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1350 DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A N.2 63 — 15-3-1995 ASSEMBLEIA DA REPUBLICA Resolucéo da Assemblela da Republica n.° 13/95 [Beigdo do cinco mombros para a Alte Autoriéede para 1 Comunicarso Social A Assembleia da Republica resolve, nos termos da alinea b) do n.° 2 do artigo 39.° da Constituiggo e da alinea b) do n.° 1 do artigo 9.° da Lei n.° 15/90, de 30 de Junho, designar como membros para a Alta Au- toridade para a Comunicacdo Social os seguintes cida- aos: Cipriano Rodrigues Martins, Artur Guerra Jar- dim Portela, Torquato dos Santos da Luz, Rui Nelson Goncalves de Assis Ferreira Maria de Lurdes de Je- sus de Almeida Breu. Assembleia da Republica, 9 de Fevereiro de 1995. — © Presidente da Assembleia da Repiiblica, Anténio Moreira Barbosa de Melo, MINISTERIO DA JUSTICA Decreto-Lel n.° 48/95 do 15 de Margo 1. A tendéncia cada vez mais universalizante para a afirmacao dos direitos do homem como principio ba- silar das sociedades modernas, bem como 0 reforgo da dimensio ética do Estado, imprimem a justica 0 esta- tuto de primeiro garante da consolidagio dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade, com es- pecial destaque para a dignidade da pessoa humana, Ciente de que ao Estado cumpre construir os meca- nismos que garantam a liberdade dos cidados, o pro- grama do Governo para a justia, no capitulo do com- bate a criminalidade, elegeu como objectivos fun- damentais a seguranca dos cidadaos, a prevencdo e re- pressdo do crime e a recupera¢ao do delinquente como forma de defesa social. Um sistema penal moderno ¢ integrado no se ¢s- gota naturalmente na legislacdo penal. Num primeiro plano ha que destacar a importancia da prevencao minal nas suas multiplas vertentes: a operacionalidade € articulacdo das forcas de seguranca e, sobretudo, a ‘liminacdo de factores de marginalidade através da pro- mogao da melhoria das condigdes econdmicas, sociais ¢ culturais das populagées e da criacdo de mecanismos de integracdo das minorias. Paralelamente, o combate a criminalidade ndo pode deixar de assentar numa investigagdo répida e eficaz € numa resposta atempada dos tribunais. Na verdade, mais do que a moldura penal abstrac- tamente cominada na lei, € a concretizacdo da sangao que traduz a medida da’ violagdo dos valores pressu- ostos na norma, funcionando, assim, como referén- cia para a comunidade. Finalmente, a execucéo da pena revelard a capaci- dade ressocializadora do sistema com vista a prevenir a prética de novos crimes. 2. No sendo o tinico instrumento de combate a cri- minalidade, 0 Cédigo Penal deve constituir o reposi- trio dos valores fundamentais da comunidade. As molduras penais mais ndo so, afinal, do que a tradu- do dessa hierarquia de valores, onde reside a propria legitimacdo do direito penal. ‘© Cédigo Penal de 1982 permanece valido na sua esséncia. A experiéncia da sua aplicac&o ao longo de mais de uma década tem demonstrado, contudo, a ne- cessidade de varias alterardes com vista nao s6 a ajusté- -lo melhor & realidade mutavel do fenémeno criminal ‘como também aos seus préprios objectivos iniciais, salvaguardando-se toda a filosofia que presidiu sua elaborac&o e que permite afirmé-lo como um cédigo de raiz democrética insetido nos pardmetros de um Es- tado de direito. Entre 05 varios propésitos que justificam a revisto destacarse a necessidade de corrigir 0 desequilibrio en- tre as penas previstas para os crimes contra as pessoas € 05 crimes contra o patriménio, propondo-se uma substancial agravagéo- para os primeiros. Assume-se ainda a importancia de reorganizar o sistema global de enag para a pequena e média criminalidade com vista a permitit, por um lado, um adequado recurso as didas alternativas as penas curtas de prisdo, cujos efei- tos criminégenos s4o pacificamente reconhecidos, e, por outro, concentrar esforgos no combate & grande cri nalidade. 3, Na parte geral, manteve-se intocada a matéria re- lativa & construgdo do conceito de crime (artigos 1.° a 39.°), devidamente consolidada na doutrina e na ju- risprudéncia, introduzindo-se, contudo, alteragdes sig- nificativas no dominio das sangdes criminais Neste plano, onde se revela a esséncia do projecto de politica criminal, 0 Cédigo insere-se no movimento de reforma internacional que reconheceu particular im- pulso na década de 70 e € pacificamente aceite nos pal- ses que comungam de um mesmo patriménio politico- -criminal ¢ nos quais nos inserimos. Assim, na sequéncia de recomendagdes do Conselho da Europa nesse sentido, privilegia-se a aplicagdo de ppenas alternativas as penas curtas de priso, com par- ticular destaque para o trabalho a favor da comuni- dade e a pena de multa. Longe de se romper com a nossa tradigdo, as alte- rages ora introduzidas pretendem dinamizar 0 recurso a vasta pandplia de medidas alternativas consagrada: dotando os mecanismos j4 consagrados de maior efi- cécia ¢ eliminando algumas limitagdes intrinsecas, de modo a ultrapassar as resistncias que se tém verifi- cado no ambito da sua aplicagao. ‘A pena de priséo — reac¢do criminal por excelén- cia — apenas deve lograr aplicacao quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face As ne- cessidades de reprovagdo ¢ prevengao. Contrariamente a0 que sucede noutros paises euro- peus, 0 Cédigo ndo consagra, em regra, tipos legais de crime sancionados unicamente com pena de multa. Na verdade, esta surge normalmente em alternativa & pena de prisio. Por outro lado, em normativo algum se impde de forma absoluta a aplicagdo de uma ou ou- tra medida: relega-se sempre para 0 papel concretiza- dor da jurisprudéncia a eleicdo de medida — detentiva ‘ou nao — que melhor se adeqie As particularidades do ‘caso concreto, de acordo com critérios objectivados na prépria lei. Necessidade, proporcionalidade e adequa- 40 sdo os principios orientadores que devem presidit 4 determinacdo da pena aplicdvel a violagao de um bem juridico fundamental. De destacar, a este propésito, a inovacdo constante do artigo 40.°'a0 consagrar que a finalidade a prosse- N° 63 — 15-3-1995 DIARIO DA REPUBLICA — 1 SERIE-A 1351 guir com as penas e medidas de seguranca é «a pro- tecgio dos bens juridicos ¢ a reintegragdo do agente na sociedaden. ‘Sem pretender invadir um dominio que 4 doutrina pertence — a questo dogmatica do fim das penas —, ndo prescinde o legislador de oferecer aos tribunais cri térios seguros e objectivos de individualizagdo da pen: quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pres- suposto irrenuncidvel, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa. ‘Na mesma linha, o artigo 43.° sublinha que a exe- cug&io da pena de prisdo, servindo a defesa da socie- dade ¢ prevenindo a pratica de crimes, deve orientar- -se no sentido de reintegracdo social do recluso, pre- parando-o para conduzir a sua vida de modo social- mente responsdvel, sem cometer crimes. ‘Aos magistrados judiciais e do Ministério Publico ca- berd, pois, um papel decisivo na implementagao da fi- losofia que anima o Cédigo porquanto é no momento da concretizaco da pena que os desideratos de pre- vendo geral e especial e de reintegracéo ganham pleno sentido. 4. Devendo a pena de prisio ser reservada para tuagées de maior gravidade e que mais alarme soci provocam, designadamente a criminalidade violenta ¢ ‘ou organizada, bem como a acentuada inclinacdo para a pratica de crimes revelada por certos agentes, neces- sdrio se torna conferir as medidas alternativas a eficd- cia que Ihes tem faltado. Néo raro, a suspensio da execucdo da pena tem-se assumido como a verdadeira pena alternativa, em de- trimento de outras medidas, designadamente da pena de multa, gerando-se a ideia de uma «quase absolvi- do», ou de impunidade do delinquente primério, com descrédito para a justica penal. Impée-se, pois, devolver a pena de multa a efectivi- dade que Ihe cabe. A dignificacdo da multa enquanto medida punitiva e dissuasora passa por um significa- tivo aumento, quer na duragdo em dias — de 300 dias passa para 360, sendo elevado para 900 em caso de concurso —, quer no montante maximo didrio que se eleva de 10'000$ para 100 0008. (© abandono da indesejével prescricdo cumulativa das penas de prisdo ¢ multa na parte especial, por uma so- lugdo de alternatividade, levou a um agravamento do limite maximo geral fixado para a pena de multa de 360 para 600 dias, correspondentes a prisio até 5 anos, de modo a responder & pequena e média criminalidade patrimonial. Finalmente, ¢ sem prejuizo de 0 condenado poder solicitar a substituicdo da multa por dias de trabalho ‘em caso de impossibilidade ndo culposa de pagamento, a execucdo da pena de multa deixa de poder ser ob- jecto de suspensio, reforgando-se assim a sua credit lidade ¢ eficdcia. ‘A clasticidade agora conferida a pena de multa per- mite configurd-la como verdadeira alternativa aos ca- 50s em que pena de pristo se apresenta despropor- cionada, designadamente pelos efeitos colaterais que pode desencadear, comportando, porém, um sacrificio ‘mesmo para os economicamente mais favorecidos, com efeitos suficientemente dissuasores. 6. Ainda no plano das medidas alternativas, ha que sublinhar significativas modificagées nos institutos do regime de prova e do trabalho a favor da comunidade. regime de prova, descaracterizado como pena au- ténoma de substituigdo, passa a ser configurado como modalidade da suspensdo da execugéo da pena ao lado da suspensao pura e simples e da suspensdo com deve- res ou regras de conduta, acentuando a vertente resso- cializadora ¢ responsabilizante da suspensdo de exe- cugdo da pena de prisdo. Na mesma linha, procedeu-se ao alargamento dos pressupostos da prestagdo de trabalho a favor da ‘comunidade, elevando-se para 1 ano o maximo de pena de prisdo que pode substituir, realgando-se as virtuali- dades do plano individual de readaptag&o. ‘No capitulo relativo as penas acessérias ¢ efeitos das penas ha que assinalar a inovacdo da consagracéo ex- pressa no texto do Cédigo Penal da proibicdo de con- duzir. Por outro lado, e agora no ambito das medidas de seguranga ndo privativas da liberdade, passa a regular-se autonomamente tanto a cassacao da licenga de condugo de veiculo automével como a interdigdo da concessdo de licenca. 6. Outro dominio particularmente carecido de inter- veneSo, por imperativos constitucionais de legalidade proporcionalidade, ¢ 0 das medidas de seguranca. ‘Numa perspectiva de maximizacdo da tutela da li- berdade e seguranca dos cidadaos, procedeu-se a uma definigdio mais rigorosa dos pressupostos de aplicagao das medidas e ao estabelecimento de limites tendencial- mente inultrapassaveis. 7. A parte especial foi igualmente objecto de impor- tantes modificagdes, desde logo no plano sistematico. ‘Assim, ¢ de assinalar a deslocago dos crimes sexuais do capitulo relativo aos crimes contra valores ¢ inte- esses da vida em sociedade para o titulo dos crimes contra as pessoas, onde constituem um capitulo auté- nomo, sob a epigrafe «Dos crimes contra a liberdade € autodeterminacdo sexual», abandonando-se na con- cepcdo moralista («sentimentos gerais de moralidade»), em favor da liberdade ¢ autodeterminagdo sexuais, bens eminentemente pessoais. Também no dominio dos crimes contra a integridade fisica optou-se por uma sistemdtica mais coerente, operando-se uma consideravel simplificacdo: fazer in- cidir critérios de agravacdo e de privilégio sobre a base de existéncia de um crime de ofensa & integridade fi- sica simples. De referir ainda a consagraco de um tipo de ofensa integridade fisica qualificado por circuns- tancias que revelam especial censurabilidade ou perver- sidade do agente, a exemplo do que sucede no homi- cidio. Igualmente as normas relativas ao crime de furto, ¢, por via reflexa, da generalidade dos preceitos relativos & criminalidade patrimonial, foram objecto de signifi- cativas modificacdes. ‘A mais importante alteragdo reside no abandono do modelo vigente de recurso a conceitos indeterminados ou de clfusulas gerais de valor enquanto critérios de agravamento ou privilégio, de modo a obviar as difi- culdades que tém sido reveladas pela jurisprudéncia ¢ @ que 0 legislador ndo se pode manter alheio. Nesta conformidade, sem regressar contudo ao velho mo- delo de escaldes de valor patrimonial prefixado, optou- -se por uma defini¢do quantificada de conceitos como valor elevado, consideravelmente elevado ¢ diminuto, enquanto fundamentos de qualificac&o ou privilégio. Desta forma, pretende-se potenciar uma maior segu- ranga e justia nas decisdes. 1352 DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A N° 63 — 153-1995 Outro capitulo objecto de alteragdes de relevo & 0 dos crimes contra o Estado. A descriminalizacdo de al- gumas infracgdes contra a seguranca do Estado e con- tra a autoridade publica reside na considera¢do de que num Estado de direito democratico estabilizado a tu- tela penal deve restringir-se a atentados que impliquem © recurso indevido a violéncia ou formas andlogas de actuacao. Optou-se por deixar fora do Cédigo Penal a puni- do de muitas condutas cuja dignidade penal ¢ hoje jé pacifica e consensual, mas que razBes de técnica legis- lativa aconselham que constituam objecto de legislagao extravagante, E 0 que sucede, para além das condutas ‘que devam ser imputadas 4s pessoas colectivas en- quanto tais, em matérias como a criminalidade infor- matica, 0 branqueamento de capitais ou os atentados contra a integridade e identidade genéticas. Por fim, cumpre assinalar um conjunto significativo, se bem que limitado, de propostas de neocriminaliza- go, resultante quer da revelacdo de novos bens Juridico-penais ou de novas modalidades de agressio ou perigo, quer de compromissos internacionais assu- midos ou’ em vias de o serem por Portugal. Como exemplos de neocriminalizacio destacamos: a propa- ganda do suicidio (artigo 139.°), a perturbacdo da paz € do sossego (artigo 190.°, n.° 2), a burla informatica (artigo 221.°), 0 abuso de cartdo de garantia ou de cré- dito (artigo 225.°), a tortura € outros tratamentos crutis, degradantes ou desumanos (artigos 243.° ¢ 244.°), oS instruments de escuta telefénica (arti- g0 276.°), 08 danos contra a natureza (artigo 278.°), a poluigdo (artigo 279.°), 8. E, porém, no plano das molduras penais que se registam as modificagdes mais relevantes, no sentido do reforgo da tutela dos bens juridicos pessoais em con- fronto com 0s patrimoniais. Nao se justificando um abrandamento da punicao dos tiltimos, optou-se por um claro agravamento nos primeiros. Assim, o méximo da pena do homicidio qualificado passa de 20 para 25 anos ¢ a ofensa a integridade fi- sica grave passa a ser punida com pena de priso de 2 10 anos, a qual pode ser substancialmente agra- vada quando o crime tenha sido praticado em circuns- tancias suscepttveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente. Face & elevada sinistralidade rodovidria, entendeu-se conveniente agravar a pena do homicidio negligente, cujo maximo pode atingir os 5 anos, em caso de ne- sligéncia grosseira. Operou-se, ainda, um alargamento na tutela de bens juridicos fundamentais como a vida ¢ a integridade fi- sica no Ambito do crime de dano. A pena do ora con- sagrado crime de dano com violéncia pode elevar-se até 16 anos. s crimes contra a liberdade ¢ autodeterminagao se- xual foram objecto de particular atengdo, especialmente quando praticados contra menor. ‘Nessa conformidade, o crime sexual praticado con- tra menor é objecto de uma dupla agravacdo: por um lado a que resulta de elevacdo geral das molduras pe- nais dos crimes de violagio ¢ coaccdo sexual, quer no limite minimo, quet no maximo; €, por outro, a agra- vacdo estabelecida para os casos em que tais crimes se- jam praticados contra menor de 14 anos. Donde re- sulta que o crime praticado contra menor de 14 anos & sempre punido mais severamente que o crime prati- cado contra um adulto, atenta a especial vulnerabili- dade da vitima, Uma outra nota que acentua a protecso do menor € a possibilidade de 0 Ministério Publico, sempre que especiais razées de interesse piiblico o justifiquem, po- der desencadear a acco penal quando a vitima for me- nor de 12 anos. Ainda numa perspectiva de reforco da tutela dos bens juridicos pessoais, alteraram-se os pressupostos de coneessao da liberdade condicional. Com efeito, nos ca- sos de condenacdo em pena superior a 5 anos, por cri- mes contra as pessoas ou crimes de perigo comum, a liberdade condicional s6 poderd ser concedida apés 0 cumprimento de dois tergos da pena. A gravidade dos crimes e 0 alarme social que provocam justificam um maior rigor em sede de execugdo da pena de prisio. Finalmente, de entre a legislagdo revogada destaca- -se on.° | do artigo 28.° do Decreto-Lei n.° 85-C/75, de 26 de Fevereiro. No uso da autorizagao legislativa concedida pelo ar- tigo 1.° da Lei n.° 35/94, de 15 de Setembro, rectifi- cada pela Declaracdo de rectificagdo n.° 17/94, de 13 de Dezembro, ¢ nos termos da alinea b) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituicdo, 0 Governo decreta o se- guinte: Artigo 1.° © Cédigo Penal, aprovado pelo Decreto- -Lei n.° 400/82, de 23 de Setembro, é revisto ¢ publi- cado em anexo. Art. 2.° — 1 — Sao revogadas as disposigdes legais avulsas que prevéem ou punem factos incriminados pelo Cédigo Penal. 2 — Sao revogadas as seguintes disposicdes: @) 0 n.° 1 do artigo 28.° do Decreto-Lei n.° 78-C/75, de 26 de Fevereiro; 4) O artigo 190.° do Decreto-Lei n.° 314/78, de 27 de Outubro; ©) O Decreto-Lei n.° 65/84, de 24 de Fevereiro; d) O Decreto-Lei n.° 101-A/88, de 26 de Marco: ©) Os artigos 2.°, 4.°, n.° 2, alinea a), € 5.°, n° 1, do Decreto-Lei n.° 124/90, de 14 de Abril 3 — Sao também revogadas as disposigdes legais que em legislacdo penal avulsa profbem ou restringem a substituigdo da pena de prisdo por multa ou a suspen so da pena de prisio. Art. 3.° Consideram-se efectuadas para as corres- pondentes disposigdes do Cédigo Penal, cujo texto se publica em anexo, as remissdes feitas para normas do Cédigo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 400/82, de 23 de Setembro. Art, 4.° Para efeito do disposto no Cédigo Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicagdo definida, que seja utilizado como meio de agressio ou que possa ser utilizado para tal fim. ‘Art. 5.° Nunca serd fixada prisdo subsididria as pe- nas de multa em quantia previstas em legislagdo avulsa. Art. 6.2 — 1 —Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisio e multa, sempre que a pena de priséo for substitulda por multa serd aplicada uma s6 pena equivalente & soma da multa di- Fectamente imposta ¢ da que resultar da substituigao da prisdo. 2 —E aplicavel o regime previsto no artigo 49.° do COdigo Penal & multa tnica resultante do que dispde © mimero anterior, sempre que se tratar de multas em tempo. N° 63 — 15-3-1995 DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A 1353 Art. 7.° Enquanto vigorarem normas que prevejam cumulativamente penas de prisio ¢ multa, a suspensdo da execucdo da pena de priséo decretada pelo tribunal nao abrange a pena de multa. Art. 8.° Se for aplicada pena de multa em quantia ou de prisio ¢ multa em quantia ¢ 0 desconto a que se refere 0 artigo 80,° do Cédigo Penal dever incidir sobre a pena de multa, efectuar-se-4 0 desconto que parecer equitativo. ‘Art, 9.° Aos crimes previstos em legislacao avulsa ¢ puniveis com pena de pris4o ndo superior a 6 meses € multa € aplicdvel o regime relativo a dispensa de pena, se verificados os demais pressupostos exigidos pelo artigo 74.° do Cédigo Penal. ‘Art. 10.° Nos processos instaurados até 31 de De- zembro de 1987, a prescrigo do procedimento crimi: nal suspende-se durante © tempo em que o procedi- ‘mento criminal esteja pendente, a partir da notificacdo do despacho de promtincia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes. ‘Art, 11.° Nos processos instaurados até 31 de De- zembro de 1987, a prescrigdo do procedimento crit nal interrompe-se: @) Com a notificacdo para as primeiras declara- Ges para comparéncia ou interrogatério do agente, como arguido, na instrugdo prepara- toria; 4) Com a prisio; ©) Com a notificacao do despacho de proniincia ou equivalente; @ Com a marcacéo do dia para o julgamento no rocesso de ausentes. Art. 12.° © disposto no n.° 4 do artigo 61.° ape- nas se aplica as penas por crimes cometidos apés a en- trada em vigor do Cédigo Penal. ‘Art. 13.° © Cédigo Penal revisto ¢ o presente decreto-lei entram em vigor em 1 de Outubro de 1995. Visto ¢ aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Janeiro de 1995. — Anibal Antonio Cavaco Silva — Alvaro José Brithante Laborinko Lucio Promulgado em 17 de Fevereiro de 1995. Publique-se. © Presidente da Repiiblica, MARIO SOARES. Referendado em 20 de Fevereiro de 1995. O Primeiro-Ministro, Anibal Anténio Cavaco Silva. Int ducio 1. O presente Cédigo Penal baseia-se fundamental- mente nos projectos elaborados em 1963 («Parte ge- ral») € em 1966 («Parte especial»), da autoria de Eduardo Correia. ‘Aquele texto («Parte geraln), correspondendo a uma visto unitdria, coerente, marcadamente humanista e em muitos aspectos profundamente inovadora, foi saudado pelos mais proeminentes cultores da cigncia do direito penal nacional e estrangeira. Destes salientem-se, a ti- tulo exemplificativo, os nomes de Hans-Heinrich Jes- check, presidente da Associacdo Internacional de Di- reito Penal, Marc Ancel, presidente da Sociedade In- ternacional ‘de Defesa Social, e Pierre Canat, Pena foi que néo tivesse sido mais répida a aprova- Gao desse projecto, pois muitas das suas disposicdes te- iam um cardcter altamente precursor — relativamente a0 direito alemdo ¢ a outros projectos estrangeiros —, colocando-nos assim, como escrevia Canat, «a la pointe méme du progres». ‘Cumpre desde j4 dizer que, contrariamente aquilo que podera parecer, mercé de andlise menos reflectida, 0 diploma, quer na forma, quer no contetido das suas prescrigdes, ndo se afasta do que verdadeiramente de vivo ha na tradig4o juridico-penal portuguesa, antes, justamente 0 consagra. E isso mesmo parece ter sido compreendido ¢ aceite pelas varias comissdes de revi- sto que sobre 0 projecto tiveram oportunidade de se pronunciar, em varios tempos e em diferentes enqua- dramentos politicos, mas sempre compostas por homens — do mais variado cariz politico ¢ profissional — que se preocuparam € se preocupam com as coisas do di reito penal No entanto, ¢ ndo obstante todo o esforgo desen- volvido, 0 projecto inicial passou por varias vicissitu- des, nunca tendo encontrado 0 espaco politico neces- sério A sua consagracdo legal. A este facto ndo seré estranho o fim e textura do proprio sistema punitivo do Cédigo, que assenta, adianta-se, em coordenadas que mal caberiam nos quadros de uma compreenséo marcadamente repressiva. ‘A necessidade de fazer uma adequagdo da legislacao ordindria a0 novo espirito legislativo resultante do 25 de Abril fez com que o ultimo Governo provisério fo- mentasse a ideia de tornar o projecto em viva reali dade normativa de que o Pafs tanto carecia. Tal im- pulso ndo esmoreceu, bem ao contrdrio, na vigéncia do I Governo Constitucional, Neste espirito, foi constituida uma comisséo revisora, cujo trabalho ‘serviu de base & proposta de lei n.° 117/I (Didrio da Assembleia da Republica, suplemento ao n.° 136, de 28 de Julho de 1977). Contudo, por razdes da nossa historia presente, bem conhecidas de todos, a Assembleia da Repiblica ndo apreciou a mencionada proposta de lei. 'Na vigéncia do IV Governo Constitucional tentou- -se decididamente realizar todo 0 plano arquitectural do ordenamento penal portugues. Novamente foi apre- sentada uma proposta de lei (relativa & «Parte geral») a Assembleia da Republica, absolutamente coincidente com a enviada pelo I Governo Constitucional. No que toca a «Parte especial», foi esta também revista no Mi- nistério da Justica, resultando do seu trabalho um art culado que iguaimente se enviou a Assembleia da Re piiblica, sob a conveniente forma de proposta de lei Todavia, aquele no foi o momento propicio da cena politica portuguesa para se encontrar © minimo de con- Senso sempre necessério as grandes empresas legislati- vas. Porém, exprima-se lateralmente, muitas das tra- ves mestras de um movimento legislativo mais vasto foram entdo lancadas. Nesta esteira, publicaram-se dois diplomas legislativos de forte incidéncia pratica ¢ dog- matica na estrutura global do sistema penal portugués: © da reforma da organizacdo prisional (Decreto-Lei n.° 265/79, de 1 de Agosto) € 0 direito de mera orde- nagdo social (Decreto-Lei n.° 232/79, de 24 de Julho). Integrando aquele movimento, apresentou-se ainda uma proposta de lei concernente & «legisla¢do especial apli- cével a jovens delinquentes dos 16 aos 21 anos». Mas, se muito j4 foi feito, € indiscutivel que falta consagrar o essencial, isto é, 0 Cédigo Penal — partes 1354 geral e especial. Nisto se empenhou profundamente 0 actual Governo, que, depois de ter nomeado nova co- misao de revisdo, apresenta agora um diploma que, sem se afastar dos pardmetros dos projectos anterio- es, sofre algumas importantes modificagdes que o tempo, a reflexdo e as novas orientacdes doutrinais exi- giam. 'Preparado esté também 0 diploma sobre a Tecuperacdo social, condicdo essencial da realizacdo da filosofia do Cédigo Penal. Nao deixard de se recordar, por fim, que 0 Cédigo, cuja vigéncia agora cessa, constituiu também, no seu tempo, um significativo avango em relagdo & cincia criminal da época, 0 que terd contribuido para que ele conservasse, fundamentalmente, a sua estrutura inicial, a despeito das sucessivas alteracdes impostas por uma realidade criminolégica em constante mutacdo. 1 Parte geral 2. Um dos principios basilares do diploma reside na compreensdo de que toda a pena tem de ter como su- porte axiolégico-normativo uma culpa concreta. O prin- cipio nulla poena sine culpa, combatido ultimamente em certos quadrantes do pensamento jurfdico-penal, embora mais, ou quase exclusivamente, contra a ver~ tente que considera a culpa como fundamento da pena, ganhou o voto undnime de todas as forgas politicas re presentadas no Parlamento Alemao, quando se proce- deu A apreciagao dos grandes principios orientadores da reforma daquele sistema penal, Acrescente-se que mesmo os autores que déo uma maior ténica & pre- vencdo geral aceitam inequivocamente a culpa como li- mite de pena. E mais. Podemos dizer, sem querer en- trar em pormenores, que ele corresponde, independen- ‘temente da perspectiva em que se coloque o investiga- dor, a uma larga e profunda tradi¢ao cultural portu- guesa € curopeia, No entanto, o atribuir-se @ pena um contetido de re- provagdo ética no significa que se abandonem as fi- nalidades da prevencdo geral ¢ especial nem, muito me- nos, que se sugira o alheamento da recuperagdo do delinquente. Quanto a prevencdo geral, sabemos que ndo hé verdadeira antinomia entre esta finalidade e a culpa, jd que, através da mediacdo axioldgica que 0 direito penal exige a todos os membros da comunidade juridica, se ergue, deste modo, a barreira inibidora da pena. Contudo, a sua forga dissuasora no nasce tanto da sua realidade heterénoma, mas antes da propria au- tonomia do agente, que sabe ser a definicdo daquela pena fruto da participag4o, num determinado momento histérico, de toda a comunidade, ainda que filtrada pe- los érgdos constitucionalmente competentes. A esta luz, ndo sera, pois, dificil de ver que tam- bém a ténica da prevenco especial s6 pode ganhar sen- tido e eficdcia se houver uma participacdo real, dialo- gante ¢ efectiva do delinquente. E esta s6 se consegue fazendo apelo a sua total autonomia, liberdade e res- ponsabilidade. E, na verdade, da conjugacdo do papel interveniente das instincias auxiliares da execugdo das penas priva- tivas de liberdade ¢ do responsével ¢ auténomo empe- nhamento do delinquente que se poderdo encontrar os meios mais adequados a evitar a reincidéncia. ‘Nao se abandona o delinquente & pura expiago em situagao de isolamento — cujos efeitos negativos esto cabalmente demonstrados — nem se permite que a ad- DIARIO DA REPUBLICA — 1 SERIE-A N.° 63 — 15-3-1995 ministragao penitencidria caia em estéreis omissdes € empregue pedagogias por cujos valores 0 delinquente, mi vezes, ndo se sente motivado nem, 0 que é mais grave, reconhece neles qualquer forma de compartici- Pagdo. Sabe-se que, na esséncia, 0 equilfbrio entre es- tes dois vectores nem sempre é facil de alcanear, a que se junta a rigidez das penas institucionais. No sentido de superar esta visdo tradicional, o presente diploma consagra, articulada ¢ coerentemente, um conjunto de medidas nao institucionais que facilita e potencia, so- bremaneira, aquele desejado encontro de vontades. Verifica- assuncdo conscienciosa daquilo a que a nova sociologia do comportamento designa por desdra- matizagdo do ritual e obrigam-se as instancias de exe- cugio da pena privativa de liberdade a serem co-respon- saveis no éxito ou fracasso reeducativo e ressocia- lizador. Pensa-se ser esta uma das formas que mais efi- cazmente pode levar a reintegracdo do delinquente na sociedade. Acrescenta-se que toda a nova compreensio de encarar a pandplia punitiva ja esté noutros paises fortemente implantada com resultados satisfatérios. Pelo menos num determinado estddio de desenvol- vimento das estruturas econémicas, tais medidas mostram-se altamente operatérias num tipo de socic dade cujo denominador comum se assemelha ao padrao do nosso viver quotidiano, 3. Por outro lado, sabe-se que o principio da culpa, tal como est pressuposto no diploma, implica que me- didas de seguranca Para os inimputaveis. A solucdo do problema dos cha- mados «imputaveis perigosos» & fundadamente conse- guida pela introducdo da pena relativamente indeter- minada. Deste jeito, satisfaz-se a unidade compreensiva do diploma ¢ dé-se resposta aos anseios legit — tanto mais legitimos quando se vive num Estado democratic — da comunidade juridica, de ver prote- gido o valor da seguranca, que, como facilmente tam- bém se depreenderd, s6 deverd ser honrado nos casos especialmente consagrados na lei. E ndo pode deixar de ser assim porque os homens a que este diploma se dirige sAo compreendidos como estruturas «abertas» € dialogantes capazes de assumirem a sua propria liber- dade. Por outras palavras, eles serdo sempre um prius, nunca um posterius. 4, Caracteristico de toda a filosofia deste diploma € 0 modo como se consagra a problematica do erro. Na verdade, este ponto pode perspectivar-se como char- neira de toda a problematica da culpa, ja que ¢ nele ‘— quer se considere o erro sobre as circunsténcias do facto (artigo 16.°) quer 0 erro sobre a ilicitude (arti- g0 17.°) — que 0 direito penal encontra o verdadeiro sentido para ser considerado como direito penal da culpa. Torna-se assim evidente, luz deste diploma, que o agente s6 pode merecer um juizo de censura ética se tiver actuado com consciéncia da ilicitude do facto. Porém, se tiver agido sem consciéncia da ilicitude e se © erro the for censurdvel, o agente «serd punido com ‘a pena aplicdvel ao crime doloso respectivo, que pode ser especialmente atenuada» (artigo 17.°, n.°'2). Ficam, deste modo, protegidos ndo s6 determinados fins da Prevencdo, como também o valor que todo o direito rossegue: a ideia de justica. 5. Nao se desconhece que, amiiide, a fronteira en- tre o imputavel ¢ o inimputdvel ¢ extremamente dificil de tracar. N° 63 — 15-3-1995 DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A 1355 Daf a urgéncia da adopcdo de um critério que rigo- rosamente seriasse as varias hipdteses pela afericdo das quais o agente da infracao pudesse ser considerado im- utavel ou inimputavel. Neste horizonte, o diploma faz apelo a um critério biopsicolégico integrado por com- ponentes de nitido matiz axiolégico, & dizer, «a com- provada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas» (artigo 20.°). E, pois, necessério, para 0 agente ser considerado imputdvel, que consiga determinar-se pelas penas. Facto demonstrativo ndo s6 da criteriosa integracao do elemento de valoragao ética, mas também de carregado afloramento da tradicéo cor reccionalista portuguesa, manifestando-se assim, neste Ponto, como noutros, a inconsequéncia daqueles que julgam que o Cédigo se nao funda em raizes culturais, portuguesas. Para além disso, ao admitir-se um vasto dominio para a inimputabilidade devido a definigéo de critérios que se afastam do mais rigido pensamento da culpa, petmitir-se-4 aos mais reticentes na aceitacdo deste principio a construgdo de um modelo baseado numa idea que desliza para a responsabiliade social mitigada. 6. Outra questdo particularmente importante neste dominio € a aceitacao de que os imputaveis maiores de 16 anos ¢ menores de 21 anos sdo merecedores de legislacdo especial, a que atras se fez referéncia. Esta ideia corresponde, por um lado, A consciencializacdo do que hé de arbitrério — mas ndo intrinsecamente injusto — na determinacao de certa idade como limite formal para distinguir o imputavel do inimputavel. E justamente para atenuar os efeitos deste corte dogmé- tico e praticamente imprescindivel que se vé com bons olhos um direito de jovens imputdveis que vise pare- des meias, nos principios ¢ nas medidas protectivas ¢ reeducadoras, os fins do direito de menores. Mas, se esta seria, jé por si, uma razio que levaria ao acata- mento legislativo daquele direito para jovens imputé- veis, outras motivagdes e razdes mais arreigam a nossa conviecdo. Salientem-se néo s6 as que decorrem dos efeitos menos estigmatizantes que este direito acarreta como também — em conexdo com aquelas sequelas ¢ no seio deste ramo de direito — a maior capacidade de ressocializagdo do jovem que se abre ainda para z0- nas nao traumatizadas, como tal perfeitamente hicido © compreensivo as solicitagdes justas ¢ adequadas da ordem juridica, 7, O Cédigo traca um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagdgico ¢ ressocializador. Simplesmente, a concretizagdo daquele objectivo parece comprometida pela existéncia da pré- pria prisio. Daf todo o conjunto de medidas ndo ins- titucionais que jé foram mencionadas noutro contexto. ‘Medidas que, embora nao determinem a perda da li- berdade fisica, importam sempre uma intromissao mais, ou menos profunda na condugdo da vida dos delin- quentes. Por outro lado, n&o obstante essas reaccdes, penais ndo detentivas funcionarem como medidas de substituigdo, ndo podem ser vistas como formas de cle- méncia legislativa, mas como auténticas medidas de tra- tamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas especificos de certas zonas da delinquéncia. Todavia, é evidente que o combate as penas institu- cionais correria o risco de insucesso se 0 Cédigo se li- mitasse a enunciar as medidas substitutivas, sem for- necer, simultaneamente, o critério geral orientador da escolha das penas. A isso visa 0 artigo 71.°: impondo ao tribunal que dé preferéncia fundamentada & pena nao privativa da liberdade «sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperaco social do de- Iinquente ¢ satisfaca as exigencias de reprovagio e pre- vengao do crimen. Isto é, aceita-se a existéncia da pena de prisao como pena principal para os casos mais gra- ves, mas o diploma afirma claramente que 0 recurso as ‘penas privativas de liberdade s6 serd legitimo quando, face as circunsténcias do caso, se ndo mos- trarem adequadas as reacgdes penais nfo detentivas. 8. Nao se esgotam, porém, no contetido do arti- go 71.°, os poderes concedidos ao juiz para, através da escotha e graduagdo da pena, alcancar a justa pu- nigo do agente e a realizacdo do objectivo geral da prevengdo do crime pelo tratamento do condenado. Deste modo, prevé-se uma atenuacdo especial da pena nos casos em que circunstncias anteriores ou pos- teriores ao crime, ou contemporaneas dele, diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente (artigo 73.°) ou quando ela conduzir & subs- tituigdo da prisdo por «prisdo por dias livres» ou pela pena de multa (artigo 74.°), ‘Mas o Cédigo consagra duas importantes inovagdes nesta matéria. Na verdade, «pode o tribunal nao apli- car qualquer pena se a culpa do agente for diminuta, (© dano tiver sido reparado e a tal se ndo opuserem as exigéncias da recuperagdo do delinquente ¢ da preven- ‘¢€0 gerab» (artigo 75.°, n.° 1). Além disso, permite-se que, nos casos em que nao estejam ainda cabalmente realizados aqueles pressupostos, 0 juiz possa nao pro- ferir a sentenca, adiando-a para um momento poste- rior, na esperanga de que 0 comportamento do delin- quente, a reparagao préxima do dano ou a confirmacéo da falta de especiais exigéncias de prevencdo venham a justificar a dispensa de pena (artigo 75.°, n.° 2). ‘Como tais medidas — que o Comité de Ministros do Conselho da Europa recomenda em resolugdo de Marco de 1976 e que se encontram ja consagradas, por exem- plo, na Inglaterra, Franga (por recente lei de 11 de Ju- nho de 1975) € também na Austria (Cédigo Penal, § 42.°) — espera 0 Cédigo dotar a administracdo da justiga penal de um meio idéneo de substituigdo de cur- tas penas de prisio ou mesmo da prontincia de outras penas que nem a proteccdo da sociedade nem a recupe- rago do delinquente parecem seriamente exigir. 9. J4 atrés se referiam as razdes por que, no mo- mento actual, nfo pode 0 Cédigo deixar de utilizar a prisdo. Mas fé-lo com a clara consciéncia de que cla € um mal que deve reduzir-se ao minimo necessério € que haverd que harmonizar o mais possivel a sua es- trutura e regime com a recuperagéo dos delinquentes a quem venha ser aplicada. No que toca as medidas institucionais, aboliu-se a diferenciago da priséo em varias espécies (como entre nds ainda acontece com a priséo maior ¢ a prisdo cor- reccional). © sentido da existéncia de diferentes espé- cies de pristo ¢, tradicionalmente, o de traduzir uma ferenciacdo de formas de retribuigéo, corresponden- tes & diversidade da natureza e gravidade dos factos que a originam. Daf que as espécies mais graves de- vessem corresponder certos efeitos préprios (como, por exemplo, a demissao de lugares piblicos ou a incapa- cidade de exercer certas fungdes). 1356 ‘A solugdo perfilhada neste dominio pelo Cédigo parte, desde logo, da ideia — em que os mais repre- sentativos cultores da ciéncia penitencidria vém desde hha tempos insistindo — de que a execucdo das penas privativas de liberdade tio-s6 pode diferenciar-se em fungdo da sua maior ou menor duracao. Mas também nao Ihe é estranho outro pensamento fundamental: o de retirar & pena de pristo todo 0 ca- rdcter infamante, em consondncia, de resto, com 0 posto no artigo 65.° — outra novidade do Cédigo re- lativamente a0 nosso direito actual —, onde se proclama que «nenhuma pena envolve, como efeito ne- cessério, a perda de direitos civis, profissionais ou po- liticos».’ De acordo com estas ideias, hé que alterar-se a legislagdo sobre o registo criminal, encontrando-se 0 respectivo projecto ja elaborado. Outro aspecto a ter em conta numa leitura correcta do diploma é 0 que diz respeito as medidas consagr das com 0 objectivo de limitar o mais possivel os efi tos criminégenos da prisio. Para além de um regime muito aberto de sub: so da prisdo por multa (artigo 43.°), hd que referir ue a priséo ndo superior a 3 meses poderd ser cum- rida por dias livres (fins de semana ¢ dias feriados), para evitar, ou pelo menos atenuar, os efeitos perni- ciosos de uma curta deten¢éo de cumprimento conti- nuado (artigo 44.°).. ‘© mesmo propésito de, por um lado, furtar o de- linquente & contamina¢do do meio prisional e, por ou- tro lado, impedir que a privacdo da liberdade inter- rompa por completo as suas relagdes sociais profissionais justifica ainda a possibilidade, prevista no artigo 45.°, de um regime de semidetencao. Considerada originariamente como um simples pe- riodo de transigo entre a prisdo ¢ a liberdade, a se- midetengo (ou semiliberdade, como por vezes é tam- bém designada) foi de inicio utilizada no dominio da execugdo das longas penas de prisdo, constituindo uma ultima fase da pena que permitia ao recluso uma rea- daptago progressiva a vida normal. Os resultados po- sitivos desta experiéncia levaram, modernamente, o le- gislador a tentar um emprego diferente da medida. Assim aconteceu, por exemplo, em Franca, onde a lei de 11 de Julho de 1970 (que modificou 0 artigo 723.° do Cédigo de Processo Penal) autorizou o tribunal a decidir desde logo a sujei¢do do réu ao regime de se- miliberdade nos casos de infraccdo punivel com curtas penas de prisao. E idéntico caminho segue 0 Cédigo ao estabelecer uum regime de semidetenc3o que permita ao delinquente prosseguir a sua formagdo ou actividade profissional normal ou os seus estudos. E no quadro desta politica de combate ao cardcter criminégeno das penas detentivas que se deve ainda compreender 0 regime previsto nos artigos 61.° € se- guintes para a liberdade condicional. Definitivamente ultrapassada a sua compreensio como medida de cle- méncia ou de recompensa por boa conduta, a liberta- sao condicional serve, na politica do Cédigo, um objec- tivo bem definido: o'de criar um periodo de transicio entre a prisdo e a liberdade, durante 0 qual o delin- quente possa equilibradamente recobrar 0 sentido de orientagdo social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusao. Com tal medida — que pode ser normalmente de- cretada logo que cumprida metade da pena (artigo 61.°, n.° 1) — espera o Cédigo fortalecer as esperancas dé uma adequada reintegracdo social do internado, sobre- DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A N° 63 ~ 15-3-1995 tudo daquele que sofreu um afastamento mais prolon- gado da colectividade. Assim se compreendem, por um lado, a fixagdo de minimos de duracéo para o periodo da liberdade condicional (artigo 61.°, n.° 3) e, por ou- tro, a obrigatoriedade da proniincia dela, decorridos que sejam cinco sextos da pena, nos casos de prisdo superior a 6 anos (artigo 61.°, n.° 2). Por outro lado, a imposicao de certas obrigagées na concessio da li berdade (artigo 62.°, com referencia aos n.°* 2 ¢ 3 do artigo 54.°) € a possibilidade do apoio de assistentes sociais (artigo 62.°, com referencia ao artigo $5.°) ate- nuardo, certamente, a influéncia de varias «componen- tes exteriores da perigosidade», com o que methor se garantiré 0 sucesso de uma’ libertacio definitiva. 10. E, contudo, nas medidas nao detentivas que se depositam as melhores esperancas. Assim, ¢ desde logo, na multa, que, ao lado da pri so, 0 Cédigo consagra como outra das penas princi- pais. Medida substitutiva por exceléncia da prisio, a sua importéncia s6 poderd ser inteiramente avaliada em face do que dispde a «Parte especial» do Cédigo, onde se faz dela um largo uso, com 0 que, aliés, se dé cum- primento as mais insistentes recomendagdes da ciéncia Penal ¢ da penologia modernas. ‘© Cédigo utilizou o sistema dos «dias de muta», © que permite adapté-la melhor tanto & culpa como as condigdes econémicas do agente, ©, como jé atras houve ocasido de referir, estabeleceu ainda o principio da conversio em multa da pena de prisfo inferior a 6 meses, salvo se 0 cumprimento da pristo se enten- der necessdrio para prevencdo de futuras infraccdes (ar- tigo 43.°, n.° 1). Referéncia especial merece o regime proposto para © caso de nao pagamento da multa. Face & proibicao da sua converséo em prisdo (que € 0 sistema tradicio- nal, praticado ainda na generalidade dos paises), houve que definir um regime variado que, embora se propu- sesse tornar realmente efectiva a condenagdo, nao dei- xasse de tomar em conta uma vasta gama de hipdteses (desde a simples recusa, sem motivo sério, de pagar até os casos em que a razdo do no cumprimento ndo ¢ imputével ao agente) que podem levar a0 nao paga- ‘mento da multa. Daf a regulamentagdo extensa dos artigos 46.° ¢ 47.° que prevé 0 pagamento diferido ou em prestagdes, 0 recurso & execugdo dos bens do condenado, a substi- tuigdo, total ou parcial, da multa por prestagao de tra- balho em obras e oficinas do Estado ou de outras pes- soas de direito piblico e, finalmente — mas s6 se nenhuma dessas outras modalidades de cumprimento uder ser utilizada —, a aplica¢do da priséo pronun- ciada em alternativa na sentenca, pelo tempo corres- pondente reduzido a dois tergos, podendo embora a prisdo ser atenuada ou decretar-se mesmo a isengao da pena sempre que o agente prove que Ihe nao pode ser imputada a razo do no pagamento. Por outro lado, optou-se pela punigdo auténoma do agente que se te- nha intencionalmente colocado em condi¢ées de ndo poder pagar a multa ou de no poder ser ela substi- tuida pela prestacdo do trabalho (artigo 47.°, n.° 5). 11. Outras medidas ndo detentivas sfo a suspensio da execugdo da pena (artigos 48.° ¢ seguintes) e 0 re- gime de prova (artigos 53.° € seguintes). Substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade, importa tornar maledvel a sua utilizagdo, libertando-os, na medida do possivel, de li- N.° 63 — 15-3-1995 DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A 1357 mites formais, por forma a com eles cobrir uma apre- cidvel gama de infraccdes puniveis com pena de pri- sio. Assim se prevé a possibilidade da suspensio da execugdo da pena ou da submissdo do delinquente a0, regime de prova sempre que a pena de prisio néo seja superior a 3 anos. E evidente, todavia, que a pronincia de qualquer destas medidas ndo & nem deve ser mera substituigdo, automatica da priséo. Como reacgdes penais de con- tetido pedag6gico € reeducativo (particularmente no que diz respeito ao regime de prova), s6 devem ser decre- tadas quando o tribunal concluir, em face da persona- lidade do agente, das condigdes da sua vida e outras circunstancias indicadas no artigo 48.°, n.° 2 (aplicd- vel também ao regime de prova por forca do arti- g0 53.°), serem essas medidas adequadas a afastar 0 delinquente da criminalidade. Compete ao tribunal essa indagacdo e a escolha res- ponsavel que sobre ela vier a fazer entre a suspensio da execugdo da pena e o regime de prova. Se se ¢ ten- tado, muitas vezes, a confundi-los, € bom sublinhar que se trata de dois institutos distintos, com caracteristicas € regimes préprios. Com efeito, a condenacdo condicional. ou instituto da pena suspensa, correspondente ao instituto do sur- sis continental, significa uma suspensdo da execugdo d pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tr bunal, no chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto ¢ a ameaca da pena bast rao para afastar o delinquente da criminalidade ¢ sa- tisfazer as necessidades de reprovacdo ¢ prevengao do crime (artigo 48.°, n.° 2). A possibilidade de imposi do de certas obrigacdes ao réu (artigo 49.°), destina- das a reparar o mal do crime ou a facilitar’‘positiva- mente a sua readaptacdo social, reforea o cardcter pedagégico desta medida que o nosso direito jd de ha muito conhece, embora em termos nao totalmente coin- cidentes com os que agora se propdem no Cédigo (v. g., em matéria de pressupostos). Diferentemente, o regime de prova — a probation de inspiragdo inglesa e norte-americana — é uma das gran- des novidades do Cédigo. O sistema proposto, e que corresponde a sua forma mais pura, consiste na sus- pensdo da prépria prontincia da pena, ficando o agente submetido a um perfodo de «provay em meio livre (que pode durar de 1a 3 anos, sem prejuizo da possibili- dade de prorrogacdo), que servird para avaliar até que ponto € 0 delinquente idéneo a uma reinserso com- pleta na vida social. © tribunal poder impor ainda ao delinquente certas obrigacdes ou deveres destinados a assegurar a sua readaptacdo (artigo 54.°, n.°* 2 € 3), ‘Mas 0 que verdadeiramente caracteriza esta medida —e lhe confere aquele sentido marcadamente educa- tivo e correctivo que sempre a distinguiu da simples sus- pensio da pena — é, por um lado, a existéncia de um plano de readaptagdo social e, por outro, a submissdo do delinquente & especial vigilincia e controlo da as- sisténcia social especializada. Dai que, como forma de tratamento essencialmente individual, haja que por o maior cuidado na selecso dos delinquentes, devendo criteriosamente indagar-se das condigdes pessoais de cada um. E isto porque, repete-se, com a utilizacdo desta medida néo se espera, 36 0 mero efeito util de substituir a prisio, uma vez que se acredita no seu alto valor ressocializador, com- provado por uma larga experiéncia, francamente posi- tiva, em varios paises, como, por exemplo, a Inglaterra, a Suécia ou os Estados Unidos da América Para aqui deixar registadas as notas mais salientes do regime deste instituto, importa lembrar ainda que a lei procuraré, como ja atrés se disse, fazer mergu- Ihar esta medida ndo institucional nas préprias estru- turas de controlo social ndo formal, chamando a so- ciedade colaborar na compreensio do fenémeno do crime ¢ na recuperacao dos delinquentes. E muito sin- ceramente se espera que uma tal experiéncia sirva tam- bém para uma melhor informacao do piblico em ge- ral sobre as vantagens que apresentam as medidas substitutivas da prisdo, no sentido de uma cada vez mais ampla ¢ clara aceitacdo das formas de tratamento penal dos delinquentes, sem privagdo da sua liberdade. 12. Para encerrar este capitulo das modalidades de reacedo penal importa dizer alguma coisa sobre duas medidas que sao também novidade no nosso direito ¢ que igualmente se integram no quadro de combate as penas detentivas, Referimo-nos @ admoestacdo (arti- 0 59.°) e a prestacdo de trabalho a favor da comuni- dade (artigo 60.°). Quanto & primeira — de que a legislagao estrangeira nos oferece, entre outros, o exemplo da Jugoslavia, onde esta medida € conhecida desde 1959 —, trata-se de uma censura solene, feita em audiéncia pelo tribu- nal, aplicdvel a individuos culpados de factos de escassa gravidade e relativamente aos quais se entende (ou por serem delinquentes primarios ou por neles ser mais vivo tum sentimento da prépria dignidade, por exemplo) nao haver, de um ponto de vista preventivo, a necessidade de serem utilizadas outras medidas penais que impor- tem a imposicgo de uma san¢ao substancial. Quanto segunda, trata-se igualmente de uma me- dida aplicdvel ao agente considerado culpado pela pré- tica de crime a que corresponda pena de prisdo, com ou sem multa, ndo superior a trés meses ¢ consiste na prestagao de servicos gratuitos, durante os periodos nao ‘compreendidos nas horas normais de trabalho, ao Es- tado, a outras pessoas colectivas de direito piiblico ou mesmo a entidades privadas que 0 tribunal considere de interesse para a comunidade. As experiéncias de outros paises apontam-the segu- ras vantagens. Assim, para além de representar uma lidade eficaz de substituigéo da prisdo, a pres- tagdo de trabalho a favor da comunidade parece ter encontrado mesmo (cite-se, por exemplo, 0 caso da In- slaterra, onde a medida também ¢ experimentada desde 1972) reacedes favordveis por parte do proprio piiblico em geral. © facto de, nesta modalidade de execucao penal, o trabalho do delinquente ser directamente introduzido no circuito de produgdo de bens ou servicos de inte- esse comunitério, ao lado da actividade normal dos Cidadaos livres, deve ter certamente contribuido para 1a boa aceitagdo desta medida, que o Cédigo prevé seja controlada por drgios de servico social (artigo 60.°, n° 5). 13. Quando, todavia, pelas razdes atrés invocadas, ndo seja possivel empregar toda a gama de medidas nao institucionais e se tenha de cominar uma pena de pri- sio, torna-se claro que se devem fazer todos os esfor- 0s para combater 0 efeito desmoralizante que se Ihe aponta. E aqui que se abre o vasto campo da execucdo das penas de priso. 1358 © dominio da execugdo sempre mereceu, entre nds, a mais viva atengdo, nao s6 de praticos como de teé- ricos. Inscrevendo-se no amplo movimento de reforma feito sentir em diversos paises, foi ja elaborada a re- forma sobre a execugéo de medidas privativas de liber- dade, em vigor desde 1 de Janeiro de 1980. Pretendeu-se trilhar um caminho que progressiv mente trouxesse a execugdo para o dominio do jul dico, ultrapassada a fase em que fora deixada ao ar trio de uma administracdo toda poderosa, ressalvando a posigio juridica do recluso. A tealizacdo dos ideais de humanidade, bem como de reinsergdo social assinalados, passam hoje, indiscutivel- ‘mente, pela assungdo do recluso como sujeito de direi- tos ou sujeito da execugdo, que o principio do respeito pela sua dignidade humana aponta de forma imediata. ‘A propria ideia de reeducagdo nao se compadece com a existéncia de duros ¢ degradantes regimes prisionais ou aplicagdo de castigos corporais, pressupondo antes a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, en- quanto por esse modo se fomenta 0 sentido de respon- sabilidade do recluso, base imprescindivel de um pen- samento ressocializador. Assinala-se, portanto, um decisivo movimento de res- peito pela pessoa do recluso que, reconhecendo a sua autonomia e dimenso como ser humano, assaca & sua participacdo na execusdo um relevantissimo papel na ‘obra de reinser¢ao social, em que nao sé a sociedade ‘como também o recluso sdo os primeiros interessados. Um ultimo aspecto que & importante salientar diz ainda respeito as dificuldades que origina a falta de es- truturas para conduzir a bom termo um tratamento mi- rnimamente eficaz. A sua realizacdo requer, desde logo, meios € pessoal competente ¢ adequados. ‘A problematica relacionada com 0 pessoal encarre- gado da execugdo coloca-se cada vez com mais acui- dade e revela-se, ndo s6 pela atengdo que the & dedi- cada no referido diploma legislativo, bem como pela preocupacio de dotar com formacdo adequada 0 pes- soal encarregado da assisténcia social. A esta ordem de preocupagdes corresponde, de resto, a elaboracio de um projecto de diploma que cria os servicos de a lio & reinserg4o social dos delinquentes. 14, A dimensdo dogmética da ilicitude, segundo al- guns autores, s6 ganha verdadeira ressonancia ¢ acui- dade na parte especial dos cédigos penais, pois ¢ ai que cla se confronta com as reais tensdes jurfdicas impos- tas pela natureza do bem juridico-penal que se quer proteger. Mas ndo s6 nesse aspecto. Com efeito, é na rigorosa definicdo dos elementos do tipo que em ver- dadeiro rigor se concretiza o principio da tipicidade. E este trabalho, tantas vezes arduo ¢ dificil, o melhor garante da liberdade dos cidadaos, que no pode dei- xar de ser apoiado, como o faz o diploma, de forma clara e inequivoca, pelo principio da legalidade — extensivo As préprias medidas de seguranca. Por isso, a ilicitude, numa certa visio das coisas, tem de estat enformada pela determinacdo tipica e evitar a utiliza- Gao de cldusulas gerais e tipos abertos. Em devido tempo ver-se-4 que assim acontece na «Parte especial». Mas o lugar privilegiado e cléssico da ilicitude ¢ a parte geral dos cédigos. Neste sentido, 0 Cédigo con- sagra @ ilicitude como elemento essencial da acgio ti pica, jungindo aquela as causas que a excluem."Neste particular, hé que realcar a abertura do sistema na me- dida em que ndo enuncia de forma taxativa as dife- rentes causas de exclusio de ilicitude, antes faz uma DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A N° 63 — 15-3-1995 enunciagdo indicadora. Mais uma vez se verifica, € nunca sera demais lembré-lo, um espago nocional que apela & verdadeira e criativa actividade do juiz. O jul- gador ndo tem, pois, de ater-se unicamente as prescri- es legais; ele pode procurar, através da melhor her- menéutica, a mais justa solugao para 0 caso concreto. 418. No sentido de um maior alargamento da respon- sabilidade penal admite-se a punibilidade pela actua- 40 em nome de outrem quando o agente actuou «vo- luntariamente como titular dos érgdos de uma pessoa colectiva, sociedades ou mera associagdo de facto, ou em representagdo legal ou voluntéria de outrem, mesmo quando 0 respectivo tipo de crime exija (artigo 12.°, 1° 1) certos elementos que a lei seguidamente descreve. Em termos de politica criminal consegue-se, assim, uma infiltrag&o consequente do direito penal em dreas ex- temamente sensiveis ¢ cuja criminalidade cai normal- mente na zona das «cifras negras». E claro que esta actuagio nfo basta. Tem de ser acompanhada do con- veniente incremento ¢ aplicagao do direito das contr -ordenagdes. De qualquer maneira, ja grande parte da criminalidade — talvez a qualitativamente mais peri- gosa —, que se alberga e se serve das pessoas colecti- vas, fica sob a alcada do direito penal. Saliente-se, neste contexto, a regra da responsabilidade criminal das pes- soas singulares (artigo 11.°) — corolario da concepcao do principio da culpa enunciado — ¢ a possibilidade de a lei abrir excepgdes, em casos justificados, no to- cante & responsabilidade criminal das pessoas colectivas. 16. Ligada a uma ideia pedagdgica, norteada pelo fermento da participagio de todos os cidadaos na vida comum, consagra-se, em termos limitados, a equipa- ragdo da omissio & ac¢do. Desta forma, «a comisséo de um resultado por omisséo s6 ¢ punivel quando so- bre o omitente recaia um dever juridico que pessoal- mente o obrigue a evitar esse resultado» (artigo 10.°, no 2). Facil é de ver que a consagracio ilimitada daquela equiparasdo levaria a terriveis injustigas, ¢ 0 preceito ‘que nasce carregado de uma ‘intencionalidade de jus- tiga transformar-se-ia, perigosamente, no seu contra- rio. A existéncia do dever juridico, criado para impe- dir 0 resultado, é, hoje, 0 ponto’ mais extremo que legalmente se pode conceber no sentido de alargar a equiparacdo da omissio 4 acro no dominio do direito penal. De qualquer forma, a solugdo adiantada corres- ponde aos ensinamentos da doutrina ¢ do direito com- parado e fundamenta-se na ideia mais vasta ¢ profunda da solidariedade social, a que 0 proprio Cédigo Civil de Seabra nao era estranho. 17. Um outro ponto extremamente importante ¢ 0 que se prende com a problematica da vitima. Esta, fun- damentalmente depois da 2.* Guerra Mundial, come- ou a ser objecto de estudos de raiz criminolégica que chamaram a ateng4o para a maneira, as vezes pouco cuidada, como era encarada, ndo s6 pela opiniao pui- blica, mas também pela doutrina do direito penal. ‘A vitima passa a ser um elemento, com igual digni- dade, da trfade punitiva: Estado-delinquente-vitima. Correspondendo a este movimento doutrinal, o di- ploma admite — para ld, independentemente da respon- sabilidade civil emergente do crime (artigo 128.°) — a indemnizagdo dos lesados (artigo 129.°). Por outro lado, sabe-se que mesmo em paises de cconomias in- discutivelmente mais fortes do que a nossa ainda nao se consagrou plenamente a criagdo de um seguro so- cial que indemnize o lesado, quando o delinquente 0 nao possa fazer. Num enquadramento de austeridade financeira remete-se para a legislacdo especial a cria- go daquele seguro. No entanto, para que a real in- demnizacéo da vitima possa ter algum cunho de prati- cabilidade, concede-se a faculdade de o tribunal atribuir ao lesado, a seu requerimento, os objectos apreendi- dos ou o'produto da sua venda, 0 prego ou o valor correspondente a vantagens provenientes do crime pa- gos a0 Estado ou transferidos a seu favor por forca dos artigos 107.° a 110.°, ¢ as importancias das mul- tas que o agente haja pago (artigo 129.°, n.° 3). Vai- Se, por consequéncia, ao ponto de afectar as préprias multas & satisfagdo do direito do lesado de ver cum- prido o pagamento da indemnizacao. Julgamos que fi- cam, deste jeito, acautelados os reais interesses dos le- sados, mormente daqueles que foram vitimas da chamada criminalidade violenta, De resto, ndo ¢ s6 na «Parte geral» que o Cédigo se revela particularmente atento aos valores ¢ interes- ses que relevam na posi¢do da vitima. Hé toda a ne- cessidade de evitar que o sistema penal, por exclusiva- mente orientado para as exigéncias da luta contra 0 crime, acabe por se converter, para certas vitimas, numa repeti¢ao ¢ potenciagdo das agressdes e traumas resultantes do proprio crime. Tal perigo assume, como € sabido, particular acuidade no dominio dos crimes sexuais, em que 0 processo penal pode, afinal, funcio- nar mais contra a vitima do que contra proprio de- Jinquente. Daf que, embora aderindo decididamente ao movimento de descriminalizagd0, 0 Cédigo néo tenha descurado a ponderada consideracdo dos interesses da vitima. Como é ainda em nome dos mesmos interesses, que 0 Cédigo multiplica o niimero de crimes cujo pro- cedimento depende de queixa do ofendido € que opor- tunamente serdo referidos. MI Parte especial 18. Poderd dizer-se, sem risco de erro, que a «Parte especial € a que maior impacte tem na opinido pi- blica. E através dela que a comunidade politicamente organizada eleva determinados valores categoria de bens juridico-penais. Nem todos os interesses colecti- vos so penalmente tutelados, nem todas as condutas socialmente danosas so criminalmente sancionadas. E. por isso que fundadamente se fala do cardcter neces- sariamente fragmentario do direito penal. Os juizos sobre a dignidade punitiva e a necessidade de punigdo de determinada acco ou omisséo estdo longe de ser neutros de um ponto de vista ético-politico. Nao sem fundamento reconhece-se que no discurso do po- der punitivo fazem crise todos os grandes problemas de legitimagao do préprio poder. E, sobretudo, na «Parte especial» que, de forma mais impressiva, se espelham as linhas de forga das concepgdes politico-ideolégicas, ‘oricamente triunfantes. Daf que a «Parte especial» do Cédigo Penal de uma sociedade plural, aberta ¢ de- mocratica, divirja sensivelmente da «Parte especial» do Cédigo Penal de uma sociedade fechada sob 0 peso dogmatismos morais ¢ monolitismos culturais ¢ pol 0s. Eo que a experiéncia histérica ¢ a ligdo do direito comparado demonstram com particular evidéncia. Tanto pela sistematizagdo seguida como pelo con- tetido da ilicitude concretamente tipicizada, 0 Cédigo DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A 1359 assume-se deliberadamente como ordenamento juridico- -penal de uma sociedade aberta ¢ de um Estado de- mocraticamente legitimado. Optou conscientemente pela maximizaedo das areas de tolerdncia em relagao a con- dutas ou formas de vida que, relevando de particula- res mundividéncias morais e culturais, ndo poem direc- tamente em causa os bens juridico-penais nem desencadeiam intolerdveis danos sociais. Noutros ter- mos, 0 Cédigo circunscreve o Ambito do criminalmente punido a um minimo tendencialmente coincidente com © espaco de consenso insito-em toda a sociedade de- moeratica. 19. A sistematizacdo oitocentista e tradicional arran- cava da ideia da primazia do Estado. Neste sentido, a _generalidade das codificagdes comegavam por defi- nit os crimes contra o Estado. Mas é evidente que a prépria sistemética nao pode ser vista como axiologi- camente neutra; ela é reveladora, entre outras coisas, do lugar que se concede ao homem no mundo norma” tivo, principio que obteve clara consagragdo constitu- cional. Pelo pouco que ja se disse, mas pelo muito que fi- cou implicito no que concerne ao cardcter axiologica- mente prioritério do homem, ndo se deve estranhar que a «Parte especial» abra justamente pelos «Crimes con- tra as pessoas» (titulo 1). Estabelece-se, deste modo, um corte radical — altamente salutar — com o sistema tradicional que sé vem dignificar a cultura ¢ a dou- trina portuguesas. Mas esta compreensio, no desenvol- vimento do seu fio légico, leva a remeter os «Crimes contra o Estado» (titulo v) para lugar derradeiro. Fa- cilmente se apreenderd que esta sistematizacao tem de ser olhada pelo seu lado positivo. Quer dizer, ela re- presenta a afirmacdo da dignidade da pessoa, mas nao significa 0 menoscabo dos interesses ¢ valores que 0 Estado assume e sintetiza em determinado momento histérico. 20. Os «Crimes contra a paz ¢ a humanidade» (ti- tulo 11) so uma inovag4o no nosso ordenamento ju- ridico de enorme ressonancia doutrinal e que assume uma qualificacdo de ponta na necessidade de se tipifi- car determinadas condutas que violam valores que a comunidade internacional reconhece como essenciais a0 seu desenvolvimento. 24. O titulo i, «Dos crimes contra valores ¢ inte- resses da vida em sociedaden, é um dos mais extensos do presente diploma. Contudo, todos os seus tipos le- gais de crime so susceptiveis de serem integrados no mesmo denominador comum, embora nao deixem de apresentar autonomia dogmética, pelo menos no que toca ao bem juridico que visam proteger. Assim, es- tdo neste titulo envolvidos, entre outros, os crimes con- tra a familia, crimes sexuais e crimes contra os senti- mentos religiosos e 0 respeito devido aos mortos. Todavia, um dos pontos mais salientes deste titulo con- siste na ‘consagracao dos chamados «crimes de perigo, comum» a que mais A frente teremos oportunidade de nos referir. Segue-se a este capitulo o dos crimes con- tra a ordem e a tranquilidade publicas, que fecha, tam- bém significativamente, este titulo 22. Na ordenacdo valorativa que norteia a estrutura sistematica da «Parte especial», o titulo: IV trata dos «Crimes contra 0 patriménion. Propugna-se também, aqui uma ordem que contraria a visdo saida do libera- 1360 lismo radical. A esta contrapde-se, hoje, uma concep- ‘so que, com uma ou outra varia¢do, arranca de for- mas de propriedade que se ndo confinam mais es- trcita compreensio do ius utendi et abutendi. Além disso, adiante-se, 0 titulo encima a expresso «contra © patriménio» endo «contra a propriedaden, o que € ji de si revelador da mutago — inquestionavelmente virada para um maior alargamento — que se operou na t6nica deste campo to sensivel da vida juridica. 23. Numa outra perspectiva podemos dizer que o Cédigo, nesta «Parte especial», ndo deixa igualmente de acompanhar as mais modernas tendéncias do pen- samento penal. Mas s6 as seguiu depois de madura ¢ ponderada reflexao e ainda quando nelas viu corres- pondéncia com os valores que o direito penal nao pode deixar de defender. De qualquer modo, podem-se surpreender duas gran- des tendéncias neste dominio. Por um lado, um forte sentido de descriminalizagdo, ¢, por outro lado, uma vocacao para a chamada neocriminalizagdo, sendo esta quase exclusivamente restrita aos crimes de perigo comum. E que numa sociedade cada vez mais técnica ¢ sofisticada nos instrumentos materiais, com 0s seus consequentes perigos ¢ riscos, a pessoa ¢ a propria comunidade so frequentemente agredidas. Facto a que © legislador penal ndo podia ficar indiferente, como se pode constatar pelas ligdes do préprio direito compa- rado. 24, Deve, por outro lado, afirmar-se que no se in- cluiram no ‘Cédigo os delitos antieconémicos, de ¢ racter mais mutavel, melhor enquadraveis em lei espe- cial, segundo, alids, a tradicdo juridica portuguesa ¢ a ideia de que o direito penal tem uma natureza prag- mética. Na mesma linha se devem colocar os delitos, contra o ambiente, Por idénticas razdes ndo se inclul- ram as infracgdes previstas no Cédigo da Estrada, cuja especificidade reclama tratamento préprio. E claro que © combate a estes tipos de ilicito pode ser levado a cabo no s6 pelo direito penal secundario mas também pelo direito da mera ordenagao social. Somos outra vez con- frontados a ter de entender que o combate a crimina- lidade € matéria de estrutura englobante, que no pode prescindir de outros ramos de direito’sancionatério. 25, Paralelamente aquela caracteristica nao deve esquecer-se —e foi isso 0 que 0 Cédigo teve presente — que 0 direito penal deve sempre actuar como ultima ratio. E quando, nos casos evidentemente ‘menos graves, as partes em conflito se compdem, ¢ tural e saudavel ndo dever o direito penal intervi A concretizacdo desta ideia atingiu-se através da neces- sidade, nos casos especificados na lei, de 0 procedi- ‘mento erimi der de queixa, Isto é, sempre que uma si politica criminal 0 aconselhava (para salv guarda de outros bens de natureza institucional, v. g. a familia), retirou-se a certas infracedes a qualificagdo de crimes’ piiblicos. O que, sem ser a mesma coisa, pode compreender-se como parte de um movimento de discriminalizaco que j4 foi aflorado. 26. De notar, como particularmente saliente na «Parte especial», é também o abaixamento generalizado da moldura penal. E isso s6 ndo acontece nos tipos que visam combater a chamada criminalidade violent Compreende-se que delinquentes sofram uma reprov: cdo mais intensa, quando se sabe que a definiclo da DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A N28 63 = 15-3-1995 conduta incriminadora e da respectiva injungao penal resulta de 6rgdos democraticos de um Estado consti- tucionalmente organizado em moldes pluralistas. 27. Outro ponto que importa sobressair — jé dele se falou — € 0 do rigor com que cada tipo legal de crime foi definido. Para cada uma das prescrigdes in- criminadoras houve o meticuloso cuidado de sempre se tracarem os elementos do tipo da forma mais clara € imediatamente compreensivel, porque s6 assim, repete -se, € nunca serd demais dizé-lo, se honra em toda a linha o principio da tipicidade, um dos baluartes das garantias constitucionais do cidadao. 28. Nos crimes contra as pessoas importa destacar, como inovagdo legislativa, a participagdo em rixa (ar- tigo 151.°). Tipo legal de grande importancia prética que vem solucionar, através da sua auténoma confi- guracdo, graves problemas que se levantam na proble- matica da comparticipagdo, sendo, para além disso, um elemento fortemente dissuasor da pratica, quantas ve- zes leviana e irreflectida, de disputas ¢ de esforcos que nascem pequenos, mas cujos efeitos podem ser alta- mente danosos. Outra questo que suscitou particular interesse foi a da protecgdo da vida privada (capitulo vi). E de todos sabido que a massificacdo no acesso a meios € instrumentos electrénicos veio a favorecer a intromis- sdo alheia ¢ ilegitima na esfera da vida privada das pes- soas. A isto hd que atalhar, para protecc&o dos ult mos redutos da privacidade’a que todos tém direito, pela definicio de especificos tipos legais de crime que protejam aquele bem juridico. Mas se estas razdes nao bastassem, a lei fundamental seria também apoio in- discutivel ‘ao prescrever nto n.° 1 do seu artigo 33.°: «A todos é reconhecido o direito [...] a reserva da timidade da vida privada e familiar.» A que se junta, no n.° 2, o conteido da seguinte norma programitica: «A lei estabeleceré garantias efectivas contra a utiliza- gfo abusiva, ou contréria A dignidade humana, de in- formagdes relativas as pessoas ¢ familias.» 30. A violagdo do dever de solidariedade social (omis- sao de auxilio — artigo 219.°) afigura-se como outra questo, agora do titulo «Dos crimes contra valores ¢ interesses da vida em sociedaden, onde facilmente se de- tecta o cunho da equilibrada dosimetria do que deve ser, pelo menos para o direito penal, a solidariedade social. De outra banda, como ja tinha ficado sugerido quando faldmos da omisséo, aquele preceito contemplara os ca- sos ou as situagdes em que a inexisténcia do dever juri- dico conduziria a aberrantes ¢ injustas absolvicdes. 31. Tal como jé dissemos, os crimes de perigo co- mum (titulo itl, capitulo 11) constituem a consagracdo de uma linha de pensamento da politica criminal que acha necesséria a intromisséo do direito penal para sal- vaguardar certos bens juridicos que a nossa sociedade tecnoldgica pde em perigo. Desde a cléssica figura do ineéndio € perigo de incéndio (artigos 253.° ¢ 254.°), passando pela explosdo (artigo 255.°), libertacdo de ga- ses tOxicos (artigo 258.°), inundacdo ¢ avalancha (ar- tigo 263.°), € difusto de epizootias (artigo 271.°), cul- minando nos crimes que prevéem a violacdo das regras de seguranga das comunicagdes, somos surpreendidos por tipos legais que indiscutivelmente se ligam a con- dutas que violam determinadas regras exigidas pelos DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A 1361 servigos, bens ¢ instrumentos que a civilizagéo mate- tial proporciona, ‘O ponto crucial destes crimes — nao falando, ob- viamente, dos problemas dogméticos que levantam — reside no facto de que condutas cujo desvalor de ac- Go é de pequena monta se repercutem amitide num desvalor de resultado de efeitos ndo poucas vezes cas- tastréficos. Clarifique-se que 0 que neste capitulo esté primacialmente em causa ndo € 0 dano, mas sim 0 pe- rigo. A lei penal, relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos, basta-se com a producdo do perigo (concreto ou abstracto) para que dessa forma © tipo legal esteja preenchido. O dano que se possa vir a desencadear nao tem interesse dogmético imediato. Pune-se logo © perigo, porque tais condutas sao de tal modo reprovaveis que merecem imediatamente censura €tico-social. Adiante-se que devido a natureza dos efei- tos altamente danosos que estas condutas ilicitas po- dem desencadear o legislador penal nao pode esperar que o dano se produza para que o tipo legal de crime se preencha. Ele tem de fazer recuar a protec¢do para momentos anteriores, isto é, para o momento em que © perigo se manifesta 32, Ainda no seio deste titulo (111) urge considerar a problematica das «organizagées terroristas» e da c minalidade que lhes vai conexa. Houve — se cotejar- mos 0 articulado actual com o imediatamente anterior — uma mudanga de colocagdo sistemética. Retiram-se estes crimes do titulo v, «Dos crimes con- tra o Estado, ¢ integram-se no titulo 1m, unicamente por se julgar que tais actividades nao ofendem, pelo menos directamente, os valores do Estado. E ‘indis- cutivel que este tipo de criminalidade tem de ser com- batido pela lei penal de forma severa, mas para lé da adopedo de todas as garantias — como as consagra- das no diploma — ha que ter consciéncia que este um dos casos particulares em que a lei penal, s6 por si, tem pouquissimo efeito preventivo. A seu lado tem. de existir uma consciencializacdo da comunidade no sentido de ser ela, em primeira instdncia, 0 crivo ini- bidor daquela criminalidade. 33. Nos crimes contra o patriménio, nomeadamente furto e roubo, abandonou-se por incorrecta, ineficaz € susceptivel de provocar injusticas relativas, ‘a técnica de a moldura penal variar conforme o montante do va- lor real do objecto da acedo. Na linha, ainda aqui, da descriminalizacao, rectius da despenalizacao, tipificou-se © furto formigueiro, figura que contempla uma zona de pequena criminalidade de grande incidéncia pratica nos termos modernos. 34, Definiu-se a infidelidade (artigo 319.°) — novo tipo legal de crime contra o patriménio — cujo recorte, grosso modo, visa as situagdes em que ndo existe a in- tendo de apropriagdo material, mas to s6 a intengao de provocar um grave prejuizo patrimonial. Além disso, ensina a criminologia e a politica criminal que estes com: portamentos ndo sdo to raros como a primeira vista se julga. De mais a mais, no mundo do trafico juridico, a regra de ouro é a confianca e a sua violagdo pode, em casos bem determinados na lei, necessitar da forga in- terventora do direito penal, que apesar de tudo, tem de ser entendida, tornar-se a dizer, como ultima ratio. 35. Ainda no dominio deste titulo sublinhe-se a con- sagracdo de um capitulo especial relative aos chama- dos «crimes contra 0 sector piiblico ou cooperative agravados pela qualidade do agenten, Visa-se, assim, proteger penalmente um vasto sector da economia na ional mas no tolher os movimentos dos responsdveis, que os representam. Sabe-se que a vida econémica se baseia, muitas ve- zes, em decisdes répidas que envolvem riscos, mas que tém de ser tomadas sob pena de a omisso ser mais rejudicial que o eventual insucesso da decisao ante- riormente assumida. Daf que nao seja punivel o acto decisério que, pelo jogo combinado de circunstancias, aleatorias, provoca prejuizos, mas s6 aquelas condu- tas intencionais que levam producdo de resultados de- sastrosos. Conceber de modo diferente seria nefasto — as experitncias estdo feitas — ¢ obstaria a que es- sas pessoas de melhores e reconhecidos méritos receas- sem assumir lugares de chefia naqueles sectores da vida econémica nacional. 96. Para finalizar diga-se que nos crimes contra o Estado 0 ponto saliente reside na mais correcta e cui- dada definigdo objectiva e subjectiva dos elementos que constituem cada um dos diferentes tipos legais de crime que este titulo encerra. Por outro lado, fundamental- mente, no que se refere aos crimes contra a seguranga interna do Estado, o bem juridico que se protege ¢ 0 da ordem democritica constitucional. Desta forma, o bem juridico nfo se dilui na prépria nogdo de Estado, antes se concretiza no valor que este, para a sua pros- secugo, visa salvaguardar. LIVRO I Parte geral TITULO | Da lei criminal CAPITULO UNICO Principios gerais Artigo 1.° Princplo da lepalldade 1 — $6 pode ser punido criminalmente 0 facto des- crito ¢ declarado passivel de pena por lei anterior a0 momento da sua pratica. 2 — A medida de seguranca s6 pode ser aplicada a estados de perigosidade cujos pressupostos estejam fi- xados em lei anterior ao seu preenchimento. 3 — Nao € permitido o recurso analogia para qua- lificar um facto como crime, definir um estado de pe- Tigosidade ou determinar a pena ou medida de segu- ranga que lhes corresponde. Artigo 2.° Aplicasto tempo 1 — As penas ¢ as medidas de seguranga so deter- minadas pela lei vigente no momento da pratica do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que de- pendem. 1362 DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A N° 63 — 15-3-1995 2—O facto punivel segundo a lei vigente no mo- mento da sua prética deixa de o ser se uma lei nova 9 eliminar do nimero das infracgdes; neste caso, € se tiver havido condenasdo, ainda que transitada em jul- gado, cessam a execticdo ¢ 0s seus efeitos penais. 3— Quando a lei valer para um determinado pe- riodo de tempo, continua a ser punivel 0 facto prati- cado durante esse periodo. 4 — Quando as disposigdes penais vigentes no mo- mento da pratica do facto punivel forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado 0 regime que concretamente se mostrar mais favoravel a0 agente, salvo se este jé tiver sido condenado por sen- tenga transitada em julgado. Artigo 3.° Momento da pritics do facto © facto considera-se praticado no momento em que © agente actuou ou, no caso de omissdo, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o re- sultado ‘tipico se tenha produzido. Artigo 4.° Aplieagto no espago: principio geral Salvo tratado ou convengéo internacional em contré- rio, a lei penal portuguesa é aplicdvel a factos prati- cados: a) Em territério portugués, seja qual for a nacio- nalidade do agente; ow 'b) A bordo de navios ‘ou aeronaves portugueses. Artigo 5.° Factos praticades forn do (errtério portugués 1 — Salvo tratado ou convengdo internacional em contrario, a lei penal portuguesa é ainda aplicdvel a fac- tos cometidos fora do territério nacion @) Quando constituirem os crimes previstos nos ar- tigos 221.°, 262.° a 271.°, 300.°, 301.°, 308.° 2321.9, 335.° a 345.9; +) Quando constituirem os crimes previstos nos ar- tigos 159.°, 160.°, 169.°, 236.° a 238.°, no n.° 1 do artigo 239.° e no artigo 242.°, desde Que 0 agente seja encontrado em Portugal ¢ nao possa ser extraditado; ©) Por portugueses, ou por’ estranj portugueses, sempre que: 1) Os agentes forem encontrados em Por- tugal; 11) Forem também puniveis pela legislacto do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar no se exercer poder punitivo; e IIL) Constituirem crime que admita extradigao € esta ndo possa ser concedida; ou iros contra 4) Contra portugueses, por portugueses que vive- rem habitualmente em Portugal ao tempo da sua prética ¢ aqui forem encontrados. 2— A [ei penal portuguesa ¢ ainda aplicavel a fac- tos cometidos fora do territério nacional que o Estado Portugués se tenha obrigado a julgar por tratado ou convengdo internacional. Artigo 6.° Reutrgdes & aplicagdo. da let portuguese 1 —A aplicacdo da lei portuguesa a factos pratica- dos fora do territério nacional sé tem lugar quando © agente néo tiver sido julgado no pais da pratica do facto ou se houver subtraido ao cumprimento total ou parcial da condenacao. 2 — Embora seja aplicdvel a lei portuguesa, nos ter- ‘mos do niimero anterior, o facto é julgado segundo a lei do pais em que tiver sido praticado sempre que es seja concretamente mais favordvel ao agente. A pena aplicével € convertida naquela que Ihe corresponder no sistema portugués, ou, n&o havendo correspondéncia directa, naquela que a lei portuguesa prever para o facto. 3 —O regime do nimero anterior ndo se aplica aos crimes previstos na alfnea a) do n.° | do artigo 5.° Artigo 7.° Lugar da pritlca do th © facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, ¢ sob qualquer forma de comparticipagdo, o agente actuou, ou, no caso de omis- sio, devia ter actuado, como naquele em que o resul- tado tipico se tiver produzido, Artigo 8.° Apllcasio subslidrla do Cédigo Pens! As disposigSes deste diploma sio aplicdveis aos fac- tos puniveis pelo direito penal militar ¢ da marinha mercante ¢ pela restante legislacdo de caracter especial, salvo disposic&o em contrdrio. Artigo 9.° Disposgtesespecals para jovens ‘Aos maiores de 16 anos e menores de 21 s4o aplicé- veis normas fixadas em legislacdo especial. TITULO II Do facto CAPITULO I Pressupostos da punigio Artigo 10.° Comissio por sceo € por omissto 1 — Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, 0 facto abrange ndo sé a accdo ade- quada a produzi-lo como a omisséo adequada a evité- lo, salvo se outra for a intencdo da lei. 2 — A comisso de um resultado por omisséo sé & punivel quando sobre o omitente recair um dever jurf- ico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado. 3— No caso previsto no nimero anterior, a pena pode ser especialmente atenuada. N° 63 — 15-3-1995 Artigo 11.° Cardcier pessoal da responsabilidade Salvo disposigiio em contrario, s6 as pessoas lares sao susceptiveis de responsabilidade criminal. Artigo 12.° Actuagio em nome de outrem 1 —F punivel quem age voluntariamente como ti- tular de um érgéo de uma pessoa colectiva, sociedade ‘ou mera associagdo de facto, ou em representacdo le- gal ou voluntéria de outrem, ‘mesmo quando o respec- tivo tipo de crime exigir: 4) Determinados elementos pessoais ¢ estes s6 se verificarem na pessoa do representado; ou b) Que o agente pratique o facto no seu préprio interesse e 0 representante actue no interesse do representado. 2—A ineficdcia do acto que serve de fundamento A representagdo ndo impede a aplicagio do disposto no ndmero anterior. Artigo 13.° Dolo € nepligencia S6 é punivel o facto praticado com dolo ou, nos ca- sos especialmente previstos na lei, com negligéncia. Attigo 14.° Dolo 1 — Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intens&o de o realizar. 2. — Age ainda com dolo quem representar a res zagdo de um facto que preenche um tipo de crime como consequéncia necessdria da sua conduta. 3 — Quando a realizacao de um facto que preenche tum tipo de crime for representada como consequéncia, possivel da conduta, hd dolo se o agente actuar con- formando-se com aquela realizacao. Artigo 15.° Negligéncia ‘Age com negligéncia quem, por ndo proceder com © cuidado a que, segundo as circunstancias, est4 obri- gado e de que é capaz: a) Representar como possivel a realizago de um facto que preenche um tipo de crime mas ac- tuar sem se conformar com essa realizacdo; ou 'b) Nao chegar sequer a representar a possibilidade de realizado do facto. Artigo 16.° Erro sobre as cicunstincias do facto 1 — Oeerro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre proibigdes cujo conhecimento, for razoavelmente indispensdvel para que o agente possa, tomar consciéncia da ilicitude do facto, exclui o dolo. DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A_ 1363 2—O preceituado no mimero anterior abrange 0 erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente. 3 — Fica ressalvada a punibilidade da negligéncia nos termos gerais. Artigo 17.° Ero sobee # fctude 1 — Age sem culpa quem actuar sem consciéncia da ilicitude do facto, se 0 erro the néo for censurével. 2 — Seo erro Ihe for censurdvel, o agente ¢ punido com a pena aplicavel ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada. Artigo 18.° Agravagto Quando a pena aplicdvel a um facto for agravada ‘em fungao da producao de um resultado, a agravagéo & sempre condicionada pela possibilidade de imputagao desse resultado ao agente pelo menos a titulo de negli- eéncia, Artigo 19.° lade em razio da idade iputaveis. Artigo 20.° Inimputabiidade em razio de anomalis psiquica E inimputavel quem, por forga de uma anoma- lia psiquica, for incapaz, no momento da prética do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliagio. — Pode ser declarado inimputavel quem, por forca de uma anomalia psiquica grave, nao acidental e cujos efeitos ndo domina, sem que por isso possa ser censu- rado, tiver, no momento da pratica do facto, a capaci- dade'para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliago sensivelmente diminuida. 3 — A comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas pode constituir indice da si- tuagdo prevista no numero anterior. 4— A imputabilidade nao é excluida quando a ano- malia psiquica tiver sido provocada pelo agente com intengao de praticar 0 facto. CAPITULO II Formas do crime Artigo 21.° ‘Actos preparatérios Os actos preparatérios nao so puniveis, salvo dis- posicdo em contrario, Artigo 22.° Tentativa 1 — Ha tentativa quando o agente praticar actos de execugdo de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se. 1364 2. — Sao actos de execucdo: @) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que forem idéneos a produzir o resultado tipico; ou ©) Os que, segundo a experiéncia comum e salvo circunstancias imprevisiveis, forem de natureza a fazer esperar que se Ihes sigam actos das es- pécies indicadas nas alineas anteriores. Artigo 23.° Punibitidade dn tentativa I — Salvo disposi¢ao em contrario, a tentativa s6 € punivel se ao crime consumado respectivo correspon- der pena superior a 3 anos de prisdo. 2— A tentativa é punivel com a pena aplicével a0 crime consumado, especialmente atenuada. 3 — A tentativa ndo puntvel quando for manifesta a inaptidio do meio empregado pelo agente ou a ine- xisténcia do objecto essencial & consumago do crime. Artigo 24.° Desisttocla 1—A tentativa deixa de ser punivel quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na exe- cugdo do crime, ou impedir a consumago, ou, ndo obstante a consumacao, impedir a verificaco do re- sultado néo compreendido no tipo de crime. 2— Quando a consumagio ou a verificagdo do re- sultado forem impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa ndo € punivel se este se esforcar seriamente por evitar uma ou outra. Artigo 25.° Desistdncia em caso de comparticipasso Se varios agentes comparticiparem no facto, nao & punivel a tentativa daquele que voluntariamente impe- dir a consumaco ou a verificagdo do resultado, nem a daquele que se esforcar seriamente por impedir uma ‘ou outra, ainda que 05 outros comparticipantes pros- sigam na execuedo do crime ou o consumem. Artigo 26.° Avtorte E punivel como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execucdo, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determi- nar outra pessoa & pratica do facto, desde que haja exectigdo ou comeso de execugto. Artigo 27.° ‘Cumplicidade 1 —E punivel como cimplice quem, dolosamente por qualquer forma, prestar auxilio material ou moral & pratica por outrem de um facto doloso. DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A N.2 63 — 15-3-1995 2—E aplicavel ao cuimplice a pena fixada para 0 autor, especialmente atenuada. Artigo 28.° icitude na comperticipagio 1 — Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto de- penderem de certas qualidades ou relacdes especiais do agente, hasta, para tornar aplicdvel a todos os com- participantes a pena respectiva, que essas qualidades ou elagdes se verifiquem em qualquer deles, excepto se outra for a intenco da norma incriminadora. 2 — Sempre que, por efeito da regra prevista no nt- mero anterior, resultar para algum dos comparticipan- tes a aplicacdo de pena mais grave, pode esta, consi- deradas as circunstancias do caso, ser substituida por aquela que teria lugar se tal regra ndo interviesse. Artigo 29.° Culpa na comparticipacto Cada comparticipante & punido segundo a sua culpa, independentemente da punigdo ou do grau de culpa dos outros comparticipantes. Artigo 30.° Concurso de crimes ¢ crime conitnusdo 1 — O mimero de crimes determina-se pelo mimero de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo mi- mero de vezes que o mesmo tipo de crime for preen- thido pela conduta do agente. 2 — Constitui um s6 crime continuado a realizacdo phirima do mesmo tipo de crime ou de varios tipos de crime que fundamentalmente protejam 0 mesmo bem juridico, executada por forma essencialmente homogé- nea € no quadro da solicitagdo de uma mesma situa- do exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. CAPITULO III ‘Causas que excluem a ilicitude € a culpa Artigo 31.° Exclusbo da tlicitude 1 — 0 facto ndo ¢ punivel quando a sua ilicitude for excluida pela ordem juridica considerada na sua tota- lidade. 2— Nomeadamente, ndo ¢ ilicito 0 facto praticado: a) Em legitima defesa; 1b) No exercicio de um direito; ©) No cumprimento de um dever imposto por lei ‘ou por ordem legitima da autoridade; ou @) Com 0 consentimento do titular do interesse ju- ridico lesado. Artigo 32.° Leith Constitui legitima defesa meio necessério para repelir deters facto_praticado como agressdo actual e ilicita N° 63 — 15-: 1995 DIARIO DA REPUBLICA — I SERIE-A 1365 de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro. Antigo 33.° Baxcesso de legtima defess 1 — Se houver excesso dos meios empregados em le- sitima defesa, 0 facto ¢ ilicito mas a pena pode ser ¢s- pecialmente atenuada. 2 — O agente nao é punido se 0 excesso resultar de Perturbacdo, medo ou susto, ndo censurdveis. Artigo 34.° Direito de necessidade Nao é ilfcito 0 facto praticado como meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses ju- Tidicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verificarem os seguintes requisitos: a) Nao ter sido voluntariamente criada pelo agente a situagdo de perigo, salvo tratando-se de pro- teger o interesse de terceiro; ) Haver sensivel superioridade do interesse a sal- vaguardar relativamente ao interesse sacrifi- cado; € ©) Ser razovel impor ao lesado 0 sacrificio do seu interesse em atengdo natureza ou ao valor do interesse ameacado. Artigo 35.° Estado de necessiade desculpante 1 — Age sem culpa quem praticar um facto ilicito adequado a afastar um perigo actual, e ndo removivel de outro modo, que ameace a vida, a integridade fi sica, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando no for razodvel exigir-Ihe, segundo as circuns- tancias do caso, comportamento diferente. 2 — Se o perigo ameagar interesses juridicos diferen- tes dos referidos no mimero anterior, e se verificarem Os restantes pressupostos ali mencionados, pode a pena ser especialmente atenuada ou, excepcionalmente, 0 agente ser dispensado de pena, Artigo 36.° Conflte de deveres 1 — Nao ¢ ilicito 0 facto de quem, em caso de con- flito no cumprimento de deveres juridicos ou de ordens legitimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sa- crificar. 2— 0 dever de obediéncia hierarquica cessa quando conduzir a pratica de um crime. Artigo 37.° Obeditncia indevida desculpante Age sem culpa o funcionério que cumpre uma or- dem sem conhecer que ela conduz pratica de um crime, ndo sendo isso evidente no, quadro das circuns- tancias por ele representadas. Artigo 38.° Conseatimento 1 — Além dos casos especialmente previstos na lei, © consentimento exclui a ilicitude do facto quando s¢ teferir a interesses juridicos livremente disponiveis ¢ 0 facto ndo ofender os bons costumes. 2 — O consentimento pode ser expresso por qualquer meio que traduza uma vontade séria, livre e esclare- cida do titular do interesse juridicamente protegido, ¢ pode ser livremente revogado até & execucdo do facto. 3 — O consentimento 86 & eficaz se for prestado por quem tiver mais de 14 anos e possuir 0 discernimento necessério para avaliar 0 seu sentido e alcance no mo- mento em que o presta. 4—Se 0 consentimento no for conhecido do agente, este € punivel com a pena aplicavel a tentativa. Artigo 39.° Consentimento presumido 1 — Ao consentimento efectivo é equiparado o con- sentimento presumido, 2 — HA consentimento presumido quando a situagdo em que o agente actua permitir razoavelmente supor que o titular do interesse juridicamente protegido teria eficazmente consentido no facto, se conhecesse as cir- cunsténcias em que este ¢ praticado. TITULO II Das consequincias juridices do facto CAPITULO I Disposigio preli Artigo 40.° Finaidades das penas das medidas de seguranca 1 — A aplicacdo de penas ¢ de medidas de seguranga visa a protecgdo de bens juridicos e a reintegracao do agente na sociedade. 2. — Em caso algum a pena pode ultrapassar a me- dida da culpa. 3 — A medida de seguranca s6 pode ser aplicada se for proporcionada a gravidade do facto e perigosi- dade do agente. CAPITULO II Penas SEC Ponas de pristo © de muta 01 Artigo 41.° Durasio da pens de prisio 1 —A pena de prisdo tem, em regra, a duragdo mi- y -pima de I més e a duragdo maxima de 20 anos. a.

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