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XXIX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

A Engenharia de Produção e o Desenvolvimento Sustentável: Integrando Tecnologia e Gestão.


Salvador, BA, Brasil, 06 a 09 de outubro de 2009

GESTÃO DO CONHECIMENTO E
GESTÃO DA QUALIDADE: ESTUDO DE
CASO EM UMA EMPRESA
CONSTRUTORA DE EDIFICAÇÕES.
Maria Aparecida Steinherz Hippert (UFJF)
aparecida.hippert@ufjf.edu.br
CAMILA MARIA OLIVEIRA SILVA (UFJF)
camilaengenharia@yahoo.com.br

A construção civil passa por um momento importante de mudança de


seus paradigmas de gestão. As empresas começam a perceber que uma
vantagem competitiva baseada somente na tecnologia não é
sustentável. É crescente o interesse das empresas peela gestão da
qualidade. Entretanto, muitas empresas, particularmente as de
pequeno e médio porte, encontram uma série de dificuldades para a
implantação e manutenção destes sistemas visto que precisam usar o
conhecimento existente na empresa, que muitas vezes não se encontra
formalizado. O objetivo deste artigo é identificar os processos de
gestão do conhecimento que possam ser utilizados pelas empresas de
edificações na implantação e manutenção dos seus sistemas de gestão
da qualidade. A metodologia de pesquisa baseou-se em uma revisão
bibliográfica seguida de um estudo de caso junto a uma empresa
construtora de edificações. Esta empresa mantém um Sistema de
Gestão da Qualidade implantado e os dados foram coletados através
de entrevistas junto aos profissionais responsáveis pela manutenção
do sistema na empresa. Os dados compilados apontam que alguns
conceitos da Gestão do Conhecimento, como por exemplo a criação, o
armazenamento e a disseminação do conhecimento mantém estreita
relação com os procedimentos utilizados pelos Sistemas de Gestão da
Qualidade. Além disto, tanto a Gestão do Conhecimento quanto a
Gestão da Qualidade envolvem aspectos tecnológicos e humanos o que
permite o estabelecimento de uma relação entre os mesmos.

Palavras-chaves: Gestão da Qualidade, Gestão do Conhecimento,


Empresa Construtora
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A Engenharia de Produção e o Desenvolvimento Sustentável: Integrando Tecnologia e Gestão
Salvador, BA, Brasil, 06 a 09 de outubro de 2009

1. Introdução
Ao longo dos últimos anos é crescente, nas empresas a importância atribuída ao
conhecimento. As empresas vêm percebendo que para se manterem competitivas no mercado,
faz-se necessário, maiores investimentos em qualidade e conhecimento. Neste novo cenário, a
competitividade das empresas passa a ser diretamente ligada à sua habilidade em criar e
compartilhar conhecimento internamente e com seus parceiros de negócios.
Quanto à qualidade, as empresas na busca da melhoria dos seus produtos e serviços tem sido
levadas à implantação de Sistemas de Gestão da Qualidade (SGQ) seguindo as normas ISO. A
série ISO 9000 proporciona um quadro consistente para a melhoria do desempenho das
empresas baseada em oito princípios de gestão da qualidade (GQ). A norma ISO 9001 (NBR
ISO 9001, 2000) combina as pessoas, os processos e os aspectos organizacionais de uma
empresa para implantar um eficaz SGQ. Ela é voltada à certificação e tem foco no cliente. A
ISO 9004 (NBR ISO 9004, 2000) vai mais além e implica em uma melhoria contínua no
desempenho da empresa para satisfazer a todas as suas partes interessadas: pessoas na
empresa, proprietários/investidores, fornecedores e parceiros, sociedade na figura da
comunidade e do público atingido pela empresa ou seus produtos.
No caso da construção civil, em função das suas peculiaridades (MESEGUER, 1991;
YAZIGI, 1998) como, por exemplo, caráter nômade, que dificulta a constância de materiais e
processos; produto único e diverso a cada novo empreendimento, a probabilidade de
ocorrência de não-conformidades é maior e pode ser combatida com um SGQ.
Quanto à Gestão do Conhecimento (GC), embora alguns setores industriais já venham
empregando seus conceitos, no caso da Construção Civil, particularmente, nas empresas de
pequeno e médio porte, esta prática ainda é incipiente. Esta situação pode levar a empresa a
cometer repetidos erros por falta de registro dos conhecimentos adquiridos em
empreendimentos anteriores.
Este trabalho analisa a relação da GC com os SGQ a partir da análise dos seus elementos:
pessoas, processos e tecnologia. A partir do estudo teórico realizado por Cintra, Ribeiro
(2007) e da destacada importância da melhoria contínua para as empresas de construção, o
trabalho busca explorar, na prática, os caminhos pelos quais os processos de GC podem
auxiliar na realização das diversas atividades necessárias a um SGQ.
2. Metodologia
A questão proposta para este trabalho é:
De que maneira a Gestão do Conhecimento pode contribuir para a implantação/manutenção
de Sistemas de Gestão da Qualidade pelas Empresas de Edificações do setor de AEC e desta
forma contribuir para a melhoria contínua do desempenho destas empresas?
Para responder a esta questão foram realizadas pesquisas bibliográficas seguida de uma
pesquisa de campo junto a uma empresa de edificações atuante na cidade de Juiz de Fora. Foi
utilizada uma abordagem qualitativa com o objetivo de verificar junto aos profissionais da
empresa as facilidades e dificuldades de implantação/manutenção de SGQ, bem como as
possíveis contribuições dos conceitos de GC à melhoria do desempenho das mesmas. A
empresa selecionada tem destacada atuação no mercado, possui um Sistema de Qualidade
implantado e se apresenta aberta à introdução de inovações.

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Os dados da empresa foram levantados através de entrevistas semi-estruturadas junto aos


responsáveis pela implantação/manutenção dos Sistemas de Qualidade seguindo um roteiro
previamente elaborado. As questões formuladas referem-se à caracterização da empresa
(porte, área de atuação, número de funcionários), à gestão da qualidade (vantagens, motivação
e dificuldades na implantação de um SGQ), à gestão do conhecimento (sistemas de
informação, comunicação, aprendizado, recursos humanos e tecnológicos).
3. Gestão da Qualidade e Gestão do Conhecimento
3.1. Gestão da Qualidade
O termo qualidade pode ser facilmente mal entendido, pois, além das empresas possuírem
diferentes interpretações na aplicação do termo, existe também interpretações pelo estudo do
tema por diversas disciplinas, tais como: filosofia, economia, marketing e gerência de
operações. Com base nessas observações, Garvin (1984 apud Slack et al. 2007) identificou
cinco abordagens para a definição da qualidade: transcendental, baseada em manufatura,
baseada no usuário, baseada em produto e baseada em valor. Slack et al. (2007) conciliaram
essas diferentes visões com a definição de qualidade: “a consistente conformidade com as
expectativas dos consumidores”.
As empresas, tanto no Brasil quanto no exterior, perceberam a importância da GQ, devido à
pressão e à realidade do mercado nos diversos setores existentes. Hoje, o sucesso de uma
empresa depende da forma que ela utiliza e gerencia seus recursos para elevar a qualidade de
seus produtos e a produtividade de seus processos e, de como integra as tecnologias e o bom
uso do capital e das facilidades disponíveis à empresa.
A empresa interessada na implantação de um SGQ deve ter como objetivo a melhoria
contínua de seu desempenho através do atendimento às necessidades dos clientes e partes
interessadas e não somente a busca da certificação. Neste sentido convém que a adoção de um
SGQ seja uma decisão estratégica da empresa. Para fins de certificação a empresa deve
estabelecer, documentar e implementar o SGQ, assim como melhorá-lo continuamente, tendo
por base a identificação dos processos internos e externos à empresa e de suas interações.
Ao implantar o SGQ a empresa precisa ter pessoas competentes para as atividades que afetam
diretamente a qualidade do produto. Essa competência deve ser baseada na instrução, no
treinamento, na habilidade e na experiência apropriados. Para o planejamento da educação e
do treinamento as normas recomendam que sejam considerados o conhecimento tácito e o
explícito, o uso de ferramentas de planejamento e melhoria e ainda criatividade e inovação.
Estes planos devem também incluir mudanças e desenvolvimento organizacional e o uso da
aprendizagem com experiências passadas.
Através das pessoas a empresa realiza uma série processos para o alcance de seus objetivos.
Estes devem ser documentados à extensão necessária para suportar uma operação eficaz e
eficiente do SGQ. A empresa deve identificar os processos necessários para o SGQ e sua
aplicação durante todo o processo. Estes podem ser processos da fabricação do produto e
processos de suporte da fabricação do produto. De acordo com um dos princípios da
qualidade “aproximação efetiva da qualidade da tomada de decisão”, as decisões devem ser
baseadas na análise de dados obtidos nas medidas e na informação coletada. Assim, as normas
estabelecem que a empresa deve tratar dados como um recurso fundamental para converter
informação em conhecimento.
Para que os dados sejam úteis devem ser transformados no registro. Estes devem ser
estabelecidos e mantidos, para fornecer a evidenciada conformidade às exigências. Podem ser

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obtidos de fonte interna ou externa, aprendendo com a experiência anterior, com os registros,
etc. que mostram o funcionamento eficiente dos SGQ.
No setor da construção civil, as empresas tem, de maneira geral, implementado sistemas de
qualidade de forma a atender os requisitos constantes nas normas da série ISO 9000 (NBR
ISO 9000, 2000) e/ ou aqueles presentes no Programa Brasileiro de Qualidade e
Produtividade do Habitat – PBQP-H (PBQP-H, 2008).
O PBQP-H – Programa Brasileiro de Qualidade e produtividade do Habitat foi criado pelo
Governo Federal em 1991 com o objetivo de “elevar os patamares da qualidade e
produtividade da construção civil, por meio da criação e implantação de mecanismos de
modernização tecnológica e gerencila” (PBQP-H, 2008). Este programa foi instituído em
dezembro de 1988 através da portaria do então Ministério do Planejamento e Orçamrnto. No
âmbito do programa foi criado o SiAC – Sistema de avaliação da Conformidade de Empresas
de Serviço e Obras da Construção Civil, que estabelece os requisitos para qualificação
evolutiva das empresas construtoras.
A implantação de SGQ requer da empresa uma documentação específica para que atenda aos
requisitos dispostos nas normas anteriormente referidas. A abrangência desta
documentaçãopode, no entanto, variar de uma empresa para outra, por exemplo, em função do
seu tamanho ou do tipo de atividade desenvolvida. A elaboração desta documentação exige
das empresas um enorme esforço de padronização de seus processos. Para que esta
padronização seja realizada, faz-se necessário que os processos sejam explicitados. Conforme
Teixeira Filho (2000), o essencial, no entanto, é a criação da memória organizacional dos
processos em si, isto é, o seu conteúdo e a captação e registro das informações sobre os
processos. Ribeiro (2005) vai mais além e defende a necessidade de crescimento do
conhecimento da empresa como fonte de realização na era da competitividade.
3.2. Gestão do Conhecimento
As empresas do setor de construção estão cada vez mais convencidas de que a qualidade em
serviços e produtos depende da forma como se coordena os trabalhos pela equipe envolvida e,
não apenas das técnicas e equipamentos adotados. O que de fato interessa não é mais o
gerenciamento das pessoas em si, mas o gerenciamento do conhecimento inerente a essas
pessoas e a forma como a troca e a interação desses conhecimentos podem trazer sucesso para
a empresa.
O conhecimento organizacional, sob ponto de vista epistemológico, pode ser classificado em
explícito e tácito (POLANY apud NONAKA e TAKEUCHI, 1997). Conhecimento explícito é
aquele transmitido em linguagem formal, equações matemáticas ou símbolos. Ele pode ser
expresso em forma de documentos, manuais, códigos de computador, linguagem verbal, etc.
Uma vez registrado, este conhecimento pode ser disponibilizado para acesso pelos demais
membros da empresa. O conhecimento tácito é usualmente aplicado para solucionar
problemas e criar novos valores. Ele não é expresso externamente e, é formado por
informações, experiências e insigths pessoais de cada membro da empresa. É de difícil
disseminação, pois frequentemente as pessoas retém o conhecimento, mas não fazem isso
intencionalmente; simplesmente não sabem exteriorizar esse conhecimento e não são
motivadas a mostrá-lo.
Davenport e Prusak apud Teixeira Filho (2000) conceituam a GC como um conjunto de
processos que visam a criação registro e a disseminação do conhecimento na empresa. A
criação ou geração do conhecimento diz respeito a todas as formas de criação do

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conhecimento, seja através de interação com o ambiente externo, seja por meio da interação
entre os membros da própria empresa.
O registro visa identificar e estruturar o conhecimento útil para a empresa, de forma a permitir
seu acesso por aqueles que dele necessitam, isto é, sua finalidade é apresentar o conhecimento
num formato que facilite a sua reutilização.
Por fim, a disseminação ou compartilhamento do conhecimento visa a transferência do
conhecimento entre os membros da empresa.
Para as empresas de construção, a GC não é nova. Entretanto, poucas empresas executam
processos sistematicamente para controlar seu conhecimento (RIBEIRO 2005, LOVE et al,
2005). Para Liebowitz (2005), a GC assume um papel crítico em ambientes baseados em
projeto como é o caso das empresas atuantes no setor de AEC (Arquitetura, Engenharia e
Construção). O Projeto envolve a participação de diferentes especialistas, com diferentes
habilidades e conhecimento, muitas vezes de diferentes empresas, que se reúnem por um
determinado tempo com o objetivo de criar um produto ou serviço. A GC reside no grupo
formado e o “projeto” por ele mesmo não tem uma memória organizacional (FONG, 2005). O
fim de um projeto é consequentemente, o fim da aprendizagem coletiva. Além disto, o
conhecimento e as lições aprendidas em projetos anteriormente realizados não são,
normalmente, integrados de forma sistematizada na memória organizacional das empresas
(RIBEIRO 2006).
3.3. Gestão do Conhecimento e Gestão da Qualidade
Conforme exposto anteriormente, vê-se que a GC, como a GQ é também uma abordagem
sistemática que envolve pessoas, cultura e ferramentas e que visa atender os objetivos de
negócios da empresa. A GC, portanto, prevê a melhoria contínua do desempenho da empresa.
É por esta razão que a aplicação de um SGQ poderá fazer uso dos processos de GC.
O quadro 1 apresenta o conhecimento necessário a um SGQ segundo os processos e
elementos que compõem a GC.

Elementos Tecnologia
Processos Pessoas Processos
(ferramentas de GC)
Aprendizagem com
clientes
Informações dos Captura do
Competência
Criar concorrentes conhecimento
Treinamento
Membros da Empresa explícito e tácito
Experiência passada
Publicações
Definição de Memória Representação do
Armazenar
responsabilidades Organizacional conhecimento
Condições que
Incentivo ao Transferência do
Disseminar favoreçam a
compartilhamento conhecimento
disseminação
Práticas para
utilização e Integração entre
Utilizar Motivação
reutilização do sistemas
conhecimento
Relação com o
Ferramentas de
Medir Indicadores desempenho
mensuração
organizacional

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Cultura
Aspectos Aprendizado
Estratégia e objetivos Gestão de processos
organizacionais (todos Gestão de pessoas
da empresa Gestão de Informações
os processos) Apoio da alta
administração
Fonte: Cintra e Ribeiro (2007)
Quadro 1 – Conhecimento necessário ao SGQ segundo as atividades de GC

A empresa ao se decidir pela implantação do GQ precisa criar uma documentação específica.


O processo de criação ocorrerá a partir de interações internas ou externas e deverá ser apoiado
pelas ferramentas de GC para captar o conhecimento explícito e tácito dos envolvidos neste
processo.
Após o resgate do conhecimento que lhe é necessário a empresa precisará representar este
conhecimento de maneira a fomentar a sua memória técnica. É necessário que sejam
atribuídas as responsabilidades pela manutenção desta memória.
O conhecimento registrado precisa ser disponibilizado aos demais membros da empresa e
para tanto a empresa deverá fornecer condições que favoreçam o compartilhamento deste
conhecimento entre as pessoas da empresa.
Também é necessário que sejam estabelecidas programas de motivação que incentivem o uso
e reuso do conhecimento registrado na empresa. Destaca-se aqui a necessidade de
interoperabilidade entre sistemas de modo a facilitar esta utilização. Após entrar em
funcionamento, o sistema precisa ser avaliado, de modo a retroalimentar os processos que
contém. Indicadores são estabelecidos de modo a permitir a comparação entre o planejado e o
realizado.
Na operação do sistema são gerados registros que servem para atestar o que foi feito. E neste
processo de retroalimentação os registros referentes à experiências passadas começam um
novo ciclo devendo ser usados para a criação do novo conhecimento.
Finalmente cabe destacar que para uma efetiva utilização de GC pelas empresas devem ser
observados os aspectos organizacionais, com destaque para a gestão de pessoas,
estabelecendo programa de desenvolvimento e motivação.
4. Estudo de Caso
A empresa estudada tem sede em Juiz de Fora e foi criada recentemente por ex-funcionários
de uma empresa tradicional da cidade que encerrou suas atividades, mas que havia sido uma
das pioneiras na implantação de SGQ na região. Em vista disto, os sócios vieram para a nova
empresa com uma cultura de qualidade já existente na empresa anterior.
A empresa tem atuação estadual no setor de edificações (casas e edifícios), para a classe
média e média baixa. Enquadra-se no padrão de empresas de médio porte, em função do
volume de produção anual (3000 a 20000 m² por ano). Sua estrutura funcional é enxuta,
formada por dois sócios proprietários, um engenheiro civil e o outro economista e alguns
profissionais. Todos os serviços, do projeto à execução da obra, são terceirizados. Não existe
interesse da empresa em crescer. Os sócios pretendem manter a estrutura enxuta. Algumas
vezes trabalham na forma de parceria com uma empresa da capital para a realização de obras
locais.
Determinados profissionais chaves são mantidos registrados (mesmo em períodos sem obras),
tendo em vista a previsão de início de uma nova obra. É o caso, por exemplo, dos chefes de

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escritório, encarregados, etc. Ao iniciar uma obra o chefe de escritório é requisitado e fica
responsável pela mobilização de toda a mão-de-obra, do engenheiro ao servente de obras. Este
chefe de escritório mais o engenheiro ficam como responsáveis pela obra. As obras têm
administração descentralizada e se auto-sustentam. Após um aporte inicial de recursos a obra
se torna responsável pela geração de seus recursos (recebimentos de medições) e pagamentos
de suas despesas.
4.1. Gestão da Qualidade
Ao decidir pela implantação do Sistema de Qualidade os sócios optaram pelo Sistema
Evolutivo do PBQP-H. A Empresa é certificada nível “A” desde dezembro de 2006.
Para um dos entrevistados a opção por um Sistema de Qualidade não deve ter por objetivo o
aumento de receitas. Como um amigo reportou ao mesmo: “após seis anos continuo com o
mesmo Vectra que já possuía, então pra que qualidade?”. Ainda segundo o entrevistado a
empresa deve buscar a Qualidade, mas “sem engessar a empresa e ser um peso para as
pessoas”. Por isso a busca por um Sistema que se adaptasse à empresa e não que exigisse que
a empresa se adaptasse ao mesmo.
A motivação para a adoção de SGQ se deve a demanda do contratante, no caso, a Caixa
Econômica Federal com a expectativa de se obter uma maior organização da empresa. Antes
da implantação da Qualidade foram identificadas algumas não conformidades, como por
exemplo, existência de versão anterior de projeto na obra, demandas de manutenção pós-obra
que, entretanto não eram analisadas de forma regular.
Com a Qualidade foi possível a busca pela melhoria contínua do produto a partir do uso de
indicadores sistematicamente apurados e não mais sobre “achismos”. Por outro lado, a
exigência de alguns registros apresentou algumas dificuldades, como por exemplo, a análise
crítica de projetos. Depois de realizada a análise um dos participantes precisava documentar
esta análise em uma ata, o que burocratizava o Sistema. Optaram por arquivar a própria folha
do projeto com as anotações do que foi discutido, a data e as assinaturas dos participantes.
Isto foi possível uma vez que a norma não diz que os registros precisam ser feitos em
formulários, mas em qualquer formato que possa ser posteriormente recuperado.
Quanto aos obstáculos a serem vencidos para a manutenção do SGQ um dos entrevistados
citou a falta de continuidade de obras: “sem obras, como manter funcionando o sistema?”.
4.2. Gestão do Conhecimento
A diminuta base técnica favorece a identificação dos pontos fortes da empresa em termos de
habilidades e competências. Além disto, facilita a troca de informações entre as áreas. As
informações são compartilhadas por todos. No escritório central, o próprio lay-out facilita esta
comunicação. A empresa situa-se num conjunto de salas com poucas divisórias. As novas
idéias são valorizadas. As decisões são tomadas no nível mais baixo sendo mínima a
burocracia. As reuniões informais, fora do horário de trabalho, ocorrem de maneira
esporádica.
Os funcionários, mesmo terceirizados, confiam na empresa em que trabalham. A empresa
reconhece que tempo é um recurso importante para o processo de inovação e, a busca pela
otimização é conjunta, ou seja, o colaborador tem a liberdade para expor novas idéias. O uso
de equipes multidisciplinares e formais é constante. Para se adaptar à demanda do ambiente
competitivo, pequenas reorganizações ocorrem de forma natural.

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O processo de seleção da mão-de-obra de produção não é muito rigoroso; baseia-se em


indicação ou anotações na carteira de trabalho. Como a empresa não tem interesse em crescer,
não existe um planejamento de carreiras. Por exemplo, os estagiários aprendem na obra e
depois acabam saindo visto não terem chances de serem contratados pela empresa. O escopo
das responsabilidades dos cargos é em geral, bastante abrangente. Há elevado investimento e
incentivo ao treinamento, especialmente na área de produção, associada às necessidades da
área de atuação do funcionário e da empresa. É o caso, por exemplo, do uso de bisnaga para
assentamento de alvenaria estrutural. Os pedreiros acostumados a trabalhar com colher
precisam de treinamento para assimilar o uso do novo recurso. Muitas vezes este treinamento
é direcionado aos ajudantes para a formação de uma mão-de-obra mais especializada no uso
desta inovação.
De maneira geral o aumento de salários está associado, principalmente, à aquisição de
competências e não ao cargo ocupado. Existem esquemas de pagamentos associados ao
desempenho da equipe (e não apenas ao desempenho individual).
Os resultados são medidos sob várias perspectivas, mas o foco principal é voltado para a
questão financeira. Após avaliados estes resultados são divulgados até o nível de encarregado.
Uma vez que a empresa precisa se adaptar a cada cliente, atendendo às suas necessidades, ela
aprende com cada um deles, seja sob o aspecto da qualidade ou sob a natureza do trabalho,
por exemplo. Verificou-se que a mesma tem habilidade na gestão de parcerias com outras
empresas e instituições como por exemplo, para a elaboração de ensaios e laudos técnicos.
4.3. Tecnologia da Informação
A empresa não faz uso da troca digital de documentos. Mantém um computador na obra, mas
ainda dispõe de vários documentos em formato papel, tais como: projetos, ordens de serviço,
instruções de trabalho, formulários para controle de equipamentos, etc.
São utilizados softwares para compras, controle de custos e contas a pagar. No processo de
compra a obra faz o pedido, a cotação, controla o recebimento e encaminha para o escritório
para a realização dos pagamentos. Os sistemas de planejamento e controle não são integrados.
Previsões e resultados são alimentados em uma planilha para comparação. No final do mês o
resultado deve ser idêntico ao saldo bancário da conta da obra.
A TI torna mais fácil o acompanhamento de indicadores. Entretanto, segundo um dos
entrevistados “não se pode perder a capacidade de análise dos dados, visto que um
lançamento errado pode gerar um número que só lá na frente será visto como errado e aí
onde estará o erro?”.
5. Análise de dados
Os dados obtidos permitem que seja feita a relação entre processos e elementos da GC com o
conhecimento necessário ao SGQ conforme exposto no quadro 1 anterior.
5.1. Criação
Na empresa existe uma preocupação com a captura do conhecimento explícito na medida em
que alguns profissionais são mantidos mesmo em períodos sem obras. Entretanto, não foram
identificados mecanismos para resgate do conhecimento tácito. Novos conhecimentos são
criados através da interação com os clientes, a partir das pesquisas de satisfação dos clientes;
baseado em experiências passadas (por exemplo, opção por um SGQ), publicações e mesmo
entre os próprios membros da empresa.

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Treinamentos são realizados frequentemente, até mesmo por exigência do SGQ, o que
contribui para o desenvolvimento das competências dos colaboradores da empresa.
5.2. Armazenar
A alimentação da memória organizacional não é realizada de forma sistemática. O fato da
empresa apresentar uma estrutura enxuta facilita a troca de informações entre seus membros e
a memória organizacional acaba ficando restrita à mente das pessoas.
Por outro lado, os registros da qualidade são mantidos e a responsabilidade pela manutenção
dos mesmos fica a cargo do profissional da qualidade.
5.3. Disseminar
Conforme já exposto o lay-out do escritório, bem como a diminuta base técnica facilita a
disseminação do conhecimento pela empresa. Esta troca ocorre no contato face-a-face. O
computador existente nas obras ajuda na troca de informações entre o canteiro e a sede,
embora como já foi dito, a empresa ainda dispõe de vários documentos em formato papel, tais
como: projetos, ordens de serviço, instruções de trabalho, formulários para controle de
equipamentos, etc.
5.4. Utilizar
No caso de procedimentos gerenciais, não há nenhum recurso ou ferramenta de integração dos
sistemas, o trabalho é feito manualmente e posteriormente lançados em planilhas para
alimentar os relatórios e indicadores gerados.
Novamente, a diminuta base técnica facilita a utilização e reutilização do conhecimento, uma
vez que o mesmo se encontra na cabeça das pessoas e elas mantém uma rotina de reuniões
freqüentes.
Por outro lado, as instruções de trabalho e são sempre consultadas na realização de um novo
serviço e usadas para a realização de treinamentos.
5.5. Medir
A empresa trabalha com uma série de indicadores (qualidade, produtividade, assistência
técnica, etc.) para dar suporte à decisão do gestor e também para assegurar o atendimento às
necessidades dos clientes. Os indicadores financeiros são utilizados para controle das
despesas indiretas e custo da obra. Os indicadores de satisfação de clientes baseiam-se em
pesquisa pós-ocupação e os indicadores de manutenção são levantados a partir dos pedidos de
manutenção após a entrega dos imóveis. Existem ainda os indicadores de acidentes de
trabalho e ambiental, com vistas à redução do desperdício.
5.6. Aspectos organizacionais (todos os processos)
As características da empresa favorece uma troca mais intensa das informações embora não
exista um sistema para suportá-la de forma sistemática. Os objetivos da empresa são claros e
difundidos em todos os níveis.
A experiência trazida da empresa anterior, favoreceu o desenvolvimento de uma cultura que
privilegia a Gestão da Qualidade e conta com o apoio da alta administração. Entretanto, não
existem programas voltados à gestão de pessoas, o aprendizado está na maioria das vezes
restrito aos treinamentos exigidos pelo SGQ.

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6. Considerações Finais
As empresas de construção tem buscado, ainda que de forma tímida, a GC na busca de maior
eficiência de seus processos. Criar, armazenar, disseminar e utilizar o conhecimento existente
nas experiências e know-how dos empregados assume um papel importante para a competição
da empresa na nova economia do conhecimento.
Uma análise dos elementos que compõe o GC é apresentada neste trabalho. GC como QMS
tem por objetivo a melhoria do desempenho da organização e dizem respeito a pessoas,
processos e tecnologia. Neste sentido é apresentada a relação existente entre estes sistemas
através de um estudo de caso em uma empresa construtora de edificações.
Com relação ao primeiro dos elementos do GC, pessoas, verificou-se que são fornecidos os
treinamentos exigidos pela norma. Não existem programas de incentivo para formação e
atualização profissional dos colaboradores e mesmo de aprendizagem. A aprendizagem
individual ocorre quando um profissional recorre aos seus colegas para a busca de solução
para uma determinada questão, sendo dependente do interesse individual de cada pessoa. Por
outro lado, a diminuta base técnica e a existência de poucos níveis hierárquicos na empresa
facilita o encontro dos profissionais no seu dia-a-dia.
Quantos aos processos e tecnologia, observou-se que na organização estudada cada área é
responsável pelo gerenciamento de suas informações no levantamento de informações sobre
clientes, fornecedores, mercado, etc. Porém, se forem estabelecidos programas que
incentivem a organização e compartilhamento das informações, a empresa pode se beneficiar
com o uso e reuso do conhecimento. A tecnologia da informação poderia ser útil, oferecendo
oportunidades para uma melhor reestruturação da organização.
Partindo para a análise dos processos que compões a GC (criar, armazenar, disseminar, usar e
medir o conhecimento) verificou-se que a empresa apresenta uma série de mecanismos para a
obtenção/criação do seu conhecimento. O conhecimento é criado a partir das pesquisas
realizadas junto aos clientes, em função dos resultados obtidos na análise crítica, bem como
em interações entre os membros da empresa. Posteriormente este conhecimento é armazenado
(ainda que de forma insipiente, segundo os processos operacionais a serem executados na
obra). Existe a disseminação do conhecimento pelos colaboradores da empresa, na medida em
que as pessoas necessitam conhecer e utilizar os procedimentos estabelecidos. Isto porque as
pessoas e os serviços são auditados em função do constante nos procedimentos estabelecidos.
Estas auditorias correspondem à avaliação do sistema indicando os possíveis desvios e
indicando pontos que possam ser melhorados. Finalmente, os indicadores servem para
acompanhar o desempenho da empresa em relação aos objetivos pretendidos.
Do exposto, pode-se concluir que a empresa embora não possua declaradamente um sistema
de GC implantado, o tem presente, ainda que de forma rudimentar, em todo o processo de
operacionalização do seu Sistema de Qualidade. De todos os pontos analisados, cabe destacar
que os aspectos organizacionais são, provavelmente, os mais importantes neste contexto. A
implantação/utilização de um SGQ, bem como um sistema de GC implica numa mudança de
cultura que valoriza conhecimento e seu registro, envolve a participação e desenvolvimento
dos colaboradores e que precisa contar com o apoio da alta administração.

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7. Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer à UFJF e à FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais pelo apoio recebido.

Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR-ISO-9001: Sistemas de gestão da qualidade
– Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2000.
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