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REV. BAIANA DE SAUDE PUBL.., V. 26, N. 1/2 P. 29-40, JAN/DEZ. 2002 ARTIGO ORIGINAL GESTAO MUNICIPAL DO SUS: ATRIBUIGOES E RESPONSABILIDADES DO GESTOR DO SISTEMA E DOS GERENTES DE UNIDADES DE SAUDE Carmen Fontes Teixeira* Joana Angélica Molesini** RESUMO O objetivo do trabalho é sistematizar uma proposta de perfil gerencial em sistemas municipais de sade no contexto de construgao do Sistema Unico de Satide-SUS. Toma como ponto de partida a revisdo da legislagao vigente, espe- cificamente as leis 8080 e 8142 e as normas operacionais que regem o proces- so de municipalizagao da saide. Em seguida apresenta uma concepgao de gestao enquanto pratica politico-institucional que inclui fungdes de conducao, planejamento, programacao, organizacao e controle de sistemas e servicos de satide e geréncia de unidades de saude. Com base na experiéncia das autoras enquanto docentes de cursos de capacitacao de gestores municipais de satde (secretarios) e de cursos de capacitacado para gerentes de unidades basicas de satide (diretores de centros de saude), € apresentada uma proposta de perfil gerencial, que especifica as atribuigdes e responsabilidades do gestor do sistema municipal de satide e dos gerentes de unidades basicas de satide, discutindo-se sua relevancia enquanto marco de referéncia para a definigao de objetivos, contetidos e estratégias pedagdgicas em processos de formacao e capacitagado de dirigentes do SUS ao nivel municipal. PALAVRAS-CHAVES: Administracao publica. Sistema de Satide. Gestaéo. Geréncia. Capacitagao gerencial. 4 INTRODUGAO O processo de reforma do sistema de satide brasileiro respalda-se, juridi- camente, na nocao de Saude como direito de cidadania e dever do Estado e vem contemplando a criacao do Sis- tema Unico de Satide’, no qual a Uniao, Distrito Federal, Estados e Municipios passam a compartilhar responsabili- dades pelas agées de saude. Em 1990, foi aprovada pelo Con- gresso Nacional, a Lei Organica da Satide?, que atribui ao municipio a dire- ¢40 municipal do Sistema Unico de Satide-SUS e a execugao dos servi- cos, ficando a Unido e os Estados, responsaveis pela normatiza¢ao, coor- denagao, controle, acompanhamento e avaliagao. Ainda em 1990, foi aprova- da a Lei 8142? que regulamenta a ges- tao pUblica do SUS em todos os niveis de governo e define a forma de transfe- réncia de recursos do Fundo Nacional de Satide aos estados e municipios. * Doutora em Salide Publica. ISC- UFBa, Prof. do Instituto de Saude Coletiva da UFBA. ** Mestra em Satide Comunitaria. SC- UFBa; Técnica da Secretaria de Satie do Estado da Bahia Enderego para correspondéncia: Rua Padre Feijd, 29, 4° andar.- Canela, Salvador-Bahia. CEP: 40.110-170 29 REV. BAIANA DE SAUDE PUBL., V. 26, N. 1/2 P. 29 -40, JAN/DEZ.2002 Outros textos complementam a ba- se legal do SUS, entre eles as Normas Operacionais Basicas-NOB, editadas em portarias ministeriais‘**°7; a ultima, NOB 01/96, tratava de aperfeigoar os procedimentos politico-administrativos relacionados com a transferéncia de re- cursos financeiros aos municipios, atra- vés do Piso Assistencial Basico—-PAB (fixo e variavel), estabelecendo tam- bém mecanismos de programagaéo — Programagao Pactuada Integrada-PPI e controle e avaliagao da geréncia de recursos — o Sistema Nacional de Audi- toria, Controle e Avaliagao’. No Ambito juridico e politico- institucional 0 debate em torno da construgao do SUS tem privilegiado seu Financiamento e Gestao do SUS, colocando-se, a partir do processo de descentralizacao, a questao da “organi- zagao do sistema”, especialmente no que diz respeito a redefinigao de fun- gdes e competéncias do Ministério da Satide-MS, das Secretarias Estaduais de Satide-SES e das Secretarias Muni- cipais de Saude-SMS, a reestruturacao da Fundagao Nacional de Satide-FNS e a redefinic¢ao das relagdes com o se- tor privado. So mais recentemente é que vem se colocando na agenda poli- tica das instancias gestoras a preocu- pagao com a mudanga das formas de organizagao do processo de prestacao de servigos de satde, isto é a reorien- tagao dos modelos assistenciais®. "No momento atual (2002), encontra-se em pro- cesso de implantagao mais uma norma do Minis- terio da Saude, a Norma Operacional da Assis- téncia 4 Salide-NOAS/SUS editada em 201° revisada e reeditada em 2002'°. Cabe ressaltar que esta norma n&o altera substancialmente o papel do gestor municipal, nem apresenta modi ficagdes com relac&o a competéncia dos geren- tes de Unidades de Saude Constata-se que o sistema de satide é palco da disputa entre modelos assistenciais diversos, com a repro- duco conflitiva dos modelos hegemé- nicos, ou seja, 0 modelo médico- assistencial privatista (6nfase na assis- téncia médico-hospitalar e Servicos de Apoio ao Diagnéstico e Tratamento- SADT) e 0 modelo assistencial sanita- rista (campanhas, programas espe- ciais e agdes de vigilancia epidemiolo- gica e sanitaria), ao lado dos quais situam-se os esforgos de construgdo de “modelos” alternativos, através da im- plantagao de “politicas publicas sau- daveis”", “oferta organizada"’* “aces programaticas em satide”* e “satide da familia”. Considerando o significado estra- tégico da municipalizacdo, o presente texto discute o papel dos dirigentes municipais na formulagao e imple- mentacao de politicas e na construgao de um novo modelo de atencao a sau- de, sistematizando uma proposta de perfil gerencial dos dirigentes de sis- temas municipais de satide visando subsidiar processos de capacitacdo nesta area. 2 OSIGNIFICADO ESTRATEGICO DAMUNICIPALIZAGAO A municipalizagao da saide é um processo da descentralizagao da gestao do sistema de servicos até a base politico-administrativa do Estado brasileiro, implicando no reordena- mento dos papéis que cabem a cada uma das instancias politico-adminis- trativas, isto é, ao governo federal e aos governos estaduais e municipais. Municipalizar a satde significa, portanto, trazer para a gestao munici- pal a capacidade de definir, junto com os municipes, 0 que fazer com a Saude 30 REV. BAIANA DE SAUDE PUBL., V. 26, N. 1/2 P. 29-40, JAN/DEZ. 2002 na sua area de abrangéncia, através da autonomia de gestao e descentra- lizagao de recursos financeiros. Com isso o Municipio passa a ser o gestor do sistema de satide no seu territdrio, ca- bendo a todos, Municipio, Estado, Unido e a sociedade como um todo a respon- sabilidade pela efetiva funcionalidade do sistema. Ao se descentralizar, estabelece-se um novo rearranjo de forgas entre esferas de poder. O processo de municipalizagao é, portanto, de co- responsabilidade das trés esferas de poder, demandando modificagédes na forma e no contetido das relagées estabelecidas entre o Ministério da Satde, a Secretaria Estadual de Saude e a Secretaria Municipal de Saude. Em sintese, municipalizar nao significa apenas 0 repasse de recursos finan- ceiros e rede fisica, mas a transferén- cia de todos os instrumentos politicos, administrativos, juridicos e técnicos para plena funcionalidade e autonomia do municipio. O processo de municipalizagao, na medida em que venha a significar uma efetiva redefinigado de fungdes e com- peténcias entre os niveis de governo do SUS, implica na constituigao de “siste- mas municipais de satide”. Antes do SUS e especificamente antes da im- plementagaéo da NOB 01/93, nao se poderia considerar que os municipios brasileiros tivessem “sistemas munici- pais”. Os municipios tinham servigos de satide municipais, porém nao ti- nham capacidade de gestao do con- junto das instituig6es e unidades de prestagao de servicos de satde loca- lizadas em seus territorios. Com a implementacgao da NOB 01/ 93, desencadeou-se um processo de construgao dos sistemas municipais, 31 que implicou na criagdo das estruturas gestoras necessarias a responsabi- lizagao pelo municipio sobre os recur- sos e servicos quais sejam: o Fundo Municipal de Satide-FMS, o Conselho Municipal de Satde-CMS e a estrutu- ragao/reestruturagao da Secretaria Municipal de Saude-SMS. Além da es- truturacdo desses orgaos, os munici- pios comegaram a implementar instru- mentos de gestao que fortalecem a autonomia gerencial sobre os recur- $08, processos e resultados das acées de satide, quais sejam: o planejamento € a programagao local, o acompanha- mento, avaliagdo e controle das agées e recursos e a gestao descentralizada dos recursos financeiros e recursos humanos. A implementagao da NOB 01/93, além de nao ter atingido todos os muni- cipios do pais, resultou em uma rela- tiva reconcentragao de recursos finan- ceiros em regides, estados e munici- pios, em fungao, principalmente, da manutengao dos critérios de repasse de recursos financeiros, que, conforme a NOB 01/91, baseava-se fundamen- talmente na capacidade de produgado de servicos. Quando da elabora¢ao da NOB 01/96, além da recuperagao do critério populacional para a definigao do volume de recursos financeiros que cabera a cada municipio habilitado, foram introduzidos diversos “fatores de estimulo” 4 implementagao de inova- gées, entre as quais os Programas de Saude da Familia-PSF e as agdes de vigilancia epidemioldgica e sanitaria”. As formas de gest&o dos sistemas municipais previstas na NOB 01/96 sao a “gestao plena da rede basica”, na qual © municipio passa a assumir 0 controle sobre a produgdo de servigos ambula- toriais (estatais e privados) e, a depender REV. BAIANA DE SAUDE PUBL., V. 26, N. 1/2 P. 29 -40, JAN/DEZ.2002 da sua capacidade de formulagao de projetos e negociagao com as instancias federais e estaduais, também passa a desenvolver as acées territoriais de Sau- de da Familia e a montar as bases de informacao necessarias para as acdes de vigilancia epidemiologica e ambien- tal. No estagio seguinte, isto é, a “gestao plena do sistema”, 0 municipio assume a responsabilidade sobre 0 conjunto dos. servigos nos diversos niveis de comple- xidade tecnoldgica e organizativa. Nesse contexto, o municipio tem condigées de articular o conjunto das propostas, programas e estratégias que vém sendo definidos no nivel federal e em varios estados, para desencadear, POLITICAS PUBLICAS PROMOGAO A SAUDE ATENGCAO PRIMARIA ATENGAO SECUNDARIA E TERCIARIA al., 1998" incia a Saude Fonte: Teixei Figura 1. Considerando os incentivos finan- ceiros previstos na NOB 01/96, as agées de capacitacdo de pessoal e cooperacao técnica previstas no VIGISUS, a possibi- lidade de assessoria por parte das SES e instituig6es académicas, no momento atual, o municipio é posto diante do desafio de reorientar o con- VIGILANCIA A SAUDE SAUDE DA FAMILIA INTERMUNICIPAL em seu ambito, um processo de reorien- tacao do “modelo assistencial” do SUS que nao signifique a mera reprodugdo do “modelo médico assistencial priva- tista’, articulado ao “modelo sanitarista”, ou seja, a chamada “inampizagao” do SUS. Pelo contrario, levando em conta a existéncia de instrumentos financeiros (PAB fixo e variavel), gerenciais e tecnico- operacionais (PPI, PSF, Programa de Agentes Comunitarios de Saude-PACS, e Vigilancia do SUS-VIGISUS) que po- dem ser utilizados para a criagdo de um modelo que aponta em outra diregdo, o municipio pode caminhar para a cons- trugaéo de um “modelo” fundamentado na Vigilancia da Satide'* * (FIGURA 1). CIDADE SAUDAVEL (PACSIPSF) DISTRITO SANITARIO CONSORCIO junto de agées e servigos desenvol- vidos no sistema municipal de satde, "' Por“inampizagao" entende-se 0 fortalecimento de um modelo que privilegia a atengao a demanda espontanea, através da assisténcia médica, ambulatorial, laboratorial e hospitalar, ao lado da qual, em carter subalterno, aparecem as campanhas, programas e acdes de vigilancia epidemioldgica e sanitaria 32 REV. BAIANA DE SAUDE PUBL. V. 26, N. 1/2 P. 29-40, JAN/DEZ. 2002 quais sejam: i) assumir e consolidar a Vigilancia epidemioldgica; ii) assu- mir e consolidar a Vigilancia sanitaria; iii) assumir e implementar os progra- mas de sate da familia; iv) reorga- nizar o perfil de oferta das unidades basicas, considerando os programas especiais e o perfil epidemiolégico da populacao; v) articular a atencao de média e alta complexidade, fortale- cendo a rede publica e renegociando a compra de servigos com o setor privado; vi) redefinir a assisténcia labo- ratorial e farmacéutica. Levando em conta a heterogenei- dade das situagées dos municipios, mais do que implementar as propos- tas e diretrizes emanadas do nivel fe- deral e estadual, o desafio maior para os prefeitos e secretarios municipais de satde é definir a linha com que vao conduzir a politica de sade municipal articulando distintos elementos geren- ciais, financeiros, programaticos, orga- nizativos e operacionais. 3 GESTAODOSISTEMAE GERENCIA DE UNIDADES: atribuigdes e responsabilidades dos dirigentes municipais O desencadeamento de um pro- cesso de fortalecimento da autonomia politico-gerencial dos municipios e da elevagdo da sua capacidade técnico- operacional de planejamento, progra- macao, controle gerencial e operacio- nalizagdo de ages voltadas ao enfren- tamento dos problemas de saide em seu territério faz parte, sem duvida, do Processo de reconstrugdo do Estado no momento atual. Para os municipios, isto significa a possibilidade de, a partir das iniciativas em Saude, rees- truturarem a gestéo municipal em seu conjunto, em uma perspectiva demo- cratica, participativa, tecnicamente competente e gerencialmente eficiente e efetiva. Desse modo, é importante dis- tinguir a especificidade das praticas politico-gerenciais que se situam em diversos niveis da estrutura politico- administrativa do sistema municipal de saUde. A gestao pode ser considerada uma pratica mais ampla, que toma como objeto o sistema de sade em sua totalidade complexa, enquanto que a geréncia é uma pratica mais restrita, que toma como objeto as unidades de produgao de servigos, quer sejam distritos sanitarios, estabelecimentos de saude, programas ou servicos especificos. A gestao do sistema e a geréncia de unidades de producao se diferenciam em fungao dos propésitos e alcance das decisées tomadas, o que resulta no desenvolvimento de distintas atividades em cada uma das dimens6es — politica, tecnica e admi- nistrativa — da pratica gerencial em cada nivel. Agestao do sistema, portanto, pode ser entendida como o conjunto de atividades politicas, téecnicas e admi- nistrativas desenvolvidas com o pro- posito de assegurar a condugao, o planejamento, a programacao, a diregao, organizagao e controle do sistema de servicos de sate em sua totalidade. A geréncia operativa das unidades de produg4o de servicos (estabelecimentos, programas ou Orgaos), indica o conjunto de ativida- des desenvolvidas com o propésito de assegurar a diregao (da unidade ou programa), programag4o e orga- nizagao (das agées e servicos), admi- nistragdo (de recursos) e o controle e avaliacao do processo de trabalho em saude, do produto (agées e servicos) 33 REV. BAIANA DE SAUDE PUBL., V. 26, N. 1/2 P. 29 -40, JAN/DEZ.2002 e dos resultados (cobertura, efetivi- dade, satisfagao) alcangados. Considerando essas diferencas é possivel distinguir as atribuigdes do Gestor municipal, isto é, do Secretario Municipal de Saude, responsavel pela condugao politico-administrativa do sistema, em consonancia com as deliberagées do Conselho Municipal de Satide, das atribuigdes dos geren- tes de unidades de produgao de servi- ¢os, especificamente as Unidades Basicas de Sade-UBS, que se consti- tuem na base organizacional e ope- rativa do sistema municipal de satde. Cabe aos Secretarios municipais de saude a conducaéo de um conjunto de processos, quais sejam: i) articulagdo com as organizacées sOcio-comunitarias_do municipio, tratando de envolvé-las, nao so formal- mente na constituigéo do Conselho Municipal de Saude, senao que no desenvolvimento conjunto de agées de promogao da satide, bem como no controle e avaliacdo do sistema muni- cipal de saude. ii) articulagao com _o Legislativo Municipal: 0 trabalho do Secretario de Satie e sua equipe técnica junto a Camara de Vereadores do municipio nao se esgota no encaminhamento de projetos de lei, necessarios a criagao das instancias gestoras do Sistema Municipal de Satide, como o Conselho Municipal de Saude, o Fundo Municipal ou a propria reorganizagao adminis- trativa da Secretaria Municipal de Saude. Além disso, cabe ao Secretario o encaminhamento de propostas a serem incluidas na Lei Orcamentaria anual do municipio, que implica asse- gurar a participacao dos recursos mu- nicipais para a Satide (7% das receitas municipais, em 2001, sendo que esse percentual crescera anualmente até atingir, em 2004, 15%). Também cabe ao Secretario coordenar e encaminhar a aprovagao do Codigo Sanitario do Municipio, instrumento legal que res- palda as acées de fiscalizagao e con- trole exercidas pelos orgaos respon- saveis pela Vigilancia Sanitaria, possi- bilitando o exercicio do seu “poder de policia” no que diz respeito a sangdes de estabelecimentos que comercia- lizem produtos e servigos em condigées danosas para a saude da populagao. iii) articulagao com o Executivo Municipal: a articulagao intersetorial da acao da Prefeitura Municipal é um dos eixos em que se assenta a concepcao de Vigilancia da Saude. Embora caiba ao Prefeito a coordenagdo desse pro- cesso, cabe ao Secretario Municipal subsidiar o chefe do poder executivo, apresentando propostas concretas dirigidas a organizacgao de agées conjuntas entre os setores de Saude, Educagao, Saneamento, Assisténcia Social e até mesmo o Planejamento e a Fazenda, visando a geragao de emprego e renda. Trata-se de adotar a melhoria das condigées de vida como eixo das acées governamentais no municipio, cabendo ao Secretario de Saude a iniciativa de promover a construcgao de um consenso entre os demais secretarios e o proprio Prefeito, apontando a importancia estratégica das acgées econémicas e sociais voltadas a salde e bem-estar. iv) conducao politica do Sistema Municipal de Saude: cabe ao Secre- tario de Saude liderar o processo de tomada de decisées acerca da or- ganizagdo e do funcionamento do Sistema Municipal de Saude, dando 34 REV. BAIANA DE SAUDE PUBL., V. 26, N. 1/2 P. 29-40, JAN/DEZ. 2002 conseqiiéncia as deliberacées do Conselho Municipal de Satde com respeito as prioridades, objetivos e metas da gestéo municipal, o que implica a coordenacao dos grupos técnicos e administrativos organizados na Secretaria Municipal de Sade em sua relacdo com a rede operativa do sistema municipal. v) n iag&o com o s rival ce itado nveni: com iS No municipio: essa atividade, de natureza essencialmente politica, implica a responsabilizagao do Secre- tario Municipal com respeito a forma- lizagéo e acompanhamento de contra- tos e convénios estabelecidos entre a Secretaria Municipal de Saude e entidades privadas de carater lucrativo e/ou filantrépico, visando a prestacdo de servigos — ambulatoriais e/ou hospitalares - ao SUS municipal. vi) planejamento e programacado do istema Municipal de ude: o processo de planejamento do Sistema Municipal de Saude & muito mais amplo que a Programagdo Pactuada Integrada—PPI. Embora importante para a racionalizagao da oferta de servigos, a PPI precisa ser comple- mentada com um planejamento funda- mentado em problemas e necessi- dades de satide da populacdo, o que exige um processo de territorializagao das condigdes de vida e satide, com identificagao dos diferenciais epide- miolégicos e sociais dos diversos grupos populacionais, bem como a elaboracao de propostas e imple- mentagao de acées (operacées) dirigi- das ao enfrentamento dos determi- nantes, riscos e danos 4 saude dos diversos grupos. A utilizagao desse enfoque possibilita ao Secretario de 35 Saude definir prioridades, tanto em termos de problemas quanto de acées, o que facilita, inclusive, o processo de avaliagao do impacto das agées desenvolvidas” "* vii) reorganizagéo do modelo assistencial do SUS: cabe ao Secre- tario Municipal a coordenacao do processo de redefinig¢ao do modelo de aten¢ao a sadde no municipio, de modo a adequa-lo as necessidades e problemas de sade da populacdo. Isto significa atuar no desenvolvimento do processo de distritalizagdo no Ambito do municipio, facilitando aos dirigentes de unidades a implantacdo e reorganizagéo de agées e servicos basicos, bem como atuando na forma- gao de consorcios intermunicipais, caso seja necessario para se garantir a atencao secundaria e terciaria. viii) controle e avaliagdo do Sistema Municipal de Saude: as propostas atuais com relacdo ao controle e ava- liagéo dos sistemas municipais incor- poram o tradicional controle admi- nistrativo sobre procedimentos e gastos, apontando a necessidade de se avancar para um controle gerencial sobre resultados, ai incluida a avalia- ¢ao de qualidade dos servicos e satisfagdo dos usuarios. Além disso, a criagao e o fortalecimento dos Con- selhos Municipais de Saude abre espaco para o exercicio de um controle social sobre as politicas municipais de saude, que excedem o acompa- nhamento técnico e administrativo do sistema. Cabe ao Secretario conduzir © processo de implantacéo de siste- mas de informacao que permitam tanto © controle econémico-administrativo (produtividade/custos) quanto o con- trole gerencial (resultados, medidos REV. BAIANA DE SAUDE PUBL.. V. 26, N. 1/2 P. 29-40, JAN/DEZ.2002 em termos de equidade e impacto), além de participar do controle social exercido pelo CMS, subsidiando o pro- cesso de acompanhamento e avalia- ao periddica a ser realizado por esta instancia. ix) a_organizac4o da Secretaria Municipal de Satde: para dar conta dessas tarefas e desafios, cada secretario deve buscar adaptar a estrutura e o funcionamento da Secre- taria Municipal de Saude, o que nao significa apenas a realizagao de uma “reforma administrativa’, com desenho de novo organograma e criagao de cargos e fungdes. O enfoque contem- poraneo no campo da administracgao gerencial supde a busca de flexibi- lidade estrutural e um investimento maior na capacitacao técnica e geren- cial dos quadros intermediarios res- ponsaveis pela coordenagao das agées e dos gerentes de unidades de prestacao direta de servicos". Isto implica em se privilegiar a organizagao e coordenagao de processos de tra- balho (operagées) voltados ao enfren- tamento de problemas, sob a forma de projetos que se esgotam, uma vez atingidos seus objetivos, sem gerar estruturas burocraticas permanentes. x) administragao de recursos finan- ceiros, humanos, materiais e fisicos que constituem a infraestrutura do Sistema Municipal de Saude. Isto significa que cabe ao Secretario Municipal a gestao do Fundo Municipal de Satide, a coordenacao do processo de formulagdo e implementagao da politica de desenvolvimento de Recur- sos Humanos de Satde-RHS no municipio, incluindo a contratagao, a distribuigéo e a elaboragao do Plano de Cargos, Carreiras e Salarios-PCCS, a administragao dos recursos mate- riais — material de consumo e equipa- mentos — em termos da aquisi¢ao, distribuigao e manutencao, bem como. a administragéo dos recursos fisicos, isto é, a coordenagao de projetos de investimentos em obras de construgao e reformas de instalacées. Os gerentes de unidades opera- tivas, por sua vez, tém atribuigdes e responsabilidades que também envol- vem as dimensées politica, tecnica e administrativa, sendo que a reorga- nizacgao do modelo assistencial é 0 eixo em torno do qual se articulam suas atividades, conforme especificamos a seguir: i) articulagaéo com as organizacdes governamentais ¢ ndo governamen- ai jam na area de abri ncia da UBS, visarido envolvé-las no plane- jamento, organizagao e execugao de agées de promogao da satide, como por exemplo, agdes de educacao sani- taria em escolas, creches, familias, associagées, sindicatos etc. ii) analise da situagdo de satde na sua are rangéncia_(necessi Se problemas): isto implica a realizacao de um processo de identificagdo, des- crigao, selegdo e analise dos proble- mas e necessidades de satide da popu- lagao da area de abrangéncia (ou de influéncia) da Unidade Basica em fun- go das condigées de vida dos diver- Sos grupos sociais, através da utiliza- ¢ao de informagées demograficas, socioeconémicas (condigées de vida), epidemiolégicas (indicadores de morbi- mortalidade) e administrativas (oferta/ demanda pelos servigos da UBS). iii) selegdo de prioridades e tecnologias de intervencdo. A determinacao de prioridades, tanto em termos dos 36 REV. BAIANA DE SAUDE PUBL., V. 26, N. 1/2 P. 29-40, JAN/DEZ. 2002 problemas que serao enfrentados primeiro, quanto das estratégias e operagées que serao desenvolvidas para enfrenta-los é um processo que deve envolver, nao so o gerente da UBS, sendo que toda a equipe de pro- fissionais e trabalhadores que atuam na unidade. Desse processo decorrera a organizagao e execugao do trabalho cotidiano, a ser coordenado e moni- torado pelo gerente. iv) nacéo_do proce: reor- ganizacao do trabalho na UBS. Cabe ao gerente da unidade a coordenagao do processo de mudanga na orga- nizacgao do trabalho da UBS, de acordo com a definigao de problemas e agées prioritarias realizada com a equipe, buscando articular as atividades de rotina com as novas atividades que serao desenvolvidas, quer na unidade (agées intramuros), quer pela unidade (agdes extramuros) junto as familias € grupos sociais que vivem na area de abrangéncia da UBS. v) imac¢aéo e control -CUCaO das ac6es requeridas para o enfren- lento dos_problem: saude da populacdo da area, definidas a partir do estabelecimento de uma “matriz programatica” que permite a reorga- nizagdo das agées previstas nos “programas especiais” (PACS, PSF, Sistema de Vigilancia da Alimentagao e Nutrigao-SISVAN, Programa de Redugao da Mortalidade Infantil-PRMI, Programa de Atengao Integral a Saude da Mulher-PAISM etc.) segundo sua natureza, tecnologia e recursos envol- vidos, ou seja, agGes de promogao da 37 sade (melhoria de condigdes de vida), agdes de vigilancia sanitaria (controle de riscos), agdes de vigilan- cia epidemiolégica (controle de riscos e danos), agdes programaticas dirigi- das a grupos populacionais especi- ficos (crianga, mulher, adolescente, trabalhador, idoso etc.) e agdes de atendimento a demanda espontanea. vi) gerenciamento de pessoal lotado erenciamento i mento té rial (insumos e medicamentos) e gerenciamento de recursos financeiros (caso a UBS seja unidade_gestora). Além das atribuig6es e responsabi- lidades politicas, tecnicas e adminis- trativas envolvidas na pratica gerencial, tanto de gestor municipal quanto do dirigente de unidades (ver Quadro Sintese no ANEXO 1), é importante frisar que a gestdo e a geréncia também contemplam uma dimensdo ética, que diz respeito aos principios e valores requeridos para o exercicio do poder publico, dos quais nunca é demais enfatizar a probidade, a honestidade no manejo dos recursos publicos e o compromisso com o ideal de “servir" aos interesses da populagao. No caso especifico da satide, cabe registrar a necessidade de que os gestores e gerentes tenham como va- lor a defesa dos principios do Sistema Unico de Saude, o compromisso com a construgao do sistema, de acordo com as necessidades e possibilida- des do municipio onde atuam, e, aci- ma de tudo, o respeito a vida e o com- promisso com a promogao e defesa da saude da populagao. REV. BAIANA DE SAUDE PUBL., V. 26, N. 1/2 P. 29 -40, JAN/DEZ.2002 Anexo 1. Atribuigées e responsabilidades do gestor municipal e do gerente de unidades no contexto da descentralizagao do sistema de satide no Brasil - 2002 Dimensao [Papel do gestor municipal Articulago com as organizagoes |socio-comunitarias do municipio Articulagdo com o legislativo municipal [Articulagéo com outros setores do Jexecutivo municipal Condugao politica do sistema municipal de saide Negociagdo com o setor privado contratado @ conveniado com o SUS Planejamento do sistema municipal Programagao do sistema municipal de satide (PPI) Coordenagao do processo de Controle e avaliagao do sistema municipal de saude (contratagao, distribuigao e PCCS) (consumo e equipamentos) Administragao dos recursos fisicos (construgées e reformas) 38 de sade (Plano Municipal de Saude) reorganizacao do modelo assistencial (Vigilancia da saude e distritalizagao) Administragao dos recursos humanos| Administragaio dos recursos materiais | (caso a UBS seja unidade gestora) Papel do gerente de unidade Articulagao com as organizagoes governamentais que atuam na area de jabrangéncia da UBS Articulago com as organizacées nao governamentais que atuam na area de Jabrangéncia da UBS Analise da situagao de sadde na sua area ide abrangéncia (necessidades e problemas) /Selegao de prioridades e tecnologias de intervengao Coordenagao do processo de reorganizagao do trabalho na UBS. Programagao e controle da execugao de Jagdes de promocao da satide (melhoria de lcondigées de vida) Programagao e controle da execugao de Jagdes de vigilancia sanitaria (controle de riscos) Programagao e controle da execucao de ages de vigilancia epidemiolégica (controle ide riscos e danos) Programagao e controle da execugao de agées programaticas dirigidas e grupos populacionais especificos (crianga, mulher, adolescente, trabalhador, idoso, etc. ) Programagao e controle da execugao de lagdes de atendimento 4 demanda lespontanea Gerenciamento de pessoal lotado na UBS }Gerenciamento do abastecimento técnico- material (insumos e medicamentos) Gerenciamento de recursos financeiros REV. BAIANA DE SAUDE PUBL., V. 26, N. 1/2 P. 29-40, JAN/DEZ. 2002 SUMMARY This paper discusses the essential requirements that local health systems managers may need under the framework of the “Sistema Nacional de Saude” (the Brazilian National Health System). The legal framework and guidelines that direct the health system decentralization process are reviewed. The paper defines management as a political and institutional practice that involves conducting, planning, programming, organizing and controlling not only health systems but also health services. The authors lecturing experience on diploma courses for Local Health Managers Officers (at municipal level) and for Heads of Health Services is the cornerstone for the job description proposal that follows. The responsibilities and skills required for those managerial activities are presented. The relevance of those requirements for defining objectives, contents and pedagogic strategies for managers training at local level is also discussed. KEY WORDS: Public administration. Health systems. Health management. Managers training. Managers job description. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1. Brasil. Constituigdo Federal. Congresso Nacional, Brasilia, 1988. 2. Brasil. Lei 8.080. 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