe. 5. Muitas vezes, a incluso na categoria ‘branco’ é uma questao controvertida e, em diferentes épocas e lugares, alguns tipos de branquidade so marcadores de fronteiras da propria categoria. 6. Como lugar de privilégio, a branquidade nao é absoluta, mas atravessada por uma gama de outros eixos de privilégio ou subordinagao relativos; estes nao apagam nem tornam irrele- vante o privilégio racial, mas modulam ou modifica. 7. branquidade é produto da histéria e é uma categoria relacional. Como outras localizagées raciais, nao tem significado intrinseco, mas apenas significados socialmente construidos. Nessas con- digdes, 0s significados da branquidade tém camadas complexas e variam localmente e entre locais; além disso, seus significados podem parecer simultaneamente maleaveis e inflexiveis. 8.0 carater relacional e socialmente construido da branquidade no significa, convém enfatizar, que esse e outros lugares Paciais sejam irreais em seus efeitos materiais e discursivos. (FRAN- KENBERG, 2004, p. 312-333). A partir desse conhecimento, penso que ja é possivel sumariar 0 conceito da seguinte maneira: a branquitude é um construto ideolégico, no qual o branco se vé e classifica os nao brancos a partir de seu ponto de vista. Ela implica vantagens materiais e simbdlicas aos brancos em “*Aautora destaca que esse é um quadro proviséri, pois demarca o que suas pesquisas demonstraram até entlo. Embora na tradugSo o terme tenha sido grifado como "branquidade", refere-se branquitude. 'BRANQUITUDE: Estudos sobre a dentidade branca.no Brasil, 27 Digitalizado com CamScanner detrimento dos n&o brancos. Tais vantagens sao frutos de uma desigual distribuigbo de poder (politico, econdmico e social) e de bens materiais e simbdlicos. Ela apresenta-se como norma, a0 mesmo tempo em que como identidade neutra, tendo a prerrogativa de fazer-se presente na consciéncia de seu portador, quando é conveniente, isto é, quando o que est em jogo ¢ a perda de vantagens e privilégios. Embora sejam esses os tracos gerais desse conceito, adverte-se que ele nao é homogéneo, podendo receber novas conformacées. Dessa forma, é apropriado recorrer a estudos realizados no contexto brasileiro a fim de perceber como esse conceito tem se conformado em Nossa sociedade. Os pesquisadores brasileiros que se debrugam sobre o tema chamam a atencio, primeiramente, para o fato de que a branquitude no Brasil, assim como em outros contextos nacionais, nado pode ser entendida como um padrao Unico visto a especificidade de nossa his- toria nacional e, sobretudo, como as ideias sobre raga compuseram essa historia. Desse modo, o estudo sobre a branquitude nao deve ser pensado apenas na dualidade branco/negro; ao contrario, deve apreender os efeitos produzidos pelo processo de miscigenacao e pela ideologia do branqueamento. Preocupacao que esteia a reflexio pre- sente num livro central sobre a discussao: Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil.+ Ao analisar a branquitude no Brasil, Liv Sovik declara que: ‘A branquitude brasileira é um lugar de fala, envolvendo relaces socioeconémicas, socioculturais e psiquicas, como Ruth Fran- kenberg (1997) afirma sobre a norte-americana. Esta arraigada em questdes de imagem e autoimagem, como dizem Muniz Sodré (1999) e Guerreiro Ramos (2995). E formada ao longo de uma histéria especifica. (SOVIK, 2014, p. 168). As pesquisas sobre a branquitude brasileira vém apontando - para além dos elementos JA assinalados pelos estudos criticos da bran- quitude ~ algumas caracteristicas do conceito que destaco a seguir: ecida Silva Bento. Psicologia social do racisme: estudos sobre branqut d.Petrépolis, Ri: Vozes, 2009, TANIA. B MULLER | LOURENGO.CARDOSO (ORGS) Digitalizado com CamScanner ‘A “superioridade estética’ ¢ "um dos tracos fundamentais da construgao da branquitude no Brasil”. (SCHUCMAN, 2022, p. 69); Ha um silenciamento diante do assunto das desigualdades raciais e sociais. Silenciar é uma estratégia para proteger os pri- vilégios em jogo. (BENTO, 2009); Neutralidade: ainda que se mostre “neutra” (padrao de norma- lidade), é uma identidade marcada racialmente, porém, ao indi- viduo branco é dado o poder de escolher evidencié-la ou néo; Araca é vista no apenas como diferenga, mas como hierarquia. (PIZA, 2009); Pode-se até reconhecer as desigualdades raciais, porém, estas ndo slo associadas a discriminag3o (BENTO, 2009); E um “lugar de poder” com capacidade de atuacao também nas instituiges. (SILVA, P., 2014; LABORNE, 2024); £ um “simbolo da dominag3o”. (MALOMALO, 2014); Tem raizes no colonialismo e reproduz um colonialismo episte- moldgico. (LABORNE, 2014);_ Tem a “tendéncia a resvalar para a classe como marcador para definir a prépria condiglo de branquitude”. (COROSSACZ, 2034); Demonstra capacidade de exercer autorreflexéo, o que é deno- minado por “branquitude critica”. (LOURENGO CARDOSO 2010). Do que foi exposto até aqui, entende-se que os estudos da bran- quitude no Brasil tém procurado chamar atengo para um elemento que se mostra coligado identidade do branco: 0 poder associado & identidade branca. A ideia de hierarquizacées cultural e racial, primei- ramente imposta pelo colonialismo, foi motriz da constituigao dessa concepgao de identidade forjada ndo sé na oposigao ao “Outro”, mas, necessariamente, na sua subordinagao. Atentar para essas dindmicas é fundamental, pois como nos explica Schucman: BRANQUITUDE: Estudos sobre a identidade brance.no Brasil 29 Digitalizado com CamScanner ™ Para entender a branquitude é importante entender g forma se constroem as estruturas de poder concretasem

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