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Nota da autora
Olá, querida leitora! É um prazer tê-la em mais uma história. Saiba que
você não encontrará qualquer forma de violência contra as mulheres.
Embora a relação de Vincenzo e Beatrice não seja consensual no início, não
haverá nenhum tipo de relação sexual forçada ou agressões físicas entre
eles.

Casanso com o Don da mafia – A filha perdida é um romance dark que


contém gatilhos para violência física, verbal, abuso psicológico, torturas e
morte. Se você é sensível a qualquer um desses temas, por favor, não leia
este livro.

Com carinho,
Adri luna
Sumario

Sumário
Prólogo
01
02
03
04
05
06
07
08
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Epílogo
Agradecimentos
Copyright © 2023 Adri Luna
Revisão: Mariana Santana
Diagramação: Adri Luna
Leitora beta: Leticia Ribas

Livro registrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, em junho de


2023.
Recife – Pernambuco, Brasil, 2023.

Todos os direitos reservados. Informamos que todos os direitos desta obra


são reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte
ou personagens deste livro, sem a autorização prévia da autora por escrito e
registrada, poderá ser reproduzido ou transmitido, seja em quais forem os
meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou
quaisquer outros.
Esta é uma obra fictícia, quaisquer semelhanças com pessoas reais vivas ou
mortas é mera coincidência.

CONTATO:

E-mail: adrianalunagaldino@gmail.com
Instagram: @autoraadriluna
Para a querida Maria Adelaide. Vincenzo Ferrari é todo seu, aproveite esse
mocinho sem alma e coração.

Esta obra é dedicada para todos aqueles que acreditam no poder do amor e
vivem intensamente cada momento. Que as palavras aqui presentes possam
tocar suas almas e inspirar a viver com paixão, entrega e amor. Que vocês
encontrem em suas vidas alguém que os ame com a mesma intensidade,
tornando cada dia mais especial e pleno. O amor é o que nos faz sentir
vivos!
Prólogo
Vincenzo Ferrari

Eu tinha apenas oito anos quando jurei que nunca me renderia ao


amor e que serviria exclusivamente para Cosa Nostra. Fui criado para ser o
Don, treinado para ser temido e doutrinado para ser o anjo da morte. Nunca
fui uma criança normal.
Anna Moretti foi a mulher que me fez ir contra a minha promessa.
Amei-a com toda minha alma até seu último suspiro. Ela não tinha parentes
na máfia, era alheia a tudo o que eu vivia. Era o meu Norte e os meus
segundos de paz.
Dois anos, este foi o tempo em que a tive ao meu lado, resistindo ao
meu pai, que nunca aceitou o nosso relacionamento. “Um Don não ama, ele
se casa e tem herdeiros. Se casa com uma das nossas e se fortalece”, essas
sempre foram as palavras do meu pai.
Um Don não tem sentimentos. Ele serve a máfia acima de tudo e as
mulheres servem para cuidar da casa e nos dar herdeiros. A mulher de um
mafioso nunca questiona, apenas obedece ao seu marido. Ela tem que ser
submissa, ou certamente não viverá por muito tempo.
Mas a vida reservou uma surpresa para mim. Anna não havia morrido
por inteira, o seu coração batia no peito de outra mulher. E esse coração me
pertence.
01
O coração carrega memórias

Vincenzo Ferrari

Não é tão comum nevar em Florença, mas, naquela noite, meu carro
derrapou pela estrada coberta de gelo. Um dos soldados dirigiu igual a um
louco pelas estradas. Anna estava perto de dar à luz ao nosso primeiro filho.
Ela estava perdendo muito sangue após cair das escadas de casa e
desacordada, pois havia batido forte a cabeça durante a queda.
— Vai ficar tudo bem, eu prometo a você — falei enquanto a
acariciava e apertava o seu corpo contra o meu.
Entrei no hospital com ela nos meus braços gritando e implorando por
socorro e para que a salvassem.
— Senhor, precisa ficar. Faremos o possível para salvar a sua esposa e
o seu filho.
— Salve-a. Eu a quero viva. — Eu quis gritar, mas a minha voz saiu
fraca como um sussurro.
— Vincenzo, a minha neta virá ao mundo? — A voz do meu pai
ecoou, me fazendo transbordar em ódio.
— Foi você? — vociferei, partindo para cima dele.
— Do que me acusa? — Olhou-me com cinismo.
— Você sabe! Como ela caiu da escada? — indaguei entredentes.
— As pessoas tropeçam o tempo todo, Vincenzo. Ainda mais com a
barriga imensa como a dela. Não queira atribuir a culpa a mim, um velho
senhor que já dormia no momento da queda.
A minha boca tremeu de ódio. Ele estava mentindo e sendo
sarcástico.
Ele se sentou, enquanto eu olhava o relógio impaciente, vendo o
ponteiro dar duas voltas completas, e eu não tinha notícias da Anna.
— Sente-se e espere, Vincenzo. Andar de um lado para o outro não
vai fazer as horas passarem mais rápido — pronunciou com uma
tranquilidade irritante.
— O que faz aqui? — indaguei, irado.
— Estou aqui para te apoiar, é para isso que serve a família.
— Me deixe em paz! Veio torcer pela morte dela e da minha filha?
— Da criança? De forma nenhuma, é a minha herdeira. Garanto-lhe,
Vincenzo, mesmo sendo uma garota, nos trará algum benefício.
Eu estava prestes a me agarrar a sua camisa e lhe socar até perder as
forças, mas o médico surgiu no corredor.
— Como ela está? A minha esposa, como ela está? — indaguei,
ansioso pela resposta.
Os seus olhos foram até o meu pai e voltaram para mim.
— Sentimos muito, mas sua esposa não resistiu. Tivemos
complicações, morte cerebral. Sinto muito, nenhuma das duas resistiu —
falou com pesar. Os ombros rígidos e a tensão em seu olhar eram algo
incomum para alguém acostumado a dar esse tipo de notícia. A não ser que
ele estivesse sentindo remorso por isso.
— Eu não acredito. Anna estava com uma ótima saúde! — gritei.
— Sinto muito, senhor. Fizemos tudo o que foi possível — respondeu
com a voz embargada.
— Mentira! Onde ela está? Quero vê-la — exigi.
— O senhor a verá assim que o corpo for liberado — respondeu.
— Você sabe com quem está falando? — indaguei, agarrando a gola
da sua camisa.
— Largue-o, Vincenzo! Você está chamando a atenção das pessoas.
— Ouvi a voz fria do meu pai, cheia de reprovação.
— Foi você quem a matou, seu filho da puta! Maldito! — Larguei o
médico e virei-me em direção ao meu pai, encarando-o com muita raiva.
— Não! Foi você quem a matou com a sua teimosia, Vincenzo —
tornou a falar, irritado, admitindo a culpa de uma forma que nem mesmo ele
percebeu. Parti para cima dele, mas fui contido pelos soldados.
— Onde ela está? Minha esposa e minha filha? — perguntei,
soltando-me dos soldados que ainda me seguravam.
— Estamos preparando o corpo, senhor.
— Exijo vê-las agora! — Encarei o médico com todo ódio que havia
dentro de mim. Os olhos dele se voltaram para o meu pai outra vez, que
assentiu com a cabeça como se ele mandasse naquele lugar.
Andei até a sala como um homem sentenciado à morte, enxugando as
lágrimas com pressa. Clamei a Deus para que Ele a fizesse voltar a viver. O
meu único elo com a vida acabou de me deixar.
Entrei na sala fria onde ela estava deitada sobre uma maca de inox, eu
não estava preparado para isso, eu conseguiria matar um exército a sangue
frio, vendo-os agonizar, e ainda iria rir de suas expressões de dor, mas ali
deitada estava a minha única razão de viver. O meu coração doeu e cada
passo que dei foi para me levar a uma vida amarga e sem vida.
— Anna? Meu amor… — Alisei o seu rosto gélido. — Levanta-se,
Anna! — ordenei como se ela estivesse sendo teimosa. Olhei para trás,
procurando pelo médico, que me olhava a uma distância que ele
considerava segura.
— Ela morreu, senhor — disse, como se repetir isso fosse me
confortar.
Apertei os olhos, encarando-o. Ele tremia e a sua testa suava.
— O que está me escondendo? — Aproximei-me lentamente.
Precisava de uma resposta.
Ele deu um passo para trás, mas as suas pernas perderam as forças,
obrigando-o a se apoiar na mesa ao seu lado.
— A sua esposa morreu, senhor — repetiu, engolindo em seco.
— Você já disse. Mas quero saber exatamente o que aconteceu. Eu
me recuso a isso. Não aceito! Não posso viver sem ela! — gritei, irado,
derrubando tudo à minha frente.
— Pare já com isso, Vincenzo — A voz autoritária e irritada do meu
pai ecoou na sala. — Levem-no daqui! — O grande Don Ferrari ordenou e,
no minuto seguinte, fui imobilizado por vários soldados e jogado no chão.
Tentei me livrar, mas não tive força. Então, senti uma dor. Uma picada.
Recebi uma injeção no pescoço, que provavelmente era um tranquilizante, e
fui abatido em poucos segundos.

***

Acordei com meu pai sentado na poltrona, em frente à minha cama,


tentei me pôr de pé, mas o meu corpo ainda não me obedecia por conta da
alta dose de calmante que tinha na injeção. Estava cego de raiva, queria
vingança pela vida da Anna.
— A sua esposa morreu, Vincenzo. Aceite.
Eu o encarei com ódio e quis me levantar para arrancar a sua cabeça.
— Você a matou! — afirmei entredentes.
— Eu não fiz isso. A gravidez da sua esposa já tinha certo risco,
como você mesmo sabe. Ela tinha problemas que a impediam de gerar um
filho. Esqueceu que ela sofreu um aborto? Ela morreu tentando gerar uma
criança.
— Ela morreu porque alguém a matou, ela foi assassinada naquele
hospital, onde você ouviu falar de alguém ter morte cerebral tentando dar à
luz a uma criança? — cuspi as palavras com ódio.
— Vincenzo, raciocine. Se eu tivesse de matá-la, teria feito isso no
dia em que me desafiou e casou-se com ela.
— Eu vou descobrir a verdade, pai. E eu juro que mato e corto em
pedaços quem quer que tenha as tirado de mim.
O meu pai me encarou com frieza. Ele pouco se importou com as
minhas ameaças. No fundo, ainda me via como um homem fraco que
pronunciava meia dúzia de palavras vazias.
— Não me olhe assim. Se alegre, eu te deixei um presente.
— Um presente? — Eu não desviei os meus olhos do dele.
— A sua futura esposa precisava de um coração, e eu dei o da Anna
para ela. Ela é jovem, bonita e lhe dará herdeiros. E o principal, ao lado
dela, terá controle sobre os maiores grupos empresariais da Itália e isso
significa poder e muito dinheiro — ele falou com satisfação.
Em um impulso, me sentei na cama, ficando de frente para ele,
quando o meu corpo me obedeceu.
— Você deu o coração da Anna? — perguntei, incrédulo.
— Sim. — Sorriu. — É um presente para você. O coração carrega
memórias.
— Seu fodido — disse entredentes. — Eu vou te matar! — gritei,
colocando-me de pé. Ele riu com deboche, levantando-se também.
— Já estou velho e perto de morrer, não se dê ao trabalho.
— Quem é a mulher? — perguntei a fim de me vingar dela e de toda
sua família. Mas é, claro, isso seria depois que me livrasse dele.
— Você saberá no momento exato. Ela é linda e nunca foi tocada,
assim como deve ser a mulher de um Don — falou, pronto para sair do
quarto.
02
As noites costumam transformar homens comuns em predadores

Beatrice Marino

Florença. Cinco anos depois…

Depois de longos anos na Rússia, enfim retornei para a Itália. Não era
como se eu não gostasse do clima de Moscou, mas estava morrendo de
saudade do meu país.
A minha mãe é russa e meu papà, italiano. Nasci na Itália, assim
como o meu irmão. Minha mãe veio morar aqui depois de conhecer o meu
papà em uma viagem aos Estados Unidos e logo se casaram. Poucos sabem
dessa nossa mistura, a minha mãe viveu muitos anos nos Estados Unidos e
não possui sotaque russo. Meu papà diz que devemos manter isso em
segredo. Para todos os efeitos, somos italianos puros! Ele diz que é uma
questão política. Nunca entendi.
Não frequentei a escola ou tive amigos, um problema cardíaco de
nascença me deixa frágil. Vivi sempre sob a ameaça de que, a qualquer
momento, o meu coração poderia parar de funcionar. Milagrosamente,
quando fiz catorze anos, depois de uma vida na fila de espera, surgiu uma
doadora compatível. A esperança de vida longa estava surgindo. Nunca me
esquecerei que o ano em que julgaram ser meu último foi o mesmo em que
recebi milhares de dias a mais.
Dias após o transplante, o meu papà surtou. Era para todos estarmos
felizes, mas ele não estava. Em uma noite, me acordou aos prantos, estava
apavorado. Disse que eu precisava ir para Rússia, que faria uma plástica no
local da cicatriz e ninguém, sob hipótese nenhuma, deveria saber que eu era
uma transplantada. Eu nunca perguntei o porquê, apenas o obedeci. E assim
vivi por muito tempo como uma italiana pura e de coração saudável desde o
nascimento.
— Trice? — A voz doce e fina da minha pipoquinha me despertou de
uma preguiça que me deixou deitada na cama, mesmo depois de horas
acordada.
— Sim, minha princesa. — Virei-me para ela com um lindo sorriso
para vê-la saltar na cama.
Giulia nasceu no mesmo dia em que recebi o transplante, há cinco
anos. A mãe dela foi a minha doadora. Meu papà a adotou assim que soube
que a garotinha tinha ficado órfã e que não tinha ninguém por ela. A nossa
ligação sempre foi incrível. Sei que esse coração sempre bateu por ela.
— Você me prometeu que iríamos fazer um passeio. — Ela pulava
animada no colchão.
— Sim, iremos, onde você quer ir?
— Ao parque Trice — disse sem delongas.
— Iremos ao parque, então.
Levantei-me para tomar os meus remédios dos quais fiquei totalmente
dependente. Eles eram os responsáveis por evitar que o meu corpo
rejeitasse o novo órgão, eu os tomo diariamente, sem pular um dia sequer.
Giulia me esperou no quarto enquanto tomei um banho para
descermos para tomar café da manhã.
— Aonde vocês vão tão arrumadas? — indagou o meu papà, já
sentado à mesa e lendo o seu jornal. Eu senti falta de vê-lo assim todos os
dias.
— Ao parque, eu prometi a Giulia que a levaria.
— Tomem cuidado e não demorem.
— Tudo bem, papà, não vamos demorar.
Nos sentamos e comemos, ela estava eufórica, comeu apressada e
logo se pôs de pé, me apressando. Giulia ainda não conhecia a Itália, então
olhava para tudo com admiração e me fez ir a vários parques até mostrar
sinais de cansaço e pedir para retornar para casa.
No início de noite, Antonella e Giovani vieram me visitar, eles eram
os meus únicos amigos, o papà deles trabalhava como diretor na empresa
do meu papà, e ele sempre os trazia aqui para passar o dia comigo.
— Garota, que saudade de você. — Antonella me abraçou forte assim
que desci as escadas. Giovani me olhou de longe e acenou tímido, as coisas
estavam estranhas entre nós desde que ele se declarou pelo telefone,
costumávamos ficar horas conversando por mensagens e ligações.
— E você não vem me abraçar? — indaguei de braços abertos, e ele
se aproximou ainda tímido.
— Como você está? Senti sua falta. — Sua voz saiu baixa como um
sussurro tímido.
— Giovani, não seja assim, somos amigos certo? — indaguei, dando
uma leve batida em seu ombro.
Eu costumava sonhar com o Giovani quando criança, eu o achava
lindo e educado, mas muita coisa mudou depois do transplante, era como se
outra pessoa vivesse em mim, eu havia mudado os hábitos e até adquirido
novas habilidades que eu nunca tive contato. Pintar foi uma delas, bastavam
alguns minutos sozinha para que eu estivesse agarrada a uma tela ou até
mesmo rabiscando em um caderno de desenho.
— O que acha de fugir hoje e comemorar a sua volta em uma boate?
— ela sussurrou, me encarando com um olhar travesso.
— Como vamos conseguir? — indaguei, considerando impossível tal
fuga.
— Tio, Beatrice pode ir dormir na minha casa hoje, vamos fazer a
noite do pijama? — perguntou com uma voz fofa e doce, o meu papà sorriu
e assentiu com a cabeça.
— Mas os seguranças vão junto — nos lembrou.
— Tudo bem! — disse saltitante.
Estávamos no carro quando ela planejou toda a fuga, iríamos à boate
no carro do Giovani e voltaríamos antes que notassem a nossa falta. Eu
nunca havia ido a uma boate, então, eu estava bem animada com a ideia.
— Você é uma prisioneira agora? — Giovani perguntou, sorrindo
depois de vários quilômetros em silêncio.
— Quase isso! — confirmei, sorrindo de volta.
— Seu papà está cada dia mais possessivo. — Ele mostrou uma
careta engraçada enquanto pronunciava as palavras.
— Tenho pena do homem que resolver pedir a sua mão em casamento
— brincou Antonella, olhando de soslaio para Giovani.
— Não fale besteiras — ele disse, a repreendendo. — Chegamos,
subam e armem tudo para a fuga de vocês, eu espero vocês nos fundos.
— O nosso pai tem que achar que fomos dormir Trice, ele preza pelo
emprego dele e não vai querer ver o seu pai bravo.

***

Não foi fácil enganar o pai da Antonella e os meus seguranças, mas


nós conseguimos e encontramos Giovani nos fundos como combinado.
— É a sua primeira vez em uma boate, certo? — indagou como se
não soubesse, esperando que eu respondesse o oposto do que ele acreditava.
— Sim, você sabe disso. — Ele sorriu, me olhando pelo retrovisor.
Ele gostava quando eu afirmava o quanto ele me conhecia.
— Sim, eu sei, eu só queria ter certeza de que eu seria o primeiro a te
levar a lugares diferentes e ter experiências novas.
— É sério que vocês vão ficar de flerte? — Antonella torceu os
lábios, revirando os olhos, nós gargalhamos.
Ele estacionou em frente à boate, e nós duas descemos enquanto ele
foi estacionar o carro.
— Você está nervosa? — indagou, tocando na minha mão suada.
— Um pouco. — Eu estava muito nervosa, eu nunca havia saído à
noite nem para tomar um sorvete na esquina.
— Trice, você não precisa viver como uma doente, você está bem
agora, vamos começar a viver, ok?
Giovani nos alcançou e nós entramos na boate, olhando tudo com
muita atenção. O lugar era imenso com uma atmosfera dark e sombria, e o
cheiro de álcool invadiu as minhas narinas, em seguida, o cheiro de cigarro
me fez tossir várias vezes, eu dei voltas sem sair do lugar.
— Vai ficar tonta desse jeito — zombou Antonella.
— Que incrível! — foi a única coisa que consegui pronunciar. Uma
sensação de liberdade me invadiu e, em poucos segundos, o meu cérebro
ignorou por completo o cheiro de cigarro que tanto me incomodou e as
luzes e a música foram as únicas coisas que eu consegui focar.
— Vem, vamos dançar! — Antonella me puxou para o meio da pista
de dança.
Observei Giovani me olhando de longe, seus olhos sequer piscavam.
— Estou com sede, vou comprar algo para beber — falei, e ela
balança positivamente a cabeça.
— Quer que eu vá com você até o bar? — indagou ainda em
movimentos dançantes.
— Posso fazer isso sozinha, não demoro — gritei, tentando soar mais
alto que o som estridente.
O bar não era distante, mas precisei vencer um mar de pessoas que se
moviam feito loucas até chegar ao local, e certamente precisaria de vários
copos de água após o esforço que precisei fazer para conseguir tal feito.
— O que uma garotinha faz em um lugar de adultos? — Olhei rápido
para o lado de onde vinha a voz.
Ele tinha um sorriso assimétrico assustador, o seu olhar era
desconcertante e o seu intuito foi de me deixar desconcertada.
— Não vejo por que isso é da sua conta — falei, virando as costas.
— Tens razão, bella ragazza, isso não é da minha conta. — Ele pegou
uma mecha do meu cabelo, a levando até as narinas.
Eu puxei os meus cabelos rapidamente.
— Cuidado, as noites costumam transformar homens comuns em
predadores de carne nova, porém, não se preocupe, este não é meu caso, já
que não sou um homem comum. — Ele acariciou o meu rosto, me deixando
atônita, sem nenhuma reação diante de tanta ousadia.
— Não te dei permissão para tocar em mim — protestei.
— Não preciso de autorização para nada.
— Beatrice, vem. — Antonella me puxou apressada. — O que fazia
com aquele homem? Está doida? Ele tem cara de mafioso — falou, me
levando para longe do homem e perto de Giovani na pista de dança.
03
A herdeira do grupo Marino

Vincenzo Ferrari

Eu não tinha nada para fazer naquela noite, então, fiquei vendo a
bella ragazza[1] a dançar, ela era linda, cabelos compridos tão claros quantos
os seus olhos verdes, um jeito sexy, uma boca carnuda, seios fartos, e um
corpo deliciosamente esculpido, mas não passa de uma garotinha cheirando
a leite. Continuei salivando por ela, que dançava sem notar a quantidade de
lobos famintos a olhando com desejo.
Eu tinha me tornado um homem pouco acessível depois que Anna foi
morta. A minha promessa voltou a valer, eu serviria a máfia, teria os
herdeiros que eles tanto querem e, o principal, eu me casaria para ter mais
poder, e eu já selecionei algumas possíveis escolhidas.
— Você se agradou da ragazza? — Mattia, meu primo e consigliere
da máfia, falou ao se aproximar.
— Isso não é da sua conta.
— Vai ficar só olhando? — ele tornou a falar.
— Por que está preocupado? Cuide da sua vida.
Me afastei e voltei a olhar para a garota, algo nela chamou a minha
atenção, ela se afastou dos amigos, e eu a segui com um caçador que não
tira os olhos da presa.
Ela parou em frente a um quadro imenso que não combina em nada
com a boate, ele ficava entre os banheiros, Anna o pintou. A garota olhava
atentamente e só não o tocou por estar alto, mas o seu dedo o contornou no
ar, e eu me lembrei da minha falecida esposa, que costumava pintar as
nuvens ou as paisagens de forma imaginária com o dedo indicador apontado
para o alto.
— Continua olhando a ragazza?
— Qual o seu problema, tirou o dia para torrar minha paciência —
murmurei, irritado.
— Nunca te vi olhando tão concentrado para uma mulher que não
fosse a… — desistiu de falar —, deixa para lá.
— Preciso me casar, não preciso? — pronunciei, sério.
— Com uma mulher e não uma piccola ragazza[2], sem falar que não
é uma das nossas. — falou, me lembrando do dever de um Don em se
fortalecer com conexões.
— Só estava me distraindo, primo, meu objetivo principal é encontrar
o coração de Anna — falei, e ele torceu o nariz.
— A filha do associado têxtil chegou à Itália depois de passar um
tempo fora, tudo indica que, no dia, ela não estava no país, não tem como
ser ela — disse, dando notícias do caso que havia dado ordens para ele
investigar. Eu estava investigando todas as herdeiras dos associados.
— E Francesco? — Eu vinha procurando pelo consigliere do meu pai
há anos, mas ele havia sumido, evaporado, ele, sim, teria respostas para me
dar, já que o meu pai estava morto e enterrado.
— Não temos notícias dele, Don, o filho da puta sumiu no mundo,
isso se também não estiver morto, a família dele vive uma vida miserável.
— Já disse quero que se empenhem mais e me deem a porra do nome
— gritei, esse assunto sempre me deixava nervoso.
— Estamos tentando, Don.
— Tentar não é suficiente. Consiga!
— São muitos associados, na época, o tio realizava negócios com
pessoas que nem sabemos quem são — tentou se justificar.
— Vocês são inúteis — sibilei, enraivecido.
— Não vamos mais falar sobre isso hoje, olha lá a ragazza, é bem
gostosa, não acha? — perguntou, tentando mudar o meu foco do assunto
— É como você disse, é apenas uma garotinha — falei, me afastando,
mas fui seguido por ele. — O que você quer me seguindo? — O prendi
contra a parede, o segurando pela gola da camisa.
— Calmati, calmati[3]— O libertei, e ele soltou o ar dos pulmões, se
recompondo.
— Parla presto[4] — ordenei.
— Estamos com um problema lá em cima, acreditamos que seja um
espião russo.
— Vocês não conseguem resolver nada — pronunciei, subindo até o
meu escritório.
Entrei na sala irritado.
— Então é você que está me fazendo trabalhar no meu dia de folga?
— indaguei com ironia.
O pobre miserável já estava mole de tanto apanhar e logo atrás uma
mulher estava presa pelas mãos em uma cadeira.
— Eu já disse tudo que sei, agora larguem-na, ela é italiana, não tem
nada a ver com esse assunto — suplicou.
Andei até a mulher, a levantando da cadeira pelos cabelos.
— Se importa com ela? — perguntei, puxando seu cabelo para trás, a
fazendo gritar.
— Já disse, ela não tem nada a ver com isso — ele tornou a falar,
mais desesperado que antes.
— Comece a dizer o que interessa em vez de implorar pela vida dessa
vadia. Troquem eles de lugar — ordenei aos soldados. — Podem começar!
— Autorizei a sessão de tortura, começando por um saco na cabeça, eu
gostava de vê-los buscando pelo ar, desesperados.
— Ela não tem nada a ver com isso — o homem gritou em desespero.
— A vida dela está em suas mãos. — Dei leves batidas no seu rosto.
— Vou falar! Eu vou falar! Parem! — gritou quando a mulher já
estava sem forças.
— O Andrei quer o seu associado da indústria têxtil, por isso me
mandou aqui — falou, se referindo ao líder da máfia russa.
— O Marino? — Inclinei a cabeça para o lado, o estudando.
— Ele mesmo, a sua filha passou um longo período na Rússia, o
Andrei se interessou pela menina, mas não só por ela ser linda, e, sim, pelo
poder que ele teria se unindo em matrimônio com ela.
— Compreendo, irei visitar o mio amico[5].
O grupo Marino é o grupo têxtil mais importante em muitas partes do
mundo, meu pai sempre teve negócios com eles, são nossos associados há
anos.
— Senhor, agora nos deixe ir — tornou a implorar.
— Nossos cachorros estão com fome, e não temos bastante carne aqui
— falei, saindo do meu escritório, ouvindo os gritos de desespero em
seguida, o que é música para os meus ouvidos.

***

No dia seguinte, fui pessoalmente até o grupo Marino, tirar


satisfações com Antônio Marino e subi sem ser anunciado.
— Não se dê ao trabalho — falei, impedindo a secretaria de anunciar
minha visita.
— Bom dia, senhor Marino!
Ele me olhou assustado, como quem vê um fantasma.
— Don, se deu o trabalho de vir até a minha empresa? Deveria ter me
chamado e eu iria ao seu encontro. — A sua voz saiu trêmula, era quase
uma confissão de culpa.
— Eu estava com saudades do café que vocês servem aqui na sua
empresa! — ironizei. — Você sabe que eu gosto de visitar as pessoas que
agem pelas minhas costas, não sabe? — Dedilhei a mesa, o encarando.
— Eu nunca agiria pelas suas costas, Don.
Espalmei a mesa com força, os seus olhos se arregalaram apavorados.
— Qual seu assunto com os russos — questionei, exigindo a resposta.
— Com os russos? — quis saber e suspirou como se tivesse ficado
aliviado com o assunto que vim tratar.
— Sim, com os russos — confirmei, encarando-o e percebendo que
ele tinha mais a falar além de um acordo com os russos.
— Não tenho nada com a Rússia, sou fiel ao meu país, eu os sirvo há
muito tempo, eu nunca iria traí-los. — Sua testa brilhava de tanto suor. Ele
me escondia algo, seu nervosismo o entregou.
— Sabe o que acontece com quem nos trai? — indaguei enquanto
mexia nos objetos sobre a sua mesa, e ali estava em um porta-retratos, a
garota que chamou a atenção de Andrei e, por incrível que pareça, também
chamou a minha.
— Quem são? — perguntei, curioso, reconhecendo a garota que
estava na boate na noite passada.
— Meus filhos! — respondeu, tirando o objeto da minha mão,
visivelmente com medo de que eu fizesse algo aos seus filhos.
Dei um sorriso malicioso.
— Qual a idade da sua filha? — perguntei, interessado.
— Ainda é uma menina, Don, tem apenas dezenove anos — ele
enfatizou bem a idade para não despertar em mim interesse por ela.
— O que a sua filha fazia na Rússia? — Ele levantou os olhos e me
encarou assustado.
— Intercâmbio — respondeu sem pensar muito.
— Andrei a conheceu. Me diga como? — Inclinei o meu corpo em
sua direção.
— Não sei do que está falando, não sei nada sobre Andrei. Eu nunca
entregaria a minha filha à máfia nenhuma, nunca tivemos tal acordo.
— Sabe que hoje você é o nosso principal associado, o grupo Marino
é forte, seria uma honra se eu escolhesse sua filha para ser minha esposa. —
Ele me olhou apavorado, deixando claro que isso não é de seu agrado, como
acabou de dizer.
— Ela é apenas uma garota, não é alguém que possa domar fácil, as
filhas da máfia são criadas para servi-los, deve existir muitas opções que lhe
acrescentariam status — falou, tentando tirar de mim qualquer mínimo
interesse na garota.
— Se eu a escolher, faça por onde ela ser obediente e, assim, ela terá
uma vida longa, nunca é tarde para educar os filhos, senhor Antônio. — Dei
alguns passos para trás, me afastando dele, que tinha uma expressão
lamentável.
— Por favor, deve haver outras mais interessantes, minha filha estuda
e tem um futuro brilhante pela frente — implorou. — Posso lhe dar o que
quiser, o quanto quiser — pronunciou com desespero, prestes a se ajoelhar
aos meus pés.
— Não acha que sou uma boa opção para sua filha? — indaguei, o
erguendo pelos ombros antes que os seus joelhos alcançassem o chão.
— Minha filha é apenas uma garota, deveria pensar em alguém mais
madura — insistiu, me irritando.
Esmurrei a mesa, o que o fez sobressaltar assustado.
— Deixarei uma coisa clara, não costumo perdoar traidores, qualquer
ligação que tenha com a Rússia, encerre, lhe darei um desconto porque é
elegível para ser meu sogro. — Virei as costas, saindo da sala.
— Me entreguem um relatório sobre a herdeira do grupo Marino —
ordenei por mensagem de voz ao meu primo Mattia quando estava a
caminho do carro.
04
De malas prontas para fugir

Vincenzo Ferrari

— O que achou dela, Mattia? — perguntei com as informações de


Beatrice em minhas mãos.
— Quem diria que a garotinha da boate seria a filha do Marino. Você
tem outra maneira de controlá-lo? — perguntou.
— Não! Essa seria, de fato, a maneira mais eficaz.
— Traga a garota e case-se com ela. O grupo Marino é um dos mais
importantes em diversos países, isso vai nos manter no topo da indústria, e
ele não negará a lavagem de dinheiro, pois teremos a filha dele de refém —
falou, me aconselhando.
— Você tem razão, vá até a casa da garota e a leve à médica, preciso
saber se ainda é virgem e se tem uma boa saúde para gerar filhos.
Ela não estava na minha lista, eu tinha várias opções que estariam
prontas para o matrimônio, garotas que foram educadas para ser a mulher
do Don. É uma honra ter uma filha casada comigo, eu sou um homem
temido, poderoso e tenho o controle da Itália, a atitude do Marino me
deixou de orgulho ferido e bem irritado.

***

Beatrice Marino

Acordei com os gritos histéricos do meu irmão, que entrou no meu


quarto como um furacão.
— Beatrice, onde você esteve na noite que fugiu dos seguranças? —
ele perguntou, furioso.
— Eu fui a uma festa com Antonella e Giovani, se eu pedisse, não
teriam me autorizado — justifiquei antes que ele me questionasse sobre.
— Beatrice, você chamou atenção de alguém que não deveria, você
precisa voltar para a Rússia — meu irmão falou aos gritos.
— Sobre o que está falando?
— Don Vincenzo Ferrari — vociferou —, aquele sádico filho de uma
figa. — Ele ficou andando em círculos pelo quarto e, além de tonta, eu
estava ficando amedrontada.
— Nunca! — meu papà exclamou aos berros, entrando no quarto.
Luigi é seis anos mais velho do que eu e sempre foi muito protetor,
ele sempre foi capaz de fazer tudo por mim e, para ele ter ficado assim tão
nervoso, eu já sabia que o assunto era muito sério.
— Ele esteve ontem na empresa, me acusando de traidor, e cogitou se
casar com Beatrice — meu papà pronunciou as palavras em desespero, e eu
agradeci que a minha mãe tivesse resolvido ficar na Rússia por mais um
tempo, pelo estado em que eles estavam ela teria certamente tido um
enfarto.
— Ele deu certeza? — Luigi perguntou, angustiado. — Eu ouvi
boatos de que ele a viu na boate, ele gostou dela. Droga! — Ele chutou a
cadeira da minha escrivaninha.
— Não, mas, pela cara que ele olhou para a foto, ele vai escolhê-la e
sem falar que ele soube que cogitamos entrar no mercado russo e nos
juntarmos ao seu avô. — Eles ficaram conversando entre si, ignorando
totalmente a minha presença.
— Caralho! Não temos opção, ele matará todo mundo e ainda levará a
Beatrice. — O meu irmão andou todo o quarto novamente, sem tirar as
mãos da cabeça.
— Beatrice, você não vai à faculdade hoje.
— Mas hoje é o meu primeiro dia de aula — argumentei de pé, ao
lado da cama, mas ele me ignorou, e eles voltaram a falar como se eu não
estivesse no quarto.
— Temos que dar um jeito de livrar a sua irmã do Don.
— Acha que, mesmo com a cirurgia plástica, ele pode descobrir sobre
o transplante? — Luigi perguntou com muita preocupação.
— O que tem o meu transplante, que mal há se ele souber? — A
minha pergunta pareceu sem lógica depois que parei e analisei, porque eu
me preocupei com essa resposta, tendo um homem que havia deixado o
meu irmão apavorado.
— Eu temo que isso aconteça. Aquele velho figlio di puttana[6] me
enganou, disse que iria me ajudar, eu não sabia que faria aquela atrocidade
— eles falavam, me ignorando.
— Ele vai nos matar e transformar a vida de Beatrice em um inferno.
— Oi? Eu estou aqui, bem aqui e ouvindo tudo, vocês estão me
deixando apavorada. — Acenei com os braços levantados.
— Vamos mandá-la para longe, Beatrice — disse o meu irmão.
— Antes que Beatrice cruzasse o continente, estaríamos todos mortos
— o meu papà pronunciou com um suspiro derrotado.
Eu fiquei apavorada e corri para os braços do meu irmão.
— Me ajuda, fratello[7] — implorei, desesperada.
— Trice, eu tentarei te livrar desse homem. Vamos te mandar para
outro país, mas, caso ele consiga nos alcançar, nunca fale do seu transplante
de coração, nós mudaremos as embalagens dos seus remédios, nunca deixe
que ele descubra, a plástica ficou perfeita, é impossível ele saber, exceto se
você contar a ele.
— O que acontece se ele descobrir? — O meu tom foi de curiosidade
e medo.
— Ele pode querer matar a todos nós.
Arregalei os olhos, engolindo seco, eu lutei muito pela minha vida
para morrer nas mãos de um homem que eu nem conheço.
— O que eu faço? — questionei.
— Arrume as coisas, comprarei uma passagem para você ir embora.
O meu papà ficou parado, olhando o nada como se estivesse em
choque, e o meu irmão andou apressado pelo meu closet, recolhendo as
minhas roupas, e as jogou na mala sem o mínimo de organização.
Descemos em seguida, meu irmão pediu que arrumasse o carro para
que eu fosse embora naquele mesmo instante. Eu não queria deixá-los
novamente.
— Signore[8], eles estão aqui, escondam as malas da senhorita. — Um
dos guarda-costas entrou apressado, falando.
A porta foi aberta de repente e um homem alto, de olhar debochado,
entrou.
— Luigi, o Don mandou levar a sua irmã ao médico, precisamos fazer
alguns exames, antes da decisão final.
Me agarrei aos braços do meu fratello.
— Mattia, sente-se, vamos tomar uns drinques — o meu papà falou,
indo até ele e o guiando pelo ombro para que ele deixasse a sala.
Ele se desvencilhou dos braços do meu papà e andou diretamente
para a mala por trás do sofá.
— Pretendia o que com isso, Marino? — Ele abriu a mala e jogou
tudo no chão.
— Eu voltei do intercâmbio há dois dias, separei essas roupas para as
empregadas… — Antes que eu terminasse de falar, ele virou-se para mim
com um olhar furioso e bateu no meu rosto. Caí no chão, enquanto o meu
irmão partiu para cima dele, mas foi contido pelo meu papà, que o puxou
pelo braço.
— Tem muito a aprender, ragazza. Quando homens estão
conversando, as mulheres não se metem. Não educou bem a sua bambina,[9]
Marino? — O seu tom foi de deboche, mas o seu olhar era furioso.
Luigi o encarou com ódio, ele trincou os dentes e cerrou os punhos.
— Vamos, não pegue nada, vá apenas com a roupa do corpo. — Ele
se agarrou ao meu braço, me puxando para a saída.
— Por que a pressa? — Luigi questionou entredentes.
— Foi ela quem o Don escolheu, e ela irá agora, caso pensem em
querer mandá-la embora novamente. Terei que informar ao Don o que
aconteceu aqui, já que a ordem era para levá-la apenas para fazer exames.
Vamos, anda logo! — Ele me empurrou em direção à porta.
— Mattia, vamos conversar, peça que Don venha aqui e a leve depois
dos exames e do pedido — o meu papà implorou, mas ele não lhe deu
ouvidos, qualquer ação parecia inútil.
Fui jogada no carro e segui em silêncio e com a cabeça baixa
encostada na porta todo o caminho, grudei o máximo que pude nela,
tentando me manter distante do homem que me bateu e me arrastou como
um cão que ele puxou pela coleira. Levei a minha mão algumas vezes ao
meu rosto, a minha pele ainda queimava pelo tapa.
Levantei a cabeça assim que o carro parou e encarei a mansão três
vezes maior do que a dos meus pais. O lugar era de uma beleza indiscutível,
o verde do jardim com pontos coloridos pelas flores formava uma bela
pintura como em uma tela em branco.
Fui arrastada para fora do carro e levada para dentro da casa como um
animal, meus olhos se arregalaram diante de tanto luxo, mas logo minha
atenção se voltou para aquele homem parado ao pé da escada que levava
aos tantos outros andares da casa. Ele tinha semblante escuro e uma aura
negra. Embora ele fosse fisicamente atraente, seus cabelos tinham um corte
baixo, e a sua barba, bem-feita, seus olhos verdes eram lindos, mas
refletiam escuridão e agonia.
— Por que a trouxe? Essa não foi a ordem que eu dei — falou com
uma voz tempestuosa, e senti as mãos do homem que ainda me segurava
pelo braço tremer.
— Ela estava de malas prontas para fugir — ele abriu a boca para
justificar.
— Solte a garota — ordenou com um tom autoritário, baixando por
completo o ego inflado desse monstro que apertava o meu braço, como se
quisesse arrancá-lo.
— Levem a garota para um quarto e peçam para a médica vir até aqui
amanhã cedo — falou frio, sem olhar nos meus olhos.
Fui levada por outros homens que me conduziram pelas escadas. Meu
coração disparou e eu olhei para trás quando me dei conta que ele foi o
homem do bar que zombou de mim no bar da boate.
05
Ela é só uma menina

Vincenzo Ferrari

— Você esqueceu quem dá as ordens, Mattia? — O deboche correu


pelas minhas palavras e meus ouvidos ansiaram pela resposta.
— O papà e o irmão iriam mandá-la embora. — Ele tornou a se
justificar.
— A pergunta não foi essa, Mattia. — Inclinei o meu corpo para ele,
que desviou o olhar.
— Claro que não esqueci, Don, é você quem dá as ordens — ele
pronunciou contrariado, contendo a raiva, ele é extremamente insolente e
preciso lembrá-lo sempre quem é o Don.
— E por que caralhos a menina está aqui na minha casa se a minha
ordem foi comunicar a minha decisão e levá-la ao médico? — indaguei em
um tom calmo, e é a minha “calma” que mais assusta quem quer que
resolvesse tirar a minha paciência.
— Me desculpe, Don, não farei mais nada desse tipo.
— Acho bom que seja assim, Mattia, somos primos, seria uma pena
ter que punir você. Vá embora!
Antes mesmo que ele cruzasse a saída da sala, um dos soldados
entrou.
— Senhor, o Marino está aqui, no seu jardim.
Respirei fundo, tentando mais uma vez conter a minha raiva.
— Que porra ele quer a essa hora da manhã na minha casa. — Saí
para recebê-lo no jardim.
— Don, me deixe ver a minha irmã — implorou, se aproximando.
Levantei a mão, e ele parou no caminho, entendendo que não queria
que ele prosseguisse com os seus passos.
— O que te faz pensar que pode vir até a minha casa sem ser
convidado?
— Como ela está, Don? — indagou, sem considerar o que havia
acabado de perguntar.
— Volte para casa e aguarde ser convidado, lhe garanto que terá uma
recepção melhor que essa da próxima vez. — Virei as costas.
— Seu filho da puta! — Eu estava prestes a entrar em casa quando as
palavras suicidas do meu futuro cunhado me fizeram recuar.
— Que porra está fazendo, Luigi? Está querendo que eu te mate?
— Ela é só uma menina.
— Ah… bonito da sua parte, veio proteger a irmã, mas, de certa
forma, me sinto ofendido, qualquer um gostaria de unir-se a minha família.
— Dei de ombros, o encarando.
— Ela é uma menina, Don — tornou a falar.
— Cortem a língua dele, acho que é o mínimo que a minha mãe
merece. Puta? — falei, virando as costas e ouvindo os seus gritos.
— Beatrice, Beatrice!
— Parem — ordenei, retornando para ele, que se debatia nas mãos
dos soldados.
— Dessa vez deixarei passar, Luigi — falei, dando leves tapas em seu
rosto. — Mas não volte aqui sem ser convidado.
Fiz sinal com as mãos para o colocarem para fora e tornei a virar,
indo em direção à mansão.
— Espera. — Seu tom de voz foi uma súplica e, mesmo que eu nada
sentisse em relação ao seu desespero, parei no meio do caminho e retornei.
— Espero que diga algo útil, estou perdendo a pouca paciência que
tenho — alertei.
— Entregue essa mochila a Beatrice, são algumas coisas dela e fotos
para que ela se sinta melhor, mesmo longe da família.
Acenei com a cabeça e um soldado pegou a mochila das suas mãos.
Subi até o quarto da minha futura esposa e a vi sentada no canto da
parede, em posição fetal, ela abraçava as pernas com tanta força que todo
seu braço ficou vermelho.
Beatrice era uma garota linda, o cheiro da sua inocência me excitava,
o tom verde dos seus olhos estava na cor de verde-musgo e as suas mechas
loiras caíam pelo ombro. Os meus olhos percorrem a sua boca carnuda, e eu
me excitei quando ela se pôs de pé, assustada, cruzando os braços sobre os
seus peitos firmes. Ela parecia ter sido moldada pelo mais devasso dos
anjos, pois a garota é pura luxúria.
— Olhe para mim — ordenei em um tom firme, e ela obedeceu,
mesmo que todo seu corpo tremesse e ela mal pudesse se manter de pé.
— O seu irmão trouxe isso. — Joguei a mochila sobre a cama
— A minha mochila. — Ela andou apressada para pegar da mão do
meu soldado.
Levantei a mão, a impedindo de prosseguir, e ela parou de imediato.
— Jogue o conteúdo na cama — ordenei ao soldado sem sair do meu
lugar.
Os seus olhos se arregalaram, e a pupila dilatou, o que me deixou
desconfiado sobre o conteúdo da mochila.
— Mais que porra é essa, você é doente? — indaguei, furioso, quando
os fracos de remédio caíram sobre a cama. A última coisa que eu queria era
uma esposa doente.
— Sã-o pa-ra dor-mi-r. — Suas mãos tremiam e ela gaguejou,
tentando pronunciar as palavras.
— Insônia? Não é de se admirar, considerando que é uma garota
mimada e não faça nada da vida, deve ter muita energia para ser gasta.
Prometo que lhe ajudarei com esse problema e dormirá as noites feito uma
pedra de tanta exaustão.
Os seus lábios tremeram de medo e as lágrimas caíam pelo seu rosto.
Terei que resolver essa questão, afinal, não quero uma garota
choramingando enquanto trepa comigo. Ela está aqui para três finalidades,
manter o pai dela na rédea, me dá herdeiros e me deixar satisfeito, embora
esse último ponto, duvido que ela conseguirá.
— Amanhã a médica virá avaliar se você ainda serve para se casar
comigo — falei, virando as costas e a deixando sozinha no quarto.
Saí de lá e fui direto para a casa em anexo onde mantenho duas
mulheres que tirei dos bordéis da família, eu as escolhi a dedo para me
servirem.
— Mio Signore? — Alessia falou, vindo se esfregar em mim como
uma cadela no cio.
— Onde está Carina?
— Ela ainda dorme, Don.
— Ajoelha — ordenei, passando o dedo polegar em sua boca.
Ela obedeceu de imediato, abri a minha calça, colocando o meu pau
ereto para fora e introduzi tudo em sua boca, enrolando minha mão em seus
cabelos, ditando:
— Isso, chupa gostoso, vadia, vai! Isso… — Aumentei a velocidade,
fodendo com força, seu rosto ficou vermelho, causado pelo engasgo que
meu pau fazia, chegando até a sua garganta. — Vou gozar, bebe tudo! —
ordenei. — Gostosa — falei depois que ela engoliu toda a porra.
Vesti a minha calça e me sentei no sofá.
— Não quero vocês circulando pela mansão, estão proibidas de entrar
na casa.
— Por quê? — Alessia sempre foi atrevida.
— Isso não é da sua conta. Só obedeça às minhas ordens e avise à
outra.
Voltei para a mansão e me sentei na varanda do meu quarto, estava
condenado a essa merda de vida, e levarei aquela infeliz comigo, embora
me casar não estivesse nos meus planos antes de encontrar a mulher que
guarda o coração de Anna, a única mulher que amei.
06
Tire a roupa e deite-se

Beatrice Marino

Acordei com batidas fortes na porta e me sobressaltei da cama,


assustada.
— Abra agora! — ele gritava.
Não cheguei a tempo para atender as suas ordens, em poucos
segundos, ouvi o barulho de várias chaves e a porta estava aberta. O homem
que me trouxe entrou por ela e estava com um ar furioso.
— Não a tranque novamente, aqui não é a sua casa, se o Don quisesse
te visitar à noite? — indagou, furioso.
Eu nada falei e torci o lábio, esperando que ele cansasse de tantas
reclamações.
— Signore, me deixe a sós com a ragazza, preciso fazer os exames.
— Estou aqui no corredor, chame se precisar de algo.
Ela fechou a porta logo depois que ele saiu, mas não a trancou,
conforme as ordens dadas.
— Então, você é a bella ragazza que se casará com o Don? — Ela
sorriu simpática. — Tome o seu banho e retorne, vou lhe esperar para os
exames.
Expulsei o ar dos pulmões com força e andei em direção ao banheiro,
ela parecia uma boa pessoa, se ela notasse algo sobre o meu coração, ou
sobre os remédios, iria suplicar que ela não falasse nada.
Retornei do banho, me sentei na cama e esperei que ela me dissesse o
que fazer.
— Tire a roupa e deite-se, quero ver se ainda é virgem, embora eu não
duvide que seja, será um exame rápido, talvez sinta um leve desconforto,
mas não irá doer — me assegurou.
Eu estava nervosa, mas facilitei para ela e fiz tudo que me pediu sem
protestar.
— Pronto já, terminamos, vou colher só um pouco do seu sangue. O
seu futuro marido quer ter filho. — Forçou um sorriso.
— Eu espero que eu não possa gerá-los — sibilei, virando o rosto
para encarar o nada.
— Beatrice, esse é o seu nome certo?
— Sim, é o meu nome.
— Olha bem nos meus olhos. — Olhei de imediato. — Eu vou
diariamente consultar mulheres casadas com integrantes da máfia, eu
poderia dizer que sou a médica oficial delas, então escuta o meu conselho,
não o deixe zangado — ela sussurrou com receio que fosse ouvida pelo
homem do outro lado da porta.
— Por que está me dizendo isso?
— Você é jovem, uma piccola ragazza, não quero ter que voltar aqui
e cuidar de uma garota machucada.
Deixei que uma lágrima escapasse dos meus olhos.
— Bom, preciso que me entregue uma amostra do remédio que toma
para dormir. — Ela se levantou, indo direto à mesa de apoio e colocando as
cápsulas de amostra em um saquinho.
— Não precisa, são para dormir. — Atravessei a cama e puxei a
embalagem da sua mão.
— Beatrice, me entregue, se é apenas isso, não tem por que temer.
Me sentei na cama em lágrimas, apavorada, eu senti que o meu
coração pararia naquele momento.
— O que tem para me contar?
— Nada. — Entreguei a embalagem em sua mão. — Me ajude —
implorei.
— Para que eles servem? — indagou, apertando os olhos, os
examinando.
— Não posso contar. — Minha voz saiu embargada.
— Não vou poder te ajudar se você não me contar — advertiu. —
Precisamos confiar uma na outra, certo?
Torci os lábios e expirei com força, eu não tinha alternativas, ela
descobriria de qualquer forma.
— Tenho problema cardíaco — disse, omitido a principal informação.
Ela arregalou os olhos como se eu tivesse dito algo grave, colocou a
mão na minha boca.
— Tudo bem, não fale mais sobre isso, ok?
Ela se levantou, recolheu tudo e deu uma leve batida na porta para
anunciar a sua saída. Me joguei na cama e lamento a minha falta de sorte de
ter parado nessa situação.

***

Vincenzo Ferrari

Eu tomava o meu café da manhã enquanto aguardava a médica


descer. Ela veio na minha direção e ficou de pé na minha frente.
— A garota é virgem — afirmou, me trazendo satisfação.
— Faça exames de fertilidade e, sobre os remédios, me traga um
laudo do laboratório.
— Será feito, Don — disse prontamente.
— Tem algo para me contar? — indaguei diante da sua expressão, ela
estava visivelmente segurando o choro. — Ainda não se acostumou com o
nosso mundo, doutora? — Sorri.
— Não é isso, signore — justificou com a voz embargada.
— Saia! — ordenei, voltando a dar atenção ao meu café com leite que
esfriava.
— Obrigada! — disse, virando as costas.
— Cheguei a tempo para o café da manhã? — A voz animada não
poderia ser de outro a não ser do meu fratello, Lorenzo, que havia acabado
de voltar de uma missão dada a ele. — Querido primo — ele disse, indo em
direção a Mattia, que desviou do abraço.
— Não me venha com abraços — resmungou.
— Aquele carro era da Nina? — indagou com um sorriso ébrio de
luxúria.
— Sim, era a doutora, veio examinar a minha noiva.
— Noiva? Foram apenas alguns dias fora. Quem é ela? — perguntou
como o intrometido de sempre.
— Fez o que ordenei — quis saber, mudando para o assunto que
realmente me interessava.
— Já foi feito, Don — disse, sem me surpreender com a sua
eficiência, ele não foi escolhido para ser o subchefe apenas por ser o meu
irmão, ele era competente, embora vivesse de forma que eu julgava ser
despretensioso.
— Perfeito!
— E aqui está a prova. — Entregou o telefone, me mostrando vídeos.
Gritos, choros e palavras desesperadas clamando pela vida, eu amava
esse som.
— Todos mortos, conforme solicitado. Tudo virou cinza e eu fiz
questão de triturar cada osso e assoprar os restos mortais para o inferno. —
Gargalhou.
Olhei satisfeito. Ninguém ousava me desafiar, poderia se considerar
extinto da terra, eu caçaria cada um de seus descendentes, e assim como
farei com ela, queimarei a todos, e só ela ficará ao meu lado, até a última
batida do coração que me pertence.
07
Ele é um demônio

Beatrice Marino

Os dias foram passando e eu me sentia em um presídio. As minhas


refeições eram feitas no quarto e eu não tinha autorização para descer ou
circular pela casa, mas a porta precisava estar sempre aberta caso o Don
resolvesse vir até mim, o que, graça a Deus, não aconteceu. Eu olhava as
fotos da minha pipoquinha e sentia uma dor enorme no peito, eu não tinha
acesso ao telefone, o que me ajudaria a aliviar a dor que se instalou em meu
peito.
— Aqui está a sua comida. — A empregada de sempre entrou, pôs a
bandeja sobre a mesa e arrumou os alimentos nela em seguida.
Eu nunca puxei assunto, e ela também nunca falou nada além de
“aqui está a sua comida”.
— Olá, buongiorno[10]. — Forcei um sorriso, tentando mostrar
simpatia.
— Aqui, está tudo pronto, bom apetite. — Virou as costas, indo em
direção à porta.
— Você pode me ajudar com algo? — indaguei, e ela parou no meio
do caminho, virando-se para mim.
— Sim? O que seria? — Encarei-a pensativa, mas não o suficiente
para que notasse que eu não sabia o que pedir.
— Pode me ajudar a escovar os meus cabelos, sinto que tem muitos
nós, a minha mãe costumava me ajudar quando isso acontecia. — Dei de
ombros.
Ela expulsou o ar dos pulmões com uma expressão insatisfeita.
— Sente-se, vou ajudá-la com isso.
Me sentei e fiquei observando-a pelo reflexo do espelho, ela não
parecia uma pessoa ruim, talvez só mal-humorada.
— Faz dias que estou presa aqui, me sinto sozinha às vezes, e sinto
mais falta ainda de ter alguém para conversar.
— Não temos autorização para conservar com a senhorita.
— Ah…. Então é isso. — Suspirei, aliviada. — Achei que você não
gostasse de mim. — Vi um sorriso discreto surgir em seus lábios.
— Me desculpe, não queria lhe passar essa impressão. Mas o Don não
costuma perdoar erros e nos pune severamente pelas nossas falhas.
Meu corpo paralisou.
— Eu não queria te assustar, mas aquele homem é o próprio diabo. —
Ela levou a mão à boca e me encarou assustada. — Tirei todos os nós,
senhorita.
Ela colocou a escova sobre a penteadeira e saiu do quarto apressada.
— Sério? Eu nem tinha notado — murmurei para mim em voz alta,
apenas pensar havia se tornado chato e, depois de uns dias, eu já estava
conversando comigo em frente ao espelho.

***

— Beatrice, vista-se adequadamente e desça, o Don a espera na sala


principal da mansão. — Eu não pude ver a dona da voz, ela pronunciou do
outro lado da porta e, em seguida, ouvi passos apressados se afastando.
Levantei-me e peguei o primeiro vestido dentre tantos outros que
havia no closet. Embora a clausura estivesse me enlouquecendo, descer e
encará-lo parecia ainda pior. Um frio atravessou a minha espinha.
Saí do quarto com medo, não sabia se estava fazendo algo errado,
mas um homem parado ao pé da escada me olhou acenando positivamente,
me encorajando a continuar e, de lá do alto, eu já podia vê-lo sentado em
uma poltrona com um ar presunçoso.
— Me siga! — ordenou, pondo-se de pé assim que desci o último
degrau.
Eu o fiz sem retrucar, senti que as minhas pernas recusavam a me
obedecer em alguns momentos e os meus joelhos se inclinavam para frente,
como quem foi acometido por uma fraqueza.
Ele entrou em uma sala imensa, tinha alguns livros em uma estante no
canto por trás de uma imensa mesa de vidro, mas não era uma biblioteca,
parecia uma sala de reuniões, pois a mesa tinha vários blocos de papéis
distribuídos em frente a vários acentos.
— Parabéns, nos casaremos em alguns dias — ele disse, inclinado
para frente com as mãos sobre a mesa, ele não sorriu, ou demonstrou
qualquer satisfação, e continuou falando: —, sente-se, lhe apresentarei
algumas regras de boa convivência nesta casa. Para começar, fale alguma
coisa, você me parecia bem destemida na boate — zombou
— Estou lhe ouvindo, signore — sussurrei assim que me sentei,
seguindo as suas ordens.
— Ótimo, ouça com atenção. As regras dessa casa devem ser
respeitadas, e eu detesto ter que disciplinar as pessoas pelos seus péssimos
comportamentos. — Um tom de deboche pode ser notado em sua voz,
acompanhado de um sorriso sádico, era nítido que ele gostava de causar
pânico e terror nas pessoas.
Ele levantou-se e andou lentamente em minha direção, parando ao
meu lado por alguns segundos, me encarando sem dizer uma palavra, virou-
se, abriu um gaveteiro atrás de mim e retornou com o meu celular nas mãos.
Virou o aparelho para mim, o desbloqueando por leitura facial.
— As senhas foram desativadas, não quero senhas no seu celular,
pode usá-lo durante o dia, à noite, entregue a um dos meus soldados para
que ele o coloque neste móvel atrás de você. Você pode circular pela casa,
mas não vá à casa em anexo e nem ao jardim próximo a ela. Não saia de
casa sem que eu autorize, aliás, você não tem autorização para sair de casa.
— Mas eu… — Ele me impediu de continuar colocando o dedo
indicador sobre os meus lábios.
— E, para o seu bem, nunca me questione. — Ele se afastou de mim,
tombou a cabeça para o lado, apertou os olhos e fez sinal com o dedo para
que eu levantasse.
— Devo sair? — indaguei, confusa, me pondo de pé.
— Vá até à porta e volte — disse, quase se sentado sobre a mesa.
Fiz conforme ele ordenou e, quando me virei, vi um homem salivar
me olhando, tomado pela luxúria.
— Apenas isso, faça o que quiser, conheça a casa, saia.
— Senhor, a minha faculdade — tomei coragem para falar o que eu
tentei minutos antes.
— Apenas saia — disse de costas para mim, mas com um tom
irritado.
Saí apressada da sala, encontrando com a médica no corredor, ela
sorriu gentil para mim.
— Beatrice. — Acenou.
Andei até ela cabisbaixa.
— Já sei que sou fértil, e a minha saúde é de uma leoa — ironizei.
— Se ele descobrir a minha mentira, eu morro no mesmo dia que
você. Vamos até o jardim — disse, andando na frente, e eu a segui.
Ela sentou-se em um banco lateral da mansão, ela conhecia bem o
local.
— Vem muito aqui? — indaguei.
— Sim, eu costumo atender os soldados e as mulheres do Don.
Arregalei os olhos, quantas mulheres ele tinha?
— Mulheres? — indaguei, confusa.
Ela arregalou os olhos também por ter falado algo que talvez não
devesse, mas logo soltou o ar dos pulmões.
— Não falo de esposa, só existiu uma, e ela faleceu. O seu futuro
marido é viúvo.
— No mínimo, ele a matou. — Não era para ter pronunciado alto,
mas, como eu disse, eu vinha perdendo o costume de falar em pensamentos.
— Não, ele não a matou, pode soar estranho, mas ele a amava muito,
dizem que ele era outro homem quando ela ainda vivia, mas que o Don, seu
pai, não aceitava a relação dos dois. Vincenzo acredita piamente que o pai a
matou e foi por isso que fez o que fez.
— O que ele fez? — perguntei, curiosa.
Ela olhou para os lados e sussurrou:
— Dizem que ele queimou o pai vivo, mas antes ele o esquartejou e
tocou fogo com o pai ainda consciente.
Engoli seco, que tipo de pessoa faria isso?
— Ele é um demônio — sibilei.
— E o pai era o próprio diabo, dizem que ele gargalhou enquanto o
fogo tomou o seu corpo e amaldiçoou o próprio filho. Ele disse que o filho
estava condenado a ser o anjo da morte sem vida, com a alma cedida ao
diabo, e que ele seria o instrumento do mal.
Cada pelo do meu corpo se eriçou, e um frio atravessou a minha
espinha.
— Então, me conta, você tinha namorado? — ela voltou a falar com
um ar tranquilo e leve.
— Não, eu nunca tive.
— Sinto pena de você, Beatrice, nós, mulheres, sonhamos tanto com a
nossa primeira vez e somos dadas e tomadas à força por homens que não
sabem que nós também sentimos orgasmos. Um conselho, abra as pernas,
feche os olhos e se imagine em um campo florido que, em segundos, tudo
acaba, ouvi dizer que é sempre assim rápido, porém, nem sempre indolor.
— Nós? — indaguei, confusa.
— Prazer, Nina, em breve seremos cunhadas, estou prometida ao
Lorenzo, o irmão, mas novo do Don, ele é o subchefe, eu sou filha da
máfia, nasci para servi-los. — Suspirou em derrota, se levantando do banco.
— E uma coisa, Beatrice, não o deixa descobrir sobre o seu coração, as
pílulas são ótimas para dormir. — Piscou os olhos, indo em direção à saída.
08
Os meus lábios não sentiram outros desde que Anna me deixou

Vincenzo Ferrari

Eu estava em um lugar escuro e silencioso. De repente, ouvi uma


voz doce e familiar chamando meu nome. Eu me virei e vi uma figura se
aproximando lentamente. Era ela, sorrindo graciosamente para mim. Eu
tentei tocá-la, mas minhas mãos passaram direto por seu corpo. Ela olhou
para mim com ternura e disse:
— Você me encontrou? — Confuso, eu perguntei onde estávamos.
— Onde? Eu só escuto a sua voz — retruquei.
— Eu sabia que me encontraria, a nossa pipoquinha é linda e você
precisa conhecê-la.
De repente, acordei assustado, com o corpo molhado de suor. Eu não
pude acreditar que tudo não passava de um sonho, era desesperador ouvi-la
e não poder vê-la e tocá-la.
— Eu a encontrei? E como assim a nossa… — Tentei lembrar o nome
que ela havia chamado a nossa filha, mas fugiu da minha mente.

***

Desci e encontrei Lorenzo concentrado na janela da sala, ele nunca


fica quieto por mais de um minuto. Me aproximei sem que ele me notasse
para checar o que prendia a sua atenção. Beatrice tinha os pés na piscina, as
suas mãos estavam viradas para trás e o seu rosto apontava para o alto, me
afastei e limpei a garganta, e ele virou-se assustado.
— Don. — Olhou-me desconcertado.
— Já tomou café da manhã? — indaguei, sentado à mesa.
— Ainda não, esperei por você.
— O que olhava com tanta atenção pela janela?
— Pela janela? — Mordeu o lábio. — Eu estava perdido em meus
pensamentos.
— Viu a minha noiva? Preciso que ela se arrume, vamos até a casa
dos pais dela informar a data do casamento. Planejo fazer uma grande festa,
quero que seja comentada por todos, enfim vou me casar.
— Parece que o faz pela primeira vez — ele disse, desdenhoso.
— E daí que não é a primeira vez, dessa vez é diferente, são negócios,
e bons negócios — enfatizei.
— Eu não a conhecia, quem é?
— É uma Marino.
A sua boca se transformou em um O.
— Eu nunca a vi pela Itália.
— E para que queria vê-la?
— Por nada, Don, só foi um comentário genérico. — Deu de ombros.
Após alguns minutos, ela cruzou a porta, baixou a cabeça, desviando
o olhar, e caminhou em direção à escada.
— Beatrice, sente-se e coma — ordenei. Ela virou imediatamente,
contradizendo o que meu sogro havia dito, ela é bem obediente para uma
menina que nunca viveu em meio à máfia. — Coma alguma coisa e se
arrume, vamos visitar os seus pais. Já os informei da visita, eles estão nos
esperando.
Ela abriu um sorriso pela primeira vez desde que a vi, e acredite, ela
conseguia ficar ainda mais linda.
— Sim, eu vou me arrumar — ela falou com as duas mãos sobre o
peito, como quem segura o coração que está prestes a explodir, e não
demorou a levantar-se da cadeira e correr até o quarto.
— Ela é uma piccola ragazza. — Ele riu. — Vai satisfazer você?
Claro que vai. — Mordeu o lábio respondendo a própria pergunta.
— Primeiro de tudo, ela é apenas cinco anos mais nova que você e,
segundo ponto, devo esquecer que é o meu irmão e mandar cortar os seus
olhos fora por ousar olhar a minha noiva com desrespeito?
— Nunca faria isso, Don — pronunciou, nervoso.
— Perfeito!
Beatrice desceu saltitante poucos minutos depois, com um vestido
curto e fino, eu não sentia ciúmes dela, mas eu me sentia incomodado pelos
olhares de desrespeitos que eram lançados para ela quando achavam que eu
não estava olhando.
— Suba e vista algo mais composto — ordenei.
Ela parou no meio da escada e se olhou com os braços entreabertos.
— Não tem nada diferente disto.
— Não tem? — indaguei.
— Não. — Deu de ombros.
Olhei para Lorenzo, que me conhecia tão bem quanto a mim mesmo.
— Assim que estiver de volta, o responsável estará à sua disposição.
— Não demoro a voltar. Vamos, Beatrice.
Ela se colocou ao meu lado com uma boa garota, e me parecia que
não teria problemas quanto a isso. O carro estava pronto à nossa espera e,
como imaginei, os olhares disfarçados para ela me causariam desconforto.
— Vista isso. — Coloquei meu sobretudo sobre os seus ombros, e ela
o vestiu sem objeção.
O caminho até a mansão Marino foi curto e senti que, se demorasse
um pouco mais, ela entraria em crise de ansiedade no carro.
— Chegamos — pronunciou com euforia.
— Sim, chegamos.
— Minha bonequinha. — A mãe dela correu em sua direção e checou
o seu corpo de uma forma nada discreta.
— Acha que estou espancando a sua filha? — indaguei.
Ela lançou um olhar frio antes de responder.
— Claro que não, Don. — Arrastou as palavras, visivelmente
contrariada.
— Mas o seu consigliere, eu já não sei, ele teve a petulância de bater
na minha irmã dentro da nossa casa.
Apertei os olhos e virei para encarar Beatrice.
— Eu estava com saudades. — Ela andou apressada, abraçando o
irmão ignorando o comentário feito por ele.
— Venham, entrem.
Logo mais à frente, parado na porta, estava o Marino, ele apoiou as
mãos dentro do bolso e nos aguardou.
— Bom, serei breve — disse, assim que entrei na mansão.
— Por que a pressa? Trata-se da minha irmã, temos o mínimo de
direito sobre negociar temos.
— Negociar termos? — Um sorriso debochado nasceu em meus
lábios.
— Chega, Luigi. Vamos os três para o escritório, conversaremos entre
homens — disse o meu sogro.
Eu os acompanhei, mais por curiosidade do que viria dali. Quem
ditava as regras e determinava os termos era eu.
— Bom, Don, a minha filha estava prestes a iniciar a faculdade de
arquitetura — ele começa a falar assim que entramos.
— Aonde quer chegar, não faça rodeios.
— Deixa-a ir à faculdade — implorou.
— Não vejo aonde isso vai me beneficiar.
— Podemos entrar em vários acordos, diga-me tudo o que quer.
— É apenas isso que querem de mim? — Eu mantinha as mãos no
bolso os estudando.
Eles se entreolharam e voltaram a me encarar.
— Tenho uma caçula, apenas cinco anos, ela é muito apegada a
Beatrice, permita que elas se vejam e que ela passe um final de semana com
a irmãzinha.
— Terei que pensar a respeito, resolvam as questões do casamento,
quero que seja breve em sete dias.
— Tão rápido? — Luigi indagou com insatisfação.
— Sim, quanto antes melhor. Enviarei umas coordenadas, preciso que
adulterem alguns documentos, veremos o quanto vocês estão interessados
nos benefícios que a Beatrice pode obter.
— Claro, faremos o que o senhor pedir — disse Antônio.
— Obrigado, meu sogro.
Virei de costas e saí do escritório, indo à procura de Beatrice, ouvi
risadas de criança vindo do jardim, segui o som, atravessando os imensos
corredores ornamentados com vários quadros até chegar à porta que dava
nos fundos. Vi Beatrice, rolando no chão com a tal criança.
— Trice, esse é o seu noivo? — indagou, eufórica, notando a minha
presença e vindo em minha direção.
— Espera, Giulia. — Ela correu atrás da criança, tentando contê-la
Ela levantou o dedo indicador e apontou para mim de forma
audaciosa.
— Cuide bem da minha irmã e a traga para me visitar, você entendeu?
— pronunciou as últimas palavras com as mãos na cintura, ela era audaz, eu
não poderia negar. — Você tem cara de mal, mas gostei de você.
Me abaixei, ficando na sua altura, com o meu cenho franzido.
— O que disse?
— Senhor, perdoe-a, é só uma criança. — Beatrice a pegou no colo a
fim de tirá-la rapidamente da minha presença.
A imagem da criança não saiu da minha mente, algo nela me chamou
atenção, me fazendo perder o foco por alguns minutos do que eu estava
fazendo ali, Beatrice entrou na mansão com a mãe e a criança e eu as segui.
— Beatrice, pegue algumas roupas para você.
— Certo, farei agora mesmo. — Ela subiu apressada e desceu em
poucos minutos, arrastando uma imensa mala.
— Filha, se cuide, ligue sempre que possível. — A minha futura
sogra me lançou um olhar rancoroso e virou as costas, parando ao lado do
marido.
— Até o casamento, então. — Dei de ombros, indo em direção ao
carro.
— Don, pode me esperar só por um minuto, preciso pegar algo, não
irei demorar.
Ela correu, entrando num quartinho próximo à área da piscina. Olhei
o relógio algumas vezes. Sete minutos, este era o tempo exato que eu a
esperei até ir até ela contrariado e impaciente.
— O que é tudo isso? — indaguei para mim. O meu coração acelerou
com tantos quadros e telas espalhados pelo quarto, na verdade, se tratava de
um ateliê.
A observei sem ser notado, ela recolheu alguns cadernos de desenho
que estavam sobre a mesa e os guardou em uma mochila.
Ela tropeçou e sua mão tocou a tinta vermelha que, em poucos
segundos, marcou o seu rosto em uma listra quando ela tentou tirar as
mechas que caíam pelos seus olhos. Ela sorriu de si mesma, sorriso que me
foi apresentado hoje pela manhã. Quando me notou, os seus olhos me
encaram de uma forma que só Anna fazia.
— Me desculpe, eu demorei — ela disse, levando a mão melada de
tinta ao cabelo e o meu coração parou por alguns segundos. Eu senti
vontade de lhe jogar contra a parede e beijar a sua boca. Os meus lábios não
sentiram outros desde que Anna me deixou.
09
Ela não é italiana

Beatrice Marino

Vincenzo voltou todo o caminho em silêncio, não era como se ele


conversasse comigo, mas ele sempre estava no telefone, passando ordens do
tipo: “mate” “prenda” “corte”, mas as coisas pareciam estar pelo avesso
naquele fim de tarde. Ele estava pensativo e de cenho franzido, encarando a
estrada que corria pela janela, e eu me peguei agarrada ao seu sobretudo,
me sentindo estranhamente aconchegada com o seu cheiro.
Ele desceu do carro sem sequer olhar para trás, subiu as poucas
escadas que levam até o interior da mansão, sumindo através da porta. Eu
entrei em seguida e fui direto para o quarto, o cheiro do sobretudo dele me
deixou brevemente nostálgica, eu o larguei em um canto qualquer, mas o
cheiro ficou espalhado pelo meu corpo, uma depressão invadiu o meu ser,
me trazendo um misto de sentimentos. Percebi que as lágrimas corriam pelo
meu rosto, e eu estava em soluços.
Levantei-me apressada, lavei o rosto e desci com um caderno de
desenhos nas mãos. Sentei-me embaixo de uma árvore, abrindo o caderno
em meu colo, eu ansiava poder desenhar essa paisagem e, de acordo com a
imagem na folha em branco, eu sentia o meu coração bater mais forte. No
fundo do horizonte, eu podia ver vinhedos, eu senti vontade ir até lá.
— Olá, está tudo bem por aí? — indaguei para mim mesma com as
duas mãos pressionando o peito.
Tudo era estranhamente familiar, o cheiro da grama e os traços que
acabei de fazer. Eu havia vivido isso?
— Você desenha bem, o meu irmão já viu isso? — Virei-me assustada
e o dono da voz sarcástica logo surgiu atrás da árvore, onde eu estava
sentada.
— Não tenho direito de desenhar?
— Não sou eu quem dito os seus direitos e deveres, por mim, pode
rabiscar as paredes se quiser. — Deu de ombro com desdém.
— Então, por que se intromete?
— Que língua afiada. Você já experimentou usá-la contra o Don? —
Gargalhou.
Levantei-me apressada, limpando a bunda que ficou repleta de areia e
andei apressada.
— Se eu fosse você, não iria até os vinhedos, logo escurecerá.
Franzi o nariz e andei sentido ao vinhedo, existia uma casa não muito
longe de onde eu estava, e eu caminhei até ela.
— Me perdoe, Don, eu não tive a intenção. — Os gritos de dor
ecoavam pelo local.
Arregalei os olhos, reconhecendo a voz do Mattia.
— Do que não teve a intenção?
— De agir como se fosse o senhor — respondeu com desespero.
— A mão direita, Mattia. — O tom era de ordem.
— Por favor, Don, eu sou o seu primo. — A súplica veio
acompanhada de um grito de dor que causou um frio na minha espinha.
Em um impulso, eu andei em direção à casa e, em seguida, resolvi
retornar para o pinheiro onde estive sentada uns minutos atrás.
— Beatrice. — Enterrei os meus passos e olhei para trás quando a voz
me chamou. — Não se meta nisso, você nada pode fazer para ajudar ou sei
lá o que tinha em mente. Ele não se importa com ninguém, é apenas para
reafirmar o seu poder, Mattia fez algo que não lhe foi ordenado — disse
Lorenzo.
Puxei o ar com força para os pulmões e corri até a mansão, eu senti os
meus joelhos treme e fui incapaz de subir; minutos depois, ouvi passos
vindo em direção à imensa sala que Vincenzo chama de escritório. Me
escondi na sala da frente, eu pretendia ir para o meu quarto assim que
possível, mas retornei quando vi uma mulher ruiva e de corpo deslumbrante
se aproximar e me deixar curiosa sobre quem era ela.

***

Vincenzo Ferrari

Eu limpava as minhas mãos cobertas pelo sangue de Mattia, como ele


ousou bater nela? A raiva me consumiu, eu me concentrei em considerar
que toda a minha ira era devido à sua audácia ou estupidez em achar que
pode agir como se pudesse prever as minhas ordens. Se Beatrice precisasse
ser disciplinada, eu deveria fazer, seriam as minhas mãos a pesar sobre ela.
Voltei para a mansão e me afundei na poltrona do meu escritório. Eu
queria me concentrar em outra coisa, mas eu continuava lembrando do
olhar que Beatrice lançou para mim, eu consegui ver a Anna com perfeição
em sua expressão. Balancei a cabeça negativamente, tentando afastar os
pensamentos da minha cabeça. Ouvi baterem à porta.
— Posso entrar? — indagou Lorenzo, colocando a cabeça na porta
entreaberta.
— Entra.
— Mattia ficará um bom tempo sem poder trabalhar, poderia ter se
vingado em outras partes do corpo ou jogado água quente em apenas uma
das mãos — disse, se servindo uma bebida.
— Não me importo, ele precisa voltar ao lugar dele. Tenho notado
presunção em suas atitudes. É um mau que não pode crescer, preciso podá-
lo a tempo, antes que os seus galhos invadam o meu espaço.
— Enfim, terei que fazer o trabalho dele por alguns dias — se
lamentou.
— E o Francesco? Quem me o trouxer, vou lhe dar um cargo alto na
máfia, vários benefícios, e alguns milhões na conta.
Ele se sentou, me encarando com os olhos esbugalhados.
— Um alto cargo? — Estreitou os olhos, me analisando.
— Não se preocupe, não será o seu.
— Deveria desistir disso, Vincenzo — pronunciou o meu nome, o que
não acontece com frequência. — O que fará com uma garota que teve a
infelicidade de receber o coração da Anna?
— Ela pode ter sido vítima das circunstâncias, mas a sua família
concordou. O meu pai sabia o que estava fazendo, e todos sabem que tudo
tem um preço.
— E o que fará depois que a encontrar? Vai estar casado e com filhos,
o que considera fazer?
— Que tipo de pergunta é essa? — Sorri com escárnio. — Beatrice é
só uma peça de no meu tabuleiro de xadrez, eu a movo para onde eu quiser,
a hora que eu quiser, conforme as minhas necessidades.
— Mio Signore. — Olhei para a porta de onde vinha a voz e Lorenzo
também se virou.
— O que faz aqui? Lhe dei ordens para não vir — rosnei para Carina,
que estava parada na porta.
— Vou deixar vocês sozinhos — disse Lorenzo, saindo do escritório.
— Mio Signore. — Se aproximou, montando em mim.
— Saia! — Levantei irado e a arrastei pelo braço, atravessando a sala.
— Tive notícias do Francesco — pronunciou com urgência, e eu
soltei o seu braço já roxo, marcado pelos meus dedos.
— O que soube? — indaguei com a mesma urgência.
— Sei o quanto é generoso com quem lhe mostra eficiência.
Ela colou a mão em meu pau, e o apalpou.
— Me foda! — sussurrou, exalando luxúria, e esse cheiro é incrível.
Joguei o seu corpo sobre a mesa, deixando sua bunda bem empinada
para mim, ela estava de vestido e sem calcinha. Acariciei o seu clitóris e
enfiei dois dedos em seguida.
— Eu te dei ordens para não vir a essa casa, Carina. — Bati com
força em sua bunda, deixando os meus dedos marcados.
— Me bate, preciso de um corretivo — disse, gemendo como uma
cadela no cio.
Abri minha calça e deixei o meu pau duro como uma pedra aparecer.
Segurei seus cabelos enquanto eu penetrava com força, aproveitando como
ela estava molhada e quente. Conforme aumentava a força das estocadas,
puxei ainda mais seus cabelos. De repente, tive uma visão de Beatrice
completamente nua na outra ponta da mesa com um ar virginal, abrindo as
pernas e me chamando para fodê-la. Lambi os lábios, sentindo o tesão me
consumir até o limite. Com uma mão apertando seu pescoço, puxei a ruiva
de pernas longas e a coloquei de joelhos, fodendo sua boca com vigor e
assistindo às suas lágrimas escorrendo dos olhos. Finalmente, cheguei ao
clímax dentro de sua boca.
— Delícia — gemi. — Engole tudo, deixa limpinho, isso, isso.
A soltei no chão, arrumei a minha calça e me sentei atrás da minha
escrivaninha.
— Diga o que sabe e como conseguiu a afirmação.
— Uma amiga, que, por acaso, conheceu o Francesco, ela trabalhava
na boate onde o seu pai costumava ir, ela disse que Francesco estava sendo
ameaçado por saber muitas coisas do seu pai, ele está escondido na Sicília.
— Acha que está me dizendo algo que eu já não sei? — Espalmei a
mesa com força.
— Mas o que você não sabe, Don, é que a garota é russa.
Apertei os olhos e gargalhei em seguida.
— Russa? Que cacete você pensa que está falando? O meu pai disse
que ela se casaria comigo.
— Mas o que o senhor não sabe Don é que ela não é italiana de
sangue-puro e que os russos têm olho nela, o seu pai queria muito mais do
que poder.
— Como sabe de tudo isso? — Olhei desconfiado.
— O seu pai disse em uma transa coletiva, eles falavam sobre isso, o
seu pai e o antigo consigliere, ela ouviu.
— Quem é ela? Eu a quero aqui, agora — ordenei.
— Infelizmente ela foi encontrada morta hoje pela manhã, depois que
me contou tudo pelo telefone.
— Foram muitos anos, por que não me contou sobre ela? —
Levantei-me irado, indo em sua direção, apertei o seu pescoço com ódio.
— Ela nunca me disse que conhecia o seu pai — pronunciou rouca e
com dificuldade, a soltei, empurrando-a para o chão.
— Me passe o endereço dela. — Ela anotou com urgência enquanto a
sua outra mão acariciava o pescoço. — Lorenzo — gritei da porta.
— Sim? — Ele surgiu na sala em poucos segundos.
— Vasculhe esse endereço e, quanto a Carina, mostre a ela como sou
intolerante à desobediência.
Ela arregalou os olhos, se ajoelhando aos meus pés.
— Mi signore, tenha piedade — implorou.
— Sinto muito, Carina, mas eu lhe dei uma ordem, e ordem deve ser
seguida. Não quero vê-la novamente, Lorenzo.
— Não! Não! Mi signore, me perdoe.
Subi e entrei no quarto de Beatrice, que dormia tranquila, caminhei
até o seu caderno de desenho aberto sobre a mesa e me assustei, vendo o
que ela havia rabiscado. Rasguei a folha e fui apressado até o quarto anexo
ao meu, onde mantenho tudo do jeito que Anna deixou, eu tinha vários
quadros dela pendurados nas paredes do quarto, olhei fixo para imagem do
vinhedo que ela desenhou sentada embaixo do pinheiro.
— Como isso é possível? — indaguei para mim. — Não viaje,
Vincenzo, a paisagem é linda e o pinheiro proporciona uma bela sombra.
Joguei o papel em cima da mesa, coloquei o quadro no lugar e desci para a
sala. — Quero que coloque os quadros da Anna nas paredes novamente —
ordenei a um empregado.
Ele me olhou surpreso, mas assentiu com a cabeça. De todos os
quadros que a Anna pintou, só um estava exposto na boate, se tratava de
uma dançarina que ela desenhou em um momento em que me acompanhou
ao local para uns compromissos. Lembro de ela ter vindo com o quadro
pronto e dizendo:
— Amore mio, deixe a pintura no salão, ficou linda.
E mesmo que não combinasse em nada com a decoração do local, eu
sempre fazia o que ela me pedia.
10
Estou ansioso pela lua de mel

Beatrice Marino

Abri os olhos, alarmada, assim que ele deixou o meu quarto, o meu
coração batia forte, eu podia senti-lo querendo sair pela boca. Ele iria matá-
la. Dei voltas no quarto, eu precisava fazer alguma coisa, não, você não
precisa, Beatrice. Pensei que eu poderia ser a próxima, ela falou de uma
mulher com duas nacionalidades, ela disse com todas as letras.
Coloquei o meu casaco sobre o vestido e desci, a sala estava vazia e
não encontrei obstáculos. Ele certamente a levaria para casa que vi mais
cedo em meio aos vinhedos, e eu corri até lá, sem saber ao certo o que eu
estava fazendo.
— Lorenzo, eu imploro, fale com o Don.
— Para de falar, Carina — ele gritou.
Ouvi os soluços vindos da mulher, que continuava implorando.
— Não, Lorenzo, você não é igual a ele, Lorenzo, por favor. Eu vou
sumir, eu juro, vou sumir.
— Sinto muito, Carina.
Ele a puxou para fora da casa. Ela estava toda amarrada e ele jogava
gasolina nela, que continuou as súplicas.
— Lorenzo, deixe-a ir. — Me joguei em sua frente, recebendo um
banho do líquido que ele jogava nela.
— Está louca, Beatrice? Saia!
O seu telefone tocou, e eu usei o tempo para tentar tirar as cordas que
a amarrava.
— Vá embora! — Congelei, a ouvindo.
— Estou tentando te ajudar.
— Ele vai matar você também — Uma dor tomou o meu peito, eu
senti como se estivesse sendo pisoteado.
— Mesmo assim ajudarei você.
— Beatrice, chega! — Lorenzo voltou a sua atenção a mim com fúria.
— Ele ouviu a sua voz e está vindo para cá.
Eu senti o pavor tomar conta de cada centímetro do meu corpo, mas
eu já estava envolvida em tudo isso e julguei ser impossível recuar.
— Problemas para executar as minhas ordens, Lorenzo? — A sua voz
ecoou calma e tranquila.
Eu perdi o controle nas mãos que tremiam enquanto encarava os
olhos amedrontados da mulher na minha frente.
— Beatrice está confusa, mas já está de saída. — Lorenzo me puxou
pelo braço.
Ele sacou a arma e, sem tempo de súplicas, atirou contra a cabeça de
Carina, que caiu morta em seus pés.
— Rápido e sem tortura, você pode me agradecer na próxima vida —
ele disse de forma doentia, alisando o rosto da mulher que tinha uma poça
de sangue crescendo embaixo dela.
Eu queria gritar, mas a voz não saiu e percebi que eu estava paralisada
pelo medo.
— Minha querida noiva, quer partir tão cedo? Confesso que isso me
deixa desapontado, estou ansioso pela lua de mel.
Eu estava sentada no chão, e ele abaixou-se, ficando na altura dos
meus olhos.
— Venha, vou te levar para casa. — A sua voz soou sem emoção.
— Não toque em mim — gritei, me arrastando pelo chão sem forçar
para me colocar de pé.
— Não tire a minha paciência, Beatrice. — A sua voz reverberou e
me esforcei para levantar, buscando forças onde nem imaginei que tinha.
Corri sem saber exatamente o que estava fazendo, eu não poderia
correr uma vida toda dele.
— Fique parada bem aí, Beatrice. — Eu não tinha a intenção de
obedecê-lo, mas não pude dizer o mesmo das minhas pernas, que
paralisaram com o comando, e eu caí de cara no chão depois de perder o
equilíbrio.
Ouvi os seus passos apressados em minha direção e fechei os olhos
para o que viria em seguida.
— Droga! — murmurou, me pegando nos braços e me jogando em
seus ombros como se eu fosse um saco de batatas.
Entramos na mansão, e ele subiu as escadas comigo ainda em seus
ombros, me jogando na banheira, eu não havia notado nada mais além do
forte cheiro de gasolina, o meu corpo ainda tinha sangue escorrendo por
várias partes.
— Tire o vestido. — Olhei assustada, cruzando os braços no peito.
— Não!
Ele abaixou e arrancou o vestido em um único puxão e o jogou no
lixo em seguida. Com a ajuda da mangueira do chuveiro, ele me molhou, e
eu, completamente envergonhada, tentava cobrir as minhas partes que tinha
apenas as roupas íntimas.
— Você precisa entender uma coisa, Beatrice — ele se abaixou,
ficando de joelho do meu lado. — Eu mando aqui, eu mando em você, e eu
odeio ser contrariado. Tome um banho e durma, não quero mais ouvir
barulho seu hoje.
Deitei-me na água que ainda era rasa na banheira, me agarrei às
minhas pernas e chorei desejando acordar desse pesadelo.

***
O sol fraco, porém, irritante entrou pelas janelas que não possuíam
cortinas grossas. Abri os olhos de má vontade e fui sem coragem tomar um
banho. A água gelada acordou a minha pele de forma cruel, mas, ainda
assim, o resto parecia estar morto.
Me troquei e desci. O meu futuro marido estava de pé de frente para
uma das imensas janelas da sala, ele falava ao telefone em um inglês, cheio
de sotaque, eu não tinha a intenção de prestar atenção, mas ele disse em um
inglês perfeito como um nativo desta vez: “me caso amanhã”.
Amanhã? — gritei em minha mente, encarando os seus ombros
largos.
— Buongiorno. — Lorenzo surgiu na sala com o seu sorriso fácil
pendurado nos lábios.
Fingi não ter ouvido e sentei-me à mesa, eu vinha adquirindo uma
audácia, acreditava ser pelo ambiente que me obrigava a todo instante me
pôr em alerta.
— Beatrice, hoje você irá receber um estilista com alguns modelos de
vestido. — Vincenzo se aproximou, se sentando na ponta da mesa como um
chefe.
— Por que a pressa? — Me fiz de desentendida.
— Nos casaremos amanhã.
— Pensei ter escutado que o casamento seria em sete dias.
— Mudei de ideia, para que esperar.
Eu levantei o rosto para encará-lo e ainda queria entender como os
seus olhos podiam fazer o meu coração disparar como se eu estivesse
apaixonada. Nunca! Balancei a cabeça, afastando de uma vez esses
pensamentos insanos e sem lógica.
— Está tudo pronto para o casamento e os seus sogros já foram
avisados. — Paralisei quando ouvi a voz de Mattia, ele parou ao meu lado,
mas não me direcionou o olhar. Contive o grito horror que considerou sair
quando vi a sua mão coberta por bolhas causadas por queimaduras.
— Perfeito, Mattia, e sobre a questão dos fundos da mansão, cuide
para que não me cause problemas, se for um problema, elimine, sem
fumaça.
Fui tomada pela curiosidade, o que tem nos fundos da mansão?
— Bom… Vamos, Mattia, ainda temos o assunto do Francesco para
tratar — disse Lorenzo, se levantando da mesa e nos deixando a sós.
— Como se sente? — indagou, mas não parecia se importar com a
resposta.
Encolhi os ombros e voltei a minha atenção ao pote de geleia que eu
tentava abrir usando toda a minha força. Ele se levantou, parou do meu
lado, girou a tampa usando apenas três dedos e retornou ao seu lugar.
— Não tem nada a falar sobre o casamento?
— Não. — Se eu falasse, seria certamente morta.
— Perfeito.
O meu telefone tocou sobre a mesa, fazia um bom tempo que Giovani
não me ligava, ele parecia inconformado com a notícia repentina do
casamento. Eu não podia dizer a eles quem de fato era Vincenzo, embora
fosse como se tivesse um letreiro preso na testa dele dizendo: sou mafioso.
— Por que não atende? — indagou, vendo a minha hesitação.
— Me dê licença. — Levantei-me lentamente, esperando ordens para
que eu ficasse e atendesse ali onde eu estava, mas ele não o fez e parecia
não prestar atenção nos meus atos.
Andei até a janela mais próxima da mesa e atendi.
— Giovani?
Ele ficou em silêncio por uns segundos. Parecia chorar.
— Vai mesmo se casar, Trice? — indagou com a voz embargada.
O meu coração quebrou-se em vários pedaços, eu costumava ter
sentimentos por ele, e se hoje eu não me sentia romanticamente atraída por
ele, a culpa foi desse coração que fez todos os meus gostos se tornarem
secundários.
— Sinto muito. — Eu não tinha muito o que dizer.
— Espero que não se importe se eu não for ao seu casamento.
— De forma nenhuma, eu até prefiro que seja assim — disse em um
tom abatido.
Olhei para trás e lá estava o homem que me acorrentou sem precisar
de correntes, que me arrastaria a um altar e a uma vida infeliz.
— Vou desligar. — Encerrei rápido a ligação, incapaz de continuar
segurando as lágrimas.
Continuei de costas tentando conter os tremores que partiam dos
meus pulmões já sem força de conter o grito peso e as lágrimas ardiam em
meus olhos.
— Notícia ruim? — Sobressaltei me assustando com a sua voz
sussurrada em meu ouvido.
— A notícia ruim está parada ao meu lado — respondi, destemida,
esperando a sua reação descontente.
— Consigo ler os seus olhos, Beatrice. Eu sou ótimo em lê-los.
— Então consegue enxergar o quão destroçada está a minha alma.
— A sua alma? — A sua sobrancelha se arqueou e ele me encarou,
fazendo gesto para que eu continuasse a falar.
— Nunca ouviu falar que os olhos são o espelho da alma?
A sua boa ensaiou um sorriso e ele girou os pés, parando de frente a
mim, usando o dedo indicador para levantar o meu queixo, me fazendo
encará-lo.
— O que vê nos meus? — indagou com escárnio.
— Nada! — respondi sem hesitar.
— Nada? — Sorriu perigosamente sexy.
— Você não possui alma.
Ele mordeu o lábio e, envolvido em uma aura de mistério e perigo,
me respondeu:
— Você tem toda razão, Beatrice. Já faz um bom tempo que eu
oferecia a minha alma ao diabo e você está destinada a viver esse inferno
comigo.
11
É o que nos espera, uma morte cruel

Vincenzo Ferrari

— O que te aborrece tanto nesse celular? — Lorenzo entrou no


escritório sem bater.
— Quem é? — Arrastei o aparelho de Beatrice pela mesa.
— Como eu poderia saber? — Deu de ombros, se jogando na poltrona
com o aparelho nas mãos. — Devo descobrir? Giovani — leu o nome dele,
seguido de um coração.
— Faça, quero saber quem é.
— Ciúmes do garoto? — zombou.
— Ciúmes? — Cruzei as pernas sobre a mesa, me recostando na
cadeira. — Não. Curiosidade.
Beatrice chorou por ele, o garoto não era um qualquer. Eu tinha coisas
mais importantes do que está procurando saber sobre a vida de um rapazote,
mas, ainda assim, fui tomado por um estranho desejo de ir a fundo nesse
assunto.
Ele arrastou o telefone de volta pela mesa.
— Amanhã te darei todas as informações. Vi que mandou colocar os
quadros da Anna de volta nas paredes — falou, mudando de assunto.
— Sim, colocarei de volta. Por quê?
— Por nada, só achei estranho que, no momento em que deseja casar-
se novamente, você espalhe os quadros dela pela casa, ainda mais sendo a
Beatrice uma artista tão boa.
Arqueei as sobrancelhas, analisando-o.
— Como sabe?
— Eu a peguei desenhando o vinhedo com tanta tenacidade que me
lembrou a minha cunhada.
Tirei os pés da mesa, endireitando a postura.
— Você também notou? — indaguei um tanto surpreso.
— O quê? Que ela desperta em você o mesmo interesse que você teve
pela Anna ou que ela tem atitudes e comportamentos bem parecidos? — O
seu tom foi de zombaria.
— Não seja ridículo. — Levantei-me, saindo da sala com pensamento
em ir até o quarto de Beatrice.
Hesitei entrar, encarando a maçaneta, e me enfureci comigo mesmo
por comparar a minha Anna, eu certamente a fiz revirar no caixão de
ciúmes e rancor por tal pensamento. O meu coração é dela e nunca mais
será de outra. Parei no corredor e me escorei no parapeito da escada, os
quadros de Anna aos poucos voltavam a dar vida a essa casa. Voltei a olhar
para a porta do quarto de Beatrice e então entendi a necessidade que senti
em trazer a Anna de volta para essa casa.

***

— Já vai, ainda está cedo? — Alessia sussurrou manhosa ao meu


ouvido.
— Tenha um bom dia, Alessia. — Levantei-me e retornei para casa,
depois de uma noite aliviando meus piores instintos.
— Traindo a noiva nas vésperas do casamento? — Lorenzo
gargalhou, me encontrando no caminho de volta para a mansão.
— E você, aonde estava indo? Já sei, comer o que me pertence.
— Precisamos trazer mais, agora que Carina se foi, ela era a minha
favorita.
— Apenas vá a um bordel.
Ele gargalhou.

***

Beatrice Marino

Já era manhã, mas o dia estava lúgubre, embora agora, dentro de


mim, dissesse estar tudo bem, eu ainda sentia um tormento na alma gritando
que eu estava em perigo e devesse fugir. Após um banho demorado e quase
sem ânimo para encarar a vida que me aguardava depois do sim nesse fim
de tarde.
— Signora. — As batidas leves na porta do quarto me trouxeram a
minha dura realidade.
— Sim? — indaguei sem abri-la.
— O estilista está aqui — a funcionária informou, abrindo a porta
desta vez.
— Buongiorno. — O homem de roupas espalhafatosas e um andar
engraçado entrou no quarto. — Você está péssima, o seu maquiador vai ter
muito trabalho com você hoje.
Forcei um sorriso, tentando ser simpática e fingir que ele não sabia o
que estava acontecendo aqui.
— Esse é o seu vestido de noiva. — Ele colocou o vestido sobre o
sofá e inclinou a cabeça, me analisando. — Você é mais magra do que
imaginei que seria olhando pela foto, mas tem uma bela cauda e um farto
par de seios fartos. Isso é bom.
Eu ri da forma que ele pronunciou as palavras.
— Ele é lindo, pode ajustar o quanto considerar ser mais apropriado.
— Que noiva desanimada. Ânimo. — Ele bateu palma e parecia que
ele havia realizado uma mágica onde fez surgir vários funcionários
enchendo o quarto de flores e todos os aparatos para me deixar pronta para
o casamento.
O café da manhã foi servido no meu quarto, uma mesa imensa com
frutas, pães, geleias, sucos, café e chás.
— Você é uma ragazza de sorte, fisgou o Don. Todos vão te olhar
com inveja hoje e não só pela sua nova posição que muitos cobiçam, mas
por conta disso aqui.
Ele abriu um estojo de veludo. As joias eram magníficas, mas não
preenchiam o vazio que eu sentia.
Quanto mais as horas passavam, mais mortificada eu me sentia,
embora algo dentro de mim ainda fazia meu coração palpitar e a minha
mente traíra me trazendo imagens daquele sorriso e aquele olhar que
estranhamente me atraem. Eu não fazia ideia de onde vinha isso, a minha
razão gritava insanavelmente “fuja”.
— Magnifica! — disse o estilista, fechando os últimos botões do meu
vestido de noiva. — São pedras preciosas — falou, se referindo aos botões.
— Amanhã você verá os empregados brigando para limpar o quarto da
noite de núpcias, eles sabem que os noivos tendem a arrancar o vestido e os
botões se espalham por todas as partes.
— Você está me deixando nervosa.
— Rainha, sinta-se privilegiada de ter aquele homem todo para você.
Eu senti a minha garganta fechar, eu busquei o ar com urgência e
necessidade.
— Preciso dar uma volta, preciso respirar. — Andei apressada,
abrindo a porta e deixando aquele quarto até perceber que não era ele que
me sufocava e, sim, tudo, a casa, a situação, o casamento. Me deparei com
um mar de quadros, e as imagens me assombraram, eu sonhava com elas
quase todas as noites, eu as pintei em diversas telas espalhadas pelo meu
ateliê.
Eu senti a minha mente girar e girar…. Como isso é possível? O meu
coração acelerou, eu pressionava o peito, sentindo uma dor fina, as lágrimas
já não podiam ser contidas.
— Preciso sair daqui. — Levantei a barra do vestido que se arrastava
pelo chão, tirei os sapatos e saí pelos fundos da mansão.
As pessoas estavam entretidas com a ornamentação em frente à
propriedade, enquanto eu buscava um pouco de sentido em tudo que eu
estava vivendo. Até que a casa mediana, escondida entre pinheiros, me
chamou atenção, me aproximei. Seria esse o lugar proibido?
— Olá! — Enterrei os meus passos, e virei para trás, meu cenho
franziu, afinal, quem é a mulher de pele clara e olhos cor de meu que agora
sorri para mim.
— Quem é você? — indaguei, curiosa.
Ela sorriu com diabrura.
— Alessia, muito prazer. — Estendeu uma das mãos desocupadas, já
que carregava consigo uma cesta de frutas colhidas na propriedade.
Dei passos para trás, apertando os olhos, analisando-a
— Eu moro nessa casa, o que faz aqui? Achei que fosse proibida de
vir. O Don deve ter te dado ordens para não vir, assim como me deu ordens
de não me aproximar da mansão. — Ela andava até a casa, e eu a segui.
— E por que você mora aqui?
Ela sorriu novamente, me encarando com um olhar penoso.
— Volte para o seu casamento, Beatrice, e não se preocupe tanto com
a lua de mel, eu deixei o Don bem satisfeito ontem à noite.
Então é isso, era aqui que a Carina vivia, elas servem ao Don na
cama.
— Não me olhe assim, Beatrice, eu também não posso sair dessa
propriedade, assim como você. Daqui só saímos mortas. Foi assim com a
Anna, tadinha. — Ela suspirou lamentando.
— Tadinha por quê?
— Ela foi morta, Beatrice, e teve o coração arrancado.
As suas palavras me atingiram como uma bala, e eu caí sentada no
chão.
— Coração arrancado? — indaguei para mim, mas o fiz em voz alta.
— É o que nos espera, uma morte cruel, se tivermos sorte, será como
a Carina. — Deu de ombros e virou as costas, me deixando sozinha
estarrecida no chão.
12
Não farei nada que não queira

Vincenzo Ferrari

Tudo estava pronto, mas Beatrice ainda não havia descido, eu olhava
para o relógio impaciente. Esse ambiente.
— Onde está a minha irmã? — Luigi se aproximou, perguntando.
— Nunca ouviu falar que o noivo não pode ver a noiva antes do
casamento? Estou igual a você, esperando que ela desça — pronunciei,
furioso.
Olhei ao redor e a movimentação entre os meus soldados estava
estranha.
— Qual o problema? — indaguei, me aproximando.
— A senhorita tentou fugir.
Mordi os lábios, contendo a raiva.
— Onde ela está?
— Na casa do vinhedo.
— Chame o Lorenzo e o Mattia, informem o que está acontecendo e
cuidem para as pessoas perceberem, vou levá-la de volta pelos fundos.
Apressei os passos, assim que fiquei longe da visão dos convidados.
Entrei na casa com muito ódio.
— Não se aproxime — exigiu.
Olhei para ela com toda fúria e ódio que parecia que poderia matá-la a
qualquer momento.
— Faz ideia do que está fazendo, Beatrice?
Caminhei até a figura pequena encolhida no canto da parede. Ela
estava coberta de terra, o vestido branco estava imundo.
— Quando você pretende me matar, depois que eu assinar os
documentos e você ter direitos sobre a empresa da minha família?
— Matar você não estava nos meus planos, mas acabo de considerar
isso. — Me abaixei, ficando na altura dos seus olhos. — Você acabou de me
deixar furioso, Beatrice. — Levantei-me, a puxando pelo braço. — Se você
ousar gritar, eu acabo com cada um da sua família e, quanto a você, posso te
jogar em um bordel qualquer ou usar como isca para algum trabalho.
As suas pernas fraquejaram e com a força com a qual eu a puxava,
acabei arrastando-a pelo chão por alguns centímetros até pegá-la no braço, a
colocando sobre o meu ombro. Ela parecia morta em meus braços, não se
movia e sequer fazia ruídos.
— Se recompõe, coloca outro vestido e desça rápido — disse
entredentes.
— O que aconteceu com você, saiu deste quarto uma rainha? —
indagou o estilista.
— E acho bom que você refaça tudo em menos de trinta minutos —
falei, saindo do quarto.
— Don, eu fico, quando ela estiver pronta, desço com ela — disse
Lorenzo, me encontrando no corredor.
— Certo, vou descer.
— O que aconteceu com a minha irmã, Vincenzo? — Interrompi os
meus passos, virando para encará-lo, deixando transparecer o ódio que eu
estava sentindo.
— A sua irmã está bem, Luigi, você está me irritando ainda mais do
que ela, se é que isso é possível.
— Don… — Se interrompeu, hesitante.
— Seja breve, Luigi.
— Não tire a pureza da minha irmã — Os seus olhos estavam cheios
de lágrimas e sua expressão era lastimável.
— O que espera que eu faça? Devo cobri-la de cera e deixar a
escultura enfeitando a sala? Cacete! Luigi, você está me irritando.
— Não a force — suplicou.
— Eu prometo a você que farei a pequena Beatriz gemer
enlouquecida e pedir por mais, satisfeito?
— A noiva chegou! — Ouvi o anúncio de Lorenzo e virei para vê-la.
— Que porra é essa?
— Se contenha, era o único que tinha — disse Lorenzo, que se
aproximou de mim com urgência.
— Foi você? — Cerrei os punhos.
Ele engoliu seco, confirmando. Os meus olhos percorreram por cada
centímetro dela, o vestido de Anna lhe caiu perfeitamente, subi os olhos e
não vi mais a Beatriz na minha frente. Anna caminhava em minha direção,
e o seu ar triste me incomodou, ele sempre sorria ao meu lado. Eu estava
hipnotizado. Era incapaz de desviar os olhos.
— Estou aqui, satisfeito? — O seu olhar gélido me atravessou
completamente.
Senti os meus joelhos tremerem, uma sensação que eu não sentia há
muito tempo.
— Muito. — Alisei o seu rosto saindo da minha pose de durão.
— Então vamos terminar logo com isso.
— Terminar? Isso é só o começo.

***

Beatrice recebeu os cumprimentos com a mesma animação de quem


acaba de ficar viúva. A mãe e a irmã não vieram, eu considerei isso uma
afronta, mas eu estava encantado demais para criar caso nesse momento.
— Beatrice, vamos dançar — Ela me olhou um tanto surpresa, eu
também estava, mas eu a abracei e ouvi, senti a Anna ali comigo, o seu
coração batia como no dia do nosso casamento. Eu estava delirando e eu
nem o álcool pude culpar, já que não pus uma gota na boca. — Acho que
está na hora de subir. A festa acabou para nós, ragazza.
Ela levantou os olhos e me encarou amedrontada. Subimos sem nos
despedir, eu não queria encarar a expressão enlutada do meu sogro e meu
cunhado. Entrei e fechei a porta atrás de mim.
— Não farei nada que não queira, Beatrice. — Seu olhar parecia de
alívio, porém, eu ainda não havia terminado de falar. — Tire a roupa e se
deite.
— Me disse que não faria nada que eu não quisesse — disse com um
tom desapontado.
— Exatamente, Beatrice, me peça para parar e eu farei — falei, a
agarrando e abrindo o vestido em um único puxão, e todos os botões se
espalharam pelo chão.
— Pare! — gritou, abusando do benefício concedido.
— Shi… — Pressionei os seus lábios com o meu dedo polegar, o seu
corpo tremia. Desviei os meus olhos da sua boca que me convidavam de
forma insana para um beijo.
Pressionei a minha mão entre o seu peito, eu estava conectado a ela,
me senti seguro para ir além, fazer tudo sem culpa, sem remorso, era como
se Anna estivesse ali dentro, me dizendo estar tudo bem e que eu poderia
fazer.
— Não vou machucar você — sussurrei. — Relaxe. — Voltei a
encarar os seus lábios. Era eu quem precisava relaxar. — Eu quero muito te
beijar. — Pressionei novamente os seus lábios com o meu dedo polegar.
Sentei-me na cama, colocando-a em meu colo, sua pele estava gelada, eu
sentia o medo que exalava dos seus poros.
— Anna, eu sei que está aí, e que me diz que posso fazer — Ela me
encarou confusa.
Eu a deitei na cama com delicadeza, pus a mão entre a sua escapular e
desci até os seus seios, abaixei a alça do sutiã e passei a língua pelo bico
dos seus seios que estavam duros. As minhas mãos exploram o seu corpo
em cada centímetro, parando em suas coxas e fincando os meus dedos
nelas, subi até a sua virilha. Afastei a calcinha encharcada, e pressionei o
seu clitóris. Ela arqueou as costas, e dos seus lábios escapou um gemido
tímido.
— Isso, gostosa! — Tirei a sua calcinha e volto a minha atenção para
ela, trançando um caminho com a minha língua. Levantei os olhos para
analisá-la, os seus dedos procuraram os meus cabelos, e eu subo, chegando
até os seus peitos, que ela oferece arqueando o corpo. Uma das minhas
mãos descem e passam a estimular o seu clitóris, a sua intimidade estava
encharcada, quente, e ela completamente excitada apertando com força o
lençol. Abandonei os seus peitos e voltei a encarar a sua boca convidativa, e
que estava me deixando louco.
— Vincenzo — gemeu, excitada, gritando o meu nome.
— Isso, chame pelo meu nome, eu te autorizo a fazê-lo. — A penetrei
com um dos meus dedos, um gemido de dor e prazer escapou da sua boca,
boca essa que eu não consegui resistir, enfiei a minha língua nela e mordi os
seus lábios. Que delícia! A minha língua buscou a dela com desespero e
dependência.
Me agarrei as suas coxas, a puxando para mais perto do meu pau
sedento por ela. Abri a calça e coloquei o meu pau lambuzado e pulsando
de desejo. Encostei na sua entrada e entrei lentamente, sentindo a sua
boceta apertada e encharcada. Urrei dentro dela.
— Que delícia! Gotosa para cacete. — Levei as minhas mãos aos seus
cabelos e os puxei para trás, suguei os seus peitos e entrei de uma vez,
rompendo a sua virgindade. Abafei o grito com mais um beijo, ela cravou
as unhas em minhas costas, parei por um minuto esperando que a dor
cessasse e senti ela rebolando no meu pau pedindo por mais. — Isso,
rebola, rebola mais rápido. — Ela obedeceu, enlouquecida de prazer. Senti
o seu corpo estremecer e ela gritou, gemendo gostoso durante um orgasmo.
— Ai! Ah! — ela gemia ainda rebolando no meu pau.
— Eu vou gozar dentro de você, vou te encher de porra e depois vou
te foder de novo e de novo. Essa noite não teremos descanso, minha
ragazza. — Eu a penetrei com mais força e a sua expressão de prazer me
deixou enlouquecido. Explodi dentro dela.
Caí ofegante ao seu lado, a camisa que eu ainda usava estava colada
no meu corpo suado. Eu havia acabado de fazer algo que eu não fazia há
muito tempo. Eu e Beatrice fizemos amor.
13
Foi só sexo, Beatrice

Beatrice Marino

Acordei sentindo o meu corpo doer, mas, ainda assim, eu estava feliz,
sentindo uma paz estranha no meu coração. Eu me sentia na minha casa, ao
lado do homem certo, e isso era estranho e esquisito.
Ouvi baterem na porta.
— Buongiorno — Nina fala, colocando a cabeça entre a porta aberta.
— Entre. — Minha voz saiu animada, e ela apertou os olhos, me
analisando.
— Hum… A noite foi boa? — ela indagou como quem não entende o
que estava acontecendo.
— Foi! — Senti o meu rosto queimar de vergonha. — Ele gosta de
mim, eu senti isso — disse com um tom romântico.
Ela mordeu o lábio inferior e me lançou um olhar preocupado.
— Você se apaixonou assim tão rápido?
Dei de ombros, me sentava no sofá ao lado dela.
— Você é doce, ingênua. Foi só sexo, Beatrice, eu duvido muito que
ele sinta algo por você. — Seus lábios se transformaram em uma linha dura.
— Ele me tratou bem. — Mordi o lábio, continuando um sorriso
bobo. — E foi incrível.
— Fico feliz por você. Confesso que estive preocupada com a sua
noite de núpcias, eu, normalmente, vou até a casa das recém-casadas para
lhes receitar remédios para machucados e analgésicos.
— Me espere um minuto, tomarei um banho e desceremos para comer
alguma coisa no jardim.
Tomei um banho rápido, me troquei e descemos até o jardim. Fiquei
desapontada de saber que Vincenzo não estava em casa e que havia saído
sem falar comigo, afinal, somos recém-casados, eu esperei poder, no
mínimo, acordar com ele ao meu lado.
— Precisa colocar os pés no chão e parar de sonhar — disse,
constatando o meu desapontamento.
— Eu não sei o que deu em mim, eu só o odeio e, de repente, ele se
aproxima, eu o quero.
— Juro que achei que ele surtaria assim que te vi entrar com o vestido
que a Anna se casou com ele.
— Como assim? — indaguei, confusa.
— Aquele vestido, Anna usou quando eles se casaram.
— Anna?
Ouvimos uma gargalhada e nos viramos para olhar de quem se
tratava.
— Oi, querida noiva, agora que o meu irmão se casou, podemos
marcar o nosso casamento. Estou ansioso.
Ela revirou os olhos, e eu fiquei confusa que tipo de relação existia
ali. Eles não pareciam se odiar. Lorenzo estava longe de ser um homem
grosso, que gostava de bater em mulheres, e Nina parecia ser dona de si.
— Eu sei que a ideia do vestido veio de você, Lorenzo.
Ela sorriu com deboche.
— Ela havia estragado o vestido, o que queria que eu fizesse? Só
arrumei uma solução. — Deu de ombros.
Aos poucos, a ficha ia caindo, ele delirou, ele me chamou de Anna,
foi puro delírio.
— Onde ele está agora? — indaguei.
— Resolvendo umas questões. Não espere muito dele, Beatrice.
— Sim, eu sei. — A minha luz se apagou. Toda aquela animação que
acordou comigo escorreu junto a uma lágrima teimosa que percorreu a
minha bochecha e que aparei rapidamente com a mão. — Vou subir e deixar
vocês sozinhos.
Me joguei na cama, me enfiando entre os travesseiros.
— O vestido era dela, por isso que ele me olhou com tanta ternura.
Burra! Você é burra, Beatrice, ficou toda comovida com a forma que ele te
tocou. — Corri para o banheiro e molhei o rosto e a nuca, tentando conter o
calor que meu deu só de pensar na noite passada.
— Senhora, colocaremos as suas coisas no quarto do Don. — Ouvi
uma das funcionárias comunicar.
— Foi ordem dele? — indaguei, saindo do banheiro e me sentando na
cama, aguardando a resposta.
— Sim, foram ordens do Don.
Um sorriso bobo e cheio de esperança surgiu novamente.
— Certo, então leve tudo.

***

Vincenzo Ferrari

— Don, já encontraram o caminhão — disse um dos meus soldados.


— Perfeito! E Mattia, onde está?
— Ele ficou, disse que vai levar um dos suspeitos para o galpão.
— Certo, então vou primeiro.
Eu já tinha visto de tudo, mas nunca ouvi falar de caminhão sumir no
meio da estrada, ainda mais cheio de armas que são minhas. A pessoa que
tenha planejado isso terá uma morte terrível.
Cheguei em casa e fui direto para o escritório.
— Descobriu alguma coisa? — Lorenzo perguntou, entrando no
escritório.
— Mattia foi atrás das pistas dos suspeitos.
— Ótimo. Fiz o que pediu, fiquei de babá da sua esposa. Nina veio
aqui, deve ter examinado ela, não sei.
— E sobre a mulher, a amiga da Carina?
— Não tinha nada lá, procure as filhas de todos os associados com
descendência russa.
— Certo, realizarei o levantamento. — Ele foi até a gaveta e jogou
um envelope sobre a mesa.
— Sobre que se trata?
— Giovani de Lucca. Esse é o nome do namoradinho da sua esposa.
— Saia, me deixe sozinho.
Peguei o envelope, abri e joguei o conteúdo sobre a mesa.
— Ele não é ninguém importante — disse, jogando as fotos e as
informações de lado.
— Don? — Olhei para a porta, de onde veio a voz.
Beatrice colocou a cabeça pela porta entreaberta.
— O que você quer? — indaguei com frieza.
Ela entrou, caminhou em minha direção e parou ao meu lado, me
encarando tímida, e se inclinou. Estava prestes a me beijar.
— Não é hora para isso. — Levantei-me, tentando evitar o beijo.
— Fiz algo de errado?
— Não, mas estou trabalhando — respondi, ficando de costas para
ela.
— Claro, me desculpe. — Ouvi os seus passos em direção à porta. —
Eu esperei acordar e te encontrar na cama — disse, enterrando os passos.
— Eu trabalho, Beatrice, não posso ficar até meio-dia na cama. —
Virei-me para encará-la. Ela mordia os lábios e batia o pé direito contra o
chão. — Mas alguma coisa? — indaguei, percebendo que ela hesitava falar.
— Sobre ontem? — Ela desviou olhar e baixou a cabeça. — Voc…
— Calou-se. — O senhor… deixa para lá. — Ela tornou a andar em direção
à porta.
— Somos casados, Beatrice — comecei a falar, ela parou, mas sem
virar para mim. — Mandei colocar as suas coisas no meu quarto,
dormiremos juntos, acordar nem sempre será possível, eu acordo muito
cedo. Você foi esplêndida na noite passada, então, não se preocupe
repetiremos e é apenas isso.
— Apenas isso? — Virou-se com os olhos marejados de lágrimas.
— Não posso te oferecer mais do que isso.
— Serei apenas eu?
Apertei os olhos, analisando-a.
— Que pergunta é essa?
— A mulher da casa dos fundos.
— Foi até lá? — Encurtei a distância entre nós.
Esperei que ela dissesse que não, que não havia descumprido as
minhas ordens.
— A Carina morava lá também?
Sorri sem humor. Zerei a distância entre nós e puxei-a pela cintura, a
minha outra mão se enrolou em suas mechas loiras e eu encarei os seus
olhos verdes, que agora tinham a cor de uma esmeralda.
— Você não deve questionar o seu marido sobre esses assuntos,
Beatrice. — Fechei os olhos, me perdendo em seu cheiro adocicado.
— Pretende mantê-la lá?
— Sim. — Eu queria dizer que só ela me bastava e que eu não
pretendia tocar em mais em nenhuma outra, mas não disse. — E isso não
vai mudar nada entre mim e você. Na nossa cama.
— Eu sempre ouvi falar que os homens da máfia respeitavam as suas
mulheres — pronunciou, me desafiando.
— Do que reclama, Beatrice? — Toda aquela cobrança havia me
deixado de pau duro. Levei as mechas dos seus cabelos para um lado do
pescoço, deixando o outro lado à mostra e não resisti levando a minha boca
até ele, o seu corpo estremeceu com o toque da língua.
— O que está fazendo? — murmurou.
— Você não sabe? — indaguei com malícia.
Levantei-a pela cintura, sentando-a sobre a mesa, me coloquei entre
as suas pernas, as minhas mãos subiram lentamente traçando um caminho
pelos seus braços, apertei os seus peitos ainda por cima do vestido e mordi
o bico duro. Ela arqueou o corpo e gemeu abrindo as pernas.
— Foi isso que você veio reivindicar, Beatrice? — quis saber,
afogando os meus dedos em suas coxas. Afastei a sua calcinha, que estava
encharcada, e usei quatro dedos para sentir bem a sua boceta molhada e
quente. Penetrei um dos meus dedos e trouxe até a minha boca. —
Deliciosa!
— Me beija! — implorou.
— Sim, mas em outros lábios. — Me coloquei de joelhos em sua
frente, apoiando as suas pernas sobre os meus ombros, beijei a sua boceta, a
fodendo com a minha língua, e a penetrei com um dos meus dedos. — Goze
para mim — ordenei, a fodendo com força com dois dedos, e foi
instantâneo, ela agarrou-se aos meus cabelos, rebolando e pressionando a
minha boca contra a sua boceta deliciosa. — Isso, goze. — O seu corpo
tremeu, e eu me coloquei de pé, abrindo a minha calça. Coloquei o meu pau
duro e melado de prazer, entrei nela sem aviso e a fodi com força, puxando-
a pela cintura para intensificar as estocadas.
— Vincenzo… — gemeu o meu nome e colocou os seus braços em
volta do meu pescoço.
Ela lambeu os meus lábios e mais uma vez eu fui incapaz de resistir a
sua boca deliciosa. A minha língua encontrou a dela com voracidade, os
meus movimentos dentro dela ganharam mais intensidade e eu explodi em
um orgasmo que me fez perder as forças. Me escorei na mesa, ofegante e
suado, e mais uma vez fui incapaz de cumprir a promessa de nunca mais
beijar outra boca.
14
A minha pipoquinha

Beatrice Marino

Não me lembro a hora exata em que adormeci, mas sei que esperei
por Vincenzo até o limite do meu cansaço, olhei para o seu lado na cama, e
estava intacto. Ele não dormiu aqui.
Uma tristeza invadiu cada pedacinho de mim e instalou no meu
coração, que parecia estar sendo pisoteado, e ele estava.
— Como é idiota, Beatrice, como pode se apaixonar assim, tão
rápido? Estúpida!
O meu telefone vibrou sobre a mesa, era uma ligação da minha casa.
— Alô?
— Filha? — A voz embargada da minha mãe deixou o meu coração
ainda mais destroçado.
A minha voz sumiu, eu não tive forças para responder, e ela
continuou:
— Venha nos ver. Sei que terá que pedir autorização ao seu marido,
mas faça o possível para vir.
Era difícil para ela admitir isso em voz alta, dizer que eu precisava de
autorização de um homem para visitar os meus pais, certamente estava
acabando com ela.
— Eu irei — garanti.
— Venha o mais rápido que conseguir. — Meu coração parou por
alguns segundos, algo estava errado.
— Mãe, por que não veio ao casamento?
— Filha, estou com problemas aqui em casa, e ele chama por você o
tempo todo.
— Mãe, é a minha pipoquinha? — indaguei, percebendo que as
lágrimas corriam pelo meu rosto e eu estava prestes a soluçar.
— Trice… Ela está doente.
Eu sempre senti que o meu coração batia valente por ela. Ela não é a
minha filha, mas o meu coração é completamente dela.
— Estarei aí em alguns minutos. — Desliguei o telefone e corri para
o banheiro, tomei um banho rápido, me troquei e desci para procurar por
Vincenzo.
— Aonde vai com tanta pressa? — Mattia estava sentado na sala
quando passei correndo por ele.
— Viu o Don?
— Qual a urgência?
— Preciso ir até a casa dos meus pais.
— Sinto muito, mas terá que esperar, o Don precisou sair.
— Pode tentar contato com ele? Preciso muito ir agora.
— Claro, farei isso por você.
Ele pegou o telefone e digitou.
— Deixe-me falar — pedi.
Ele me mostrou a sua mão aberta, me pedindo para esperar.
— Don, a sua esposa precisa visitar a família, e gostaria de lhe pedir
autorização. — Ele encerrou a ligação e pôs o telefone no bolso. — Ele não
voltará tão cedo, mas disponibilizou um soldado para levar você até a sua
família.
— Jura? — indaguei, incrédula, mas não questionei. — Obrigada. —
Corri até o jardim com ele em meu encalço.
— Leve a senhora até a casa da família dela, o Don autorizou.
Ele acenou positivamente com a cabeça e abriu a porta para mim.

***

Vincenzo Ferrari

— Mattia! O que faz aqui parado na porta? Venha, vou até o galpão,
arrancaremos daquele infeliz quem está por trás do roubo das armas.
— Claro, vamos agora mesmo, Don.
— Quem saiu? — indaguei.
— Não faço ideia, acredito que algum soldado foi resolver algum
assunto pendente.
— Viu a Beatrice?
— Não a vi, ainda deve estar dormindo, nunca vejo a sua esposa antes
das onze da manhã.
Ele tinha razão, cheguei a pensar em lhe dar atividades para que ela
não se sentisse tão entediada, mas depois pensei que ela já devesse viver
dessa forma, sem muito o que fazer ao longo do dia.
— A noite do nosso convidado foi animada? — indaguei a Mattia.
— Sim, me encarreguei disso pessoalmente.
— Buongiorno — falei com sarcasmo, entrando na casa do vinhedo.
O homem mantinha o ar petulante mesmo depois de passar a noite
sendo torturado e não ter sequer uma unha em suas mãos.
— Bastardo! — Cuspiu próximo aos meus pés.
— Devo confessar que você é bem forte, mas me diga o quanto a sua
filha aguentaria? — perguntei com as duas mãos no bolso da minha calça
social.
— Não toque na minha família — disse entredentes.
— Não tocarei, é só me dizer o nome da pessoa que você está
protegendo. Quem é? Quem foi o desgraçado que ousou me roubar?
— Eu não sei, ele não aparece, eu sou só um subordinado.
— Se não falará devemos apenas arrancar a sua língua, o que acha?
— Acenei com a cabeça, dando ordens para que fosse feito.
— Espera! — gritou. — Eu ouvi um nome.
— Não venha com mentiras — Mattia gritou, indo na direção do
homem. Eu o contive com a mão em seu peito.
— Diga!
— Luigi — sibilou.
Eu gargalhei.
— Sabe quantos ‘Luigis’ existem no mundo? — Apertei o seu
pescoço com ódio.
— Com quantos deles o Don tem uma dívida que ódio? Ele maquinou
o roubo, contratou homens, e todos eles têm algo contra ao Don. É mais que
receber dinheiro, é vingança.
— Pegue a faca, Mattia — ordenei.
— Vai me matar porque eu disse a verdade?
— Vou matá-lo pela sua afronta e petulância. Você me odeia? Por isso
que se juntou a eles? Pois bem, começarei podando os galhos, até chegar à
raiz e assim evitar que novos cresçam.
Estalei os dedos, e os soldados ao redor ficaram prontos para cumprir
as ordens.
— Cortem a língua dele, coloque em uma caixa com gelo e queimem
o resto.
Mattia parecia feliz com o fim do homem que ele disse que traria,
mas não o fez. Voltou de mãos vazias.
— Don, irá procurar pelos outros? — indagou.
— Claro — respondi, sem entrar em detalhes.
Mattia, como meu consigliere, deveria ser o meu homem de total
confiança, mas há muito tempo que não me sinto assim. Luigi é alguém que
preciso ficar de olho, eu não conheço a sua capacidade, preciso fazer uma
visita ao meu cunhado.
— Tragam o meu carro e me entreguem a caixa com o resto daquele
pobre coitado.
— Onde planeja ir? — Mattia perguntou.
— Mattia, você está dispensado por hoje. Tire o dia e resolva os seus
assuntos.
— Claro, Don.
— Para onde vamos, senhor?
— À casa dos meus sogros.
15
deixe-me levá-la comigo

Beatrice Marino

— Minha menina linda, como você está? — indagou minha mãe,


vindo me abraçar assim que o carro estacionou em frente à mansão.
Ela andou em círculo em volta de mim, me analisando dos pés à
cabeça.
— Eu estou bem, mãe. Quero saber como está a Giulia.
— Ela vem tendo febre, ela sente a sua falta, Beatrice, vocês nunca
ficaram separadas e você sabe que algo especial liga vocês duas. — Ela
colocou a mão em meu peito.
— Eu quero levá-la comigo — pronunciei em lágrimas.
— Eu deixaria que a levasse com você — disse, me abraçando, e nós
duas choramos. — Vamos entrar.
— Onde está Luigi e o papai?
— Já foram para a empresa, mas devem voltar para o almoço.
Subi até o meu antigo quarto, era lá que estava a minha pipoquinha
linda, enrolada entre os lençóis, abraçada a um travesseiro e vestindo com
uma camiseta minha.
— Giulia — chamei-a.
Ela virou-se com um semblante caído e a boquinha rachada.
— Trice? — Uma lágrima solitária escorreu pela sua bochecha. —
Me leva com você.
— Sim, eu levo você comigo. — A minha mãe me olhou preocupada,
ela sabia que o meu pai seria contra essa ideia.
— Você jura? — Sentei-me na cama, e ela se arrastou até mim e
deitou a cabeça em meu colo.
— Sim, vamos falar com o papai.
Alisei a sua pele quente, uma dor imensa atravessou a minha alma.
— Eu te amo, minha pequena.
— Beatrice? — Virei em direção de onde vinha a voz. O meu pai
estava parado em frente à porta e abriu os braços.
— Eu estava com saudades. — Me encolhi em seu abraço. — Por que
não me disse que a Giulia estava doente no dia do casamento?
— Você já tinha as suas preocupações. — Eu vi a dor em seus olhos e
o quanto ele se sentia impotente.
— Está tudo bem, eu estou bem como pode ver. — Girei em sua
frente.
— E, por dentro, como você está? — O sorriso falso que pendurei
quando o vi sumiu.
Eu não fazia ideia de como eu estava por dentro, eu me sentia
confusa, Vincenzo estava longe de ser o que eu havia sonhado para mim,
mas ele, inexplicavelmente, fazia o meu coração palpitar feliz apenas com
um olhar.
— Estou bem, pai — afirmei sem muitos detalhes. — Vou convencer
o Don a me deixar levar a Giulia comigo.
Um sorriso amargo se formou em seus lábios e ele andou em direção
a Giulia.
— Não posso negar, é o destino devolvendo as coisas para o seu
devido lugar — murmurou para si. — Convença-o e a leve com você, ela
tem sofrido muito com saudades suas.
Eu não imaginei que ele aceitaria tão fácil, e parece que nem minha
mãe acreditava naquelas palavras.
— E a faculdade? — ele indagou.
— Não pensarei nisso por hora, sei que levará tempo até que o Don
me veja como alguém que ele pode confiar.
Mais uma vez vi a tristeza se instalar em seus olhos, é difícil, para
mim, também admitir que um homem que havia conhecido há poucos dias
pudesse decidir sobre as áreas da minha vida. Mas eu só tinha duas
alternativas, lutar contra ele e o que o destino me traçou, ou mudar a minha
nova realidade. O Don precisava me amar.

***

Vincenzo Ferrari

— O que esse carro faz aqui? — perguntei para mim mesmo quando
vi um dos meus carros parado na porta.
— Senhor — o meu soldado disse, arrumando a postura.
— O que faz aqui? — Apertei os olhos, analisando-o.
— Vim trazer a senhora para visitar os pais.
— Quem deu ordens para ela vir? — indaguei entredentes.
— Mattia disse que o senhor havia autorizado — afirmou com a voz
trêmula.
Cerrei o punho e entrei na mansão.
— Beatrice — entrei, chamando-a.
— Don? — Luigi vinha de outro cômodo e me encontrou na sala.
— Onde está a Beatrice?
— Eu ainda não a vi, acabei de chegar do escritório, ela deve estar
vendo a Giulia lá em cima.
Eu esqueci completamente o que eu havia ido fazer lá e subi atrás da
Beatrice, como se a sua desobediência fosse a coisa mais importante do que
um milhão em armas que eu havia perdido.
— Beatrice — esbravejei.
Ela era a única pessoa capaz de me tirar da minha postura calma e
alterar a minha expressão sempre inexpressiva.
— Don? — Ela se sobressaltou, virando-se para mim.
— Venha, vamos embora. — Eu não cumprimentei os meus sogros,
parados próximos à cama, foquei apenas em Beatrice.
— Precisamos conversar antes de ir. — Ela andou apressada na minha
direção.
— Faremos isso em casa. — Puxei-a pelo braço, a arrastando para
fora do quarto.
— Solte-a. — O grito fino e fraco fez com que eu paralisasse os
meus passos.
Beatriz se desvencilhou dos meus braços e voltou para o quarto, se
debruçando na cama para acalentar a garotinha.
— Está tudo bem, minha pipoquinha. — Ela se agarrou a criança que
chorava em seus braços.
— Pipoquinha? — murmurei, tentando me recordar onde ouvi essa
palavra.
— Não toque nela — a criança gritou com audácia.
— Don, a minha irmã está doente — Beatrice pronunciou como uma
súplica.
O olhar da garota encontrou o meu e eu senti um muro enorme sendo
destruído dentro de mim, mas precisei me manter firme para não
demonstrar fraqueza.
— Seja bem-vindo à nossa casa novamente, Don. — Luiza, a minha
sogra, falou.
— Seja breve, Beatrice, e desça. — Virei as costas, saindo do quarto
sem respondê-la.
— Don. — A ouvi me chamar, e paro no meio do corredor, virando-
me para ela.
— Luiza, deixe que converso com ele. — O tom do meu sogro para
ela foi de repreensão.
— Não, eu quero fazer isso — ela retrucou.
Eu perdi a minha mãe muito cedo, mas lembro do respeito que tinha
por ela.
— Fale, eu estou ouvindo.
Luigi estava ao pé da escada, ele é esquentado, protetor, mas o pai
dele era quem dominava o lar, e ele apenas observava tudo, pronto para uma
reação típica dele se fosse necessário.
— Giulia está muito doente, ela tem febre todos os dias, pois sente
falta da irmã, a garota é adotada, a mãe dela morreu e…
— Cala a boca, Luiza — Antônio a impediu de continuar.
Órfã? Lembrei da minha filha e de não ter tido a oportunidade de vê-
la, mesmo que morta.
— Aonde quer chegar com isso?
— Don, meu marido, por favor, deixe-me levá-la comigo. — Beatrice
saiu do quarto e veio em minha direção, ela implorou, deixando que o
joelho tocasse o chão.
— Levante-se — ordenei, sem baixar o meu olhar para vê-la implorar
aos meus pés.
— Que merda! Você não está vendo o que está causando, você está
destruindo a minha família, a vida da minha irmã — Luigi, então, se
pronunciou.
Ele tinha, sim, motivos para querer criar um exército contra mim, e
tudo isso que aconteceu foi de grande valia, eu precisava agir em silêncio e
esperar o momento exato, quem ousou armar contra mim não ficaria
impune e teria um fim lento e doloroso.
— Trice… — A voz fraca da garotinha surgindo no corredor me
impediu de ter uma reação contra Luigi, eu sentia algo diferente quando a
via. Culpa e remorso, logo identifiquei os sentimentos, eu não pude ter a
minha filha nos meus braços, e essa menina... estava nítido que ela tinha a
Beatrice como mãe.
— Traga a menina, Beatrice, vou estipular o prazo que ela poderá
ficar em minha casa.
16
O que você acredita que sou, Beatrice?

Beatrice Marino

— Vai deixar a Giulia ir? — meu fratello perguntou ao meu pai, que
confirmou com a cabeça.
— Luigi, a Giulia ficará só alguns dias — respondi, pegando-a no
colo. — Vou organizar a bolsa dela.
Na volta, Vincenzo foi em outro carro, Giulia estava animada,
aninhada em meu colo.
— Vou morar com você, Trice?
— Veremos. — Sorri para ela enquanto alisava os seus cabelos.
— Que casa linda! — Giulia saiu do carro, admirada com o local. A
nossa casa é linda, mas a vinícola ao redor da propriedade do Don é
encantadora.
— Don? — o chamei assim que o carro estacionou.
— Acomode a criança que parece ter melhorado milagrosamente e
depois venha me ver em nosso quarto.
— Sim. — Peguei na mão de Giulia e caminhei logo atrás dele.
Ela ainda estava com febre, mas agora dava para ver a felicidade em
seu rosto.
— Ele está bravo? — Giulia indagou.
— Um pouco.
Ela se soltou da minha mão e correu, puxando Vincenzo pelo terno.
— Gio, vem aqui! — sibilei.
— O que quer? — questionou com uma voz irritada.
Ela fez um gesto com o dedo indicador, chamando. Ele virou o rosto
para o lado oposto, deu um longo suspiro e se abaixou, ficando na altura
dela, que o surpreendeu com um beijo no rosto. Ele se levantou, arrumando
a postura, sua expressão dura havia se desmanchado.
— A menina ainda está com febre, Beatrice, leve-a para o quarto e
chame a médica.
— Nina? — indaguei.
— Isso, chame-a.
Ele entrou na casa e eu corri até a Giulia, pegando-a no colo.
— Trice, esses são os seus desenhos? — Ela olhou encantada para os
quadros pendurados nas paredes.
— Não, só são parecidos.
Entrei no meu antigo quarto e a deitei na cama. Liguei para Nina, e
ela chegou tão rápido que eu poderia jurar que ela já estava a caminho da
mansão.
— Que menininha linda — disse, entrando no quarto. — O que essa
garotinha linda tem, vamos ver.
— Nina, vou te deixar com a Giulia um pouco, não demoro.
Eu não sabia o que estava deixando Vincenzo tão irritado, mas
caminhei temerosa pelos corredores e coloquei a cabeça na porta
entreaberta.
— Entre — disse sem nem virar, como se tivesse conseguido ouvir
os meus passos pelo corredor até aqui.
— Desculpe a demora, eu-eu… — começo a falar, mas gaguejo, e
não tive a oportunidade de continuar porque ele me interrompeu.
— Quem lhe deu permissão para sair de casa? — indagou, irado.
Dei de ombros, confuso.
— Você — respondi sem hesitar.
— Eu? — Ele se aproximou e inclinou o corpo em minha direção.
— O Mattia, ele ligou na minha frente e disse que estava tudo bem.
— Mattia? Olha bem para mim, Beatrice. — Ele passou a mão pela
minha nuca, trazendo-me para perto e colando o seu rosto ao meu. — Eu,
somente eu digo o que pode, ou não, e eu faço isso pessoalmente, consegue
me entender?
— Perfeitamente. — Ele me soltou bruscamente.
— Da próxima vez, me procure.
— Era urgente, e eu fui apenas à casa dos meus pais. Por que age
como se eu fosse uma prisioneira? — indaguei, demonstrando um pouco de
irritação.
— Você acha que é livre? Acredita que tudo isso é um conto de
fadas? Eu pareço um príncipe para você? — Ele sorriu com sarcasmo.
Não pude conter a lágrima que teimou em cair dos meus olhos.
— Você acredita mesmo que eu me importo com contos de fadas ou
com o que você é ou deixa de ser? Sou humana, eu não sou um animal para
você manter preso. — Vi que a minha afronta não o alegrava, ele me
encarava furioso. — Você é um vilão? — Sorri com ironia, enxugando mais
meia dúzia de lágrimas.
— O que você acredita que sou, Beatrice?
— O que sei, Don, é que um vilão só é vilão quando a história é
contada por um herói, talvez ele apareça e salve a donzela em perigo.
— Não me afronte, Beatrice — ele rosnou, irado, e fechou os dedos
ao redor do meu braço com força.
— Você não faz ideia da vida que levei. Eu vivi presa numa redoma
de vidro. A menina doente, que não podia sequer pegar um resfriado e,
quando começo a viver, você vem e me prende de novo. Eu queria dizer que
estou odiando tudo isso, essa casa, você, mas não é assim que eu me sinto, o
meu coração acelera quando estou perto de você, e eu sinto que ele bate por
você todos os dias e a cada segundo da minha existência.
Ele afrouxou as mãos em volta do meu braço e apertou os olhos, me
encarando confuso.
— É estranho, eu sei, mas eu sinto que esse coração te ama muito
mais do que eu gostaria.
— Saia! — gritou. — Agora, Beatrice!
— Eu iria para o mais longe possível se você assim desejasse. — Eu
queria que essas palavras fossem verdade, mas não eram.
— Às vezes, os seus sonhos e projetos vão exigir de você muito mais
do que só fazer o que lhe dá prazer. Para chegar a certos objetivos, Beatrice,
às vezes é necessário abdicar do descanso, do lazer, das noites de sono ou
até mesmo da companhia tranquila de alguém que durma ao seu lado e lhe
dê bom-dia no nascer do sol. São coisas necessárias para se alcançar o que
deseja.
— Eu só desejo viver, e a vida requer tudo isso que você está disposto
a abdicar.
— Sinto muito, mas agora essa é a sua vida também. Agora saia, vá
cuidar da sua irmã.
Então era isso? Eu estava destinada a viver isso? Virei as costas,
deixando-o sozinho no quarto. Esse homem carrega consigo cicatrizes que
eu não consigo ver, dores que eu não posso sentir, mas, ainda assim, cada
pulsar do meu coração grita que estou onde deveria estar, ele só precisava
descobrir isso.
17
Me perdoe, Anna, eu acho que estou prestes a amar novamente

Vincenzo Ferrari

Beatrice é, de longe, o que esperei que ela fosse, está longe de ser
alguém que considerei ignorar.
— Mas do que ela estava falando sobre uma saúde frágil? — indaguei
para mim mesmo, ainda confuso. Sei pouco sobre ela, e essa afirmação só
me mostra o quanto estou interessado em saber além do necessário.
Peguei o telefone e liguei para Mattia.
— Me encontre no escritório — disse assim que ele atendeu e
desliguei antes que ele pudesse me responder.
Desci, achando que iria esperar pela sua chegada, mas ele estava lá,
de costas para a porta, mexendo nos objetos sobre a minha mesa.
— Quem havia saído no carro no momento em que encontrei você na
porta, Mattia?
— Por que me pergunta novamente se eu já respondi?
Me aproximo e ajusto o terno em seu corpo.
— Mattia, você é o meu conselheiro, meu primo, um homem a quem
dei total confiança. Admito que às vezes agi cruelmente, como no dia em
que queimei as suas mãos com água fervendo. — Ele puxou o ar com força
e me encarou contendo a raiva. — Não quero ter que arrancar sua língua
por mentir descaradamente.
— Do que me acusa, Don? — Ele deu passos para trás, se afastando
de mim.
— Beatrice me falou sobre uma ligação, sobre certa autorização para
visitar a família.
— Confia mais na sua nova esposa do que em mim, que, como você
mesmo disse, sou seu conselheiro e homem de confiança.
— Certo, vamos convidar o soldado para essa conversa. — Ele
arregalou os olhos.
— Vai me questionar em frente a um soldado?
— Não quero que haja brechas para desconfianças entre nós, primo.
Ouvi baterem na porta e permito a entrada.
— Pois não, Don — disse o soldado, entrando e baixando a cabeça
em forma de respeito.
— Quem lhe autorizou levar a minha esposa à casa dos pais? — Ele
levantou a cabeça e olhou hesitante para Mattia, que não tinha nenhuma
expressão.
— Fui informado que o senhor havia autorizado.
— Quem informou? — Ele voltou a direcionar o olhar para Mattia.
— Eu? Você resolve por si próprio que levará a senhora, e eu sou o
culpado?
— Eu nunca faria nada por conta própria, senhor.
— Imagino que todos aqui tenham amor às suas vidas, saia —
ordeno, e ele o faz rapidamente.
— Que mal há em sua esposa visitar a família, Vincenzo?
Espalmei a mesa com fúria.
— Don Vincenzo, não esqueça que sou seu superior e que você me
deve obediência, respeito e lealdade.
— Giulia, Giulia. — Os gritos de Beatrice me fizeram sair apressado
do escritório.
Subi as escadas tão rápido quanto pude.
— O que aconteceu? — perguntei, entrando alarmado no quarto, e me
deparo com o olhar espantado de Nina, me encarando como se eu fosse uma
aberração.
— Ela estava pulando na cama, se desequilibrou e caiu, já viu a altura
dessa cama? — Nina indagou com um ar cômico.
Senti o meu coração se acalmar, vendo-a deitada com uma máscara de
oxigênio. Essa criança nem é nada minha, mas, ainda assim, estranhamente
sinto carinho por ela. Me recompus, arrumando a postura.
— Não grite mais dessa forma, Beatrice, eu pensei que… que… —
Procurei as palavras.
— Que um assassino tivesse entrado nessa casa supersegura, cercada
de homens armados, e tivesse tentado contra a vida da garotinha — disse
Lorenzo com deboche, entrando no quarto. — Que menina fofa. — Ele se
sentou na cama ao lado de Nina.
— Sim, ela é linda. — Beatrice sorriu, se desfazendo da expressão
preocupada.
— Beatrice, me acompanhe. — Ela confirmou com a cabeça e me
seguiu.
Caminhei para fora de casa e parei embaixo de um pinheiro próximo
ao vinhedo.
— Esta casa é tão grande, o terreno é gigante — comecei a falar —,
ainda assim, você se sente aprisionada.
— Não posso percorrer por toda área, lembre-se que impôs limites —
ela voltou a falar se referindo a Alessia, e eu ignorei por completo a sua
queixa sobre o assunto.
— Você vai estudar, disponibilizarei um motorista e dois seguranças.
— Mudo de assunto, indo direto ao ponto.
Ela abriu um lindo sorriso, eu queria dizer que não senti nada. Eu
fingi não me importa com ele.
— Não vai dizer nada? — indaguei, esperando mais da sua reação.
Ela caminhou apressada, zerando a distância entre nós, e envolveu a
minha cintura com os seus braços, me apertando com força. Os meus
braços, até então esticados, levantaram-se lentamente, a envolvendo dentro
deles.
— Por que, Beatrice? — Era para ser um pensamento, mas pronunciei
as palavras mais alto do que deveria.
— O quê? — quis saber, confusa, levantando a cabeça para me
encarar.
— Eu sinto vontade de te proteger, eu sinto vontade de ser Vincenzo
Ferrari — respondi, encarando os seus olhos e desejando a sua boca.
— Você iria rir de mim se eu disser que eu sinto vontade de te libertar
de você mesmo.
Encarei os seus lábios por mais alguns segundos e soltei o ar com
força dos pulmões.
“Me perdoe, Anna, eu acho que estou prestes a amar novamente”,
pensei, encarando o céu.
Um estrondo foi ouvido do céu e uma chuva caiu de repente.
Beatrice soltou-se de mim e colocou as duas mãos sobre a cabeça
como se elas fossem capazes de aparar a chuva.
— Don, vamos correr. — Ela correu em direção à mansão.
Corri tão rápido quanto ela e puxei-a pelo braço, trazendo-a para um
abraço. Levantei seu rosto delicadamente com o meu dedo indicador e
encostei os meus lábios aos dela; minha língua iniciou uma busca
arrebatadora pela dela. Com minhas duas mãos emaranhadas entre as
mechas dos seus cabelos, pressionei o seu rosto contra o meu, as descendo
em seguida, puxei o seu corpo para mais perto e senti meu pau latejar de
desejo por ela.
— Vem. — Puxei-a para dentro do vinhedo e, sem pensar em mais
nada, voltei a beijá-la com paixão e desejo.
Abaixei a alça do seu vestido e levei minha boca até os seus peitos
duros e arrepiados.
— Você enlouqueceu, e se alguém nos ver? — indagou, cobrindo os
peitos com seus braços.
— Quem são os insanos que ficariam andando embaixo desse
temporal? — Sorri como um adolescente quando o seu rosto corou.
Tornei a puxá-la até entrarmos na vinícola, eu a tomaria ali entre os
barris de vinhos. Seu vestido branco estava transparente e totalmente colado
ao seu corpo. Deitei-a no chão e levantei o vestido, me coloquei entre as
suas pernas e abri a minha calça, então, não demorei para colocar o meu
pau duro para fora.
— Don, nós vamos pegar um resfriado — disse, ofegante.
— Eu poderia morrer de espirrar amanhã, mas nada me faria parar o
que estamos prestes a começar agora.
A minha boca voltou a encontrar os seus peitos deliciosos, enterrei os
meus dedos em suas coxas abrindo bem as suas pernas e entrei sem nenhum
aviso.
— Cacete de mulher deliciosa!
Ela gemeu alto e me deixou alucinado, louco de tesão. Tirei o meu
paletó, jogando-o de lado, e voltei a me concentrar naquela boceta
deliciosamente apertada e molhada de prazer.
— Fica de quatro; — Ela fez prontamente, enrolei os seus cabelos em
minha mão e a fodi com força. Levei a minha mão até a sua boceta e passei
a estimular a seu clítoris. — Beatrice, eu não vou me segurar por mais
tempo, mas quero que você goze para mim. — Intensifiquei o estímulo até
sentir o seu corpo estremecer e, assim, com estocadas mais fortes, explodi
dentro dela.
— Nossa! — Ela se jogou no chão, e eu sorri, satisfeito, vendo-a
ofegante ainda se tocando com o corpo implorando por mais.
18
Seguirei conforme as leis da Cosa Nostra

Vincenzo Ferrari

— Precisamos ir, a chuva já passou — disse depois de uma longa


pausa deitado no chão ao lado dela, que encarava o teto com um sorriso
sapeca, uma menina linda e fofa.
Ela se levantou apressada, como quem atende às ordens do seu
senhor. Peguei o meu paletó que, mesmo ensopado, eu o arrumei sobre os
seus ombros com a intenção de esconder o seu corpo exposto pelo vestido
molhado, deixando transparecer as suas curvas.
— Quando posso começar as aulas? — indagou, envolvendo o seu
braço em volta do meu e encaixando seus dedos entre os meus.
— Amanhã. — Andei com ela pendurada a mim como uma garotinha.
Eu não estava mais acostumado a isso.
— Não sei se poderei, tem a Giulia, quem cuidará dela?
— Temos empregados na casa, Beatrice, mas faça como achar
melhor.
— Fico muito preocupada quando ela adoece. Mas ela tem uma saúde
invejável, agradeço a Deus por isso, ela tem uma infância normal.
Franzi o cenho e encarei-a novamente com curiosidade.
— Que tipo de doença você tinha, ou tem?
Ela mordeu o lábio e desviou o olhar.
— É algo que pode ser passado para os nossos filhos? — Meu tom foi
além da preocupação, eu estava irado, Nina tinha que ter me contado sobre
qualquer problema que ela tivesse.
— Não é nada importante, não irá acompanhar os nossos filhos.
Ela não queria falar sobre o assunto, mas eu estava realmente curioso.
— Beatrice, você sabia que uma doença hereditária seria algo que me
faria desistir do casamento. Você não queria se casar, por que esconderia
algo desse tipo?
— Você não casaria comigo, mas, ainda assim, me manteria presa
naquela casa dos fundos como sua escrava sexual. — Deu de ombros. —
Acredito que ser esposa é melhor do que aquilo.
Mordi o lábio, contrariado com a resposta, mas que foi bastante
convincente.
— Que belo casal — disse Lorenzo assim que cruzamos a porta.
— Eu vou subir — disse, soltando a minha mão e andando apressada.
— Precisamos conversar, irmão.
Irmão, sempre que a conversa inicia assim, sei que ele tem algo
pessoal a pedir.
— Diga — falei a caminho do meu quarto com ele em meu encalço.
— Mas antes, me diga, você está apaixonado?
— Pare de bobagens e diga logo o que quer — disse, tirando as
roupas molhadas.
— Sério, olha só para você molhado, tomaram banho de chuva, há…
melhor, você estava fodendo com ela na chuva.
— Lorenzo, não fico questionando os locais e condições que você
anda fodendo por aí, seja breve, tenho assuntos mais importantes para tratar.
— Don, autorize o meu casamento, concordávamos que seria após o
seu, eu estava até deprimido, achando que o dia nunca chegaria, mas enfim
ele chegou.
— Escolherei outra esposa para você.
— O quê? Eu não quero outra. Estou satisfeito com a Nina.
— Você está apaixonado.
— Que mal há nisso? — Ele deu de ombros, soltando o ar com força
dos pulmões.
— Quem você escolheria caso precisasse escolher: Nina ou a Cosa
Nostra.
— Para, Vincenzo, não venha com esse papinho. — Virou-se de
costa, passando as mãos nos cabelos.
— Precisamos deixar isso alinhado — falei, entrando no banheiro.
— Devo lhe fazer a mesma pergunta, irmão? — perguntou da porta
do banheiro, que deixei aberta.
— Do que está falando?
— Você sabe, eu vi os seus olhos para a Beatrice, você está
apaixonado por ela, mas me acusa de ter sentimentos quando você também
os tem.
— Ainda assim, escolho a Cosa Nostra.
— Sério? Quero ver como será então, já que precisará eliminar o seu
cunhado.
Desliguei o chuveiro e saí do box enxugando os meus cabelos.
— Do que está falando?
— As armas, as encontramos, e adivinha onde?
— Onde? — Parei tudo que fazia e lhe dei total atenção.
— Rússia. Espalhadas em vários galpões.
— E o que isso tem a ver com o Luigi?
— Tudo, o nome dele foi citado por tantos outros que foram pegos, a
família da sua querida gotinha tem ligações com a máfia russa.
— Eles são nossos associados há anos — disse, indo até o closet e
pegando roupas.
— Há anos, sendo leve e traz.
— Lorenzo!
— O quê? Faça a sua escolha.
— Cacete! Lorenzo. Me respeite! Sou seu irmão mais velho e estou
em um nível elevado de hierarquia. Não venha falar comigo como se
soubesse o que tem que ser feito, sou eu quem comando essa família e essa
organização há anos. — Eu o encarei pelo espelho depois de vestir a calça e
terminava de fechava os últimos botões da camisa.
— Esqueci completamente, irmão, que você assumiu esse posto após
matar o nosso pai por causa de uma mulher — disse com ironia.
— Vá se foder, Lorenzo. Você acredita que as coisas estariam
melhores com ele vivo? Nina? — Sorri de nervoso. — Ela já estaria morta e
talvez enterrada, quanto à família dela? Seriam escravos e você teria que
aceitar ver a mulher que você queria como sogra tirando os sapatos sujos do
nosso pai e sendo estuprada na frente do homem que seria seu sogro. Então,
Lorenzo, não se casar com ela é pouco perto do que nosso pai faria.
— Que crime ela cometeu?
— Você encheu a boca para falar do meu cunhado, mas a sua noiva
mentiu no diagnóstico de Beatrice, ela tem uma doença que nasceu com ela.
— Mentiu? — Ele olhou confuso. — Ela não tinha motivos para
mentir, que importância tem a vida daquela garota.
— Pois é, caro irmão, que importância tem a vida daquela garota para
a sua prometida? Devemos perguntar a ela. — Ele me encarou com raiva,
cerrando os punhos.
— Nina já trabalha para a máfia há anos, assim como o seu pai, que
ainda nos serve como médico cirurgião.
— Este assunto está encerrado, Lorenzo, investigarei os fatos,
designarei outra pessoa para fazer isso, não julgo que você será imparcial
nessa questão.
— E quanto ao Luigi? — Ele cobrou a minha posição como uma
forma de afrontar-me.
— Seguirei conforme as leis da Cosa Nostra.
Ele sorriu com satisfação.
— Devo preparar a pólvora então. Bum… — Fez gesto com as mãos,
simulando uma bomba explodindo.
O que eu faria de agora em diante estava me deixando nervoso,
ansioso e o medo veio no momento em que percebi que eu estava com
medo do resultado das investigações.
19
Apenas imagine um doce

Beatrice Marino

Os dias passavam, e eu continuava dormindo sozinha, agora ele


costumava me ignorar durante o dia, ou saía bem cedo, ou simplesmente
passava por mim como se eu não estivesse presente. Nessa noite, resolvi
procurar por ele na esperança de que estivesse dormindo em outro quarto.
Antes, passei no quanto de Giulia, a vi dormindo tranquila e desci sorrateira
— Aonde está indo, senhora? — indagou um dos soldados na porta da
frente da mansão.
— Andar um pouco, estou sem sono —respondi sem parar, evitando
assim novas perguntas.
— Senhora, ande sempre para a parte da frente da propriedade —
disse em voz alta assim que fiquei à certa distância, indo para o lado oposto,
o lado proibido.
Fiz-me de surda, ele não iria me impedir, descumprir as ordens do
Don seria algo da minha escolha. Conforme eu avançava nos passos, sentia
um frio atravessar a minha espinha.
— Péssima ideia, Beatrice, péssima ideia — repreendi a mim mesma,
fazendo menção de retornar, mas ajoelhei-me na grama, sentindo meu
coração sendo arrancado do meu peito.
Eu conseguia vê-lo da janela, debruçado no parapeito da varanda, sem
camisa, enquanto ela alisava as suas costas, as lágrimas percorriam pelo
meu rosto.
— Idiota, é isso que você é, Beatrice. — Levantei-me, limpando a
terra dos joelhos e enxugando as lágrimas com rancor. — Erga-se, Beatrice,
você até ontem nem tinha um coração capaz de suportar fortes emoções,
pelo menos agora você sabe o quão forte esse é.
Senti meu peito rasgando ao final da frase, meu coração parecia que
estava sendo pisoteado, e eu acreditei que minhas pernas seriam incapazes
de ter forças para retornar.
— O Don deu ordens claras, tragam o Luigi Marino, coloquem ele na
casa do vinhedo. — Ouvi alguns soldados prestes a entrar no carro para
cumprir as ordens.
O meu irmão, na casa do Vinhedo?
— O que vão fazer com o meu irmão? — indaguei aos gritos,
andando na direção deles.
— Beatrice, o que faz aqui?
Virei-me, identificando a voz do meu cunhado.
— O que vão fazer com o meu irmão, Lorenzo? — perguntei com
desespero.
— Volte para o seu quarto, o meu irmão não ficará feliz em saber que
está andando por essa parte da propriedade — pronunciou com frieza,
virando as costas e se juntando aos outros no carro.
— Lorenzo, Lorenzo… — Corri o quanto pude atrás do carro, uma
fraqueza acometeu as minhas pernas, e eu caí. Impotência foi o sentimento.
O que o meu irmão teria feito para ser levado até a casa onde Vincenzo
executava quem passa por cima de suas ordens.
— O que faz aqui, Beatrice? — A voz do Don reverberou, e eu parti
para cima dele de punhos fechados.
— O que vai fazer com o meu irmão?

***

Vincenzo Ferrari
Eu a peguei pelo braço e atravessei o jardim, arrastando-a sem o
mínimo de cuidado.
— Beatrice, você foi avisada de que não deveria ir até aquela parte da
propriedade — disse aos gritos assim que entramos no quarto.
— Fale o que fará com o meu irmão? O que ele te fez? — Ela me
batia e gritava, me desafiando.
— Me fale que ligação vocês têm com os russos? Você sabe algo
sobre isso?
— Os russos? O que a Rússia tem a ver com tudo isso? — Ela parecia
confusa. — Don, é crime ter contato com algum russo? Isso afronta você de
alguma maneira?
Sorrir com a sua pergunta.
— Beatrice, uma carga de armas foi roubada e isso envolve uma
perda milionária, mas o pior ainda estar por vir, essa carga foi encontrada
nos galpões do Andrei.
— Andrei? — indagou, tentando puxar da memória.
— Não sabe quem é Andrei? Ouvi dizer que ele tinha interesse por
você e passou um tempo na Rússia, estou certo?
— Por favor, o meu irmão nada tem a ver com isso. Ajude-o.
— Eu te aconselho a não fazer isso, Beatrice — disse quando um dos
seus joelhos tocaram o chão. — Se você se ajoelhar, não posso garantir que
o faça apenas para implorar. — A vi hesitar, mas a sua vontade de implorar
pelo irmão falou mais alto e o seu outro joelho alcançou o chão, e eu sorri
com satisfação. — Vejo que está disposta a fazer mais do que implorar. —
No meu tom de voz, havia sarcasmo.
— O que devo fazer? — A sua ingenuidade me comoveu, e eu abri a
minha calça, mostrando-lhe meu pau lambuzado pela minha excitação.
— Use a sua boca com sabedoria, e eu pensarei o posso fazer a
respeito — Ela ainda parecia não entender e isso só me fez perceber que ela
é mais inocente do que julguei ser. — Me chupe! — respondi sem delongas,
colocando um dos meus dedos em sua boca.
Senti a sua língua passear pelo meu dedo, e eu já estava gemendo só
de imaginar a sua boca inexperiente me devorando. Ela pegou o meu pau
com as duas mãos.
— Apenas imagine um doce — pronunciei quando a vi olhando sem
saber o que faria. Ela encontrou a sua língua vagarosamente no meu pau, eu
tremi quando a senti, a sua inexperiência e falta de jeito me excitavam mais
do que se eu estivesse com a melhor profissional de boquetes.
— Assim? — indagou enquanto eu arqueava as costas entregue a
sensação.
— Apenas faça como sabe — respondi, sentindo os movimentos da
sua língua ganharem ritmo. — Delicioso! — gemi.
Não me controlei e enrolei minha mão em seus cabelos para foder na
sua boca deliciosa, uma lágrima brilhou no canto dos seus olhos enquanto
eu a fodia.
— Cacete! — urrei, sentindo que não iria demorar para gozar. Ela
estava empenhada em me chupar e usava a língua deliciosamente. Senti a
excitação vindo e despejei na sua boca, que, para minha surpresa, engoliu
sem fazer cara feia. Levantei-a do chão, limpando os cantos da sua boca.
— E agora, vai poder me ajudar? — quis saber, me mostrando a única
razão para tanto empenho.
— O que possivelmente o seu irmão fez é muito grave, não posso
garantir nada, mas posso jurar que, se ficar provado e ele for condenado, a
sua morte será rápida e eu pouparei você e o resto da sua família.
— Você disse… — Coloquei o dedo em seus lábios, a impedindo de
continuar, e uma lágrima de decepção caiu dos seus olhos.
— Eu odeio ser questionado, Beatrice.
20
Beatrice é uma espiã?

Beatrice Marino

Senti algo pressionar o meu peito, tentei respirar, tudo girava ao meu
redor. Eu pressionava o meu peito, tentando aliviar a dor que me sufocava.
— Vincenzo — tentei gritar, ele já havia alcançado a porta e a minha
voz saiu baixa, fraca. Por sorte, ele olhou-me antes de cruzar a saída.
— Beatrice? — Vi o desespero em seus olhos quando ele me
alcançou, me segurando em seus braços antes que eu caísse no chão.
— Vou morrer, chame a Nina — pronunciei com dificuldade.
— Liguem para a Nina — gritou para o soldado que ficava no
corredor dos quartos. Ele não hesitou em atender o meu pedido. — Você
não vai morrer, não ficarei sozinho novamente.
Ele se importava comigo, e isso era contraditório às suas ações.
Vincenzo desceu comigo em seus braços; na propriedade, tinha uma sala de
emergência onde os soldados feridos eram atendidos, tudo muito bem
equipado.
— Estou aqui, Don. — A voz de Nina me tranquilizou. — O que está
sentindo, Beatrice? — indagou.
— Falta de ar, dor, eu não sei. — A resposta veio de Vincenzo, que
pronunciou as palavras com angústia.

***

Vincenzo Ferrari
— Nina, ela desmaiou — pronunciei com desespero.
— Calma, calma, tire os sapatos, tire tudo, ela precisa respirar. Se
acalma, Beatrice. — Ela ligou o eletrocardiógrafo com rapidez. — Ela está
infartando, me ajude, pegue desfibrilador.
— Como assim infartando?
— O coração está parando — ela me respondeu, mesmo sabendo que
eu havia entendido o que ela tinha dito.
— Beatrice, não faz isso comigo. — O som da máquina informando a
parada cardíaca fez o meu coração parar com o dela.
— Se afaste — exigiu, se aproximando com o desfibrilador. — Volte,
Beatrice — pediu com desespero.
— Você não vai me deixar, Beatrice — disse em um tom autoritário,
exigindo que ela voltasse, enquanto Nina tentava fazer o seu coração voltar
a bater.
— Ela voltou. — A sua voz saiu com um suspiro aliviado.
Eu me sentei na poltrona, sentindo as minhas pernas fraquejarem. Eu
senti medo de perdê-la, o mesmo que senti no dia em que perdi a Anna.
— Já pode respirar, foi apenas um susto, ela ficará bem.
— Nina, qual o problema dela? — Ela virou-se de costas e dedilhou a
mesa na sua frente.
O silêncio dela me deixou irado, eu quase perdi a Beatrice.
— Fale logo! O que você escondeu de mim?
— Um problema cardíaco. — Ela juntava os equipamentos com
pressa, evitando me encarar.
— Ela… pode morrer?
— Claro! — respondeu como se fosse óbvio. — Qualquer ser vivo
pode morrer a qualquer momento e, nos doentes, o risco é maior.
Levantei-me e caminhei até ela que permaneceu de costas.
— E por que não me falou sobre isso? — bradei em seu ouvido.
— Ela estava com medo de te contar. Eu senti pena dela — respondeu
sem delongas.
— Certo. — As palavras saíram em um suspiro. Peguei o bisturi que
estava na bandeja em sua mão e arrastei sobre o alumínio, causando um
som irritante. — O que mais você me esconde, Nina?
— Nada, era apenas isso. — Ela deu vários passos para trás, e eu a
puxei pelo braço, encostando o bisturi em seu pescoço.
— Me fale sobre os remédios — ordenei.
Ela engoliu seco, desviando os olhos do meu.
— São para o coração, se ela deixar de tomar, vai embora mais cedo.
— Certo, e onde está a parte que eles serviam para dormir?
— Eu já disse tudo, Don.
A porta se abre, e Lorenzo me encara espantado e vem apressado em
direção a Nina.
— Eu já trouxe o seu cunhado — disse, baixando a minha mão. Uma
gota de sangue escorreu pelo pescoço de Nina. Ela apoiou-se na mesa para
não cair, todo o seu corpo tremia.
— Me acompanhe. — Joguei o bisturi de volta na bandeja.
Soquei a parede na saída.
— O que foi isso? Você estava com o bisturi no pescoço dela — A
voz de Lorenzo reverberou, me repreendendo.
— Ela mentiu, Lorenzo, Beatrice é cardíaca.
— E pelo que a culpa, pela mentira, ou pela quase morte da Beatrice?
Eu tentava controlar a minha raiva e sede por sangue. Eu respirava
apressado e andava de um lado para o outro, passando a mão nos cabelos
diversas vezes.
— Ela terá que ser punida.
— A sua esposa também mentiu, se tiver que punir, deverá fazer com
as duas — ele disse, me desafiando.
Lorenzo sabia que estava começando a ter sentimentos por Beatrice e
que eu iria querer poupá-la, mas o pior ainda viria, ele estava a metros
daqui e se chamava Luigi.
— Não existe punição melhor, Vincenzo, resolvemos esse assunto e
descobriremos o que eles têm com os russos, afinal. Ah… e caso você não
saiba, a sua esposa estava espionando você com a Alessia no momento em
que ouviu sobre o irmão.
— Ela me viu com Alessia?
— Vocês estavam na varanda.
— Não aconteceu nada, eu estava apenas bebendo, não estou traindo
a minha esposa — afirmei.
— Diga isso ela e não para mim. — Ele sorriu com deboche.
Andei com preocupação até a casa do vinhedo, eu não poderia fechar
os olhos para esse problema.
— Don, por que me trouxe? — Luigi tinha o desespero nos olhos. Ele
estava com os braços amarrados atrás da cadeira.
— Luigi — Peguei uma cadeira e me sentei ao lado dele —, tudo leva
a você.
— Tudo o quê? — Seu olhar confuso quase me convenceu, mas as
provas eram evidentes.
— As armas, Luigi, como soube do carregamento? Qual a ligação da
sua família com os russos?
— Cacete! Você acha que eu faria alguma coisa tendo minhas duas
irmãs aqui com você?
— Quer acabar comigo, Luigi, se acha capaz?
— Onde está a minha irmã? Ela está bem?
— Preocupe-se com você. O seu pai também está envolvido?
— Eu não sei do que está falando.
— Cacete, Beatrice é uma espiã? — A ideia surgiu na minha mente
como um estalo.
— O quê? Nós nunca te oferecemos a Beatrice, foi você que a
procurou e que a trouxe — gritava. — Não machuque a minha irmã. Mate-
me, faça o que quiser, mas não toque nas minhas irmãs.
A minha respiração estava ofegante, eu não estava sendo racional. Saí
da casa ouvindo os gritos de clamor de Luigi pelas irmãs.
— Levem-no para o galpão central, deixe-o no mesmo lugar que os
outros e façam ele falar.
— Devemos torturá-lo?
— Sim, mas não lhe tirem nenhum pedaço.
— Faremos como ordena, senhor.
Retornei para casa e o choro distante de criança me chamou atenção,
subo até o quarto que era de Beatrice e encontro uma funcionária tentando
acalmar Giulia.
— Qual o problema? — A mulher salta, se assustando.
— Nada, senhor, ela só está sentindo falta da irmã, mas farei ela se
acalmar, não se preocupe.
— Saia. — Ela arregalou os olhos e me olhou assustada, mas não teve
coragem de contestar.
— Eu quero a Trice — disse aos berros.
— A sua irmã não poderá vir agora, mas pode pedir o que deseja, e eu
farei o possível para atender ao seu pedido. — Sentei-me na poltrona,
mantendo certa distância da cama.
— Me conte uma história.
— História? — Arqueei as sobrancelhas com um semblante
pensativo.
A minha mãe morreu quando eu tinha a idade dela, mas eu não me
recordo de histórias infantis.
— Sim, Pinóquio. — Ela se aconchegou entre os travesseiros,
esperando que eu começasse.
— Bom… Pinóquio… — Peguei o celular, procurei pela história e
iniciei a leitura.
— O senhor pode se deitar perto de mim? Eu tenho medo de dormir
sozinha — pediu, manhosa.
Me aproximei um tanto hesitante, a situação era desconcertante, eu
nunca tive contato com uma criança tão pequena, embora a porta oculta do
meu quarto me leve a um imenso universo infantil montado para a minha
pequena que hoje teria a idade da Giulia.
Giulia começou a cantarolar uma canção que fez o meu coração parar
por alguns segundos.
“…. Quero ter sempre você comigo
Hoje senti de verdade que
Não posso mais viver assim
Para mim você sempre é
o primeiro amor…”
Ela pronunciou o soneto de olhos fechados. Apertei os meus olhos,
tentando conter as lágrimas.
— Onde você ouviu essa música? — indaguei com os olhos ainda
fechados, ouvindo Anna cantá-la enquanto arrumava as roupas da nossa
filha no closet.
— A Trice canta essa música para mim antes de dormir.
— E você gosta?
— Hum rum…. Eu gosto.
Senti as minhas mãos tremerem, eu queria alisar os seus cabelos, mas
a única coisa que consegui foi cantarolar alguns versos desafinado, lhe
acompanhando na canção com a voz embargada, engolindo a vontade de
chorar.
— Anna, o que quer com isso? — indaguei, encarando o céu limpo e
repleto de estrelas.
21
Acho que estou me apaixonando por você

Beatrice Marino

Acordei sentindo os olhos pesarem, a região do meu peito, dolorida,


como quem levou uma forte pancada. Nina dormia na cadeira com a mão
sobre o meu braço e despertou com o mínimo movimento que fiz.
— Como se sente?
— Dolorida, mas uma dor que se instalou na alma. — Chorei,
esperando que o alívio se instalasse dentro de mim, mas, a cada segundo
que passava, eu ficava mais angustiada.
— O Don já sabe sobre o seu problema cardíaco.
— Você mentiu para ele — falei com preocupação.
— Sim, e isso não é nada bom. — Ela deu um longo suspiro e voltou
a falar. — A plástica foi muito bem-feita, mas olhando bem dá para notar
— disse, tocando onde fica a minha cicatriz.
— Não conte a ninguém — implorei, já não cabia mais desmentir.
— Você não imagina o quanto isso é sério, Beatrice, se eu ficar
calada, eu certamente morrerei.
— Devo contar-lhe?
Ela andou de uma ponta a outra do quarto, eu não entendi o motivo de
tanto medo em contar a verdade a ele, que mal eu havia feito?
— Beatrice, você deveria fugir, peça ao seu pai que lhe ajude, eu
estou arriscando a minha vida e a vida da minha família te aconselhando
isso, mas vejo você como uma amiga doce e ingênua.
— E qual o problema em ele saber sobre o transplante? Que mal ele
me faria? — Ela sorriu com um ar preocupado.
— Então você não sabe?
— Do quê? O que eu deveria saber?
Ela mordeu os lábios e andava de um lado para o outro, me deixando
tonta acompanhando os seus passos.
— Por ora, Beatrice, se concentre em salvar o seu irmão, depois
pensamos juntas sobre o que fazer.
— Do que eu deveria temer, Nina? — implorei pela resposta.
— A fúria do diabo que cairá sobre você.

***
Vincenzo Ferrari

Alguns dias depois…

— Nina disse que deve ficar de repouso por mais alguns dias —
disse, vendo-a querer levantar.
— Preciso ir ao banheiro — respondeu, carrancuda. — Vai dormir
aqui? — Seu tom era de deboche.
— Vou — respondi, me sentando do meu lado da cama.
— Hum…
Os seus olhos estavam vermelhos e úmidos como alguém que havia
chorado por um longo tempo.
— O seu irmão está bem, ainda estou investigando.
Ela retornou do banheiro e se deitou de costas para mim em silêncio,
me ignorando.
— Eu não sou um louco que sai matando as pessoas sem motivos,
Beatrice.
Pude ouvi-la aspirar o nariz com força.
— Do que acusa o meu irmão? — indagou em meio aos soluços.
— Chega, Beatrice, já está quase amanhecendo, durma.
— Acredita que sou capaz de dormir? Não consegue ver as olheiras
nos meus olhos?
— Deveria usar os seus remédios para dormir, acredito que serão
úteis — pronunciei com deboche.
— Deboche não combina com você, Don, mas talvez eu devesse usá-
lo também. Deveria considerar ir dormir com Alessia, como tem feito
diariamente desde que nos casamos.
— Sente ciúmes?
— Sinto nojo, você fica com ela e depois vem tocar em mim.
— Não toco mais se não quiser.
Eu queria dizer a ela que não havia tocado da Alessia desde que
ficamos pela primeira vez, mas não achei que ela devesse ter essa
informação.
— Prefiro dessa forma.
— Se me fará restrições, não reclame por não dormir na nossa cama.
— Não venha querer inverter e me culpar por algo que não começou
por mim.
— Sinto muito. — Suspirei, derrotado, recostando minha cabeça no
travesseiro.
— Resolvi que vou para a faculdade, espero que não tenha voltado na
sua decisão.
— Faça como desejar.
— Se importa se eu montar um ateliê em alguma área da propriedade.
Senti um aperto no peito, lembrando-me do dia em que montei um
para Anna.
— O que vai estudar?
— Artes.
Sorri sem humor, virando-me para o lado oposto a ela, passei longos
minutos em silêncio e ela também não disse mais nada.
— Beatrice, eu estou prestes a fazer a maior burrada da minha vida.
— Sorri, quando comecei a falar. — Acho que estou me apaixonando por
você, mas estou com medo, medo de estar confundindo as coisas, medo de
estar vendo coisas que não existem. Eu queria renunciar a tudo e ir embora
com você para longe, para onde eu seja apenas Vincenzo, e se não for pedir
muito, eu queria levar a Giulia. — Tornei a sorrir sem humor e continuei
com a voz embargada. — Sou um filho da puta egoísta que estou vendo em
vocês a família que perdi. — No final, eu já havia me arrependido de tudo
que eu havia dito, mas não tinha como voltar.
Esperei a resposta, mas o silêncio foi a única que recebi, até ouvi-la
ressonar. Virei-me para checar e suspirei com alívio. Ela não ouviu nada,
mas eu me sentia aliviado por conseguir falar.
Levantei-me e fui ao quarto da Giulia, me sentei na poltrona e fiquei
vendo-a dormir.
— Você está louco, Vincenzo. — Recostei a cabeça na poltrona. — É
impossível isso — repetia para mim, vendo aquela criança dormir, eu tinha
me acostumado com a rotina de vir vê-la e conferir se ainda respirava.
Fechei os olhos, e Beatrice me vem na mente. — Por que eu a quero tanto?
“Um coração carregar memórias, Vincenzo”.
“O meu coração acelera quando estou perto de você, e eu sinto que
ele bate por você, todos os dias e a cada segundo da minha existência”.
— Não! É impossível.
Retornei para o quarto onde Beatrice dormia, desabotoei os botões da
blusa que ela usava para dormir e arrastei o meu dedo entre seus dois peitos.
— Se fosse o caso, Vincenzo, estaria aqui — afirmei para mim.
— O que está fazendo? — Ela acordou assustada, se cobrindo. — Por
que está me tocando enquanto eu durmo?
— Volte a dormir, Beatrice.
“ Russa, ela disse que a menina não é uma italiana pura”.
E se o coração da Anna esteve bem aqui? Saí do quarto e fui direto
para o escritório.
— Não, Vincenzo, ela não tem nenhuma marca. Não viaje.
Peguei uma garrafa de uísque e bebi direto da garrafa, os
pensamentos faziam minha cabeça latejar. O que eu faria se esse meu
delírio fosse real? Eu sempre achei que matar a todos e mantê-la comigo
seria uma solução, mas agora começo a pensar como eu iria ferir o coração
que carrega todo o amor que quero para mim.
22
Fique de quatro

Vincenzo Ferrari

Passei a noite bebendo e adormeci no escritório, quando voltei no


quarto, Beatrice se arrumava em frente ao espelho, ela havia passado
maquiagem, o que não é habitual, e olhava mais que o normal para o decote
que, mesmo comportado, valorizava o seu busto.
— Aonde você vai?
Ela me encarou com indiferença antes de responder.
— Resolver a minha matrícula na faculdade.
— Ok, vou informar para que te deixem lá e esperem por você.
— Obrigada — disse, passando por mim, deixando marcado no ar o
seu perfume doce e viciante. Puxei-a pelo braço, a prendendo entre a parede
e o meu corpo.
— Beatrice, mude o tom quando falar comigo, sorria na minha
presença e, por último, nunca aja como se eu não fosse ninguém, eu sou
mais do que seu marido, eu sou o seu dono. Venha direto para casa quando
sair de lá. — Beijei a sua testa com suavidade e libertei-a dos meus braços,
ela pendurou um sorriso falso nos lábios.
— O senhor é muito gentil, meu marido. — Virou as costas, saindo
do quarto, e a segui.
Ela entrou no carro e deu as coordenadas aos soldados que a
acompanhariam.
— Levem a minha esposa para a faculdade, não a deixem sozinha,
quero saber de cada passo que ela der dentro da instituição — ordenei a um
dos soldados.
— Entendido, senhor.
De longe, avistei Lorenzo e Nina, ela estava vindo com frequência
devido à situação de saúde de Beatrice.
— Lorenzo, me acompanha — pronunciei alto, e ele veio de
imediato.
— Algum problema? — indagou, se aproximando.
— Notícias do Francesco? — perguntei, retornando para a mansão, e
ele me seguiu.
— Não. — Sua voz saiu baixa.
— Vou fazer o que eu já deveria ter feito, buscar por ele
pessoalmente.
— O que aconteceu? Tem alguma novidade?
— Tem um fator importante, eu o procuro por longos anos, eu estou
furioso. Ele já deveria estar aqui, não acha, Lorenzo? Quem é Francesco
para nos fazer de idiotas? Me entregue as últimas pistas dele, caçarei aquele
miserável até no inferno. Prepare tudo, Lorenzo, você vai comigo.

***

Beatrice Marino

— Trice? — de longe, Giovani gritou o meu nome.


Acenei sem sair do lugar. Ele andou apressado, vindo até mim, e me
envolveu em um abraço. Me afastei rapidamente quando encarei os olhares
dos soldados um para o outro.
— O que foi? Quem são esses?
— Os meus seguranças, exigência do meu marido. — Forcei um
sorriso.
Ele torceu o lábio e o mordeu em seguida.
— Você se casou muito de repente, eu acreditei que… — Calou-se.
— Que teríamos uma chance — completei.
Ele baixou a cabeça.
— Me desculpe — pedi com a voz embargada.
— Eu não tenho por que te desculpar, Trice, eu só preciso fazer o meu
coração aceitar. — Ele levou a mão ao rosto, aparando uma lágrima
rapidamente.
— Trice? Amiga? — Antonella gritou do fundo do corredor e correu
quase me derrubando quando me abraçou.
— Eu também senti saudades — disse, tentando me livrar do abraço
que quase me sufocou.
— Vai começar a faculdade? — perguntou, enrolando seu braço ao
meu.
— Sim, essa semana, eu começo.
— Hum…. Sabe quem escolheu uma cadeira em artes como matéria
complementar? Olha para mim que olho para ele. — Ela virou o rosto
encarando Giovani, que ficou vermelho de vergonha.
— Cala a boca, Antonella — Giovani disse em um tom repressor.
— Vá, vá embora, me deixe conversar com a minha amiga.
— Até logo, Giovani. — Acenei para ele, que abaixou a cabeça e
seguiu para a sala.
— Agora me conta, como foi a noite de núpcias?
— Antonella! — quase gritei, sentindo as minhas bochechas
esquentarem.
— Ah… para, me conta tudo. Como ele é, como foi?
Senti meu coração saltar lembrando daquela noite, mas a lembrança
do meu irmão sofrendo em um galpão qualquer me fez voltar a mim. O
desespero da minha mãe ao telefone, eu sequer pude vê-los.
— Me deixe ir, Antonella, nos falamos outra hora.
Fui até a reitoria da faculdade, regularizei a minha matrícula e voltei
com pressa para o carro.
— Me leve de volta! — ordenei com o olhar inexpressivo fixo no
banco à minha frente.
Minutos depois, já estava de volta à minha prisão. A mansão estava
calma, fora do normal, até que ouvi as risadas de Giulia vindas da área da
piscina, andei rápido até lá.
— Giulia? — chamei, acenando para ela.
Lorenzo sorriu com um ar debochado de sempre. Ele brincava com
ela na piscina.
— Cunhada, deixe a menina aqui, ela está se divertindo.
— Sim, eu estou me divertindo — ela confirma.
— Vou subir então — comunico, virando as costas.
Entrei, varrendo o quarto com os meus olhos, mas nem sinal de
Vincenzo. Suspirei aliviada, eu não queria vê-lo. Tirei a roupa e entrei no
banheiro, eu tinha planos de um banho rápido, mas encarei a imensa
banheira que eu nunca usei.
— Que mal há, Beatrice? — Dei de ombros. Preparei a banheira e
entrei, fechando os olhos e sentindo a água morta relaxar o meu corpo.
— É dessa forma que pretende me manter longe?
Abri os olhos, fazendo menção de sair da banheira. Ele levantou as
duas mãos em rendição.
— Não farei nada — garantiu com um tom malicioso — que não
queria — completou a frase que eu já conhecia.
As suas mãos se afundaram na água e senti a minha respiração perder
o compasso quando ela percorreu o meu pé, atravessando a minha coxa e
chegando no meio das minhas pernas. Tentei reprimir o gemido, mas o
efeito foi o contrário, gritei quando ele tocou o meu ponto de prazer, ele
massageava com vontade.
— Enlouqueceu? — indaguei quando ele se deitou ao meu lado de
roupa.
— Suponho que sim. — A sua língua lambeu os meus lábios, todo o
meu corpo entrou em combustão.
Tornei a gemer derrotada, incapaz de controlar o desejo que pulsava,
implorando por ele. Tombei a minha cabeça para trás, apertando os olhos.
— Que delícia! — gemi novamente e senti os movimentos cessaram.
— O que está fazendo? — protestei, vendo-o sair da banheira.
— Lembrei-me que a minha esposa sente ânsias quando eu a toco. —
Sorriu com satisfação.
Eu precisava arrancar aquele sorriso desprezível do seu rosto e fiz
algo que nunca imaginei que faria.
— Tem toda razão, meu marido. — Inclinei minha cabeça para trás,
apoiei cada perna em um lado da banheira, levei a minha mão até o meu
clítoris e gemi, me tocando, e o fato de tê-lo ali me olhando me deixou com
mais vontade.
— Está louca? — indagou, eu abri os meus olhos e vê-lo salivar
arrancou de mim o sorriso de satisfação.
Gemi acelerando os movimentos, ele tirou as roupas com pressa e me
levantou da banheira com um único movimento da mão agarrada à minha
nuca. Ele me beijou com desejo e paixão. O seu dedo indicador fez um
caminho no meio dos meus seios, ele o fez com calma como quem procura
algo, até que senti o seu polegar pressionar o bico do meu peito, ele agarrou
cada um e os levava a boca, os chupando com loucura.
— Fique de quatro — ordenou, inclinando o meu corpo, separou as
minhas pernas com o pé e me penetrou com força, estimulando o meu
clítoris. — Você não precisa se masturbar, Beatrice, você tem um homem
que te deseja e é sedento por sexo. Agora goze no meu pau e grite o meu
nome. — E foi instantâneo. — Isso, isso… — Ele mordia o meu pescoço
enquanto eu gritava e gemia o seu nome.
23
Ele nos matará

Vincenzo Ferrari

Beatrice ainda dormia, eu já estava pronto para partir em busca de


respostas. Sentei-me na ponta da cama e lembrei da transa que tivemos
ontem, a minha garotinha está crescendo e se tornando uma mulher ousada
e deliciosa.
— Buongiorno — falei, me levantando quando a vi abrindo os olhos
com preguiça, mas não esperei uma resposta calorosa, afinal, eu ainda tenho
o irmão dela em péssimas condições no meu galpão.
Ela me olhou com um sorriso forçado pendurado nos lábios.
— Acordou cedo — falei.
— Sim, vou para a faculdade.
— Sim, claro, havia esquecido, sobre o espaço que me pediu, fique à
vontade para escolher o melhor local.
— Vai viajar? — indagou, se levantando da cama e vendo a pequena
mala no canto da porta.
— Sim, vai sentir saudades?
— Nem imagina o quanto — desdenhou.
— Querida esposa, o que devo fazer com essa sua língua afiada? — A
prendi em meus braços.
— Não sei, mas você é bom em decepar partes de humanos.
— Beatrice, o que te faz acreditar que pode ser debochada comigo?
Trepar gostoso não te dá o direito de me afrontar. — Pressionei os seus
lábios com o meu dedo polegar e já estava de pau duro.
— Perdão, marido. Não quero acabar como a Carina ou a Anna.
Inclinei a cabeça para o lado, semicerrando os olhos.
— O que você disse? — indaguei com fúria com a mão em volta do
seu pescoço.
— Mate-me e deixe que o meu irmão viva — pronunciou e uma
lágrima escorreu pelo seu rosto.
— Aguarde o meu retorno e não faça nada que vá se arrepender
depois.

***

Beatrice Marino

A angústia vinha me sufocando, embora o meu corpo me traísse todas


as vezes que ele se aproximava, eu havia me decidido a me libertar e salvar
o meu irmão. Me arrumo rápido e vou para a faculdade, que é algo que
definitivamente me completa.
Na chegada, observo de longe Giovani na entrada da faculdade.
— Acho melhor ir por outra entrada — disse para mim mesma,
contornando o caminho.
— Trice… — Enterrei os meus passos e virei para ele com uma ruga
no meio da testa.
— Giovani. — Pendurei um sorriso sem graça nos lábios.
— Está fugindo de mim? — Ele sorriu, passando a mão nos cabelos.
— Que ideia, claro que não.
— Eu nem dormi essa noite, sabia que te veria hoje e fiquei ansioso.
Olhei para trás e medi com os olhos a distância dos soldados que me
vigiavam a mando do meu marido carcereiro.
— Claro, entendi. — Me olhou entristecido. — Eles tão vigiando
você, que porra! Beatrice, você sempre sonhou em poder ser saudável para
ser livre.
Os meus olhos se encheram de lágrimas, mas eu as segurei e sorri
com amargura.
— Estou bem, Giovanni, pare de correr atrás de mim, estou casada.
— Só pararei no dia em que eu te ver sorrindo para ele da forma que
você sempre sorriu para mim.
— Pare já com isso, eles vão nos ouvir. — Andei apressada, tentando
me livrar dele.
— E daí? O que ele faria com você? Sente medo dele?
— Não!
— Ele é mais velho que você, Beatrice, quantos anos exatamente?
Onze anos?
— Isso não importa, agora vá. — Andei tão rápido quanto pude, me
afastando dele, ele não entendia, mas eu estava protegendo-o.
No final da aula, fui surpreendida com a minha mãe parada em frente
à SUV que me esperava em frente à faculdade.
— Mãe? — Larguei os livros no chão e corri para lhe abraçar.
— Filha, como você está? — Senti as lágrimas que caíam dos seus
olhos molharem a minha blusa.
— Ainda não sei onde o Luigi está — disse entre soluços.
— Só você pode ajudá-lo, Beatrice.
— Como? Aquele homem não se importa com ninguém.
— Faça ele se importar, Beatrice, deve haver uma forma de deixá-lo
apaixonado.
— Não sei. — Parei pensativa. — Mãe, fora o seu sangue russo, o
que mais temos a ver com a Rússia? — Ela torceu o lábio e me encarou
preocupada.
— O seu avô é um associado à máfia na Rússia.
— O vovô? Como eu nunca soube disso?
— Assim com seu pai, querida, não temos escolhas, ou nos curvamos,
ou morremos.
— Ele nos matará. — Senti o meu sangue gelar. — Como as armas
foram parar nos galpões da Rússia?
— Eu não faço ideia, nem o seu pai, nem o seu irmão se metem nesse
assunto.
— Deveríamos ter nos mudado para a Rússia, talvez eu não estivesse
passando por isso. — Revirei os olhos, suspirando derrotada em seguida.
— Andrei já teria feito o mesmo se você não estivesse casada com
Vincenzo.
— Andrei… Andrei… — murmurei.
Eu já tinha o visto com o meu avô, mas nunca imaginei quem ele era
de fato, e conforme eu fui crescendo, notei seus olhares mudando em torno
de mim.
— Faça o que eu disse, conquiste o seu marido — Seu tom foi de
ordem, e eu desconhecia a minha mãe, mas quem poderia julgar uma
mulher desesperada para salvar o seu primogênito.
— Não é como se estivesse me mandando comprar pão na esquina,
mas tentarei — disse, entrando no carro.
Os soldados aguardavam a conversa de uma distância satisfatória e só
se aproximaram quando fechei o vidro do carro e minha mãe se afastou,
seguindo o seu caminho.

***

Vincenzo Ferrari
Eu estava na Sicília, seguindo as pistas do Francesco, eu só voltaria
quando tivesse respostas, eu não viveria como um louco vendo a Anna em
cada canto.
— Você já parou para pensar que sentido faz toda essa busca, Don —
Lorenzo falou do banco da frente do carro.
— Você tem uma hora para rastrear o paradeiro daquele infeliz.
— Farei conforme ordena, Don, embora eu considere tudo isso inútil,
te fará sofrer ainda mais, não percebe isso? Anna se foi, aceite.
— Ela não se foi, ela foi arrancada de mim, assassinada para que
outra pudesse viver.
— E o que pretende, Vincenzo? Pare já com isso, não trará a Anna de
volta.
— Ela vive dentro da outra, Lorenzo, ela está lá.
— Isso é doença, irmão.
— Uma hora, Lorenzo — resmunguei com o olhar inexpressivo fixo
na paisagem que passava pela janela.
Ele não fazia ideia, mas todo esse desespero se tornou maior, porque
eu senti Anna perto de mim.
— Chegamos, foi daqui que rastrearam as últimas ligações dele.
Encarei o local deserto, sem o mínimo de vestígios de civilização ou
que algum humano havia passado por lá, exceto o quadrado feito de
madeira que estava a alguns metros, seria impossível alguém viver aqui.
Desci do carro, tirando o lenço do bolso, tinha urubus rondando o
quadrado de madeira indicando que havia algo podre lá dentro.
— Abram a porta — ordenei.
— Cacete! — Lorenzo vira as costas, tampando o nariz.
— Maldito — cuspi as palavras com ódio. — Morto? — pronuncio
inconformado, vendo-o estirado no chão. — Maldição. Vasculhem tudo.
Saí do cubículo, tentando voltar a respirar e não pelo fedor
insuportável que estava lá dentro, mas porque a única pessoa que poderia
me dizer toda a verdade estava morto.
24
Ser meio russa não é crime

Vincenzo Ferrari

— Isso deve ser um aviso de que você deveria esquecer esse assunto
— Lorenzo falou quando estávamos no caminho de volta para casa.
— Me entregue o gravador.
— O que fará com as poucas informações? — ele perguntou sobre o
áudio do Francesco que foi encontrado no local.
Encostei a cabeça no encosto do banco do carro e não lhe respondi, eu
toquei cada milímetro de pele de Beatrice, e não tem vestígios de um
transplante. Mas eu continuava considerando a questão.
— Desviei o caminho, me leve até o Luigi — ordenei ao motorista,
que me atendeu prontamente.
Quando o carro estacionou, desci do carro, e Lorenzo fez o mesmo.
— Volte, Lorenzo, tenho um assunto particular com o meu cunhado.
— Uma ruga se formou no meio de sua testa, mas ele não perguntou, abriu
a porta do carro e tornou a se sentar, mexendo no celular em seguida.
Luigi estava em uma cela confortável com uma cama e um banheiro,
diferente das outras onde tudo era realizado no chão. Sua aparência era
lastimável e o mau cheiro era insuportável.
— Don. — Ele levantou os olhos para me encarar.
— Vim em paz, cunhado — Levantei minhas mãos, mostrando
rendição.
Estalei os dedos e um dos soldados veio prontamente.
— Providenciem um banho e uma mesa farta em meu escritório, e
ofereçam ao meu cunhado. — O soldado saiu rapidamente para cumprir as
minhas ordens. — Vamos conversar quando seu odor estiver menos
desagradável.
Eu estava recostado em minha cadeira com os pés sobre a mesa
quando Luigi saiu do banheiro.
— Sente-se melhor, cunhado? Um banho sempre me faz recarregar as
energias.
— Quando vai me tirar daqui ou me matar de uma vez?
— Diga-me, Luigi, qual a ligação de vocês com os russos? — Tirei as
pernas da mesa e me levantei, caminhando até ele lentamente.
— Eu já lhe disse que não tenho nada a ver com o roubo dessas
armas. Qualquer pessoa pode ter elaborado isso, Andrei tem os motivos
para querer lhe ver irritado.
— Quais? — Inclinei o corpo em sua direção.
— Poder, território. — Deu de ombros.
— Beatrice — disse em tom sugestivo.
Ele baixou a cabeça, puxando o ar com força.
— Me diga o que cacete tem entre a sua família e o Andrei.
— O que sente pela minha irmã? — Gargalhei com a pergunta.
— Acredita que sou capaz de ter sentimentos por alguém? —
indaguei, e ele sorriu da própria pergunta.
— Se quer tanto saber, a minha mãe é russa, m0,as sempre servimos
ao nosso país e ao senhor, meu cunhado.
Aquela informação me deixou mais confuso sobre Beatrice ser a
garota que era meio russa que o meu pai queria ao meu lado, mas como?
Ela não tinha nenhuma marca.
— E as armas, Luigi?
— Não faço ideia — sibilou.
— Não vou insistir, Luigi. Levem ele de volta para a cela dele.
— Agora que sabe sobre a nossa nacionalidade, o que fará com a
minha irmã? — perguntou antes de sair do escritório.
— Ser meio russa não é crime, Luigi, contanto que vocês escolham
servir a Itália.
Voltei para o carro em silêncio. Lorenzo me olhou pelo retrovisor,
mas não fez perguntas.
Me tranquei no escritório assim que cheguei e voltei a ouvir o áudio
do gravador que encontraram no local onde Francesco foi encontrado
morto.
“Don, o seu pai foi o culpado de tudo, ele planejou tudo sozinho, a
família da garota não sabia nada sobre a assassinato da Anna. Morrerei
por saber dessa informação, eles me caçam assim como você tem me
caçado, eles querem me matar para que você não saiba quem é ela, eles
têm medo de que você queira machucar a garota. Droga! Eles me
acharam…”
Jogo o gravador contra a parede de raiva, como ele pôde levar tiros
antes de dizer o nome?
— Droga! Maldição. — Arrastei tudo que estava sobre a mesa em um
único movimento com o braço e o que sobrou, arremessei contra a parede.
Eu estava perto, muito perto.
— Você chegou? — Beatrice entrou na sala sem bater. — Nossa! —
E se encolhe na porta, olhando as coisas quebradas no chão e a minha
expressão transtornada.
— Por que não bateu? — perguntei, ríspido.
— Desculpe, volto em outra hora. — Ela endireitou as pernas,
apressada, virando-se para sair da sala.
— Espera, Beatrice — Ela virou-se e me encarou assustada. — O que
veio fazer aqui? — perguntei, contendo o misto de sentimento dentro de
mim.
— Eu só ouvi que você havia chegado.
— Cheguei, posso fazer algo por você?
Ela hesitou, balançando a perna em direção à saída, mas retornou
andando na minha direção, se pôs na ponta do pé e envolveu os seus braços
no meu pescoço.
— Eu senti saudades — disse, encostando seus lábios nos meus.
Eu senti todo meu corpo se desarmar dentro do seu beijo, puxei-a para
mais perto, colando o seu corpo ao meu e retribuindo o seu beijo com
paixão.

***

Beatrice Marino

Eu havia acordado decidida a ganhar o coração do Vincenzo, eu


precisava fazê-lo me amar, eu precisava salvar o meu irmão. Quando ouvi
que ele havia chegado, corri para o escritório sem me importar se a minha
mudança de atitude causaria estranheza, eu só resolvi fazer conforme a
minha mãe havia me instruído. Entrei em uma sala com coisas destruídas
pelo chão e um homem que parecia estar com a alma quebrada.
— Precisa de alguma coisa, Beatrice? — indagou, se afastando após
um beijo caloroso.
— Não. — Suspirei, sentindo o quanto seria difícil fazê-lo confiar em
mim. Não será fácil despertar sentimentos nesse homem.
— Então volte para o que estava fazendo — disse, virando as costas.
— Don, quando irá resolver as questões com o meu irmão. — Ele
virou-se para me encarar.
— Esse é o motivo da sua mudança de atitude? — Sorriu sem humor.
— Não sou um moleque, Beatrice, não vai me ludibriar com um rostinho de
anjo e uma voz doce nos meus ouvidos.
— Nunca foi a minha intenção, Don. Perguntei por que daqui o
senhor é o único que sabe da resposta.
— Ainda tenho dúvidas em relação ao seu irmão e desconfio até de
você. Estive pensando: será que a minha querida esposa não é uma espiã?
— Ele inclinou o copo em minha direção.
— Deveria me devolver à minha família se acredita nisso. Se sou uma
espiã, deveria me manter longe dos seus assuntos.
Um lado de seus lábios se ergueu em um sorriso. Ele andou na minha
direção e passou a mão pela minha nuca, subindo os dedos pelos meus
cabelos, os fechando com os fios entre eles.
— Acredita que eu devolveria você a sua família, Beatrice? — Ele
contornou os meus lábios de forma sexy e provocante. — É isso que você
quer? — Puxou-me pela cintura e pude sentir a sua ereção em meu
abdômen.
— Não! — admiti, derrotada.
Um sorriso satisfeito estampou a sua face.
— Sabe o que farei com você se você ousar me trair? — Ele inclinou
o meu corpo contra a mesa e deu um tapa na minha bunda. Todo o meu
corpo esquentou. — Castigarei você. — Ele afastou as minhas pernas,
levantou o meu vestido e afastou a calcinha em seguida. O meu rosto estava
sobre a mesa vazia e ele me segurava pelos cabelos. Senti o seu dedo me
penetrar. Gemi. — Entendeu, Beatrice? Você é minha.
— Sim, eu entendi.
— Agora vá, eu encontro você no nosso quarto em breve.
Me recompus e saí com as pernas trêmulas e derrotada. Eu ainda não
tinha notícias sobre o meu irmão e ainda não sabia como conseguir que ele
o libertasse. Caminhei, batendo os pés e com os olhos cheios de lágrimas.
— Cunhada, algum problema? — A voz de Lorenzo era sempre
debochada e irritante, e eu não estava com paciência para ele.
— Não! — respondi duramente, subindo a escada.
Ele acompanhou os meus passos.
— Isso não é uma lágrima? — zombou.
— O que quer? — Virei em sua direção, furiosa.
— Podemos conversar? — indagou com um sorriso. — Vincenzo foi
ver o seu irmão hoje. — Levantei os olhos, encarando-o com interesse. —
Venha, vamos ao jardim dos fundos.
Ele andou na minha frente, e eu o segui.
— Como está o meu irmão? — indaguei assim que ele se sentou no
banco que ficava em frente a uma fonte.
— Venha, sente-se. — Puxei o ar com força para os meus pulmões e
me sentei ao seu lado. — O seu irmão está… — procurou as palavras —
vivo.
— Isso é já sabia — pronunciei, desapontada, no fundo, esperava por
mais informação.
— Mas o que você não sabe é que o meu irmão não costuma
investigar muito sobre os fatos, ele já deveria ter matado o seu irmão, e
tendo você, com ele manteria o seu pai sob controle, mesmo que ele
quisesse vingar a morte do filho?
— Aonde quer chegar com tudo isso? — pergunto, confusa.
— O meu irmão decidiu se casar novamente depois de alguns anos, o
que achei que nunca aconteceria, ele já controlou vários associados apenas
mantendo as suas filhas lá na casa onde Alessia vive.
— Está tentando me dizer que eu sou diferente?
— Você se casou com ele e isso já é algo que pode ser considerado.
Eu amo a Nina — falou com um ar romântico, e eu fico sem entender o
motivo da declaração repentina.
— E o que isso tem a ver comigo?
— Nada. Mas você vai me ajudar.
— Como? E por quê?
— Primeiro você precisa da minha ajuda, e te ajudando, você vai
poder me ajudar.
— Seja claro — exigi sem paciência.
— Investigarei sobre as armas pessoalmente, provarei a inocência do
seu irmão e vou te ensinar como chegar ao coração do Vincenzo.
— Você acredita que ele tem coração? — Sorri desdenhosa.
— Não. — Ele se divertiu com a própria resposta. — Mas vamos ao
que interessa, se o meu irmão começar a fazer os seus gostos e caprichos,
eu terei argumentos para solicitar o meu casamento com a Nina.
— Poderia apenas fingir que não gosta dela, pois sei que esse é o
problema, vocês não podem amar.
— Estou pouco fodendo para isso tudo, eu faço o que me é ordenado
e ponto. Você gosta do meu irmão, eu já percebi como você olha para ele. É
pegar ou largar, te ajudo com o seu irmão, te ajudo com a Alessia e você me
ajuda a ter a Nina.
— Fechado. — Eu estava firmando um contrato com o irmão do
diabo, mas eu não tinha alternativa.
25
Nós três

Vincenzo Ferrari

Alguns dias depois…

Eu estava na sala ao lado da que a mãe de Beatrice estava com a


Giulia, ela não queria ir embora, e eu não queria que ela fosse. Era estranho
o apego que eu tinha pela menina, e eu evitava demonstrá-lo.
— Mas, Giulia, você precisa voltar para casa, o marido da sua irmã já
deve estar incomodado.
— Pode deixá-la se ela quiser ficar — disse, entrando na sala.
Ela estava abaixada na altura da criança e se levantou para me
encarar.
— Ela pode ficar? — indagou com um tom incrédulo. Ela poderia não
saber, mas a minha mente estava tão incrédula quanto ela.
— Sim, ela pode ficar, a sua presença não me incomoda. Todos os
dias pela manhã, um dos meus homens a leva para escola e espera por ela
na porta. Depois tem uma funcionária que a ajuda com as tarefas. No fim da
tarde, é permitido que ela brinque pelo jardim, e ela costuma ter noites
tranquilas de sono.
Os seus olhos pairavam sobre a garota e, em seguida, se voltaram
para mim.
— Se é dessa forma, pode ficar, Giulia.
— Mamãe. — Beatrice desce as escadas saltitando.
Vou até o escritório, convocando um dos seguranças que a acompanha
na faculdade. Eu ainda não havia parado para saber como funcionam as
coisas por lá. Um deles chega em seguida.
— Sente-se. — Meu tom é de ordem.
— Claro, senhor.
— Então, como é a rotina da minha esposa na faculdade?
— Ela costuma chegar cedo, vai para uma sala com muitas telas e
desenha, ela não costuma manter contato com outros alunos, está sempre
reservada com seu caderno de desenhos. A sua sogra, às vezes, vai visitá-la
e ela possui dois amigos que, às vezes, estão com ela.
— Amigos? — indaguei, curioso.
— Sim, trata-se desse rapaz, mas também há uma garota. — Ele
colocou o telefone sobre a mesa, mostrando a foto do Giovani e da garota.
— Como é as vezes que eles estão juntos?
— Ela sempre está sempre evitando falar com ele, mas ele…
— Ele? — perguntei quando ele parou de falar.
— Parece gostar da senhora.
— Entendi. — Tamborilei com os dedos sobre a mesa. — Tudo bem,
pode sair.
Levanto-me com um semblante sereno e volto para a sala, a minha
sogra já havia ido embora e Beatrice desenhava em telas com a irmã no
chão da sala. Eu as observei por alguns minutos sem me pôr em seu campo
de visão. A minha esposa vinha agindo de forma diferente, ela continuou
agindo como uma esposa feliz e devotada. Limpei a garganta, entrando na
sala.
— Já vamos arrumar toda a bagunça — disse, nervosa, esfregando os
pulsos em pingos de tinta pelo chão.
— Não se preocupe, divirtam-se.
— Vem brincar comigo. — Giulia pegou a minha mão, me puxando
para me juntar a elas.
— Giulia. — Beatrice puxa a sua mão, a repreendendo.
— O que eu posso fazer? — Sentei-me no chão ao seu lado e ela
levantou-se, se sentando no meu colo, e segurou a minha mão, se
concentrando no meu dedo indicador, colocando-o dentro do potinho de
tinta e levando-o até a tela em branco na minha frente.
— Agora desenhe, eu, a Trice e você.
— Nós três? — indaguei.
— Sim, eu queria que a Trice fosse a minha mãe, e você, o meu pai.
Os meus olhos encontraram os de Beatrice, que estava vermelha de
vergonha.
— Eu acho uma boa ideia. Você acha que o seu pai se importa,
Beatrice? — Virei-me para lhe encarar.
— Não se preocupe, ele também será o meu pai. — Ele deu de
ombros, estendendo os bracinhos com a palma das mãos apontadas para
cima.
— Não vejo problemas em ser pai de uma garotinha fofa como você.
— Eba! — Ela saltou do meu colo aos pulos.

***

— Don? — Beatrice falou surpresa, me vendo em frente ao carro que


a leva para faculdade.
— Surpresa? — indaguei, abrindo a porta para ela.
— Um pouco — admitiu.
— Vou levá-la à faculdade. — Entrei e me sentei ao lado dela, que me
olhou confusa.
Em pouco tempo, a confusão deixou os seus olhos e ela arrastou a
mão pelo banco do carro até alcançar a minha mão. Se aproximou,
passando o braço em volta do meu e apoiando a cabeça em meu ombro.
— Bom, chegamos — ela disse, arrumando a postura.
De longe, eu vi o Giovani andando de um lado para o outro em frente
à entrada da faculdade. Beatrice saiu do carro, e eu fiz o mesmo e peguei
em sua mão, entrelaçando os nossos dedos.
— Bom dia, Trice. — Ele se aproximou como se eu não existisse.
— O-oi! — respondeu, gaguejando.
— Giovani, certo? — Estendi a mão para lhe cumprimentar.
— Sim. Você deve ser o marido dela — respondeu sem tirar as mãos
do bolso, e eu devo admitir que é um rapaz corajoso.
— Eu vou para a sala. Acho que você precisa ir para a sua também —
ela disse para Giovani.
— Vou logo em seguida.
Ela hesitou, nos olhando, respirou fundo e seguiu para a aula.
— Quer falar alguma coisa comigo? — Inclinei a cabeça,
semicerrando os olhos, analisando-o.
— Não, acho que devo ir para aula.
— Só um conselho, Giovani — ele, que já havia virado em direção à
entrada, para e se vira para me olhar novamente —, aproveite que eu não
costumo aconselhar. Sei que gosta da minha esposa, não estou aqui como
um adolescente enciumado, estou aqui como um homem com pouquíssima
paciência e que odeia quando mexem no que é dele.
— Se acha dono dela? — indagou com ironia. — Conheço a Beatrice
desde criança, os seus medos, suas dúvidas, o seu filme favorito, a música
que lhe faz sorrir e a que lhe faz chorar, eu conheço tudo nela e posso
afirmar que esse casamento não era o que ela queria.
Cerrei os punhos escondidos no bolso e forcei um sorriso.
— O conselho foi dado, Giovanni. Eu não costumo dar um segundo
aviso. — Entrei no carro e encostei a minha cabeça no banco.
As palavras dele me incomodaram e me fizeram pensar se eu queria
conhecer a Beatrice melhor. Não, Vincenzo, balancei a cabeça
negativamente. Eu vinha me sentindo conectado e interessado, e isso era
algo assustador.
— Fique de olho e, se ele não seguir o conselho, leve-o para a casa do
vinhedo para que ele entenda melhor o recado — aviso a um dos seguranças
antes de ordenar que o carro dê partida.
26
Estou apaixonado por você

Vincenzo Ferrari

Cheguei na mansão e vi Lorenzo sentado na sala, concentrado no caso


do Luigi Marino.
— Está nisso novamente? — indaguei.
— Não foi ele, quem nos sabotou está entre nós — afirmou.
— De onde veio a certeza? — Sentei-me ao seu lado.
— Daqui! — Ele apontou para uma das nossas rotas no mapa aberto
sobre a mesa. — Era uma rota nova, só quem tinha acesso eram eu, você,
Mattia e alguns líderes.
— E? — Dei de ombros, tentando entender aonde ele queria chegar.
— Foi exatamente nesse ponto que fomos saqueados, onde apenas
nós sabíamos que não “haveria tanta ameaça”. — Fez aspas com os dedos.
— Não tínhamos uma quantidade exorbitante de soldados lá, eles estavam
concentrados nos pontos de maior ameaça.
— Mas o nome do Luigi foi citado por vários dos que prendemos.
— Alguém que sente raiva da família Marino fez com que você
acreditasse nisso. Entregaram as coordenadas ao Andrei, que você sabe
muito bem que, mais do que armas, ele quer matar você, e agora ele tem um
incentivo maior além de território, ele quer a Beatrice e, matando você, ele
assume essa casa e tem a sua mulher.
Estremeci com a ideia de outro homem tocando-a.
— Ok. Digamos que seja exatamente dessa forma, quem está com o
Andrei? — Eu tinha minhas desconfianças, mas queria ouvir a opinião dele.
— Eu não confio no nosso tio. — Sorri quando ele disse o mesmo que
eu estava pensando.
— O que faço com o Luigi? — Esfreguei o queixo pensativo.
— Vamos soltá-lo como um aviso e dizer para todos que o fizemos
para dar corda para que ele se enforque de uma vez, faremos os líderes
acreditarem em informações falsas para ver quem cai nelas primeiro. Quem
tentou acusar os Marino fará novamente.
Como eu não havia pensado nisso antes?
— Libere o Luigi — ordenei, me levantando da mesa.
— Farei agora mesmo.
— Perfeito. — Caminhei em direção às escadas.
— Don. — Parei quando ele me chamou.
— Mas alguma coisa?
— Beatrice ficará feliz em saber que o irmão será solto. Notei que
estão vivendo em lua de mel e você quase não vai ver a Alessia. Não é uma
queixa, eu estou amando ter toda aquela máquina só para mim.
— Divirta-se — disse, voltando a caminhar em direção ao meu
quarto.

***

Eu estava sentado na cama, olhando Beatrice pentear os cabelos em


frente ao espelho, em alguns momentos, nossos olhos se encontravam no
reflexo.
— Algum problema? — indagou, virando-se na cadeira e olhando
para mim.
— Nenhum. Mandei que soltasse o seu irmão hoje, amanhã ele estará
de volta ao lar.
Ela ficou imóvel e, em seguida, abriu um largo sorriso, correndo na
minha direção e se jogando em meus braços.
— Obrigada, obrigada — pronunciou enquanto depositava beijos em
meu rosto.
— Não foi por você. Lorenzo encontrou algumas evidências que
mostram que ele não é culpado — pronunciei, desdenhoso, mesmo que eu
estivesse feliz em poder fazê-la feliz. Eu adiaria aquela morte o quanto
fosse preciso.
— Agradeço da mesma forma — disse, deitando a cabeça sobre o
meu peito.
O cheiro dos seus cabelos era maravilhoso, tudo nela remetia à pureza
e inocência.
— Não se aproxime muito do seu amigo. — Ela levantou a cabeça e
me encarou.
— O Giovani? — Estreitou os olhos e me analisou.
— Você tem mais?
— Somos amigos há muitos anos. — Ela se deitou reta na cama,
olhando para o teto.
— Trice. — Giulia entrou como um foguete pela porta que
esquecemos de trancar.
— Giulia, você não pode entrar assim no quarto de adultos, precisa
bater.
Ela pareceu não se importar com as reclamações da irmã e se jogou
entre nós dois.
— Amanhã é feriado, Trice. — Ela saltava no colchão.
— Sim, o que tem de mais nisso? Volte para o seu quarto — ela
pronunciou nervosa, me olhando de soslaio.
— Devemos fazer uma viagem de dois ou três dias? — indaguei.
— Está falando sério? — Beatrice perguntou com um tom incrédulo.
— Eba! Vamos viajar — Giulia gritava animada pelo quarto.
— Iremos amanhã. — Dei de ombros.
A menina vibrava, e Beatrice me encarava feliz, e aquilo, de uma
forma inexplicável, me fez tão feliz que me senti completo, eu senti meu
coração bater feliz e ousei sorrir de uma forma tão sincera que senti doer o
meu maxilar, que não se recordava mais desse movimento.

***

Beatrice Marino

No dia seguinte, Vincenzo parecia nem ter dormido, não que a sua
aparência fosse de cansaço, mas ele estava de pé, arrumando os cabelos em
frente ao espelho com as malas prontas no canto da porta.
— Passou a noite arrumando isso? — indaguei, sentada na cama.
— Não, acordei cedo, aliás, já viu a hora? — perguntou, me
encarando pelo reflexo.
Arregalei os olhos, encarando o relógio sobre a mesa de apoio, já
passavam das dez da manhã e eu acreditei piamente que ainda eram seis
horas.
— Levante-se, eu já arrumei a mochila da Giulia e pedi que a
deixassem pronta.
Eu o olhei com tamanha satisfação, parecíamos um casal real e eu
fiquei feliz pelo momento.
— Estou indo agora mesmo.
Quando voltei do banho, senti o meu coração palpitar de alegria,
Giulia e Vincenzo brincavam no quarto. Eles corriam e ela gritava de
euforia, uma lágrima de felicidade molhou o meu rosto, eu nunca vi a
Giulia tão feliz.
— O que faz aí parada, vamos… — ele disse assim que notou a
minha presença.
— Já estou pronta, podemos ir.
Durante todo o caminho, Giulia conversava com Vincenzo, que lhe
dava total atenção. Ele parecia um menino ao lado dela, descontraído.
— Tio, me conta aquela história sobre a menina que roubou uma flor.
— Vincenzo virou o rosto para me encarar, e eu fingi que estava dando
atenção à paisagem que passava pela janela.
— Posso contar em outro momento? — ele indagou, tímido.
— Hoje, na hora de dormir?
— Sim, posso fazer isso hoje.
Ela agarrou o braço em volta do dele, apoiou a cabeça, abriu a boca
sonolenta e fechou os olhos em seguida.
— É, parece que ela cansou — ele disse, me encarando.
— Eu não sabia que contava histórias infantis.
— Isso te deixa intrigada ou feliz?
— Mesmo que a Giulia não seja a minha filha, eu sinto como se
fosse, não faz ideia do que as lágrimas de garotinha fazem ao meu coração,
e a magia que acontece quando ouço as suas gargalhadas.
— Seria estranho se eu falasse que me sinto igual? Eu gosto muito
dessa garotinha.
Aos poucos, o homem sem alma vinha revelando um coração que eu
nem sabia que existia e aquele brilho que nós humanos comuns temos
quando estamos felizes podia ser visto com facilidade nos dele.
— Não é estranho, a Giulia tem esse poder de nos deixar felizes como
se essa fosse a sua principal missão aqui na terra.
— Bom, chegamos — ele disse quando o carro entrou por um imenso
portão de uma mansão em Spiaggi di cala, no sul da Sardina. — Espero que
a Giulia goste de praia.
— Ela ama — confirmei.
Ele saiu do carro e a pegou nos braços ainda adormecida, entramos
juntos pela imensa casa, tão grande quanto à que vivemos.
— A casa é imensa — disse, olhando tudo com muita atenção.
A mansão não tinha tantos soldados como as outras, e isso me causou
estranheza.
— Aqui não tem tantos seguranças.
— Eles virão. Como não costumo vir, é o lugar menos propício a
ataques de rivais, poucos sabem da existência dessa casa.
Eu o segui pela casa até chegar a uma sala que não parecia ter
paredes. A vista dava para o lindo oceano de águas limpas e bem azul se
unindo ao céu magnífico de um dia ensolarado. No canto da sala, tinha um
pequeno bar, assim como na nossa casa e, mais à frente, uma segunda sala,
que dessa vez não tinha paredes, ela se unia à área da piscina.
— Vou colocar a Giulia na cama.
— Vou com você — eu disse, seguindo-o.
Eu observei o carinho com que ele fazia tal ato, a colocando
cuidadosamente embaixo das cobertas e beijando o seu rosto em seguida.
— Por que me olha assim? — indagou
— Você será um ótimo pai — respondi.
— E o que tem a falar sobre ser o seu marido? — Me abraçou pela
cintura, me deixando confusa com tanto afeto. — Pare de me olhar como se
eu não fosse humano.
— Desculpe, Don.
— Vincenzo, pode me chamar pelo meu nome. — Ele pegou a minha
mão e me levou até a área externa da casa.
— O lugar é lindo.
— Achei que nada te impressionasse, você tem tanto dinheiro quanto
eu.
— Eu nunca visitei muitos lugares, os meus pais me tratavam como
se eu fosse um algodão-doce prestes a ser dissolvido na água e, por fim,
aqui estou eu, com você. — Forcei um sorriso.

***

Vincenzo Ferrari

Eu estava disposto a aproveitar a oportunidade e dizer a Beatrice


como eu me sentia em relação a ela. O meu coração estava quase saindo
pela boca, era muito mais fácil assassinar toda uma cidade do que eu me pôr
nessa posição vulnerável. Os meus minutos em silêncio a deixaram
desconfortável, ela batia o pé no chão, nervosa, fingindo não prestar
atenção em mim.
— Às vezes assumir é muito melhor que fugir uma vida toda —
comecei a falar.
— Do que está falando? — Ele virou o corpo na minha direção.
— Eu e você. — Ela me encarou confusa. — Voltei a ser vulnerável,
Beatrice. Você sabe o que é ser vulnerável? — indaguei.
— Deixar a sua fraqueza exposta? — respondeu, dando de ombros
como quem chuta uma resposta.
— O que torna os seres humanos vulneráveis é a capacidade de sofrer.
Por muitos anos, a única coisa que me despertava dor e sofrimento era a
partida precoce da Anna, mas ninguém poderia machucá-la, ela não está
mais entre nós. — Um nó se formou na minha garganta e minha voz saiu
arrastada.
— Aonde quer chegar com tudo isso?
— Você me deixa vulnerável, Beatrice. A vulnerabilidade é muito
perigosa, mas nada é pior do que desistir de você. — Eu estava me
declarando para ela como um adolescente e ela me olhava como se eu
estivesse falando grego, eu esperei ouvir algo dela.
— Você está tentando me dizer que gosta de mim? — Mordi o lábio e
sorri por sua pergunta, eu estava rasgando o meu coração e mostrando o
quanto eu me sentia incomodado por voltar a amar.
— Eu estou dizendo que acho que estou apaixonado por você.
27
A filha dele

Beatrice Marino

Arregalei os meus olhos e o ar me faltou diante da declaração.


— Como assim, apaixonado? — Virei as costas, tentando esconder a
minha cara de boba.
Ele puxou o meu braço, o trazendo e colando ao dele.
— Quer que eu repita? — indagou com a testa grudada à minha.
— Eu… — Ele me impediu de falar tomando os meus lábios com
paixão.
— Você não faz ideia, mas foram exatos cinco anos sem beijar
ninguém, para então me viciar nos seus beijos.
Cinco anos?, indaguei para mim mesma, ainda envolvida em seus
beijos que me tomavam intensamente.

***

No dia seguinte, Vincenzo fez questão de nos levar para conhecer a


praia e alguns pontos turísticos. Giulia ficou radiante, ela andava entre nós,
segurando em nossas mãos. Parecíamos uma família.
— Já está escurecendo, deveríamos voltar — eu disse, observando
Giulia bocejar.
— Sim, vamos voltar.
Eu apertava o peito, sentindo um incômodo, algo parecia errado.
— Algo errado? — Vincenzo perguntou, preocupado.
— Não! — afirmei sem um pingo de segurança.
Ele segurou a minha mão com firmeza e a levou até a boca,
depositando um beijo.
— Tem algo errado, Don! — disse um dos soldados em tom de alerta.
— O quê?
— Estamos sendo seguidos e tem um drone nos acompanhando.
— Atire! — ele ordenou.
— Trice… — A voz de Giulia saiu assustada e notei que Vincenzo
havia esquecido da pequena ao seu lado.
— Esperem — ordenou. — Vou para o próximo carro e você leva a
Giulia e a Beatrice para casa.
— Não! — disparei apavorada, me agarrando ao seu braço.
— Beatrice, quem quer que seja, está atrás de mim. Siga em
segurança com a Giulia — sussurrou em meu ouvido.
Olhei para a minha irmã com um rostinho aflito, embora ela não
tivesse muita percepção das coisas, ela havia notado algo.
— Droga! — Um freio brusco fez os nossos corpos serem lançados
alguns centímetros para frente e voltando com tudo para trás por conta do
cinto.
— Eles nos cercaram, devo reagir, Don?
A pergunta do soldado fez com que ele puxasse o ar com força.
— Beatrice, corra e se esconda com a Giulia assim que eu disser já.
Encontro você em seguida.
Minhas pernas tremiam, como eu iria conseguir correr?
— Seja corajosa, ok? — Balancei a cabeça em confirmação, mesmo
que tudo dentro de mim falasse que eu não conseguiria.
— Giulia, vamos brincar de se esconder, o que acha?
— Trice, o que está acontecendo? — Ela era muito esperta para ser
enganada com facilidade.
— Princesa, vá com a sua irmã. Agora, Beatrice — disse, abrindo a
porta, saímos correndo para a mata, que já estava escura, e me escondi atrás
de umas árvores, agarrada a Giulia.
— Vamos cantar, Giulia, vamos cantar baixinho. — Em pouco tempo,
já era possível ouvir muitos tiros. — Não grita, vai ficar tudo bem —
garanti, apertando-a com muita força contra o meu corpo.
— O tio não vem? — ela indagou.
— Estamos esperando por ele.
Giulia chorava agarrada a mim com todas as suas forças, e eu só
implorava para que tudo isso acabasse.
— Beatrice. — O meu coração aliviou, ouvindo a voz de Vincenzo,
que sussurrava.
— Aqui! — Levantei-me correndo até ele, o abraçando.
Ele me abraçou forte, esticando a mão para que Giulia fosse até ele.
— Vamos procurar um lugar para ficar até as coisas se acalmarem.
— Quem são eles? — indaguei.
— Russos.
— Que droga eles querem?
— Não precisam de muitos motivos, Beatrice.
Achamos uma cabana abandonada e entramos. Vincenzo esperaria
que os soldados viessem assim que possível.
— Droga! — ele exclamou, seguido de um gemido de dor, se
despindo do sobretudo preto.
— Você foi atingido? — perguntei, alarmada, indo até ele quando vi o
sangue encharcando a camisa na altura do ombro.
— Foi de raspão, não se preocupe, acalme a Giulia.
Me sentei em uma cadeira velha de balanço, que deu uns estalos e
rangia a cada balançada, mas não se desmanchou, coloquei a Giulia em meu
colo, acarinhando-a, o seu corpo tremia e sua respiração estava acelerada.
— Eu sinto muito — disse Vincenzo enquanto olhava a
movimentação fora da cabana.
— Ela dormiu — comuniquei.
Ele forrou o colchão velho com o sobretudo, pegou Giulia dos meus
braços e a pôs na cama.
— Como está se sentindo? Ainda tem muito sangue. — Me aproximei
dele, passando a mão pelo seu braço, e senti o seu corpo arder em fogo. —
Você está com febre.
— Eu estou bem, Beatrice, não se preocupe.
— Sente-se, eu olho a janela, se eu vir algo, eu aviso.
— Descanse ao lado da Giulia.
— Você está suando, suas mãos tremem, não pode me ouvir pelo
menos uma vez.
Ele estufou o peito, tentando manter a pose de durão, mas, em poucos
minutos, se rendeu e sentou-se no chão ao lado da cama onde Giulia
dormia.
— Sente-se ao meu lado — ele pediu, batendo a mão no chão.
— Precisamos sair daqui, você precisa de cuidados — eu disse
enquanto me sentava.
Ele passou o seu braço em volta de mim e alisou os meus cabelos.
— Eu não posso arriscar a sua vida e a de Giulia, são muitos homens,
não sabemos se existem mais. — Deitei a minha cabeça sobre o seu peito.
— Você tem razão, mas estou preocupada.
— Já passei por coisas piores, Beatrice.
Ficamos um tempo em silêncio, ainda era possível ouvir tiros vindos
de longe.
— Como a Anna morreu? — indaguei sem esperar que ele me
respondesse, mas ele o fez.
— Ela foi assassinada no dia em que teríamos a nossa filha.
— Ela estava grávida? — Levantei a cabeça para lhe encarar.
— Sim — confirmou com a voz embargada.
— Sinto muito.
— Eu também sinto, todos os dias. Mas a pessoa que a matou já foi
para o inferno. Fiz questão de enviá-la da pior maneira — pronunciou com
satisfação. — Mas ela ainda está por aí, vivendo dentro de alguém.
— Como? — Uma ruga se formou no meio das minhas sobrancelhas.
— Essa pessoa não deveria estar viva, ele deveria ter morrido, e não
Anna — ele pronunciou com ódio. — Onde está o seu coração de Anna?
Por que não me encontrou ainda?
Arregalei os olhos, encarando-o, mas os seus olhos estavam fechados,
ele suava muito.
— Você está delirando? — indaguei para mim mesma. O seu corpo
estava quente. Desabotoei a camisa e a abaixei, tentando enxergar o
machucado que ele havia dito que havia sido de raspão, mas não era o que
parecia. — Precisamos ir embora daqui, você precisa de cuidados.
Saí da cabana, tentando encontrar uma forma ou alguém que me
ajudasse.
— Beatrice? Minha boneca linda — Meu corpo gelou. Me virei para
trás, reconhecendo a voz que chamava pelo meu nome de forma sexy e
envolvente. — Surpresa? — Sorriu, andando em minha direção.
Dei vários passos para trás, em sentido oposto ao da cabana.
— Nem mais um passo — ordenou. Enterrei os meus passos e tornei
a olhá-lo. — Não está feliz em me ver?
— Vê-lo aqui não era o que eu esperava. O que faz aqui?
— Vim buscar você, não parece óbvio? — Ele me lança um breve
sorriso repleto de mistério e perigo.
— Estou casada — disse, dando mais uns passos para trás.
— Sim, eu sei. Lamentei as circunstâncias, no fundo, eu gostaria de
tê-la virgem, mas não a dispenso por não ser. Eu a quero muito.
— Fez tudo isso para que eu fosse com você?
— O que eu fiz? Movi uma centena de homens de um país para outro
como se fosse uma excursão? — Se orgulhou de si mesmo.
— Me refiro ao confronto.
— Acertei um tiro no seu marido, ele está aí, na cabana?
— Andrei, nos deixe em paz — supliquei.
— Estou bem desapontado, Beatrice, movi tudo isso por você, os seus
pais estão apavorados, seu avô lamenta diariamente no meu ouvido. “Ele
vai descobrir” Ele vai matá-la”.
— Do que está falando? — indaguei, confusa.
— Do coração, Beatrice. Esse que bate aí em você era da esposa dele.
A sua família está com medo de que ele descubra e mate a todos. Claro que
eu o mataria antes. Vamos embora… — Ele estendeu a mão, esperando que
eu a pegasse.
— Como? O meu coração? — Me senti como alguém que foi
acertado por um raio de um bilhão de volts. Morta de fato, impossível viver
depois de tal choque.
As pessoas costumavam dizer que o nosso coração carrega memórias
e, embora eu sempre soubesse que o cérebro é o único responsável pelos
sentimentos, aqui estava o meu coração acelerado e gritando para me
afastar de Andrei e salvar a vida daquele homem lá dentro.
— Os seus pais deveriam ter contado a você sobre isso — ele falou,
puxando a minha mão e me arrastando para longe da cabana.
— Eu não posso ir. — Puxei a minha mão com toda força que eu
ainda tinha.
Ele sorriu, passando a mão no queixo com um olhar inexpressivo.
— Se apaixonou por ele? — Tinha fúria na sua voz.
Sim, eu estava, e não foi nada que começou ontem ou hoje, e, sim, no
dia em que esse coração reconheceu o seu lar e encontrou a sua outra
metade que vagava como um monstro sem alma.
— Nem por ele, nem por você — cuspi a mentira de forma
convincente.
Seu olhar furioso parecia querer me rasgar ao meio.
— Garantirei que viva, mas não porque me simpatizo com a sua atual
postura, Beatrice. — Aproximou, encurtando a distância entre nós, e pegou
uma mecha dos meus cabelos, esfregando os dedos pelos fios. — Um
homem precisa de algo que o inspire a conquistar cada vez mais, iria levá-la
comigo, mas resolvi que ficar e instalar um novo comando será mais
interessante. — Jogou-me de lado, caí sentada no chão e me levantei
apressada, o seguindo. Ele andou com pressa para a cabana.
— Andrei! — gritei, me agarrando aos seus pés, que não pararam, me
arrastando pela terra que arranhava o meu corpo. — A Giulia, ela está na
cabana, não, por favor — implorei.
— A filha dele? — perguntou, parando para me olhar de cima.
— Sim, a filha dele — confirmei como alguém que acaba de fazer
uma descoberta chocante. Eu havia tirado tudo dele.
28
Nada fica oculto para sempre

Beatrice Marino

Abri lentamente os meus olhos, a minha pele queimava, e eu me


sentia tonta.
— Onde estou? — questionei com a voz alta, mesmo que eu não
tivesse visto alguém no quarto.
— Em um dos quartos da nossa casa. — Virei a cabeça rapidamente,
me causando uma dor fina em cima dos meus olhos.
Como eu havia chegado aqui? Ainda não estávamos em Florença,
mas eu estava segura na casa de praia.
— Vincenzo? — indaguei, preocupada, vendo o seu ombro enfaixado.
— Estou bem, Nina veio de Florença, mas claro que um médico local
me atendeu antes. — Ele caminhou em minha direção.
— Como cheguei aqui? — perguntei, confusa. — Eu estava com…
— Calei-me.
— Com? — Fez um gesto com a mão, me incentivando a continuar.
— Não sei. — Calei-me com medo da sua reação diante da resposta.
— Ok. Você caiu e bateu a cabeça, você escorregou? — Estreitou os
olhos e me analisou.
Passei a mão rapidamente pela cabeça, ela latejava próximo à nuca.
— Eu senti tanto medo — disse em lágrimas.
— Está tudo bem agora, você está segura. — Ele se sentou ao meu
lado e limpava as feridas espalhadas pelo meu corpo.
Aos poucos, a noite anterior voltava a minha mente. Eu ouvi fogos e
Andrei exclamou irritado: “Filhos da Puta! ” Acredito que era um sinal
para ele recuar, os soldados de Vincenzo apareceram em seguida, me
desequilibrei e lembro de sentir a minha cabeça batendo contra algo, uma
pedra ou uma árvore, eu não tenho certeza.
— A Giulia? — indaguei.
— Está tudo bem, o pesadelo acabou. — Ele tinha um olhar
inexpressivo e sua voz não tinha emoção.
Me sentei apressada na cama, o abracei com força e chorei, tentando
aliviar a culpa que eu tinha dentro de mim.
— Me perdoa! — ele sussurrou em meu ouvido.
Era eu quem devia perdão a ele, eu não deveria estar viva, assim
como ele havia me dito. Gritei e permiti que as lágrimas corressem, eu
queria aliviar a angústia, Anna foi assassinada, um pedaço dela vive em
mim. Eu nunca seria ela, mas eu poderia ser alguém que iria aliviar a dor
dele, ser a mãe da Giulia e, contanto que ele não descobrisse, eu estaria
segura.
Ele se afastou do meu abraço para me encarar, enxugou as minhas
lágrimas com o dedo polegar e me beijou em seguida.
— Chamarei a Nina, para ela te examinar novamente. Voltamos para
Florença hoje — ele disse já de pé, caminhando para a saída do quarto.

***

Vincenzo Ferrari

— Desgraçados, filho da puta! — Esmurrei a parede com força assim


que saí do quanto de Beatrice, vê-la machucada daquela forma me deixou
irado.
— Calma, Don, dessa forma, vai abrir os pontos novamente. — Olhei
em direção de onde vinha a voz. Nina me observava no final do corredor.
— Entre e examine-a novamente — ordenei.
— Claro. — Ela me lançou um breve sorriso enquanto caminhava
pelo corredor e cruzou a porta do quarto. Apenas mais uma que me odiava.
— Arrumem tudo, partiremos hoje — falei aos funcionários.
Eles ousaram machucar a minha esposa, eu devo mostrar-lhes que o
diabo é bem mais benevolente do que eu.
— Mattia, não toque em nenhum, eu mesmo farei as honras — disse
em uma mensagem de voz para o meu primo, que já estava com os homens
capturados em um dos nossos galpões em Florença.
— Don, já está tudo pronto, a menina voltou a dormir — disse
Lorenzo, descendo as escadas e me encontrando na sala.
— Andrei atirou em mim, ele veio pessoalmente e se aproveitou da
minha viagem, sabia que estaria com menos soldados que o habitual. Eram
muitos, Lorenzo, ele trouxe uma centena de homens com ele. — Esmurrei a
mesa na minha frente, tentando aliviar a minha fúria.
— Calmati, você precisa parar de esmurrar as coisas, os seus pontos
já abriram três vezes de ontem para hoje.
— Calma? Como posso manter a calma, Lorenzo?
— Como sempre fez, esqueceu que esse sempre foi o seu trunfo?
Serenidade.
— Agora tem a Beatrice e a Giulia — As palavras saíram rasgando a
minha garganta.
— Se apaixonou? — Ele sorriu com satisfação.
— Não me venha com zombarias, Lorenzo, não estou com cabeça
para os seus deboches.
— Ok, perdão. Acredita que Andrei já voltou para Rússia?
— Não, ele não mobilizaria tantos homens para voltar de mãos
vazias.
— Permitiu que Mattia interrogasse os detidos? — ele indagou, e eu
suspirei em derrota.
— Ele deveria ser meu conselheiro, um homem de confiança —
pronunciei, inconformado.
— Mandarei preparar doze fogueiras arrumadas em círculos do jeito
que você gosta, com pólvoras no centro e um caminho até cada uma delas.
— Sorriu, mudando de assunto.
— Vou resolver a nossa volta, quero partir ainda de manhã.

***

Beatrice Marino

Eu me agarrei às minhas próprias pernas, deixando as lágrimas livres


e o soluço, me impedindo de falar, Nina me olhava preocupada.
— Quero pensar que tudo isso é apenas um coração aflito por um
trauma, se acostume, essa é a vida ao lado de alguém que pertence à máfia.
— Desde quando você sabe, Nina? — A minha voz saiu partida pelos
soluços.
— Depende do que você acredita que sei. — Deu de ombros, se
recostando na cama quase deitada ao meu lado.
— Sobre o coração da Anna. — Ela sentou-se rapidamente, me
encarando como quem acaba de ver uma assombração.
— Cale-se, Beatrice, o que quer que esteja tentando me contar, não
me conte, não quero saber.
— Eu não tenho ninguém, Nina, eu estou devastada.
— A sua cirurgia foi perfeita, eu já lhe disse, eu sou médica,
obviamente notaria.
— Ele já procurou, ele suspeita de mim — falo, lembrando das vezes
em que seus dedos traçaram o caminho entre os meus seios.
— Anna foi assassinada, ela estava prestes a dar à luz, faz ideia do
que isso significa, Beatrice?
— Que eu deveria estar morta, e não ela — admiti em meio às
lágrimas.
— Não, isso significa que você deve viver, é o mínimo que você pode
fazer por ela.
— Eu tirei tudo dele, Nina, eu não mereço essa vida, eu não mereço o
amor da Giulia — O meu choro saiu como um grito de dentro de mim.
— Giulia? — Ela sentou-se ao meu lado, me olhando confusa.
— Ela é a filha da Anna com o Vincenzo.
— Cacete! Cacete! Pare já, eu não quero mais saber de nada. —
Levantou-se apressada, me deixando sozinha no quarto.

***

No caminho de volta, muitos carros nos escoltaram, Vincenzo me


apertava contra o seu corpo enquanto sua outra mão alisava as feridas
espalhadas pelo meu corpo. Eu vi a culpa que ele sentia em seus olhos,
enquanto a minha estava oculta. Eu chorei baixinho, enxugando as lágrimas
que escorriam por baixo de uns óculos escuros, mas o meu peito estremecia.
Eu precisava ver os meus pais, eu precisava de respostas.
— Vincenzo, eu preciso ver os meus pais — disse assim que
atravessamos a cidade e eu pude ver a paisagem acolhedora de Florença.
— Pedirei que levem você lá, preciso resolver uns assuntos, mas irei
lhe buscar assim que possível.
— Agradeço — eu disse, e ele beijou o topo da minha cabeça. Será
que ele podia sentir a Anna dentro de mim?
Em um determinado ponto, Vincenzo foi para outro carro, eu e Giulia
seguimos para a casa dos meus pais. Luigi estava sentado no jardim quando
eu cheguei, ele levantou a cabeça, andou apressado em direção ao carro e
me abraçou forte assim que saiu do veículo.
— Trice. — Ele me envolveu em seus braços fortes, e eu desabei
dentro do seu abraço. — O que aconteceu, irmã?
— Que bom que posso te sentir.
— Vamos entrar, você assustará a Giulia.
Uma das funcionárias da casa levou Giulia para tomar um banho e
comer, e eu aproveitei a oportunidade para conversar com os meus pais.
— O que aconteceu? — indagou o meu pai preocupado.
— Vocês foram cúmplices? — perguntei, e meu fratello levantou-se
do sofá colocando as mãos na cintura.
— Do que nos acusa, Beatrice?
— Desde quando sabem que o meu coração é o da Anna? — Eu sorri
sem humor, enxugando as lágrimas. — Claro que sempre souberam.
— Pare já, Beatrice! — O meu pai se levantou aborrecido e se pôs de
pé na minha frente. — Não somos assassinos, Beatrice e nem somos
cúmplices, estávamos desesperados, você não tinha muitos dias de vida, e o
Don nos ofereceu ajuda. Claro, nós sabíamos que teria um preço, eu daria o
meu império por você — ele falou, exaltado. — Mas não venha nos acusar,
tudo foi armado na cabeça doente daquele sádico.
— Está me dizendo que não aceitaria se soubesse, aliás, pai, talvez a
pergunta seja outra. Estaria tudo bem se a pessoa assassinada fosse alguém
comum?
— Não nos julgue, Beatrice — meu fratello falou dessa vez, enquanto
a minha mãe chorava.
— Ele vai me matar — afirmei. — Eu tirei tudo dele e sabe o que é
pior, papà? É que eu o amo e eu me sinto péssima por despertar
sentimentos nele também.
— Do que está falando? Ele se declarou para você? — questionou a
minha mamma, que suspirou aliviada, e sentou-se ao meu lado, fazê-lo se
apaixonar era parte do plano dela. — Você está salva, Trice. Não
precisamos mais nos preocupar — disse ela, soltando o ar dos pulmões
como se tivesse acabado de tirar um peso dos ombros.
— Mamma! — Meu tom foi repressor. — Uma pessoa foi morta.
— Mas você está viva, e eu quero que continue assim.
— Nada fica oculto para sempre e ele precisa saber sobre a Giulia.
O meu papà passou a mão pelos cabelos grisalhos, eu sei que ele ama
a Giulia como filha dele, e que isso está doendo.
— Papà. — Giulia agarrou-se às pernas do meu pai, que a levantou
no ar e a abraçou fortemente. Enquanto isso, a minha mãe me puxou para o
canto da sala.
— Estou feliz, o seu marido está interessado em você, isso é bom,
Beatrice.
— E em que parte você me conta que andaram pedindo ajuda ao
Andrei? — Tirei o sobretudo e mostrei os ferimentos que cobriam o meu
corpo.
— Dio mio![11] — ela gritou, colocando a mão na boca.
Fechei o sobretudo ao redor do meu corpo mais uma vez.
— Ele veio pessoalmente da Rússia para me levar com ele. Se meu
marido descobrir, será considerado traição — respondi, balançando a
cabeça negativamente.
— Andrei fez isso? — ela indagou.
— Mamma, o que te faz pensar que Andrei é diferente de Vincenzo?
Darei ao meu marido o que lhe foi tirado. Eu não sou a Anna, mas carrego
um pedaço dela dentro de mim.
29
Beatrice, seja minha

Vincenzo Ferrari

O carro estacionou no galpão.


— Don, as fogueiras já foram armadas — disse Mattia assim que
desci do carro.
— Ok, onde eles estão? — indaguei, caminhando até o interior do
galpão.
— Na ala superior, vou lhe acompanhar e ajudar com o interrogatório
— Mattia respondeu, me seguindo.
— Lorenzo, leve o Mattia para checar as fogueiras e as pólvoras —
ordenei, eu queria questionar os presos sozinho.
— Isso é serviço para os soldados — Mattia pronunciou, desdenhoso.
— E o seu serviço é garantir que tudo dê certo no momento da
cremação.
Subi sozinho e caminhei pelo corredor, observando cada prisioneiro.
Não era possível identificar qual deles tinha uma patente alta na
organização de Andrei, mas o olhar de cada um indicava quem possuía
informações valiosas. Geralmente, aqueles que estavam dispostos a morrer
pela causa tinham um olhar tranquilo e calmo. Eram eles que detinham as
informações mais importantes.
— Esse. — Apontei para um dos homens que me encarava com
superioridade, eu questionaria um a um, mas não me impedia de tentar
encurtar o processo.
Um dos meus soldados leva-o para a sala de torturas e o prende na
cadeira.
— Deveria me matar e encurtar todo esse trabalho, não tenho
informações — disse, cuspindo no chão em seguida.
— Matar? — Gargalhei. — Você acredita que é assim que as coisas
funcionam aqui? Já percebi que, como sempre, acertei, você tem algo a
contar.
— Já disse, me mate.
— O que Andrei veio fazer na Itália? — indaguei.
Ele sorriu com deboche.
— Está defendendo quem te deixou aqui para morrer? — questionei.
— Posso te oferecer alguns benefícios caso resolva cooperar.
— Acredita que eu trairia o meu líder e o meu país?
Eu me encontrava em pé, ao lado de uma mesa repleta de objetos que
eram utilizados para tortura e, enquanto selecionava qual seria o primeiro a
usar, eu brincava com eles.
— Você tem filhos? — quis saber.
— Que tipo de pergunta é essa? — Ele me olhou confuso.
— Eu não tenho, mas, se os tivesse, ficaria feliz em retornar para casa
e vê-los sorrindo — caminhei lentamente em sua direção —, é uma pena
que não vai mais voltar e por escolha própria, e, mesmo que volte, não
poderá vê-los — pronunciei, cravando um objeto em seu olho. Ele gritou,
eu sentei-me e observei-o sofrer à distância.
— A sua esposa passou longos minutos com ele, considerou
perguntar para ela? — perguntou em meio a gritos de dor.
— Não envolva a minha esposa nisso.
— Como não envolver, viemos aqui para buscá-la.
Eu me mantive sereno, embora o ódio e os ciúmes me corroessem por
dentro.
— Por que ele quer a minha esposa? — questionei.
— Vai se foder — ele gritou.
— Eu estou aqui para foder com você — Cravei uma faca em sua
perna e girei. Ele gritou e tentou soltar os braços presos à cadeira.
— O que ele quer com a minha esposa? — tornei a perguntar.
— Não faço ideia, mas imagino que seja pelo mesmo motivo que
você. Obter poder e foder gostoso.
— Vá se foder, seu filho da puta. — O esmurrei com tanta força que a
cadeira virou. — Onde ele está? Me diga — ordenei.
Ele gargalhou.
— Don? — Lorenzo entrou na sala.
— Coloquem esse filho da puta de ponta cabeça, amarrado com
correntes, se ele não disser a localização de Andrei, tire cada pedacinho
dele, dedo por dedo, e coloque sal em seguida, se ele morrer sem falar, será
uma morte lenta.
Virei as costas e Lorenzo veio atrás de mim.
— Quanto aos outros? — ele indagou.
— Lorenzo, eles vieram atrás da Beatrice, descubra o que Andrei quer
com ela.
— Acho que a pergunta correta é que ligação ela tem com ele.
— Cacete! — Dei uma pesada na grade de uma cela na minha frente.
— Beatrice não tem nada a ver com isso, entendeu, Lorenzo?
— Claro, eu nunca diria o contrário.
— Cuide desse assunto pessoalmente e, toda informação que tiver,
passe apenas para mim.
— Sem problemas, Don. Quanto às fogueiras?
— Questione a todos, os que menos souberem ou os que não disserem
nada de útil, queime de forma que todos assistam pelas janelas.
— Certo.
Saí do galpão e fui direto para a casa dos meus sogros.
— Aqui, senhor — disse um dos soldados no carro, me entregando
um pano úmido para limpar as minhas mãos meladas de sangue.
— Siga para a casa dos meus sogros — ordeno ao motorista.
Quando cheguei à propriedade dos Marino, não vi ninguém no jardim
além dos seguranças.
— Devo anunciar a sua chegada, senhor?
— Avise a Beatrice que a espero no carro.
Eu precisava saber tudo sobre a família da Beatrice na Rússia, eu
resolvi investigar pessoalmente. Em poucos minutos, vi Beatrice vindo em
direção ao carro sozinha, ela entrou, se acomodando ao meu lado.
— Onde está a Giulia? — questionei.
— Vai passar essa noite aqui, você se importa? — ela indagou como
se coubesse a mim a decisão.
— De forma nenhuma, afinal, ela é a filha deles.
O meu motorista deu partida no carro.
— Onde você se machucou? — perguntou, roçando nos meus punhos.
— Em alguma mesa, você sabe. — Dei de ombros com um sorriso
contido.
Os seus olhos estavam inchados de tanto chorar.
— Você ainda não me mostrou o ateliê — disse, mudando de assunto.
— Quer mesmo conhecer? — questionou, surpresa.
— Claro. Pare o carro em frente ao ateliê quando chegarmos à
mansão — ordenei.
Eu estava ansioso para explorar mais as características únicas e
interessantes da Beatrice, mas, ao mesmo tempo, me sentia um pouco
culpado por não estar mais tão focado em Anna. Porém, não é que eu não a
ame mais, é mais uma sensação de estar completo e capaz de ser feliz
novamente.
O meu motorista parou em frente ao pequeno vão próximo ao
vinhedo, eu desci e a ajudei a sair do carro em seguida.
— Bom, esse é o meu espaço — ela disse de braço abertos e um ar
satisfeito.
— Pequeno, não acha? — indaguei, olhando ao redor para as telas
amontoadas no canto e apenas um cavalete coberto com um pano. — Posso
ver? — perguntei, me aproximando.
— Prefiro que veja quando estiver pronto. — Ela se pôs na frente e
suas bochechas coraram.
— Me deixou curioso. — Puxei-a para mais perto do meu corpo e uni
os meus lábios aos dela. Eu estava completamente rendido, apaixonado e
disposto a fazer qualquer coisa por ela. — Como você se machucou,
Beatrice? Com quem você encontrou na mata? Os soldados do Andrei? —
perguntei, implorando aos céus que ela falasse a verdade. Tudo o que eu
mais precisava era poder confiar nela naquele momento.
— Andrei foi até a cabana terminar o que começou com você, ele
queria atirar mais, ele queria te matar — ela disse, virando as costas para
mim.
— Olhe nos meus olhos e me diga tudo. — Virei-a de volta.
— E se a verdade me distanciar de você? — Uma lágrima caiu dos
seus olhos.
— Nem mesmo o meu compromisso com a máfia seria capaz de me
afastar de você. Eu passei tempo demais em relacionamentos superficiais,
acreditando por anos que nunca mais amaria alguém novamente. E agora
estou aqui, dizendo coisas que achava que nunca mais diria. A única coisa
que pode nos separar agora são as verdades escondidas, Beatrice. Por favor,
ajude-me a confiar em você.
Ela baixou a cabeça, estava claro que ela tinha muito a dizer e que,
por algum motivo, ela não se sentia pronta para falar.
— Ande até ali. — Apontei até a mesa que ficava no meio da pequena
sala.
Ela obedeceu sem questionar.
— Agora tire as roupas lentamente — ordenei e, quando os seus olhos
arregalaram, eu gargalhei.
Andei em direção a ela enquanto parecia estar imóvel, tentando
compreender minhas ações. Então, peguei uma das muitas telas amontoadas
no chão e a coloquei em um cavalete.
— O que pretende? — ela indagou.
— Vou desenhar você.
Um sorriso tímido se formou em seus lábios.
— Nua?
— Não tem nada aí que eu já não tenha visto.
Eu me sentei e observei enquanto ela retirava cada peça de roupa
cuidadosamente, sentindo meu corpo se excitar com a expectativa do que
viria a seguir. Queria tocar cada curva, explorar cada textura e descobrir
cada segmento de sua pele. Mas, por ora, eu me controlei, deixando-a
seguir seu ritmo enquanto me deliciava com cada momento. Tinha certeza
de que valeria a pena esperar.
— O que devo fazer agora? — indagou.
— Achei que estivesse acostumada a ter modelos humanos para
aprimorar as suas técnicas de pintura.
— Nunca um homem nu — respondeu, voltando a ficar corada.
Mordi meu lábio inferior e me aproximei dela, erguendo-a pela
cintura e sentando-a sobre a mesa. Ela se contorceu e arqueou as costas,
abrindo as pernas e me dando uma visão privilegiada. Deslizei um pincel
sujo de tinta pelo seu corpo, fazendo-a gemer. Logo estávamos ambos sem
roupas, com a tinta espalhada pelo nosso corpo. Eu a beijava com loucura e
gemi quando a sua língua traçou um caminho pelo meu copo.
— Beatrice, seja minha — implorei.
— Eu já sou — sussurrou em meu ouvido.
Eu a coloquei por cima de mim, e ela se encaixou no meu pau e
rebolou em seguida.
— Boceta gostosa — gemi, enquanto ela cavalgava no meu pau.
Apertei os seus peitos e os trouxe à minha boca, os dois, enlouquecido, os
chupando. Os seus movimentos iam ganhando mais ritmo, eu senti o seu
corpo tremer e contemplei a sua expressão de prazer, o que me deixou ainda
mais excitado. — Cacete, que delícia! — urrei.
Ela saiu de cima de mim e voltou a traçar um caminho pelo meu copo
com a sua língua até chegar ao meu pau, eu gemia alto e segurava seus
cabelos, enquanto ela continuava a me chupar, alternando entre movimentos
rápidos e profundos e lambidas suaves nas minhas bolas. Aquilo era muito
estimulante, e eu não aguentava mais segurar por muito tempo. Em um
impulso, tirei ela de cima de mim e a coloquei de quatro, já posicionando
meu pau na entrada da sua boceta ensopada. Gemi alto ao penetrar nela,
sentindo seu corpo apertado e quente me envolver.
Comecei a estocar com força e ela gemia alto, pedindo mais. Apertei
suas nádegas e a puxei ainda mais para mim, aumentando a intensidade das
estocadas. Ela estava tão excitada que gozou novamente, contraindo seus
músculos ao redor do meu pau e me levando ao ápice. Enchi sua boceta
com meu esperma enquanto gemia alto de prazer. Caímos exaustos no chão,
ofegantes e suados. Foi inesquecível.
30
Preciso saber tudo sobre a Beatrice

Beatrice Marino

Eu andava pela mansão quando avistei Alessia, sentada próximo a um


lago.
— Buongiorno, senhora — ela diz, levantando-se rapidamente assim
que notou a minha aproximação.
Virei as costas e caminhei de volta para a mansão, a presença dela me
incomodava, era como se eu vivesse em um castelo de gelo, prestes a
derreter com a chegada do verão. Entrei apressada, atravessando a sala e
indo direto para o meu quarto, e dou de cara com Vincenzo saindo do
banho.
— Qual o problema? — ele indagou depois de analisar a minha
expressão.
— Nenhum — respondi, passando direto por ele, me puxou pelo
braço e me abraçou pela cintura.
— Se não falar, não terei como resolver — sussurrou em meu ouvido.
Mordi o lábio receosa.
— Ainda acredita que precisa da Alessia, aqui? — perguntei de
cabeça baixa. Ele suspirou, me soltando.
— Não, eu não preciso, irei resolver essa questão — disse, indo até o
closet e voltando com as roupas que iria vestir nas mãos. — Eu nunca a
toquei depois que nos casamos, me sinto satisfeito com você, a deixei
apenas por não me importar com a presença dela, mas claro que isso
incomodaria você. — Ele se aproximou e me beijou suavemente nos lábios.
Eu vinha vivendo um sonho ao lado de Vincenzo, no entanto, era
difícil não se deixar levar pelo medo e pela insegurança. Eu sabia que, se
ele soubesse sobre a Anna, as coisas poderiam mudar entre nós, mas eu não
conseguiria simplesmente esconder isso para sempre. Eu precisava
confrontar a situação de alguma forma.
— Aonde vai tão cedo? — indaguei.
— Ao galpão, os homens do Andrei ainda estão lá — ele respondeu, e
eu me levantei, indo até ele e o ajudando a abotoar a camisa.
Apenas o nome do Andrei já me causou certo desconforto. Eu sei que
ele é obcecado por mim e que meu avô o admirava profundamente. Mas, na
época em que estive na Rússia, não conseguia ver nada disso.
— Talvez você não precise viver em função disso — pronunciei, e ele
sorriu como se eu tivesse acabado de dizer a maior idiotice.
— Beatrice, não saia da mansão sozinha, de preferência, me aguarde,
posso te acompanhar onde você precisar ir — ele disse e beijou o topo da
minha cabeça, cruzando a porta do nosso quarto em seguida.
O meu telefone tocou sobre a mesa, eu desconhecia o número, mas,
ainda assim, atendi.
— Trice — o homem disse do outro lado da linha, e eu tremi,
reconhecendo a voz. — Não desligue — ordenou Andrei.
Sentei-me na cama, sentindo o meu coração acelerar.
— Quando vou te buscar? — ele indagou, e a minha respiração ficou
acelerada. — Saia agora, o seu marido acabou de cruzar a esquina, eu lhe
dei muita diversão. — Sorriu. — Ele gosta de torturas.
— Por acaso não é isso que está fazendo comigo agora e se
divertindo?
— Beatrice, eu te conheço tão bem. Quando lhe fiz mal? — A sua
voz saía de forma sexy e envolvente. — Já contou a ele o seu segredo?
Estou curioso para saber o que ele fará.
Desliguei o telefone e o apertei em minhas mãos.
— Vincenzo vai me matar — pronunciei para mim mesma quando o
telefone vibrou com uma mensagem do Andrei.
“Venha comigo, cuidarei de você e da sua família”.

***

Vincenzo Ferrari

Eu havia passado dias monitorando as ligações de Beatrice e até então


tudo o que havia encontrado eram chamadas para sua amiga Antonella. Eu
estava no escritório do galpão quando algo inesperado aconteceu. Uma
ligação de Andrei para ela chegou até o meu ouvido, e eu rapidamente me
concentrei na conversa.
— Filho da puta, eu vou matar você — pronunciei, ouvindo o meu
inimigo falando como se fosse íntimo da minha esposa.
Beatrice parecia ansiosa e nervosa do outro lado da linha, sua voz
estava baixa e tremia um pouco. Continuei ouvindo atentamente, tentando
entender o teor da conversa. Andrei falou sobre um segredo, que segredos
ela teria com ele?
Depois de desligar, eu fiquei pensando no que deveria fazer, eu
precisava de mais informações, mas não sabia como confrontá-la.
Que segredo é esse, Beatrice?, indaguei em pensamento.
— Lorenzo — gritei, chamando-o, e ele entrou na sala rapidamente.
Lembrei de alguém que poderia ter informações importantes.
— Qual o problema?
— Ligue para a Nina, eu preciso falar com ela.
— Nina? O que quer com ela? — Ele estreitou os olhos, me
analisando.
— Lorenzo, só faça o que mandei, não me questione.
— Quer que ela venha aqui? — perguntou, torcendo o nariz.
— Qual o problema?
— Tem muitos corpos espalhados, os presos gritam de dor dia e noite
— respondeu baixo.
— Ela é médica, deve estar acostumada com esse cenário.
Ele me lançou um olhar insatisfeito e aproximou o telefone do
ouvido, virando as costas para mim.
— Nina, pode vir ao galpão, o Don precisa falar com você, vou te
passar a localização — ele disse com a voz arrastada. Quando se tratava da
Nina, eu sabia que ele sempre ficaria no meio, e isso não era bom.
— Perfeito, suba com ela assim que chegar — ordeno assim que ele
encerrou a ligação.
Uma hora depois, ele entrou no escritório com ela.
— Saia, nos deixe sozinhos — ordenei.
Ela assentiu com a cabeça, e ele me encarou com preocupação, mas
fez sem questionar.
— Estarei aqui fora — ele disse e a beijou no rosto antes de sair.
— O meu irmão parece gostar muito de você — eu disse, apontando
para a cadeira na em frente à mesa, e ela sentou-se.
— Fomos prometidos ainda novos, nos acostumados com a ideia de
que teríamos um ao outro — ela respondeu.
— Quer se casar com o meu irmão? — questionei.
— Casar-se com um mafioso nunca foi o sonho de uma mulher — ela
contrapôs com a afronta de sempre.
— Então, não está satisfeita? — Inclinei o meu corpo em direção a
ela, apoiando as minhas mãos sobre a mesa.
— O senhor sabe que eu não tenho alternativa, então me acostumei
com a ideia, e veja que ironia, me apaixonei pelo subchefe.
— Sabe o que eu tenho apreço por você, Nina? A sua sinceridade, e
me pergunto o quanto você é amiga da minha esposa.
— Só conversamos quando vou à mansão — ela respondeu.
— Ela confia em você? Confia, eu vejo o sorriso dela quando você
chega.
— Aonde quer chegar com isso? — Uma ruga de preocupação se
formou em sua testa.
— Preciso saber tudo sobre a Beatrice.
— Não seria mais fácil perguntar a ela? Ela demonstra sentimento
pelo senhor, sei que está disposta a se abrir.
— Estou monitorando o telefone da Beatrice e ouça isso. — Soltei a
gravação.
— Eu não sei nada sobre isso — disse firme assim que a ligação de
Andrei e Beatrice encerra.
— Mas pode me ajudar a desvendar esse mistério. Pensa comigo,
Nina, que segredo a Beatrice teria que eu o marido dela não sabe, mas o
meu maior inimigo sabe?
— Desculpa, Don, mas eu não sei.
— Descubra — ordenei.
— Ela não confia em mim a esse ponto — respondeu.
Eu vi a recusa dela e que não estava disposta a fazer o que eu estava
mandando.
— Certo, pode sair — falei, arrumando a postura. — Não fale sobre
nada disso com o Lorenzo.
Ela se levantou, e notei a sua dificuldade em manter as pernas firmes.
— Diga ao seu pai que seu casamento acontecerá em breve — disse
alto depois que ela abriu a porta, eu queria que Lorenzo ouvisse
— Casamento? — Ele entrou na sala, passando por ela como uma
bala.
— O Biachi, acaba de ficar viúvo, com a idade que tem, é certo que
não arrumará um bom casamento. — Dei de ombros.
— Não! Nunca entendeu, Vincenzo, eu esquecerei que sou seu irmão,
entendeu? — Ele veio até mim com fúria e teve a audácia de me segurar
pelo colarinho.
— Pare, Lorenzo! — Sorri com satisfação quando ela veio contê-lo,
notei a preocupação dela com o meu irmão.
— Vou matar você, Vincenzo — ele gritou.
— Chega! — gritou para ele.
— O que é, o que ele quer com você, Nina, entregue a ele, vamos,
faça o que tem que fazer. — Foram poucas as vezes que vi o meu irmão
desestabilizado, ele realmente gosta dela.
— Saia, Lorenzo, vou conversar com o Don, ficaram alguns assuntos
pendentes.
— Não! Qual é o problema, Vincenzo? — ele questionou aos gritos.
— Apenas saia, não é assunto seu — eu disse, rígido.
— Eu lhe chamo se precisar — ela falou, mostrando um sorriso
confiante para ele, que saiu, mesmo contrariado.
Lorenzo me olhou firme antes de cruzar a portar e fechá-la em
seguida.
— Farei o que me ordenou. Serei uma espiã e a melhor amiga de sua
esposa, apesar de saber que o senhor teria todas as respostas que precisa se
demonstrasse a ela que também pode ser um amigo de confiança.
Eu sabia que ela estava certa e decidi que tentaria obter as
informações necessárias. No entanto, eu precisava de outras opções, e Nina
era uma delas.
31
Eu não tenho sentimentos

Vincenzo Ferrari
Cheguei em casa no final da tarde e ouvi Beatrice brincar com Giulia
em nossos aposentos. Fui até o quarto de hóspedes e tomei um banho
demorado. Eu não podia confiar em ninguém, foi assim a minha vida inteira
com o meu pai, com os meus soldados ou com os meus líderes mais
próximos, mas eu necessitava confiar em Beatrice, a ideia de que eu me
abrir para alguém que eu não merecia estava acabando comigo. Me vesti
rapidamente e fui encontrá-las.
Beatrice abriu um lindo sorriso quando me viu entrar, o seu semblante
parecia um pouco perturbado, mas, ainda assim, ela sorriu, trazendo uma
calma inexplicável. Giulia saltou na cama e correu para me abraçar.
— Como foi o seu dia? — indaguei, me sentando ao lado dela com a
garotinha ainda em meus braços.
Beatrice era única e especial, eu não queria acreditar que depois de
tantos anos eu tinha entregue os meus sentimentos para a pessoa errada. O
que eu estava sentindo por ela era assustador.
— Nada de diferente — ela respondeu, encostando a cabeça no meu
ombro, e eu a abracei.
Ficamos assistindo ao filme de desenho que passava, e Giulia dormiu,
eu a levei até o seu quarto e velei o seu sono por alguns minutos, era
prazeroso ouvi-la ressonar, e a sua expressão tranquila me trazia paz.
— Don. — Um dos meus soldados vem até mim com um envelope
nas mãos assim que sai do quarto da Giulia.
— Do que se trata? — indaguei.
— Acabaram de entregar — ele disse, esticando a mão para me
entregar, e eu identifiquei o selo do pacote em sua mão.
Desci as escadas segurando firmemente o envelope com informações
preciosas vindas da Rússia. Meus pensamentos concentrados unicamente
em investigar a família de Beatrice. Cheguei ao escritório e me sentei em
frente ao computador. Abri o envelope cuidadosamente e comecei a analisar
cada documento com atenção. As informações eram extremamente
importantes e precisas. Meu coração batia mais forte conforme eu avançava
nas descobertas.
— Ela é uma espiã, Vincenzo — afirmei para mim mesmo depois de
ver os documentos, o avô dela é um associado importante de Andrei,
Antônio Marino tinha a intenção de estreitar os laços com a Rússia, foi
assim que Beatrice chegou aqui.
Eu estava confuso, ela era doce e um tanto ingênua.
— Não, Vincenzo, ela não tem culpa de nada disso — disse, tentando
me convencer das minhas próprias palavras. Mas como acreditar nisso se
hoje ela recebeu uma ligação dele, do meu inimigo.
Eu sou implacável, eu não tenho sentimentos. Eu pensava, andando
de um lado para o outro no escritório.
— Vincenzo? — A porta se abriu, e eu recolhi os papéis sobre a
mesa, os guardando na gaveta. — Qual o problema? — A voz doce de
Beatrice ecoou na sala, o cheiro de morango invadiu as minhas narinas. Eu
seria capaz de matar toda a sua família, mas ela não, eu não conseguia me
imaginar em um mundo onde ela não existisse.
— Achei que tinha ido dormir — eu disse, me aproximando.
— Eu estava esperando por você, pensei que você estava com a
Giulia. — Ela passou os braços em volta do meu pescoço, e eu cravei os
meus olhos aos dela. O que você me esconde, Beatrice?
— O que sente por mim? — perguntei como um moleque inseguro.
Ela mordeu os lábios e desviou os olhos antes de voltar a me encarar
e então falar:
— Eu sinto que toda a minha existência tem um único intuito, que é
amar você. É por isso que eu ainda vivo, porque você precisa ser amado e
porque você não poderia ficar sozinho.
As suas palavras fizeram os meus olhos se encherem de lágrimas, as
últimas lágrimas derramadas por mim foi há anos, sobre o túmulo da Anna.
— Então me mostre que posso confiar em você, me prove que nós
dois valemos a pena. Com quem se importa mais: comigo ou com a sua
família?
— Que tipo de pergunta é essa? — ela indagou, se afastando, e eu a
puxei de volta. Ela ficou de costas para mim, e eu a prendi contra o meu
corpo, envolvendo os meus braços em sua cintura.
— Eu desejo construir uma família com você e poder contar com o
seu colo confortável nos dias exaustivos. Sinto que você é meu refúgio
nesse inferno em que vivo, no entanto, as minhas obrigações com a máfia
me impedem de demonstrar qualquer tipo de fraqueza. Preciso agir com
rigidez para punir traidores, o que infelizmente pode envolver eliminar
pessoas próximas a mim. Quero saber se você está comigo?
Senti o seu corpo estremecer em volta dos meus braços.
— Por que está me dizendo essas coisas? — A sua voz saiu trêmula.
— Porque não posso dar tudo de mim a uma pessoa a quem não
confio e que não está cem por cento comigo.

Beatrice Marino

Virei-me em direção a ele, deslizando meus braços por sua nuca. No


início, suas palavras me deixaram intimidada, mas, depois de alguns
segundos, percebi que ele não estava tentando me assustar ou afastar. Na
verdade, ele estava buscando uma conexão mais próxima e uma sensação
de proteção mútua.
— O que espera de mim, Vincenzo? — quis saber, sem desviar os
meus olhos dos dele.
— Não está claro para você, Beatrice? Seja a minha esposa, não
aquela que arrastei até o altar, mas aquela que anda ao meu lado, que olha
na mesma direção e com quem eu me deite todas as noites e tenho um sono
tranquilo depois de uma longa sessão de amor.
— Eu sinto medo! — admiti.
— Medo? — Ele ergueu o meu queixo, usando o dedo indicador.
— Você é um homem machucado e traumatizado. — Calei-me.
— Achei que daria outros adjetivos. — Ele sorriu.
— Um coração cheio de traumas é o mais perigoso, ele foi pisado,
destruído e sagra, ele tem o instinto de sobrevivência. Ele já sobreviveu a
muitas coisas, nada mais lhe causa dor.
— E se eu disser que esqueço de tudo de ruim que eu vivi quando
estou com você — ele disse cheio de ternura, os seus lábios tocaram a
minha nuca e toda a minha pele se arrepiou. Ele tinha razão, eu lhe escondia
algo, e eu sentia medo do que ele faria quando soubesse.
— Eu te amo! — com um sussurro carregado de emoção, declarei
meu amor por ele. Imediatamente, sua postura mudou, ele virou as costas e
apoiou as mãos sobre a mesa. Sua respiração se tornou rápida e ofegante, e
pude sentir sua pulsação acelerada. — Não espero que me diga nada de
volta, está tudo bem. — Tentei acalmá-lo. Minhas mãos tremiam ao tocar
seu braço, temendo ter ultrapassado limites.
Ele virou-se rapidamente envolvendo as suas mãos na minha nuca e
beijou de uma forma arrebatadora, desceu as mãos e apertou os meus seios,
levantou a minha blusa e, em um movimento rápido, me sentou sobre a
mesa do escritório. O seu braço se arrastou sobre a mesa e todos os objetos
foram ao chão, ele se posicionou entre as minhas pernas, colocando a sua
ereção para fora. Eu já estava tomada pelo prazer. Tirei a calcinha, e ele me
penetrou violentamente, cada movimento aumentava ainda mais o meu
tesão, eu cravei as minhas unhas nas suas costas, enquanto ele beijava o
meu pescoço. Ele me segurava pela cintura com força, estocando mais e
mais fundo, eu gemia sem parar enquanto a mesa balançava devido à
intensidade dos nossos movimentos.
Em um momento de extrema excitação, eu cheguei ao ápice, e ele
acompanhou logo depois, gemendo alto e me enchendo com seu líquido
quente.
Mesmo sem expressar palavras de amor em resposta, ele se deitou ao
meu lado, ofegante e sorridente, acariciando meu rosto com o dedo
indicador. Ele me abraçou com força, e eu senti seu coração batendo rápido.
Ele apoiou o queixo na minha cabeça e beijou minha testa.
32
Nela, ninguém toca

Vincenzo Ferrari

— Qual o problema? — indagou Lorenzo, me encontrando na sala.


— Se eu te contasse, precisaria te matar. — Ele sorriu.
— Sério? — zombou.
— Já se livrou da Alessia, como eu mandei.
— Sim, comprei o apartamento no centro e coloquei alguns milhões
na conta dela.
— Obrigado.
— Então é isso, enfim casado? — ele questionou, parando em frente à
janela, olhando para o jardim.
— Pergunte logo o que quer, Lorenzo? — Parei ao lado dele na
janela.
— Quando vou poder me casar com a Nina?
— Não venha me amolar com essas perguntas agora, Lorenzo.
— Qual o seu problema com a Nina? Não foi você quem a escolheu
para mim?
— Tudo tem a sua hora, você ainda não está pronto para esse
casamento.
— Por quê? É o que você acha, Vincenzo, eu e ela estamos prontos.
Que porra, você estava ameaçando a minha noiva de casá-la com outro.
— Tive os meus motivos, e não foi uma ameaça — respondi, virando
as costas para ele, que me seguiu até o sofá.
— O que ela fez? — ele questionou com angústia. — Costumávamos
ser amigos, Vincenzo.
— Preciso que ela me ajude com algo, mas a sua noiva não parece
querer colaborar muito, ela precisou de um incentivo e é só isso.
— Deixe-me adivinhar, Beatrice. — Sorriu sem humor.
— Exatamente.
— Pare de terceirizar esse problema, Vincenzo.
— A Nina fará o que pedi. Estamos indo bem, inclusive amanhã ela
se mudará para essa casa, preciso que ela esteja mais próxima da minha
esposa.
Ele suspirou, deixando transparecer a sua irritação.
— Ela não é um fantoche.
— Ela é o que eu quiser que ela seja, Lorenzo. Agora chega de me
questionar, se a Nina fizer o que eu ordenei, vocês se casam em dois meses.
— Está falando sério? — Ele me olhou animado.
— Sim. Estou trazendo-a para nossa casa, não a mandaria de volta
para a casa dos pais depois de viver sob o mesmo teto do noivo, exceto se
ela falhar.
— Me diga o que precisa que a ajudarei.
— A tarefa é simples, ela precisa ser a melhor amiga da minha
esposa.
— Amiga?
— Sim, e confidente.
— O que precisa saber? — ele indagou com uma ruga na testa.
— Se eu soubesse, não precisaria da Nina — falei como se fosse
óbvio.
— Porra, Vincenzo, converse comigo — ele implorou.
— Certo, Lorenzo, eu vou te contar, mas, se você sonhar em usar isso
contra mim, te juro que esqueço que você é o meu irmão e te mato. Vem,
vamos até o meu escritório.
Fui até a mesa e peguei todas as informações que eu tinha, não estava
cogitando conversar com Lorenzo sobre isso, mas, naquele momento,
pensava que ele pode me ajudar.
— Olha isso. — Coloquei tudo sobre a mesa, e ele caminhou em
minha direção.
— Que porra é essa? — ele indagou.
— Eu já sabia que a Beatrice é meio russa, o Luigi me confidenciou
quando estava preso, mas eu não fazia ideia de que o avô dela tinha
negócios com o Andrei.
— Então o nosso carregamento de armas pode ter sido realmente ele?
— ele se questionou e andou apressado, revirando a sala e apalpando a
mesa.
— Que merda está fazendo? — indaguei.
— Procurando por escutas, Beatrice pode ter colocado várias.
— Não, eu já procurei, não tem nada.
— E o que a Nina precisa descobrir? — questionou confuso.
— Sobre isso. — Soltei a gravação da conversa de Beatrice com
Andrei.
— Isso é traição, devemos matar essa garota — ele falou com
indignação.
— Não estou te mostrando tudo isso para que você arrume soluções,
Lorenzo — retruquei, irritado.
— Então o que vai fazer, se sentar e esperar que ela acabe com a
nossa família? Quer ser morto pelo Andrei e deixar que ele entre nessa casa
e foda a sua esposa todas as noites? Porque é isso que parece, Vincenzo, ela
é uma puta do caralho e eles estão armando para ficar juntos.
— Eu durmo e acordo todos os dias ao lado daquela garota, eu nunca
pregaria os meus olhos ao lado de alguém que eu não confio.
— Confia? — Ele sorriu sem humor, passando a mão pelo queixo. —
Se confiasse, não estaria trazendo a Nina para ser a sua espiã.
— O que quer que esteja acontecendo, Lorenzo, eu vou descobrir,
mas uma coisa eu sei, a Beatrice nunca faria nada que me prejudicasse, o
que ela está escondendo vai além da minha rivalidade com o Andrei —
pronunciei com um ar pensativo.
— Ela poderia ser a mulher que você procura, quem tem o coração
da Anna, ela é exatamente quem a Carina descreveu.
— Não, eu procurei pelas marcas, ela não é transplantada — afirmei
com convicção.
— Então vamos esperar que a Nina nos diga o que ela esconde.
— Uma coisa é certa, Lorenzo, eu não hesitarei em queimar toda essa
família se eles ousaram armar contra mim.
— Até a Beatrice?
— Ela não! Nela, ninguém toca.

***

Beatrice Marino

Eu colocava a Giulia para dormir quando Vincenzo entrou no quarto,


ele não tinha a melhor expressão assim que chegou, mas ele sorriu quando
nossos olhos se encontraram, acalmando o meu coração que parecia se
alimentar da sua felicidade e satisfação.
— Ela acabou de dormir, você chegou atrasado — disse-lhe, sorrindo.
— Acho que cheguei na hora certa. — Ele me levantou gentilmente
pelo ombro e me beijou de forma doce e singela.
Como a pessoa que me arrastou pelo jardim trajando um vestido de
noiva se transformou neste homem?
— Vamos, não faça barulho — eu disse, o puxando para fora do
quarto.
— Adoro barulho, principalmente os que saem da sua boca quando
estou dentro de você.
— Vincenzo! — falei com um tom repressor, me sentindo
envergonhada.
— Alessia foi embora — ele disse assim que entramos no nosso
quarto. E eu desejei que ela ainda estivesse viva, não queria causar a morte
de ninguém.
— Viva? — indaguei quando ele se sentou na nossa cama e ficou me
olhando.
— Claro! — Ele sorriu, me abraçando, e caí sentada em seu colo. —
Por que eu a mataria?
— Não sei, já te vi fazendo esse tipo de coisa. As pessoas dizem que
matou o seu próprio pai e de uma forma horrível.
Ele me senta na cama e fica de pé, mudando completamente a
expressão.
— Desculpe — eu disse com a voz trêmula.
— Sim, você está certa, eu matei o meu pai, eu o cortei em vários
pedaços e acredite, ele ainda estava vivo e sorrindo — o seu corpo tremia e
ele pronunciava com ódio. — Eu o queimei ainda vivo — ele diz,
confirmando o que eu já tinha ouvido falar.
— Não precisa falar mais, me desculpe.
— Eu quero falar — falou de costas para mim. — Já deveríamos ter
tido conversas desse tipo — ele disse ainda de costas, com as mãos
apoiadas na penteadeira, mas eu podia ver o seu rosto pelo reflexo do
espelho. — Eu esbarrei com a Anna no estacionamento de uma loja de
conveniência, ele estava com a roupa e os cabelos sujos de tinta. Ela sempre
estava suja de tinta. — Ele sorriu com a lembrança. — Com pouco mais de
um ano, estávamos esperando o nosso primeiro filho e casados. O meu pai
sempre odiou a ideia do casamento e, no dia em que a minha filha viria ao
mundo, ele as matou e doou o coração da Anna a uma mulher que ele
julgou ser a mulher perfeita para mim. Eu a cacei por anos, eu desejei a sua
morte dia e noite, eu sonhei por várias vezes matando cada um da sua
família e isso se estenderia por gerações.
— E o que mudou? — indaguei, sentindo um nó se formar na minha
garganta.
— Você chegou e eu senti que poderia ser feliz de novo — comentou,
virando-se para mim e se ajoelhando na minha frente. — Nunca me traia,
Beatrice, não esconda nada de mim — ele implorou, beijando os meus
lábios, enquanto o meu corpo estremeceu de aflição.
33
Eu sinto ciúmes

Beatrice Marino

Mesmo que o meu instinto de sobrevivência sussurrasse em meus


ouvidos, ordenando que eu fugisse desse lugar, minha vontade de
permanecer aqui mais um dia e mais um gritava tão alto que eu mal era
capaz de ouvir argumentos contrários.
Todos os dias sou despertada pelo delicioso perfume de Vincenzo, já
que nunca consigo acordar antes dele. O quarto é inundado com o aroma
envolvente que somente ele sabe exalar.
— Você vai se atrasar para a faculdade se continuar sonhando
acordada — ele diz bem-humorado, vindo até mim e me beijando rápido
nos lábios.
— Vou levantar-me agora mesmo — eu disse, saltando da cama e
andando apressada para o banheiro.
Tomo um banho rápido, me arrumo e desço.
— Nina? — indaguei, animada, vendo-a chegar, ela vinha me
evitando há vários dias.
Ela acenou sem vontade, e eu reparei as malas ao lado dela.
— E essas malas? — perguntei, indo até ela.
— O Don me pediu que passasse uns dias aqui — ela respondeu, um
tanto contrariada.
— Sério? — Não pude conter a felicidade, eu me sentia sozinha e,
para mim, ela é uma ótima amiga e, segundos depois, me senti egoísta
quando notei a sua insatisfação nas suas palavras.
— Vamos nos encontrar com mais frequência — disse ela, sorrindo
genuinamente, o que correspondia ao seu caráter. Depois, ela veio até mim
e me abraçou.
— Eu estou indo à faculdade agora, mas, assim que eu voltar, eu te
procuro — me despedi.
Eu encontrei o motorista esperando por mim na entrada, enquanto
Vincenzo já havia saído. Ele tinha criado um hábito de sempre que possível
levar Giulia para a escola. Ele se apegou a ela de uma maneira
impressionante, como se seu coração a reconhecesse. Eu, mais uma vez,
senti uma culpa avassaladora por esconder algo tão importante dele.
— Trice. — Ao ouvir a voz de Giovani, senti meu corpo congelar,
mas sabia que precisava parar de evitá-lo. Respirei fundo, forçando meu
melhor sorriso, e me virei em sua direção.
— Olá! — falei ao me virar, e ele sorriu.
— Quando que as coisas ficaram estranhas entre nós? — ele indagou,
se aproximando.
— Desculpa, ainda é estranho — sorri tímida, respondendo.
— Vamos voltar a ser amigos, Trice. Sinto falta de conversar com
você. — O seu tom era sofrido.
— Me desculpe, Giovani, eu tenho sido uma idiota com você. Mas,
acredite, faço isso para que você não crie mais esperança, estou feliz com
meu marido.
— Se ele te faz feliz, devo me conformar ter perdido você, embora
não seja fácil, eu sempre achei que ficaríamos juntos, acho que até você
acreditou nisso.
— Sim, eu acreditei piamente. — Sorri. — Mas as coisas só
aconteceram. — Dei de ombros.
— Posso lhe dá um abraço? — Eu não tive chance de resposta, ele
zerou a distância entre nós e me abraçou com força, eu senti o seu peito
estremecer.
— O que é isso, Giovani? — Antonella se põe entre nós dois e me
abraça. — Como vai, amiga? — ela perguntou e voltou a encará-lo com
reprovação. — Não esqueça do que o nosso pai disse — ela volta a reprová-
lo.
— O que o seu pai disse? — quis saber, curiosa.
— Beatrice, você sabe sobre o seu marido e esse amor platônico do
meu irmão por você.
— Vincenzo nunca faria mal a Giovani — afirmei com convicção, e
ela sorri com deboche.
— Vamos mudar de assunto, Antonella, chega! — ele falou, irritado.
— Vamos para a sala, então. Você vem conosco, Trice? — Antonella
perguntou, andando em direção à entrada.
— Sim, eu vou.

***

Vincenzo Ferrari

Eu brincava com Giulia no jardim quando o carro que trazia Beatrice


da faculdade estacionou.
— Trice. — Ela correu animada para os braços da irmã, que se
abaixou para agarrá-la.
— Como foi a aula? — indaguei, mesmo sabendo de cada passo que
ela deu.
— Tudo igual — respondeu.
— Giulia, você precisa entrar e fazer a sua tarefa. — Ela não me
questionava e seguia as minhas ordens sem nenhuma objeção.
— Eu sou comportada e obediente? — Giulia indagou.
— Sim, você é — respondi, sem entender o motivo da pergunta.
— Então eu vou poder morar aqui para sempre? — ela indagou e os
seus olhos brilharam igual aos de um gato com fome.
— O seu pai ficará triste se você não voltar para casa.
Eu sequer pude ouvir a sua resposta, pois Antônio Marino havia
acabado de chegar na propriedade.
— Pai? — Beatrice me olhou, confusa.
— Eu o chamei.
— Minhas meninas — ele disse de braços abertos ainda ao lado do
carro.
Giulia correu, se agarrando em suas pernas, ele a ergueu e lhe deu
muitos beijos e abraçou Beatrice com apenas um dos braços em seguida.
— Luigi não lhe acompanhou? — indaguei.
— Ele ficou para cuidar de algumas reuniões da empresa — ele
respondeu com um tom sério e me encarando como se eu fosse uma
ameaça.
— Beatrice, leve a sua irmã para dentro, vou conversar com o senhor
meu sogro.
Ela mordeu o lábio apreensiva, mas não contestou e entrou.
— No dia do casamento, acredito que o senhor não tenha tido
oportunidade de conhecer toda a propriedade, vamos dar uma volta. —
Estiquei o braço, indicando a direção e caminhamos lado a lado.
— Qual o motivo do convite? — ele perguntou sem delongas.
— O meu objetivo quando tomei a Beatrice como esposa foi para
estreitar a nossa relação, mas não nego que o grupo Marino tem feito a sua
parte e que os negócios vão bem, não tivemos um problema sequer.
— Então? — Deu de ombros e parou para me encarar.
— Continue caminhando, pararemos naquela casa mais à frente. —
Aponto para a casa do vinhedo.
Quando cruzamos a porta, ele olha tudo com espanto, o lugar não é
nada acolhedor, com correntes e objetos de tortura espalhados.
— Por que me trouxe aqui? — Ele se manteve firme, sem fraqueza na
voz.
— Sente-se, no meu escritório, eu sinto que sempre sou ouvido por
alguém, aqui estamos, de fato, sozinhos.
— Não creio que me trouxe a esse tipo de lugar para preservar a
nossa conversa. — Ele se senta em uma poltrona próxima à janela,
afrouxando a gravata, o suor escorria pela sua testa.
Me sentei na sua frente e observei os trabalhadores colherem as uvas
por alguns segundos, mas logo voltei a falar.
— Eu estou bastante satisfeito com o casamento, e não só em relação
aos negócios, Beatrice me faz feliz, eu realmente tenho sentimentos por ela.
— Ele arregalou os olhos, espantado com a minha declaração.
— Não fazia ideia que se sentia assim — pronunciou com surpresa.
— A sua filha disse que me ama, e eu também me sinto assim por ela.
— Arrumei a minha postura e apoiei os meus cotovelos sobre o joelho. —
Mas tem um pequeno detalhe que está me deixando incomodado.
— O que seria? — ele questionou.
— Eu domino toda a Itália, não tenho um inimigo que ousa brigar por
território, sou respeitado por todos os líderes rivais, embora eu precise ficar
atento. Porém, hoje tenho um imenso problema com Andrei Vasiliev.
Ele sorriu de nervoso, levantou-se da poltrona e caminhou até a
janela.
— Por que está me falando sobre o Andrei?
— É simples, se a sua família acredita que fecharei os meus olhos
para traições porque tenho sentimentos pela Beatrice, vocês estão bem
enganados. Eu os mataria sem nenhum remorso, ela é minha esposa e ficará
aqui comigo, feliz, ou não — comentei em um tom de ameaça e, embora eu
me importe com os sentimentos da minha esposa, eu preciso manter o
controle dos meus negócios.
— Não temos ligação com o Andrei — ele responde, andando para
mais longe de mim.
— Eu disse ao Luigi que o fato de eles serem filhos de uma mulher
russa não seria um problema, mas os netos de um associado russo podem
nos trazer algumas divergências — falei com a mão em seu ombro.
— O que quer que eu faça?
— Me entregue a localização de Andrei aqui na Itália. Preciso matar o
mal pela raiz.
— Eu não sei onde ele está.
— Onde ele conseguiu o número da Beatrice? Não acredito que tenha
sido em um catálogo telefônico. Que caralho! Estou sendo complacente
com a sua família, eu queimei mais de quinze homens que se abstiveram de
me falar onde está aquele miserável. Ele teve a petulância de me atacar
enquanto eu fazia uma viagem com as suas filhas, ele machucou a Beatrice
e colocou a vida da Giulia em risco, eu estou irritado.
Ele engoliu em seco, permanecendo em silêncio.
— Eu realmente não sei onde ele está e lhe diria se soubesse.
— Você tem três dias. E precisamos resolver a questão parental — eu
disse, me afastando.
— Não entendo o que quer dizer.
— O avô da minha esposa é um problema, infelizmente vamos
precisar exterminar todos os russos puro-sangue. Acredito que parte dos
meus problemas acaba se o Luigi assumir as empresas na Rússia.
— Está dizendo que vai matar todos os parentes da minha esposa?
— Agradeça a Beatrice por deixar que a sua esposa viva. A nossa
conversa acabou, espero que tenha entendido bem o teor do assunto e aja
com total sabedoria, não se pode estar dos dois lados, meu sogro.
Beatrice Marino

Eu olhava pela janela aflita e, quando o meu pai apontou no jardim,


voltando do vinhedo, senti um alívio no meu coração. Cruzei a porta
rapidamente e fui em direção a eles.
— Pai, vai ficar para o almoço? — perguntei, me apoiando em seus
braços.
— Será um prazer tê-lo para o almoço, meu sogro — Vincenzo
afirmou com gentileza, mas a expressão do meu pai é péssima, e eu sinto
medo só de imaginar o tipo de conversa que tiveram.
— Ficarei com gosto, filha — ele responde.
O almoço foi silencioso, apenas a Giulia nos fazia sorrir, ela estava
em uma fase fofa e falava pelos cotovelos. Vincenzo a olhava com
admiração, e eu queria contar-lhe a verdade sobre ela, mas sempre que eu
pensava em abrir a minha boca, o meu medo me deixava paralisada.
Me despedi do meu pai, que me olhava aflito, meu coração ficou
apertado em vê-lo daquela forma.
— Existe algum problema? — indaguei a Vincenzo assim que
ficamos sozinhos no nosso quarto.
— Não — respondeu com um tom carinhoso.
— Eu não sou boba, Vincenzo, sei que tem algo, o meu pai estava
com uma cara péssima. O que tiver de fazer, faça comigo, não machuque a
minha família — implorei, já em lágrimas.
— Beatrice, eu e você somos um só, eu sou a sua família. Muitas
vezes precisamos ser rígidos e fazer o que não queremos, mas lhe asseguro
que você tem sido o único motivo para que eu não tenha jogado uma bomba
e destruído tudo que tem me atrapalhado.
— Do que está falando? — questionei, desesperada.
— Beatrice, não vamos estragar o nosso dia com questões de
trabalho. Venha aqui, me conte como foi na faculdade — ele falou, me
abraçando e acariciando o meu rosto.
Eu lembrei do meu abraço com o Giovani e do que a Antonella falou.
— Eu tive uma conversa com o Giovani hoje, ele me deu um abraço.
— Senti os seus músculos endurecerem.
— Abraço? — Sorriu de nervoso, virando as costas.
— Todos nós temos passado, meu marido, você com a Anna, e eu
com o Giovani.
A sua expressão mudou e eu vi a sua mão tremer.
— Você gosta dele? — A sua voz saiu rouca e partida.
— Não mais. Eu já disse que lhe amo.
— Mas gostava — afirmou com um tom enciumado.
— Sim.
— Mude de faculdade — ordenou.
— Não confia em mim?
— Eu sinto ciúmes — admitiu.
Um lado da minha boca se ergueu com descrição e eu o abracei,
encontrando a minha cabeça em seu peito. Aos poucos, as batidas do seu
coração acelerado foram voltando ao normal.
— Eu só tenho olhos para você — declarei.
34
Vê bondade até no coração do diabo

Vincenzo Ferrari

— Giovani? — o chamei antes que ele entrasse na faculdade.


Ele olhou para os lados até que me viu encostado no carro e tive a
impressão de que ele correria, mas ele enterrou os passos e retornou, vindo
em minha direção.
— Pois não? — indagou com peito estufado.
— Acabei de deixar a minha esposa, eu achei que sempre chegasse
antes dela. Tem um tempo livre?
— Diga o que quer — disse, dando alguns passos para trás quando
me aproximei dele.
— Pelo visto você ouviu falar sobre mim, e não foram coisas boas —
debochei.
— Sim, eu ouvi.
— Entre, vamos conversar em outro lugar.
Ele semicerrou os olhos, me estudando, mas aceitou entrar no carro e
eu fiz em seguida.
— Podemos ir? — indago.
— Giovani? Sai daí agora — uma garota da idade da Beatrice batia
no vidro e gritava.
— Antonella, não se meta — ele vozeou no carro.
— Vem, saia agora — ela ordenou com as duas mãos na cintura.
— Don, ela está chamando a atenção das pessoas — comentou um
dos meus soldados que estava sentado no banco da frente.
— Leve o carro — pediu o garoto, destemido, e o meu motorista me
olhou pelo retrovisor.
— Você ouviu o garoto, leve o carro.
Paramos em um píer próximo à faculdade, eu desci primeiro, andei
em direção à praia, e ele me seguiu.
— Venho acompanhando as suas tentativas de aproximação com a
minha esposa — comecei falar assim que ele parou no meu lado.
— Eu e a Beatrice somos amigos, não existem tentativas, nós somos
próximos.
— Acredita na amizade entre homens e mulheres? — indaguei,
encarando-o.
— Acredito que a maldade está nos olhos de quem vê — ele
respondeu, e eu sorri.
— Você tem razão. Certa vez Beatrice me falou que os olhos são o
espelho da alma… — Ele sorriu e começou a falar antes mesmo que eu
terminasse de falar.
— O brilho nos olhos de uma pessoa pode revelar seus verdadeiros
sentimentos e pensamentos internos. Os olhos são um indicador da
personalidade, emoções e características pessoais de alguém. Ela me dizia
isso o tempo todo para justificar as inúmeras chamadas de vídeo. Mas você
não acha que a voz também indica as suas emoções?
— Não, eu não acho. Nem todas as pessoas demonstram emoções.
— Seria esse o seu caso?
— Talvez. Eu não me importo com o que você é ou foi da Beatrice,
mas eu não suporto que outros homens a toquem, não sou de conversa, eu
certamente te bateria até que você nunca mais pudesse ver mulher
nenhuma, mas eu faria a minha esposa infeliz. Como pode ver, ela me
devolveu uma alma.
— Está mandando me afastar dela?
— Sim, faça isso para o seu bem, eu não faço ideia até quando
conseguirei manter o controle.
— Eu falarei com ela até o dia em que diga que não quer ser a minha
amiga, e digo mais, se um dia ela acordar e perceber que dizer sim a você
foi uma loucura, eu tentarei tê-la de novo e de novo, porque eu a amo.
— Nem o diabo é capaz de tirá-la de mim e, se ele ousasse, eu
reviraria todo o inferno e a traria de volta. Ninguém tira de Vincenzo Ferrari
o que lhe pertence.
— Ele está aqui! Eu os encontrei. — A voz era da Antonella
novamente, me virei para olhar e a vi correndo em nossa direção com a
Beatrice.
Elas nos encaram assustadas, e a garota girou em torno do irmão.
— O que é isso? Pare, Antonella — ele falou, alterado, e ela suspirou
tranquila.
— O que faz aqui, Beatrice? — perguntei, indo até ela, que ficou
petrificada no ponto alto do píer.
— Bom, a Antonella me arrastou, ela rastreou o telefone do Giovani
e… — Coloquei o dedo em seus lábios.
— E vieram checar se eu havia matado o garoto e jogado o corpo no
mar? — questionei, vendo a aflição passar pelos seus olhos.
— Vamos embora, Giovani. — Antonella o arrastava, indo em
direção ao táxi que elas tomaram para chegar até aqui.
— Vamos, entre no carro, Beatrice.
Voltamos em silêncio no carro, ela só falou quando cruzamos a porta
da sala.
— Me desculpe — ela pede com as bochechas rosadas.
— Não se desculpe. Vocês chegaram bem na hora, eu estava prestes a
matar o garoto, que teve a audácia de dizer que te ama e jogar na minha
cara o quanto vocês são íntimos — eu disse com um tom furioso.
— Mas você não fez.
— Você é ingênua, Beatrice, vê bondade até no coração do diabo.
— Giovani está vivo, isso é bom.
— Pare de mostrar o quanto se importa com ele, Beatrice — rosnei,
me afastando dela, que tocava o meu braço.
— Sobre o que conversaram?
— Ouça bem o que vou dizer agora, Beatrice, você é minha e eu
prezo por você, mas não me afronte, não volte a ficar de conversas com
aquele garoto, nem com nenhum outro homem que não seja eu, entendeu?
— ameacei com os dedos envolvidos em seu braço. Ela me encarou com
uma expressão de medo, eu estava sendo rude, eu estava sendo eu, não o
homem que eu tenho sido para ela.
Saí da sala, temendo que a nossa conversa chegasse em um rumo que
eu não gostaria...

***

Beatrice Marino

— Você gosta desse rapaz? — A voz de Nina me despertou de um


transe processado pela minha mente.
— De quem? — indaguei, indo até ela, que estava sentada no sofá no
canto da sala.
— Giovani?
— Claro que não — respondi com convicção.
— Vamos andar um pouco, o que acha? — ela perguntou, levantando-
se.
Eu assenti com a cabeça e segui até o jardim onde caminhamos.
— Você já parou para pensar que talvez não seja você quem tem
sentimentos pelo Don? — ela perguntou séria, olhando o vinhedo a sua
frente.
— Não, eu nunca pensei sobre isso — confessei.
— Eu me perguntaria sobre isso se eu estivesse no seu lugar — ela
falou, voltando a andar, e eu a segui.
Nos primeiros segundos, a pergunta não tinha nenhum nexo, mas, em
minutos, eu já estava me questionando o mesmo.
— Você tem uma história com o garoto, se ele desafia o Don, é
porque acredita que algo aí dentro de você está confuso.
— Eu amava o Giovani desde criança — admiti.
— Eu sabia! — Ela sorriu. — E descobriu que deixou de amar depois
de receber o coração da Anna — afirmou como alguém que faz uma grande
descoberta.
Eu pensei um pouco e me dei conta que sim, foi exatamente assim.
— O que está tentando me dizer?
— Eu sou médica, Beatrice, estou apenas curiosa. Existem muitos
questionamentos sobre isso no meio científico, muitos acreditam que o
coração carrega memórias. Eu vi os quadros que você pintou, nossa! Se eu
fechasse os meus olhos, eu acharia que estava tendo vários flashes dos
vídeos que eu já flagrei o Don assistindo.
— Vídeos da Anna? — indaguei.
— Sim, dezenas deles. Eu não sei quando esse homem ficou tão ruim,
a expressão dele ao lado dela era tão fofa quanto à do Lorenzo comigo.
— Onde estão os vídeos? — perguntei, curiosa.
— Não sei, talvez no quarto que era dele com a Anna.
— Existe esse quarto?
— Sim, existe. Ele fica ao lado do que você dorme com ele.
— O quarto ao lado é o quarto da Giulia.
— A porta foi fechada com uma parede, a nova porta está dentro do
seu quarto, ninguém entra ali. Algumas vezes ele pediu que limpasse o
local, outro dia mandou que retirassem uns quadros de lá.
— Eu nunca vi nenhuma porta lá.
— Nunca se preocupou em saber o que tem atrás das cortinas grossas,
Beatrice?
— Não — admiti.
— Bom, deixa eu te falar uma coisa, eu sei que você amou a minha
vinda para essa casa — suspirou —, mas eu estou aqui para colher
informações suas, informações que eu já sei. Infelizmente. — Suspirou
derrotada desta vez.
— Do que está falando?
— O Don desconfia de você e da sua família. Ele acredita que você
esconde algo dele, e acha que é traição ou algo do tipo, se ele descobre o
verdadeiro segredo, eu temo pela sua vida e a vida da sua família.
— Ele disse que não estava mais procurando a mulher com o coração
da Anna.
— Não está procurando, mas não significa que ele não terá uma
reação negativa quando a encontrar.
— Por que está me dizendo tudo isso?
— Pois é, eu tenho me feito a mesma pergunta, por que diabos eu
estou arriscando a minha vida e a da minha família para te ajudar?
— Perdoe-me por está tornando a sua vida mais difícil — lamentei.
— Faça valer a pena, então, Beatrice, viva.
— Eu já estou, não estou? — perguntei, confusa.
— Vá para longe e prepare um exército para proteger você e a sua
família. Acredite em mim, vocês vão precisar.
— E a Giulia? — questionei, sentindo o meu coração apertar.
— Não se preocupe com a garota, o Don já é louco por ela e, quando
souber que é a filha dele com a Anna, ele vai idolatrá-la.
— Nina! — Lorenzo gritou, surgindo entre o vinhedo.
— Conversamos mais em outra hora — ela disse, se afastando e indo
na direção dele.
35
Você mataria os parentes da Anna?

Beatrice Marino

As palavras de Nina ecoavam em minha mente, impedindo-me de


dormir. Recordava a expressão do meu pai ao sair daqui; Vincenzo
certamente o intimidou de alguma forma. Encarava, naquele momento, a
imensa cortina vermelha que cobria a parede lateral do quarto.
— Não vá até lá, Beatrice — aconselhei a mim mesma. Mas era
inútil, eu estava determinada a entrar naquele quarto. Eu estava com ciúmes
da Anna, afinal, o quanto Vincenzo me ama?
— Já acordou? — ele indagou, saindo do banheiro e secando os
cabelos com a toalha, completamente nu.
— Vincenzo! — resmunguei quando ele se sentou ao meu lado e me
abraçou, o meu corpo, ainda quente, se arrepiou com o toque gelado do seu
corpo molhado.
— Me desculpe por ontem, eu não queria assustar você.
O quanto eu gosto do Vincenzo? — pergunto a mim mesma. Putz! Eu
estou confusa.
— Beatrice, não vai à faculdade hoje? — ele quis saber, se levantando
e indo até o closet. Eu ainda estava na cama e certamente me atrasaria.
— Acordei indisposta.
— O que está sentindo? — ele perguntou e o seu tom foi de
preocupação.
— Nada, apenas preguiça. — Dei de ombros.
— Vou levar a Giulia à escola — ele falou, arrumando os cabelos em
frente ao espelho.
— Você se apegou muito a Giulia. Às vezes parecemos ser os pais
dela — eu disse, e ele parou o que fazia para virar-se para mim e me
encarar com um ar pensativo.
— Quando teremos um filho? — indagou, me surpreendendo, minha
saliva desceu pela garganta, engasgando-me, e me faz tossir
descontroladamente. — Nós não usamos proteção, deveríamos ter um bebê
— ele comentou enquanto pegava uma garrafa de vidro e enchia um copo
d'água. — Beba — ele disse, entregando-me o copo.
A tosse diminui lentamente e eu o observo, perplexa. Ele ainda está
me encarando, esperando uma resposta.
— Pare de me olhar assim, eu não sei por que não estou grávida.
— Será que precisa ir ao médico?
— Não, somos recém-casados, as coisas não acontecem assim. — Eu
me levantei da cama ainda encarando as cortinas.
Ele suspirou, desapontado, e beijou a minha testa em seguida.
— Eu já volto — disse, cruzando a porta do nosso quarto.
Eu estava em pé, olhando fixamente para o tecido grosso que cobria a
parede, riscando o chão com o pé e torcendo os lábios.
— Não seja intrometida, Beatrice. — Pensei comigo mesma. Mas a
curiosidade era forte demais, o ciúme estava me consumindo, então, acabei
puxando as cortinas, revelando a porta oculta. — Você sempre esteve aqui?
— perguntei à porta, como se ela pudesse me responder. — É claro que está
trancada, você pensou que seria fácil? — murmurei para mim mesma,
desapontada, mas rapidamente comecei a vasculhar as gavetas, procurando
a chave.
— Procurando algo? — Vincenzo indagou ao retornar ao quarto.
Sobressaltei, assustada, e olhei apressada em direção às cortinas. Os
seus olhos seguiram os meus até a parede coberta e retornaram para mim.
Ele parecia entender o que eu buscava nas gavetas, mas não disse
nada sobre o assunto.
— Eu vim apenas pegar o casaco que esqueci na cadeira — ele disse,
caminhando até a penteadeira e o pegando. — Volto em poucos minutos —
tornou a falar, saindo do quarto.
Me joguei na cama, sentindo uma angústia sufocar o meu peito. A
minha curiosidade não seria sanada agora e o ciúme continuaria rasgando o
meu ser. Eu queria ser amada por ele, mas sentia medo de que isso ficasse
confuso para ele também quando descobrisse sobre o coração. Isso
contando com a possibilidade que ele me perdoe.

***

Vincenzo ainda não havia voltado, estava demorando mais do que o


normal, eu resolvi ir para o ateliê e voltar a pintar. Eu vinha planejando
revelar tudo a Vincenzo, eu estava disposta a assumir as consequências por
carregar o coração da Anna comigo.
— Senhora, a sua mãe está aqui, veio visitá-la — uma das
funcionárias falou do outro lado da porta.
— A minha mamma? — Saltei da cadeira e abri a porta. — Mamma?
— questionei, vendo-a parada ao lado da mulher.
— Filha — ela pronunciou angustiada, entrando no ateliê e fechando
a porta em seguida.
— Aconteceu alguma coisa? — indaguei, apreensiva diante da sua
expressão.
— O seu pai está em surtos, tentando achar o paradeiro do Andrei, o
seu marido lhe deu três dias para que ele lhe passasse a localização, agora
nos restam dois.
— Mas por que ele designou o meu pai para essa tarefa? — perguntei,
confusa.
— Porque ele já sabe sobre o seu avô e provavelmente nos
responsabiliza pela vinda de Andrei.
— Avise ao vovô que eu quero me encontrar com Andrei —
proponho.
— Quer que ele te inclua na lista de mortos dele? — ela pronuncia
com raiva.
— Como assim na lista de mortos?
— Ele vai matar a todos, Beatrice.
Sentei-me atônita. Era sobre isso que ele vinha me alertando?
— Estou falando dos seus avós, dos seus primos e tios, a mente
doente dele já planejou tudo — ela disse em lágrimas.
— Tudo o quê? — quis saber, angustiada.
— Ele quer que o Luigi assuma as empresas na Rússia depois que ele
matar todos da nossa família.
Eu estava em choque, mas não estava surpresa.
— Ele não faria isso — gritei essa mentira, tentando me convencer
das minhas palavras.
— Ele vai fazer — ela afirmou em pé, olhando fixo através da janela.
— Eu não sei o quanto Andrei é diferente desse homem, mas ele não
ameaça matar nenhum lado da nossa família — ela disse com o rosto
banhado por lágrimas.
— O que vamos fazer? — Levantei-me, indo até ela, que estava
imóvel.
— Não sei. Não podemos confiar em Vincenzo. O que vai acontecer
quando ele souber sobre você? Penso nisso todos os dias e tremo de pavor.
— Diga logo o que quer, mãe — eu disse, já sabendo o que ela veio
fazer aqui.
— Esqueça! — ela falou, enxugando as lágrimas e indo em direção à
porta.
— Devo implorar pela nossa família?
— Tudo seria mais fácil se o seu marido não estivesse o tempo todo
ameaçando a nossa família. Primeiro foi o Luigi, agora os meus pais e meus
irmãos, não podemos confiar nele, Beatrice.
— Implorarei, mamma. Me ajoelharei uma, duas, três vezes. Farei o
que for preciso.
— Não creio que o seu pai terá a localização do Andrei, você acredita
que ele daria o paradeiro dele? — perguntou com pesar.
— Ele matará a todos nós, mamma.
— A Giulia, ela nos ama, talvez ele considere não a magoar —
comentou com esperança.
E andei apressada e a abracei, chorando em seguida.
— Vamos sair vivos dessa, filha — ela disse num abraço apertado.
Me despedi da minha mãe e continuei no ateliê, deitei-me sobre a
mesa e olhei para o teto como se estivesse vendo um filme da minha vida
passar nele.

***

Vincenzo Ferrari

Voltei da escola e encontrei com a Nina no corredor dos quartos.


— Nina, temos novidades? — indaguei informalmente.
— Nada de relevante — ela disse, desviando os olhos. Onde eu estava
com a cabeça quando acreditei que ela pudesse me dizer o que preciso
saber?
— Achei que o seu papel nesta casa estava claro.
— Sim, está, mas, ainda assim, não posso arrancar os segredos da sua
esposa, ela tem confidentes, a começar pela mãe, que veio aqui e passou um
bom tempo com ela no ateliê.
— A minha sogra esteve aqui? — questionei, estranhando não ter
sido informado por nenhum dos meus soldados.
— Sim, esteve.
— Nina? — Lorenzo nos encontra e vem até a namorada.
— Vou deixar vocês dois sozinhos — comunico, indo até o ateliê
onde Beatrice ainda estava.
Quando entrei no local, em vez de encontrá-la pintando ou
desenhando, ela estava deitada sobre a mesa, encarando o teto com um
olhar vazio.
— Posso? — indaguei, apontando para o espaço ao seu lado.
— Claro — ela respondeu, dando um pouco mais de espaço.
Me deitei ao lado dela, passando o braço pela sua cintura.
— O que está incomodando você? — perguntei, concluindo ser a
porta do quarto, já que a vi encarando as cortinas e vasculhando as gavetas.
— A minha mãe teve aqui hoje, ela está com medo de que você mate
os meus avós e os meus tios.
— Ela veio te trazer esse assunto? — questionei com insatisfação.
— Você não acha que eu deveria saber? — ela indaga, virando o
corpo para me encarar.
— Não posso fazer nada sobre o assunto. Preciso reafirmar a minha
liderança, o meu maior inimigo está aqui no meu país, me afrontando, não
posso fechar os olhos para os seus aliados.
— Eles são os meus avós e meus tios.
— Sinto muito — disse com pesar.
— Sente? — Ela levantou-se e sorriu sem humor.
— Eu não perdoo traição, Beatrice, e nem posso fechar os olhos para
as ameaças como a sua família. — Me sento na mesa, vendo-a andar de um
lado para o outro.
— O quanto você gosta de mim? — ela indagou.
— Isso não tem nada a ver com o que eu sinto por você.
— Você acredita nisto que está dizendo? Você mataria os parentes da
Anna? — A sua pergunta me pegou de surpresa, a minha respiração
acelerou. O silêncio tomou conta do local.
— O seu silêncio já me disse tudo — ela disse, indo em direção à
porta.
— Eu não era o que sou hoje quando fui casado com a Anna —
justifiquei-me antes que ela deixasse o ateliê.
— Então a má sorte é minha de ter uma versão diferente do mesmo
homem — ela disse, virada para mim e segurando a porta aberta.
— Não foi isso que eu disse.
— Não, você só me disse que ela despertou em você um homem
capaz de renunciar a tudo para fazê-la feliz — ela disse antes de deixar o
ateliê.
Eu não a segui, as suas palavras fizeram sentido na minha mente, mas
eu não sou o apenas o Vincenzo, eu sou o Don, e deixar de ser é o mesmo
que assinar a minha certidão de óbito.
36
Amamos o mesmo homem, Anna

Beatrice Marino

Ao retornar ao quarto, as cortinas não despertaram mais a mesma


sensação de antes. Agora eu compreendia que aquele espaço era o lugar
onde ele guardava todos os seus “tesouros”; onde Anna parecia estar mais
presente do que em mim, que tinha o seu coração bombeando o meu
sangue. Sentia-me furiosa, enciumada e diminuída.
Refletindo sobre como poderia ajudar minha família a obter a
localização do Andrei, percebi que isso era apenas a ponta do iceberg.
Acreditei que, se conseguisse encontrar Andrei e ajudá-lo, Vincenzo ficaria
grato e reconsideraria seu plano terrível de carnificina. Então,
impulsivamente, peguei meu telefone e liguei para Andrei, sem me
preocupar muito com as possíveis consequências. No entanto, descobri que
o número que ele havia usado anteriormente já não funcionava.
— Claro que não iria pegar, só se ele fosse algum idiota — afirmei
para mim mesma, sentindo-me desapontada.
Ao ouvir as risadas vindas do jardim, levantei-me para verificar a
fonte. Era agradável e reconfortante ver Nina e Lorenzo juntos, apesar de
toda a corrupção que é a máfia. Ela era sortuda por ter alguém como ele ao
seu lado.
— O que atrai tanto a atenção da minha amada esposa? — Vincenzo
perguntou, envolvendo minha cintura com seus braços.
— Eles parecem felizes — respondi, admirando o casal que estava se
beijando e rindo.
— Sinto muito que você esteja infeliz agora. Você é a esposa do Don
e, em breve, Nina também aprenderá que há mais do que apenas beijos na
vida. Temos obrigações e deveres, Beatrice.
— Entendo — repliquei, afastando-me.
— Não, você não entende nem de longe tudo que sinto, Beatrice.
Você não vive a metade do que tenho que viver todos os dias.
— Foi escolha sua, Vincenzo.
— É nisso que você acredita? — Ele sorriu sem humor. — Eu nunca
escolheria te machucar ou ver a tristeza refletida em seus olhos.
Nada que ele me dissesse iria diminuir a minha angústia e a raiva que
eu estava sentindo.

***

Testemunhei o pôr do sol e o nascer da lua, fiquei inquieta na cama, já


que meu pai teria que dar resposta ao Don no dia seguinte. Era crucial que
eu descobrisse o paradeiro de Andrei e informasse ao meu marido, porém,
como obter informações estando aprisionada nesta casa? Mattia vagava
pelo jardim, mas o que ele estaria buscando?, perguntei-me em
pensamento.
— Por que não se deita e dorme, Beatrice? — sugeriu Vincenzo com
uma voz rouca de sono.
— Já estou indo — respondi, me deitando ao lado dele.
Durante a noite inteira, não consegui dormir um minuto sequer e
acabei me levantando mais cedo do que o habitual. Saio do banheiro,
enxugando os cabelos, e encontro meu marido acordado. Vincenzo sentou-
se na beira da cama, observando-me com atenção.
— A sua cara está péssima, você estava inquieta a noite toda.
— Desculpe se atrapalhei o seu sono — eu disse, me sentando em
frente à penteadeira para escovar os meus cabelos.
— Eu nunca durmo por completo, sou como um cão sempre em alerta
— comentou, caminhando e parando em pé atrás de mim. Ele acariciou a
minha escápula nua, desceu as mãos até os meus seios e pressionou o bico
dos meus peitos entre os dedos. Me ergueu pelos ombros delicadamente e
me puxou pela cintura, colando o meu corpo ao dele.
— Você é importante para mim, Beatrice. Confesso que demorei a
perceber isso, mas eu me importo com você.
Eu resolvi ficar calada com meus pensamentos de insatisfação, então
forcei um sorriso e me afastei. Eu não estava me sentindo especial ou
importante.
— O que está incomodando você? — ele perguntou, vindo em minha
direção, voltando a envolver os seus braços em volta da minha cintura e
depositando um beijo em meu pescoço.
— Não tem nada — respondi, forçando um sorriso e me afastando
dele.
Ele olhou para as cortinas.
— Venha — ele disse, puxando pela minha mão.
— Para onde? — questionei.
Ele puxou a cortina para o lado, foi até a roupa que ele havia usado no
dia anterior e pegou uma chave do bolso. Arregalei os meus olhos, ele
realmente faria isso?
— Senti a sua curiosidade, sei que você quer saber o que tem atrás da
porta — ele disse, abrindo-a.
Eu não disse nada, apenas o segui.
— É apenas um quarto — falou de braços abertos depois de entrar
nele.
Eu examinei minuciosamente cada elemento, do carpete às paredes, e
meu olhar percorreu o berço antes de fixar-se na imensa fotografia de Anna
sorrindo, tirada durante a gravidez.
— Ela era linda — pronunciei com dor e lágrimas lavaram o meu
rosto. — É tão injusto! — eu disse em meio a soluços.
Com a mesma proporção em que eu queria o Vincenzo, eu não me
sentia merecedora de estar viva. Amamos o mesmo homem, Anna.
— Ei, está tudo bem. — Ele me abraçou forte, tentando me acalmar.
Ao percorrer o quarto, tocando em cada objeto, o meu peito tremia
devido às lágrimas que insistiam em cair.
— Não é apenas um quarto como você disse, é uma caixa de
memórias dolorosas que você guarda trancada ao lado do nosso quarto —
eu disse, visualizando a Anna trocando a fralda da Giulia sobre o trocador e
depois colocando-a para dormir na poltrona ao lado do berço. Eu me
ajoelhei no chão, sentindo o meu peito rasgar de tanta dor.
— Beatrice? — ele pronunciou o meu nome e me encarou confuso.
— Esse lugar é depressivo e angustiante. — As minhas palavras não
faziam sentido para ele, mas eu sabia o que estava falando, eu estava me
sentindo culpada.
— Eu nunca tentei me desligar disso, eu queria sentir que eu ainda as
tinha. Mas eu me machuco sempre que entro aqui. Ela foi assassinada, a
minha filha nasceu morta por culpa daquele verme e tem alguém por aí
vivendo no lugar dela.
No lugar dela, essa é exatamente a palavra Vincenzo, literalmente no
lugar dela, com a filha dela e o marido dela, e ainda me sinto no direito de
me sentir irada por não ter o amor que ela um dia recebeu.
— Não posso pedir que tire tudo daqui, é o seu tempo, os seus
sentimentos — disse, me levantando e tentando me recompor.
— Obrigado! — agradeceu, me abraçando em seguida.
O abraço era para ser reconfortante, mas eu me sentia sufocada, sentia
a minha cabeça girar. Era para estamos bem, ele disse que gosta de mim, e
eu o amo, mas ele ainda ama a Anna, e ela está em mim, e ele ficaria
sabendo disso mais cedo ou mais tarde.
37
Confissão

Beatrice Marino

O tempo se escoou rapidamente, e eu me encontrava apreensiva. Eu


me encontrava perambulando pelo jardim da propriedade, Vincenzo saiu
cedo e ainda não havia retornado.
— Beatrice. — Virei-me para encarar a pessoa que me chamava.
— Mattia? — indaguei, estranhando a sua aproximação.
— Se distraindo com o vinhedo? — ele perguntou, encurtando a
distância entre nós.
— Sim, não tenho muito o que fazer aqui — respondi, dando-lhe as
costas.
— O Don ainda não voltou da casa dos seus pais? — quis saber com
um sorriso debochado.
— Ele foi à casa dos meus pais?
— Sim, ele foi, parece que o seu pai deve algo a ele — zombou.
— Meu pai não deve nada — retruquei.
— Vem, vou te mostrar algo no vinhedo — ele disse, abrindo
caminho com o braço esticado, me direcionando.
Eu não confiava nem um pouco nele, mas o que ele faria aqui, com a
casa cercada com tantos soldados?
— Que lugar é esse? — indaguei depois de ter entrado mais do que de
costume no vinhedo. — Onde está me levando?
— Você sabia que nós temos uma saída secreta? — perguntou sem
parar de andar, e eu continuei seguindo-o.
— Saída secreta? — deduzi, confusa.
— Sim, não é tão secreta, é onde os funcionários do vinhedo entram
na propriedade.
— Não tem soldados aqui? — indaguei, vendo a passagem livre.
— Eu os dispensei por alguns minutos.
— Por quê? — quis saber, parando em frente à saída.
— Tem alguém te esperando do lado de fora. — Ele deu de ombros.
— Não está curiosa?
— Eu não confio em você — pronunciei, dando alguns passos para
trás. Ele enrolou os dedos em volta do meu braço e me puxou para fora da
propriedade.
Eu tentei me soltar, mas duas mãos fortes me agarraram por trás e a
arrastaram para dentro de uma van escura, que já estava me esperando.
Gritei e lutei para me libertar, mas eles me amarraram e amordaçaram
rapidamente.
Uma voz masculina soou no fundo da van.
— Fique quieta e não faça barulho! Se você cooperar, ficará viva —
disse o homem com um sotaque russo.
Eu conseguia ouvir os batimentos acelerados do meu próprio coração
enquanto a van percorria várias ruas. Eu fiquei pensando em como poderia
escapar, mas o medo tomou conta de mim, e eu entreguei à minha própria
impotência.
Quando a van finalmente parou, fui arrancada com brutalidade do
veículo e levada para dentro de uma casa em meio à densa floresta. Só
então notei a presença de Andrei, sentado em uma poltrona no extremo da
vasta sala.
— Soltem-na — ele ordenou com um rosnado vindo em minha
direção.
A sua ordem foi atendida prontamente, e eu tive os braços libertos.
Passei a mão por onde a corda me apertou.
— Por que apertaram tanto porra? — ele gritou, puxando os meus
braços, alisando-os.
— Perdão, Don. — A voz do homem saiu trêmula.
Eu senti um frio na espinha, mas sabia que não podia deixar o pânico
tomar conta de mim.
— Preciso que escreva uma carta para o seu marido, Beatrice — disse
Andrei.
— Uma carta? — indaguei.
— Sim, de despedida.
— Não quero escrever essa carta.
— Mas vai, já imaginou se a Giulia encontra a mesma saída que você
usou hoje para fugir do seu marido?
— Não toque na Giulia — gritei.
— Baixe o tom, Beatrice, sou eu quem mando aqui. Sente-se e
escreva a carta, o seu marido precisa lê-la quando voltar da casa dos seus
pais — ele disse e, em seguida, puxou a cadeira para que eu me sentasse,
arrastou uma folha de papel sobre a mesa e me entregou uma caneta. Com
as mãos tremendo, peguei o objeto de sua mão e posicionei sobre o papel.
Eu sabia que teria que agir rápido, mas também precisava manter a calma se
eu quisesse encontrar uma maneira de escapar desta situação. O meu
coração batia acelerado enquanto eu escrevia a carta de despedida.

***

Vincenzo Ferrari

— Preciso que entre em contato com os informantes lá na Rússia —


eu disse a Lorenzo, que estava ao meu lado no carro.
— Vai seguir com o planejado contra a família da Beatrice?
— Eu sou a família da Beatrice — afirmei com um tom aborrecido.
— Claro que é — ele confirma, virando o rosto para o lado oposto, e
encara a estrada.
Chegamos na mansão e vou direto para o escritório com Lorenzo.
— O Antônio realmente não sabe nada sobre o Andrei — falou o meu
irmão, fechando a porta do escritório assim que entramos.
— Eu sempre soube que ele não sabia, mas tinha certeza de que ele
saberia como conseguir as respostas que eu preciso.
— Pelo que notei, a relação dele com o sogro está quebrada.
— Mas ainda são parentes — afirmo.
Ouvi a porta bater e autorizo a entrada.
— Signore, a menina Giulia chora sem parar e chama pela senhora
Beatrice — disse a funcionária.
— E por que não chama a Beatrice?
— Já a procuramos em todos os cantos, senhor. Ela não está em lugar
algum.
— Como não está em lugar nenhum? — perguntei, saindo do
escritório às pressas.
— Beatrice, Beatrice — chamei diversas vezes, e não obtive
respostas. — Lorenzo, procure comigo.
— Sim, farei isso — ele falou, indo para o lado oposto.
— Procurem a minha esposa agora! — ordenei aos soldados. — Ela
tem que estar em algum lugar, chequem as imagens das câmeras.
— Agora mesmo, Don.
Voltei para o interior da mansão e subi direto para o quarto de Giulia,
que gritava pela irmã.
— Giulia, está tudo bem, logo, logo a Beatrice vem ver você — disse,
pegando-a no colo.
— Eu quero a Trice — ela gritava e chorava.
— Xi… se acalme, ela virá em breve.
Eu me acomodei na poltrona, e ela se aconchegou em meu colo,
encostando a cabeça em meu peito. Foi assim que comecei a cantarolar uma
melodia, qualquer coisa que me veio à mente para acalmá-la.
Gradualmente, os gritos foram diminuindo até que finalmente ela se
acalmou. Continuei balançando a poltrona, indo e vindo, até que ela
adormeceu. Coloquei-a na cama e voltei a procurar por Beatrice.
— Isso estava no ateliê, Don — disse um dos soldados, me
entregando uma folha de papel dobrada dedicada a mim. Minhas mãos
tremiam enquanto eu entrava no quarto e trancava a porta. Sentando-me,
abri a folha dobrada.
“Vincenzo, venho há muito tempo tentando contar-lhe algo que
estava me sufocando, eu nasci com um problema cardíaco grave. Os
médicos me deram poucos anos de vida, mas, ainda assim, lá estava eu
correndo pelo jardim da minha casa, ouvindo os gritos do meu pai,
implorando que eu parasse e me comportasse. “Beatrice, pare de correr, o
seu coração filha”, dizia ele, me pegando no colo e me levando de volta
para o interior da mansão. Aos treze anos, a minha situação piorou, a fila
de espera para um transplante de coração fazia volta em três continentes.
Foi um ano vendo os meus pais chorarem e falarem comigo em tom de
despedida. Eu morreria sem nem ao menos realizar o meu sonho de entrar
na igreja vestida de branco com imensos tapetes vermelhos estendidos pelo
caminho. Mas, aos quatorze anos, algo que achávamos impossível
aconteceu, o meu papà entrou no meu quarto aos gritos: “surgiu um
doador, você viverá, filha”. Eu não fazia ideia do quanto a minha vida
mudaria devido a um órgão. O mundo que mudou de cor e eu passei a
rabiscá-los em telas e colori-los conforme o meu humor. E junto veio a
Giulia, que havia ficado órfã. Em mim, bate o coração da mãe dela, e eu
sei que ela sente isso. Acredito que já tenha entendido tudo que estou
dizendo. Sinto muito, eu nunca aceitaria se soubesse que uma pessoa seria
assassinada para que eu estivesse viva hoje. Seja muito feliz. Seguirei com
Andrei a partir de agora”.
Amassei o papel em minhas mãos e bati várias vezes contra o meu
peito, eu estava prestes a sufocar.
— Nina! Nina! — gritei como um louco pelos corredores.
— O que quer com a Nina? — Lorenzo perguntou, vindo correndo ao
meu encontro.
— Quando lhe devo satisfações, Lorenzo? Nina, Nina.
— Está me chamando? — quis saber, ofegante depois de subir as
escadas correndo.
— Onde está a Beatrice? — perguntei em um rosnado.
— Eu não sei — respondeu com a voz trêmula.
— Para que você está aqui, porra?
— Don, checamos as câmeras. A sua esposa andou até o vinhedo, e
foi além das plantações — disse um dos soldados.
— O que está tentando me dizer?
— Ela não retornou, Don — comentou, desviando os olhos.
— Como assim não voltou? Quem diabos estava fazendo a segurança
naquele local? Levem os responsáveis até o celeiro, eu quero saber como a
Beatrice saiu dessa casa — ordenei aos gritos.
— O Mattia caminhou com ela, Don.
— Mattia? — indaguei, incrédulo. — Onde ele está?
— Não o vimos mais na mansão
— Figlio di puttana. Encontrem-no vivo, cortarei cada pedacinho
dele.
— Acredita que ele a sequestrou? — perguntou Lorenzo.
— Eu não sei. Nina, me acompanhe! — Andei na frente, indo até o
escritório, e ela me acompanhou. — Sente-se — ordenei assim que fechei a
porta. Tirei o papel do bolso e o coloquei sobre a mesa.
— Do que se trata? — ela perguntou.
— Uma carta de despedida, mas também uma confissão.
— Confissão? — estranhou, pegando o papel sobre a mesa, e o leu.
Eu queria checar a sua reação, e foi exatamente como imaginei.
— Você já sabia — afirmei.
— Do que exatamente? A carta não está clara.
— Quer mesmo que eu acredite que você não entendeu o que ela
disse aí?
— Não sei o que espera que eu diga.
— Você não sabia do transplante? Não sabia sobre ela ter o coração
da Anna?
Ela se levantou da cadeira e esfregou uma mão na outra.
— Fala logo! — rosnei de punho cerrado.
Todo seu corpo estremeceu e ela voltou a se sentar na cadeira, caindo
sobre ela dessa vez. Vi a agonia em seus olhos e a briga que ela travou
dentro de si antes de me revelar a verdade.
— Ela queria esconder a todo custo o transplante e o pai dela mandou
fazer a cirurgia plástica que ficou perfeita. A família dela é poderosa, e ela
precisava de um coração para não morrer e o seu pai, o Don, precisava de
um incentivo para matar a Anna.
— Ela queria esconder e você achou que o que ela queria era mais
importante do que eu te ordenei fazer? — Inclino o meu corpo sobre a
mesa.
— Sinto muito, mas ela estava com muito medo da sua reação, Don
— ela respondeu sem me encarar.
— Ela estava com medo, e você foi bem corajosa em me esconder
toda essa informação, Nina, e mais corajosa em admitir que sabia.
— Perdão, Don. Eu lhe suplico. — Ela juntou as mãos enquanto
implorava.
— Lorenzo! — gritei, e ele entrou de imediato, já que certamente
tentava ouvir tudo atrás da porta.
— Pois não?
— Leve a Nina para a casa do vinhedo e deixe-a a pão e água —
ordenei, e essa é a chance de ele me provar que é leal a mim.
— Não! — ele gritou.
— Não? — Estreitei os olhos, analisando-o.
— Ela não tem culpa das mentiras da sua esposa.
— Lorenzo, leve a Nina até a casa do vinhedo — torno a ordenar
entredentes.
— Lorenzo, eu irei — ela disse, indo até ele e segurando as mãos
dele, que tremia de raiva.
— Peça a um dos seus soldados que faça isso. Eu não farei — disse,
virando as costas.
— Está com tanta raiva e rancor que sequer percebeu o que a Beatrice
disse na carta. Se ela se foi, é porque nunca sentiu que poderia confiar no
senhor para lhe dizer tal verdade.
— Cale-se!
— E está com o coração tão sujo de ódio que sequer entendeu que a
Giulia é a sua filha.
As palavras entraram em mim como espadas, me apoiei na mesa,
sentindo todo o meu corpo tremer. A Giulia é minha filha, afirmei para
mim, segurando as lágrimas que queimavam os meus olhos.
38
Traição se paga com sangue

Vincenzo Ferrari

Subi rápido até o quarto da Giulia e me ajoelhei ao seu lado, chorando


livremente na sua presença.
— Me perdoe, eu achei que você estivesse morta — eu disse, alisando
o seu rosto. Ela dormia.
Era como se uma bala tivesse atingido o meu coração, eu deveria ter
investigado e não aceitado simplesmente quando falaram que ela estava
morta.
— Como é linda. — Eu a olhava fixamente.
— Por que está chorando? — Giulia acordou com os meus ruídos no
quarto e tocou o meu rosto, aparando as minhas lágrimas.
Balancei a cabeça, sem conseguir responder. Fiquei encarando-a,
tentando encontrar algo no rosto que me trouxesse à lembrança da Anna. E
sempre esteve ali, ela é idêntica, os olhos, o formato do rosto, tudo.
— Não chora, vem, eu vou te colocar para dormir. — Ela se sentou na
ponta da cama, puxando a minha cabeça para o seu colo, e acariciou os
meus cabelos.
A vida está me dando uma segunda chance. Levanto-me e a abraço,
aconchegando-a em meu peito.
— Eu sinto muito — eu disse com a voz embargada. — Eu acreditei
que você havia morrido, mas você está aqui, e eu vou cuidar de você.
Sempre.
Giulia se afastou e me olhou com curiosidade. Eu teria muito o que
explicar para ela. Agora eu tinha uma filha para cuidar, para proteger e
amar. A minha filha com a Anna.
— A Trice já chegou? Onde ela está? — ela perguntou.
— Ainda não, mas vou buscá-la e vou trazê-la para você — afirmei,
alisando os seus cabelos. — Deite-se novamente, eu sairei agora para trazer
a Beatrice de volta.
Ela balançou a cabeça positivamente e se deitou se encolhendo no
edredom.
Desci para delegar os próximos passos aos soldados, eu precisava
achar a Beatrice, ela nunca ficaria com Andrei.

— Tragam os Marino aqui — ordenei a Lorenzo, que ainda me


olhava com rancor.
— Eu não estou aqui para isso, Don, peça que os seus soldados
façam.
— E você está aqui para quê? — vociferei.
— Solte a Nina, Vincenzo — ele falou em um tom rancoroso.
— Se ela tivesse feito o que mandei, a Beatrice não teria fugido.
Agora pare de falar, faça o que mandei e traga os meus sogros e meu
cunhado aqui. Sabe de uma coisa, Lorenzo? Procure pelo Mattia e não
falhe, vou pessoalmente à mansão Marino.
— A Nina está presa e o que fará com a Beatrice? Ela fugiu com o
seu inimigo, ela merece ser queimada — Lorenzo continuou pronunciando
com ódio.
— O que te faz achar que pode me dizer o que devo fazer? —
perguntei.
— É traição, e traição se paga com sangue — ele disse entredentes.
— Não se preocupe, considerarei as suas palavras quando for julgar a
Nina também. — Apenas um lado dos meus lábios se curvou em um
sorriso, e eu virei as costas, indo em direção ao jardim.
— Vincenzo, se tocar na Nina, eu não vou te perdoar — ele gritou,
mas não virei para encará-lo e caminhei em direção ao carro.

***

Beatrice Marino

— O que faremos com o consigliere do Vincenzo? — Ouvi o soldado


perguntar a Andrei.
Ele gargalhou diabolicamente.
— Odeio traidores, se ele foi capaz de trair a própria família, nunca
será leal a mim. Dê a ele o que um traidor merece e depois jogue-o na lata
de lixo de onde ele veio.
— Na mansão Ferrari, Don?
— Exatamente.
Eu estava sentada no sofá, imóvel, esperando o que seria de mim
daqui em diante.
— Minha princesa, o jatinho já está pronto, iremos para Rússia em
breve, mas antes tenho um assunto importante para resolver — ele disse, se
sentando ao meu lado.
— Andrei, eu não trouxe os meus remédios comigo.
— Me diga tudo que precisa, mandarei comprar para você.
— O Vincenzo agora sabe sobre o coração da Anna e, se ele achar
que eu fugi com você, eu temo pela minha família.
— O seu pai recusou várias vezes a minha oferta e não evitou esse
casamento com o Vincenzo — ele falou sem dar a menor importância.
— Mas ainda são a minha família — retruquei.
— Esqueça tudo que viveu aqui, teremos uma nova vida na Rússia.
— Ele levantou-se do sofá e foi até uma mesa repleta de bebidas, pegou
uma garrafa e bebia diretamente dela. — Você está cada dia mais linda —
ele disse, voltando a se sentar do meu lado e passando o braço em volta do
meu ombro.
— Eu posso me despedir dos meus pais? — indaguei.
— Não será necessário, eles certamente pegarão o primeiro voo para
a Rússia quando souberem que estamos juntos. E o seu irmão, então — ele
sorriu, levantando-se —, ele vai surtar, mas prevejo uma boa amizade.
Ele estava falando coisa com coisa. Amizade?
— Vincenzo vai matar todos antes mesmo que eles cruzem o jardim
de casa.
— Eu vou matar o Ferrari antes de sair da Itália. Não se preocupe
tanto com ele, não sei se chegarei antes de ele matar a sua família, mas lhe
prometo vingança.
— Chefe, quando vamos atacar o Ferrari? Estive considerando atraí-
lo para Rússia, o que acha? — indagou o homem que parecia ser o seu
consigliere.
— Eu sou ansioso, não quero esperar tanto tempo para meter uma
bala no coração dele.
— Estamos no território dele — ele disse em tom de alerta.
— E daí? Eu quero ridicularizá-lo. Em seguida, tragam a menina, ela
é importante para a minha princesa.
Arregalei os meus olhos quando o vi falar da Giulia.
— Mas é filha do seu inimigo — contrapôs o consigliere.
— É só uma criança, podemos moldá-la.
A casa estava cercada de soldados, mas eu precisava sair dali.
— Beatrice, coloque os nomes dos remédios que você toma — ele
disse, entregando uma folha de papel e uma caneta. — Providencie todos
para mim rápido, ela não pode ficar sem os medicamentos.
— Entendido, chefe — confirmou o seu conselheiro.
— Arrume os carros e os soldados, vamos armar para ele até amanhã
à noite.
— Como quiser, chefe.
Eu precisava arrumar uma forma de sair do cativeiro antes de voar
para a Rússia, lá deve ter um exército maior, e eu nunca conseguiria fugir.
39
Achei que gostasse de caçar

Vincenzo Ferrari

Contei os postes com impaciência, ansioso para chegar à mansão dos


Marino. Onde você se encontra, Beatrice? Fechei o punho e tencionei a
mandíbula. Você é minha, Beatrice, viveremos juntos no inferno ao qual fui
condenado.
— Don? — um dos seguranças da casa me indagou, confuso pela
visita no meio da noite.
— Abra o portão — ordeno, e ele faz rapidamente.
Desci do carro e entrei na casa.
— Acordem a todos — ordenei aos gritos.
Em poucos minutos, Luigi é o primeiro a descer e logo atrás os pais
da Beatrice.
— Aconteceu algo com a minha irmã? — questionou Luigi.
— Isso é exatamente o que quero saber, onde está a Beatrice? —
indaguei, indo até eles.
— Como assim? — A sua voz saiu trêmula e me parecia que
realmente ele não fazia ideia do que eu estava falando.
— O que fez com a minha filha? — A voz irritada da minha sogra
reverberou.
— Estão de teatro? Beatrice deixou uma carta, ela fugiu com o
Andrei, e vocês estão me dizendo que não sabem? — perguntei com
deboche.
A mãe de Beatrice caiu sentada no chão com a expressão de espanto.
— Mamma. — Luigi se apressou para levantar a mãe.
— Desgraçado! — Ela partiu para cima de mim, batendo em meu
peito com os punhos cerrados. — A sua casa é cheia de soldados, como está
me dizendo que ela fugiu? O que fez com ela, diga! Você matou a minha
filha? — gritava e me batia.
— Acalme-se! — Antônio, o meu sogro a segurou. — Vamos
conversar e entender o que está acontecendo.
A mulher ainda me olhava com ódio enquanto o seu rosto era
banhado pelas lágrimas.
— Sente-se, Don, o que aconteceu? — ele perguntou.
— Eu já disse o que aconteceu, ela foi embora com Andrei.
— Impossível! Ela não iria embora e nos deixaria aqui, à mercê da
sua fúria — minha sogra voltou a dizer.
Eu realmente esperava encontrar um exército do Andrei guardando a
entrada quando chegasse aqui.
— Preciso que me acompanhem — eu disse educadamente, embora
eu não estivesse fazendo um convite.
— Para onde? — Luigi questionou.
— Para a minha casa, até que a Beatrice retorne.
— Em que condições nos quer na sua casa? — indagou Luigi.
— Não posso dizer que são convidados — eu disse, apontando para a
porta.
— O que pretende com isso? — a minha sogra quis saber.
— Temos muitos assuntos pendentes, que resolveremos depois que eu
trouxer a minha esposa para casa. Vamos, não desperdicem o meu tempo, os
meus soldados pegarão bolsas com roupas para vocês.
— Beatrice não foi por vontade própria, eu tenho certeza disso —
afirmou Antônio.
— Veremos, meu sogro, mas, independentemente dos motivos ou das
vontades, ela voltará para nossa casa.
Andei em direção à saída, eles me acompanhavam sem muito
entusiasmo, embarcando em outro veículo, enquanto eu pretendia voltar
para casa sem maiores problemas. O meu celular tocou e vi que era uma
ligação do Lorenzo. Atendi imediatamente.
— Estou te ouvindo.
— Encontrei o Mattia, aliás, ele foi jogado aqui na frente da mansão.
— Estou chegando — falei, encerrando a ligação. — Acelera —
ordenei ao motorista.
A estrada estava livre por conta do horário e, em poucos minutos, o
carro estacionou na mansão.
— Onde ele está? — indaguei aos gritos, saindo do carro.
— Don, o que faremos com eles? — pergunta um dos meus soldados.
— Coloque-os na casa em anexo e não os deixe circulando pela
mansão. Não quero ninguém andando por aqui até que eu autorize.
— Vai nos trancar como se fôssemos animais? — pergunta a minha
sogra assim que virei as costas. Vire-me para encará-la.
— Nem queira saber como trato as pessoas que vejo que a vida vale
menos que a de um cachorro. Acredite, essa casa é um ato imenso de
bondade, considerando todos os ótimos momentos que tive com a sua filha,
mas não me irrite ou posso esquecer todas essas coisas. — Tornei a virar de
costas e caminhei até a casa do vinhedo.
Ao chegar lá, encontrei Mattia debilitado, caído no chão enquanto
Nina tentava estancar o sangue que ensopava a sua camisa na altura do
abdômen.
— O que aconteceu? — indaguei a Lorenzo, que estava parado ao
lado de Nina.
— Ele não fala nada, não sei o que houve.
— Leve Nina para outro lugar — ordenei.
— Ele está morrendo — ela retrucou.
— Entã q1o fique e prolongue as horas dele. — Girei a cadeira e
me sentei com os braços apoiados no encosto traseiro.
Ele mudou a expressão gélida e me encarou com deboche.
— Ele levou uma facada — ela tornou a falar.
— Ele foi torturado, eu já notei, me tiraram esse prazer, mas quem,
Mattia? — indaguei, me levantando da cadeira e me abaixando do lado
dele. — Ele sorriu sem me responder. — Arrancaram a sua língua? — Olhei
para Nina.
— Não, a língua está aí — ela respondeu, mesmo sabendo que apenas
debochei.
— Onde está a Beatrice? — perguntei com ira.
— Achei que gostasse de caçar — respondeu com a voz fraca.
— Você tinha tudo aqui, Mattia, era o meu homem de confiança.
— Vá se foder! — Ele cuspiu depois de falar.
Enfiei o meu dedo onde ele levou a facada, ele riu com a dor e foi
impossível não lembrar do meu pai.
— Está achando engraçado? — questionei, desdenhoso.
— Enquanto você está aqui, colocando o dedo em minha ferida,
Andrei coloca outras coisas na sua mulher.
Cerrei o punho e o encarei com ódio.
— O quê? Ela foi porque quis, eu apenas a ajudei a sair. Ela se
agarrou ao pescoço dele quando o viu e eles se beijaram.
— Sério? Você lhe fez um favor em troca de quê? O que Andrei te
ofereceu para você levar a minha esposa. Deixe-me adivinhar, ele me
mataria, e você assumiria o meu lugar. Mas aqui está você morrendo, e ele
certamente ainda tentará me matar. Posso deixar você vivo, Mattia, vou te
perdoar, é só você me dizer onde ele está.
O miserável gargalhou, mesmo sabendo que lhe causava ainda mais
dor.
— Eu não quero o seu perdão, eu quero que você morra.
— Lorenzo, pegue o celular e puxe os locais onde ele se conectou —
ordenei. — Faça urgentemente, o dia não vai nascer antes que Beatrice
volte.
— O que faço com ele? — indagou Lorenzo.
— Patético, você, Lorenzo, a sua mulher está presa no galpão, ele faz
o que quer e você continua como um cachorro abanando o rabinho para ele
— Mattia debochou.
— Isso não é da sua conta — Lorenzo respondeu.
Eu estava com ódio da Nina, mas eu não seria capaz de fazer o meu
irmão sofrer o mesmo que sofri e sofro sem a Anna.
— Nina, quero ele vivo — ordenei. — Eu quero cortar em
minúsculos pedaços e queimar na fogueira, mas agora tenho outras
prioridades. Me acompanhe, Lorenzo.
— Chequei os locais onde ele se conectou, tem uma localização
próxima à mata fechada.
— Prepara o máximo de homens possível, quero todos armados até os
dentes, vamos matar aquele filho da puta que acha que pode roubar o que
me pertence.
40
Vocês me tiraram tudo

Beatrice Marino

Eu não recordo o momento exato em que adormeci, contudo, ao abrir


os olhos, fiquei confusa: eu não mais me encontrava na mesma residência
de antes e a claridade intensa do sol adentrava pela janela.
— Que bom que acordou, você dormiu durante um dia e meio. —
Andrei estava em pé em frente a uma janela imensa. Ele meneou a cabeça
antes de andar em minha direção e se sentar ao meu lado.
— Onde estamos? — indaguei.
— Precisamos mudar de casa, por isso te coloquei para dormir, quis
evitar problemas no caminho, aquele verme nos localizou, mas sou eu quem
decido o momento exato em que vamos nos encontrar. — Ele me encarava
com olhos frios e animalescos. — Espero que goste da casa, a vista é
espetacular e temos um jardim — completou, animado.
Ele me parecia um doente, eu estava apavorada.
— Andrei, eu preciso ver a minha família — disse em tom de súplica.
— Me deixe matar o Ferrari e poderemos andar mais tranquilos pela
Itália — ele falou, se aproximando mais de mim. As suas mãos traçaram um
caminho pelas minhas costas e ele agarrou os meus cabelos com força,
colando o meu rosto ao dele. — Você é tão linda. — Ele puxou o ar com
força, como um animal reconhecendo o cheiro da sua presa.
— Você está me machucando — disse num gemido de dor. A minha
cabeça doía no local onde ele puxava os meus cabelos.
Ele afrouxou as mãos, mas não se distanciou um único centímetro.
— Não sei se conseguirei conter o meu desejo por você, embora eu a
respeite o suficiente para não lhe forçar a nada. — Suspirou, pressionando
com a própria mão a ereção que pulsava em sua calça. — Diga que me quer
— ele sussurrou no meu ouvido e voltou a me encarar com os seus olhos
famintos.
— E-eu — gaguejei, eu não queria contrariá-lo, mas as palavras não
saíram da minha boca.
— As coisas virão com o tempo, tentarei ser paciente. Deixarei você
sozinha, se arrume e tome os seus remédios, tivemos que usar soro, tive
medo de que você desidratasse. Eu já matei o infeliz que disse que não faria
mal o medicamento para te fazer dormir. Eu fiquei apavorado, esperando
que você acordasse.
Ele se virou e saiu do quarto. Permaneci deitada por alguns minutos,
o cansaço mental me dominava, eu não conseguia parar de pensar em
planos para minha fuga. Me levantei e me dirigi até a imensa janela do
quarto, o espaço era enorme, com cerca de cinquenta metros quadrados.
Tomei um longo e quente banho antes de dirigir-me ao closet, incerta do
que encontrar lá, mas ele havia planejado tudo e tinha diversas opções para
mim. Escolhi um vestido dentre tantos, penteei meu cabelo e o prendi num
coque. Ao sair do quarto, caminhei por um extenso corredor, onde o aroma
de comida fazia meu estômago revirar.
— A senhora está com fome? É claro que está, passou muito tempo
dormindo — uma mulher já idosa, de aparência amigável, falou para mim
do andar de baixo da casa. — Venha, desça, lhe servirei o almoço.
Eu coloquei um sorriso simpático nos lábios e desci, mas o cheiro da
comida ainda me incomodava. Enquanto mexia sem ânimo no que ela havia
colocado no prato, aproveitei para olhar tudo ao redor, tinham muitos
homens espalhados pela casa, as minhas chances de fugir eram mínimas.
— Não vai comer? — A voz grave de Andrei ecoou pelo ambiente.
Ele arrastou uma cadeira e se sentou ao meu lado.
— Estou sem fome — afirmei, jogando o garfo de lado.
— Trouxe notícias para você. — Ele me entregou um envelope, e eu
rasguei com pressa, jogando o conteúdo sobre a mesa.
— Mas o que é isso? — perguntei num grito quando vi fotos da
Giulia chegando na escola e até dentro dela.
— Notei que você está com uma postura diferente, está pensando em
tentar fugir? — quis saber, alisando o meu braço com o dedo indicador.
— Acredita que seja possível? — Olhei ao redor e um lado dos seus
lábios se curvou em um sorriso.
— Eu odeio ser contrariado e o simples fato de você cogitar algo já
me deixa irritado.
— O que mais quer de mim? Você diz que gosta de mim, mas, no
fundo, está apenas me usando de isca, me fez revelar algo importante por
carta e colocou a minha família em risco — falei já em lágrimas.
— Desculpe, Beatrice, mas, como disse Maquiavel, “os fins
justificam os meios”. Tudo bem-planejado, a sua vinda, a carta, até o
consigliere dele ter passado para o meu lado. Admito que ter você no final
de tudo isso será magnifico e excitante, você não imagina o quanto queimo
de desejo por você. Talvez, se tivesse vindo comigo naquele dia em que os
cerquei próximo à praia, eu tivesse poupado você de muitas coisas. Agora é
tarde, você o escolheu, isso machucou o meu ego.
Ele se ergueu da mesa e desapareceu rapidamente, deixando-me
sozinha. A sensação de náusea intensificou e corri em busca do banheiro
mais próximo, jogando para fora tudo o que havia em meu estômago. Ainda
sentindo as ondas de náusea, fui me arrastando até meu quarto, onde me
deitei na cama, sentindo uma tontura que parecia ser causada pela minha má
alimentação.

***

Vincenzo Ferrari

Eu estava agarrado ao sobretudo da Beatrice, o cheiro dela ainda


estava forte no tecido que eu apertava com forma em minha mão.
— Você vai achá-la, não tenho dúvidas disso. — Olhei em direção de
onde vinha a voz. — Acabei de mandar a Giulia para escola — disse a
minha sogra, se sentando no sofá na minha frente.
— Deve voltar para a casa anexo agora — falei com um tom gélido.
— Claro, mas antes posso ler a carta que a minha filha escreveu?
— Quer saber o que ela disse na carta? — Sorri sem humor.
— Se me permitir.
— Eu mesmo vou lhe dizer o que tinha na carta — ela me olhava
atenta, esperando que eu falasse —, vocês me tiraram tudo, a minha esposa,
a minha filha. Devo agradecê-los por ser quem sou hoje? — Os seus olhos
se arregalaram.
— Ela lhe contou tudo? — indagou com a voz trêmula.
— Sim, ela me contou tudo e deixou vocês à própria sorte.
— Não faria o mesmo pela Giulia? Não aceitaria um coração de
origem duvidosa se fosse para salvar a vida da sua filha?
Eu contraí a mandíbula.
— Vocês me tiraram tudo — rugi. — Deviam ter dado Giulia para
mim ainda bebê. Era o mínimo que poderiam ter feito, mesmo que
quisessem evitar falar sobre Beatrice.
— Erramos em vários pontos, mas com as melhores intenções.
— Em que ponto acharam que estavam acertando?
— A Giulia se acalmava nos braços de Beatrice, ela encostava a
menina em seu peito e o choro cessava. Era doloroso ver que ela sentia falta
da mãe e reconhecia o som que ela ouvia ainda na barriga. Não foi difícil só
para você, eu sou mãe e doeu.
Segurei as lágrimas em meus olhos, meu coração parecia estar sendo
pisado.
— Saia, volte para a casa anexa e só saia quando a Giulia voltar —
ordenei com a voz embargada e virei as costas, me sentindo incapaz de
conter as lágrimas.
41
E se ela não estiver aqui?

Vincenzo Ferrari

— Don, o que faremos com Mattia? — indagou Lorenzo no escritório


onde estávamos.
— Só peça para Nina mantê-lo vivo, eu preciso encontrar a Beatrice,
não tenho cabeça para mais nada.
— Estou encantado com a minha sobrinha — comentou, e eu sorri
como quem esquece todos os problemas.
— Eu amei aquela garotinha desde o primeiro segundo em que a vi —
confessei com um sorriso bobo.
— O que fará com os pais da Beatrice? — ele perguntou.
— Ainda não sei, eu os trouxe para garantir que ela voltará.
— Mas se ela realmente fugiu porque quis, se ela o escolheu? — A
pergunta de Lorenzo fez o meu corpo tensionar.
— Ela é a minha esposa, aqui é o lugar dela.
Ouvi batidas na porta e autorizei a entrada.
— Don, localizamos eles — disse um dos meus soldados.
— Assim? Tão fácil? — Lorenzo perguntou, desconfiado.
— O que você está dizendo que é fácil, Lorenzo? — indaguei.
— Eles armaram para serem encontrados, vamos preparados,
cerquemos aquele filho da puta. E você fica — ele falou como uma ordem.
Gargalhei.
— Do que está falando? Eu irei. Vou matar aquele desgraçado e
arrancarei a cabeça dele.
— Irmão, eu trarei a Beatrice.
— Agradeço a preocupação, mas irei, preparem todos, levemos um
exército ainda maior do que o que ele nos apresentou na última vez.
— Vincenzo, seremos previsíveis, ele nos espera e, se não formos, ele
acreditará que você não se importa com a Beatrice — disse Lorenzo.
— Não estou preocupado em ser previsível, ele está me chamando
para o confronto, eu não vou dar para trás.
— Ela disse na carta que foi porque quis — ele argumentou.
— Chega, Lorenzo, não é só pela Beatrice. — Embora isso fosse o
motivo que me motivou a agir sem muitas estratégias.
— Estou desconhecendo você, Vincenzo.
— Eu também não me reconheço mais, Lorenzo, agora prepare todos,
vamos essa noite.

***

Beatrice Marino

Acordei com o ruído de vozes exaltadas vindo do lado de fora da


residência. Rapidamente, levantei-me para observar a movimentação e
percebi que aparentavam estar se mobilizando para um confronto. De
repente, um susto me tomou quando a porta se abriu subitamente.
— Beatrice, desça e venha tomar café da manhã — disse Andrei com
a cabeça na porta entreaberta.
— O que é tudo isso? Estamos de partida novamente? — indaguei.
— Hoje será o dia em que você se tornará viúva e assim poderemos
nos casar — ele falou, vindo em minha direção e parando ao meu lado. —
Considere isso um presente do seu futuro marido, você poderá vir à Itália
sempre que quiser.
Senti o meu estômago embrulhar e, nos meus olhos, brotaram
lágrimas, que segurei.
— Em pouco tempo, ele virá para te buscar, e não voltará.
— Deveríamos apenas ir embora — eu disse com a voz embargada.
— Gosto de ver que está animada para ir para a Rússia, mas não
posso deixar vivo o homem que tocou em você — ele respondeu como um
sádico.
— Não fale como se estivesse fazendo isso por mim, essa rivalidade
entre vocês já existia.
— Mas agora estou diante da fraqueza dele. — Ele sorriu de forma
maléfica.
Impossível não recordar o momento em que Vincenzo confessou que
eu era a sua vulnerabilidade, que eu conseguia causar dor e sofrimento a
ele.
Andrei abriu a imensa janela e gritou:
— Quando tudo estiver pronto, avisem, vamos esperar por eles na
estrada, só quero o Ferrari aqui, ele deve chegar sozinho. E eu também
estarei sozinho.
— Sozinho? — indaguei, e ele sorriu com ironia.
— Se apresse, você vai para outra casa.

***

Vincenzo Ferrari

A noite estava quente e abafada. As ruas de Florença estavam


desertas e os poucos moradores que ainda andavam pelas calçadas pareciam
estar com pressa, como se soubessem que algo grande estava prestes a
acontecer, e eles estavam certos, mas, para a sorte deles, o confronto seria
longe daqui e nós já estávamos a caminho.
— Ele está a usando de isca — afirmei para Lorenzo no carro.
— Se esse for o caso, ele conseguiu. — Ele deu de ombros.
— Eu iria independente da Beatrice, mas é óbvio que, por ela, vou
com mais vontade de matá-lo.
— É nessa trilha, Don — o soldado que seguia no carro da frente nos
avisou pelo rádio.
— Seguiremos a pé deste ponto — avisei, iríamos seguir pelas matas
ao redor.
— Ele está em uma das casas da colina — afirmou Lorenzo.
— Com certeza é uma emboscada — um dos meus soldados
comentou.
— Faremos como planejado — eu disse, confiante.
— Você acha que ele vai cair nessa? — Lorenzo quis saber,
desconfiado.
— Ganharei tempo até ele perceber que caça um sósia — falei, ainda
confiante
— Irmão, tome cuidado. — Lorenzo me abraçou quando saímos do
carro.
— É sério que ainda não se acostumou com tudo isso? — Sorri ainda
no abraço.
— Nunca. Você é tudo que eu tenho.
— Lorenzo, não seja sentimental — falei, me afastando e seguindo
uma rota diferente.
Segui pela mata fechada com o objetivo de chegar aos fundos da casa,
embora eu soubesse que tudo está cercado, inclusive essa mata. Ouvi passos
atrás de mim e me virei rapidamente, pronto para atirar.
— Sou eu — afirmou Lorenzo.
— O que quer? — indaguei.
— Trarei a minha cunhada com você, o nosso chefe de segurança está
cuidado de todo o resto.
— Ok, Lorenzo, venha me acompanhe — falei, contrariado.
Aos poucos, os ruídos da noite eram substituídos pelo barulho
ensurdecedor das armas sendo disparadas. Eu podia sentir o cheiro da
pólvora.
Ao chegar no topo da colina, analisei bem o local. As luzes ao redor
estavam todas apagadas, e a tensão e a adrenalina corriam pelo meu corpo.
— Tem vários homens do Andrei, eles estão focados nos soldados,
mas são muitos tiros — alertei Lorenzo.
Avancei com a pistola em punho, esquivando-me dos tiros, enquanto
ele me seguia com certa distância, cobrindo as minhas costas. Eu já podia
ver vários dos meus inimigos no chão, o cheiro de sangue já estava
impregnado no ambiente.
— Aqui é o meu país, a minha terra, nenhum estrangeiro pode vir me
confrontar no meu território e achar que levará a melhor — murmurei para
mim mesmo.
— Don, o Ferrari está subindo como o senhor ordenou. — Ouvi o
alerta de um dos soldados assim que cheguei próximo aos fundos da casa.
Eu e Lorenzo tínhamos silenciadores nas armas e atiramos em uma
dezena de homens que guardavam os fundos da mansão.
— Vou entrar e procurar por ela — avisei a Lorenzo.
— E se ela não estiver aqui? — A indagação dele me fez parar. Isso
não havia passado pela minha cabeça.
— Ela tem que estar.
42
Beatrice não voltou sozinha

Beatrice Marino

Eu esperava uma distração dos soldados de Andrei para sair da casa


que não fica longe da que estávamos. Eu podia ouvir os tiros, o meu corpo
estremecia de medo, mas eu encontraria o Vincenzo. Quando finalmente
julguei que seria o momento certo, comecei a agir. Esperei até ouvir o som
dos passos dos homens se afastando do quarto, eles estavam sedentos para
ir ao confronto e se distraíam fácil, e eu sabia que aquele era o momento
perfeito para agir.
O medo começou a tomar conta de mim, mas eu precisava encontrar
Vincenzo. Tudo estava trancado, inclusive as janelas, até que felizmente
encontrei uma janela lateral que estava entreaberta. Consegui passar pelo
pequeno espaço aberto, mas caí e machuquei o joelho, me levantei
mancando, mas aquilo não me impediria de ir até o meu marido, ele
certamente foi atrás de mim lá na casa.
— Que merda, a garota fugiu, o chefe vai nos matar. — Ouvi um dos
soldados gritar e apressei os passos.
— Vou pegar aquela vadia do caralho! — outro gritou.
Enquanto avistava a casa ao longe, um incômodo abdominal me
interrompia ocasionalmente, mas eu persistia. Ao chegar ao fundo da casa,
tive que saltar sobre vários corpos espalhados e o odor de sangue fez com
que meu estômago virasse, e eu vomitei.
— Vincenzo? — murmurei para mim, ouvindo a sua voz na casa.

***
Vincenzo Ferrari

Ao entrar em casa, eu explorei todos os cômodos, mas não encontrei


nenhum sinal da Beatrice. Foi então que vi o Andrei sentado em um dos
quartos, aparentemente me esperando.
— Espero que esteja preparado para morrer — ele disse, apontando a
arma para mim.
— Farei a passagem com prazer, contanto que você me acompanhe.
— Sorri com deboche.
— A Beatrice não está aqui — ele desdenhou, me vendo olhar para os
lados.
— Imaginei que seria assim — afirmei, fazendo pouco caso.
— Ela não quer voltar com você.
— Sério?
— Vincenzo! — Virei-me rapidamente, reconhecendo a voz de
Lorenzo, enquanto ele era mantido firmemente por dois soldados de Andrei.
Franzi a testa em preocupação, mas retornei à atenção para Andrei, que
pendurou nos lábios um sorriso satisfeito.
— Ajoelhe — ele ordenou.
— Não, Vincenzo! — gritou Lorenzo.
O meu corpo estremeceu e trinquei os dentes, apontando a arma de
volta para ele.
— Pode atirar nele — ele ordenou aos soldados, que não tiveram
tempo nem de piscar quando atirei nas suas cabeças. Lorenzo se soltou,
pegando a arma caída, e apontou para Andrei.
— Lorenzo, vá para a porta principal — ordenei, e ele foi de
imediato. — Onde está a minha esposa? — vociferei.
Ele me encarava em silêncio, com um sorriso confiante no rosto.
— Abaixa a arma — mandei e eu podia ouvir os gritos dos meus
homens vibrando. Estávamos em vantagem, e ele sabia disso.
Mas, por mais que eu falasse, ele não tirava o ar soberbo, e eu sabia
que ele tinha uma carta na manga.
— Vincenzo. — Tremi ouvindo a voz dela e me virei para trás sem
me importar se estava baixando a guarda.
— Beatrice — sussurrei. Os seus olhos estavam apavorados, sangue
do joelho escorria pelas suas pernas, a terra cobria o seu vestido.
— Veio ver a morte do seu marido, princesa? — indagou Andrei, e eu
ouvi o exato momento em que ele apertou o gatilho.
— Não! — Um grito parecia sair rasgando os pulmões de Beatrice,
que se jogou na minha frente e caiu sobre mim em seguida.
— Não! Não! Beatrice. — Olhei para Andrei, que estava imóvel, com
as mãos na cabeça, sem acreditar no que estava vendo. Vi que ele também
se importava com ela. — Desgraçado — gritei, disparando vários tiros
contra ele, que caiu agonizando no chão.
— Vincenzo? — Lorenzo retorna com outros soldados.
— Andrei está morto — um deles gritou e ouvi as comemorações
vindas de fora da casa.
— Me ajude, Lorenzo — implorei e as lágrimas molharam o meu
rosto. — Ela não pode morrer.
— Ela está viva, mas vamos rápido, o pulso está fraco.
— Não podemos movê-la, a bala vai se mexer dentro dela. Onde foi o
tiro?
— Vincenzo, ele saiu, olhe! — disse, apontando para a altura do
ombro. — Vamos levá-la. Rápido.
Eu não suportaria perdê-la, ela não pode me deixar. Examinei a ferida
com cuidado, Lorenzo tinha razão, a bala saiu.
A imagem da Beatrice naquelas condições me desesperou, os seus
cabelos estavam espalhados pelo chão, sujos do sangue que empoçava
embaixo dela. Eu a peguei em meus braços e andei apressado.
— Qual a situação lá fora? — indaguei a um dos soldados.
— Todos rendidos, Don.
— Perfeito! — disse, saindo com Beatrice em segurança. — Lorenzo,
dirija. — Ele acenou positivamente com a cabeça e assumiu o volante.
Mais uma vez eu estava em um carro derrapando pela estrada, dessa
vez não nevava, mas o meu corpo estava gelado. Beatrice tinha a cabeça em
meu colo, eu havia tirado a camisa e tentava estancar o sangue, que já havia
tingido toda a minha camisa branca.
— Ligue para a Nina, peça que ela organize tudo para a chegada da
Beatrice — ordenei a um dos soldados que estava no banco de carona.
Uma das melhores coisas que fiz foi construir uma ala de urgência e
emergência na propriedade, além de muitas vezes não poder ir ao hospital,
era bom evitar envolver a polícia em nossos assuntos, mas o motivo
principal eu sabia: depois do que aconteceu com a Anna, eu não confiava
mais em qualquer médico.
Ao chegar na propriedade, fomos recebidos por Nina, que
prontamente iniciou o processo de estabilização de Beatrice. Enquanto ela
cuidava dela, eu me sentei do lado de fora e passava as mãos pelos cabelos
e tentando manter a calma.
— Não vai avisar aos pais dela? — Lorenzo indagou.
— Claro, mas antes quero saber como ela está.
— Eu posso ir até lá avisar.
— Faça isso, irmão.
Poucos minutos se passaram até a minha sogra chegar aos gritos em
frente da sala de emergência.
— Onde está a minha filha? — ela gritava e esmurrava o meu peito.
— Controle-se — disse o meu sogro, a segurando. Eu vi a sua
expressão de ódio me encarando, ele queria me bater tanto quanto ela.
Mais afastado, estava Luigi, ele estava tão devastado quanto eu.
Paralisado, ele observava tudo com um olhar inexpressivo.
— Ainda não sei como ela está, Nina está cuidando dela — disse
gélido.
— A culpa é sua, entendeu?
— Lhe garanto, minha sogra, que o tiro não saiu da minha arma.
— Você a arrastou para tudo isso, seu desgraçado.
— Acalme-se — meu sogro volta a exigir.
— Deixe-a falar, me bater ou fazer o que ela quiser, eu sei que essa é
a sua vontade também, embora o senhor seja mais contido.
Olhei para as minhas mãos que tremiam, o meu corpo estava coberto
pelo sangue dela e tudo isso estava me deixando enjoado.
— As horas não passam, que porra! — gritei, percorrendo o corredor
de um canto a outro.
Até que a porta se abriu.
— Como ela está? — perguntei com a voz falhando.
Nina respirou fundo antes de responder.

— O tiro foi na altura do ombro, ela perdeu muito sangue e o estado dela
ainda é crítico, mas acredito que logo irá se recuperar.
Fechei os olhos, aliviado. Sabia que ainda havia um longo caminho
pela frente, mas, pelo menos, ela estava viva. Sentei-me exausto, sentindo o
peso daquela noite em meus ombros. Ela estava viva, isso era tudo o que
importava.
— O que precisamos fazer agora? — indaguei.
— Eu vou administrar os remédios para estimular a produção de
glóbulos.
— Podemos fazer uma transfusão, temos o mesmo tipo sanguíneo —
disse a minha sogra.
— Bom, é que não é tão simples assim, Beatrice não voltou sozinha e
eu gostaria de tentar os remédios primeiro até termos a autorização de um
médico especialista — ela falou com um semblante sério.
— Como assim não voltou sozinha? Que tipo de especialista você
está falando?
— Um obstetra. — Ela deu de ombros com um sorrisinho. — Você
vai ser pai.
— Como assim? Espera… Nina. — Eu senti o chão se abrir debaixo
dos meus pés. Eu deveria ter pulado de alegria, mas eu só pensei no estado
em que ela estava e que eu não queria passar por tudo de novo. — Nina, eu
confio em você, não permita que ela me deixe.
43
Fique comigo

Vincenzo Ferrari

— Calma, Vincenzo, ela está bem, você vai se pai, ser alegre — disse
o meu irmão.
— A minha filha está grávida? Tragam o médico, vamos fazer a
transfusão de sangue — disse a minha sogra com um tom alterado.
— Trarei um amigo — Nina afirmou.
— Posso ver a minha irmã? — Luigi chorava como um menino e o
meu sogro parecia não acreditar.
— É recomendado esperar, devemos evitar a disseminação de
infecções e ela está sedada agora.
— Sogra, pode verificar a Giulia? Eu não estou com cabeça agora —
pedi, mas ela me olhou contrariada.
— Mãe, por favor, cuide da Giulia — Luigi disse.
— Me avise assim que chegar — ela falou antes de sair e me lançar
um olhar torto e, em seguida, sumiu pelo jardim. Eu não tinha dúvidas de
onde Beatrice havia herdado o gênio difícil e desafiador.
Eu ainda estava coberto de sangue, e eles se entreolhavam.
— O que aconteceu exatamente? — o meu sogro perguntou.
— Andrei está morto, acredito que metade dos nossos problemas
acabou.
— Fico feliz que tenha obtido a vitória — disse o meu sogro.
— Sim, alegre-se, o cenário mudou. Você já tem autorização para
voltar para casa agora que a Beatrice já está aqui comigo.
— Podemos ficar até que ela se recupere? — indagou Antônio.
— Claro, se mudem para a casa principal. Levem eles para a casa
principal — ordenei ao meu soldado. — Assim que o médico chegar,
comunico. — Eles seguiram o soldado, e eu fiquei com o meu irmão,
aguardando o retorno de Nina.
— Ela ficará bem — disse Lorenzo.
— Eu tenho medo, eu estou apavorado, eu não vou suportar isso
novamente, Lorenzo.
— Você não vai, Beatrice ficará bem, irmão — garantiu.
Eu andei nervoso de um lado para o outro e soltei o ar com força.
— Vou entrar para vê-la. Ela tem que ficar comigo. Ela não pode me
deixar.
Caminhei lentamente até o quarto com as mãos trêmulas e a testa
suando. Ainda não conseguia aceitar estar prestes a perder a mulher que
amo novamente. Entrei no quarto e a visão de ela deitada na cama, pálida e
desacordada encheu os meus olhos de lágrimas.
— Beatrice, você não tinha autorização para entrar na frente do tiro
— esbravejei como se ela pudesse retrucar. — Você acredita que viverei se
você me deixar? — indaguei em lágrimas.
Me sentei ao lado dela e tomei a sua mão, sentindo a sua mão fria, e
arrastei a mão até o seu ventre o acariciando.
— Obrigado, vou amá-lo muito.
Fiquei em silêncio por um tempo, sentindo a presença dela ali e
monitorando os seus sinais vitais enquanto esperava Nina voltar com o
outro médico. Subi um pouco a mão parando entre os seios.
— Anna, você voltou para mim — eu disse, sentindo o seu coração
bater contra o peito da mulher que agora eu também amo. Ainda era difícil
para mim, assim como deve ser complicado para Beatrice.
Lembrei-me da viagem que fizemos juntos, das risadas que
compartilhamos e das conversas profundas que tivemos durante a noite.
Senti o coração apertado ao pensar que poderia perdê-la para sempre.
— Beatrice, por favor, fique comigo — sussurrei. — Eu não sei mais
como viver sem você. Eu te amo.
— Don, voltei — disse Nina, entrando com o médico.
Levantei-me, me recompondo.
— Conforme o que a doutora me passou no caminho, acredito que
podemos proceder com a transfusão, vou apenas fazer alguns exames.
— Chamarei a minha sogra para doar o sangue — comuniquei, saindo
do quarto e indo até a casa.
Quando entrei, a encontrei na sala com o Luigi e o meu sogro.
— Alguma novidade? — ela perguntou, vindo até mim.
— O obstetra acabou de chegar, ele vai fazer a transfusão.
— Irei para lá agora mesmo. — Ela passou apressada por mim.
— Como isso aconteceu? — Luigi questionou, voltando ao seu estado
normal.
— A sua irmã se jogou na minha frente, seria eu naquela cama agora,
e não ela. Sei que preferiria que fosse assim, e eu também acreditei.
— O que fará agora que sabe sobre o coração? — Antônio quis saber
dessa vez.
— Quer me ouvir sendo sincero? — Sentei-me na poltrona de frente a
eles. — Eu pensei em trancá-lo na mansão e mandar colocar fogo, eu faria
isso com todos que levassem o nome Marino, e ia deixar um decreto que se,
por acaso, algum sobrevivesse, que estendessem a minha ira por várias
gerações.
— E por que desistiu?
— Porque eu estaria matando a mim mesmo no momento em que
Beatrice deixasse de respirar.
— Não sabíamos da origem do coração — ele se justificou.
— Só uma coisa que não vou perdoar, a Giulia.
Ele arregalou os olhos e me encarou.
— Ela sempre foi apegada a Beatrice.
— Mas eu sou o pai dela. Não acha contraditório você querer salvar a
sua filha tirando a minha de mim?
— Giulia sabe que é adotada.
— Ela é muito pequena para entender esse tipo de coisa — eu disse,
ficando de pé.
— Sei que vai saber como conquistá-la, aliás, acredito que ela já
gosta muito de você — falou Antônio.
— Isso não é graças a você. — Virei as costas e os deixo sozinhos na
sala.

***

Eu não preguei os olhos nem por um minuto e vi o sol nascer do


pequeno banco que fica ao lado do quarto onde Beatrice está. No entanto,
não durei muito lá, eu tinha assuntos pendentes com o Mattia. Eu ainda
tinha em quem descontar todo o ódio por ter a minha esposa baleada no
quarto ao lado da minha casa.
— Mattia — disse ao entrar na casa do vinhedo onde ele estava
amarrado com correntes, igual a um animal.
— Primo — ele falou com um ar desdenhoso. — Ouvi rumores que a
bela Beatrice voltou.
— Sim, ela está de volta, é uma pena que não esteja em condições
para participar da festividade da fogueira, por estar acamada.
— Vai mesmo me matar?
— Claro, não penso em outra coisa desde que retornou como um
animal aqui para a mansão.
— Então me mate. — Deu de ombros.
— Acha que vou hesitar? — indaguei, me aproximando dele.
— O seu pai já teria arrancado os meus olhos.
— Eu não sou o meu pai.
Caminhei pela sala e retornei para ele.
— Qual a sua raiva? O que tem contra mim? — quis saber.
— Não existe lealdade no nosso ramo, Vincenzo, todos esses anos, a
única coisa que me deixou satisfeito foi te ver sofrer pela Anna e se
martirizar por não saber quem tinha o coração dela. Eu sempre soube — ele
confessou com um sorriso debochado. — Fui eu quem matou o Francesco,
ele queria abrir o bico, eu o persegui até seu último dia de vida, mas fiz ele
acreditar que era a família da Beatrice.
O meu corpo estremeceu de raiva.
— Achou divertido me ver sofrer? — questionei, caminhando até o
armário, e voltei com uma faca.
— Vai me esquartejar assim como fez com o seu pai?
— Não, tenho uma ideia melhor para você. Chamem o Lorenzo e
peçam para que a Nina me traga um cirurgião.
— Agora mesmo, Don.
— O que planeja fazer?
— Queimar você seria pouco, diria que seria até um ato de piedade.
Resolvi que não quero que se vá, não quero que vire cinzas. Quantas vidas
podemos salvar com a sua vida insignificante e imunda? Vejamos, dois rins,
duas córneas, os pulmões são saudáveis, você nunca foi fumante, o que
mais? Vejamos, um coração talvez? Parabéns, primo, a sua vida ganhará um
significado.
— Desgraçado — ele gritou, tentando se soltar.
— Ainda não te falei a parte boa, eu diria a parte mais divertida, eu
quero você vivo e consciente, vejamos se vai continuar rindo e debochando.
Agora me dê licença, entrarei em contato com o mercado ilegal de órgão e
venderei cada um. Não pense que é pelo dinheiro, é só pela satisfação de
vender cada pedaço seu a preço de banana.
— Vincenzo, volta aqui! Vincenzo, você não pode fazer isso. — Eu o
ouvi gritar já do lado de fora da casa.
44
Você não me tirou nada, você me devolveu tudo

Beatrice Marino

Abri os olhos lentamente, tentando me acostumar com a luz branca e


intensa do teto. Tentei me mover, mas senti uma dor insuportável em todo o
corpo, uma dor que se expandia para cada célula de seu corpo. Pisquei
algumas vezes, tentando focar na minha visão. Um tubo estava conectado
ao meu nariz, outro no seu braço. Senti uma pressão em meu ombro, como
se algo estivesse pulando dentro dele. Tentei gritar, mas a minha boca
estava seca, e as palavras se perderam em algum lugar em minha garganta.
Foi então que notei Vincenzo, ele estava sentado ao lado da cama. Ele
segurava a minha mão com os olhos marejados de lágrimas.
— Você acordou! — exclamou, aliviado.
Forcei um sorriso, mas uma lágrima caiu dos meus olhos.
— Que bom que você está bem — pronunciei baixinho.
Ele fez uma careta, claramente enfurecido.
— O que você fez, Beatrice? É claro que eu estaria bem, você não
podia ter feito o que fez — ele disse, irritado, a sua respiração acelerou. Ele
se levantou da cadeira, passando a mão pela barba que estava boa para ser
feita.
— Foi instintivo. Eu não tinha que estar viva.
— Não fale bobagens — ele falou, voltando a sentar e pegar a minha
mão, levando-a em seu peito. — Você ficou entre a vida e a morte por
alguns dias. Eu achei que ia te perder. — A sua voz saiu embargada.
— Eu ainda estou aqui. — Forcei um sorriso.
Ele confirmou com a cabeça várias vezes e beijou a minha mão com
força e voracidade enquanto o seu rosto se banhava em lágrimas. Eu nunca
tinha o visto chorar.
— Eu não sei como te agradecer por estar aqui agora comigo e por…
— comecei a falar, mas ele me interrompeu, colocando o dedo indicador
nos meus lábios.
— Eu sou o seu marido, Beatrice, eu vou ficar com você para sempre
e nunca mais viverei esse pesadelo. Eu fiquei apavorado.
— Não sente raiva de mim ou dos meus pais? — quis saber, levando
a minha mão até o meu peito, onde eu poderia sentir as batidas do coração.
Um soluço escapou da sua boca, ele chorava como uma criança
carente por colo.
— Perdão, eu nunca quis tirar tudo de você e, se eu pudesse voltar no
tempo, se eu pudesse fazer algo para que você tivesse a sua família aqui
com você… — Ele se levanta arrastando a cadeira para trás com violência e
me beijou.
— Pare, pare, Beatrice — ele diz com seus lábios colados aos meus.
— Eu te amo. — As suas palavras fizeram o meu coração disparar, o som
do marcapasso ecoou em meus ouvidos.
— Se acalme, o seu coração acelerou — ele disse com um sorriso,
mas eu ainda me sentia culpada e isso estava nos meus olhos. Ele puxou o
ar com força para os pulmões, os soltando em seguida. — Pare de me olhar
assim, Beatrice. Você não é culpada. Eu amava a Anna, MUITO —
enfatizou. — Ela não morreu por sua culpa, o culpado fui eu, os meus
sentimentos por ela a mataram. Meu pai a mataria independente se fosse
para doar ou não o coração, era o que ele queria fazer.
Eu voltei a colocar a mão sobre o seu peito.
— Uma parte dela vive em você. A minha filha vive, tendo sido
acalentada por você. Você me devolveu a vida e agora está carregando a
minha semente — ele disse, colocando a mão sobre o meu ventre. — Você
não me tirou nada, você me devolveu tudo e ainda me deu mais do que eu
merecia. Nunca mais me olhe com culpa.
— Uma semente? — indaguei, confusa.
— Sim, vamos ser papais. — Ele sorriu e voltou a me beijar.
Não foi possível conter as lágrimas de banharem o meu rosto.
— A nossa família vai crescer — ele disse, acariciando os meus
cabelos.
— Eu te amo! Muito mais do que achei que fosse capaz.
Eu não sei exatamente quando eu descobri que o amava, mas lembro
do exato segundo em que o meu coração disparou e perdeu o compasso. Eu
poderia dizer que foi nosso primeiro beijo, mas não, foi no exato segundo
em que os meus olhos o viram em pé, escorado sobre um balcão de uma
boate, me tocando de forma libertina. Naquele segundo, convenci a mim
mesma que o meu coração acelerou por medo e segui me enganando por
longos dias.
— Atrapalho os pombinhos? — Lorenzo entrou no quarto.
— Não, aliás, sim — Vincenzo respondeu com um sorriso.
— Que bom que acordou, cunhada, chamarei a Nina para te ver, os
seus pais estão ansiosos, e a Giulia, então, nem se fala.
— Sim, faça isso, a chame, eu quero a minha esposa de alta —
Vincenzo falou, Lorenzo nos deixou sozinho e vai procurar por Nina.
— Eu também estou louca para ver os meus pais e a Giulia. Você já
contou a ela sobre ser o pai dela?
— Ainda não, estou esperando você me ajudar com isso — ele disse,
beijando a minha testa e, em seguida, ficamos esperando a Nina,
conversando e planejando os nossos próximos passos.

***

— Estou ansiosa para ver a minha pipoquinha — disse, sentada ao


lado de Vincenzo na nossa sala de estar.
— Como a chamou? — Ele estreitou os olhos e me encarou.
— Pipoquinha? Por quê? — Sorri, e ele também sorriu, mordendo os
lábios de forma linda e sexy.
— Por nada. — Ele me deu um beijo suave nos lábios.
Em poucos minutos, ela entrou saltitante pela sala, acompanhada dos
meus pais e do meu irmão.
— Trice — ela gritou, correndo para os meus braços. — Papà, vem,
vem. — Ela correu em direção ao meu pai e vi o brilho nos olhos de
Vincenzo se apagar.
— Estou indo, boneca. — Ele se aproximou e me beijou a testa.
— Não vai falar comigo, Giulia? Você se foi há três dias, eu estive
com muitas saudades. — Vincenzo abriu os braços, esperando por um
abraço, que logo foi pago. Giulia envolveu o pescoço dele com seus
bracinhos.
— Eu também senti saudades. Eu vou poder ficar? — ela perguntou,
se sentando no colo dele.
— Claro que vai, aqui é a sua casa — ele respondeu como se fosse
óbvio.
— Eu tenho duas casas agora? — Ela riu divertida.
A minha mãe se sentou ao meu lado, e o meu irmão aproximou-se
para me cumprimentar. As coisas pareciam tranquilas entre Vincenzo e eles,
e isso me tranquilizava também.

Vincenzo Ferrari

Enquanto Beatrice conversava com a mãe e me afastei, sendo


acompanhado pelo meu sogro e cunhado, Lorenzo se juntou em seguida e
exibia com satisfação a aliança de noivado.
— Preciso reorganizar as coisas na Rússia, não vou perder o controle
das coisas por lá. — As minhas palavras foram quase uma intimação para
que o pai de Beatrice resolvesse a fusão com a empresa dos sogros.
— Já estou em negociação, fundiremos as empresas, eles entenderam
que essa é a única opção — respondeu, e eu sorri com satisfação.
— Então parece que tudo está bem encaminhando, não precisarei
seguir com os planos antigos, todos resolveram colaborar, e isso é bom.
Amanhã levantarei um líder para ficar exclusivo no território russo,
manteremos a liderança por lá. E sobre você Luigi, quero que seja o meu
novo consigliere.
— Eu? — ele indagou, surpreso.
— Sim, você. Além de Lorenzo, não existe outro em que eu confie
mais nesse momento.
— Mas eu, não sei, eu… — ele falou, hesitante, e eu o interrompi.
— Está mais envolvido nisso do que imagina, cunhado, sempre
estiveram. Somos uma famiglia — comentei, abraçando-o.
— Eu aceito — ele disse, me deixando muito satisfeito.
— Está no seu sangue, cunhado, eu sempre notei isso. Quanto a você,
Lorenzo, não pense em passar mais que três dias de lua de mel — o alertei
com um sorriso divertido.
— Sério que o meu padrinho só vai me dar três dias de folga?
— Padrinho?
— Claro, você e a minha cunhada. Quem mais seriam?
— Eu quero que você seja imensamente feliz e que esqueça tudo que
eu te disse sobre sentimentos. Ame-a muito — disse em um abraço.
— Obrigado, irmão, eu já a amo.
Eu nunca vi Lorenzo tão feliz, éramos só nós dois, um cuidando do
outro. Eu o amava muito, mesmo que, muitas vezes, eu precisasse se rude e
impor a hierarquia. Mesmo com tudo, magoado, zangado, irritado comigo,
era só eu precisar dele que ele estava lá para mim, por mim.
45
Aceito seu amor com honra e gratidão

Vincenzo Ferrari

Era final de tarde e Giulia me convenceu que deveríamos acampar em


nosso jardim, eu não pude negar, e Beatrice parecia tão empolgada quanto
ela. Duas meninas lindas, tentando armar uma barraca de acampamento. Era
óbvio que eu me lembrava da Anna quando olhava para Giulia, do quando
ela desejou ver o rostinho da nossa filha, mas eu precisava viver, eu
precisava seguir, e eu estava fazendo isso com os meus olhos cravados aos
de Beatrice. Eu a amo tanto quanto amei a Anna.
— Você precisa nos ajudar — Beatrice gritou depois de tentar pela
milésima vez armar a barraca.
— Eu estou indo. — Caminhei na direção dela. — É tudo de encaixe,
você precisa apenas apertar bem, aí, não vai soltar — disse, montando em
poucos minutos.
— Eu ainda não posso usar bem esse braço, de onde arrumaria
forças? — brincou, me respondendo.
— Me chame para tudo, meu amor, eu terei prazer em abrir até um
pote na cozinha para você. — Dei vários beijos em seu rosto.
— Olha isso, Trice, eu vou plantar — Giulia falou com as mãos
enfiadas em um vaso cheio de terra que ela encontrou próximo às árvores.
— Já sabe que semente vai colocar? — Beatrice grita de onde
estamos, mas Giulia estava concentrada naquilo que estava fazendo com a
terra, como se não houvesse nada mais importante no mundo.
De repente, ela olhou para cima e avistou um pássaro que voava nos
céus. Com um sorriso contagiante, ela soltou o vaso e começou a correr
atrás dele, com suas perninhas finas, como se estivesse em uma caçada
frenética. Nós dois rimos ao vê-la correndo e gritando atrás do pássaro, ela
estava se divertindo e sentindo-se livre. Era assim que eu queria que ela se
sentisse, livre e uma criança normal, algo que eu nunca pude ser.
Ela finalmente desistiu de tentar alcançar o pássaro e sentou-se na
grama, ofegante. O mundo poderia estar repleto de problemas, mas, naquele
momento, tudo parecia ser um paraíso, ela nos contagiava com suas
brincadeiras fofas e inocentes.
— Quando vamos contar para ela sobre ela ser promovida a irmã
mais velha? — Beatrice perguntou, alisando o próprio ventre.
— Eu estou pronto para ouvi-la me chamar de pai.
Giulia correu e se sentou entre nós, parecia um bom momento para
contar que sou o pai dela, e eu estava nervoso, nunca estive em uma
situação parecida antes.
— Giulia — Beatrice começou a falar, e meu corpo estremeceu —,
você ainda é um brotinho de feijão.
— De rosa, sou um broto de rosa — Giulia a corrigiu.
— Sim, mas, ainda assim, é um brotinho lindo e que eu amo. Talvez
você não entenda o que vou te contar agora, mas eu acho que é uma boa
hora para te falar.
— Trice, eu já sou grande, me conte tudo. — Nós dois rimos quando
ela se levantou e colocou as mãos no queixo, nos encarando séria.
— Faz pouco tempo que o papà te falou que você tinha outro papà e
que você chegou a nossa família porque precisava de um lar, pois o seu
papà estava fazendo uma viagem longa, você lembra?
Ela olhou confusa, com o olhar triste.
— Você vai me mandar para longe, Trice?
— Claro que não, minha pipoquinha. Venha aqui, se sente no meu
colo. — Beatrice abriu os braços, e ela se sentou, se aninhando em seu colo.
— O seu papà voltou, e ele te ama muito, não vai te levar para longe, ficará
com você, e você terá dois papà.
— Como ele é? Você acha que ele vai gostar de mim?
— Quem no mundo não gosta de você?
Beatrice me olhou, e eu senti que dali em diante seria comigo.
— Giulia, você ficaria feliz se eu fosse o seu papà? — indaguei com
a voz trêmula.
Ela se pôs de pé em um salto e sorriu.
— Você quer que eu seja o seu papà? — perguntei, ansioso pela
resposta, mas ela não falou nada, apenas se jogou em meus braços e beijou
várias vezes o meu rosto.
— Você está de castigo, me deixou muito tempo esperando — ela
disse, de pé, com as mãos na cintura. E nós dois rimos. — A Trice será a
minha mamma? — quis saber com os olhos brilhando.
— Sim, ela será a sua mamma, e ainda vai te dar um irmãozinho.
— Um irmãozinho? Onde ele está? — Ela olhou para os lados,
procurando. — Bem aqui. — Coloquei a sua mãozinha sobre o ventre de
Beatrice.
— Cabe um bebê aí dentro? — ele perguntou, confusa, e voltamos a
rir da sua fofura.
— Sim, cabe até mais de um aqui dentro, nós cuidaremos dele para
quando ele sair, brincar muito com você.
No momento, eu me sentia satisfeito. Giulia ainda era muito jovem
para compreender o peso das palavras que lhe foram ditas hoje, então, eu
não exigia muito dela. Tudo o que eu queria era que ela soubesse que eu sou
o pai dela e que a ouvisse me chamar de "papà". Tínhamos um longo
caminho pela frente e muitos porquês ainda surgiram, afinal, ela não era
uma criança comum, e eu não era um homem comum. Não podia
proporcionar a ela uma vida normal, mas estava disposto a protegê-la de
tudo. Havia um longo caminho a percorrer, mas eu estava pronto para
enfrentar tudo o que surgisse.
***

Beatrice Marino

O sol brilhava forte naquele dia de verão e o jardim estava florido e


perfumado. Os pássaros cantavam e um leve vento soprava, trazendo
consigo o aroma das flores.
Eu estava no altar, Vincenzo envolvia a minha cintura com os seus
braços, e Nina e Lorenzo estavam radiantes, em pé diante do cerimonialista.
A cerimônia foi simples, tinha apenas os pais da Nina, os meus pais e
alguns líderes de confiança. Lembrei-me do dia do meu casamento. Como
eu queria que naquele dia o meu sorriso fosse tão gracioso quanto o de Nina
que sorria enquanto Lorenzo colocou o anel em seu dedo e a emoção que vi
em seu rosto quando foi dito pela primeira vez o seu nome de casada: Nina
Ferrari.
Depois de uma breve cerimônia, o casal caminhou de mãos dadas em
direção à festa, onde um banquete estava preparado. Começaram a dançar e
a rir enquanto a música tocava suave ao fundo.
— E se relembramos a nossa lua de mel? — perguntei a Vincenzo
com um ar sugestivo.
— Minha esposa, como está ousada! — Ele umedeceu os lábios, me
encarando com desejo. — Estou prestes a te agarrar aqui, na frente todos —
sussurrou em meu ouvido com uma voz sexy e rouca.
— O que te impede de me arrastar para algum dos quartos e me fazer
sua — quis saber, passando a minha língua em seus lábios.
Ele sorriu, passando a mão na barba, estava hesitante, o que não é do
seu feitio.
— O que foi? Eu estava apenas brincando, podemos fazer isso em
outro momento, depois que a festa de casamento acabar.
— Você me deixou excitado. Vem! — ele disse, puxando a minha
cintura.
— Vincenzo, Vincenzo? — Os gritos de Lorenzo nos alcançaram
antes de darmos cinco passos à frente, mas o meu marido não parecia
querer virar para saber o motivo de tanto chamados.
— Agora não, Lorenzo — avisou, gesticulando com as mãos.
— Vincenzo, é agora entendeu? Aonde, você vai? — Virei-me para
encarar Lorenzo, que nos olhava confuso.
— Agora? O quê? — Pensei que talvez a noiva fosse jogar o buquê
ou que fosse acontecer algum brinde especial.
Vincenzo suspirou derrotado e pressionou levemente a sua
intimidade, que antes estava ereta.
— Meu amor, guarde esse fogo um pouco mais, em breve, vou te
jogar contra a parede e te foder de uma forma deliciosa — murmurou em
meu ouvido enquanto me direcionou a pista de dança onde Nina me
entregou o seu buquê.
— O que está acontecendo? — indaguei, confusa.
— Quer casar comigo de novo? — Vincenzo sussurrou em meu
ouvido.
— E se eu disser não dessa vez? — brinquei.
— Eu te arrasto até o altar novamente e te prendo a minha vida e
nunca mais te solto. — Ele me abraçou apertado.
Giulia levantou uma placa escrita “Diga sim ao papà”.
— Case-se comigo novamente — ele pediu novamente com um olhar
aflito, como se houvesse chances de eu falar outra coisa que não fosse sim.
— Claro que eu me caso.
E lá estávamos nós caminhando de braços dados, aproveitando a
decoração da cerimônia de Nina e Lorenzo. Ele me deixou onde começava
o imenso tapete vermelho e caminhou sozinho até o altar, o meu sorriso
estava radiante. O meu pai parou ao meu lado e caminhamos juntos até
Vincenzo, que tinha os olhos marejados de lágrimas. Giulia havia saído do
seu lugar e andava na nossa frente, jogando flores pelo caminho. “Muito
fofa a minha menina”.
— Cuide bem da minha princesa — disse o meu pai ao me entregar.
— Mais do que a minha própria vida — ele respondeu com um
sorriso.
— Hoje estamos aqui para celebrar o amor e a união de Vincenzo
Ferrari e Beatrice Ferrari. Eles têm sido um testemunho vivo de como o
amor pode superar tudo, e agora, após algum tempo casados, eles estão
renovando seus votos em frente a todos os amigos e familiares. O noivo tem
algo a dizer.
Vincenzo sorriu, parecia tímido enquanto pegava o microfone.
— Beatrice, hoje, aqui, diante de todos, juro ser fiel a você, mesmo
que os negócios da máfia me tirem de casa por longos períodos. Prometo
protegê-la sempre e manter sua segurança e a dos nossos filhos como minha
prioridade, assim como protejo meus negócios. Aceito seu amor com honra
e gratidão, e sempre a tratarei como a bela rainha que você é. Serei sempre
o seu amigo e companheiro leal. Honrarei você e seus valores, e sempre os
colocarei em primeiro lugar. Eu te amo. — Ele me beijou suave, selando em
nossos corações aquele momento.
Trocamos olhares admirados e sorrisos, e eu ouvi suspiros das
pessoas ao redor. Todos que amo estavam presentes, e eu estava feliz e
dizendo sim pela segunda vez ao homem que eu amo.
Epílogo
Vincenzo Ferrari

Três anos depois…

Não é comum nevar em Florença e me lembro da última vez que disse


essa frase. Fazia frio, um que ia além dos termômetros, e foi exatamente no
dia em que o meu coração congelou. Mas hoje a neve cai delicadamente do
céu e eu estou aquecido não pelas roupas e as luvas que visto, nem mesmo
por estar aninhando em frente a uma lareira, eu brincava na neve com a
minha família, e isso fez o meu coração se aquecer de novo.
— Papà, ele parece com você. — Giulia gargalhou enquanto
fazíamos um boneco de neve em nosso jardim.
— Jura? Você acha que o meu nariz é grande assim? — indaguei,
carrancudo, apontando para a imensa cenoura que compunha a face do
boneco.
— Talvez fique melhor se tirar só um pedaço. — Ela saltou para
alcançar o legume.
— O que você acha, Enzo, ele se parece com o papà? — O meu
pequeno sorriu e caiu, depois de ser acertado por uma bola de neve jogada
por Giulia.
— Ah, então é guerra? Meninos contra meninas — eu disse,
acertando Beatrice com uma bola e, em seguida, todos estávamos correndo
um do outro.
— Podemos nos juntar? — Lorenzo falou, chegando com Nina, que
está grávida do primeiro filho deles.
— Acho que não vou participar, estou pesada — ela retrucou.
— Deveríamos todos entrar e tomar um chocolate-quente, Nina não
pode brincar, vamos fazer companhia a ela — disse Beatrice, e todos
concordamos.
Beatrice se enrolou em um cobertor vermelho brilhante assim que
entramos, e uma funcionária trouxe uma xícara de chá fumegante para ela e
colocou em cima da mesinha de centro, em seguida, ela trouxe xícaras com
chocolate-quente e alguns biscoitos. As crianças ficaram sentadas no tapete
macio em frente à lareira, brincando com seus brinquedos e conversando
animadamente. O som crepitante da lenha queimando nos deu uma
atmosfera calma e acolhedora.
Nos sentamos todos juntos, conversando e relembrando histórias
enquanto desfrutamos aquele tempo juntos. Não era tão comum tantas horas
de paz, os deveres muitas vezes nos privavam de momentos assim, então
nos reuníamos sempre que possível.
No fim da noite, eu e Beatrice já havíamos colocado as crianças para
dormir e nos aquecíamos com os nossos corpos deitados no sofá da
varanda, enrolados. De longe, se alguém pudesse nos ver, diria se tratar de
apenas uma pessoa. Embora eu já não sentisse o luto como antes, eu sentia
prazer em às vezes encostar o meu ouvido em seu peito e ouvir o seu
coração bater, era acolhedor, reconfortante.
— Obrigado por tudo, Vincenzo — ela disse depois de um longo
silêncio em que apreciávamos apenas a nossa companhia.
Eu a encarei por alguns segundos e desenhei o seu rosto com o meu
dedo indicador, ela fechou os olhos e sorriu, as minhas mãos desceram,
explorando seu corpo maravilhoso. Minhas mãos acariciavam sua pele
macia, enquanto eu beijava seus lábios com paixão e desejo. Foi como se o
tempo tivesse parado e apenas nós dois existíssemos naquele mundo de
prazer e desejo.
De repente, ela segurou meu rosto em suas mãos, olhou
profundamente em meus olhos e disse: “Eu te amo, em mim bate um
coração que sempre te amou”. Foi como se todas as palavras do mundo não
fossem suficientes para descrever o que eu estava sentindo naquele
momento. Eu sabia que ela era a mulher da vida e que eu faria tudo por ela.
Nós nos entregamos ao prazer um do outro, estávamos em perfeita
sintonia, conectados em todos os sentidos possíveis. Eu não sou um homem
bom, mas eu sempre serei o melhor de mim para ela.

FIM.
Agradecimentos
Eu gostaria de expressar minha sincera gratidão a todos que
colaboraram, de forma direta e indireta, para tornar possível o lançamento
deste livro. Dedico uma menção especial à Letícia Ribas a minha
maravilhada beta e Joyce da assessoria Fênix, que cuidaram com esmero e
profissionalismo de cada etapa do lançamento deste livro. Por fim, quero
agradecer às minhas leitoras por terem embarcado comigo nesta história.
[1]
Bela menina.
[2]
Garotinha.
[3]
Acalme-se.
[4]
Fale depressa.
[5]
Meu amigo.
[6]
Filho da puta.
[7]
Irmão.
[8]
Senhor.
[9]
Garota.
[10]
Bom dia.
[11]
Oh, meu Deus!

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