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A Presença da Virgem Maria

na Vida e na Reforma de
Santa Teresa de Jesus
21 mayo 2023
María del Pilar

INTRODUÇÃO

Estas páginas sobre «A presença da Virgem Maria na vida e na Reforma de


Santa Teresa de Jesus» procuram discernir a presença de Maria ao longo
da vida de Teresa, especialmente nos momentos de escuridão e quando
caiu em si e cumpriu, com toda a fidelidade, a missão que lhe fora confiada.

Na vida e escritos de Santa Teresa descobre-se um coração agradecido à


Virgem, que foi fiel ao compromisso de zelar por ela que, no momento
doloroso da perda da própria mãe, lhe pedira que fosse Ela a sua Mãe.
Teresa, que era agradecida por natureza, quis corresponder, entregando a
própria vida ao serviço daquela que a fizera voltar, com a sua intercessão
de Mãe, à intimidade com Deus.

Os escritos de Teresa são um reflexo de como ela veio a assimilar o espírito


mariano do Carmelo, que transmitiu aos outros, especialmente aos seus
filhos e filhas espirituais. Um marianismo enriquecido pela sua própria
experiência espiritual, que a fez aprofundar ainda mais a espiritualidade
carmelita. As diferentes partes deste estudo tentam refletir isso mesmo.

Maria não é somente Mãe, é também a Senhora e Rainha do Carmelo: tudo


o que nele há, pertence a Maria. Aqueles que têm o dom de ser chamados
ao Carmelo, estão conscientes disso. Teresa sabe, não apenas pela
tradição, mas também pelo próprio Senhor, que servir a Ordem é servir
Maria. Ela, além de ser Mãe, Rainha e Padroeira que protege os seus filhos,
é também a Irmã mais velha. Cada uma destas dimensões foi vivida com
intensidade por Teresa de Jesus e disso são testemunho todos os seus
escritos.

Peço a Deus e à Virgem que o bem que para mim resultou o facto de
realizar este estudo, o conceda também a quem o leia: sobretudo que cada
leitor vá descobrindo que por esta via lhe cresce o amor à Virgem Maria,
que segue o caminho por onde o Espírito Santo conduziu a Santa Madre e
que mais não é do que viver em profundidade a mariologia tradicional do
Carmelo, que se vai enriquecendo em cada pessoa que vive profundamente
o amor que Cristo teve à sua Mãe.

I. A VIRGEM MARIA E SANTA TERESA DE JESUS

Teresa de Jesus não escreveu nenhum tratado sobre a Virgem Maria, nem
tentou dar ensinamentos sistemáticos sobre piedade mariana mas nem por
isso deixou de nos mostrar a Virgem nas suas obras: refere-se-lhe cento e
cinquenta vezes de maneira expressa e muitas outras vezes de forma
implícita. Da abundância do seu coração falaram os lábios e sobretudo a
vida, que se poderia definir como um serviço a Nossa Senhora, como se
regozijava de a chamar.

Teresa escreve a partir da sua experiência de uma «devoção singela, da


religiosidade popular do século XVI que cresceu até à compreensão mais
profunda do mistério de Maria, como Mãe de Deus e colaboradora eficiente
e sofredora com Jesus para a salvação dos homens; como Rainha assunta
aos Céus e como Mãe espiritual dos redimidos«[1].

Os seus escritos são expressão fiel do seu íntimo e forte amor para com a
sua Mãe e Padroeira. Tal como ela a amou, assim quis que a amassem os
seus filhos e filhas espirituais e fez quanto pode pela honra e serviço da
Ordem de Maria, na qual o Senhor lhe pedira que fundasse o Mosteiro de
São José, berço da nova reforma, e à qual consagrou o resto da vida. Era o
seu jeito específico de dar glória a Deus e de servir a Igreja.

1.1. DEVOÇÃO MARIANA NO SÉCULO XVI

1.

Para compreender melhor a devoção da Santa à Virgem Maria, importa


investigar como esta era vivida no seu tempo, que nela influiu através da
religiosidade popular, da catequese paroquial, dos sermões e das leituras,
das festas marianas e do conhecimento teológico da Virgem…

No século em que viveu a Santa houve um fortalecimento da piedade


mariana. O culto litúrgico estava já organizado, o ofício dedicado à Virgem
constava nos breviários e era rezado semanalmente, pelo menos no
Carmelo: «As confrarias, com caráter religioso e de beneficência social, têm
um desenvolvimento surpreendente e eficaz; e, tal como a Liturgia das
Horas de Nossa Senhora, também se difunde a recitação das Ave Marias
[Angelus], preces, a prática dos escravos de Maria e edificam-se ermidas e
santuários que tornam a Virgem presente em todo o lado… Neste século, o
número de invocações marianas ultrapassa as 700 e as imagens
inventariadas são nada menos que 853 e todas recebiam especial culto
naqueles anos«[2].

Foi um século de esplendor mariano: a festa da Anunciação – no dia 25 de


março – era de rigoroso preceito na Igreja. O mistério da Encarnação era
lembrado diariamente às freguesias com os três toques do sino, que
convidavam a rezar as Ave Marias, ao nascer do sol, ao meio dia e ao pôr-
do-sol.

É um tempo em que prevalece um grande entusiasmo pela verdade da


Imaculada Conceição: os melhores teólogos dedicam-lhe os seus trabalhos;
os centros de estudos de maior prestígio defendem-na com generosidade e
valentia; as polémicas que surgiam eram vividas com entusiasmo, tanto
pelos governantes como pela gente simples.

A heresia protestante, ainda que tivesse feito estragos, foi também


motivação para que o estudo e aprofundamento da mariologia e a defesa do
amor à Virgem ganhasse mais vitalidade. Este conhecimento e devoção a
Maria foi levado para as novas terras descobertas na América. Sabe-se que
os próprios irmãos de Santa Teresa levaram consigo de Espanha a imagem
da Imaculada.
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Teresa e todo o povo fiel acolheram e viveram uma rica influência mariana
animada pelos próprios Papas, como São Pio V. Para tal contribuíram os
estudiosos desse século, com o aprofundamento em mariologia, que deu
consistência e fortaleza à piedade mariana.

Todas estas circunstâncias envolveram, influíram e educaram a Santa no


seu amor e devoção à Virgem Maria.

1. 2. INFÂNCIA DE TERESA E SUA DEVOÇÃO À VIRGEM MARIA

Teresa de Ahumada aprendeu com os pais a fé e com ela a oração e a


devoção à Virgem Maria. Deus quis que Teresa, desde a mais tenra
infância, pelas mãos da própria mãe, D. Beatriz, participasse do grande
amor existente no seio da Santíssima Trindade para com a Cheia de Graça,
como ela mesma confessa no primeiro capítulo de Vida: «…com o
cuidado de minha mãe em fazer-nos rezar e sermos devotos de Nossa
Senhora e de alguns Santos; aos seis ou sete anos de idade, creio
eu, começou a encorajar-me» (Vida 1, 1). «Procurava a solidão
para rezar as minhas devoções, que eram bastantes, sobretudo o terço.
A minha mãe era muito devota dele e, assim, obrigava-nos a sê-lo
também» (V 1, 6).

O cuidado da mãe de Teresa em fazê-la devota da Virgem, assim como aos


irmãos, foi penetrando profundamente na sua alma, através das orações.
Teresa foi adquirindo uma consciência cada vez mais profunda de ser filha
de Maria. O gesto de se prostrar aos pés da imagem, quando sua mãe
morreu, mostra até que ponto se tinha aprofundado nela o amor à
Virgem: «Lembro-me de que tinha quase doze anos quando a minha mãe
morreu. Ao aperceber-me do que tinha perdido, fui muito aflita junto de uma
imagem de Nossa Senhora e, banhada em lágrimas, supliquei-lhe que fosse
ela a minha mãe. Foi uma prece feita com simplicidade, mas parece-me que
me ajudou, pois tenho consciência de que encontrei esta Virgem soberana
logo que me encomendei a Ela; enfim, cativou-me para Si« (V 1, 7).

Diante da dor da perda da mãe, consciente e livremente deu vida ao


testamento de Jesus na Cruz: «Mulher, eis o teu filho!» – «Filho, eis a tua
mãe!» (Jo 19,26-27). Desde então a Mãe de Jesus cuidou dos irmãos que
Ele lhe confiara e, claro, cuidou de Teresa, que se acolheu ao seu regaço.

1. 3. ADOLESCÊNCIA- ANOS DE DISCERNIMENTO VOCACIONAL

Teresa perdeu a mãe num tempo muito delicado da adolescência, em que


mais se precisa dos conselhos duma mãe para orientar retamente a própria
vida. Foi na adolescência que, como ela diz: «Comecei a usar enfeites e a
querer agradar parecendo bem. (…) Agora reconheço que, na idade em que
hão de começar a criar virtudes, é perigoso tratar com pessoas que
desconhecem a vaidade do mundo, porque nos arrastam
primeiro para ele» (V 2, 2).

«Por vezes espanta-me o dano que causa uma má companhia! Se não


o tivesse experimentado, não o acreditaria; E o maior mal é causado
sobretudo no tempo da juventude» (V 2, 4).
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A Virgem Maria velava por ela, como afirma o Concílio: «Cuida, com amor
materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham
ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada.» (LG 62).

Na idade de 16 anos, o seu pai, contra a própria vontade, meteu-a no


mosteiro de monjas agostinhas de Nossa Senhora da Graça: «Nessa altura,
apesar de me sentir distantíssima de ser freira, alegrava-me por ver Irmãs
muito boas naquela casa; eram de grande honestidade, devoção e recato.
(…) A minha alma voltou novamente a acostumar-se ao bem da minha
infância. Nessa altura vi como é grande a graça que Deus faz quando nos
junta aos bons» (V 2, 8).
«Depois de ano e meio nesse mosteiro, sentia-me muito melhor.
Comecei a rezar muitas orações vocais e a pedir a todas que rezassem a
Deus, para que me desse o estado em que O haveria de servir» (V 3, 2).

A presença materna de Maria fez-se sentir devido ao testemunho e à boa


companhia dessas monjas, especialmente daquela que mais diretamente a
apoiava: «Parece que o Senhor quis começar a iluminar-me por meio dela»
(V 2, 10). Os conselhos do seu tio, Pedro Cepeda, proporcionaram-lhe a
leitura de bons livros e, com a oração, foi voltando a si:

«Foram poucos os dias que lá passei [na casa de seu tio Pedro de Cepeda].
(…) e com a força que as palavras de Deus deixavam no meu coração,
tanto as que lia como as que ouvia, fui entendendo a verdade de quando
criança: o nada de tudo, a vaidade do mundo. (…) E, apesar de a minha
vontade ainda não estar totalmente voltada para ser religiosa, vi que era o
estado melhor e mais seguro. Deste modo, e pouco a pouco, determinei-me
a fazer o esforço de o seguir.» (V 3, 5).

Já tinha pensado que não queria realizar a sua vocação religiosa no


mosteiro de Nossa Senhora da Graça: «No fim deste tempo que ali passei,
já estava mais afeiçoada a ser religiosa. Contudo, não era naquela casa,
porque apercebi-me depois que as coisas mais virtuosas que faziam
pareciam-me demasiado exageradas. (…) Eu tinha uma grande amiga
noutro mosteiro e isto fazia com que, no caso de eu vir a ser religiosa, só o
seria onde ela estava.» (V 3, 2).

A escolha, por parte de Teresa, do mosteiro da Encarnação, veio-lhe das


visitas e conversas com a sua amiga Juana Juarez, monja desse mosteiro.
Observou que se identificava com o carisma e a espiritualidade do Carmelo,
tanto na vida de solidão contemplativa, como na afetuosa devoção a Maria,
elementos básicos do Carmelo que coincidiam com as inclinações pessoais
de Teresa e se refletiam na primeira infância.

O que, anos mais tarde, disse da vocação carmelita do P. Graciano, com


mais propriedade se poderia dizer dela mesma: «Mas a Virgem Nossa
Senhora, de quem é extremamente devoto, quis recompensá-lo com o Seu
hábito. Eu penso que a medianeira junto de Deus para lhe obter esta graça
e o motivo que o levou a querer tomar o hábito e afeiçoar-se tanto à Ordem
foi esta gloriosa Virgem. Ela não quis que aquele que tanto desejava servi-la
ficasse sem uma oportunidade para o fazer, pois é seu costume favorecer
os que nela procuram amparo.» (F 23, 4).
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Embora tenha tido a oposição de seu pai, nem por isso deixou de responder
àquele chamamento, pois era Cristo quem a chamava: «Não fostes vós que
Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos destinei para que vades e deis
fruto e o vosso fruto permaneça» (Jo 15,16). Com uma grande
determinação saiu de casa: «Quando saí da casa de meu pai, senti tal
aperto que, julgo, não o será maior o da hora da morte» (V 4, 1).
1.4. MOSTEIRO DA ENCARNAÇÃO DE ÁVILA

Neste mosteiro, onde viveria trinta anos, a devoção mariana caraterizava a


vida da casa. Desde a sua fundação, em 1479, este convento era dedicado
à Santíssima Virgem, sob o título de Santa Maria da Encarnação. A
fundadora do mosteiro, D. Elvira González, era muito devota da Virgem e
tinha firme vontade e desejo de receber o hábito da Virgem do Carmo. Além
disso, no tempo de Teresa, era grande o esplendor mariano em Castela.

Teresa fala-nos dos primeiros tempos da sua estadia no mosteiro, como


Deus e a Virgem abençoaram a sua determinada determinação de deixar a
casa paterna e entrar na vida religiosa: «Quando tomei o hábito, o Senhor
deu-me logo a entender como favorece a quem faz violência sobre si
mesmo para O servir. (…) Nessa hora, senti uma alegria tão grande por ter
abraçado aquele estado que nunca mais me faltou até hoje. Deus mudou a
secura da minha alma em imensa ternura. Tudo me deleitava na vida
religiosa.» (V 4, 2).

As noviças e as educandas viviam separadas da vida normal do convento,


não tratavam com gente de fora, não lhes era pedido nenhum ofício,
estavam sob a autoridade da Mestra e, para esta, uma das tarefas mais
importantes era instruí-las nas “coisas da Ordem”.

Teresa, que ingressou no Carmelo com uma verdadeira e sincera devoção


à Virgem, como Mãe, ali aprendeu que Maria era também a Superiora e a
verdadeira Fundadora do Carmelo. Seguramente Teresa leu livros de
doutrina espiritual do Carmelo que, embora se baseassem em histórias
lendárias, eram um meio para as consciencializar da vinculação à Mãe de
Deus como Padroeira da Ordem, ideia que Teresa ao longo da vida repetirá
uma infinidade de vezes às suas filhas: que pertencem à Ordem da Virgem,
que o hábito que vestem é o seu hábito e que Maria é a Padroeira.

As Constituições vigentes no mosteiro eram, na sua essência, as do Beato


Jean Soreth, embora um pouco simplificadas, como assinala o P. Rafael
Maria L. Melús. Alguns dos fragmentos que se referem à Virgem
apresentam-na como Padroeira de quem se deve imitar as
virtudes: «Como boas filhas, sigam a vida e costumes da sua Mãe, pois Ela
há de ser a Madre, Mestra e singular Padroeira desta Ordem, que começou
no Monte Carmelo… A Bem-Aventurada Virgem Maria, recolhida no seu
quarto, alheada das conversas mundanas, humilde, recatada e devota,
entregue à oração e mortificação sem trégua, mereceu ser amiga e Mãe
de Deus. Por conseguinte, o enxoval, o mosteiro, as partes do mesmo e as
celas das suas filhas hão de ser particulares reflexos de humildade.”[3]

Nesses anos de formação, para poder rapidamente professar, vivendo em


especial retiro, foi-se impregnando do carisma da Ordem e transpô-lo para a
vida que seguidamente transmitiria às suas filhas.
Outros autores de séculos anteriores a Teresa e que talvez a possam ter
formado no carisma da Ordem, poderão ter sido os insignes carmelitas John
Baconthorp (1294-1348) e Arnoldo Bóstio (1445-1499).

John Baconthorp salienta que, no Carmelo, Maria é a «Senhora do Lugar«.


Ela é o modelo perfeito de Carmelita, um modelo que se converte em
Regra. Neste conformar-se com Maria, destaca: “A Virgem era humilíssima”.
“A vida ao serviço da Virgem exige do Carmelita que tente imitá-la
nas virtudes, pois a conformidade com a sua vida é a melhor forma de
glorificação” … “Todos os atos do Carmelita se devem centrar
na glorificação da Virgem, porque para este fim tem Deus querido a
Sua Ordem”[4].

Arnoldo Bostio chama a Maria «Legisladora, Fundadora, Senhora, Criadora,


Mãe, Irmã, Padroeira, Governadora e Abadessa primorosa«. Bostio refere a
filiação para com Maria: “Tu és filho de Santa Maria” e o facto de ser
Irmã: “A Rainha do Céu é minha irmã”, para impregnar de amor e confiança
ilimitada o relacionamento com Ela, criando assim um ambiente
verdadeiramente familiar. Também fala longamente do dom do Escapulário
que a Virgem concedeu à Ordem, nas palavras do P. Ildefonso: «[Arnoldo
Bostio] deixou-nos talvez as mais belas páginas que até agora foram
escritas sobre o Escapulário«. Nelas diz: “Persuadidos de que Ela os proveu
de tão excelente herança, ao verem este hábito, não poderão fazer menos
que recordar com júbilo o amor de predileção com que os envolve a sua
amabilíssima Doadora”[5].

Muito possivelmente estes escritos fizeram parte de toda a doutrina que


Teresa foi recebendo ao longo da sua permanência no mosteiro da
Encarnação. Disso dão testemunho os seus escritos, através dos quais
tenta transmitir a herança recebida e por ela vivida com grande intensidade.

D. Teresa de Ahumada, assim chamada na Encarnação, sabemo-lo por


dados fidedignos, pertenceu à «Irmandade de Nossa Senhora». Esta
Confraria surgiu em 1560 por iniciativa das próprias monjas, durante o
priorado de D. Isabel d’Ávila, contemporânea de Santa Teresa, e foi
aprovada pelo Padre Geral J. B. Rúbeo, em 1567. Tinha por objetivo
assegurar sufrágios de Missas depois do falecimento. Os sufrágios eram
oferecidos no altar da Virgem das Angústias, para invocar a intercessão da
Rainha do Céu.

1.5. DE NOVO A VIRGEM A TORNOU A SI

O primeiro período da sua estadia no Carmelo caraterizou-se por viver com


intensidade e fervor a vida religiosa. Disso dá ela mesma testemunho: “Não
sei o que dizer mais, quando me lembro da minha profissão, da firme
determinação e alegria com que a fiz, do desposório que convosco
contraí!” (Vida 4, 3).
Anos mais tarde lamentava-se: “Aflige-me agora ver e pensar a razão pela
qual não permaneci totalmente nos bons desejos iniciais.” (V 1, 7). Atribui-o
a várias causas: a incoerência entre oração e vida, “pôr-se em ocasiões”,
confiar em si mesma, chegar a abandonar a oração: “Andei mais de
um ano sem ter oração” (V 7, 11). À falta de mestres de oração, disse: “Eu
não tinha encontrado um mestre – melhor dizendo, um confessor – que me
compreendesse, embora o tivesse procurado depois durante vinte anos.
Isso prejudicou-me bastante porque voltava muitas vezes atrás e até podia
ter-me perdido totalmente” (V 4, 7). Um ambiente comunitário desfavorável,
além da dificuldade psicológica em fazer oração, incapacidade para
discorrer e dominar a imaginação, faziam da sua oração um momento
doloroso e difícil.

Durante cerca de vinte anos sentiu a sua impotência em se desapegar de


algumas amizades, mas descobriu que Deus, num instante, lhe concedeu
esta liberdade de espírito: “o que eu não consegui alcançar ao longo de
tantos anos com todas as minhas diligências. Muitas vezes o esforço era
tão grande que até me prejudicava a saúde.” (V. 24, 8).

Quando se deu a sua conversão definitiva, prostrada aos pés duma imagem
de Cristo muito chagado: «Pedi-lhe que me fortalecesse de uma vez para
sempre a fim de não mais O ofender. […] Julgo que tirei mais proveito,
porque andava eu já muito desconfiada de mim e toda a minha confiança
estava posta em Deus. (…) E creio que o foi porque melhorei muito a partir
daí« (V 9, 1 e 3).

Nesses anos de incapacidade para viver com toda a radicalidade a


profissão religiosa, tornou-se presente a ação amorosa e poderosa da
Virgem Maria a quem ela pedira que fosse sua Mãe, assim como a de São
José. Diversos textos dão fé disso: «Compreendi que tinha uma grande
obrigação de servir a Nossa Senhora e a S. José porque, muitas vezes,
passando muito mal, pelos seus rogos, Deus voltava a dar-me saúde.» (CC
30).

Ao confessar que esteve um ano e meio sem oração, diz:

“Ó meu Jesus, quão belo é ver uma alma que chegou até aqui e, depois de
ter caído nalgum pecado, Vós lhe estendeis novamente a mão e a levantais
por Vossa misericórdia! (…) É aqui que verdadeiramente ela se desfaz e
conhece as Vossas grandezas. (…) É aqui que se faz devota da Rainha do
Céu para que Vos aplaque. É aqui que invoca a ajuda dos Santos que
caíram depois de Vós os terdes chamado.« (V 19, 5).

Ela mesma ensina em Moradas como se deve tomar a Virgem e os Santos


por intercessores, quando a alma vive muito apegada a critérios alheios,
para alcançar uma vida verdadeiramente consagrada a Deus: «Sobre estas
primeiras moradas posso dar, por experiência, boas informações. (…) como
ainda estão tão absorvidas pelo mundo, engolfadas nos seus prazeres e
muito empoladas por honras e pretensões, não têm os seus vassalos, que
são os sentidos e as potências, revestidos da força com que Deus dotou a
sua natureza; e, assim, são facilmente vencidas, embora andem com
desejos de não ofender a Deus e façam boas obras. As que se virem neste
estado precisam de, como puderem, recorrer amiúde a Sua Majestade,
tomando a sua bendita Mãe como intercessora e os seus Santos como
defensores, pois os ditos vassalos não têm força suficiente para garantir a
defesa. Por conseguinte, em todos os estados é preciso que esta força nos
venha de Deus”. (1M 2,12)

Em momentos de grande desolação interior, encomenda-se à Virgem e a S.


José, para que façam luz no meio da obscuridade. Um destes momentos foi
quando as pessoas que discerniam a sua espiritualidade diziam que as
suas experiências vinham do demónio. A sua oração foi escutada. Quis
Deus que Frei Pedro de Alcântara fosse a Ávila e ela tivesse podido expor-
lhe a sua «vida e o modo de proceder na oração: «Quase logo nos começos
vi que ele me entendia por experiência; e era só disto que eu precisava.
(…) Este santo homem esclareceu-me tudo e explicou-mo. Disse-me para
não ter pena, e que louvasse a Deus convencida de que era o Seu Espírito
(…) Deixou-me em grande consolação e contentamento, continuando a ter
oração sem medo e sem duvidar de que se tratava de Deus.» (V 30, 3.4-7).
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O seu coração desfaz-se em ação de graças por aqueles de quem alcançou


tal favor: «Não me cansava de agradecer a Deus e ao meu glorioso Pai S.
José (…) a quem eu muito me encomendava, bem como a Nossa Senhora»
(V 30, 7).

A Virgem Maria escutou as súplicas de quem, no momento mais profundo


da dor, lhe pedira que fosse sua Mãe. Santa Teresa, a uns trinta e cinco
anos de distância daqueles factos, confessa a fidelidade deste mútuo
compromisso: ela recorre à Virgem nas suas necessidades com toda a
confiança duma filha. E a Virgem escuta-a e ajuda-a como uma
Mãe. «Parece-me que me ajudou, pois tenho consciência de que encontrei
esta Virgem soberana logo que me encomendei a Ela; enfim, cativou-me
para Si” (V 1, 7).

Quando escreve estas palavras, já a sua alma está definitivamente


ancorada na oração, donde lhe vieram todos os bens, o desapego de todas
as coisas criadas e das pessoas e uma verdadeira humildade; na oração
entendia a verdadeira grandeza da misericórdia de Deus para com ela e a
sua própria pequenez e o desejo de viver com toda a radicalidade a sua
vida de consagrada. Tudo isso a foi preparando para que nela se realizasse
o matrimónio espiritual, donde foram surgindo obras para a glória de Deus.

A sua vida é um belo testemunho das palavras do Concílio sobre a função


maternal de Maria: «Maria, que entrou intimamente na história da salvação
(…) ao ser exaltada e venerada, atrai os fiéis ao Filho, ao Seu sacrifício e ao
amor do Pai. (...) Honrando a mãe, melhor se conheça, ame e glorifique o
Filho, (…) e também melhor se cumpram os seus mandamentos. (…) A
função maternal de Maria em relação aos homens de modo algum ofusca
ou diminui esta única mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia.
Com efeito, todo o influxo salvador da Virgem Santíssima sobre os homens
se deve ao beneplácito divino e não a qualquer necessidade; (…) de modo
nenhum impede a união imediata dos fiéis com Cristo, antes a
favorece» (L.G. cap. 8, 60, 65 e 66).

II. A SUA VIDA, UM SERVIÇO À VIRGEM PADROEIRA E RAINHA DO


CARMELO

O obra fundacional que o Senhor encomendará a Dona Teresa de


Ahumada, será considerada não só por ela, mas pelo próprio Senhor como
um serviço à sua Mãe, visto que a Ordem do Carmo pertence à Virgem
Maria e disso Madre Teresa estava muito consciente e alegrar-se-á por
poder fazer alguma coisa pela Rainha e Senhora do Carmelo.

2. 1. FUNDAÇÃO DO CONVENTO DE SÃO JOSÉ

As graças místicas que recebeu determinaram Teresa a fazer com que a


sua vida se tornasse um constante serviço à Virgem. Uma delas foi a visão
do Inferno, como ela mesma confessa: «Repito ter sido essa uma das
maiores graças que o Senhor me concedeu, pois me trouxe grandes
proveitos, tanto para que eu perdesse o temor das tribulações desta vida
como para que me esforçasse por padecê-las e dar graças ao
Senhor por me ter livrado (…) de males tão perpétuos e terríveis» (V.32, 4).

Esta visão teve nela tanto impacto que a determinou a viver com toda a
radicalidade, deixando qualquer ambiguidade: «Pus-me a pensar o que
poderia fazer por Deus. Sem dúvida que a primeira coisa era seguir o
chamamento que Sua Majestade me fez à Vida Religiosa, guardando a
minha Regra com a maior perfeição que pudesse”. (V 32, 9)

A partir desta decisão começou a pensar que não conseguia viver esta
radicalidade no seu mosteiro por várias razões. Uma delas era que «a
Regra não tinha sido estabelecida no seu primitivo rigor» (V. 32, 9).

Nisto pensava e muito possivelmente foi tema de conversa: «Uma vez,


estando eu com certa pessoa, ela perguntou, a mim e a outras, se não
estaríamos nós para ser freiras à maneira das Descalças! E acrescentou
que ainda era possível construir um mosteiro. Eu, como andava já com
estes desejos, comecei a tratar do assunto com aquela senhora viúva,
minha amiga. (…) Por outro lado, não me acabava de resolver porque me
sentia muito satisfeita no mosteiro onde estava. (…) Resolvemos, contudo,
encomendar muito este caso a Deus.» (V. 32, 10).

A resposta de Deus não se fez esperar, com muito mais interesse da parte
dele que o que ela tinha: «Um dia, depois de comungar, Sua Majestade
insistiu muito para que avançasse com todas as minhas forças. E deixou-me
grandes promessas: o mosteiro iria ser construído e Deus muito servido
nele; que lhe pusesse o nome de S. José, pois uma das portas seria
guardada por ele, a outra por Nossa Senhora e Cristo andaria connosco; o
mosteiro seria uma estrela de grande resplendor…» (V. 32, 11).

Ao fim de vários meses, cheia de trabalhos e perseguições, «O meu


confessor voltou a dar-me licença para voltar a pôr mãos à obra com todas
as forças.» (V. 33, 11), e àquilo se entregou, mas «Assentámos em que
tudo se tratasse com o máximo segredo.» (V. 33, 11). E de onde não
esperava lhe veio a ajuda, embora também reconhecesse que foi S. José
quem lhe deu confiança: «Certo dia, estando sem saber o que fazer, nem
com que pagar a uns trabalhadores que necessitava, apareceu-me S. José,
meu verdadeiro pai, e senhor, e deu-me a entender que os contratasse, pois
os meios não me haveriam de faltar. Fi-lo sem ter um vintém…» (V. 33, 12).

Também se fez presente Santa Clara: “Disse-me que tivesse coragem


e que continuasse, que ela me ajudaria.” (V. 33, 13).

Deus, que não se deixa vencer em generosidade, recompensou os


trabalhos de Teresa com uma das graças que lhe deram mais paz e alegria.
A sua vida já era agradável a Deus. Isto lho fez saber por meio da Virgem:
«Por essa altura, no dia de Nossa Senhora da Assunção, estando eu num
mosteiro da Ordem do glorioso S. Domingos a pensar nos muitos pecados,
e noutras coisas da minha ruim vida, que em tempos ali tinha confessado,
veio-me um arroubamento tão forte que quase me fez perder os sentidos.
(…) Em tal estado, pareceu-me ver que me punham uma roupa de grande
brancura e resplendor. Ao princípio não via quem ma vestia; depois vi que
era Nossa Senhora, do lado direito, e o meu Pai S. José, do lado esquerdo,
que ma vestiam. Desta maneira, foi-me dado a entender que já estava limpa
dos meus pecados.» (V. 33, 14).

Teresa prossegue narrando esta visão, em que se vê em intimidade com a


Virgem, tanto pela proximidade: «Nossa Senhora me pegava nas mãos«,
como pela confiança: «Disse-me que se alegrava muito por eu servir o
glorioso S. José«. Confirmou-a no que lhe dissera o Senhor meses antes:
«que acreditasse que o mosteiro seria como eu desejava, e que nele muito
se serviria ao Senhor, a Ela e a S. José«. Além disso acrescentou algo que
a encheu de esperança, pois sabia, por experiência, que muitos mosteiros
iniciavam com muito fervor, mas que, com o passar do tempo, este se ia
perdendo: «que não tivesse medo porque nele jamais haveria relaxamento,
apesar de a jurisdição não ter sido dada ao meu gosto, porque Eles nos
guardariam e já o Seu Filho nos tinha prometido andar connosco. E como
sinal de que isto se cumpriria oferecia-me aquela joia. Parecia-me que me
colocavam ao pescoço um colar de ouro muito bonito, com uma cruz muito
valiosa. » (V. 33, 14).
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Teresa continua a refletir sobre esta mariofania, que seria uma luz em
muitas noites em que viveria a Reforma a si confiada, não somente por
Cristo, mas também pela Virgem Maria: «O que a Rainha dos Anjos me
disse sobre a jurisdição deve-se ao facto de me ter custado muito não a ter
dado à Ordem, mas o Senhor tinha-me dito que era conveniente não lha
dar. Apresentou-me as razões pelas quais não convinha de maneira
nenhuma que o fizesse. » (V. 33, 16).

A Virgem Maria reafirma a Teresa o que esta já anteriormente tinha


compreendido por meio de Cristo. Teresa, pondo-o por obra, tornou
realidade aquelas palavras, que Maria pronunciara nas Bodas de Caná aos
serventes: «Fazei tudo o que Ele vos disser» (Jo 2,5). Assim conseguiu
acabar com sucesso a fundação de São José de Ávila. «Seria uma estrela
de grande resplendor...» (V. 32, 11).

Refletindo sobre esta primeira fundação, só podia dizer: «Ó grandeza de


Deus! Muitas vezes fico pasmada ao pensar e ver como Sua Majestade me
queria ajudar de modo tão particular para que se fizesse este cantinho de
Deus. Eu creio realmente que é um cantinho e morada onde Sua Majestade
se deleita. Uma vez, quando estava em oração, Ele disse-me que esta casa
era paraíso de Suas delícias.» (V. 35, 12).

2.2. A ORDEM, UM SER PESSOAL – SERVIR A ORDEM É SERVIR


MARIA

Como outrora aconteceu a Paulo: «respirando sempre ameaças e mortes


contra os discípulos do Senhor, (…) ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo,
Saulo, porque me persegues?” Ele perguntou: “Quem és Tu, Senhor?”
Respondeu: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues.«» (At. 9,1 ss.).

Paulo, refletindo sobre isto, compreendeu que a Igreja era um ser pessoal.
Expressou-o usando como símbolo o corpo, em que todos os membros
formam o corpo místico de Cristo, de que Ele é a cabeça. Deixou de ser
perseguidor de Cristo, que lhe perdoou, o chamou e o destinou a ser
apóstolo dos gentios e uma coluna forte da Igreja de todos os tempos, que é
fortalecida pela sua intercessão e pelos seus escritos.

Séculos mais tarde, também o Beato Francisco Palau, após alguns anos de
procurar servir a Igreja como um filho à sua mãe necessitada, sobretudo
através da oração de intercessão, compreendeu, por revelação divina, que
a Igreja era um ser pessoal, figurado numa belíssima jovem. Ouviu então de
Deus: «Tu és sacerdote do Altíssimo. (…) A Igreja é a minha filha
muito amada. Nela me comprazo. Dá-lhe a minha bênção.
(…) Quando subia ao púlpito, ouvi a voz do Pai que me disse: ‘Abençoa a
minha amada Filha e a tua Filha…» ( M. Rei. pág. 13-14). Toda a sua vida
se tornou então num serviço à Igreja. O próprio Deus o fazia participar da
Sua paternidade e a ela foi fiel no meio dos maiores sofrimentos e
adversidades.

Também não foi por meditações próprias que Santa Teresa compreendeu
que a Ordem é um ser pessoal, figurado na Virgem Maria. Foi o próprio
Cristo que lho fez compreender: «Antes de entrar no mosteiro, entrei na
igreja para rezar e, quase em arroubamento, vi Cristo que parecia receber-
me com muito amor e me punha na cabeça uma coroa para me agradecer o
que tinha feito por Sua Mãe.» (V. 36, 24). Não foi essa a única vez que
Cristo falou a Santa Teresa a esse respeito. Ao falar da fundação de
Valladolid, de «D. Bernardino de Mendoza, diz: «Nosso Senhor disse-me
que a sua salvação esteve em risco, mas que usara de misericórdia para
com ele, pelo serviço que tinha prestado à Sua Mãe com a doação daquela
casa para um mosteiro da Sua Ordem.» (Fundações 10, 2).
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Não era só por tradição que Santa Teresa sabia que a Ordem da Bem-
Aventurada Virgem do Monte Carmelo era Ordem de Maria, mas porque o
próprio Cristo lho afirmou várias vezes no coração.

As palavras de Cristo vieram alegrar o mais íntimo da sua alma, após


muitos meses de trabalhos e perseguições, na fundação de São José. Fazia
sentido para ela, que era agradecida por natureza, que de alguma maneira
retribuísse à Virgem que, como uma verdadeira Mãe, tinha cuidado de si. E
o que diz de S. José, também o pode dizer da Virgem Maria: «De forma
clara, vi que, tanto desta necessidade como de outras maiores relacionadas
com a honra e a perda da alma, este Pai e Senhor meu me salvou com um
proveito maior do que aquele que eu lhe pedia. Até agora não me lembro de
coisa alguma que lhe tenha pedido que não ma tivesse feito.(Tenho
consciência de que encontrei esta Virgem soberana logo que me
encomendei a ela). De admirar são as grandes graças que Deus me tem
concedido por este glorioso Santo; livrou-me de todos os perigos, tanto os
do corpo como os da alma. Espantam-me muito os grandes favores que
Deus me concedeu através desse Bem-aventurado Santo, e os perigos,
tanto do corpo como da alma de que me livrou» (V. 6, 6 e 1, 7).

Convencida interiormente de que servir a Ordem naquela fundação de São


José era servir a Virgem, pode dizer: «Finalmente via concluída uma obra
que havia pensado para servir o Senhor e honrar o hábito da Sua Gloriosa
Mãe» (V. 36, 6).

Santa Teresa, numa visão retrospetiva da vida, contempla a misericórdia de


Deus, a eficaz e amorosa atuação da Virgem Maria e de S. José, que foram
reconstruindo o seu ser «na ordem da graça... para a restauração da vida
sobrenatural da (sua) alma» (conf. L.G. III, 61). Agora, chamada
interiormente por Jesus e Maria, era altura de devolver algo do muito que
tinha recebido.

Nesse sentido são encaminhadas as graças recebidas. Depois de o Senhor


lhe fazer a graça de ver a Assunção da Virgem Maria ao Céu, confessa:
«Foi um deleite muito grande para o meu espírito ver tanta glória. Esta visão
deixou-me grandes efeitos, pois ajudou-me a ter um maior desejo de passar
grandes trabalhos e de servir muito a esta Senhora, que bem o merecia.»
(V. 39, 26). Também o Pai a moveu a se entregar ao seu serviço como
prioresa da Encarnação, após a aparição da Virgem no coro: «Parecia-me
que a Pessoa do Pai me chegava a Si e me dizia palavras muito ternas.
Entre elas, para me mostrar o que queria, disse-me: “Eu dei-te o meu Filho,
o Espírito Santo e esta Senhora. Que me podes tu dar a Mim?»» (Contas de
Consciência 25, 2).

«Sem dúvida que a primeira coisa era seguir o chamamento que Sua
Majestade me fez à Vida Religiosa, guardando a minha Regra com a maior
perfeição que pudesse.« (V. 32, 9). E que era isso se não «Viver em
obséquio de Jesus Cristo, e servi-l’O fielmente com o coração puro e reta
consciência» (Regra de Santo Alberto, 2). Ou, como ela definiria
em Caminho de Perfeição: “Determinei-me a fazer este pouquinho que está
ao meu alcance, ou seja, seguir os conselhos evangélicos com toda a
perfeição que eu pudesse e procurar que estas pouquinhas que aqui estão
fizessem o mesmo. Eu confiava na bondade infinita de Deus, que nunca
deixa de ajudar a quem por Ele se determina a deixar tudo.« (Caminho de
Perfeição 1, 2).
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Teresa não defraudou a confiança que Jesus nela depositou. Disse-lhe:


«para não me afligir pois já sabia que eu, pela minha parte, não deixaria de
me oferecer para todo o Seu serviço» (V. 39, 24).»Faz o que puderes;
abandona-te a Mim e não te preocupes com nada.» (CC. 13).

Animada com a promessa de Jesus: «Em teus dias verás muito avançada a
Ordem da Virgem» (CC. 14). No fim da vida confirmou que se tinha
cumprido: «Agora, (…) posso dizer o mesmo que o santo Simeão, pois vi na
Ordem de Nossa Senhora do Carmo o que desejava» (Carta 385). Mas
também não poupou sacrifícios, entregue totalmente à Reforma: «onde
também pretendi se guardasse esta Regra de Nossa Senhora e Imperatriz
com a perfeição primitiva.» (C. 3, 5). Pela Reforma superou as suas
múltiplas doenças, viajando de um lado ao outro de Espanha, fundando um
novo pombalzinho da Virgem, onde o Senhor fosse adorado no Santíssimo
Sacramento e se prestasse culto a Deus, para honra da Virgem, e se orasse
pelos que combatiam por Deus. Por causa da Reforma, perdeu muitas
horas de sono, escrevendo cartas para a ajudar, a confirmar e a alargar.
Para proveito das suas filhas escreveu quase a totalidade dos seus livros:

 Caminho de Perfeição: «contém avisos e conselhos


de Teresa de Jesus às Religiosas, suas filhas e irmãs dos mosteiros que
fundou» (C. Apresentação prévia).
 Fundações: para dar a conhecer a misericórdia e o interesse do Senhor na
fundação dos novos mosteiros.
 Castelo Interior ou Moradas: para as monjas dos mosteiros de Nossa
Senhora do Monte Carmelo, que precisavam de alguém que as
esclarecesse “sobre algumas dúvidas de oração” (M. Castelo Interior, 4).
 Meditações sobre o Cântico dos Cânticos: com o mesmo objetivo, às
“almas que [o Senhor] trazia a esses mosteiros (…) As graças que nosso
Senhor faz a algumas em particular são tantas que só poderão ver o
trabalho que se padece por falta de esclarecimento as almas que
entenderem a necessidade que elas sentem de que alguém lhes explique
alguma coisa do que se passa entre a alma e nosso Senhor.” (Conceitos do
Amor de Deus, Pról. 1).
 Constituições: redige-as como marco de vida.
 e Modo de Visitar os Conventos: como meio para ajudar a manter a
vitalidade primitiva da Reforma.
 Escreveu também Poesias: para animar as festas comunitárias…

Santa Teresa fez do mandato do Senhor a sua vida e não apenas na


fundação de São José de Ávila, onde «Sua Majestade insistiu muito para
que avançasse com todas as minhas forças» (V. 32, 11), mas também na
fundação dos outros mosteiros, reconhecendo que tinham sido fundados
«com a ajuda de nosso Senhor e da gloriosa Virgem, Mãe de Deus, senhora
nossa» (C. Apresentação prévia). Nela não houve quebra no serviço ao
Senhor, à Virgem Maria e a S. José, tal como lhe prometeu a Virgem, Nossa
Senhora, antes de se realizar a primeira fundação.

2.3. SANTA TERESA CONVIDA A VIRGEM MARIA PARA O SERVIÇO


DA REFORMA
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Teresa estava persuadida de que servir a Ordem era servir a Virgem


Santíssima. Assim o Senhor lho tinha feito compreender e estes mesmos
ideais transmite ela àqueles que a rodeiam; via a grande coragem das
pessoas que tinham devoção à Virgem Maria, porque, se era verdadeira,
não podiam fazer outra coisa se não servi-la: «Escrevi uma carta ao nosso
Padre Geral fazendo-lhe o pedido. Dava-lhe razões pelas quais prestaria
um grande serviço a Deus, (…) e como isso agradaria a nossa Senhora, de
quem era muito devoto.« (F. 2, 5).

No que diz respeito à vocação do Padre Graciano, dá grande valor à sua


devoção à Virgem Maria: esse era o seu fundamento para servir na Ordem
de Maria e perseverar nas perseguições: «Quando estava em Madrid,
sendo ainda muito jovem, ia frequentemente visitar uma imagem de Nossa
Senhora, à qual tinha grande devoção. (…) Chamava-lhe a “sua namorada”
(…). Foi ela, certamente, que lhe alcançou do seu divino Filho a pureza com
que sempre viveu. (…) Mas a Virgem Nossa Senhora, de quem é
extremamente devoto, quis recompensá-lo com o Seu hábito. Eu penso que
(…) o motivo que o levou a querer tomar o hábito e afeiçoar-se tanto à
Ordem foi esta gloriosa Virgem. Ela não quis que aquele que tanto desejava
servi-la ficasse sem uma oportunidade para o fazer, pois é seu costume
favorecer os que nela procuram amparo. (…) Nossa Senhora levou-o, como
por engano, a Pastrana. (…) Indo o Padre Gracián ao convento dos frades,
ao ver tanta perfeição e disposição para servir Nosso Senhor e, sobretudo,
ser uma Ordem da Sua gloriosa Mãe a quem tanto desejava servir,
começou a sentir no coração o desejo de não voltar ao mundo. O demónio
punha-lhe imensas dificuldades, sobressaindo de modo especial o desgosto
que daria aos seus pais que tanto o amavam e tanto confiavam no seu
auxílio para remediar o futuro dos seus irmãos, que eram muitos. Ele,
porém, deixando este cuidado a Deus, por Quem abandonava tudo, decidiu-
se a ser súbdito da Virgem Maria e a tomar o Seu hábito.(…) Via-se bem
que a divina Majestade o ajudava e que nossa Senhora o tinha escolhido
para acudir à Sua Ordem.» (F. 23, 5.4. 6. 8.13).

Teresa defende o Padre Graciano perante Filipe I [de Portugal] e faz o


elogio da sua devoção à Virgem e de como lhe é de grande ajuda na
Reforma: «Sim, verdadeiramente ele pareceu-me um homem enviado por
Deus e por sua bendita Mãe, cuja devoção – que a tem muito grande – o
trouxe à Ordem para meu auxílio» (Cta. 208). Uma das qualidades que
sempre valorizou nele foi: «seu espírito e discrição e maneira de proceder
tão suave e com tanta perfeição e honestidade, parece ter sido escolhido
pela Virgem para fazer com que estas monjas vão muito adiante» (Cta. 271)
Quando desanima por tantas perseguições e dificuldades que vivia a
Reforma e pensa abandoná-la, Santa Teresa sai ao seu encontro, pondo-
lhe por diante o seu amor à Virgem e os seus desejos de a servir:»…
embora não fosse certo abandonar a Virgem em tempos de tanta
necessidade» (Cta. 268). «Meu bom Padre; fique-se com Deus e, uma vez
que serve tal Dama, como é a Virgem, que intercede por si, não se aflija
com nada, embora bem veja que tenha razões para isso.« (Cta. 261, 4)

A S. João da Cruz, que se tornaria uma coluna da Reforma juntamente com


ela, também convidou a ficar na Ordem de Nossa Senhora, onde poderia
servir ao Senhor e à Santíssima Virgem, a quem amava entranhadamente e
de quem tinha experimentado a proteção, porque o tinha salvado em mais
de uma ocasião.

Quando se deu o encontro entre Santa Teresa e São João da Cruz em


Medina del Campo, ele completava 25 anos e, há pouco, tinha cantado a
Primeira Missa. Incapaz de ceder ao conformismo, tinha decidido ir para a
Cartuxa para viver com mais radicalidade a vida religiosa. Seguia por conta
própria os rigores da Regra primitiva; tinha fama, entre os seus colegas, de
ser íntegro, reservado e tenaz. Deste encontro nos fala Teresa de Jesus:

Chamava-se «Frei João da Cruz. (…) Eu louvei muito a nosso Senhor. Ao


falar com ele, fiquei muito contente e vim a saber que ele também queria ir
para a Cartuxa. Eu contei-lhe o que pretendia e pedi-lhe muito que
esperasse até que o Senhor nos desse o mosteiro. Mostrei-lhe que, se
quisesse abraçar uma vida mais perfeita, seria um grande bem e de maior
serviço ao Senhor que o fizesse na sua própria Ordem. Ele deu-me a
palavra que o faria, contanto que não demorasse muito.« (F. 3, 17).

São João da Cruz viu na proposta de Santa Teresa a resposta às suas


inquietações. Entrou na Reforma e nela perseverou, apesar dos nove
meses que passou na prisão do mosteiro de Toledo. Era muito difícil, por
muito tenaz e fiel que fosse à palavra dada a Santa Teresa, perseverar na
Reforma por ela; embora se pudesse pensar que o seu encarceramento era
ocasião para devolver à Virgem um pouco do muito que ela tinha feito por
ele. No final da sua vida, quando veio a perseguição por parte dos seus
próprios irmãos da Reforma, também não se dobrou às suas pretensões de
o expulsar da Ordem; estava disposto a tudo: «…meu filho, não se
apoquente com isso, pois não me podem tirar o hábito a não ser por
incorrigível ou desobediente; ora, eu estou muito bem preparado para
emendar-me de tudo em que tiver errado e obedecer a
qualquer penitência que me derem» (Obras Completas de São João da
Cruz, Cta. 32).

Poucos meses depois, morreu, no sábado a seguir à solenidade da


Imaculada Conceição: foi cantar Matinas no Céu, o fiel servidor da Virgem
na sua Reforma; tal como Santa Teresa, no serviço a Nossa Senhora
«jamais houve quebra» e muito se serviu Deus deles, a fim de que a
Reforma da Ordem da sua Mãe «desse de si um grande resplendor«.

Santa Teresa, que tinha acolhido tantos vocacionados que desejavam viver
a sua consagração ao Senhor, também os ensinou que servir a Deus na
Ordem do Carmelo era servir a sua Mãe Santíssima. No fim da vida, ao
narrar a fundação de Palencia, põe na boca de todas: «Nós alegramo-nos
por poder servir nalguma coisa Aquela que é nossa Mãe, Senhora e
Padroeira.» (F. 29, 23).

Santa Teresa não só procurou que os membros da Ordem ajudassem na


Reforma, como serviço à Virgem, como também envolveu muitas outras
pessoas, algumas de máxima autoridade, pondo-lhes por diante o serviço
que prestariam à Virgem Maria.

Dirige-se ao rei Filipe I [Felipe II de Espanha], buscando ajuda e


proteção: «Vejo claramente que, se não se constitui uma Província à parte
de Descalços, e com brevidade, virá muito dano e tenho por impossível que
possam ir por diante. Como isto está nas mãos de Vossa Majestade, e eu
vejo que a Virgem nossa Senhora o quis tomar como amparo para remédio
da sua Ordem, atrevi-me a fazer isto para suplicar a Vossa Majestade que,
por amor de nosso Senhor e de sua gloriosa Mãe, mande que isto se
faça (Cta. 86, 2).

Dois anos mais tarde escreve de novo e volta a pedir-lhe ajuda, em especial
para que mande libertar Frei João da Cruz do cárcere onde está preso, em
Toledo. Dirige-se ao rei, afirmando que se trata de um homem escolhido
pela Virgem para esta causa: «Creio muito firmemente que quis Nossa
Senhora valer-se de Vossa Majestade e tomá-lo como auxílio para remédio
da sua Ordem, e assim não posso deixar de acudir a Vossa Majestade com
os assuntos que lhe dizem respeito.» (Cta. 218, 1).
Em termos semelhantes dirige-se a D. Teotónio de Bragança, agradecendo-
lhe o que fez pelos Descalços: «Parece-me que a Virgem nossa Senhora
tomou Vossa Senhoria para amparo da sua Ordem. Consola-me saber que
o recompensará melhor do que eu lhe saberei pedir, embora eu lho
peça.« (Cta. 79,2).

Santa Teresa estava bem consciente de que a ajuda vinha de Deus, por
intercessão da Virgem Santíssima, mas nem por isso deixa de recomendar
às suas filhas, sendo ela a primeira a fazê-lo: «Ele [o Senhor] também quer
que o agradeçamos às pessoas por intermédio das quais no-lo dá. Que
nisto não haja descuido!» (C. 2, 10). «Portanto, irmãs, temos todas a grande
obrigação de rezar pelo Rei nas nossas orações, bem como por todos os
que ajudaram a causa de nosso Senhor e da Virgem nossa Senhora. Peço-
vo-lo encarecidamente.» (F. 28, 7). Estas orações chegam ao Céu e Deus
não demora em abençoar os que favorecem o estabelecimento do seu
Reino, o seguimento do Evangelho e a honra da Virgem Santíssima,
derramando sobre eles as graças necessárias para viverem santamente e
alcançarem depois a vida eterna. Disso Santa Teresa dá testemunho,
comprovado pela experiência, a própria e a alheia: «O agrado de nosso
Senhor por qualquer serviço que se preste a Sua Mãe é grande; e grande é
a Sua misericórdia.» (F. 10, 5).

Dá conta desta misericórdia pelos serviços realizados pelo Padre Pedro


Ibáñez em favor da Reforma, e por D. Bernardino de Mendoza que deu
casa para a fundação de Valladolid: «Vi que Nossa Senhora estava a
colocar uma capa muito branca sobre o Presentado desta mesma
Ordem [Frei Pedro Ibáñez], de quem tenho falado algumas vezes. Ela disse-
me que lhe dava aquele manto em atenção ao serviço que Lhe prestou na
fundação deste mosteiro e como sinal de que, daí em diante, guardaria a
pureza da sua alma e não cairia em pecado mortal. Eu tenho a certeza de
que realmente assim foi, porque daí a poucos anos morreu, (…) tem-me
aparecido algumas vezes com imensa glória e revelado algumas coisas.
(…) Deu-lhe Deus ao fim o prémio do muito que O tinha servido em toda a
sua vida.« (V. 38, 13). «Nosso Senhor disse-me que a sua salvação [a do
jovem fidalgo, D. Bernardino de Mendoza] esteve em risco, mas que usara
de misericórdia para com ele, pelo serviço que tinha prestado à Sua Mãe
com a doação daquela casa para um mosteiro da Sua Ordem. Porém, até
que ali não se celebrasse a primeira missa, não sairia do purgatório; só
depois é que sairia. (…)

Quando o sacerdote chegou, com o Santíssimo nas mãos, ao lugar onde


havíamos de comungar, depois de O receber, vi ao lado do sacerdote, de
rosto resplandecente e alegre, o tal jovem fidalgo de que falei. (…)
Agradeceu-me o que eu tinha feito por ele a fim de que a sua alma saísse
do purgatório e fosse para o céu.» E finaliza a narração: » Bendito e
louvado seja Ele [nosso Senhor] para sempre, pois com a glória e a vida
eterna paga a baixeza das nossas obras e, sendo elas de tão pouco valor,
as engrandece!» (F. 10, 2 e 5).
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2.4. A VIRGEM MARIA, SENHORA E RAINHA DA ORDEM DO CARMO

Santa Teresa acreditava sinceramente que a Ordem de Nossa Senhora do


Carmo, na qual tinha ingressado, era a Ordem de nossa Senhora e isso
refere em múltiplas ocasiões:

«As coisas desta Sagrada Ordem de nossa Senhora» (Cta. 86, 1).

«A Ordem da sacratíssima Virgem Maria, nossa Senhora.» (F. 28, 37).

O próprio Cristo lhe tinha falado da Ordem do Carmo como Ordem da


Virgem: «Em teus dias verás muito avançada a Ordem da Virgem» (CC 14).

Estas palavras de Cristo, dirigidas a Teresa, reafirmavam o que desde


vários séculos se denominara indistintamente Ordem de Nossa Senhora do
Carmo ou Ordem da Virgem.

No fim da terceira Cruzada alguns peregrinos ocidentais estabeleceram-se


no vale bíblico do Monte Carmelo, para seguir a Cristo no silêncio e na
oração. Se a princípio viviam cada um por sua conta em grutas naturais, no
início do século XIII decidiram reunir-se em comunidade e pedir ao Patriarca
de Jerusalém uma regra de vida comum. Ele atendeu os seus desejos e
deu-lhes uma lei a que hoje chamamos «Regra de Santo Alberto». A
nenhum daqueles ermitas se deu o nome de fundador, nem nunca a
ninguém foi concedido tal título.

A Regra dada pelo Patriarca de Jerusalém estabelecia que cada um vivesse


na sua cela, separado dos outros: «O oratório, conforme for mais fácil,
construa-se no meio das celas e aí vos deveis reunir todos os dias pela
manhã para participar na celebração eucarística» (Regra de Santo Alberto,
14).

De comum acordo, aquele grupo de homens erigiu o oratório, em honra da


Virgem Maria, Mãe de Deus. O facto de dedicarem à Virgem Maria a
primeira capela, na mentalidade feudal, significava porem-se
completamente à disposição dela com uma consagração pessoal
juramentada e tinha o sentido de pertencer à «Senhora do Lugar”, a Maria,
o domínio sobre o “berço” da Ordem e sobre todas as casas subsequentes,
as quais a Ordem dedicará sempre à Virgem, como Senhora a quem
haveriam de servir os que nelas morassem, como propriedade sua.

Foi nesta consciência que, ao longo dos séculos, se foi fundamentando a


Ordem: na sua origem e missão na Igreja estava uma dedicação especial à
Virgem. Assim o expressou o Papa Urbano IV a 20 de Fevereiro de 1263,
com o objetivo de conceder indulgências para a reconstrução do convento
do Carmelo, «onde se encontra o início e origem da dita Ordem, para glória
de Deus e da gloriosa Virgem, sua Padroeira«[6] .
Santa Teresa, além de acolher a tradição mariana da Ordem, reafirmou esta
consciência com a sua própria experiência. Percebeu interiormente com
toda a clareza, que a Virgem Santíssima, juntamente com seu Filho,
procurava fazer a fundação de São José, «Casa-Mãe da Reforma». Ela
própria a aconselha sobre a forma do seu governo, dando-o aos bispos e
não à Ordem, como ela desejava.
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Se [Teresa] experimentou que a Virgem Maria era a Fundadora das


Descalças, também viu de forma palpável o seu papel de Fundadora dos
Descalços, como a própria Teresa confessa, ao escrever ao Padre Geral
Rúbeo com o objetivo de conseguir a permissão para a fundação de Frades
da mesma Regra das Monjas: «Talvez tivesse sido ela [a Virgem], a resolver
o assunto, porque esta carta chegou-lhe às mãos quando ele estava em
Valencia e, dali, (…) enviou-me a licença para a fundação de dois
mosteiros.» (F. 2, 5). Quando, anos mais tarde, o mesmo Geral teve uma
atitude contrária, apesar de ele ter o cargo mais elevado da Ordem, ela
simplesmente recordou-lhe quem ele era: «Veja bem Vossa Senhoria que é
servo da Virgem Maria e que ela se entristecerá se Vossa Senhoria vier a
desamparar aqueles que com o seu suor querem aumentar a sua
Ordem.»(Cta. 83, 9).

A atitude de Teresa na fundação dos «mosteiros da primeira Regra de


nossa Senhora do Monte Carmelo, que Sua Majestade quis que se
fundassem» (CAD. Pról. 1), não é mais do que ser um fiel instrumento nas
mãos de Deus e da Virgem, fazendo o que é possível fazer.

Ela tem consciência de que a Virgem, além de ser «nossa Senhora»


(vocábulo mais utilizado por ela para se referir a Maria), também é
«Rainha», «Imperatriz» e «Priora». Os três vocábulos indicam senhorio e
domínio. Teresa, com toda a singeleza, desde que recebeu do Senhor a
missão de fundar, quis servir esta Senhora, que a tinha feito regressar à
intimidade com Deus. E não hesita em deixar bem visível que a Virgem é a
Priora do Mosteiro da Encarnação, e que ela, Teresa, é mais uma das Irmãs
que procuram obedecer-lhe, pondo em prática os seus pedidos, para a
glória de Deus e o bem da Ordem.

Segundo o Padre Melús: «Já era tradicional nos mosteiros Carmelitas


colocar Maria como Priora nos lugares principais dos conventos«[7].

Já o insigne Carmelita A. Bostio (+1499) diz que «Maria se mostra em toda


ocasião e em todo tempo tão intimamente unida aos acontecimentos da
Ordem que lhe quadra maravilhosamente o nome de Superiora do Carmelo.
A Ordem descansa em suas mãos. Ela cuida de cada um dos seus
membros, como das meninas de seus olhos«[8] (8).

Quando Teresa de Jesus recebeu o preceito de obediência de ser Prioresa


da Encarnação por ordem do Visitador A. de Salazar, estando Teresa como
Prioresa em Medina, diz Maria de S. Francisco (Baraona), noviça daquela
comunidade: «A Santa afligiu-se muito e saiu do dito capítulo com as
noviças, entre as quais ia eu e, como a visse muito chorosa e aflita, fiquei
junto dela, e logo se atirou para os meus braços, fazendo uma exclamação
a Deus Nosso Senhor, desta forma: ‘Deus das minhas entranhas e da
minha alma: eis-me aqui, vossa sou. A carne, como fraca, sente; mas minha
alma está pronta. Fiat voluntas tua!» (Faça-se a tua vontade!)[9].

Já anteriormente o Senhor a tinha consolado, quando rezava por seu irmão


Agostinho: «O Senhor disse-me: “Oh, filha, filha, estas irmãs da Encarnação
são minhas. Porque hesitas? Tem coragem; olha que sou Eu que o quero e
não é tão difícil como te parece; e por onde pensais que estas casas ficarão
a perder, ambas ganharão. Não te oponhas, porque o meu poder é
grande».» (CC 20).

De facto não foi muito difícil: a Virgem aplanou-lhe o caminho. Entrou para
tomar o cargo de Prioresa na Encarnação sentindo-se muito alvoroçada: no
dia seguinte tomaria posse do Priorado e faria a sua apresentação oficial,
que teria lugar no Capítulo.

Entrou envergando a capa branca e sentou-se no cadeiral, no mesmo lugar


onde anteriormente se sentara. A cadeira prioral estava ocupada pela
imagem de nossa Senhora da Clemência, com as chaves do mosteiro nas
mãos e o cadeiral da Sub-Prioresa estava ocupado pela imagem de São
José.

Madre Teresa sentou-se então aos pés da imagem. Seguidamente pediu às


monjas que fossem passando, uma a uma, para prestar obediência à
Prioresa, que era a Virgem: quem lho negaria!

A Virgem da Clemência ficou na cadeira prioral durante os três anos que


durou o priorato de Madre Teresa. Cada noite, quando lhe traziam as
chaves das portarias, entregava-as à dita imagem, segundo conta «Maria
Bautista». Porque «a Virgem Santíssima, a quem pertence esta religião, era
a verdadeira Prioresa que a governaria«[10].

Teresa de Jesus não deixava de dizer que a Virgem era a Prioresa real e
ela, apenas a sua vigária. Isto dava-lhe muito consolo: vendo que tinha tal
Prioresa no seu lugar não se espantava dos excelentes sucessos daquele
Priorado, visto ser o da própria Mãe de Deus.

Certamente que, na Encarnação, a Virgem tinha dois instrumentos dóceis,


que a ajudaram a mudar aquela comunidade de monjas: Santa Teresa de
Jesus e São João da Cruz. Escreveu Teresa a D. Maria de Mendoza: «É
para louvar a Nosso Senhor a mudança que nelas operou. (…) É a minha
Prioresa que faz estas maravilhas.» (Cta. 41, 3)

Três meses depois de Madre Teresa ter posto a Virgem da Clemência na


cadeira prioral, a própria Virgem lhe confirmou que aquele era o seu lugar:
«Na véspera de São Sebastião, no primeiro ano em que fui Prioresa na
Encarnação, ao começar a Salve, vi na cadeira prioral, onde está colocada
nossa Senhora, descer a Mãe de Deus com uma grande multidão de anjos
e pôr-se ali. (…) Esteve assim durante toda a Salve e depois disse-me:
‘Fizeste bem em pôr-me aqui. Eu presidirei aos louvores que derem ao meu
Filho, e apresentar-lhos-ei’.» (CC 25, 1).

As monjas tiveram conhecimento desta visão e, por veneração, nunca mais


ninguém ousou sentar-se naquela cadeira prioral. A partir desta visão, o
coro alto da igreja é um santuário mariano para as Carmelitas: aí vão orar a
sós, apresentar à Virgem as súplicas das pessoas que se encomendam às
suas orações ou desabafar com a Virgem. Desde esta aparição da Virgem a
Santa Teresa, a devoção mariana experimentou um renovado impulso. Aos
poucos, a presença de Maria foi mudando a face da comunidade.

Outro facto significativo na vida de Teresa de Jesus, a respeito da Virgem


como Superiora maior da Ordem, foi no dia da Natividade da Virgem do ano
de 1575. Desejando interiormente renovar os seus votos – o que se faz
diante o Superior maior – tornou-se-lhe presente a Virgem Maria. Assim
conta ela: «No dia de nossa Senhora da Natividade sinto uma alegria
especial. Quando chega este dia, parece-me que seria bom renovar os
votos. E, querendo fazê-lo, representou-se-me a Virgem, Nossa
Senhora, por via iluminativa; pareceu-me que os fazia nas suas mãos e
que lhe eram agradáveis. Esta visão durou-me alguns dias, estando Ela
junto a mim, do lado esquerdo.» (CC 48).

Nove anos mais tarde também a insigne Carmelita, Santa Maria Madalena
de Pazzi, que ingressou no Carmelo de Florência no mesmo ano em que
Santa Teresa morreu em Alba de Tormes, teve uma visão com um conteúdo
semelhante a estas duas últimas visões transcritas por Santa Teresa de
Jesus.

Teve esta visão Santa Maria Madalena de Pazzi, aos 5 de Agosto de 1984:
«Eu via que todas as sendas conduziam a um belo jardim que compreendi
ser o paraíso. Uns trilhos chegavam até o centro do jardim, ao qual, a
parecer, davam dignidade e beleza. Entendi que as ditas fontes e árvores
eram os fundadores das religiões, como Santo Agostinho, São Domingos,
São Francisco e outros fundadores (…) Vi que o caminho por onde seguiam
[os Carmelitas]… era muito mais visível do que os outros, mas não concluía
em nenhuma daquelas árvores nem daquelas fontes, mas sim junto da
Rainha e Senhora do Jardim, que é a nossa Mãe, a Virgem Maria, sob cuja
bandeira vivemos…«[11].

Três séculos mais tarde o insigne Carmelita, Beato Francisco Palau, que
sempre tinha tido o veemente desejo de vir a contemplar a sua Amada, a
Igreja, sem sombras nem rugas, tinha clamado ao Céu, suplicando um
pouco mais de tempo de vida para poder deixar em ordem as suas
fundações. Quando chegou o tempo da sua última enfermidade ainda não
tinha podido dispor, por documento público, quem lhe deveria suceder na
direção da Congregação.
Havia em todos os seus filhos e filhas a preocupação sobre quem seria o
novo diretor. Perguntaram-lho e ele respondeu: «Tendes a Virgem do
Carmo, que é vossa Mãe; correi, portanto, para junto dela, que vos acolherá
como Mãe, a mais carinhosa de todas as mães; quanto a diretores, no
segundo dia a seguir à minha morte já se vos terão oferecido três: e assim
aconteceu. Duas horas antes de morrer, pediu aos Irmãos e Irmãs que
orassem por ele, interpondo a ajuda de São José; exortou-os a que se
refugiassem sob o manto protetor da Virgem do Carmo que, sendo sua
Mãe, não os abandonaria«[12].

Estas palavras foram ditas no momento supremo da morte, quando se lhe


perguntou quem ocuparia o seu lugar, visto ser ele o Fundador. Mas a
Providência de Deus não permitiu que ninguém ocupasse esse lugar, a não
ser a própria Virgem Maria, Nossa Senhora do Carmo. Ela se encarregaria
de proteger e velar por aqueles filhos e filhas que, à imagem de Cristo, seu
Filho, o Beato Francisco Palau deixava aos seus cuidados. E certamente a
Virgem Maria velou por eles. Após a sua morte houve tal quantidade de
contrariedades que ficaram em perigo de desaparição aquelas fundações
geradas com tanta dor e contradição por parte do Beato Francisco Palau.

Da mesma forma que a Virgem Maria velou poderosamente pela


continuação da Reforma Teresiana, assim velou pelas congregações
fundadas pelo Beato Francisco Palau. Ela não defraudou a confiança que
nela tinha depositado este seu filho: «Sendo sua Mãe, não os
abandonaria». Também não a defraudam as suas filhas, pelo amor com que
hoje continuam a professar diante da Virgem Santíssima.

O testemunho da tradição da Ordem Carmelita de Santa Teresa de Jesus,


de tantos santos Carmelitas e da própria Igreja é unânime: «não se
reconhece no Carmelo outro fundador ou padroeiro da Ordem se não a
própria Virgem Maria, aquela que presidiu ao Oratório primitivo«[13].

2.5. O CARMELO É TODO DE MIA

Este lema que permanece na mente e no coração de todos os Carmelitas


desde a Idade Média, exprime que a Virgem Maria é a realidade primeira e
determinante, a razão de ser e a missão da Ordem Carmelita na Igreja. É
uma forma de seguir a Cristo, tendo por modelo a sua primeira e melhor
discípula: a Virgem Maria.

E, visto que a Ordem é da Virgem – assim o afirmava Cristo no íntimo de


Teresa – tudo o que diz respeito à Ordem permanece vinculado a Maria. A
Santa deu vida a este lema, referindo-se a Maria como sendo propriedade
sua a Regra, o hábito, as monjas, os frades e os mosteiros: disso dão
testemunho todos os seus escritos.

A Regra, que guia a vida da Ordem é a Regra de Nossa Senhora.


«Guardamos a Regra de Nossa Senhora do Carmo, cumprindo-a sem
mitigação, tal como a redigiu Frei Hugo, Cardeal de Santa Sabina, e dada
em 1248, no ano V do Pontificado do Papa Inocêncio IV.» (V. 36, 26).

Na declaração prévia de Caminho de Perfeição Teresa refere: «… com a


ajuda de nosso Senhor e da gloriosa Virgem Mãe de Deus, Senhora nossa,
a partir da Regra Primitiva de Nossa Senhora do Carmo». E quando define
a finalidade da fundação de São José, recanto-berço da Reforma, refere:
«onde também pretendi se guardasse esta Regra de Nossa Senhora e
Imperatriz com a perfeição primitiva.» (C. 3, 5).

Quando o Geral da Ordem, o Padre Rúbeo, visita o mosteiro de São José,


Teresa diz: «Ficou contente com a nossa maneira de viver, que lhe pareceu
um retrato, embora imperfeito, dos inícios da nossa Ordem. Viu como se
guardava a Regra Primitiva com todo o rigor » (F. 2, 3).

Santa Teresa, como outros insignes mestres da Ordem, entre eles John de
Baconthorp (+1348) apresenta a Virgem como modelo de todo o Carmelita,
pois na Regra transparentava-se a vida que Maria levou na terra: a sua
obediência, a sua humildade, silêncio, solidão, oração, trabalho, vida de
intimidade com Deus… fala disso às suas monjas: «Que nosso Senhor,
irmãs, nos permita viver a vida como verdadeiras filhas da Virgem Maria e
cumprir o que prometemos» (F. 16, 7).

Convida as suas filhas a manterem sempre este ideal: «… cada uma das
que vierem saiba que recomeça nela esta Regra Primitiva da Virgem Maria
Nossa Senhora, e de maneira nenhuma seja permitido em nada o
relaxamento.» (F. 27, 11).

O hábito

Teresa sentia-se orgulhosa e feliz de vestir o hábito do Carmo, que era o


hábito da Virgem. Lembra com grande carinho o dia em que tomou o hábito,
como um dia de bênção e de graça do Senhor: «Quando tomei o hábito, o
Senhor deu-me logo a entender como favorece a quem faz violência sobre
si mesmo para O servir. (…) Senti uma alegria tão grande por ter abraçado
aquele estado que nunca mais me faltou até hoje. Deus mudou a secura da
minha alma em imensa ternura.» (V. 4, 2). Anos mais tarde recordava esse
dia e escrevia ao Padre Graciano: «É hoje véspera de Todos os Santos. No
dia das Almas tomei o hábito; peça Vossa Paternidade a Deus que me faça
verdadeira monja do Carmelo, pois mais vale tarde do que nunca.» (Cta.
139, 5).
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Vestir o hábito era forma de expressar a consagração à Virgem Maria e a


pertença à sua Ordem. Nos seus escritos expressa esse gozo que tenta
transmitir às suas filhas: «Valha-me a misericórdia de Deus, em quem
sempre confiei pelo Seu sacratíssimo Filho e a Virgem Nossa Senhora, de
cujo hábito, pela bondade do Senhor, estou revestida.» (F. 28, 35)
Teresa gostava de pensar: «Quantos santos não temos nós no Céu que
trouxeram este hábito!» (F. 29, 33).

Aquando da fundação do mosteiro de São José refere que: «… via


concluída uma obra que havia pensado para servir o Senhor e honrar o
hábito da Sua Gloriosa Mãe.» (V. 36, 6). Inclusivamente, ao narrar a
fundação de Villanueva de la Jara, identifica a honra com que foi acolhida a
nova fundação com o hábito da Virgem: «Se vos dei tão larga conta das
honras prestadas ao hábito de Nossa Senhora, é para que louveis Nosso
Senhor e Lhe rogueis que se sirva desta fundação.» (F. 28, 38).

Da mesma forma que a Regra tentava transparentar a vida que levou a


Santíssima Virgem, o hábito significava também procurar realizar o estilo de
vida de Maria. Mas disto Santa Teresa vê-se ainda muito distante; por isso,
sente-se indigna: «Se alguma coisa boa houver, seja para honra e glória de
Deus e serviço de sua sacratíssima Mãe, Padroeira e Senhora nossa, cujo
hábito trago, ainda que muito indignamente » (C. Declaração) e «pedindo a
ajuda da Sua gloriosa Mãe, cujo hábito indignamente trago» (F. Pról. 6).

Também consciencializa as suas filhas da sua dignidade: «… cujo hábito


indignamente trago; e vós também.»(3M 1, 3). Não deixa, porém, de as
convidar a que as suas vidas sejam reflexo das virtudes da Virgem Maria:
«Minhas filhas, pareçamo-nos nalguma coisa à grande humildade da
Sacratíssima Virgem, cujo hábito trazemos. É uma afronta dizer que somos
suas freiras, pois, por muito que nos pareça que nos humilhamos, ficamos
bem longe de ser filhas de tal Mãe e esposas de tal Esposo.” (C. 13, 3).

Trazer o hábito do Carmo significa também um serviço específico dentro da


Igreja: «É por isso que agora digo: embora todas nós, as que trazemos este
sagrado hábito do Carmo, sejamos chamadas à oração e à contemplação –
na verdade, foi este o nosso princípio: descendemos da casta daqueles
nossos santos Padres do Monte Carmelo » (5M 1, 2). Tal como também
significa pertencer a uma mesma família, pelo que se devem ajudar
mutuamente nas necessidades: «É por isso que trazemos todas este hábito,
para nos ajudarmos umas às outras, pois o que é de uma é de
todas…» (Cta. 295).

Quando Santa Teresa fala do hábito do Carmo, teria ela presente a


aparição que, segundo a tradição, São Simão Stock teve da Virgem, vendo-
a rodeada por uma multidão de anjos e trazendo nas mãos o escapulário da
Ordem, visão esta parecida com as que ela própria teve?

Em Espanha a devoção ao Escapulário divulgou-se sobretudo no século


XVI, tendo-se disso referência documentada na visita que o Padre Geral
Rúbeo fez a Espanha, «durante a qual ele mesmo impôs pessoalmente o
escapulário a mais de 200.000 pessoas»[14].
As caraterísticas da devoção ao Santo Escapulário ao longo da História
refletem o que Santa Teresa afirmava quanto ao significado de vestir o
hábito da Virgem:

 confiar na sua proteção e misericórdia


 participar nos seus méritos,
 consagrar-se ao serviço da Virgem,
 imitar as suas virtudes,
 sinal de pertença a uma família religiosa,
 fraternidade com todos os seus membros…

Decerto a Santa foi uma das melhores colaboradoras da Virgem, tornando


realidade a promessa de salvação eterna e libertação do Purgatório o mais
depressa possível, tendo esta tradição sido recolhida pelo próprio Papa, Pio
XII: «Não se trata de um assunto de pouca importância, mas de alcançar a
vida eterna em virtude da promessa feita, segundo a tradição, pela
Santíssima Virgem. (…) Certamente, a clementíssima (…) Mãe não deixará
de fazer com que, pela sua intercessão, os seus filhos que expiam no
Purgatório as próprias culpas, alcancem a Pátria celeste o mais depressa
possível, conforme o privilégio sabatino, que a tradição nos tem
transmitido«[15] (15).

Unidas à intercessão da Virgem Santíssima estão as orações que Santa


Teresa fez durante toda a vida por estas intenções: «Quanto a nosso
Senhor tirar almas de pecados graves por eu Lho pedir, e trazer outras a
maior perfeição, é algo que acontece muitas vezes. O mesmo se diga de
tirar almas do Purgatório, e outras coisas extraordinárias. São tantas as
graças que o Senhor nisto me tem feito que, se as tivesse de contar,
cansava-me eu e quem as lesse.» (V. 39, 5).

Não se limita a vivê-lo ela pessoalmente, mas transmite-o às suas


filhas: «Por todos os meios que pudermos, ganhemos almas para que se
salvem e O louvem por toda a eternidade.» (7M 4, 12). “Parece-me que Ele
preza mais uma alma que Lhe ganhássemos com o nosso engenho e
oração, mediante a sua misericórdia, do que todos os serviços que Lhe
possamos prestar » (F. 1, 7).

Se, ao ser imposto o Santo Escapulário, se participa de todos os bens


espirituais que, pela misericórdia de Deus, têm sido concedidos aos
membros da Ordem do Carmelo, das suas boas obras, penitência e
orações, certamente a Ordem ficou verdadeiramente enriquecida na pessoa
de Santa Teresa. Já o dizia um seu contemporâneo e Superior Geral da
Ordem, o Padre Rúbeo: «Dou infinitas graças à Divina Majestade por tantos
favores concedidos a esta religião, pela diligência e bondade da nossa
Reverenda Madre Teresa de Jesus. Ela dá mais proveito à Ordem que
todos os Frades Carmelitas de Espanha. Deus lhe dê longos anos de vida.
(…) Pelo amor de Deus, nos encomende às orações de todas as monjas
benditas daquela Casa, morada dos anjos» [16].
Numa das visões da Virgem Maria com que foi favorecida, conta ela
mesma: «Vi Nossa Senhora cercada de imensa glória e revestida dum
manto branco» (V. 36, 24). A Virgem Maria vestia, tal como as Irmãs, um
manto ou capa branca, que desde antanho na Ordem foi símbolo da pureza
de Maria, que todos deviam imitar.

Os Mosteiros

Aos seus mosteiros Teresa chamava «Palomarcitos de la Virgen«, que quer


dizer: Pombaizinhos da Virgem, um termo carinhoso que expressa o
domínio e senhorio amoroso da Virgem sobre todas as casas da Ordem.

A fundação do mosteiro de São José teve lugar no dia de São Bartolomeu,


como se a Divina Providência quisesse dar testemunho em favor de Teresa,
como um dia Cristo o deu de Natanael, que a tradição identifica com o
apóstolo São Bartolomeu: «Aí vem um verdadeiro israelita, em quem não há
fingimento» (Jo 1,47). E referindo-se a Teresa: «Eis uma verdadeira cristã,
em quem não há fingimento«.

Teresa de Jesus, com grande esforço da sua parte, velou para que a
segunda e a terceira fundações acontecessem no dia da Assunção de
Maria: a de Medina del Campo, em 1567, e a de Valladolid, em 1568.
Seguramente se sentiria feliz que assim fosse, recordando a graça que o
Senhor lhe fez neste dia, anos antes, «num arroubamento [vi] o modo como
Ela subiu ao Céu, bem como a alegria e a solenidade com que foi recebida
(…) Esta visão deixou-me grandes efeitos, pois ajudou-me a ter um maior
desejo de passar grandes trabalhos e de servir muito a esta Senhora, que
bem o merecia”. (V. 39, 26) E agora via tornadas realidade duas novas
fundações naquele seu dia.

A Casa de Malagon foi inaugurada no dia da Imaculada Conceição,


embora tenha custado «farto trabalho consegui-lo«.

Na fundação de Palencia, quando procurava lugar para fundar,


estando indecisa, «Fui receber o Santíssimo Sacramento e, logo que
comunguei, ouvi estas palavras: Esta é a que te convém. (…) O Senhor
respondeu-me: ‘Eles não sabem o quanto sou lá ofendido, e isto servirá de
grande remédio.’ (…) Como ao meu confessor parecia que se devia
avançar, eu disse-lhe (…) que, boa ou má, cara ou barata, eu estava
resolvida a comprar a casa de nossa Senhora.” (F. 29, 18. 22). Uma vez
realizada a fundação, encheu-se de alegria: «Depois vimos todos
claramente (…) E isto sem falar no principal, que é ver quanto Nosso
Senhor e a Sua gloriosa Mãe ali são servidos; além disso, acabaram-se as
ocasiões (…) que o demónio não queria que lhe tirassem. Nós alegramo-
nos por poder servir nalguma coisa Aquela que é Nossa Mãe, Senhora e
Padroeira.» (F 29, 23). A vontade do Senhor era a sua maior alegria.

Sim, a fundação dos mosteiros eram um dom de Deus e da Virgem: «com a


ajuda de Nosso Senhor e da gloriosa Virgem, Mãe de Deus» (C.
Declaração). Também os que os habitavam são um dom de Deus e da sua
Mãe: “À medida que se foram povoando estes pombaizinhos da Virgem
Nossa Senhora, a Divina Majestade começou a mostrar as suas grandezas
nestas mulherzitas, fracas na natureza mas fortes nos desejos e no
desapego de todas as criaturas» (F 4, 5).

Dirá Teresa, «Pus-me a pensar que, se fundávamos mosteiros de monjas,


seria muito necessário que também houvesse frades da mesma Regra. (…)
Rezei muito a nosso Senhor e, da melhor maneira que soube, escrevi uma
carta ao nosso Padre Geral fazendo-lhe o pedido. Dava-lhe as razões pelas
quais prestaria um grande serviço a Deus; (…) fiz-lhe ver como isso
agradaria a nossa Senhora, de quem era muito devoto. Talvez tivesse sido
ela a resolver o assunto; (…) enviou-me a licença para a fundação de dois
mosteiros. (…) Eu não fazia mais que pedir a nosso Senhor que suscitasse
ao menos uma pessoa» (F 2, 5-6). Apareceram duas: Frei António Herédia
e Frei João de Santo Matias, o futuro São João da Cruz.

Teresa vê que a Virgem vai dispondo novos operários para o bem da


Ordem. Um deles é o Padre Graciano: «Sim, verdadeiramente ele pareceu-
me um homem enviado por Deus e por sua bendita Mãe, cuja devoção –
que a tem muito grande – o trouxe à Ordem para meu auxílio « (Cta. 208,
4). «Parece ter sido escolhido pela Virgem para fazer com que estas monjas
vão muito adiante » (Cta. 271, 6 ).

Cheia de alegria, elogia D. Isabel Jimena pela sua determinação em tomar o


hábito de Descalça: “Facilmente me pudera Vossa Mercê persuadir de que
é muito boa e apta para filha de nossa Senhora, entrando nesta sagrada
Ordem que a Ela pertence.» (Cta. 30, 2).

Também veio alegrá-la o sonho que lhe explicou uma Irmã que entrou
no convento de Beas: «Entre outras coisas, esta irmã disse-me que uma
noite, (…) se deitou com o desejo de encontrar a Ordem mais perfeita que
houvesse na Terra para nela se fazer freira. Começou a sonhar, e parecia-
lhe que ia por um caminho muito estreito e apertado, com muito perigo de
cair numa espécie de grandes barrancos, quando viu um frade Descalço.
(…) que lhe tinha dito: “Vem comigo, Irmã”, levando-a a uma casa com
muitas freiras, (…) e que a prioresa, tomando-a pela mão, lhe disse: “Filha,
quero que venhas para aqui” e mostrou-lhe a Regra da Ordem e as
Constituições. Quando despertou do sonho, ficou tão contente que lhe
parecia ter estado no Céu, e escreveu o que se lembrava da Regra. Viveu
muito tempo sem dizer nada ao confessor, nem a nenhuma outra pessoa, e
ninguém lhe dizia nada desta Ordem.

Veio por ali um Padre da Companhia de Jesus, que sabia dos seus
desejos (…). Ela mostrou-lhe o papel e disse-lhe que ficaria muito contente
se encontrasse aquela Ordem, pois entraria logo nela. Ele tinha notícia
destes mosteiros e disse-lhe que aquela Regra era a de nossa Senhora do
Carmo. Não a soube esclarecer com muita clareza, mas falou-lhe dos
mosteiros que eu andava a fundar. « (F. 22, 21-22).
 As Monjas

Às monjas que habitavam nestes “pombaizinhos” chama-as filhas da Virgem


e exorta-as: «Que Nosso Senhor, Irmãs, nos permita viver a vida como
verdadeiras filhas da Virgem» (F. 16, 7).

Dá-lhes ainda outro nome carinhoso: “as ovelhinhas da Virgem calam-se


como cordeirinhos» (F. 18, 7). Perante os exageros de uma Prioresa, diz:
«Estes mosteiros da Virgem, nossa Senhora, (…) pela bondade do Senhor,
estão bem longe de precisar deste rigor» (M. V. C. 6).

 Os Frades

Ao Padre Geral, Rúbeo, chama servo da Virgem (Cta. 83, 9). Do Padre
Graciano diz ser súbdito da Virgem (F 23, 8); “Como bom capitão que havia
de ser dos filhos da Virgem Maria” (F. 23, 10) e «se ponha muito em ordem
este rebanho da Virgem» (Cta. 302, 4).

Também lhes dá o nome de «cavalheiros da Virgem» (Resposta a um


Desafio, Introdução, 28).

 Os Benfeitores

Na fundação de Palencia chama-os «amigos de nossa Senhora» (F. 29,


25).

2.6. A SANTÍSSIMA VIRGEM, PADROEIRA DA ORDEM DO CARMO

Desde a fundação do Oratório da Virgem no Monte Carmelo, pelos eremitas


latinos que escolheram a Virgem Santíssima como Padroeira,
estabeleceram-se elos de vassalagem espiritual e tudo o que era deles
pertencia à Virgem Maria, como Senhora do Lugar e dos seus moradores;
ao mesmo tempo que nela confiavam, ela protegia-os e preocupava-se
vivamente com os seus interesses.

Ao longo da História da Ordem do Carmo é constante a fidelidade dos filhos


em consagrar-lhe todas as casas e cada um deles próprios através da
profissão religiosa.

Também não faltou a proteção da Virgem, nossa Senhora. A Ordem atribui


à intercessão da sua celeste Padroeira a redação da Regra, em 1209, pelo
Patriarca de Jerusalém, a aprovação da Regra pelo Papa, Honório III, em
1226, a passagem da mesma para a Europa, em 1238, a própria
sobrevivência da Ordem após o Concílio de Lyon, em 1274, (que limitava o
número de Ordens na Igreja), o triunfo do título: «Irmãos da Virgem Maria
do Monte Carmelo» na Universidade de Cambridge, em 1374, e, sobretudo,
a promessa do Santo Escapulário como «privilégio para si e para todos os
Carmelitas: morrendo com ele se salvarão«, palavras ditas pela Virgem
Santíssima, segundo a tradição, a São Simão Stock no dia 16 de julho de
1251; e o privilégio sabatino (1322): conforme a tradição, a Virgem
apareceu ao Papa João XXII, dizendo-lhe que, como Mãe, no sábado após
a morte, libertaria do Purgatório e faria entrar no Céu aqueles que tivessem
levado dignamente o Escapulário da Ordem do Carmo.

Perante tão constante e poderosa proteção, embora a cada semana já se


celebrasse a memória litúrgica de Maria, na segunda metade do século XIV
iniciou-se em Inglaterra a «Solene Comemoração da Bem-aventurada
Virgem Maria do Monte Carmelo» para dar graças à Padroeira por todos os
benefícios recebidos pela Ordem ao longo da História. Se este dia a
princípio se fixou a 17 de julho, em finais do século XV, passaria para o dia
16 do mesmo mês. Esta festa sempre foi, não somente da Ordem, mas
também da Igreja por causa da proteção da Virgem Maria a todos os que
vestiam o Santo Escapulário. O próprio Papa Paulo VI, em Marialis
Cultus, diz: » Se é verdade que o Calendário romano põe em realce
sobretudo as celebrações acima recordadas, ele enumera todavia outros
tipos de memórias, ou festas: umas, ligadas a motivos de culto local, mas
que alcançaram um âmbito mais vasto e um interesse mais vivo (11 de
fevereiro: Nossa Senhora de Lourdes; 5 de agosto: Dedicação da Basílica
de Santa Maria Maior, em Roma); outras, originariamente celebradas por
Famílias religiosas particulares, mas que hoje em dia, dada a difusão que
obtiveram, podem dizer-se verdadeiramente eclesiais (16 de julho: Nossa
Senhora do Monte Carmelo; 7 de outubro: Nossa Senhora do Rosário)«[17].

2.7. O PADROADO DA VIRGEM NA REFORMA DE STA. TERESA DE


JESUS

Quando o Senhor instou Santa Teresa à fundação do mosteiro de São José,


onde «seria muito servido«, também lhe prometeu que São José nos
guardaria uma porta “e nossa Senhora, a outra, e Cristo andaria connosco«.
(V 32, 11) O mesmo lhe reafirma a Virgem «que nele muito se serviria ao
Senhor, a ela e a São José; que não tivesse medo porque nele jamais
haveria relaxamento (…) porque Eles nos guardariam» (V. 33, 14).

Nestas locuções interiores deu-se uma revitalização da relação que desde


sempre os Carmelitas tinham tido com a Virgem, a dedicação da sua vida
ao serviço dela, para glória de Deus e a proteção daqueles que a servem e
se acolhem ao seu cuidado maternal: «estou sossegado e tranquilo como
criança saciada, ao colo da mãe» (Salmo 131, 2).

Deve tê-la enchido de gozo, esperança e confiança a visão que teve no


mosteiro de São José de Ávila: «depois de Completas, estando todas no
coro em oração, vi Nossa Senhora, cercada de imensa glória e revestida
dum manto branco, debaixo do qual nos parecia abrigar a todas» (V. 36,
24).

Teresa de Jesus comprovou a veracidade destas promessas e desta visão,


quando as tempestades desabaram, logo no princípio da Reforma. O seu
coração não deixava de suplicar à Virgem Santíssima esta ajuda e fez-lhe a
promessa de celebrar uma festa em ação de graças: «Era o dia da
Apresentação de Nossa Senhora […] Interiormente propus-me: se a Virgem
alcançasse de Seu Filho que, nós e o nosso Padre nos víssemos livres
destes Frades, eu iria pedir-lhe que ordenasse a todos os mosteiros de
Descalças que celebrassem solenemente esta festa» (CC 60, 2). «Se eu
não estivesse certa de que vivem estes Descalços e Descalças desejosos
de cumprir a sua regra com retidão e verdade, teria algumas vezes temido
que os Calçados alcançassem o que pretendem (que é acabar com este
princípio que a Virgem Sacratíssima quis que se começasse)» (Cta. 226).
«Uma vez, estava a pensar no intento de quererem desfazer este mosteiro
de Descalças, e assim, pouco a pouco, ir acabando com todos. Então
entendi: “Isso é o que pretendem, mas não o verão, pois sair-lhes-á bem ao
contrário”». (CC 62) “Tanto quanto entendo, e o demónio que não
pode sofrer que haja Descalços nem Descalças, e assim
lhes dá tanta guerra; mas confio no Senhor que de pouco lhes servirá» (Cta.
269, 2). Santa Teresa confia tudo nas mãos de Maria, sua protetora: «Olhe
que este negócio é da Virgem Nossa Senhora, que tem necessidade agora
de ser amparada por pessoas destas, na guerra que faz o demónio contra a
sua Ordem.» (Cta. 279, 4).

Por fim, “quando estava em Palencia, Deus quis que se fizesse a separação
entre Calçados e Descalços. Estes constituíram-se
em província própria, que era tudo o que desejávamos para nossa paz e
descanso (…) Agora, Calçados e Descalços, estamos todos em paz» (F. 29,
30 e 32).

Se, para fazer novas fundações de Monjas e Frades, a Virgem se serviu do


Padre Rúbeo, Geral da Ordem: “fiz-lhe ver como isso agradaria a Nossa
Senhora, de quem era muito devoto» (F. 2, 5), quando, por várias razões,
temeu pela sua sobrevivência, Santa Teresa pediu ajuda ao rei, Filipe II [de
Espanha], porque cria “muito firmemente que quis Nossa Senhora valer-se
de Vossa Majestade e tomá-lo como auxílio para remédio da sua Ordem, e
assim não posso deixar de acudir a Vossa Majestade com os assuntos que
lhe dizem respeito.» (Cta. 218, 1). O rei, escutou-a e «a pedido do nosso rei
católico D. Filipe, veio de Roma um Breve muito valioso para isso» (F. 29,
30).

Embora se tivesse dado a separação entre Calçados e Descalços, nem por


isso a Virgem Maria deixou de ser a Padroeira, nem eles deixaram de
pertencer à Ordem, assim o deixa escrito: «Nosso Senhor concluiu uma
coisa tão importante para honra e glória da sua gloriosa Mãe, Senhora e
Padroeira nossa, pois trata-se da Sua Ordem.» (F. 29, 31).

Outra das graças que recebeu do Senhor para as suas filhas, esperando
«que Deus na Sua bondade nos conceda esta graça, pelos méritos do seu
Filho e da Sua gloriosa Mãe, cujo hábito trazemos« (F. 16, 5), foi a graça de
uma boa morte: «disse-me que tivesse a certeza que haveria de amparar
assim todas as monjas que morressem nestes mosteiros, e que não
temessem as tentações à hora da morte.« (F. 16, 4).
Santa Teresa valoriza muito esta promessa e o cumprimento das outras
duas que a Virgem Maria tinha feito, segundo a tradição: a salvação eterna
e a libertação do Purgatório; agora acrescentava-se o não sofrer tentações
na hora da morte. Por isso, exorta as suas filhas: «Esforcemo-nos
por ser verdadeiras Carmelitas, porque depressa se acaba o dia (…) e
cumprir o que prometemos para alcançarmos de Nosso Senhor
a graça prometida» (F.16, 5 e 7).

Perante tantos favores recebidos por meio da Virgem, sua celeste


Padroeira, não deixa de a indicar às suas filhas como Protetora e que se
alegrem de o ser: «Olhai que bem maior do que este contentamento era o
de alguns santos que caíram em pecados graves (…) Imitai-a e considerai
quão excelsa deve ser esta Senhora e o grande benefício de a termos por
padroeira» (3M 1, 2 e 5).

2.8. A VIRGEM MARIA, IRMÃ DA ORDEM

Com o nome de «Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do


Monte Carmelo» é reconhecida na Igreja a Ordem do Carmo. Esta
designação foi extensamente desenvolvida por A. Bostio. Se a vida do
Carmelita se deve assemelhar à vida de Maria, estabelece-se uma
verdadeira Irmandade de espírito entre o Carmelita e Maria, confirmando a
relação de parentesco. Os Carmelitas consideravam-na como uma das
Irmãs entre eles, Aquela que os tinha recebido em sua casa para viverem
juntos no seguimento do Senhor. Santa Teresa também utiliza o nome de
«Irmãs da Virgem«, quando escreve às monjas de Sevilha (que
atravessavam momentos de grande perseguição). Tenta enchê-las de
confiança e ânimo: «Saiam-se com honra, como filhas da Virgem e irmãs
suas nesta grande perseguição pois, se se ajudarem, o bom Jesus vos
ajudará que, embora a dormir no alto mar, quando cresce a tormenta faz
parar os ventos. Quer que Lho peçamos, e ama-nos tanto que sempre
procura que aproveitemos.« (Cta. 284, 3).

2.9. MARIA, MÃE DE DEUS E DA ORDEM

O nome teológico – por excelência – da Virgem de Nazaré é o de «Mãe de


Deus». A designação de Mãe do Carmelo, que se encontra oficialmente
pela primeira vez no Capítulo de Lombardia (1333), onde se chamou a
Maria «Gloriosae Virginis Matris nostrae de Carmelo«, aparece
frequentissimamente no vocabulário de Teresa, com os mais variados
qualificativos: «Gloriosa Mãe», «Sacratíssima Mãe», «Mãe gloriosíssima»,
«Bendita Mãe», «Nossa Mãe», quando transcreve locuções do Senhor.

No coração de Teresa estava a realidade primeira que lhe ensinou a própria


mãe, D. Beatriz: que a Virgem Maria era a sua Mãe do Céu. E, quando
morreu, a Ela acudiu e toda a vida teve uma íntima relação filial com aquela
que a acolheu e se tornou sua verdadeira Mãe. Os ensinamentos da própria
mãe lhe valeram tanto que procurou que as filhas, que Deus pusera aos
seus cuidados, também se impregnassem desta veneração filial, que
sempre lhe mostrou: que a amassem e procurassem imitá-la.

Em diversas partes dos seus escritos, chama às suas monjas «minhas


filhas«, mas tenta transmitir-lhes que, antes de tudo, são «filhas da Virgem«.
Deus tinha-lhe concedido o poder de participar no dom da maternidade
espiritual da Virgem Maria. Ela estava muito consciente da distância entre
ambas e por isso escreveu este texto precioso em que, humilhando-se, é
por sua vez exaltada: “Sua Majestade bem sabe que da sua misericórdia só
me posso vangloriar! E, uma vez que não posso deixar de ser a que fui, não
tenho outro remédio senão acolher-me a ela e confiar nos méritos do seu
Filho e da Virgem Maria, sua Mãe, cujo hábito indignamente trago; e vós
também. Minhas filhas, louvai o Senhor, porque sois verdadeiramente filhas
desta Senhora; e, já que tendes tão boa Mãe, não vos consumais por eu ser
tão ruim. Imitai-a e considerai quão excelsa deve ser esta Senhora, e o
grande benefício de a termos por padroeira, porque não bastaram os meus
pecados, e ser eu a que sou, para deslustrar esta sagrada Ordem.» (3M
1,3).

Santa Teresinha do Menino Jesus no fim da vida, sintonizando com os


sentimentos da Virgem Maria, pode dizer: «Meu Deus! Que estranho!
Uma Mãe que faz desaparecer a glória dos filhos! Eu, por
mim, penso absolutamente o contrário. Acredito que Ela engrandecerá
muito o esplendor dos eleitos» (UCR.21.8.3). Certamente, estas palavras se
cumpriram especialmente no Carmelo Teresiano, onde o amor, o estudo e o
conhecimento de Santa Teresa de Jesus e de São João da Cruz, se
desenvolveram amplamente nos últimos anos. Mas partindo do coração de
Teresa, o olhar dirige-se ao Deus das misericórdias e a sua Mãe
Santíssima, convidando todos a contemplarem e imitarem a Mãe de Deus
como filhos espirituais «porque sois verdadeiramente (…) desta Senhora» e
«já que tendes tão boa Mãe»…

Outra das afirmações de Santa Teresinha sobre a Virgem Maria, que


ganhou fama: «é mais Mãe do que Rainha«. O conceito de Mãe foi o
primeiro que Teresa de Jesus aprendeu no regaço materno e no Carmelo;
além do mais, aprendeu que a Virgem era Rainha e Senhora, e o Senhor
instou-a a servi-la: a isso se dedicou o resto da vida. Se a princípio
precisava de uma Mãe, logo a seguir precisava de uma Rainha Poderosa,
que fizesse valer todo o seu poder, amparando a Reforma.

E a Virgem, a quem gostava de chamar «nossa Senhora«, jamais a


defraudou: nem como Rainha, nem como Padroeira, nem como Mãe.
Teresa também não defraudou a Virgem: entre as duas, como Mãe e filha
juntamente com São José, deram muita glória a Deus, para o bem da Igreja
e da humanidade inteira.

CONCLUSÃO
Ao longo dos escritos de Santa Teresa de Jesus fica patente que foi uma
boa aluna no lar familiar, aprendendo a encomendar-se à Virgem Maria
como Mãe e a acorrer a ela nas suas necessidades e a dar testemunho da
sua ação materna face àqueles que se abandonam no seu
regaço: «pois tenho consciência de que encontrei esta Virgem soberana
logo que me encomendei a Ela« (V. 1, 7).

Na sua família religiosa foi verdadeiramente beneficiada por tudo o que


aprendeu do carisma mariano da Ordem: aprendeu-o, viveu-o a fundo e
transmitiu-o aos seus filhos e filhas espirituais. A Virgem, sendo Mãe, era
também a Senhora a quem pertenciam, tanto eles, como os lugares em que
habitavam. A Ela deviam servir e Teresa dava o melhor exemplo. A Virgem
era também a Padroeira a quem acorreriam em busca de ajuda e proteção:
tendo como certo que Deus não se deixaria nunca vencer em generosidade,
porque «O agrado de nosso Senhor por qualquer serviço que se preste a
Sua Mãe é grande» (F. 10, 5)

Como prova disso temos Santa Teresa de Jesus que quis cantar em vida, e
continua a cantar na eternidade, as «Misericórdias do Senhor«.

_____________________

Traduzido por: Pe. José M. Collell Fargas, CMF.- MISSIONÁRI0S


CLARETIANOS.

Revisto por Ana Cristina de Miguel OCDS, 13 de maio de 2023

SIGLAS UTILIZADAS NESTE ESTUDO

 Obras de Santa Teresa:

C. Caminho de Perfeição

Cta. Cartas

CAD Conceitos do Amor de Deus

RD Resposta a um Desafio

F. Fundações

M Moradas

M.V.C. Modo de Visitar Conventos

CC Contas de Consciência

V Vida
Outras siglas

LG. Lumen Gentium

M. Rel. P. Palau, Minhas relações com a Igreja.

UCR Últimos Conselhos e Recordações de Santa Teresa de Lisieux.

– Nesta tradução portuguesa os textos bíblicos foram tirados da Bíblia dos


Capuchinhos online.

– Todos os textos originais de Santa Teresa foram tirados das «OBRAS


COMPLETAS de Teresa de Jesus».- Texto revisto
por FR.TOMAS ALVAREZ, O.C.D., Tradução por Agostinho Leal, O.C.D. e
Irmãs Carmelitas Descalças, Carmelo de São José, Fátima – Edições
Carmelo, 2015.

BIBLIOGRAFÍA

– Sta. Teresa de Jesus, Obras Completas, Edições Carmelo, 2015.

– Teresa de Jesús «Concordancias» Ed. Monte Carmelo. Burgos 1982

– Efrén de la Madre de Dios, y Otger Steggink «Tiempo y Vida de Sta.


Teresa» B.A.C. Madrid 1977, 2ª edición.

– Ildefonso de la Inmaculada, La Virgen de la Contemplación, Ed.


Espiritualidad, Madrid 1973.

– Ildefonso de la Inmaculada, «La Virgen María en nuestra vida». En


torno al capítulo 3º de las «Declaraciones de las Carmelitas Descalzas».

– Rafael Mª López-Melús, Teresa de Jesús, recordando un


Centenario, Ed. Centro de espiritualidad Carmelitana, Caudete, (Albacete)
1981.

– Rafael Mª López-Melús, Espiritualidad Carmelitana, Ed.


Carmelitanas, Madrid 1968.

– Pedro María Valpuesta, «La Virgen María en Sta. Teresa de


Jesús», Revista «Monte Carmelo». Vol. 89 (1981)183-208.

– Enrique Llamas, «La Virgen María en la Vida y en la experiencia


mística de Sta. Teresa de Jesús», Marianum, Vol.44, fasc.128-129 (1982)
48-87.

– AAVV, «Teresa de Jesús-Teresa de María», Revista «Miriam, nº 192,


1980. Ed. Carmelitas OCD de Andalucía, Sevilla.
– Instituto teológico de la vida religiosa, María en los Institutos
Religiosos, Ed. Publicaciones Claretianas. Madrid 1988, 51-64.

– Pablo VI, «Maríalis Cultus», Exhortación Apostólica. Ed. Real cofradía


de Ntra. Sra. del Lledó. Castellón 1974.

– P. Alejo de la Virgen del Carmen, Vida del Padre Palau, Barcelona


1933. Reproducción facsímil. Madrid 1979.

– Francisco Palau y Quer, Mis relaciones con la Iglesia, Ed.


Carmelitas Misioneras, Roma 1977.

– Maximiliano Herráiz, La oración, historia de amistad, Ed. Espiritualidad.


Madrid 1982.

INDICE

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………
…………………………..2

I. A VIRGEM MARIA E SANTA TERESA DE


JESUS……………………………………….2
1. DEVOÇÃO MARIANA NO SÉCULO
XVI…………………………………………..3INFÂNCIA DE TERESA E SUA
DEVOÇÃO À VIRGEM MARIA…………..4ADOLESCÊNCIA – ANOS DE
DISCERNIMENTO VOCACIONAL………..4MOSTEIRO DA ENCARNAÇÃO
DE ÁVILA………………………………………..5
2. DE NOVO A VIRGEM A TORNOU A
SI………………………………………………7
II. A SUA VIDA DE SERVIÇO À VIRGEM, PADROEIRA E RAINHA DO
CÉU……..9
1. FUNDAÇÃO DO MOSTEIRO DE SÃO
JOSÉ……………………………………….9A ORDEM, UM SER PESSOAL –
SERVIR A ORDEM É SERVIR
MARIA………………………………………………………………………………
………………11SANTA TERESA CONVIDA A VIRGEM MARIA PARA O
SERVIÇO DA
REFORMA……………………………………………………………………………
……………13A VIRGEM MARIA, SENHORA E RAINHA DA ORDEM DO
CARMO………………………………………………………………………………
……………..16O CARMELO É TODO DE
MARIA……………………………………………………….20A SANTÍSSIMA
VIRGEM, PADROEIRA DA ORDEM DO CARMO………..25O PADROADO
DA VIRGEM NA REFORMA DE SANTA TERESA DE
JESUS………………………………………………………………………………
…………………25A VIRGEM MARIA, IRMÃ DA
ORDEM…………………………………………………27
2. MARIA, MÃE DE DEUS E DA
ORDEM………………………………………………….27

CONCLUSÃO………………………………………………………………………
…………………………..28

Notas

[1] Enrique Llamas, La Virgen María en la vida y en la experiencia mística


de Sta. Teresa de Jesús, Rev. MARIANUM, 49.

[2] Pedro Valpuesta, La Virgen María en Sta. Teresa de Jesús, Rev. Monte
Carmelo. 1981, 184-185.

[3] Rafael Mª López-Melús, Teresa de Jesús. Recordando um


centenario, CESCA, Caudete 1992, 108.

[4] Ildefonso de la Inmaculada, La Virgen de la contemplación, Ed.


Espiritualidad, Madrid 1973, 69-70.

[5][5] Ildefonso de la Inmaculada, La Virgen de la contemplación, 232-233.

[6] Rafael Mª L . Melús “Tradición mariana en el Carmelo pre-


teresiano”, Rev. Miriam nº 192, Sevilla 1980, 210.

[7] Rafael Mª L. Melús, Teresa de Jesús. Recordando un centenario, 116.

[8] Rafael Mª L. Melús, Espiritualidad Carmelitana, Ed. Carmelitanas,


Madrid 1968, 259.

[9] Efrén de la Madre de Dios-Otger Steggink, Tiempo y vida de Santa


Teresa, B.A.C. Madrid 1968, 525-526.

[10] Ibid. 536.

[11] Ildefonso de la Inmaculada, La Virgen de la contemplación, 141.

[12] P. Alejo, Vida del P. Palau, Madrid 1979, 335-336.

[13] Ildefonso de la Inmaculada, La Virgen de la contemplación, 141.

[14] Instituto teológico de la vida religiosa, María en los Institutos


Religiosos, Ed. Claretianas Madrid 1988, 60.

[15] Rafael Mª L. Melús, Espiritualidad Carmelitana, 251-252.

[16] Rafael Mª L. Melús, Teresa de Jesús. Recordando un centenario, 175.


[17] Pablo VI «Marialis Cultus«, nº 8.

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