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PARTIDOS, CONGRESSO, DEMOCRACIA Prk de Fagucivok Director da Asseysores Legistateng do Senado Até hoje n&o se descobriu maneira melhor de tornar possivel a participagéo do povo no Govérno do que através do Parlamento. A presenga do povo na direcio dos seus destinos é uma aspiragio universal, Os homens, séres racionais, possuidos de livre arbitrio, tendo missées a cumprir + na vida, nunca aceitaram, salvo distorgdes histéricas excepcionais, a violacio de suas vontades pelos que, usurpando o poder, quiseram falar em seu nome. ‘Democracia, éste o grande ideal politico dos homens, desde que se tornaram conscientes de sua dignidade essenclal de pessoas, ou seja, de séres feltos & imagem e & semelhanca de Deus, com um destino transcendente a perseguir. 92 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA Essa_condigéo de pessoa teve, para o homem, as mais profundas e amplas implicacées politicas, pols, posto assim, nessa situacdo de ser que transborda da pura animalidade, livre e racional, o homem passou a exigir uma ordem geral de existéncia em que a sua natureza fosse respeitada e onde as condigdes ambientes possibilltassem a expansio harménica de suas virtualidades no sen- tido de sua plenitude A democracia surgiu como o meio existencial politico eapaz de permitir aos homens todos a busca désse destino superior, pois revelou-se como sistema ideal para os homens, sem perda de sua dignidade, integrarem-se numa disciplina de vida capaz de bem ordenar a variedade infinita de tendénctas num todo har- ménico, homogéneo, solidirio e dinamico, em que todos éles se movimentassem com Iiberdade na procura do bem comum. A democracia direta, ou seja, 0 govérno de todos os homens, é uma utopia. Os homens teriam de ser representados e a idéia da representagdo gerou os Par- lamentos. As diversas camadas do povo, por intermédio de representantes es- pecificos, atuam nas Assembiéias exprimindo a média da opinido nacional. Tal como na vida privada — para fazer um negocio, para assinar um con- yénlo, pata dar, para receber, para defender uma causa, até para casar — 08 homens passaram a usar, também no campo politico, do instrumento do mandato. Os parlamentares sio delegados do povo. Este participa do Govérno através déles, # a teoria dos mandatos, valida na esfera particular e que nao pode ser negada no plano das atividades coletivas. Cada regio do Pais manda seus re- presentantes ao Parlamento, onde, assim, se faz presente uma delegagao real- mente nacional. Tédas as camadas sociais particlpam da escolha dos senadores e deputados, que, em seu conjunto, exprimem o pensamento de todo 0 povo. PARLAMENTO, ESPELHO DA NAGAO © Parlamento 6, pols, o préprio pais em miniatura, £ a nag&o em compén- dio. Virtudes e defeltos de um povo estdo retratados no Parlamento, que ¢, em verdade, a Casa do Povo © Executivo é 6rgao de efetivacdo da vontade popular; esta vontade, porém, 86 pode ser traduzida pelos representantes do povo. Pelo Parlamento. E éste, em téda parte e em todos os tempos, quem tem categorla juridica para falar em nome do povo, tragando os caminhos a seguir. Fora dessa compreensio nio ha democracia, mas simples ditaduras, con- denaveis ¢ provisérias. Fala-se em Executivo forte, porém o Executivo sé pode ser forte na medida em que esteja vinculado ao povo. E o Executivo s6 pode saber 0 que 0 povo quer, por intermédio do Parlamento. Porque Executivo forte nao quer dizer Executivo desligado dos sentimentos e asplracdes do povo, nem em litigio com © Parlamento. Executive forte seri aquéle capaz de decisdes prontas e acer- tadas em favor do povo. Essas decisdes, 0 Executivo, para tomé-las, teré de ver-Ihes a motivagio e o alcance, a legitimidade e 2 oportuntdade, e, sobre isso, OUTUBRO A DEZEMBRO — 1966 93 a palavra prévia e preponderante ha de ser, sempre, justamente a do povo. pelos seus delegados nas Assembléias. $6 hé democracia onde ha Parlamento. S6 na democracia ha Govérno real- mente responsavel ¢ legitimamente autorizado a agit em nome do povo, Porque 86 na democracia o povo participa efetivamente do Govérno Locke (1) feriu com aculdade ésse importante problema, comentando: “...1a essencia y Ja union de la sociedad es que sdlo exista una vo- luntad, la del Parlamento, que, una vez establecido por la mayoria, de- positan ella, de manera declarada, la yoluntad de todos. La Constitucién del poder legislativo es el acto primero y fundamental de Ja sociedad, cuando se quiere que continie la unién bajo la direccién de un deter- minado nfimero de personas, de vineulos y de leyes, habiendo sido estas personas autorizadas con el consentimiento y nombramiento de! pueblo, sin lo cual ningan hombre u hombres pueden tener autorldad para elaborar Ja ley que actuaré sobre el resto”. © Parlamento 6, assim, o espelho da nacéo. Um retrato. Mas um retrato vivo, animado. O povo sente, pensa e age pelo Parlamento. O povo em sua to- talidade e em suas virtudes e defeitos. Em seus desejos, em seus interésses, em suas necessidades e em suas paixdes. O modo de ser de um povo esté no estilo do seu Parlamento. © povo, pelos seus representantes nas Assembléias, tenta os seus designios histéricos. Ninguém pode substituir-se ao Parlamento. Governos autoritérios, néo es- colhidos livremente pelos homens, sio momentos de eclipse da liberdade na vida dos povos. © homem 86 é livre e responsdvel na democracia; e onde ha democracia ha Parlamento. © Parlamento é a ténica dos regimes democraticos. © Parlamento, no entanto, para bem servir 4 democracia, ha de ser sempre atual, Quer dizer: vivo. Ha de acompanhar as mutagées que se processam no mundo e no pais. Hé de registrar e compreender as modificagées culturais, constantes na vida dos povos, fruto do progresso das ciéncias e que se projetam em todos os setores da atividade humana. Ha de se libertar dos prejuizos, das idélas caducas, hi de possuir sensibilidade para as novas conquistas da huma- nidade. Ha, em suma, de viver cada minuto da vida do povo que representa. Para o Parlamento ser assim, sera necessirio renova-lo a cada instante? Nao. Nao € preciso que se facam eleledes todos os anos para que 0 povo renove ou revogue os mandatos de seus ptocuradotes politicos. E nao é preciso porque h& um modo objetivo, de validade comprovada, de tornar o Parlamento uma instituigéo sempre atual ‘Queremos referir-nos aos partidos. O trindmio Partido-Parlamento-Demo- cracta € indivisivel e esti na base das conquistas definitivas dos povos cultos. 4 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA PARTIDO: ELO ENTRE O POYO E O PARLAMENTO A vinculacio do Parlamento com o povo € feita pelos partidos politicos. Orga- nismos estruturados & base e em fungdo de uma doutrina politica, os partidos 80 o8 elos que ligam 0 povo ao Parlamento e, por meio déste, ao Executivo. Partidos auténticos so os que, pelos seus departamentos préprios, procuram ajustar os seus programas as realidades nacionais, mutévels sempre, mas sem. Prejuizo de principios e sem fugir aos seus fins liltimos, expressos na sua ideologia. Através das suas bancadas os partidos atuam doutrinarlamente no estudo e encaminhamento dos diversos problemas submetidos & apreciagiio parlamentar. Se 08 partidos séo auténticos, se auténticas as suas representagées, entéio cada parlamentar, ao discutir e votar uma matéria, estar procurando, mesmo nos assuntos mais simples, encaminhar as coisas no sentido da realizacio dos propésitos visados pela filosofia que o levou a ingressar em determinado grémio politico. Os partidos, em contato permanente com a massa de eleitores, captam as motivagées dos que néles ingressam, pois acompanham os homens na vivéncia daria das questées que, em conjunto, constituem o objeto da atividade governamental. Assim, pelas suas representagées no Parlamento, os partidos podem coorde- nar, disciplinar e orientar o processo legislative, adequando-o as reais necessi- dades do Pais em cada momento histérico. Dentro da verdadelra democracla tém os politicos de fundar partidos que estejam em comunhao permanente com 0 povo. 86 assim, sentindo o povo dia a dia, os lideres politicos, através des partidos, poderéo servir & democracia, projetando, na area especifica de atuacao dos delegados do povo — isto é, no Parlamento —, os anselos renovados das diversas camadas socials. Hermann Finer (2) abordou com inteligéncla ésse aspecto do problema: “Podemos decir que Ia funccién de los partidos tlene dos aspectos prin- cipales: 1) La organizacién del electorado con el propésito de obtener una mayorla, y 2) El mantenimiento de una conexién continua y res- ponsable entre los representantes y los comiclos de una eleccién a otra. Hay que observar que, cuando mejor se leven a cabo estas dos funcelo- hes, mayor sera la integracién entre los dirlgentes politicos y las massas.” Bsse contato do partido com o povo é que tornard possivel a politizagéo das massas, interessando os individnos de tédas as camadas socials nos proble- mas do Estado — que é a sociedade humana por exceléncia, porque o ambiente juridico nacional tipico, a ordem politica basica de existéncla em comum dos homens. © povo, mediante os partidos, “pde-se” no Estado. Bste, em certo sentido, € 0 proprio pove em sua exptessao politica. A vontade do Estado, quando real- mente democratico, é a vontade do povo. A maloria, nas democracias, é quem decide e 0 partido vitorioso € 0 legitimo porta-voz da maioria, No Parlamento, OUTUBRO A DEZEMBRO — 1966 95 a representagao partidarla mais numeresa interpretaré as aspiragées dominan- tes. O Govérno, seja em sua expressdo executiva, seja na parlamentar, existe precisamente para auscultar, traduzir e realizar os anseios do povo Donde o significado profundo dos partidos, como aparelho refletor e dinamizador de vontades. Ora, 0 povo sao varias camadas, sio milhdes de seres humanos. Na demo- etacia, tédas essas camadas sao devidamente consideradas em suas condigées, neeessidades, interésses € reivindicagées. Também esses milhées de homens néo so, na democracia, simples “nimeros”, mas pessoas humanas, isto é, seres li- vres € responsavels. Partidos nascem de idéias ¢ propagam, idéias. Essas idéias em politica, sio-aguelas que os homens tem sobre 2 prganizagio em comum de suas vidas. Quanto mais proximas das necessidades e anseios gerais, mais essas idéias atratrao adeptos. As idéias, todavia, néo valem por si. Valem, prineipaimente, pela capacidade dos homens que as defendem, as interpretam, as vivem. Dependem, em grande parte dos lideres. Em religiéo, em filosofia, em literatura, no comercio, na indtstria, nas cscolas, no trabalho, as idéias so vingam quando-encontram li- sores aptos a fazer delas um estandarte, empolgando os homens. As idéias vivem nos homens, impéem-se pelos homens e, em politica. so en- contrardo terra propria para germimagéo-e floresclmento nos Parlamentos, nio apenas pelo que tiverem de boas em si mesnias, como pela quatidade dos ho- mens que as adotem e propaguem. Os Jideres, ao mesmo tempo que recebem sugestées dos liderados, sdbre éles influem. A matéria de doutrinagdo eo programa do ,partide o elemento de Gefesa e propagacaéo da doutrina é 0 eleitorado mas o lider, sentindo e com- preendendo-a opiniao piblica, pede influir sobre ela poli-la, racionaliza-la, conduzi-la, Ha certas contingéneias ¢ circunstncias que escapam a pereepgdo das mas- sas 0 lider que as yé sabera instruir soore elas os seus comandados, contr!- buindo para um melhor ajuste dos principios ideologicos as realidades terrenas obtendo, dessa maneira, 0 que 0 Senador Vesconcelus Torres (#) chamou de “harmonia necessiria do idealismo das elites cam o imediatismo dos problemas” Os partidos ¢ 0 povo estiio, assim, numa interagdo constante ¢ fsso explica a.importinela dos partidos na demoeracia, pela articulagio que podem e devem promover entre 0 povo e o Parlamento c¢ por melo déste, com a Administragio Geral do Pais. 86 mediante os partidos podem os Parlamentos estar em dia com os scus deveres perante 0 povo E se imporio naturalmente os partidos cujos repre- sentantes no Parlamento disponham de condicdes culturais e morais para en- tender os problemas e apontar-lhes solugao. Maurice Duyerger (1), analisando © papel dos partidos na obra de realizacio dos anselos pypulares, através da delegagao parlamentar féz essas consideragées magnifieas: “Le mot “representation” s'applique ici A un phénomene sociologique et non a un rapport, juridique: {I définit la ressemblance entre Jes opinions 96 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA politiques de Ja nation et celles du Parlement. Les députés représentent leurs électeurs, non comme un mandataire représente son mandant, mats comme une photographie représente un paysage, un portrait son mo- déle. Le probléme fondamental consiste 4 mesurer le degré d’exactitude de la représentation, c'est-a-dire le degré de coincidence entre Yopi- nion publique et son expression parlementaire. Dans ce domaine, linfluence des partis est considérable. Chaque systeme de partis constitue un cadre imposé @ Yopinion, qui la forme, en méme temps qu’elle la déforme, On considére généralement Ie systeme des partis existant dans un pays comme le résultat de Ia structure de son opinion publique. Mais I'inverse est également vrai: da structure de l'opi- nion publique est dans une large mesure la conséquence du systéme de partis, tel qu'il résulle des elrconstances historiques, de l'évolutton po- Utigue et d’un ensemble de facteurs complexes of le régime électoral joue un role prépondérant. Les rapports entre opinion et partis ne sont point & sens unique: ils constituent un tissu d’actions et de réactions réciproques, étroitement emmélées.” © PARTIDO COMO CAMINHO PARA O PODER. Qs partidos politicos, como hoje os conceltuamos, séo organizagdes recen- tes. £ certo que, desde os prineipios da historia, dada a diversidade de tempera- mentas, inteligéncia e vontade entre os homens, e, sobretudo, devide a divergén- cia de interésses entre éles, os homens sc enfileiraram em grupos varlados e até mesmo hostis. As idéias religiosas e a luta pela sobrevivéncia estdo na origem da diversificagio dos homens em grupos inimigos. Os cls, as trikes, as “nagoes”, tudo isso era, em ultima anélise, cristallzagdes de interésses diferentes, de mo- dos de vida diferentes, de culturas diferentes, de aspiragdes diferentes. Em todos ésses tipos de vivéneia social dos homens (na base dos quais se processava, ja, © enquadramento dos individuos segundo atgum principio, numa certa ordem, visando a um fim determinado), podemos surpreender as origens remotas dos partidos ¢, sobretudo, o contetido humano dessas organtzagées. Entre os povos da antigitidade — hebreus, hindus, assirios ¢ babiléntos, egipelos — e depois entre gregos e romanos, ésse proceso de diferenctagio dos homens em blocos fol adquirindo outras tonalidades, ora predominando o aspecto militar, ora o religioso, aqui o racial, ali o econdmico, mais além o social, até que, com o advento do cristianismo, os homens tomaram consciéncia de sua realidade e de sua dignidade. Veio, apds 0 humanismo renascentista, alargou-se a visio Jibertaria do homem, éste passou a constituir o centro do universo e téda a época dita moderna, e agora a contempordnea, esto marcadas. pela uta herdica dos homens em busca de sua'plena afirmacio. “Amadurecen” assim 0 mundo para o surgimento dos partidos, pois de lon- ga data os homens tinham compreendido duas verdades fundamentais: 19) que o individuo isolado nada pode, sendo necessario, para a vitéria, a untéo dos homens em témno de seus ideats; OUTUBRO A DEZE! 1 — 1966 7 2.2) que somente pelo poder podem os homens transformar em reali- dades as suas idélas. Os partidos apareceram, assim, como organizagées de homens que se agru- pavam em térno do poder, para manté-lo ou para alcangi-lo. E os homens, de um tado e de outro, passaram a usar de todos os recursos em favor da causa que defendiam, modificando suas técnicas, seus métodos, suas taticas, seus ru- mos, de acdrdo com o desenvolvimento geral das diferentes culturas, nos varia- dos espagos geograficos e nos diversos tempos histéricos. © Estado, organizagao politica fundamental — pois ordem existenetal por execléncia dos homens grupalizados em socledades nacionais —, firmou-se como © centro maximo de atracao. O seu dominio — isto é, o poder, passou a cons- tituir a meta a atingir, pois s6 mediante controle do poder, os homens pode- rlam, pelo Estado, implantar aquela ordem coexistencial que julgavam a me- thor para todos. A compreensio dessas coisas marcou a presenga dos partidos, que, ha pouco mais de um século para cé, se multiplicaram mundo afora, ganhando férga e Prestigio e se tornando os instrumentos politicos mais eficazes para a afirmagao Adeolégica dos homens. © bem comum é 0 alvo a alcangar pelos homens, em qualquer tempo e lugar, e, para atingi-lo, os homens criaram doutrinas em fungao das quais per- seguem diferentes estruturas politicas, através do Estado, que é o instrumento ‘nico em condigdes de possibilitar u cuncretizagao social das Ideologias. Os homens informam o Estado mediante sistemas politicos, através do poder. Mas, como chegar ao poder? A nao ser pela farga, como entre os primitivos, sé pelo voto, pols s6 pelo voto o poder esta ao aleance de todos, portanto, do povo. Donde a Importancia dos partidos, que sio érgaos de aglutinacdo popular em térno de principios ¢ programas. Emi nossos dias, a ciéneia politica considera os partidos elementos essenciais na formacao das sociedades nacionais, pois os condutores de povos bem com- precnderam 0 valor dessas entidades interpretadoras, disciplinadoras e orienta- doras de vontades, conforme mostra S. Cotta (5) nesse trecho magnifico: “La selence politique moderne, dans son effort vers une analyse toujours plus précise et coneréte des phénoménes sociaux, accorde une impor- tance et un attention croissantes aux partis politiques. Cette tendance est due en grande partie, nous semble-t-ll, au fait que les intéréts actuels se dirigent vers le Pouvoir, c’est-a-dire vers I'éssence méme de Vétat et des forces politiques qu! le constituent, vers les instruments effectifs de son emprise sur les homens, plutét que vers une description purement formelle des institutions étatiques, qui est abandonnée & la compétence de la science du drolt. Sur ce plan dynamique et psychologique, sur ce plan de forces politiques, i n'y a pas de doute que les partis — auxquels les constitutions et les 98 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA systémes juridiques n’accordent, en général, qu'une trés faible e fugitive attention — ont une importance capitale. La vie politique d’un pays moderne, son histoire, voire méme ses ins- titutions dans leur réalité profonde, ne peuvent étre comprises si on ignore les idées, Vactivité et Ia structure de ses parts.” A verdade é que, nos paises totalitarlos, tanto quanto nos democraticos, compreendeu-se que s6 pelo Estado se “constréem” ideoldgicamente as nacées. ‘Nos paises comunistas 0 Estado, tedricamente provisdrio, a cada dia se torna mais forte e atuante. Para os fascistas, nada pode existir fora, acima ou contra o Estado. ‘As democractas modernas, inclusive as das nagdes de tradigdes mais Uberais, renovam-se e vitalizam-se em térmos de principlos e métodos que, sem levar & absorcdo da pessoa humana pelo Estado, fazem déste, no entanto, um elemento disclplinador das atividades dos homens, impondo a éstes, em beneficlo de todos, linaltagées, restrigdes e obrigagses sem as quals seria Impossivel a busca efetive do bem comum. Essas idéias, totalitarias ou democraticas, cristas ou materialistas, so, hoje, Vividas nos partidos, que as adotam, as dinamizam e as inscrevem em seus pla- no, propagandeando-as segundo técnicas apropriadas, capazes de impé-las ao maior mimero, levando os homens a lutarem e, muitas vézes, até mesmo a mor- Terem por elas. 8 PARTIDOS, 0 PARLAMENTO E 0 EXECUTIVO Se sio — e 0 sio — os partidos que jogam com as {délas, vivificando-as, atualizando-as, difundindo-as entre os homens, séo os Parlamentos que as via- bilizam, através de debates que as reduzem a um denominador-comum e as tra- duzem em projetos, ¢ € 0 Executivo que as efetiva, pela forga do poder. Bsse trindmio — Partido-Parlamento-Executivo — mostra que a historia de um povo bem pode ser considerada a historia de seus partidos. % preciso ter sempre em mente que néo apenas os parlamentares repre- sentam 0 povo, mas também, o chefe de Estado, igualmente escolhido pelo povo, seja em eleigo direta, seja em pletto indireto. B preciso, outrossim, nao esquecer que um Presidente da Reptiblica é elelto Por um partido ou por diversos partidos, mas sempre 4 base de um programa que deve ser a expresso de uma doutrina politica, Isso posto, entende-se que se em uma Assembléia os representantes do Povo hao de agir, por suas bancadas, em fungao dos ideais politicos defendidos pelos partidos a que pertencem, do mesmo modo um chefe de Govérno, ao assumir 0 poder, esté comprometido com a ideologia do partido que o elegeu e-em defesa do qual consegulu conquistar os votos do eleitorado. Pelo fato de um Presidente de Reptblica, nas democracias, ser presidente de todos os habitantes do pais, ndo se deve dai inferir que, uma vez eleito, esteja desobrigado de seus compromissos partidarios. OUTUBRO A DEZEMBRO — 1966 9 ‘Um cidad&o que se elege por um partido da esquerda néo pode, no poder, seguir uma orientagao direitista. Quando a matoria do povo faz vitoriar-se, nas ‘urnas, um candidato do centro, é para éle seguir, no poder, um rumo centrista. Jé no Parlamento, onde esto representados partidos diversos, cada bancada exprime a ideologia de uma parcela do povo. © Parlamento, principalmente nos paises de multos e poderosos partidos, jJamals poder& seguir ums diretriz partidaria tinica. fle hé de sempre refletir, por forga de sua propria natureza, a média das’ opinides, Néle, sim, podem-se admitir composigées partidérias heterogéneas, a0 menos para efelto de votacso das matérias, pols se ha de conseguir, sempre, um entendimento comum que aproxime as diferentes tendéncias. Pregam os partidos as suas doutrinas e, elegendo seus representantes, atuam, no Parlamento, em favor de suas idéias, mas na reallzagéo da obra gavernamental dever-se-4 conaiderar sempre que 0 Chefe do Executivo, também elelto pelo povo, o foi em fun¢éo de uma determinada idevlogia e através de uma determinada organizasio partidéria. Nos paises democréticos ésse fato néo produz choques insuperaveis, pols a tonica de democracia est justamente na lUberdade, pela qual sio respeitados todos 08 direitos e aspiragées de todos os cidaddos, a todes se garantinds iguais oportunidades de participagéo nos negécios do Estado. © importante papel desempenhado pelos partidos na obra de formagio e consolidacéo da democracia est4 estreitamente vinculado a0 Parlamento, que ¢ 0 campo de ag&o especifica das agremiagées partidérias, o plano onde se pro- jetam us ideologias, o espelho em que se refletem as aspiragées das miltiplas parcelas do povo, o teatro de operacées das partidos, o cadinho em que se fundem as diversas tendéncias nacionais. © Parlamento é, realmente, a Casa do povo, que fala pelos seus represen- tantes, escolhidos através dos diferentes partidos. & no Parlamento que o povo esté, em sua totalidade, participando do Govérno, Mas o Executive também , sob certos aspectos, érgio de representago, o Presidente é, também, um delegado do povo e, elelto por um partido, tem igualmente, compromissos ideo- Igicos definidos, sendo responsével perante o povo, inclusive pelo que, como candidate, de um partido vitorioso, prometeu em relagho ao programa désse partido. Ha, assim, estreita vinculagdo entre o Chete do Executivo ¢ seu partido e entze os Parlamentares e seus partidos, como também (senda o Executivo e 0 Legislative érgéos do Estado, com tungées diversificadas mas correlatas) entre © Executive e © Legislative e entre os diversos partidos. “La intima conexion entre los partidos politicos y el Parlamento y el Ejecutivo — diz Hermann Fi- ner — (*) es manifesta, No es exagerado decir que el Parlamento y el Ejecutivo son apenas mis que estructuras, centralmente organizadas, y lugates de reunién donde se cumple la voluntad de los partidos. Cuanto mas profunda sea la or- genizacion, més cohesiva resulte su associacién y més definido su proyecto, mayor gerd el sentido del Parlamento. Cuanto menos profundo sea, mayor sera 100 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA la indecision, la molestia, el quebrantamiento y la falta de eficiencia del legis- lador y de los organismos ejecutivos.” Os partidos podem e devem desempenhar, assim, mats esta fungio, de coordenagio entre o Executivo e o Legislativo, trabalho de aproximagao de pon- tos de vista e de neutralizagéo de atritos, em beneficlo da obra comum, mister ésse de que s6 éles podem desincumbir-se a contento, pois que, em seu conjunto e varledade, sio os legitimos porta-vozes do povo. A verificagio do fato mostra, simulténeamente, a necessidade de se ter pelo Parlamento o devido respelto, néle se vendo o instrumento fundamental para a construgao, a defesa e a consolidagdo da democracia. Se € no Parlamento que os partidos se fazem presentes no Govérno, cada um representando uma parte da nagio, é preciso ter em conta que a voz do Parlamento hé de ser, na democracia, soberana, incontrastavel, definitiva. As- sim, 86 h4, realmente, democracia, onde ha Parlamento livre e forte. Noutras cireunstancias tudo néo passaré de farsa. Simi, pois pode haver Assembidia em paises onde nao haja, vetdadeiramente, democracia. & que a palavra de- moeraeia esta no fundo da conselénela dos homens, inclusive os totalitérios, como condigéo de lberdade, bem mator dos homens, de sorte que dela se uti- lizam mesmo aquéles que na pratica a desfiguram e a ofendem. O partido de Hitler denominava-se social democrata. Outros fascismos diziam ser o seu re- gime uma democracia autoritaria. Fala-se, nos paises comunistas, em democracia popular. Psicanaliticamente falando, 1ss0 como que revela sentimentos de culpa, pols, em verdade, em nenhum regime totalitarlo, da esquerda ou da direita, poderé existir democracia, pois em nenhum déles hé Parlamento livre e res- Ponsavel, em todos éles o sistema dominante é 0 monopartidario, em todos éles © Estado, a0 Invés de servir aos homens, serve-se dos homens e éstes, feridos em sua dignidade essencial, ofendidos e allenados, so confundides com as col- sas, so transformados em niimeros e tudo {sso é 0 oposto de democracia, regime Politico favordvel & plena floracio do ser humano. Onde nao hf partidos o Parlamento também sera uma ficgdo, e, dessarte, 86 na democracia os governos so efetivamente responsavels, pois so nela o poder € uma delegacao do povo, que transmite ao Govérno a responsabilidade de seu destino, Ainda Finer (") abordou, com mestrla, ésse ponto importante de nossa tese: “Hay gobiernos en los que las Asambleas representativas participan, pero estén mutiladas en varios sentidos y, portanto, los goblernos no pueden amarse responsables. Un ejemplo bisico es el Gobierno de Alemania anterior a 1919. Después, el Goblerno fascista de Italia (que empezé em 1922) que tuvo elecclones, pero no Goblerno responsatle; sucedié 1o mismo con el Goblerno de Hitler en Alemania y esta dife- renclacién es atin verdadera respecto del Gobierno de la Rusia so- viétiea.” Os partidos sao, assim, relembremos, o elo que une 0 povo, a Assembléla e Executivo, ¢ esta qualidade dos partidos exclul a possibilldade do seu funcio- namento normal fora do ambiente democratico. OUTUBRO A DEZEMBRO — 1966 101 ‘Num partido onde sdmente uma parte do povo, mesmo a mais numerosa e que se integra num partido tinico, esta & testa da coisa publica, nao se pode falar em democracia, pols o povo esta na maloria e na minoria, no centro, na esquerda e na direita, em tédas as camadas de que se compée. 86 no sistema pluripartidério os homens encontram melos de exprimir e tentar fazer valer suas concepges gerais de vida, sempre refletidas nas doutrinas politicas, as quais informam os partidos, dando-lhes vida, legitimidade, razo de ser, sentido. Sim, “ideologias em acio" os partidos se enraizam em todo 0 povo, o qual se divide pelas diversas agremiagdes segundo suas necessidades, seus interésses, suas conviegées politicas, filos6ficas ¢ religiosas. Linares Quintana (*) focou bem © problema: “En el estado actual de Ja clencia ya no es posible discutir la misién transcendental que los partidos politicos cumplen en la democracia re- Presentativa, cuya dindmica requiere Indispensable la existencia de aquéllos, hasta justificar la calificactn de Goblerno de partidos, con que uele distinguirse en la actualidad al Gobierno del pueblo por el pueblo y para el pueblo.” POLITICOS E TACNICOS. O QUE AS ASSEMBLEIAS PODEM DAR ‘Nao se deve exigir das Assembléias mais do que elas podem dar. “Esperar — dizem M. Carter e John H. Hersz (*) — que qualquer grupo numeroso ¢ varlado de representantes, que em média sio inexperlentes, possa estruturar as leis de uma socledade complexe ¢ coordenar todo o jégo das atividades do Govérno, é impor uma carga que nenhuma Assembléla representativa desejaria suportar. © que uma Assembléia bem organizada pode fazer — e bem — & analisar, criticar e julgar a politica e os propésitos do Governo; ser o porta-voz dos desejos e ansiedades da massa dos cidadios; proteger as suas liberdades contra qualquer abuso do poder pelo Govérno; educar a opiniao pablica através de debates e fiscalizar a forma em que a legislagao é administrada. Em alguns pontos, a Assembléia Legislativa é especialmente desejavel para estas duas ta- refas, Se aos seus membros falta o conhecimento especializado, necessario para estruturer a legislacdo técnica, éles possuem conhecimentos de matiz diferente, que os préprios técnicos provavelmente nio tém: os legisladores, tirados da massa popular, representam um conjunto de experléncia em térmos de classe e origem geografica, e o intimo conhecimento que possuem de seus constituintes faz com que éles se tornem Julzes excepcionalmente abalizados da opine publl- ca e da aceitabilidade e viabilidade das leis.” Ao Parlamento cabe, assim, defender principlos, idétas e interésses gerals € até contraditérios, porque todo o povo esta presente néle, cada parcela re- presentada numa determinada bancada. O Parlamento doutrina e fiscaliza, de- fende, combate, acusa, divulga teorlas e esquemas, apresenta, discute, aprova e Tejelta proposigées, faz criticas, corrige, sugere, apéla, recusa, e, nessa tarefa complexa, 6 também govérno, participando, a seu modo, dos negécios admi- nistrativos. Numa Assembiéla esto homens de todos os pontos do pais, de todas as ca- tegorias sociais, com as mais diversas vivéncias, com idéias as mais diferentes, com experiéncias miltiplas de coisas as mais variadas 102 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA Profissionais Uberais, literatos, comerciantes, industrials, operdrios, clérigoa, militares, homens do campo e da cidade, ricos e pobres, velhos e mogos, con- servadores e progressistas, homens da “direita”, do “centro” e da “esquerda”, todos ésses tipos, integrando uma Assembléla, dio a esta uma riqueza humana que comunica as suas atividades um sentido de universalidade que nfo se pode desprezar e que serve para corrigir as distorgdes administrativas dos técnicos, cuja tarefa carece precisamente de uma visio ampla, total, superior, a0 mesmo tempo nacional e universal, dos programas de govérno. : Contudo, a diregio governamental hé de caber ao Executivo, na pessoa da- quele que, por férga das idéias politicas que adotou e da conflanea que insplrow 20 povo para realizé-las, o povo escolheu para tal mister. Falamos em técntcos ¢ julgamos oportuno inslstir neste ponto. Os ténicos so necessdrios, mas o tecniclsmo jamais poderd constltuir a filosofia de ne- nhum Govérno, sob pena de fracasso total. Técnicos, sim, porém nos seus devi- dos lugares. Servindo no Executivo, nas Assembléias, nos partidos, Mas sem pretenderem tragar as diretrizes de govérno. Sem terem a pretensio de substi- tuir os politicos, os legisladores, os estadistas. Sem que o sapatelro v4 além do sapato... Os téenicos servem em seus oficios, como pecas de um organismo. Téda vez, porém, que se arriscam a vdos mals amplos, com vistas as rédeas da coisa Piiblica, os negéclos ficam mal. Nao se pode encontrar a ndo ser nos politicos os elementos capazes de registrar, refletir, interpretar e conduzir os anselos gerais. A obra coletiva é uma obra politica e fot, em todos os tempos e lugares, efetuada por politicos. Cumpre, dessa manetra, meditar profundamente sdbre o papel dos partidos no mundo moderno. Os partidos so 0 préprio povo em sua dimensio ideoldgica. Cada partido, modernamente, exprime uma ‘filosofla, uma sociologia, uma ética, uma economia, Uma concepgio do homem e do universo. A vitdria, os homens a buscam, pelos seus partidos, para, conquistando o poder, realizar © sew sistema de vida em comum, que julgam o melhor para a matorla dos homens. Por isso, assinala Kranenburg (1), “el partido existe para Ia lucha, siendo su fin ultimo la organizacién de la voluntad estatal, por decision de la voluntad popular”, Os partidos precisam dos técnicos na obra que intentam construir; na exe- cugao, pelo Govérno, dos programas administrativos. Mas s6 ai Os delegados do povo no Parlamento, legislando em harmonia com suas plataformas politicas, e 0 Executivo amoldando as aspiracées gerais 20 esque- ma politico do partido que, vitorioso, alcangou o poder — e por sso h4 de tracar as direg6es @ seguir — assim deve funcionar o Estado democratico. No fim, os rumos serao fixados pelo partido mais forte, pois éste, elegendo © Presidente da Republica, consegue, sempre, as representacées mais numerosas no Parlamento, o que ussegura certa uniformidade de conduta nos dols ramos politicos do Poder: 0 Executlvo eo Legislativo. A hora que vivemos é, assim, uma hora eminentemente politica, na medida em que, considerada ciéncia do Estado ou arte de governar, a politica empolga todos os homens interessados na construgéo de um mundo onde imperem a Uberdade, a igualdade e a justiga. OUTUBRO A _DEZEMBRO — 1966 _ 103 ‘A Iuta pelo poder 6, portanto, a marca formidavel déste momento da his- toria, pols o poder significa a possibilidade real da passagem da doutrina para a realldade, Ora, em politica, o dado mais sério, vivo e atuante é, atualmente, o partido, que vale como mola propulsora de vontades rumo ao poder, razio por que Mareel Prélot (11) esereveu: “Na época contempordnea, o agrupamento organizado padréo é, em politica, o partido. Reunindo um muimero elevado de membros, discipli- nando-os, éle eria uma autoridade que, pelo mecanismo do voto, em democracta, por outros processes, nes sistemas monocréticos, se tor- mara o poder." PARTIDOS, ORGAOS INERENTES A DEMOCRACIA Partido e povo sdo, portanto, dois térmos de uma equagio politica essencial & democracia. Ora, se é pelos partidos que as diversas camadas do povo se afir- mam {deoldgicamente, se & por éles que elegem representantes as Assembléins ¢, através déstes, integram o Govérno, e se a democracia ¢ 0 Govérno do povo, pelo povo e para o povo, entao ressalta, em téda a evidéncia e em téda a sua forge, a importancla dos partidos na obra de consolidagdo da democracia. Povo, néo se deve esquecer, so todos os Individuos, de tédas as classes e condigées. Tédas as pessoas humanas que integram a sociedade nacional. Pes- soas que tém um pésto definido no untverso, isto 6, uma concepgao de Deus, do homem, da vida. Que tém, ao Indo de necessidades, interésses e ideais co- muns, necessidades, interésses e ideals diferentes e, até divergentes. Que se nem em grupos ou em grupos,se dividem, se afastam e se hostilizam, & base e em fungio de atitudes proprias que assumem em face dos problemas fun- damentals da existénela, seja no plano untyersal, no nacional, no regional, no familiar e até mestho no Individual. Dai as AssociagGes. os Clubes, as Sociedades e os Partidos, sendo éstes as formas mals complexas e mais completas de agrupagiio social dos omens, pols se constituem os érgios maximos de integragio, visto como sao os instrumen- tos de que os homens se utilizam para, unidos, tentarem o poder, melo pelo qual poderdo informar o Estado com suas doutrinas, ou seja, ordenar o Estado & imagem e semelhanga de sus fllosofia politica: “La instituelén que esté de modo més immediato y continuo en con- tacto con el pueblo es el partido. Su funccién es organizar a los vo- tantes con la esperanza de Uegar a una mayorla, ao menos a formar una oposicién respetable y controlar la creacién y ejeeucién del pro- grama politico, principalmente por medio det Parlamento”, registra Fier (34). © homem do povo s6 tem um modo de participar dos negéclos piiblicos: yotando. E para votar deve politizar-se, ou sela, ingressar num partido cujo programa afine com seus sentimentos, seus interésses e suas idéias. Somente quando entra para um partido e se faz eleltor, o individuo se transforma real- mente num cidadio. Sdmente entéo esté maduro para as Iides politicas. 86 104 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA ai esté em condigdes de arcar com a responsabilidade de participar da vida piiblica. Porque so assim estara revelando uma vontade de cooperar com o Govérno na obra comum de construgao nacional. Sua participacio podera ser direta, quando, candidato, é elelto por um partido; ou indireta, quando, simples eleitor, escolhe seus delegades junto a0 Poder Publico. Se hA partidos auténticos, que agem como “ideologias em agio”, e se hé auténticos eleitores — cidaddos que votam nos candidatos déste ou daquele partido porque vém, néles, homens aptos a tentar a efetiva realizagio dos pro- gramas de seus partidos — entao os partidos serio, de fato, uma ponte entre © individuo e o Estado. Os partidos visam ao poder e, para atingi-to, nas democracias, tem de obter 0 apolo da majoria dos eleitores. Precisam, dessarte, organizar o eleltorado e dispor de meios adequados de convencimento. Na base désse convencimento estard, evidentemente, uma filosofia politica, pols é da natureza do homem agir conscante principios, em busca de determinados fins. © homem é um ser emi- nentemente teleolégico e a sua inscri¢io em um partido obedece ao propésito de, pela tomada do poder, tentar um tipo de Estado que possibilite um ambiente existencial favordvel ao desenvolvimento e realizagio daquelas idéias consubs- tanciadas nos programas de sua agremiacao. Assim, sendo o trago de unldo entre o cidadio e o Estado, tem o Partido de agir, permanentemente, junto 90 povo, acompanhando a transformagéo das coisas, para ser sempre atual. Hé de, como érgio de vontade popular, sentir o Povo em todos os momentos ¢ circunstancias. A necessidade dos partidos 6, como se vé, um axioma da vida democratica. 86 nos partidos o cidadao vale politicamente, pols s6 através déles se representa nos corpos legislativos e participa do Govérno. A liberdade e a responsabilidade do cidadao, dols pontos capitais da ética democratica, nao terlam nenhume. tealidade fora dos partidos, pols, sem a garantla déstes, os homens nfo terlam como fazer valer as suas diferentes ideologias. Esta, assim, a democracia, ligada na vida € na morte aos partidos. Isso explica porque a extingio dos partidos, e, em consegiiéncla, a dos parlamentos, é o prelidio de tédas as ditaduras. J& nos regimes democraticos, os partidos so tidos em alta conta e seu papel reconhecldo como relevante na condugéo do povo: “Guarda dos povos contra 08 governos, so os intérpretes daqueles perante éstes”, adverte Feliclo Buarque (18) e aduz: “Assim, nos paises de regime constituctonal, os partidos orlentam. 0s altos podéres do Estado, exprimindo em seus programas as necessidades co- letivas da nagdo. tanto mais verdade quanto ¢ fato que, sendo simples delega- do da comunhao social, néio deve um Govérno contrariar a vontade manifesta das partes delegantes!”, Numa democracla, por conseguinte, nunca agem os governos contra os par- tidos, porque ela é o regime dos partidos e o dominio tempordrio de um, nfo exclut a existéncla nem a convivéncia de outros. Digladiam-se os partidos no terreno das idéias, discordando de principios, de métodos e de propésitos, mas tudo Isso acontece dentro da compreenséo de que os principios, os métodos e 0s propésitos que niio aceltamos so aceltos por outros homens iguais a nés @ merecem, por isto, ser discutidos ¢ considerados. OUTUBRO A DEZEMBRO — 1966 105 © Executivo é responsdvel perante a Assembléia, esta perante o Executivo, ambos perante os partidos e éstes perante o povo. A responsabilidade das ban- cadas esté no respeito aos programas de seus partidos, que representam as di- ferentes camadas soclais, e a do Presidente no acatamento as deliberagdes da Assembléia, que indicam a média da opiniéo nacional. # preciso n&o esquecer, em nenhum instante, que estamos falando de par- tidos politicos na verdadeira acepco do vocabulo. Pois ha partido e partido. © Brasil, de um modo geral, nao teve partidos, salvo o integralista e 0 comu- nista. O trabalhista, que teve tudo para ser o mais genuino dos partidos na- ctonais, fol desvirtuado. Dos liberals, abra-se uma excecdo para o pequeno Par- tido Libertador, cuja existéncia fol toda uma luta herdica em favor do parla- mentarismo. Fora dai, o que se viu foram organizagdes em torno de homens nfo de idéias. E nenhum partido € real se desvinculado de um ideal. & que © partido nasceu como arma politica a0 mesmo tempo de negacao e de afirma- go: negagSo da autoridade absoluta dos reis, afirmagio do direito do povo em participar do Govérno. fsse “‘sim” & ascensio politica do povo e ésse “nio” ao arbitrio dos déspotas, maream os polos do mundo democratico. ‘Visto o problema désse angulo, democracia e partido se confundem, o que serve para demonstrar a necessidade de se dar, no direlto pitblico moderno, um tratamento especial aos partidos politicos. Se atentarmos, ainda, para o fato de que o povo sO tem uma maneira de integrar-se no poder — através das Assembléias — entéio se tornaré claro que Parlamento, Demoeracla e Partidos formam uma trilogia politica que deve estar na base de téda organizagao estatal, como conditio sine qua non de estruturacao da sociedade nacional em térmos de igualdade, de justiga e de liberdade. Ensi- nam Rodee, Anderson e Christol (14): “partido democratico, como hoje se estrutura, é conseqiiéncia de pelo menos duas condigées importantes: a limitacio da autoridade da mo- narquia absoluta e a extensio do sufrdgio a praticamente téda a po- pulagao adulta, Enquanto os reis gozaram do monopélio do poder, sem que 0 povo pudesse votar, a atividade partidaria revelou-se infrutifera e traicoeira. Portanto, ndo surpreende encontrar as raizes histéricas dos partidos, tanto na luta do Legislative para restringir as prerrogati- vas reals, como no selo da massa eleitoral aviltada e no desenvolvi- mento de grupos que assumlam posig¢éo de batalha ou pediam o re- conhecimento de seus interésses.” Em verdade, os partidos sé ganham substancia nas democracias e as de- moeracias 86 se estabilizam através dos partidos. Em outros regimes politicos nao ha, realmente, partidos, mas simples “Associagées", “Agdes”, quando muito ~Movimentos”. Democracia é a terra propria dos partidos, éstes sio a sementelra de idéias que levam os homens A luta pelo poder, e, para emoldurar essa paisagem, ha © Parlamento, onde 0 povo, pelas suas delegagdes partidarias, ordena, estrutura e dinamiza o Estado, fazendo do poder um instrumento do bem geral. 106 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA Nas democracias os partidos valem, dessa maneira, como verdadelros tdeais em marcha e multo mais valerdio quando, institucionalizados, passarem a compor © quadro juridico do Estado. Porque, colocados numa situagdo de direito geral e uniforme, com disciplina rigida, os partidos, dentro de suas motivagdes ideolégicas, teria encontrado aquelas condicées de seguranca e permanéncia que lhes permitam trabalhar a opinigo piblica no sentido da efetivacio désse ou daquele sistema de vida em comum, que a tanto almejam, por processos e doutrinas diferentes, as diversas organtzagées politicas. ‘Mesmo nos paises onde os partidos ainda nao se consolidaram em cotrentes definidas de opinigo, pode-se constatar que ¢ um ideal de vida o sinal que 08 distingue, levando homens de condigées sociais e econdmicas diferentes a unides aparentemente impossivels. Em realidade, néo se poderia fundar um auténtico partido “operdrio”, ou “camponés”, eu de “comerciantes”, “industriais” ete. O que se pode é criar um. partido democratico, um partido soclalista, um partido cristo ete., onde in- gressario homens de tédas as eategorias profissionais, © LIBERALISMO ESTA CADUCO © verdadelro politico nfo pode, por conseguinte, agir de maneira interm!- tente. Para ser um politico auténtico tem de estar presente em todos os mo- mentos da vida do eleltorado, antes, durante e depols dos pleltos. As ‘velhas ra- pésas” dos idos do Itberalismo, sé apareciam nos tempos de elelgSes. Mas nun- ca foram politicos, na verdadetra acepeio da palavra, Foram simples politi- queiros. Nem seus partidos jamais foram partidos, senfio aglomerados de gente heterogénea ao redor de pretensdes meramente individualistas ou grupais. Demitir funcionérlos nomeados pelos adversarios, substituir delegados, trans- ferir promotores, dar concessées de obras publicas a amigos e compadres, eleger filhos e parentes, eram objetivos permanentes désses falsos politicos, cujo tempo est superado e nfo ha de voltar jamais. Porque o povo esta se politizando, E os velhos “partidos” partiram para o ostracismo sem deixar saudade. A época que vivemos reclama, para a sobrevivéneia, mesmo, da democracia, partidos que sejam, realmente, como que ideais em marcha, Como eram e sio os partidos nazista e comunista. Temos, neste ponto, de ceder a palma aos paises totalitérios. Lé, os partidos estéo a servigo de uma causa. Nos paises Uberais os falsos partidos tem estado a servico de individuos, de familias, de gTupos. O Brasil nao fugiu & regra; ao contrario, o que aqui aconteceu fol ain- da pior, pois, além do mals, as nossas agremiagées partidarias, do império aos nossos dias, foram quase que simples imitagdes de partidos estrangelros. A nio ser por tatica, visando ao poder, um “esquerdista” e um “direitista” nunca se allam. Entretanto, nos paises Uberais, de formacdo politica de cunho Individualista, de falsos partidos ¢ falsos politicos, unem-se representantes de partidos diferentes, mesmo contra seus proprios partidos, quando tal unto con- vém a seus interésses pessoals, familials ou grupals. OUTUBRO A DEZEMBRO — 1966 107 0 caso, verberado pelos préprios criticos norte-americanos, de untéo entre. “demecratas” e “republicanos” contra reivindicagdes do povo, quando estas pos- ‘sam ferir seus interésses ou interésses de emprésas a que estejam vineulados. # 0 caso, também, tantas vézes visto no Brasil, de allancas de “udenistas”, “petebistas” e “pessedistas” (em questées, nao raro, fundamentais, como a do Petréleo, do direito de greve, de diretrizes e bases da educagdo, de intervengio estatal na economia, de delegagio de podéres, de reforma agraria ete.) contra “udenistas”, “petebistas” e “pessedistas”... Os comunistas sabem, por exemplo, que, vitorioso seu partido, obtido o po- der, a propriedade privada seré abolida, a economia seré dirigida, vir o di- ‘vorelo, o Iucro sera considerado um furto etc. Sabem disso e querem isso. ‘Do mesmo modo, os fascistas de todos os paises, nos tempos Aureos dos fascis- mos e mesmo os fascistas de hoje, sabiam e sabem que, triunfantes suas agre- miagées, o Estado passara a ser um tabu intocével, tudo a éle se subordinando. Sabem disso e aceltam isso. Jé nas democracias Uberais classicas o politico de um partido nada tem de diferente do politico de outro partido. No poder, o representante de qual- quer partido Uberal nfo sabe bem o que fazer. Poder ter projetos adminis- trativos, planos de govérno, obras a propor. Mas nao tera um sentido a dar a0 Govérno, porque, em geral, falta-Ihe a convicgdo de uma filosofia politica. Queremos dizer, com isso, que desejamos uma nova democracia para o mundo, uma democracia que transcenda dos quadros estreitos e mal delimita- dos do liberallsmo e se plante, com raizes firmes e formas tipicas, ndo s6 no terreno politico como, igualmente, no social e no econémico. Democracia é, realmente, govérno do povo, pelo povo e para o povo, mas no Uiberalismo nunca se viu um govérno assim. As legitimas conqulstas do ovo, inclusive nos regimes liberals, so se tornaram efetivas quando no livro da historia fo! delxada para trés a pigina Uberalista. PARTIDO UNICO — SO EM DITADURA ‘As sociedades se compem de camadas distintas, em cada uma delas atuan- do, em atividades especificas, homens que, em seu conjunto, constituem 0 povo de um pais, e, assim sendo, jamais poderiamos, num regime politico realmente humano, admitir a existéncla de um partido tnico. O sistema monopartidario 86 seria suportdvel naqueles regimes em que os homens deixam de ser homens para se transformarem em autématos. Partido tnico pressupée ideologia unica, ideologia ‘nica implica na igualdade de interésses, idéias e vontades entre todos os homens, 0 que 6 uma quimera. Demoeracia é, portanto, sistema que reclama, como condigéo mesma para seu normal funcionamento, a pluralidade de partidos. Cada homem é um s6 e éle s6, mas isto n&o quer dizer que cada’ homem devesse constituir um partido. Os ideals humanos de vida em comum (e a or- ganizagio da vida em comum dos homens 6 funcao do Estado) podem ser re- duzidos, por afinidades ou discordancias, a alguns poucos sistemas politicos, de modo que os homens todos, em cada pais, podem encontrar resposta as suas solicitagées politicas em alguns poucos partidos. 108 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA Nos dias correntes, por exemplo, os eleltores poderiam, a grosso modo, en- calxar-se em trés grandes grupos: a “esquerda”, o “centro” e a “direlta”. Ou seja: o partido comuntsta, o partido democrético e o partido conservador. Admitiriamos mals duas formacées, entre o “centro” e a “esquerda” e entre 0 “centro” e a “direita”: o partido trabalhista e o partido conservador progres- sista, respectivamente. Em cinco partidos, por conseguinte, poderiam, atual- mente, encontrar guarida as ideologias politicas de maior aceltagio entre os homens e éstes, com ligetras rentincias ou concessdes que nao bastarlam para aliena-los, poderiam encontrar um partido em que se inserever. Ademais, cabe observar que os partidos nao se limitam a “receber” filiados que seguem as doutrinas por éles adotadas. Os partidos vio até o povo, ensi- nam, catequizam, convencem, fazem adeptos. Os partidos —e esta é uma de suas fungdes — educam politicamente 0 eleitor. E dessa maneira que se con~ segue a adesio de elementos de outros partidos, a conversdo de cidaddos para tal ou qual credo politico. Perguntarfo: quando os partidos brasilelros fizeram isso? Responderiamos: nunea tivemos realmente partidos. Pelo menos partidos democriticos. Basta, contudo, ver como eram organizados e como agiam o partido integralista e 0 partido comunista para compreendermos, em téda a sua extensio e profundl- dade, a missao politizadora dos partidos: Comunistas ¢ integralistas editavam jornais e livros, fundavam escolas para erlangas e cursos de especializagio para adultos, promoviam reuniées, palestras, conferéncias, adotavam emblemas, hinos e bandeiras, possuiam até formagdes militarizadas. Em suma, dispunham de organizagées que, de mil maneiras, pro- curavam convencer o povo das exceléneias do integralismo ou do comunismo, de modo que o cidad&o que ingressasse num ou noutro partido sabia, perfeita- mente, o que estava fazendo, o que queria, para onde ta. Os partidos, nos paises democraticos, hfio-de, para legitimar-se, conduzir-se do mesmo modo, Nas escolas, nas oficinas, nos eseritérios, nas repartigées, em téda a parte, os partidos devem atuar no sentido da implantacao, na consciéncia politica dos homens, da supremacia dos valéres da democracla, pols sé assim poderemos enfrentar, com éxito, as investidas dos totalitarios. # uma Ardua luta, esta, mas, como ensina Kranenburg (+), “el partido existe para la lucha, siendo su fin ultimo la organizacién de Ja yoluntad, por decision de la voluntad popular” ‘Tem, pois, os partidos, na democracia, como misséo maior, convencer os homens das excelénetas do sistema democratico, feito 0 que poderao transpor- tar para o Estado a vontade democratica do povo, pois sé pelo Estado 0 povo pode realizar a sua vontade. OS POVOS TEM OS PARTIDOS QUE MERECEM Estamos a falar em povo, mas o que é preciso ¢ falar em povos. Porque 05 povos, como os individuos, sio diferentes uns dos outros, vivem em regides diversas, tem problemas préprios, uns sio ricos e outros pobres, uns evoluidos e outros atrasados, uns sio fracos, outros sio fortes, uns estdo no comégo de seu desenvolvimento, outros estio no apogeu de sua gloria. OUTUBRO A DEZEMBRO — 1966 109 Regiées diferentes, com riquezas diversifieadas; zonas onde a presenga do homem verificou-se mais cedo ou mais tarde; historias que se marcam pela paz ou pela guerra; sociedades que se caracterizam por atividades agricolas ou industriais; gentes com tal ou qual predominancia étnica — tudo isso, signi- ficando culturas variadas, senao determina, pelo menos influencia 0 modo de viver dos agrupamentos humanos nos diferentes espacos e nos diversos mo- mentos histéricos. © amadurecimento politico é mais préprio dos povos desenvolvidos; os sub- desenvolvidos agitam-se em experléncias de téde espécte, procurando o equilibrio. A democracia, forma politica superior de vivéncia dos homens em comum, ‘86 € possivel entre os povos que hajam atingido um grau satisfatorio de civili- zagio. Sio validas e sempre estdo presentes as instituigdes democraticas entre 0s povos politicamente cultos, 20 passo que os tipos nao democraticos de orga nizagdo politica séo mais freqiientes entre os povos ainda em estado precario de civilizagio, Descontadas as excegées, tal fato esta presente na nistéria com uma evidéncia solar. E facil sera entdo positivar como a vida dos povos, nos varlados espacos e nos diferentes tempos, pode ser simbolizada nas figuras de “chefes”, “lideres” e “condutores", que, em outras eras, substituiam os atuais partidos, pois éles eram acreditados como deuses e sua palavra tragava os ca- minhos a seguir. Com o desdobrar dos séculos, os partidos, com éste ou com outros nomes, passaram a ser o centro de polarizagao dos ideais coletivos e em volta déles se agruparam os homens. Pode-se dizer, por isso, que a historia dos povos é a historia dos seus partidos politicos, mesmo quando nao havia partidos ou éstes eram representados por um “sacerdote”, um “general”, uma “familia”, um “politico”, um “conselho”, um “oréculo”, um “profeta”. & que os homens sé sabem agir, politicamente, através de Orgos de representacio ‘ou de vultos simbélicos, éstes ndo raro substituindo-se Aqueles, inclusive nos tempos modernos, como nos fendmenos dos homens chamados “providenciais” Hoje, porém, j4 os partidos se firmaram, definitivamente, como entidades representativas do povo, cada parcela déste se fazendo presente numa certa agremiacao. SISTEMA PLURIPARTIDARIO, EXIGENCIA DA DEMOCRACIA © homem nfo vota por votar. Nio é indiferente ao eleitor a vitoria déste ‘ou daquele partido. Quando vota, esta se definindo por um programa politico que sintetiza téda uma. filosofia. Isso explica seus sacrificios, suas lutas, suas paixdes, © um mundo névo, o “seu” mundo, que o eleitor pretende aleangar, ao filiar-se a éste ou Aquele partido. Pois cada partido, como a palavra in- dica, representa parte do povo, Se todos os homens fdssem iguais, nao em natureza, mas em necessidades, condigées e anselos, entao bastaria existir um 86 partido. Nao 0 sendo, porém, senio em sua natureza humana, éles tém si- tuagées, interésses e objetivos diferentes a atingir, cada homem ou grupo de homens se julgando os mais certos, os defensores da melhor doutrina, os pos- suldores da verdade. A felicidade, para os socialistas, nfio ¢ a mesma coisa que 110 _____REVISTA DE_INFORMAGAO LEGISLATIVA Para os democratas ou para os fascistas. © mundo pretendido pelos oristdos néo pode ser o mesmo aimejado pelos matertalistas. A organizagio econémica pleiteada pelos liberais é oposta 4 advogada pelos adeptos do intervencionismo. # fato que tados os homens, ao aceitarem um sistema politico e se inscreverem no partido que se propée realizé-lo, esto convictos de que fizeram a melhor opcdo. O bem comum esté no pélo das asplracées politicas de todos os ho- mens. Contudo, ha teorlas completas e teorlas incompletas. Hé fllosofias que vém 0 homem e o mundo de maneira mais profunda e extensa do que outras Dal a multipiicidade de partidos, que sio metas projecdes politicas de Ideologias. Donde a necessidade de se assegurar o sistema pluripartidario, que esté na base mesma do respeito @ pessoa humana. Uma parcela, dentro de um todo, implica na existéncia de’ outras parce'as. Ora, o que é parcial nao pode ser total, e, essa manelra, n&o podemos aceltar outro regime que o democratico, pois sb neste se dé aos partidos o devido tratamento. Pietro Virga (1), comentando © assunto, escreveu, com argiicia e senso: “B caratteristica peculiare del partito, come si desume dalla stessa etl- mologia della parola (dal latino pars), la su natura parziale: la su ideologia politica ¢ unilaterale e particolaristica, la sua organizacione no riesce ad abbracciare la totalité della popolazione estatale, {1 suo programma interessa solo una parte del cittadin!, Dalla constataztone della natura parziale del partito si sono tratte due Mazion}. Si é anzituto osservato che la “parzialité” del partito postula necessariamente la sua complementarieta con altrl partiti; il partite no sarebbe concettualmente pensabile senza Yeststenza dl almeno un altro partilo; un partido il quale diventi parte integrante del Stato no sarebbe pti un partito politico nel senzo tecnico della parola.” Os partidos valem pelc seu contetdo ideologico. Pela humanidade désse conteido. Quanto mais untversals em suas motivacdes, mais amplas serio as suas bases, mats forga possulrao, matores serao as suas posstbilidades de vitérlt A unanimidade ¢, no entanto, Impossivel. Ainda que se tomasse como cri- térlo de valorizago dos partidos a sua capacidade de visionar o mundo na to- talldade de seus aspectos, a unanimidade nao seria conseguida, pois tanto o comunismo quanto 0 cristianismo constituem, por exemplo, visdes Integrals do hhomem e do universo, mas os partidos politicos néles inspirados Jamals pode- ram alfar-se, por serem inconelliaveis os seus pontes essenclais de divergéncia, Pora cada ideologia ha de haver uma organizagao politica prépria, e, assim, 86 o sistema pluripartidério pode entrosar-se com as reals necessidades politi- cas do homem. G. E, Catlin (7) tocou no cerne dessa questéo: “Se o valor de um partido est4 em expressar a convlegéo transcenden- te sobre idéias de algum modo homogéneo, entio evidentemente sd- mente um sistema multipartidario, com tantos partidos quantos forem 08 diversos ideais sociais, podera ser satistatério.” OUTUBRO A DEZEMBRO — 1966 Ww Impor um partido unico é violentar a consciéncia dos homens. & como obrigar todos os homens a terem uma mesma religiéio, uma mesma filosofia, um mesmo clube, um mesmo ideal. O homem, sendo pessoa, é livre e respon- sdvel. Sua ambiénela politica ha de ser, conseqiientemente, a democracla. Esta € a atmosfera onde éle pode movimentar-se espontaneamente em busca de Sua realizagao, Nos sistemas totalitarios a pessoa é humllhada e ofendida. Néles, © homem é transformado em simpies peca da maquina estatal. Mussolini dew a ténica dos regimes totalitérios, ao proclamar que nada poderia haver fora, acima ou contra o Estado. Os homens, nessas ordens politicas, transformam-se em autématos, perdem a sua humanidade A riqueza do mundo humano esté na variedade de idéias. A beleza esté na lberdade. As socledades politicas s6 sio legitimamente humanas quando nelas se respeltam as tendéncias, os anelos, os projets e as conviccées de todos os homens. Por isso, adverte Kranenburg (1*) “no se puede evitar la formacion de partidos si es que los mlembros de la comunidad no han de ser tratados como una coleccién de objetos, como un matertal moldeable, si no se les mira como ‘a erlaturas sin voluntad o como a instrumentos em manos de un gobernante 0 un grupo de gobernantes con derecho a dictar: “as! actuarés”. La declaraclén: “esto es lo que pensamos nosotros, esto es lo que hay que hacer” no puede ser obra permanente de un grupo desorganizado. Hableré siempre diferencias de opinion; y si las decisiones han de ser un poco ordenadas es menester cierto grado de organizacién. La funccién de los partidos politicos consiste en re- ducir las ideas que divergen, y que a menudo son vagas y fluctuantes, a una “opinién piblica” mas consclente, que hard posible una decision ordenada”. A existéncia de milhées de homens com diferentes concepgées de vida nio quer dizer, porém, que devamos pretender « formagdo de milhdes de partidos. As {déias fundamentais podem ser agrupadas em alguns niicleos, apenas, con- soante suas atragées e repulsdes. Cabe aos partidos ésse trabalho, Garantido um minimo de prineipios, logo se veré como quatro ou cinco partidos poderio globalizar as asplragées politicas gerais dos tiomens. & que os homens néo se distanclam, apenas, mas também se aproximam pelas idélas. & dever dos par- tidos tentar a grupalizagio dos homens em corpos politicos definidos Partido inico é, assim, uma excrescéneia, indigna de tornar-se objeto de consideragéo em uma democracia. Trata-se de algo arbitrério, falso, contrario A natureza humana. Onde existe, af se rompe o equilibrio politico, que se assi- nela por um denominador comum as diferentes ideologias. Partido unico é sinénimo de oligarquia, de fanatismo, de poder irresponsavel. Onde no se ins- tala o sistema pluripartidérlo ndo é possivel uma visio geral dos problemas, nio h& integracSo dus diversas camadas socials num todo homogeneo, nao se faz a harmonia das classes, néo se consegue a confraternizagio dos homens, niio se respeita a liberdade, nao se d& responsabilidade, no se faz justica, nio se faz 5 equitativa distribuldo dos bens da clvilizacéo e da cultura. 0 povo, nos paises de partido tinico, ¢ marginallzado, s6 uma parte déle partlclpa do poder e um Govérno de facgiio nfio pode considerar-se nacional, nem democratico, nem hhumano: “O sistema de um s6 partido, existente em alguns paises, esté, estri- 2 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA tamente falando, fora do alcance da presente discussdo, porquanto estamos con- siderando o sistema de partidos como parte da maquinaria da democracia e o sistema monopartidario néo é nada demoerdtico”, assinala Field (19), e acrescenta: “Tem tédas as tendéncias oligarquicas inerentes a qualquer partido e nenhum dos cotretivos democraticos proporcionados pela existéncia de mais um partido. Uma das grandes vantagens do sistema de partidos como 0 conhecemos, do ponte de vista demoeritico, esté em oferecer uma alternativa possivel de Govérno e proporelonar sempre ao elelto- rado uma escolha de Govérno, No sistema monopartidério néo ha al- ternativa de govérno e nenhuma possibilidade de escolha genuina para © eleltorado, de forma que a influéncia da massa do povo séore as decisées politicas é reduzida ao mintmo. © sistema é, na verdade, um meto de estabelecer uma oligarquia.” Partido tinico ¢ organizacao tipica de regime totalitérlo. # agremiacio dos “deuses", dos “‘césares”, $6 viceja entre os povos escravizados, jamais numa de- mocracia, onde 0 povo, tado o povo, toma parte no poder, através de suas re- Ppresentagées partiddrias no Parlamento. Partido unico é o partido dos tiranos e fol por isso que Laski (2) sentenciou que os partidos “constituem a muralha mais sdlida frente ao perlgo do cesarismo”. Onde na desejo de democracia tem de haver pluraltdade de partidos. Par- tidos e democracia sao coisas que se reclamam e se completam. Sem partidos nao ha democracia, sem democracia néo ha partidos. Partides sio o sinal do regime democratico. A sua senha, Democracia de um partido sd é plada po- litica. E piada de mau gésto. Democracia é povo, povo so todos os homens, homens so variedades de sentimentos, de idéias, de situagées, de necessidades, de yontades, de sonhos. Os homens se unem e se organizam politicamente em fungdo de necessidades, interésses ¢ objetivos afins. Pretendem sistemas dife- renciados de vida, cada partido vendo o seu como o melhor sistema para o pais. © povo, nas eleigdes, escolhe um dos sistemas propostes e os homens que devam tentar a sua realizagdo. Democracia é isso, e, sendo assim, podemos dizer, com Kranenburg ( “La existencta de los partidos politicos resulta de la misma esencia de las instituciones democraticas. La democracia supone la diversidad de opiniones respeto a la politica que el Estado deberia seguir.” Nenhum partido pode, isoladamente, ter a pretensdo de representar a to- talidade do povo. Pode, a filosofia politica em que se inspire, ser integral, abar- car a totalidade da yida humana, mas nem por isto teré condigées para excluir as outros partidos, pois muitos homens no aceitarfo essa filosofia, terio uma compreensio diferente das coisas, quereréo uma ordem diversa de existéncia. Assim, um partido é sempre apenas uma molécula no tecido social. Vale, politicamente, mais ou menos, segundo a sua forga de expressio, isto 6, pela importaneia da area humana que representa, mas nao pode impor-se aos de-

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