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ISBN: 85-7430-096-9
CDD: 189.4
III M etafísica 5, 1010a 14. " X X I M cidade de D eus 29; PL 41, 800.
manece imóvel; e quando se transmuda a forma substancial, a Solução. - Os antigos filósofos ensinaram que a alma,
matéria permanece imóvel. Ora, os modos de ser das coisas mó pela sua essência, conhece os corpos. Pois, era ínsito em comum
veis são imóveis; assim, embora Sócrates nem sempre esteja sen às mentes de todos eles que o semelhante conhece pelo seme
tado, contudo é imovelmente verdade que, quando está sentado, lhante. Assim, pensavam que a forma do conhecido está no co-
permanece num lugar. Por isso, nada impede haver uma ciência nhecente do modo pelo qual está na coisa conhecida. Porém os
imóvel das coisas móveis. platônicos pensavam de modo contrário, pois Platão, conhecendo
que a alma intelectual é imaterial e conhece imaterialmente, ensi
ARTIGO II: Se a alma, pela sua essência, nou a subsistência imaterial das formas das coisas conhecidas, ao
intelige os seres corpóreos. passo que os primitivos filósofos naturais, considerando que as
coisas conhecidas são corpóreas e materiais, ensinavam ser neces
O segundo discute-se assim: Parece que a alma, pela sua sário que elas estejam materialmente na alma conhecente. E como
essência, intelige as coisas corpóreas. atribuíam à alma o conhecimento de tudo, diziam que a natureza
dela é comum com a de todos os seres. E ainda, como a natureza
dos principiados é constituída pelos princípios, atribuíram à alma
1. - Pois, diz Agostinho32, a alma “revolve as imagens dos
a natureza de princípio, de modo que, quem admitia o fogo como
corpos e as tira feitas em si mesma, de si mesma; porquanto dá,
princípio de tudo, admitia que a alma é de natureza ígnea; e, se
para a formação delas, algo de sua substância”. Ora, pelas seme
melhantemente, em relação ao ar e à água. Porém Empédocles,
lhanças dos corpos é que os intelige. Logo, pela sua essência, que
que admitia quatro elementos materiais e dois motores, ensinou
dá para a formação de tais semelhanças e da qual as forma, co
que também a alma é composta deles. Assim, pois, introduzindo
nhece os seres corpóreos.
as coisas na alma, materialmente, concluíram que todo conheci
2. Demais. - O Filósofo33 diz que “a alma, de certo modo,
mento da alma é material, sem discernirem entre o intelecto e o
é tudo”. Ora, como o semelhante se conhece pelo semelhante, re
sentido.
sulta que a alma, por si mesma, conhece os seres corpóreos.
Mas tal opinião não se sustenta provas. - Primeiro, porque
3. Demais. - A alma é superior às criaturas corpóreas.
no princípio material, do qual falavam, os principiados existem
Ora, as inferiores estão nas superiores de modo mais eminente
só em potência. Ora, nada é conhecido enquanto potencial, mas
que em si mesmas, como diz Dionísio34. Logo, todas as criaturas
enquanto atual, como se evidenciou36. Por onde, nem a potência
corpóreas existem de modo mais nobre na essência mesma da
mesma se conhece senão pelo ato. Portanto, não basta atribuir à
alma do que nelas próprias. Portanto, pela sua substância, a alma
alma a natureza dos princípios, para que ela conheça tudo, sem
pode conhecer as criaturas corpóreas.
existirem nela as naturezas e as formas dos efeitos singulares, por
Mas, em co n trá rio , diz Agostinho35: “a mente colige os
exemplo, do osso, da carne e coisas semelhantes, como argumenta
conhecimentos das coisas corpóreas pelos sentido do corpo”. Ora,
Aristóteles contra Empédocles37. - Segundo, porque se fosse ne
a alma mesma não é cognoscível pelos sentidos do corpo. Logo,
cessário que a coisa conhecida existisse materialmente no conhe
não conhece os seres corpóreos pela sua substância.
cente, nenhuma razão haveria de carecerem de conhecimento as
coisas que subsistem materialmente fora da alma. Por exemplo, se
32 X Sobre a Trindade 5; PL 42, 977.
11III Sobre a alm a 8, 431b 21.
14 A hierarqu ia celeste 12; PG 3, 239. VIII M etafísica 9, 1015a 29.
n IX Sobre a Trindade 3; PL 42, 963. ' I Sobre a alm a 5, 409b 23 - 410a 13.
a alma conhece o fogo pelo fogo, também este, que existe fora da sentido em que se diz que um corpo torna-se colorido por ser in
formado pela cor. E essa interpretação ressalta do que se segue no
alma, conheceria o fogo.
Conclui-se, portanto, pela necessidade de as coisas mate mesmo texto, pois, diz ele, que “conserva alguma coisa”, a saber,
riais conhecidas existirem no conhecente não de modo material, não formada com tal imagem, “pela qual julgará livremente da
mas imaterialmente. E a razão disto é que o ato do conhecimento espécie de tais imagens”. E a isso chama mente ou intelecto. Po
se estende a coisas existentes fora do conhecente. Ora, nós co rém à parte informada por tais imagens, a saber, a imaginativa, diz
ser “comum a nós e aos animais”.
nhecemos também aquilo que está fora de nós, e como pela maté
ria a forma de uma coisa é reduzida à unidade, fica manifesto que Resposta à segunda. - Aristóteles não ensinou, como os
a essência do conhecimento é oposta à da materialidade. E por antigos fisiólogos, que a alma é composta, atualmente, de todas as
isso, os seres que recebem as formas só materialmente, de ne coisas; mas disse que “a alma é de certo modo tudo”, enquanto
nhum modo são cognoscitivos, como as plantas, segundo diz está em potência em relação a tudo: pelo sentido, em relação aos
Aristóteles38. E quanto mais imaterialmente um ser tem em si a sensíveis; pelo intelecto, em relação aos inteligíveis.
forma da coisa conhecida, tanto mais perfeitamente conhece. Por Resposta à terceira. - Qualquer criatura tem o ser finito e
isso, o intelecto, que abstrai a espécie, não só da matéria, mas determinado. Por onde, a essência da criatura superior, embora te
também das condições materiais individuantes, conhece mais per nha alguma semelhança da inferior, enquanto tem de comum o
feitamente que o sentido, que recebe a forma da coisa conhecida mesmo gênero, não tem, contudo, semelhança completa com ela,
sem matéria, por certo, mas em condições materiais. E dentre os pois é determinada a uma certa espécie, fora da qual está a espécie
próprios sentidos, a vista é o mais cognoscitivo, por ser o menos da criatura inferior. Mas, a essência de Deus é a semelhança per
material, como antes se disse (q. 78, a 3). E, dentre os intelectos, o feita de tudo, quanto a tudo o que se encontra nas coisas, como o
princípio universal de todas elas.
mais perfeito é o mais imaterial.
Do sobredito resulta, pois, que, se há algum intelecto que,
pela sua essência, conheça todas as coisas, necessário é que a sua ARTIGO III: Se a alma intelige todas as coisas por meio de espé
essência contenha em si, imaterialmente, a todas elas; e é assim cies que lhe são naturalmente inatas.
que os antigos ensinavam que a essência da alma é atualmente
composta dos princípios de todos os seres materiais, para conhe O terceiro discute-se assim: Parece que a alma intelige to
cer todas as coisas. Ora, é próprio de Deus ter a essência imateri das as coisas p o r espécies que lhe são naturalmente ínsitas.
almente compreensiva de todas as coisas, enquanto que os efeitos
preexistem virtualmente na causa. Portanto, só Deus intelige, pela 1. - Pois, diz Gregorio 3<,que “o homem tem de comum
sua essência, todas as coisas; não a alma humana nem o anjo. m m o anjo o inteligir”. Ora, o anjo intelige tudo por formas que
Donde ci resposta à primeira objeção. - No passo aduzido llu· são naturalmente ínsitas; por onde, se diz no livro Das cau-
Agostinho fala da visão imaginária, que se faz por imagens corpó ví/.v7" que “toda inteligência está cheia de formas”. Logo, também
reas. Para a formação de tais imagens, a alma dá algo da sua i alma tem ínsitas em si as espécies das coisas naturais, pelas
substância, assim como o sujeito é dado para ser informado por >11111 is intelige as coisas corpóreas.
alguma forma. E assim faz, de si mesma, tais imagens; não que a
alma ou algo da alma se converta a ser tal ou tal imagem, mas no
Homilía 2 9 sobre o Evangelho; PL 76 P 1 4
prop. X.
18II Sobre a alm a 12; 424a 30.
2. Demais. - A alma intelectiva é mais nobre que a maté- por isso Platão ensinava que o intelecto do homem está natural
ria-prima corpórea. Ora, esta foi criada por Deus com formas, era mente cheio de todas as espécies inteligíveis, mas, pela união com
relação às quais está em potencia. Logo, com maior razão, a alma 0 corpo, é impedido de atualizar-se.
intelectiva foi criada por Deus com as espécies inteligíveis. E as Mas esta opinião não é conforme à verdade. - Primeiro,
sim, intelige as coisas corpóreas por espécies que lhe são natural porque, se a alma tem ciência natural de todas as coisas, não é
mente ínsitas. possível que se esqueça de tal modo dela que não tenha consciên
3. Demais. - Ninguém pode responder a verdade senão do cia de a possuir. Pois, ninguém esquece o que naturalmente co
que sabe. Mas, qualquer pessoa, sem ciência adquirida, pode res nhece, por exemplo, que qualquer todo é maior que a sua parte e
ponder à verdade atinente a cada assunto singular, contanto que coisas semelhantes. E, sobretudo, vê-se a incongruência de tal
seja habilmente interrogada, como narra Platão 41de um certo in opinião, se se admite como natural à alma estar unida ao corpo,
divíduo. Logo, antes de alguém adquirir a ciência, já tem conhe como antes ficou estabelecido (q. 76, a. 1), pois, é incongruente
cimento das coisas, o que não se daria, se a alma não tivesse espé que a operação natural a qualquer ser seja totalmente impedida
cies que lhe são naturalmente ínsitas. Logo, por tais espécies é |ior aquilo que é natural a ele. - Em segundo lugar, aparecerá ma
que a alma intelige as coisas corpóreas. nifesta a falsidade de tal opinião no fato de, faltando algum senti
Mas, em contrário, diz o Filósofo42, falando do intelecto, do, faltar a ciência daquilo que por esse sentido é apreendido; as
que este “é como uma tábua na qual nada está escrito”. sim, o cego de nascença não pode ter nenhum conhecimento das
Solução. - Como a forma é o princípio da ação, necessário cores. Isso não se daria se ao intelecto da alma fossem natural
é que uma coisa esteja para a forma, seu princípio de ação, como mente ínsitas as noções de todos os inteligíveis. - E, portanto,
está para a ação. Assim, se o ser movido para o alto provém da le- ileve-se concluir que a alma não conhece as coisas corpóreas por
vidade, aquilo que só potencialmente é levado para cima é leve só espécies que lhe sejam naturalmente ínsitas.
em potência; o que, porém, é levado em ato é leve em ato. Ora, Donde resposta à primeira objeção. - O homem tem de
vemos que o homem conhece, às vezes, só em potência, tanto comum com os anjos o inteligir, mas não tem a eminência do in-
quanto ao sentido como quanto ao intelecto. E de tal potência é iflecto deles. Do mesmo modo os corpos inferiores, que apenas
reduzido ao ato: para sentir, pelas ações dos sensíveis no sentido; existem, segundo Gregorio (loe. cit.), são deficientes em relação a
para inteligir, pelo estudo ou pela invenção. Por onde, deve-se di existência dos corpos superiores. Pois, a matéria dos corpos infe-
zer que a alma cognoscitiva está em potência tanto para as seme líores não é totalmente completa pela forma, mas é potencial em
lhanças, que são os princípios do sentir, como para as semelhan leluçáo às formas que não tem, ao passo que a matéria dos corpos
ças, que são os princípios do inteligir. E por isto Aristóteles (ibid.) i elestes é totalmente completa pela forma, de modo que não é
ensinou que o intelecto, pelo qual a alma intelige, não tem ne I" iloitcial em relação a outra forma, como já se demonstrou (q. 66,
nhumas espécies que lhe sejam naturalmente ínsitas, mas está, no 1 '). li, semelhantemente, o intelecto do anjo é perfeito, na sua
princípio, em potência em relação a todas essas espécies. iiulureza, pelas espécies inteligíveis; ao passo que o intelecto hu-
Mas, o que tem forma em ato não pode às vezes agir se iiHiiH) está em potência, em relação a tais espécies.
gundo essa forma, por causa de algum impedimento; assim se dá Resposta à segunda. - A matéria-prima tem o ser substan-
com um corpo leve, se ficar impedido de ser levado para cima. E ■ ml pela forma; por onde, era necessário que fosse criada sob al-
(Miina Ibrma, pois, do contrário, não existiria em ato. Porém, exis
41 M enon 4. tindo sob uma forma, é potencial em relação às outras. Ao passo
12III S obre a alm a 4, 430a 1.
que o intelecto não tem o ser substancial pela espécie inteligível. sobre a qual o corpo opera; pois, de qualquer modo, o ser que
Por isso não cabe a comparação. opera é mais prestante que o ser do qual faz alguma coisa”. Donde
Resposta à terceira. - A interrogação ordenada procede de conclui que “não é o corpo que opera no espírito a sua própria
princípios comuns, conhecidos por si mesmos, para as noções imagem, mas o espírito que a causa em si mesmo”. Logo, o co
próprias. E por tal processo é causada a ciência na alma do dis nhecimento intelectual não é derivado dos sentidos.
cente. Por onde, quando este responde à verdade a respeito da 3. Demais. - O efeito não se estende para além da virtude
quilo sobre o que é pela segunda vez interrogado, não é porque já da sua causa. Ora, o conhecimento intelectual, inteligindo o que o
a conhecesse de antemão, mas porque a apreende então pela pri sentido não pode perceber, vai além dos sensíveis. Logo, o conhe
meira vez. E nada importa se quem ensina, propondo ou interro cimento intelectual não é derivado das coisas sensíveis.
gando, procede de princípios comuns, para a conclusão, pois de Mas, em contrário, como o prova o Filósofo45, o princípio
qualquer modo o espírito do ouvinte se certifica do que é posterior do nosso conhecimento provém do sentido.
pelo que é anterior. Solução. - Os filósofos se repartiram em três opiniões, no
tocante a este assunto. - Assim, Demócrito dizia, que “toda causa
ARTIGO VI: Se o conhecimento intelectivo dc qualquer conhecimento nosso está somente em que, dos corpos
é derivado das coisas sensíveis. em que pensamos, provêm imagens que entram em as nossas al
mas”, segundo refere Agostinho46. E, como Aristóteles também
O sexto discute-se assim: Parece que o conhecimento in tvfere47, Demócrito ensinava que o conhecimento se opera por in-
telectivo não é derivado das coisas sensíveis. fluições das imagens. E a razão desta opinião é que tanto Demó-
ciito, como os outros antigos filósofos da natureza, não diferenci
1. - Pois, diz Agostinho43, que “não se deve derivar a ple avam o intelecto do sentido, segundo Aristóteles48. E portanto,
nitude da verdade, dos sentidos do corpo”. O que prova de duplo c o m o o sentido é imutado pelo sensível, pensavam que todo o
modo. Primeiro, porque, “tudo o que o sentido corpóreo atinge, n o sso conhecimento se faz só pela imutação causada pelos sensí
sofre comutação, sem nenhuma intermissão do tempo; ora, o que veis. E essa imutação Demócrito a explicava pelas influições das
não permanece não pode ser percebido” . De outro modo, porque Imagens.
“de todas as coisas que sentimos pelo corpo, conservamos as Platão porém, contrariamente, ensinava que o intelecto di-
imagens, mesmo quando já não estejam presentes aos sentidos; lere do sentido e é uma virtude imaterial, que não se serve, para o
como se dá no sono ou na loucura. Ora, pelos sentidos, não po '.rii ato, de órgão corpóreo. E como o incorpóreo não pode ser
demos discernir se sentimos os próprios sensíveis ou se as falsas imutado pelo corpóreo, concluía que o conhecimento intelectual
imagens deles. Mas, “nada pode ser percebido se não for discerni uno se faz pela imutação do intelecto, causada pelos sensíveis,
do do que é falso”. Donde conclui que dos sentidos não deve de ui.is sim pela participação das formas inteligíveis separadas, como
rivar a verdade. Porém, como o conhecimento intelectual é apre |n n o disse (a 4, 5). E também dizia ser o sentido uma virtude que
ensivo da verdade, não se pode derivá-lo dos sentidos. opera por si mesma. Por isso, segundo ele, o próprio sentido, por
2. Demais. - Agostinho diz44: “Não é admissível que o
corpo opere alguma coisa no espírito, como se este fosse a matéria 1 I Mt‘tt{f!sica 1, 981a 2; II A nalíticos P osteriores 15, 100a 3.
t 1'1 stola a D ióscoro 4; PL 33, 446.
41 Oitenta e três questões 9; PL 40, 13. Soh ir o sono e a vigília 464a 2.
44 XII Sobre o G ênesis a d litteram 16; PL 34, 467. "III Sobre a alm a 3 , 4 2 7 a 17-29.
ser uma virtude espiritual, não é imutado pelos sensíveis, mas os das outras coisas superiores, como queria Platão; mas, aquele
órgãos dos sentidos é que são imutados pelos sensíveis. E por esta agente mais nobre e superior, a que chamou intelecto agente, e de
imutação, a alma é, de certo modo, excitada de maneira a formar que já tratamos (q. 79. a. 3, 4), por meio de uma certa abstração
em si as espécies dos sensíveis. E parece que Agostinho49 alude a transforma os fantasmas, recebidos dos sentidos, em inteligíveis
esta opinião quando diz que “o corpo não sente; mas a alma sente em ato.
através do corpo, do qual usa, como de núncio, para formar em si Ora, segundo essa doutrina, a operação intelectual, quanto
mesma o que é anunciado de fora”. Assim, pois, segundo a opini aos fantasmas, é causada pelo sentido. Como, porém, os fantas
ão de Platão, nem o conhecimento intelectual procede do sensível, mas não bastam para imutar o intelecto possível, mas é preciso
nem o conhecimento sensível procede totalmente das coisas sen que se tornem em inteligíveis em ato, por meio do intelecto agen
síveis; mas, os sensíveis excitam a alma sensível para que sinta; e, te, não se pode dizer que o conhecimento sensível seja a causa
semelhantemente, os sentidos excitam a alma intelectiva para que perfeita e total do conhecimento intelectual, mas, antes e de certo
intelija. modo, é a matéria da causa.
Aristóteles, por fim, seguiu a via média. De um lado50, Donde a resposta à primeira objeção. - Pelas palavras
admite com Platão que o intelecto difere do sentido; mas, de ou citadas, Agostinho quer dizer que a verdade não deve ser buscada
tro, ensina que o sentido não tem operação própria, sem comuni lotalmente nos sentidos. Pois, é necessário o lume do intelecto
cação do corpo, de modo que sentir não é ato só da alma, mas do agente para que conheçamos imutavelmente a verdade nas coisas
conjunto. E o mesmo doutrina em relação a todas as operações da mutáveis, e discernamos as coisas mesmas, das suas semelhanças.
parte sensitiva. Como, pois, não há inconveniência em que os sen Resposta ci segunda. - Agostinho não se refere ao conhe
síveis, exteriores à alma, causem alguma coisa no conjunto, Aris ci mento intelectual, mas ao imaginário. E como, segundo a opini-
tóteles concorda com Demócrito em que as operações da parte iU) de Platão, a virtude imaginária tem operação pertencente só à
sensitiva são causadas pela impressão dos sensíveis no sentido; .ilma, Agostinho, para mostrar que os corpos não imprimem as
não, porém, por influição, como Demócrito ensinara, mas por suas semelhanças na virtude imaginária, o que é feito pela própria
certa operação. Pois Demócrito ensinava que toda ação se dá por alma, usou da mesma razão de que usa Aristóteles para provai- que
influição dos átomos, como se vê em Aristóteles I51. Porém, o intelecto agente é algo de separado, a saber, que “o agente é
quanto ao intelecto, Aristóteles ensina52 que opera sem comunica mais nobre que o paciente”. E, segundo esta opinião, sem dúvida,
ção do corpo, pois nada do que é corpóreo pode imprimir-se num 0 forçoso admitir, na virtude imaginativa, não só uma potência
ser incorpóreo. Por onde, para causar a operação intelectual, se passiva, mas também uma ativa. Porém, se admitimos, conforme
gundo Aristóteles, não basta só a impressão dos corpos sensíveis, ii op inião de Aristóteles54, que a operação da virtude imaginativa
mas se requer algo de mais nobre, porque “o agente é mais nobre |HTlerçce ao conjunto, desaparece toda dificuldade; pois o corpo
que o paciente”, como ele mesmo o diz53. Não, porém, a ponto tal sensível é mais nobre que o órgão do animal, enquanto é compa
que a operação intelectual seja causada em nós só pela impressão rado com este órgão como o ser em ato com o ser em potência, ao
m esm o modo por que o colorido em ato se compara com a pupila,
49 XII Sobre o G ênesis a d litteram 24; PL 34, 475.
t|iir é colorida em potência. - Mas também se ¡ ode dizer que, em-
511III Sobre a alm a 3, 427 b 6-14. 1ii ii a a primeira imutação da virtude imaginária se realize pelo
51 Sobre a geraçã o e a corru pção 8, 324b 25. movimento dos sensíveis, “por ser a fantasia um movimento sen-
52III S obre a alm a 4, 42 9 a 18-27.
" III Sobre a alm a 3, 430a 18. 11 I Sobre a alm a 1, 403a 5.
sfvel”, contudo, há no homem uma certa operação da alma que, Solução. - É cognoscível o que está em ato e não o que
dividindo e compondo, forma as diversas imagens das coisas, está em potência, como diz Aristóteles58; assim, um ser conhecido
mesmo as que não são recebidas dos sentidos. E nesta acepção é ente e verdadeiro, enquanto atual. O que manifestamente se vê
podem-se admitir as palavras de Agostinho. nas coisas sensíveis, pois a vista não percebe o colorido potencial,
Resposta à terceira. - O conhecimento sensitivo não é a mas só o atual. E, semelhantemente, é manifesto que o intelecto,
causa total do conhecimento intelectual. Por onde, não é de admi como cognoscitivo das coisas materiais, só conhece o que é atual;
rar se o conhecimento intelectual se estende para além daquele. donde vem que não conhece a matéria-prima, senão enquanto esta
lem proporção com a forma, como diz Aristóteles59. Por onde, as
Questão LXXXVII substâncias imateriais, na medida em que são atualizadas pela
própria essência, nessa mesma medida são inteligíveis por sua es
ARTIGO I: Se a alma intelectiva se conhece a si mesma sência.
pela sua essência. Ora, a essência de Deus, que é ato puro e perfeito, é, em si
e perfeitamente, por si mesma inteligível. Por onde, Deus, pela
O prim eiro discute-se assim: Parece que a alma intelectiva sua essência, intelige, não só a si mesmo, como a todas as coisas.
se conhece a si mesma, pela sua essência. A essência do anjo, porém, pertence ao gênero dos inteligíveis,
como ato que é, mas não como ato puro e completo. Por onde, o
mleligir angélico não é completo pela essência do anjo, pois em
1.- Pois, diz Agostinho33, que “a mente incorpórea co bora este se intelija a si mesmo pela sua essência, contudo não
nhece a si mesma por si mesma”. pode conhecer tudo por essa mesma essência, mas conhece as coi-
2. Demais. - O anjo e a alma humana convêm no gênero
.IX diferentes de si pelas semelhanças delas. - Ao passo que o in
da substância intelectual comum. Ora, o anjo se intelige a si mes
telecto humano se comporta, no gênero das coisas inteligíveis,
mo pela sua essência. Logo, também a alma humana. .miiente como ser potencial, assim como a matéria-prima se com
3. Demais. - “Naquele em que não há matéria, o intelecto
poria no gênero das coisas sensíveis; e, por isso, ele se chama
se identifica com o que é inteligido”, como diz Aristóteles56. Ora,
possível. Assim, pois, considerado na sua essência, comporta-se
a alma humana não tem matéria, não sendo ato de nenhum corpo,
ruino potência inteligente. Por onde, tem de si mesmo virtude
como foi dito (q. 76, a. 1). Logo, nessa alma o intelecto se identi pina inteligir, não, porém, para ser inteligido, senão quando se
fica com o que é inteligido; e, portanto, ela se intelige pela sua es nliiiiliza. E assim, até os próprios platônicos admitiam a ordem
sência. il" entes inteligíveis como superior à dos intelectos, porque o in-
Mas, em contrário, como diz Aristóteles57, “o intelecto se
iHeclo não intelige senão pela participação do inteligível; ora, na
intelige tanto a si mesmo como as outras coisas” . Ora, estas ele as
i 'iimiao deles, o que participa é inferior ao que é participado.
intelige, não pela essência, mas pelas semelhanças delas. Logo,
Se, pois, o intelecto humano se atualizasse por participa-
também não se intelige a si, pela sua essência. i .ui ilas formas inteligíveis separadas, como ensinavam os platô-
nli o·,, por uma tal participação das coisas incorpóreas o intelecto
liiniiiino se inteligiria a si mesmo. Ora, como é conatural ao nosso
55IX Sobre a T rindade 3; PL 42, 963.
56 III Sobre a alm a 4, 430a 3. III M etafisica 9, 1 0 5 la 29.
57III Sobre a alma, loc. cit.. w l h \ i < n 7 , 191a 8.
intelecto, no estado da vida presente, referir-se às coisas materiais tado se acrescenta. De dois modos, porém, uma coisa pode ser
e sensíveis, como se disse antes (q. 84, a. 7), é conseqüente que considerada como conhecida por si mesma: porque lhe adquiri
ele se intelija a si mesmo, na medida em que é atualizado pelas mos o conhecimento sem ser pelo intermédio de nenhuma outra e,
espécies abstraídas das coisas sensíveis, pela luz do intelecto assim, é que se consideram os primeiros princípios conhecidos
agente, que é o ato dos próprios inteligíveis e, mediante estes, ato por si mesmos; ou porque não é cognoscível por acidente, como a
do intelecto possível. Logo, não é pela sua essência, mas pelo seu cor é visível por si e a substância, por acidente.
ato, que o nosso intelecto se conhece a si mesmo. E isto, de dois Resposta à segunda. - A essência do anjo está, como ato,
modos. - Particularmente, enquanto Sócrates ou Platão percebe a no gênero dos inteligíveis e, portanto, se comporta como intelecto
si mesmo como tendo urna alma intelectiva, porque percebe que r coino coisa inteligida. Por onde, o anjo apreende a sua essência
intelige. - De outro modo, universalmente, enquanto considera por si mesmo. Não porém o intelecto humano que, ou é absoluta
mos a natureza da mente humana pelo ato do intelecto. mente potencial, em relação aos inteligíveis, como intelecto pos
É verdade, porém, que o juízo e a eficácia deste conheci sível; ou é o ato dos inteligíveis abstraídos dos fantasmas, como
mento, pelo qual conhecemos a natureza da alma, compete-nos iiilelecto agente.
pela derivação da luz do nosso intelecto, da verdade divina, na Resposta à terceira. - O passo citado do Filósofo é uni
qual se contêm as razões de todas as coisas, como antes se disse versalmente verdadeiro de todo intelecto. Pois, assim como o
(q. 84, a. 5). Por onde, Agostinho diz60: “Contemplamos a verdade sentido em ato é o sensível em ato, por causa da semelhança do
inviolável, pela qual, tão perfeitamente quanto podemos, defini sensível, que é a forma do sentido em ato; assim o intelecto em
mos, não qual seja a mente de cada homem, mas qual deva ser iilo e a coisa inteligida em ato, por causa da semelhança da coisa
pelas razões sempiternas”. iiileligida que é a forma do intelecto em ato. Por onde, o intelecto
Ora, há diferença entre estes dois conhecimentos. - Pois, Immano, que se torna em ato pela espécie da coisa inteligida, é
para se ter o primeiro conhecimento da alma, basta a presença inleligido pela mesma espécie, como pela sua forma. Pois, dizer
mesma desta, que é o princípio do ato, pelo qual a alma se perce 11'ie, nos seres que não têm matéria, o intelecto é idêntico ao inte-
be a si mesma. - Mas, para ter da alma o segundo conhecimento, lipulo, é o mesmo que dizer que, nas coisas inteligidas em ato, o
não basta a presença da mesma, mas requer-se diligente e sutil in luí electo é idêntico ao que é inteligido. Porquanto, o que é inteli-
quisição. Donde vem que muitos ignoram a natureza da alma, e !'iiln cm ato o é porque não tem matéria. Mas a diferença está em
muitos erraram também sobre a natureza dela. Pelo que Agostinho que as essências de certos seres não têm matéria; assim, as subs-
diz61, falando de tal inquisição da alma: “Que a alma não procure lilueias separadas, a que chamamos anjos, das quais cada uma
considerar-se como ausente, mas cure de se discernir como pre imito é inteligida como inteligente. Há porém certas coisas das
sente”, isto é, conhecer a sua diferença das outras coisas, o que é ' I"1"·' as essências não existem sem matéria, mas só as semelhan-
conhecer a sua qüididade e natureza. Mi . abstraídas delas existem sem matéria. Por onde, diz o Co-
Donde a resposta à primeira objeção. - A alma se conhe 1,11 nliulor6“, que a proposição induzida só é verdadeira das subs-
ce a si mesma por si mesma, porque, afinal, chega ao conheci ....... separadas: nelas verifica-se, de certo modo, o que não se
mento de si mesma, embora por ato seu. Pois, é ela mesma que é 1i li tea em outros seres, como já se disse.
conhecida, porque se ama a si mesma, como no mesmo passo ci
não seria o natural, que é o de que agora se trata, mas o da graça. i .i,i unida ao corpo, à alma é próprio o modo de inteligir que con-
Logo, a alma separada do corpo nada intelige. ■.1'ilit cm voltar-se para os fantasmas dos corpos, que estão nos ór-
Mas, em contrário, diz o Filósofo6 , que “se a alma não fiios corpóreos. Quando, porém, estiver separada do corpo, ser-
tem nenhuma operação própria, não pode existir separada” . Ora, liic ii próprio o modo de inteligir consistente em voltar-se para o
ela pode existir separada. Logo, tem operação que lhe é própria e, • | i m · é absolutamente inteligível, como sucede com as demais
sobretudo, a de inteligir. Logo, intelige quando separada do corpo. ui« ¡tancias separadas do corpo. E, portanto, o modo de inteligir,
Solução. - Esta questão encerra dificuldade porque a *|io■ consiste em voltar-se para os fantasmas, é natural à alma,
alma, enquanto está unida ao corpo, não pode inteligir nada sem i nino natural lhe é o estar unida ao corpo; mas, como está fora da
rv.iMicia da sua natureza o existir separada do corpo, semelhante-
63 I Sobre a alm a 4, 408b 24. Miriiiti, e-lhe contra a natureza inteligir sem se voltar para os fan-
64 I Sobre a alm a 1, 403a 11.
tasmas. E é para operar conforme a sua natureza que está unida ao pois a perfeição do universo exigia que houvesse diversos graus
corpo. nas coisas. Por onde, se as almas humanas fossem instituídas por
Mas aqui surge ainda uma dúvida. Pois, como as coisas Deus de maneira que inteligissem pelo modo próprio às substân
sempre se ordenam para o que lhes é melhor, e como é melhor cias separadas, elas não teriam um conhecimento perfeito, mas
modo de inteligir o que consiste em voltar-se para os puramente confuso e em comum. E portanto, para que pudessem ter das coi
inteligíveis, do que o consistente em voltar-se para os fantasmas, sas um conhecimento perfeito e próprio, foram naturalmente ins
Deus devia ter instituído a natureza da alma tal que lhe fosse natu tituídas de maneira a estarem unidas aos corpos, de modo que ti
ral o modo de inteligir mais nobre, sem que ela precisasse, para rem dos seres sensíveis um conhecimento próprio deles, assim
isto, de estar unida ao corpo. como aos homens rudes não pode ser comunicada a ciência senão
Deve-se, pois, considerar que, embora inteligir, voltando- por meio de exemplos sensíveis. Por onde é claro que é para a sua
se para o que é superior, seja absolutamente mais nobre do que in perfeição que a alma se acha unida ao corpo e intelige voltando-se
teligir voltando-se para os fantasmas, contudo, aquele modo de in para os fantasmas, e contudo, pode existir separada e ter outro
teligir, conquanto possível à alma, seria mais imperfeito. O que as modo de inteligir.
sim se evidencia. Em todas as substancias intelectuais a virtude Donde a resposta à primeira objeção. - Discutidas dili
intelectiva existe por influência do lume divino. Ora, este, no pri gentemente as palavras do Filósofo, ver-se-á que ele diz tal em
meiro princípio, é um e simples, e quanto mais as criaturas inte virtude de uma suposição anteriormente feita, a saber, que inteli-
lectuais distam do primeiro princípio, tanto mais se divide e diver jlir, assim como sentir, é um certo movimento do composto. Pois,
sifica esse lume, como se dá com as linhas que partem do centro. E .linda não mostrara a diferença entre o intelecto e o sentido. - Ou
daí vem que Deus, pela sua essência una, intelige todas as coisas. no pode dizer que fala do modo de inteligir que consiste em vol-
Porém as substancias intelectuais superiores, embora intelijam por i.ii se para os fantasmas.
meio de várias formas, contudo estas são em menor número, mais Donde também se origina a segunda objeção.
universais e mais aptas para a compreensão das coisas, por causa Resposta à terceira objeção. - A alma separada não inte-
da eficácia da virtude intelectiva dessas substâncias. Ao passo que, ll|'c por espécies inatas, nem por espécies que abstrai na ocasião,
nas substâncias inferiores, as formas são em maior número, menos ncin só por espécies conservadas, como afirma a objeção; mas por
universais e menos eficazes para a compreensão das coisas, porque i \|mvícs participadas pela influência do divino lume, das quais a
elas são deficientes em relação à virtude intelectiva das superiores. ui ma sc torna participante do mesmo modo que as outras substân-
Se, portanto, as substâncias inferiores tivessem formas da mesma ' 11r. separadas, embora em grau inferior. Donde, logo que ela ces-
universalidade que as das superiores, como tais substâncias não Ntt do sc voltar para o corpo, volta-se para o que é superior. Mas
têm a mesma eficácia no inteligir, não obteriam por meio dessas tu in por isso o seu conhecimento deixa de ser natural, porque
formas um conhecimento perfeito das coisas, mas um conheci I Viis e o autor não só da influência do lume gratuito, mas também
mento comum e confuso. O que, de certo modo, se manifesta nos il'i iinliira!.
homens. Assim, os de intelecto mais fraco não obtêm, pelas con
cepções universais dos mais inteligentes, um conhecimento per
feito, se não lhes explicarem cada questão em especial.
Ora, é manifesto que, entre as substâncias intelectuais,
conforme a ordem da natureza, as ínfimas são as almas humanas,