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PUC – SP
Pedro Savelli
MESTRADO EM TEOLOGIA
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
Pedro Savelli
MESTRADO EM TEOLOGIA
SÃO PAULO
2011
FOLHA DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora
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DEDICATÓRIA
ABSTRACT
ABSTRACT
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
Abreviaturas e Siglas
Apresentação
Esta dissertação teve por motivação o trabalho pastoral destes últimos vinte anos de
ministério. Somente o ofício de pároco nos levou a alguns questionamentos acerca do que
acontece no dia a dia na vida da comunidade de fé.
As perguntas que se põem são as seguintes: Por que muitos dos batizados, para não
dizer a maioria, não celebram, ao menos aos domingos, a Eucaristia? Por que as pessoas
quando celebram não vivenciam os sacramentos como uma unidade sacramental? Por que
muitos não aceitam a celebração dos sacramentos na Eucaristia? Última: será que bastam
essas três?
Tentando buscar “luzes”, que iluminem a nossa pastoral litúrgico-sacramental e
possam abrir horizontes aos questionamentos, é que apresentamos o Batismo e Eucaristia
na “perspectiva da deificação”. Estamos convictos de que os sacramentos da Igreja não
podem ser celebrados como momento litúrgico independente um do outro. Este vínculo é
constitutivo na teologia do Batismo e Eucaristia: ontologicamente. Ou seja, não se trata,
simplesmente, de juntar os sacramentos no mesmo cesto, mas de viver no amor extático de
Deus, realidade fundante, no qual se vincula toda a nossa existência sacramental.
Portanto, não se trata de “receitas” à pastoral litúrgica para “inventar moda”, porque
seus “frutos” são tão passageiros quanto à “moda”. Tratamos, portanto, de buscar o vínculo
ontológico pelo qual Batismo e Eucaristia se encontram de tal forma constituídos, numa
íntima relação inseparável: O Amor deificante de Deus.
Neste vínculo descobrimos que todos os sacramentos, como manifestação e
celebração da Graça de Deus, se encontram numa única realidade sacramental, o ser de
Deus: O Amor Ágape. Este Amor nos arrebata à comunhão com o seu Ser. Esta perspectiva
da deificação, portanto, não é um mero acessório à pastoral sacramental, mas lhe é
constitutiva, uma vez que os sacramentos celebram a graça de Deus e, por ela, a nossa
comunhão com a natureza divina.
Por isso, enfrentar a questão da deificação não é novidade em si mesma, pois a
reflexão teológica, deste o NT tem abordado, de uma forma ou de outra, o tema. Contudo,
recolocá-la enquanto fundamento da reflexão teológica parece ser um desafio, por tocar no
cerne da questão do cristianismo, que se fundamenta no mistério da encarnação de Cristo,
Verbo do Pai, culminando com a entrega sacramental: paixão-cruz-morte e ressurreição. Na
entrega de Cristo e na entrega do seu Espírito à Igreja, recebemos o Espírito Santo do Pai
que nos deifica no amor trinitário.
É uma alegria muito grande poder acompanhar a reflexão teológica da deificação,
nela encontramos as razões de nossa humanidade e de nosso “destino”.
- 11 -
INTRODUÇÃO
1
Deificação: Theósis: “No Espírito Santo essa é participação consciente na humanidade glorificada
do Cristo que vem a nós nos mistérios da Igreja e, sobretudo, na Eucaristia. Deus, estando numa
transcendência inacessível, vem a nós em Cristo para fazer-nos participar da glória, da sua energia,
do seu Espírito ‘doador de vida’. A deificação é pois o conteúdo ontológico de uma comunhão
pessoal”. EVDOKIMOV. P, L’Ortodossia. Bologna: Edizioni Dehoniane Bologna, 2010. p. 518.
2
ZUBIRI, filósofo e teólogo, espanhol do século XX, apresenta uma alternativa de pensamento à
filosofia moderna racionalista e ao idealismo contemporâneo. Neste quadro muito geral e abrangente
se coloca como um pensador que toma por fundamento Deus enquanto realidade real à qual a
criação está ligada, ontologicamente. E o humano, de modo particular, está ligado ao amor extático
de Deus no qual adquirimos realidade de ser. Nisto se dá a nossa ligação (religião). E pelo mistério
da Encarnação somos participantes, ontologicamente, do amor de Deus (ágape) que nos transforma
e nos deifica pela graça sacramental, sobretudo pelo batismo, que nos confere participar da natureza
de Deus, e pela eucaristia, que nos concede a comunhão com Cristo. Este trabalho não tem por
objetivo a defesa do pensamento de Zubiri, porque não é nossa proposta temática. Porém,
assumimos seu pensamento respectivo à deificação, como uma nova luz para fundamentarmos a
reflexão teológica dos sacramentos, pois o Espírito é energia dinâmica, como nos ensinou o Concílio
Vat II. Tomamos por referência: ZUBIRI, X. Sobre La Realidad. Madrid: Alianza Editorial, 2001; El
Hombre: Lo Real y lo Irreal. Madrid: Alianza Editorial, 2005; El Hombre y la Verdad. Madrid: Alianza
Editorial, 2006; Intelligenza Senziente. Milano: Bompiani, 2008; em particular sobre a deificação:
ZUBIRI, X. Naturaleza, Historia, Dios. 13ªed. Madrid: Alianza Editorial, 2007 e MUÑOZ, G. D.
- 12 -
como uma categoria teológica. Pois somente nesta base teológica poderemos
construir o nosso edifício-teórico, sobre pedras escolhidas (e todas são bem-vindas).
Para usar uma analogia bíblica: “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a
pedra angular; isto vem do Senhor” (Sl 118,22-23). A idéia, portanto, foi acolher tudo
o que facilita, aprofunda e contribui à compreensão de nossa proposta: a deificação
como alicerce e finalidade última dos sacramentos, em particular do Batismo e da
Eucaristia. Neste sentido, a colaboração de Zubiri é indispensável para o nosso
trabalho por apresentar a novidade da “apreensão”, dentro da metodologia
fenomenológica, que nos possibilita a pesquisa teológica do mistério da encarnação
como relação interpessoal entre Deus e o homem em vista da deificação3.
Se alguém rejeitar a perspectiva da deificação, enquanto categoria de
iniciativa à reflexão teológica da fé cristã estará rejeitando o próprio Deificador de
tudo, ao qual estamos ligados ontologicamente. E, talvez, já não estará mais
fazendo teologia, reflexão da fé, na qual o teólogo está envolvido, axiomaticamente,
mas estará fazendo, quem sabe, uma boa reflexão antropológica, envernizada com
categorias transcendentais e até espirituais.
Contudo, para falar de deificação precisamos, antes, conseguir pensar em
nossa origem, nosso presente, nosso futuro como realidade ligada ao ser de Deus.
Somente a celebração litúrgica (cristã) tem poder de tornar realidade4 estes três
momentos temporais, numa implicação única de um fato-evento único, que
transcende o tempo e o espaço.
Para pensarmos e falarmos sobre a nossa origem, o caminho bíblico da
santidade de Deus é referencial. Somente no reconhecimento dessa santidade,
tomamos consciência de sermos deificados! E a nossa resposta humana à
Teología Del Misterio em Zubiri. Barcelona: Herder, 2008. NB. Também salientamos que a tradução
dos texto em espanhol é livre.
3
A referência do nosso tema em relação ao pensamento de Xavier Zubiri está na sua contribuição
metodológica, a transferência da pesquisa fenomenológica da “consciência” (Husserl), da “vida”
(Ortega) e da “compreensão” (Heidegger) à da “apreensão”. Zubiri, portanto, coloca a apreensão
humana como objeto basilar da filosofia. Na apreensão podemos fazer a experiência de Deus como
compenetração interpessoal pela encarnação de Jesus na realidade da natureza humana. O mistério
da encarnação então assume a finalidade da nossa deificação. Nesta experiência interpessoal do
amor de Deus podemos descobrir a nossa ultimidade que fundamenta a nossa religião em adoração
e sacrifício, fundamenta a nossa ação litúrgica sacramental. Cf. GRACIA, D. Zubiri Xavier. In
FISICHELLA, R. (Org.). Dicionario di Teologia Fondamentale. Assis: Cittadella Editrice, 1990. p. 1457-
1462.
4
Juan A. NICOLÁS, apresentando o livro, El Hombre y La Verdad, de ZUBIRI, afirma que segundo o
autor: “O homem, por mais nihilista que se declare, vive cheio de realidade”. E, ainda, esta
perspectiva zubiriana da realidade “reconstrói uma concepção da realidade humana na era da crise
do sujeito, concepção não substancial, porém tampouco devastadora da realidade enquanto tal”. In
ZUBIRI, X. El Hombre y La Verdad. Op. cit. p. VII-VIII.
- 13 -
santidade de Deus, à graça e à bondade se abre na fé batismal que nos deifica para
celebrar na eucaristia.
O NT já explicita a deificação humana, vida Nova inaugurada por Jesus
Cristo, como reflexão teológica. Será, então, nesta perspectiva que a Igreja
desenvolve todo o pensamento teológico, tanto no Oriente quanto no Ocidente.
5
SPIDLÍK, T. Deificazione. In FARRUGIA, E.G. Dizionario Enciclopedico dell’Oriente Cristiano. Roma:
Pontificio Istituto Orientale, 2000. p. 217.
6
“Devemos a Atanásio a perspectiva fundadora de que ‘o Filho de Deus se fez homem para nos fazer
Deus’ (PG 25, 192 B; cf. Irineu, PG 7, 1109 A), mas também encontramos em Tomás que ‘o Filho
único de Deus [...] assumiu nossa natureza, a fim de que ele, feito homem, tornasse os homens Deus’
(Opúsculo. 57, oficio da festa do Corpo de Cristo, cf. ST Ia IIae, q. 3, a. 1, ad 1). [...]Trata-se somente
de aspectos do mistério único do chamado à santidade, que Oriente e Ocidente explicam, cada qual à
sua maneira, com destinos diversos”. MCPARTLAN, P. Santidade. In LACOSTE, J-Y. Dicionário
Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola 2004. p. 1611. Os Padres gregos valorizaram o
mistério da divinização que católicos e ortodoxos afirmam quando descrevem o destino do homem
como “sua deificação pela vitória sobre a morte”. No mistério da encarnação encontramos portanto a
nossa origem.
7
EVDOKIMOV. P. L’Ortodossia. Op. cit. p. 84.
- 14 -
8
MCPARTLAN, P. Santidade. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1611.
9
MCPARTLAN, P. Santidade. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1611.
10
“Pode-se dizer que na patrística latina, desde a primeira utilização de Ex 3,14 (por Novaciano), ‘o
sentido ontológico do nome revelado a Moisés não apresenta um problema para ninguém’ [...]. Nessa
tradição, Agostinho fornecerá uma interpretação clássica do primado teológico do ser [...]. O Deus de
Agostinho se revela sob dois nomes, seu ‘nome substancial’ (nomen substantiae: sum qui sum) e seu
‘nome de misericórdia (nomen misericordiae: Deus de Abraão, de Isaac...). Se Deus é, então o
homem, habitante da região da dessemelhança [...], aparece antes como aquele que não é.
Contemplando em Deus, o ser é imutabilidade e eternidade. A partir disso, o ser não pode ser
atribuído ao homem senão com reservas. Definido como aquele que muda e que passa, o homem é
aquele sobre o qual se pode dizer também que não ‘é’; e definido por seu pecado como ‘aquele que
vai para longe do ser [e] vai rumo ao não-ser’ (Sl 38,22; CChr.SL 38,422), ele é também aquele que
só é realmente ao final de uma conversão. Contemporâneo de Agostinho, Jerônimo também afirma
que somente Deus é verdadeiramente, e considera além disso que o nome dado em Ex 3,14 revela a
essência divina (Epístola. 15,4,2, CSEL 54,12-18). A teologia grega também afirma o ser de Deus.
[...] Será a teologia bizantina, e sobretudo Gregório Palamas, que precisará os termos de uma teoria
da participação em Deus. Se o futuro absoluto do homem deve ser pensado sob a marca da
‘divinização’, theosis, conforme a 2Pd 1,4, Deus (ou ao menos sua ‘natureza’, phusis) deve pois ser
participável. Para indicar que uma doutrina da divinização não abala a da transcendência divina, o
Pseudo-Dionísio havia proposto uma formulação paradoxal: Deus é participado imparticipavelmente’,
ametekhtos metekhetai. Em Palamas, a distinção já clássica (p. ex., Basílio, PG 32, 869 AB) entre
as energias divinas (participáveis, as dunamesis do Pseudo-Dionísio) fornece uma solução coerente
ao problema. Os direitos da apófase são mantidos, pois a essência (ou sobreessência,
huperousiotés) divina permanece estritamente incompreensível. Mas o direito de uma ontologia do
divino também é mantido: ao forçar a elaboração de uma doutrina escatológica da humanidade do
homem, o conceito de divinização também obriga a falar de um Deus que é, certamente com a
precisão de que ‘se foi preciso fazer a distinção, em Deus, entre a essência e o que não é a essência,
foi precisamente porque Deus não é limitado por sua essencia’ (Vl. Lossky, a l’image et à La
ressemblance de Dieu, Paris, 1967, 50)” . LACOSTE, J-Y. Ser. In Dicionário Crítico de Teologia. Op.
cit. p. 1647-1648.
- 15 -
trabalho da teologia cristã. “Aquele que é dito ‘Senhor’ e que participa, pois, desse
modo, da esfera de existência do Senhor Deus, é também ‘filho’ e ‘servo’”11. Será na
base desta relação intradivina que o cristianismo pôde, em Nicéia I (325), definir a
consubstancialidade do Deus Pai e do Filho, elaborando o dogma trinitário e depois
o cristológico12.
Santo Agostinho está na esteira de Irineu que diz: “Glória de Deus é o homem
que vive e a vida do homem consiste na visão de Deus”14. Homem e Deus estão
colocados numa relação de permanente dinâmica de realização mútua. Com um
enfoque diferente que reduz à mesma realidade teológica temos no Oriente com
Gregório Palamas que diz: “o objeto da visão beatífica não é a essência divina,
como no Ocidente, mas as energias divinas incriadas de Deus”15. Contudo, a
realidade da comunhão com Deus é defendida, tanto no Oriente quanto no Ocidente,
e a diferença de enfoque não compromete a realidade ontológica da deificação. Fica
11
LACOSTE, J-Y. Ser. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1656.
12
“Para afirmar a irredutibilidade do ser-Pai, do ser-Filho e do ser-Espírito em Deus, os Padres
capadócios forjaram uma fórmula que devia ser recebida por toda a Grande Igreja: a unidade de
essência (ousia) abriga em Deus uma triplicidade de hipóstases (hypóstaseis) ou pessoas (prosopa).
E quando foi preciso afirmar a unidade radical entre o humano e o divino em Jesus, uma fórmula
também foi forjada (que não teria a mesma recepção): na única hipóstase/pessoa do Filho são unidas
a natureza (physis) divina e a natureza humana”. LACOSTE, J-Y. Ser. In Dicionário Crítico de
Teologia. Op. cit. p. 1656. “A transcendência divina é objeto de uma afirmação incansável no
discurso cristão (até nas formas extremas que pode assumir o anúncio de um Deus ‘totalmente
outro’), mas o futuro absoluto do homem também é anunciado nos termos de uma participação na
natureza divina – divinização, theosis, cf. 2Pd 1,4 -, contra a qual a tradição protestante é a única a
apresentar objeções (em nome de ser Deus no lugar de Deus, e da recusa de que Deus seja Deus,
nos quais Lutero vê o segredo do homem pecador). Entre Deus/Cristo e o homem, além disso, é
apresentada uma relação de imitação, mímesis, desde o corpus paulino como possível e necessária.
E mesmo que seja modesto o lugar ocupado de fato pelo teologúmeno da criação à imagem e à
semelhança de Deus nas Escrituras [...], ele, em compensação, é onipresente na literatura patrística,
e além dela”. LACOSTE, J-Y. Ser. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1657.
13
WOLINSKI, J. Deus. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 532.
14
IRINEU DE LIÃO. Livro IV, 20,7. São Paulo: Paulus, 1995, p. 433.
15
MCPARTLAN, P. Santidade. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1610-1611. Não é nosso
objetivo entrarmos na questão teológica das duas vias: teologia positiva e teologia negativa, mas
apontar, apenas, que surge correntes diversas se não se mantém o equilíbrio destas duas realidades.
Como diz Gregório de Palamas, “é necessário manter o equilíbrio entre os dois membros da
antinomia para não perder o contato com as realidades reveladas, substituindo-as com os conceitos
de uma filosofia humana”. LOSSKY, V. A Immagine e Somiglianza di Dio. Bologna: EDB. 1999. p. 92.
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19
LACOSTE, J-Y. Ser. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1658-1659. A celebração litúrgica
enquanto ato, que expressa a novidade da vida cristã e eclesial, encontra então o seu fundamento: a
comunhão da trindade como manifestação do “ser” no amor que nos deifica: “[...] a comunhão
constitui a vida. A existência é um acontecimento de comunhão. A ‘causa’ da existência e a ‘fonte’ da
vida não são o ser em si [...]. é a divina comunhão trinitária que personaliza o ser como
acontecimento de vida”. LACOSTE, J-Y. Ser. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1659.
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1. O Ser de Deus
20
Oportuno é a colocação de Harder sobre o tema: “Deus é amor” (1Jo 4,8). Assim nos diz: “Essa
fórmula, que reúne de maneira decisiva toda a revelação, não é nem uma divinização do amor (que
teria um alcance puramente antropológico), nem a simples evocação de um Deus amante. Deus não
é um amante, é o acontecimento mesmo do amor, tal como se manifestou na paixão e na
ressurreição: Deus não reteve para si o bem-amado, ele o deu e assim abrangeu o próprio mundo em
seu amor. Ao amar Jesus até a cruz, amou a humanidade como a seu Filho, e a introduziu em seu
mistério, para que, permanecendo em seu amor, ela prossiga sua obra”. HARDER, Y-J. Amor. In
Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 114-115.
21
Quanto a esta fundamentação da linguagem referente à religião, Zubiri explica: “em todo caso,
nenhuma etimologia resolve problemas teológicos. E é suficiente que a coisa seja cientificamente
provável para que, sem precipitação nem frivolidade, possa apelar-se a ela apontando a objetivos,
não lingüísticos, senão teológicos”. ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. In Nota. p. 430.
22
“Tal pesquisa deve ser racional, obra de um tipo de razão, que neste caso não chamaremos razão
científica, mas razão teológica”. GRACIA, D. Zubiri Xavier. In FISICHELLA, R. (Org.). Dicionario di
Teologia Fondamentale. Op. cit. p. 1459.
- 19 -
23
É no amor do Filho que a Igreja tem a sua origem e a sua força sacramental: todos os batizados se
revestem de Cristo, os ministros ordenados agem na pessoa do Cristo.
24
Bento XVI escreve, em sua Carta Encíclica: “O amor é êxtase; êxtase não no sentido de um
instante de inebriamento, mas como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo
para sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para reencontro de si mesmo, mais
ainda para a descoberta de Deus”. BENTO XVI, Carta Encíclica: Deus é Amor. São Paulo: Paulus,
2006. p. 13.
25
O termo eros no sentido de que não é contraposto a ágape, mas os dois se complementam:
movido pelo Espírito Santo o Eros, tendencialmente voltado para si mesmo, desenvolve-se em
ágape, isto é, em amor ao próximo. Cf. EVDOKIMOV. P. L’Ortodossia. Op. cit. p. 515.
- 20 -
humano pode viver inspirado no amor divino? “Nisto consiste a perfeição do amor
em nós [...] porque tal como ele é também somos nós neste mundo” (1Jo 4,17).
O amor extático estabelece laço de fidelidade na relação “eu-tu”, faz superar
todas as dificuldades para transformar o mundo em amor, seu princípio unificador.
Neste sentido amor-unificador supera e incorpora a força do eros (do egoísmo)26,
numa constante purificação, não rejeição, para se abrir ao amor extático, ágape
(doação), em direção ao outro. Se o impulso do Eros tem a função do impulso e do
instinto na pessoa, não se pode rejeitá-lo, contudo, precisa purificá-lo pela via das
renúncias que permitam a sua integração para o amor27.
Aquele que ama (ágape) contempla no outro a sua beleza e ao unir-se ao
outro não se apropria de sua beleza, mas mantém a alteridade na comunhão. Aqui
só se entende o amor como transcendência de si para se completar no tu (outro), o
meu eu que não vejo. Disto decorre que o amor é ativo. O eu, sai de si em direção
do tu, objeto (pessoa), para se construírem juntos em criatividade, que se renova na
dinâmica intrínseca e exclusiva do próprio amor. Numa palavra, somente superando
o egoísmo e se abrindo ao outro, há possibilidade da construção de algo novo: a
comunhão da alteridade.
Na criatividade do amor se constrói a amizade. E ela é perfeita para quem
ama somente pelo ato de amar, e nada esperar em troca. A única coisa que espera,
sim, é apenas a alegria da amizade que se fundamenta em ágape. Na amizade está
a fonte da comunidade; o viver um “pelo” e para o “outro”. Esta comunidade faz
crescer nos humanos as virtudes. Faz também crescer a satisfação e felicidade de
estarem juntos por ser o amigo, o outro eu. Eu preciso do outro para contemplar nele
o que sou. O outro, então, constitui a inspiração da alma humana que se dá também
em amor caridade, ágape.
No amor extático o sujeito sai em busca do objeto (pessoa) amado e a ele se
alia, estabelecendo uma relação de dependência (religação) tal que a razão de ser e
existir do amante está no outro. O outro não é amado pelo seu valor ou qualidades.
Por isso a causa do amor extático tem sua fonte no ato de amar, não nas razões
26
O eros ,sem passar pela purificação, não é êxtase, mas degradação do humano. Contudo, ele não
deve ser rejeitado, mas purificado. “Sim, o Eros quer nos elevar “em êxtase” para o Divino, conduzir-
nos para além de nós próprios, mas por isso mesmo requer um caminho de ascese, renúncias,
purificações e saneamentos”. BENTO XVI. Carta Encíclica: Deus é Amor. Op. cit. p. 12.
27
Cf. BENTO XVI. Carta Encíclica: Deus é Amor. Op. cit. p. 11.
- 21 -
para amar28. Assim, podemos dizer que o destino do amor extático é amar pelo ato
de amar, simplesmente. Neste ato puro de amor está a caridade divina.
É este sentido do amor amizade, intimidade entre Deus e o homem, que está
presente na Sagrada Escritura: fonte deste amor divino pelos amigos. Desde a
criação, a encarnação, a ressurreição, até a volta do Senhor glorificado, tem-se a
revelação de Deus em amor. Desta revelação surge para nós o mandamento: amar
a Deus (Dt 6,5), pois ele nos amou primeiro, nos elegeu no amor e para o amor. E
Jesus radicaliza em sua pregação este mandamento relacionando-o, imediatamente,
ao amor do próximo, que estende também para com os inimigos (Mt 5,42-48).
Somente a pessoa transformada pelo amor radical de Deus revelado em Cristo,
portanto, deificado, está em condições da amar inimigos.
Na teologia de Paulo, o amor manifesto em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm
8,9), não é tanto um objeto de ensinamento, quanto um mistério que supera todo
conhecimento (Ef 3,19); participar dele não é conformar-se a preceitos, mas deixar-
se ganhar pelo Espírito, do qual o amor é o fruto (Gl 5,22)29.
No Mistério Pascal de Cristo o amor se irradia e se deixa perceber por aquele
a quem o Espírito Santo abre o coração. Já não se trata mais de um sinal do amor
de Deus, mas da vinda absoluta de seu amor, tornados sacramento em Cristo.
Deus enviou o seu Filho e o entregou ao mundo e aos pecadores (Rm 8,32; Cl 1,13).
O Filho, oferecido ao Pai, abandona-se, renuncia a si, até morrer numa cruz (Fl 2,7-
8; Rm 5,8). O amor é, ao mesmo tempo, a condição, o sentido e o fruto desse
sacrifício, para o mundo, para o povo judaico, para o homem (Ef 2,15; 4,22; 2Cor
5,17; Cl 3,9). É do mistério de Cristo-Sacramento que a Igreja nasce para celebrar a
nossa deificação pelos sacramentos, a nossa entrega a Deus.
O Espírito nos introduz no mistério da vida de Cristo e nos faz participar de
sua morte e ressurreição, sacramentalmente. A nossa vida espiritual, em comunhão
com Cristo, repousa sobre as virtudes que permanecem: a fé, a esperança e a
caridade, que nos constituem na relação com Deus. “É como elemento desta
estrutura que o amor se torna caridade”30. A virtude da “caridade”, no entanto, só se
justifica na relação com a fé e a esperança. A fé faz descobrir em Deus o amor, e no
28
Cf. HARDER, Y-J. Amor. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 110.
29
HARDER, Y-J. Amor. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 113.
30
HARDER, Y-J. Amor. In Dicionário Crítico de teologia. Op. cit. p. 114.
- 22 -
31
HARDER, Y-J. Amor. In Dicionário Crítico de teologia. Op. cit. p.114.
32
Harder, conclui: “para que o amor seja verdadeiramente distinto do egoísmo, é preciso que o outro
exista, e me preceda por seu amor. Não há amor sem revelação do outro. Mas como assegurar-se
disso, sem cair nas aporias do fechamento subjetivo? Aqui o amor exige, seja qual for a forma que
assuma, que se elimine sua ambiguidade e se decida a seu respeito: compete à vontade dizer o que
ele é. Por conseguinte, a definição geral do amor supõe uma forma de generosidade: é preciso fazer-
lhe crédito, e consentir que a ausência seja um modo essencial do ser. Essa confiança é a do
amante, que pelo juramento dá um sentido infinito à finitude de seu sentimento, a do filósofo
socrático, que deseja o pensamento no coração do não-saber, e a do crente, que aceita ser amado
por quem ele não vê”. HARDER, Y-J. Amor. In Dicionário Crítico de teologia. Op. cit. p. 117.
- 23 -
33
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 390.
34
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 478.
35
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 479-480. A relação que o homem pode estabelecer com Deus
tem a sua origem na iniciativa divina, pois Deus se oferece ao homem para o encontro e o diálogo.
Todas as Escrituras nos dão provas de que Deus é o Deus dos vivos: de Abraão, de Isaac, de Jacó e
se revela a eles para a comunhão: pessoa-pessoa. Em Jesus este encontro entre o humano e o
divino tornou-se encontro sacramental.
36
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 481.
- 24 -
Deus pode fazer muitas qualidades que não tenha feito. Fazer muitas
unidades que não tenha feito, desagregar muitas unidades [...]. O que
não pode fazer é que um ente não seja uno, porque então não seria
um ente senão que seriam dois44.
37
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 481.
38
Uma das condições transcendentais do ser é aquela que se realiza efetivamente pela energia e se
distingue da operação da natural (dynamis) e do repouso (argia). Cf. VON BALTHASAR, H.U.
Massimo Il Confessore: liturgia cósmica. Milano: Jaca Book, 2001. p. 126.
39
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 501.
40
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 503.
41
Mesmidade = mesmo, igual, igualdade. A natureza de Deus é a mesma por Ele ser eterno. Ser de
eternidade não muda de natureza. Por ser ele realidade, para usarmos a linguagem zubiriana. Só
Deus é plenitude de realidade. Ao passo que o homem só adquire realidade na participação com
Deus.
42
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 486.
43
ZUBIRI, X. Sobre la Realidad. Op. cit. p. 87.
44
ZUBIRI, X. Sobre la Realidad. Op. cit. p. 79.
- 25 -
45
“Penetrar no nome de Jesus, Filho de Deus e Senhor, que é misericórdia para os pecadores que
nós somos, é entregar-Lhe esta natureza ferida que Ele não altera ao assumi-la, mas que Ele diviniza
ao revesti-la. De oferenda em epiclese, e de epiclese em comunhão, o Espírito pode então divinizar-
nos sem cessar, a vida torna-se Eucaristia, até que o Ícone seja totalmente transfigurado n’Aquele
que é o esplendor do Pai”. CORBON, J. A fonte da liturgia. Lisboa: Paulinas, 1999. p. 170.
46
EVDOKIMOV, P. L’Ortodossia. Op. cit. p. 116.
47
NIN, M. Liturgia. In Dizionario Enciclopedico Dell’ Oriente Cristiano. Op. cit. p. 448-449.
48
Apresento apenas uma síntese acerca da deificação. É referencial à perspectiva de nosso tema de
trabalho, seguindo a obra de ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 504-542.
49
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 505.
- 26 -
qual somos iluminados pelo Espírito Santo: “D’Ele nos vem a alegria que não tem
fim, a união constante e a semelhança com Deus; D’Ele procede, enfim, o bem mais
sublime que se pode desejar: tornar-se o homem Deus”50.
3.1. Encarnação
50
BASILIO DE CESARÉIA. O Espírito Santo. In Antologia Litúrgica. Op. cit. 1510. p. 400. “Os homens
tornam deuses e filhos de Deus, a nossa natureza é ornada com a honra devida a Deus, a pobreza é
enaltecida a tal grau de glória de ser agora igual em honra e deidade à divina natureza: privilégio
inigualável, novidade inaudita!”. CABASILAS, N. La Vita in Cristo. 4ªed. Roma: Città Nuova, 2005. p.
77-78.
51
Cf. ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 506.
52
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 507.
- 27 -
divina pela qual se realiza e se afirma uma só natureza. Os Padres viram sempre a
natureza a partir da pessoa.
São Paulo nos diz que Cristo é pleroma, plenitude de todo o ser divino no
humano. Trata-se de constatar estes três modos de existência plena de Cristo. a)
Sua existência divina: Como Filho de Deus “fez os séculos” (Carta aos Hebreus),
está acima dos tempos, é eterno, é Deus, possui idêntica natureza de Deus; b) Sua
existência histórica: O Filho de Deus tomou o modo de ser do homem (Carta aos
Filipenses). Tomou natureza humana, mesmo quando glorificado e transfigurado. O
que lhe valeu esta existência histórica foi a Encarnação por obra do Espírito Santo;
c) Sua existência gloriosa: “A glória transforma a humanidade inteira de Cristo,
inclusive seu corpo. Esta humanidade recebe o resplendor da glória ao voltar ao Pai,
que é Deus como Ele”53.
Zubiri coloca estas três dimensões do ser de Cristo como três vertentes do
ser de Deus como amor extático: a geração eterna, a encarnação, a morte e
ressurreição, apoiando-se na teologia paulina. O ponto central da afirmação de São
Paulo está em: Cristo é o Filho de Deus, tendo natureza divina. “Todo o problema
cristológico centra na existência histórica de Cristo como homem e como Deus”54:
trata-se de um mistério revelado. Tomar a natureza humana e despojar-se a si
mesmo é a expressão da encarnação; sem a encarnação do Filho seria impensável
a nossa deificação55.
Despojar-se a si mesmo alude à natureza divina. Sem deixar de ser Deus,
comunica sua divindade a uma natureza humana: apreende a natureza humana sem
deixar a divina. O Filho é o que toma as propriedades e os dotes humanos. Tomar e
despojar-se tem aqui sentido estritamente ontológico e não meramente atributivo. O
despojar-se expressa formalmente que a encarnação não é uma mescla ou
competição da natureza divina e humana, nem a produção de uma terceira natureza
em concurso das duas primeiras. Consiste em que o sujeito “Filho de Deus”,
enquanto filho, seja verdadeiramente e identicamente este jovem israelita filho de
Maria; e reciprocamente que este jovem israelita seja real e efetivamente o Filho de
Deus pessoal, sem que as duas naturezas se mesclem.
53
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 509.
54
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 510.
55
Cf. LOSSKY, V. A Immagine e Somiglianza di Dio. Bologna: Edizioni Dehoniane Bologna, 1999. p.
138.
- 28 -
56
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 511.
- 29 -
3.2. Santificação
57
ZUBIRI. Naturaleza... Op. cit. p. 518.
58
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 521.
59
Cf. ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 522.
- 30 -
60
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 522.
61
“Esta luz incriada, eterna, divina e deificante é a graça, porque o nome ‘graça’ se aplica também às
energias divinas enquanto dadas a nós e opera a nossa deificação [...]. A graça não é apenas uma
função; ela é mais que uma simples relação de Deus com o homem; longe de ser uma ação ou um
efeito produzido por Deus na alma, ela é Deus mesmo que se comunica e entra em união inefável
[...]. A graça, sendo a luz da divindade, não pode permanecer escondida ou inadvertida; agindo no
homem, mudando a sua natureza, entrando em união sempre mais estreita com ele, as energias
divinas tornam sempre mais perceptíveis e revelam ao homem a face de Deus vivo, ‘o Reino de Deus
aparece na sua força’ (Mc 9,1)”. LOSSKY, V. A Immagine e Somiglianza di Dio. Op. cit. p. 99-100.
62
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 526.
63
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 529.
- 31 -
necessita ser um recipiente capaz de receber a graça e a perfeição. Ele não precisa
ser perfeito para receber a graça, pois é ela que lhe aperfeiçoa.
64
“Sendo o primeiro Adão faltando à sua vocação – aquela de ajuntar-se livremente em união com
Deus -, é o segundo Adão, o Verbo divino, que cumpre esta união das duas naturezas na sua pessoa
se encarnado. Integrando-se na realidade do mundo decaído, ele exaure a potência do pecado na
nossa natureza e com a sua morte, que sinala o grau extremo desta integração ao nosso estado
decaído, triunfou sobre a morte e sobre a corrupção. No batismo, nós moremos simbolicamente com
Cristo, para ressuscitar realmente na vida nova do seu corpo vitorioso, para tornar membro deste
corpo único, que existe concretamente e historicamente sobre a terra, mas que tem a sua cabeça no
céu, na eternidade, no seio da santa Trindade. Sacrificador e sacrifício ao mesmo tempo, Cristo
oferece sobre o altar celeste este sacrifício único que se cumpre aqui em baixo, sobre tantos altares
terrestres, no mistério eucarístico. Não tem assim nenhuma separação entre o invisível e o visível,
entre o céu e a terra, entre a cabeça sentada à direita do Pai e a Igreja, seu corpo, no qual sem
mostrar escorre o seu preciosismo sangue. ‘Aquilo que era visível no nosso redentor é agora passado
nos sacramentos’”. LOSSKY, V. A Immagine e Somiglianza di Dio. Op. cit. 1999. p. 144.
65
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 530.
- 32 -
66
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 533.
67
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 536.
68
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 537. Sem dúvida alguma é desta relação dos sacramentos com
a presença de Cristo que surgiu a idéia deste nosso trabalho que tomou o caminho da deificação.
69
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 538.
- 33 -
Pela graça sacramental obtida, somos filhos de Deus, porque possuímos sua
mesma natureza, por participação. Todo ente finito tem uma unidade consigo
mesmo e com a fonte do ser. E a graça de Cristo envolve constitutivamente a
deificação da dimensão social do homem. Em Cristo torna-se vitalmente unificada a
humanidade inteira. Por isso ele é a cabeça da Igreja, mas também da criação.
70
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 540.
71
Zubiri utiliza o termo “circumincesión” [sic] para designar este mistério pelo qual Deus assume a
natureza humana em Jesus Cristo.
72
Cf. ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 542.
- 34 -
73
“O Shema‘ Yisra’el é a confissão de fé mais importante do povo judeu, composta de três bênçãos e
de alguns versículos bíblicos. [...] ”. DI SANTE, C. Liturgia Judaica: fontes, estrutura, orações e festas.
São Paulo: Paulus, 2004. p. 29-30.
74
Cf. ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 463.
75
O fundamento da comunhão humana com Deus é a deificação. Somente deificados por Ele
podemos participar de sua santidade. O pensamento que justifica esta realidade é que Deus não faz
comunhão a não ser com “deuses”, portanto, com os humanos deificados. (cf. EVDOKIMOV, P.
L’Ortodossia. Op. cit. p. 70).
76
“O homem é responsável por seus atos, e Deus é responsável pela responsabilidade do homem.
Ele que deu a vida precisa ser o legislador. Ele divide nossa responsabilidade. Ele espera para
registrar nossos atos por nossa lealdade à Sua lei. Deus pode se tornar um parceiro em nossos atos”.
HESCHEL, A.J. Deus em busca do homem. São Paulo: Editora Arx, 2006. p. 133.
- 35 -
77
Por exemplo: a expressão: “Eu sou Santo”, diz o Senhor Deus (Lv 11,44s; 19,2; 20,26; 21,8),
exprime a natureza e a propriedade de Deus, enquanto único Santo. Tal afirmação, contudo, é capaz
de tocar o homem (cf. Lv 21,8), como o carvão ardente toca Isaías (cf. Is 6,7). Essa propriedade
investe todo o domínio ético a partir de suas raízes, a partir de seu fundamento. Garante-lhe sua
condição no respeito do singular, do nome próprio que assinala, na rede dos parentescos, o santuário
de cada ser (cf. Lv 18). A comunicação-revelação daquele que é o Único, o Santo, pode ser chamada
amor: Deus ama Israel (cf. Dt 4,37; 7,8; Os 11,1) e o convida a amá-Lo. O encontro humano com a
santidade do Deus bíblico pode vir a ser prova, tremor, medo. Mas não há por que temer. Pois é
sempre Ele que se oferece à experiência de amor. Embora continue sendo sempre mistério, Deus
anda conosco como andou com Enoco e Noé (cf. Gn 5,24; 6,9), e está em nossa companhia (cf. Gn
6,8).
78
“É no próprio texto de suas Escrituras que o cristianismo encontrou a sugestão de um pensamento
de Deus como ser: ‘Eu sou o ser’ (Ex 3,14). [...] Contemplando em Deus, o ser é imutabilidade e
eternidade”. LACOSTE, J-Y. Ser. In Dicionário Crítico de Teologia.Op. cit. p. 1647. Mas é este Ser
que chama, ontologicamente, à existência o que não existia, do nada tudo cria e permanece conosco
porque se dá gratuitamente: Ele é Ser de Amor. Cf. ZUBIRI, X. Naturaleza ... Op. cit. p. 463-465.
79
Cf. AUNEAU, J. Santidade: (A. Teologia Bíblica). In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1608.
80
ZUBIRI, X. El Hombre y La Verdad. Op. cit. p. 37.
- 36 -
Por isso, a nossa comunhão com Deus não se dá de qualquer jeito ou sob
qualquer condicionamento humano, mas em mistério. É pela doação de si mesmo
que ele nos busca para que haja, de fato, realidade de comunhão, ou seja, somos
divinizados pela sua graça, mesmo antes da comunhão, que transforma o nosso ser.
A prática religiosa que exprime, num ato de diálogo, a comunhão com Deus, nos
revela claramente que somos dependentes de meios e canais “sacramentais” que
favoreçam esta comunhão. Por isso não há religião sem lugar sagrado, sem palavra,
sem rito, sem reunião de pessoas (comunidade), sem símbolos, gestos e tempo
marcado (calendário), no qual se dá o momento da celebração da Aliança, que é
sempre atualização de uma “Aliança” fundante de comunhão. Temos um exemplo da
santidade do “lugar” na teofania da Aliança. Moisés faz a experiência de que o lugar
onde o Senhor está é uma terra santa (Ex 3,5; cf. Js 5.15). Libertador de seu povo, o
Deus do Êxodo revela-se “esplendoroso em santidade” (Ex 15,11). O povo deve se
santificar para ir ao seu encontro na montanha do Sinai (Ex 19,10)81. Será na
afirmação da santidade de Deus que o povo bíblico finca raízes para a proclamação
da fé, expressada, sobretudo, em oração e culto. Isto porque Deus se revela. Se os
textos do Deuteronômio e os de sua influência afirmam mais a santidade de Israel,
os textos sacerdotais tendem mais à separação frente ao profano (Ex 19,12s.20-25).
“Que se trate da construção do santuário ou da instalação dos sacerdotes, eles
enfatizam os graus de participação na santidade de Deus”82.
Também os profetas irão afirmar a Santidade de Deus. Em particular, Isaías
na afirmação: “O Deus três vezes santo” (Is 6,3)83, que irá entrar em nossa liturgia
cristã. O Deus santo é um Deus transcendente que se deixa aproximar. Os profetas
fizeram evoluir a compreensão da santidade num sentido mais moral. Consagrar-se
a Deus exige um engajamento fiel e resoluto, consciente das rupturas necessárias 84.
81
Cf. AUNEAU, J. Santidade... In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1609.
82
AUNEAU, J. Santidade... In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1609. “O sentido da grandeza
e da santidade de Deus, a segurança de que ele quer fazer seu povo participar de sua santidade faz
parte da herança que os cristãos receberam de Israel. Pelo dom de sua vida, Jesus ofereceu a todos,
indistintamente, uma participação na santidade de Deus que ultrapassa as divisões e as separações
da antiga aliança”. AUNEAU, J. Santidade... In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1609.
83
A santidade de Deus é um tema central da pregação de Isaías, que chama muitas vezes o Senhor
de “o Santo de Israel” (1,4; 5,19.24;10,17.20;41,14.16.20). Esta santidade de Deus exige do homem
que ele mesmo seja santificado, quer dizer, separado do profano (Lv 17,1ss), limpo do pecado (Is 6,5-
7), participante da “justiça” de Deus (Is 1,26s; 5,16s). Cf. Nota “j” referente a Isaias 3,6, Bíblia de
Jerusalem.
84
Cf. AUNEAU, J. Santidade... In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1609.
- 37 -
85
BEAUCHAMP, P. Deus. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 528.
86
“Jesus emprega Filho do Homem em terceira pessoa como se ele fizesse falar um outro que ele
mesmo: ‘O Filho do homem veio não para ser servido, mas para servir’. Esse título (que permite evitar
os dois termos ‘Filho de Deus’ e ‘Messias’) não é uma criação das primeiras Igrejas, mas remonta ao
próprio Jesus”. CARREZ, M. Filho do Homem. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 736.
87
CUVILLIER, E. Filiação. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 737-738.
88
Para aprofundar o tema da filiação divina de Jesus, como se apresenta em nosso “Símbolo de fé”,
nos ajudam os escritos de Paulo (cf. Gl 4,4; Rm 1,3.3.9; 1Cor 1,18-25), de João (cf. Jo 1,18; 3,16-
18.35s; 5,19-30; 12,16.23.28; 13,31s) e a carta aos Hebreus (cf. Hb 1,2.8; 5,1-8; 7,3; 7,28). Pois a
Igreja primitiva foi elaborando uma compreensão progressiva deste título de Jesus, bem como a sua
relação com Deus.
- 38 -
89
BEAUCHAMP, P. Deus. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 527. “O Pai de Jesus é
portador em si mesmo de um mistério de doação e de alteridade, em que se enraíza outro tipo de
alteridade, a criação na qual a teologia reconhece muito cedo um novo sinal de transcendência”.
BEAUCHAMP, P. Deus. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 528.
90
BEAUCHAMP, P. Deus. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 528.
91
BEAUCHAMP, P. Deus. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 527. Cf. SESBOÜÉ, B.
Cristo/Cristologia. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 481.
92
A teologia encontra no mistério sacramental, revelado em Cristo, a sua raiz. Ela fala “acerca” de
Deus como Ele se nos dá em Cristo. Ela fala a “partir” de Deus que se nos dá em Jesus Cristo:
realidade sacramental - mistério revelado é deificante. Neste mistério que transforma radicalmente a
nossa existência inteira, nosso ser inteiro que opera a nossa deificação e união sacramental com
Cristo: pelo Batismo e pela Eucaristia. (Cf. ZUBIRI, X. Naturaleza,... Op. cit. p. 461).
93
SESBOÜÉ, B. Cristo/Cristologia. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 481.
94
“Aquele que se dizia ‘o Filho’ em um sentido absoluto, e que se comportou filialmente até à morte, a
comunidade cristã o confessa como “Filho de Deus”. SESBOÜÉ, B. Cristo/Cristologia. In Dicionário
Crítico de Teologia. Op. cit. p. 482.
- 39 -
mistério de Deus no mistério de Cristo. Celebrar este mistério a partir do ponto focal
da Páscoa será a missão da Igreja de todos os tempos e lugares. Aonde chegar o
anúncio da Santidade de Jesus Salvador, o Cristo, Filho do Homem, Filho de Deus,
aí se celebra a Páscoa de Cristo.
95
AUNEAU, J. Santidade. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1609. “O NT conhece um único
salvador histórico, Jesus de Nazaré, não tanto por causa da significação literal de seu nome
(Yehoshoua ou Yeshoua, ‘o Senhor salva’), mas porque todo o processo de salvação está ligado a
ele como seu protagonista indiscutível: ‘Não há nenhuma salvação a não ser nele, [...] nenhum outro
nome [...] que seja necessário à nossa salvação (Atos 4,12). O título que pertence tão
fundamentalmente a Deus (cf. Lc 1,47: ‘Deus, meu salvador’) é agora atribuído de maneira
predominante a Jesus (16 x; cf. 1Jo 4,14: ‘O Pai envia seu Filho como o salvador do mundo’)”.
PENNA, R. Salvação: (A. Teologia Bíblica). In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1594.
96
Cf. BEAUCHAMP, P. Espírito Santo. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 650.
- 40 -
Aqueles que o Espírito anima são filhos de Deus (Rm 8,14). A hora de
Jesus introduz os irmãos na filiação que é a sua. A especificidade do
dom do Espírito, proposto aos homens, significa e faz que os “irmãos”
são ao mesmo tempo “filhos” [...] além de herdeiros, e continuadores
97
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. 490.
98
Cf. ZUMSTEIN, J. e DETTWILER, A. Espírito santo. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p.
651.
99
ZUMSTEIN, J. e DETTWILER, A. Espírito santo. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 651.
100
ZUMSTEIN, J. e DETTWILER, A. Espírito santo. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 652.
101
“A obra redentora de Cristo é uma condição indispensável para a obra deificadora do Espírito
Santo [...]. A obra redentora do Filho se refere à nossa natureza; a obra deificadora do Espírito Santo
se endereça às nossas pessoas”. LOSSKY, V. A Immagine e Somiglianza di Dio. Op. cit. 1999. p.
149.
102
ZUMSTEIN, J. e DETTWILER, A. Espírito santo. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 652.
- 41 -
Por viver no cotidiano da Igreja, o cristão pode “falar” sobre Deus e de sua
possível experiência de fé. Só posteriormente tem-se a reflexão teológica como
discurso sobre Deus fundamentado no querigma pascal, litúrgico, doxológico. A
partir disso, então, devemos buscar o ponto constitutivo da Igreja, enquanto
manifestação de Deus, pelo Espírito, na pessoa de Jesus Cristo. O teólogo só pode
ser pessoa de fé. Para usar uma expressão dos Padres São Gregório de Nissa e
Evágrio, citados por Paul Evdokimov: “Teólogo é aquele que sabe rezar”104. Neste
sentido o teólogo deve ser praticante de uma religião e não mero especulador
teórico de religiões.
Embora a Igreja, como se concebe, teologicamente, só possa ser pensada a
partir do NT, isto não a isenta de suas raízes do AT. Sobretudo, a partir das
categorias de “povo de Deus” (Hb 4,9) e da imagem da oliveira ligada às promessas
do AT (cf. Rm 11,18). “É o conceito de ‘povo de Deus’ que fornece a principal das
prefigurações veterotestamentárias do que mais tarde levará o nome de Igreja”105.
A novidade da Igreja, em relação a Israel, é que dela faz parte,
constitutivamente, não um povo de sangue, como os filhos de Israel. Mas ela está
aberta à universalidade das raças e nações, “que já não se compõe somente de
uma nação, mas reúne ‘judeus e pagãos’, marcados por sua pertença a Cristo e pelo
batismo que a sela”106. Ainda que não se encontre uma eclesiologia explicitada por
Jesus, ao anunciar o Reino de Deus, “Jesus não lançou sua mensagem, por assim
103
BEAUCHAMP, P. Deus. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 528.
104
EVDOKIMOV, P. L’Ortodossia. Op. cit. p. 501.
105
KÜHN, U. Igreja. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 852.
106
KÜHN, U. Igreja. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 853.
- 42 -
dizer, no vazio [...] chamou discípulos”107. Sem dúvida, Jesus tinha uma intenção
neste fato de envolver seguidores comprometidos com sua mensagem.
Não obstante as vicissitudes históricas que se sucedem na Igreja, podemos
afirmar que ela brota da intenção do Jesus histórico. Está na esteira do AT. É
constituída como assembléia cultual e ministerial. Ela vive escatologicamente,
aguardando a consumação da salvação iniciada pelo Espírito do Pai e manifestada
em plenitude no Filho Jesus. “Nós somos, portanto, um em Cristo pela nossa
natureza, enquanto ele é cabeça da nossa natureza e nele formamos um só
corpo”108. Por isso a Igreja forma um Corpo com Cristo.
107
KÜHN, U. Igreja. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 853. “Os discípulos chamados eram
aqueles que aceitavam as três marcas essenciais da ‘realeza de Deus’: a abertura radical a um Deus
de bondade e de misericórdia, fonte única de vida e de futuro; a prática radical da nova justiça e do
mandamento de amor até a reconciliação e amor do inimigo; a vontade radical de sacrifício, até a
morte. Se se pode ver nessas disposições a base concreta donde ia sair a ‘Igreja’, então não foi sem
motivo profundo que a comunidade primitiva emprestou a Jesus ditos eclesiológicos explícitos (o que
quer que se possa dizer do uso que se fará deles na história da Igreja)”. KÜHN, U. Igreja. In
Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 853.
108
LOSSKY, V. A Immagine e Somiglianza di Dio. Op. cit. 1999. p. 148.
109
KÜHN, U. Igreja. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 853-854.
110
KÜHN, U. Igreja. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 855.
111
KÜHN, U. Igreja. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 855.
- 43 -
os homens” (Ap 21,3) e os seres humanos são pessoas, à imagem de Deus em três
pessoas, em comunhão eterna com o Cristo, como o Filho e o Espírito estão em
comunhão eterna com o Pai”112.
A incorporação, sacramental, da pessoa à Igreja, então, não é um adorno,
uma pertença virtual, uma realidade sem discriminação de valores, sem
conseqüências para a existência. Pertencer à Igreja, portanto, trata-se de uma causa
de fé por ser ela “instituição de salvação, fundada por Cristo”113. Uma visão, assim,
da Igreja nos faz descobri-la santa e pecadora: santa por ter Cristo como Fundador;
pecadora porque está fundada sobre o elemento humano, necessitado de salvação,
a caminho da deificação. Viver a espiritualidade cristã e desenvolver uma
eclesiologia que coloque a celebração eucarística no centro da vida será a missão
permanente da Igreja até a sua plenitude. Sem dúvida alguma a eclesiologia do
Concilio Vaticano II, que aponta a Igreja como Povo de Deus, pode nos ajudar a re-
valorizar a Igreja enquanto expressão humana da santidade de Deus em sua relação
intratrinitária. É na relação da Trindade que a Igreja se descobre santa por vontade
de Deus114.
O mistério da Igreja, no sentido bíblico e patrístico, está no centro da obra do
Concílio Vaticano II. “A Igreja, que não tem seu fim em si mesma, vive uma dupla
relação com Cristo e com os homens”115. Aqui marca a santidade da Igreja: ser o
que ela é; ser o que desejou seu fundador: Cristo. Então se pode dizer com toda a
verdade: a Igreja é de Jesus Cristo. É ele que a alimenta com o seu Corpo e
Sangue: porque, “a Igreja só se manifesta em sua plena verdade de corpo de Cristo
na Eucaristia”116. Sendo a Igreja uma comunidade visível dos seguidores de Jesus,
112
MCPARTLAN, P. Santidade. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1610.
113
KÜHN, U. Igreja. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 858.
114
É estritamente em relação à Igreja que o Vaticano II define a santidade como a “união perfeita
com Cristo” (LG. 50). É significativo que o concilio trate do “apelo à santidade” na constituição
dogmática sobre a Igreja (cap. 5), e é para reconhecer antes de tudo que só a Trindade é realmente
santa. A partir dessa fonte, a santidade é comunicada à Igreja por Cristo, que se deu por ela
precisamente para torná-la santa (Ef 5,25s). Todos os cristãos são chamados à santidade pelo fato
mesmo de pertencerem à Igreja. É participando da santidade dela que eles se tornarão santos, e que,
por seu turno, tornarão santos os outros (LG. 39). Daí decorre que, se “as formas e as ocupações da
vida são múltiplas”, a santidade nem por isso deixa de ser “uma” (LG. 41), sempre inspirada pelo
mesmo Espírito (LG. 39).
115
BRESSOLETTE, C. Vaticano II. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1824.
116
TILLARD, J-M. R. Comunhão. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 405. Temos talvez em
Teodoro de Mopsueste (Oriente) uma das expressões mais rica da Igreja enquanto “comunhão” que
relaciona a vida do batizado com a Eucaristia. Portanto o vínculo teológico e litúrgico dos dois
sacramentos: “Como pelo novo nascimento eles foram aperfeiçoados em um só corpo, agora são
também fortalecidos como em um só corpo pela comunhão no corpo do Senhor, e na concórdia, na
paz, na aplicação do bem, constituem um só [...]. Assim nos uniremos na comunhão aos santos e por
- 44 -
esta seremos unidos à nossa cabeça, Cristo Senhor nosso, do qual – nós o cremos – somos o corpo,
e por quem obtemos a comunhão à natureza divina” (Hom. Cat. 16,13, ed.Tonneau-Devreesse, 555).
“ Esse texto aparece como a própria definição da Igreja no seu ser de graça. A Igreja é a comunhão
ao Pai, florescendo em comunhão fraterna, comunicada no batismo e sobretudo na eucaristia, pelo
Espírito daquele que, tendo comunicado plenamente com nossa humanidade, ressuscitou para nos
fazer comunicar com sua vida trinitária”. TILLARD, J-M. R. Comunhão.. In Dicionário Crítico de
Teologia. Op. cit. p. 406. (Cf. edição portuguesa, TEODORO DE MOPSUÉSTIA. Homilias
catequéticas. 16, 13. In CORDEIRO, J. L. (Org.). Antologia Litúrgica. Textos Litúrgicos, Patrísticos e
Canónicos do Primeiro Milénio. Fátima-Portugal: Secretariado Nacional de Liturgia: 2003, p. 685.
117
MCPARTLAN, P. Santidade. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1610.
118
“O Sabbat é um dia a ser ‘santificado’ (qdsh) a ser ‘guardado’ (shmr)… No NT, o Sabbat entra em
concorrência com ‘o primeiro dia da semana’ (Atos 20,7) [...] O Sabbat é o dia em que o homem
mostra que renuncia às ilusões do superpoder para garantir um lugar à alteridade e tornar possíveis
relações justas. [...] O homem põe seu poder a serviço da liberdade dos outros, como o Senhor
empregou seu poder a favor da liberdade de Israel. Honrar a Deus é imitar seu agir ao recusar fazer
de sua própria casa uma casa de servidão. [...] Jesus revitaliza a instituição como tal (Mc 2,27s)”.
WÉNIN, P. Sabbat. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1557-1558.
119
BEAUCHAMP, P. Criação. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 470.
- 45 -
120
“A Criação, pois, não pode ser separada da Torá, o que no judaísmo se exprime com mais força
ainda na convicção de que a Torá foi criada antes do mundo. Na literatura sapiencial, esta noção de
pré-existência foi aplicada à Sofia; depois, no NT, ao Cristo. Ela significa que a Criação não é um
ajuntamento de partículas anorgânicas e orgânicas, mas possui, como forma interna (cf. Hb 11,3), um
sentido expresso por ela, que sustenta a vida (Lc 12,22ss; Mt 6,25ss) e ilumina o espírito (2Cor 4,6)” .
DOHMEN, CH. Criação (AT). In BAUER, J. B. Dicionário Bíblico-Teológico. São Paulo: Loyola, 2000.
p. 74.
121
FERNANDEZ, I. Criação. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 478.
122
DOHMEN, CH. Criação (AT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 73. Cf. BEAUCHAMP, P.
Criação. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 471.
123
MURRAY, R. Adão. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 56. “Paulo situou Adão e Cristo
como dois arquétipos em contraste. Por um nos vieram a morte, pecado, privação da graça. Pelo
outro, a volta à graça, ‘nova criação’, promessa de vida. Mas a graça outorgada supera infinitamente
o mal causado”. MURRAY. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 58. Que o ser humano é
imagem de Deus é suposto (cf. 1Cor 11,7).
- 46 -
para se falar de Deus em analogias, porque apontam para o Criador” 124. Não é
possível separar criação e salvação. A idéia da “Nova Criação” provém do AT,
especialmente dos Profetas durante e depois do exílio; criação e salvação recebem
a mesma atuação de Deus (cf. Is 44,2s; 45,8); Será nesta visão que os profetas
falam de um Espírito novo na vriação que atua no humano (cf. Ez 36,26s; Jr 31,33s);
retomado pelo apóstolo Paulo (2Cor 3,3 e 5,17). “A criação, portanto, é obra visível
de Deus”125. Tanto a criação quanto a salvação têm sua origem em Deus: em vista
da nossa deificação.
Pode-se dizer de uma “nova” intervenção de Deus na criação, uma nova
criação: “com efeito, vou criar céus novos e uma nova terra” (Is 65,17; 66,22; Jr
31,22). “A criação inicial tem como meta a nova criação, no fim do mundo (Ap
21)”126. O envolvimento de Deus na criação e salvação127 é único para conduzir tudo
à santidade.
A partir da tradição do AT e do judaísmo, o NT amplia a idéia de criação
colocando o Criador como Pai de Jesus Cristo. A fé na criação é fundamental
também na teologia do NT, enquanto relacionada à cristologia128. “A Igreja primitiva
herdou da fé em Deus criador, e não precisou, portanto, definir a doutrina da criação,
presente nos primeiros símbolos batismais que professam a fé no Pai todo-
poderoso”129. A visão apocalíptica judaica do AT referente à criação também se fará
presente no NT, sobretudo nas cartas de Paulo e Apocalipse.
Paulo afirma que tudo vem de (ex) Deus e através de (dia) Jesus
Cristo (1Cor 8,6): Cristo age como mediador da Criação. Também em
124
HEINE, S. Criação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 74. Jesus mostra o surgimento
do Reino de Deus aos seus patrícios por meio de elementos da natureza (Mc 4,1-34; Mt 13,24-30).
125
HEINE, S. Criação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 74.
126
HEINE, S. Criação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 74.
127
Não é de espantar que, segundo a Bíblia, o conceito de criação seja apreendido tanto pela razão
(Rm 1,20) quanto pela fé (Hb 11,3). Pois no AT a eleição de um povo pelo Senhor e a criação do
universo descobrem-se pouco a pouco como distintas e inseparáveis no ato de um só Deus. Ato que
emana de sua singularidade, de sua santidade e, paradoxalmente, do que ele tem de mais
incomunicável. A identidade do Deus criador e do Deus salvador prepara esses textos, entre os mais
tardios do NT, em que a criação, fundamento de uma relação universal a Deus, procede pelo Único:
Cristo (Col 1,16), Filho (Hb 1,2), Verbo (Jo 1,3; cf. Ap 3,14). Nele a criação se dá a conhecer como
primeira e última palavra de um Deus que assume sob seu Nome a narrativa de seus atos.
128
“A esperança de uma nova Criação está, no NT, ligada à cristologia, também pelo fato de que
Cristo aparece agora como ‘as primícias’, como o ‘primogênito da Nova Criação (Hb 9,11: ele não é
‘desta Criação’) e como a imagem de Deus (2Cor 4,4; atrás disso está provavelmente a idéia
apocalíptica de que a humanidade, pela queda de Adão, perdeu sua qualidade de ‘imagem de Deus’;
Cl 1,15; 3,10). Por ele também os fiéis são transformados numa nova Criação (metamorfousthai: 2Cor
3,18; cf Rm 8,29): nesta era, no espírito; na era vindoura, também no corpo (Rm 8,23)”. DOHMEN,
CH. Criação (AT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 75.
129
FERNANDEZ, I. Criação. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 472.
- 47 -
João lemos que o mundo foi feito pelo Logos, que é Deus presente em
Cristo (Jo 1,10). Em Cl 1,15-18, Deus e Cristo são totalmente idênticos
quanto ao poder criador. Em Cristo, por ele, e para ele, tudo foi criado;
ele existe antes de tudo, e tudo subsiste nele; e ele é o primogênito
dentre os mortos. Com isso, o NT insere-se na tradição judaica,
segundo a qual a Torá ou a Sabedoria é preexistente e partícipe da
Criação, pelo que a História, do principio até o fim, é constituída como
História da Salvação; o NT, porém, coloca Cristo no lugar da Torá e
identifica-o com a Sabedoria (1Cor 1,24.30; cf. Ef 1,17; Cl 2,2-3). Com
isso afirma-se que Criação e Redenção se devem à mesma força
divina, e que a Criação continua operando, não se limita ao passado.
Os que crêem na Redenção por Cristo têm o penhor (2Cor 1,22) do
Espírito de Deus, e por isso são chamados uma ‘Nova Criação’ (2Cor
5,17; Gl 6,15; cf. Ef 2,10)”130.
130
HEINE, S. Criação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 74-75.
131
Cf. DOHMEN, CH. Criação (AT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 73.
132
“‘Pecado’ é o termo que Paulo usa para a compulsão ou coação que os humanos geralmente
experimentam dentro de si mesmos ou em seu contexto social, compulsão para atitudes e ações nem
sempre de sua própria vontade, ou com sua aprovação [...] Especialmente, pecado é a força que faz
os seres humanos esquecerem sua criaturidade e dependência de Deus, a força que impede a
humanidade de reconhecer sua verdadeira natureza, que engana o adam, levando-o a pensar que é
igual a Deus e o torna incapaz de compreender que é apenas adamah. É poder que faz a
humanidade girar em torno de si mesma, preocupada em satisfazer e compensar sua própria
fraqueza como carne. É o poder que levou incontáveis indivíduos de boa vontade mas de
determinação inadequada a gritar desesperados: ‘Eu não tenho culpa’, ‘não consigo evitá-lo’”. DUNN,
J. D. G. A Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003. p. 150.
- 48 -
133
“Em teologia moral, a noção de mandamento de Deus tem por função seja indicar o fundamento
primeiro da obrigação moral, seja determinar seu conteúdo, seja por fim dar-nos o meio de saber o
que é exigido de nós. Ela não dá conta do conceito de obrigação enquanto tal”. BIGGAR, N.
Mandamento. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1081. “Para a teologia moral, é em Deus
que se encontra o fundamento da obrigação. E se ele se acha assim alojado na razão divina, os
seres humanos terão acesso a esse fundamento apreendendo pela ordem pela consciência a ordem
da moralidade ou da lei natural, tal como ela estrutura a realidade criada e reflete a lei eterna do
espírito divino”. BIGGAR, N. Mandamento. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1082. “Alguns
teólogos preferem situar o fundamento da obrigação na vontade de Deus. São então os
mandamentos divinos que criam nossos deveres”. BIGGAR, N. Mandamento. In Dicionário Crítico de
Teologia. Op. cit. p. 1082.
134
Cf. OEMING, M. Pecado Original. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 314-315.
- 49 -
escolheu o pecado. Em Jesus somos deificados pelo Pai pela via da liberdade de
filhos e não de escravos.
O “porquê” do pecado, o apóstolo Paulo encontra nas Escrituras: “segundo a
qual existe um fundamento de todo e qualquer pecado: ser homem é ser pecador,
realidade essa que começou com o primeiro homem, Adão (Rm 3,9-20; 11,32; Gl
3,22)”135. Podemos então interpretar, a partir do Apóstolo, que o pecado está inscrito
em nossa natureza. O pecado será sempre original por ser uma ação do homem,
contra a vontade de Deus. A originalidade está, portanto, no homem, ser sujeito de
uma ação que não lhe convém, pois ele não aprendeu com Deus, nem viu Deus
pecando. Original não quer dizer, necessariamente, hereditário. Somos herdeiros da
natureza de Adão e não, necessariamente, herdeiros do pecado do Adão.
135
OEMING, M. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 315.
136
OEMING, M. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 315-316.
137
“A expressão ‘pecado original’ foi criada por Agostinho (PL 40, 106) para designar aquele pecado
que ‘entrou no mundo’ (Rm 5,12) pela falta de Adão e que afeta todo homem pelo fato mesmo de
nascer (PL 40, 245): é o que se chamará mais tarde de pecado original ‘originado’, por oposição ao
pecado original ‘originante’ do próprio Adão. A análise teológica dele está sempre ligada a uma
reflexão sobre o livre-arbítrio, a graça e a concupiscência (ou cobiça)”. SENTIS. L. Pecado Original.
In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1370.
- 50 -
138
OEMING, M. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op.cit. p. 321.
139
Cf. OEMING, M. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op.cit. p. 321.
140
OEMING, M. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op.cit. p. 321.
- 51 -
homens não devem julgar (Mt 7,1s; Lc 6,37s)”141. A adesão a Deus e à comunidade
de fé será então o grande convite de Jesus à humanidade, para que ela se liberte do
pecado e viva na graça de Deus por meio de Jesus Cristo: nesta proposta encontra-
se a fundamentação da Igreja, dos sacramentos e da liturgia.
Aqui o mistério da Encarnação se dá como auto-comunicação de Deus: “de tu
para tu”142. Na liberdade o homem pode acolher ou não esta luz encarnada. Por isso
João, em seu evangelho, não se pergunta sobre a origem do pecado, apenas mostra
a miséria humana diante da luz. Encontrar Deus próximo de nós é só renunciar ao
pecado, se abrir e acolher o outro. Isto é dado de fé: “crer, porém, significa ser
realmente livre (ontos: Jo 8,36), para a vida e a ressurreição (Jo 5,29; 6,35ss;
11,25)”143. Somente superando o egoísmo144, fonte de isolamento, a pessoa poderá
fazer experiência da gratuidade divina revelada, por Jesus, à humanidade. “Só Deus
pode romper esse círculo vicioso, o que aconteceu por Jesus Cristo: ‘Tudo vem de
Deus que estava em Cristo e reconciliou o mundo consigo’ (2Cor 5,18.19); ‘quem
está em Cristo é uma nova criação (2Cor 5,17)”145.
Se antes, por causa do pecado, o homem não podia mais produzir boas
obras, agora, deificado, pela graça e justificação, em Cristo Jesus, poderá
novamente ser expressão do Criador e produzir obras de amor e caridade, frutos do
Espírito. A celebração litúrgica será sempre o anúncio deste mistério de graça com o
qual Deus se oferece ao homem como realidade de aliança deificante. O conceito
teológico de “justificação” encontra-se no NT, sobretudo em Paulo.
141
OEMING, M. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op.cit. p. 322. “O Logos, a palavra criadora de Deus,
que chama o mundo à existência (Jo 1,3) é aquele mesmo que, ‘na carne’ (Jo 1,14), se encontra com
os homens e, como Espírito (Paráclito), continua operando neles e no meio deles. Só assim a
pecaminosidade (trevas) do mundo inteiro fica patente (Jo 1,5; 16,8-9). Sem o conhecimento da
revelação divina em Cristo, os homens continuam não enxergando o pecado (Jo 9,41; 15,22-24). ‘O
pecado’ constitui uma categoria universal, uma propriedade do cosmo e dos homens que nele vivem,
o que se exprime também pelo fato de que geralmente o conceito é usado no singular”. OEMING, M.
In Dicionário Bíblico-Teológico. Op.cit. p. 322.
142
“A encarnação, como autocomunicação de Deus, ‘de tu para tu’, é um ato de vontade livre, ao qual
corresponde a liberdade do homem de não receber a luz (Jo 1,5.9.11; 3,19). Por tal decisão,
qualificado em João como não-crer, um mundo cego transforma-se num mundo conscientemente
culpado, que se julga a si mesmo (krisis: Jo 3,19; 8,16; 16,8s; 12,31 etc.) para a morte (Jo 8,24)”.
HEINE, S. Pecado/Expiação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op.cit. p. 323.
143
HEINE, S. Pecado/Expiação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op.cit. p. 323.
144
Cf. HEINE, S. Pecado/Expiação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op.cit. p. 323-324.
145
HEINE, S. Pecado/Expiação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 324.
- 52 -
146
WILLIAMS, R. Justificação. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 974. “Para a teologia
cristã, só se pode responder a essa questão levando em conta os dois pontos seguintes: por um lado,
a situação de pecado em que os seres humanos mergulharam os torna incapazes dessa comunhão;
eles não podem libertar-se da visão deformada, nem da fraqueza ou da corrupção da vontade, que
essa situação lhes impõe; por outro, a liberdade de Deus é total; ele não pode ser nem forçado nem
mesmo persuadido a agir de uma maneira ou de outra. Se, pois, os homens devem encontrar graça a
seus olhos, isso só pode acontecer por obra sua”. WILLIAMS, R. Justificação. In Dicionário Crítico de
Teologia. Op. cit. p. 974.
147
“Trata-se de todo modo, de maneira muito evidente, de um atributo relativo a Deus (atributos
divinos). Mas todo o problema consiste em saber de que relação se trata”. FERNANDEZ, I. Justiça
Divina. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 971. Cf. FERNANDEZ, I. Justiça Divina. In
Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 972.
148
FERNANDEZ, I. Justiça Divina. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 972.
149
Cf. FERNANDEZ, I. Justiça Divina. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 972-973.
150
KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 226.
- 53 -
2Cor 5,21 afirma, em estilo retórico: “A ele (Cristo), que não conhecia
o pecado, Deus o fez pecado, a fim de que nós nos tornássemos
justiça de Deus, nele”. Na morte vicária de Cristo (“por nós”) o próprio
Deus lançou a base que sustenta a aplicação de sua justiça redentora
a nós. E Rm 3,25s: “A ele (Cristo) Deus constituiu como expiação, pela
fé, em seu sangue” – para demonstração de sua justiça por causa do
perdão dos pecados anteriormente cometidos155.
151
KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 226.
152
“Paulo estende-se longamente sobre essa questão, em particular na Epístola aos Romanos; ele se
interessa, sobretudo, pelas razões mediante as quais Deus nos trata como se não fôssemos
culpados, o que não se funda senão em sua livre decisão. Assim, somos ‘justificados’ pela graça de
Deus manifesta em Jesus Cristo (Rm 3,24ss), ou pelo sangue de Jesus derramado na cruz (Rm 5,9).
Quando reconhecemos plenamente a ação divina, recebemos os seus frutos; é assim que se pode
dizer que somos justificados pela fé (Rm 3,28; 5,1; Gl 2,16; 3,24). Portanto, é inocente, aos olhos de
Deus, todo aquele que tem confiança no que se realizou pela morte de Jesus (Rm 3,26). A fórmula
discutível, mais tardia, a ‘justificação só pela fé’, o sola fide de alguns protestantes, não se encontra
nesses termos em Paulo; e a própria expressão ‘justificação pela fé’ deve ser compreendida no
contexto de todo o drama exposto em Rm e Gl, no qual Deus, em Jesus, resgata e perdoa os
pecados – caso contrário, podemos esquecer que foi Deus que tomou essa iniciativa sem igual”.
WILLIAMS, R. Justificação. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 974.
153
KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 226.
154
Cf. KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 226.
155
KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 227; Cf. HEINE, S.
Pecado/Expiação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 325.
- 54 -
156
KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 227. “Em Gl 2,16, Paulo
resume seu pensamento sobre a justificação na frase: ‘Nós sabemos que o homem não é justificado
pelas obras da Lei, mas pela fé em Jesus Cristo’”. KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário Bíblico-
Teológico. Op. cit. p. 227. O conceito paulino de justificação: “O homem não consegue a justificação
por si mesmo, como que na base de uma reivindicação garantida por uma promessa e baseada no
cumprimento da Lei, e sim pela fé em Jesus Cristo. Esta fé é fé naquele Deus que, paradoxalmente,
não justifica “o justo”, mas “justifica o ímpio” (Rm 4,5). KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário
Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 227. “A base está no AT, a fé de Abraão (Gn 15,6; Gl 3; Rm 4). (2). A
base da justificação, para os judeus e gentios, é Jesus Cristo, pela entrega de si mesmo na cruz (Gl
2,20; 3,1). É no ato de Cristo com seu sacrifício único, escatológico, que Deus se revela como justo e
justificador (Rm 3,25-26). “Há nisso dois aspectos, que determinam, ambos, a importância da
‘justificação’, tanto no presente como até o fim do mundo: o aspecto teocêntrico (especialmente Rm
1,17; 3,21s) da ‘justiça de Deus’, revelada no Evangelho, isto é ‘agora’; e o aspecto cristocêntrico, do
Cristo que intercede por nós, pecadores (Rm 5,6-11)”. KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário
Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 227. “Pela fé em Jesus Cristo o dom da justiça nos é dada por Deus. A
indissolúvel relação da fé com a ação e pessoa de Jesus Cristo, em quem Deus se revelou, exclui
qualquer alegação de Moisés e de sua Lei como base para a justificação, pois essa é dada ‘de graça’
(Rm 3,24; 4,4s)”. KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 227.
157
KERTELGE, K. Justificação. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 228.
- 55 -
“participante” da divindade, uma vez que ele é um ser que só recebe realidade de
fora dele. Somente nesta “lógica” se entende o que seja deificação pela graça e
justiça de Deus. Mas esta parece ser uma “página” da história do cristianismo
ocidental ainda a ser aprofundada e reescrita na própria teologia cristã. Contudo,
qualquer que seja o desenvolvimento da questão a teologia paulina da justificação 158
será sempre referência.
7. A Deificação Sacramental
Apresentamos até aqui, neste capítulo, a perspectiva da deificação como
enfoque teológico. Procuramos a partir do Ser de Deus, do seu Amor extático
158
A obra de, Dunn, é, sem dúvida, muito apropriada para a compreensão desta questão da
justificação, bem como de toda a teologia do Apóstolo Paulo. DUNN, J. D. G. A Teologia... Op. cit. A
proposta deste trabalho, ainda que modesta, pode lançar luzes sobre esta questão tão espinhosa.
Pois se recuperamos a teologia na perspectiva da deificação acredito que temos muito a ganhar para
superarmos os fundamentos dos teologismos.
159
HEINE, S. Pecado/Expiação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico.Op. cit. p. 324.
160
HEINE, S. Pecado/Expiação (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 325.
- 56 -
161
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 504.
162
“O ciclo do amor extático divino se completa deste modo. Na Trindade, Deus vive; na criação,
produz coisas; na deificação, eleva-as para associá-las a sua vida pessoal”. ZUBIRI. Naturaleza...
Op. cit. p. 504
163
Comentando as palavras do Credo de Nicéia Paul Evdokimov diz: “Se a encarnação fosse
determinada pelo pecado, seria Satânica, isto é, o mal a condicioná-la [...] Cristo desce do céu e se
encarna ‘por nós homens e para nossa salvação’ [...]. O ‘pela nossa salvação’ designa a redenção; e
‘o por nós homens’ a deificação, uma e outra justificam a encarnação”. EVDOKIMOV, P. L’Ortodossia.
Op. cit. p. 85.
164
ZUBIRI, X. Naturaleza... Op. cit. p. 504
- 57 -
165
“A semelhança divina no homem não é, pois, determinada propriedade do homem (como a
inteligência, a linguagem), mas significa sua proximidade a Deus e a incumbência particular com
relação à criação e dentro dela. Mas seu reinar não é autônomo; Deus entrega ao homem sua tarefa
e lhe determina os limites (Gn 1,29s; 9,2ss). Elevado acima da criação, o homem está orientado para
Deus (Sl 8). E assim como os soberanos orientais viviam na presença e sob a proteção de seus
deuses, o conceito de semelhança com Deus, em Gn 1, introduz o tema da intimidade com o Criador
e da relação com ele. Essa intimidade e representação valem para o homem e mulher (‘criou-os
homem e mulher’ Gn 1,27). Mas isso não permite concluir que Deus é semelhante ao ser humano.
Pois é usado o plural (‘ele os criou...’, Gn 1,27); aliás, na época da redação de Gn 1, a proibição das
imagens já estava em pleno vigor”. KREUZER, S. Imagem/Semelhança (AT). In Dicionário Bíblico-
Teológico. Op. cit. p. 189.
166
KREUZER, S. Imagem/Semelhança (AT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 189. “O que é
dito aqui sobre a posição especial do homem corresponde ao Sl 8. Lá o poeta admira como Deus
exaltou o homem: “Fizeste-o um pouco inferior a Deus: de glória e honra o coroaste; deste-lhe o
domínio sobre as obras de tuas mãos”. KREUZER, S. Imagem/Semelhança (AT). In Dicionário
Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 189.
167
Cf. KREUZER, S. Imagem/Semelhança (AT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 189.
- 58 -
correspondesse168 entre nós e Ele. Bem como se não houvesse uma finalidade: “um
para quê”, uma “ultimidade”, na linguagem zubiriana. Aqui entra a realidade
escatológica da Criação e Salvação em vista da deificação.
A partir da cristologia, podemos então perceber um novo enfoque para a
temática da deificação. O homem não é mais, apenas, imagem e semelhança de
Deus; é também aquele que pode “hospedar” Deus, na pessoa do Filho Jesus.
Nesta acolhida se dá sacramentalmente a deificação do homem. Na encarnação a
economia da salvação encontra sua “lógica” mais profunda: amor-doação. Sempre
esteve na mente de Deus deificar o humano, quer pela criação, quer pela
encarnação de seu Filho. A novidade é que em Jesus encarnado temos uma relação
de proximidade sacramental com Deus. Na pessoa de Jesus a humanidade
recupera a possibilidade de ser “Imagem e Semelhança” de Deus pelo seu amor-
doação; possibilidade de religação, de religião. João, em sua primeira Carta,
expressou a realidade da imagem humana, enquanto filhos de Deus. Ele coloca esta
idéia em duas frases169: primeira, “que já somos filhos”, por conseguinte deificados;
segunda, é que “seremos semelhantes a ele” na glorificação. “Vede que prova de
amor nos deu o Pai: sermos chamados filhos de Deus. E nós o somos!” (1Jo 3,1-3).
Também o apóstolo Pedro nos convida a uma reflexão particular para acolher
e compreender a perspectiva da deificação, enquanto momento escatológico,
mostrando a liberdade de Deus em nos compartilhar a sua natureza deificante em
Jesus Cristo. “Pois que o seu divino poder nos deu todas as condições necessárias
para a vida e para a piedade [...] Por elas nos foram dadas as preciosas e
grandíssimas promessas, a fim de que assim vos tornásseis participantes da
natureza divina” (2Pd 1,3-4)170.
168
Cf. KARRER, M. Imagem/Semelhança (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 190.
169
“Só Deus é santo. E para os homens, que são seres criados, a santidade consiste em participar da
vida divina. João diz a este respeito: “seremos semelhantes a ele, já que o veremos, tal como é (1Jo
3,2). Das duas partes desta frase nasceram as duas tradições da divinização no Oriente (theosis e
theopoiesis; cf. Máximo Confessor, PG 90, 1193 D) e da visão de Deus no Ocidente (visão beatífica;
cf. Agostinho, PL 35, 1656 e 1193). “O fato de ambas terem suas fontes no mesmo texto mostra bem
seu acordo e sua complementaridade”. MCPARTLAN, P. Santidade. In Dicionário Crítico de Teologia.
Op. cit. p. 1610.
170
Expressão de origem grega, única na Bíblia e que causa surpresa pelo seu tom impessoal. O
apóstolo a empregou aqui para exprimir a plenitude da vida nova em Cristo, isto é,a comunicação que
Deus faz de uma vida que só a ele pertence. Sobre a idéia geral aqui apresentada, ver, por exemplo,
Jo 1,12; 14,20; 15, 4-5; Rm 6,5; 1Cor 1,9s; 1Jo 1,3s. Está aqui um dos pontos de apoio da doutrina
da ‘deificação’ dos Padres gregos. Cf. BÍBLIA DE JERUSALÉM (Nova edição revisada). São Paulo:
Paulinas, 1986. Nota de roda-pé “f”. p. 2280. As citações precedentes nos dão a idéia da nossa
deificação, p. ex., recebendo Jesus nos tornaremos filhos de Deus (cf. Jo 1,12); É fiel o Deus que vos
chamou à comunhão com o seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor (1Cor 1,9).
- 59 -
171
DEISSLER, A. Perfeição (AT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 325.
172
“Essa fé aparece sempre nesta forma modelar: crer que o Senhor quer constituir uma Aliança. Ela
é, portanto, um ato de pessoa para pessoa, aceitando a palavra da revelação divina, fazendo dela o
fundamento de sua vida... A fé bíblica, portanto, corresponde à expressão: ‘eu acredito em ti’ (não:
‘acredito que...’)”. DEISSLER, A. Perfeição (AT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 326.
173
DEISSLER, A. Perfeição (AT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 326.
174
MUSSNER, F. Perfeição (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 327.
- 60 -
ser concebida como mera indicação divina; ela vai se impondo como um modo
imperativo no qual o humano está lançado até ser plenamente deificado por Deus,
transformado pelo seu Espírito, querendo ou não (velis nolis).
O que fundamenta esta relação coletiva de perfeição entre os homens é que
Deus não quer salvar o indivíduo, mas a humanidade. Na encarnação do Verbo esta
proposta de salvação universal é ainda mais evidente, sobretudo a entrega de Jesus
na morte pela humanidade175.
Jesus expressa acerca da perfeição em dois textos: o primeiro “Sede perfeitos
como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48) que está na base da imitação de Deus
“Sede santos, pois também eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo!” (Lv 19,2).
Perfeição, aqui, se identifica com amor sem medida. O segundo: Mt 19,21, quando o
jovem rico almeja a perfeição. O que falta ao jovem para ser perfeito é a renúncia
total às posses materiais para depois seguir a Jesus, pois ninguém pode servir a
dois senhores: “não podeis servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6,24)176.
Paulo também compartilha da idéia da perfeição na linha da vontade de Deus
(Rm 12,2). Os cristãos são perfeitos por acolherem a mensagem de Deus (1Cor 2,6),
mas estão num processo contínuo de perfeição (1Cor 14,20; Fl 3,15; Cl 1,28; 4,12).
E o próprio apóstolo é modelo de perfeição (cf. Fl 3,15), embora não esteja
consumada a sua perfeição (Fl 3,12) que é uma meta. A medida da perfeição cristã
é de um lado o amor, e do outro o próprio Cristo celeste. Nele o cristão atinge a
maturidade (Ef 4,14). “Dessa forma, o próprio Cristo celeste é o ideal e a meta de
toda a perfeição cristã!”177. Na carta aos Hebreus, a existência cristã é uma
existência de peregrinação com Jesus e para Jesus, em sua glória. O caminho da
perfeição leva assim a uma “paralelização” de Jesus com seus irmãos (cf. Hb 2,10-
18; 3,14-16; 4,14-5,10; 13,13), mas também a uma desvalorização da ordem
terrestre do AT. A Lei e o culto do AT nunca podiam “levar à perfeição” os que deles
se aproximavam (Hb 7.1.19; 9,9; 10,1), Cristo chegou à consumação pelo sacrifício,
175
“Particularmente visível torna-se isso para Israel na figura do ‘Servo de Deus’ do Dêutero-Isaías.
sua disponibilidade diante de Deus e seu ‘ser irmão’ levam-no a se oferecer ao senhor em
substituição e como ‘sacrificio de expiação’ em favor da humanidade que rompeu a Aliança (Is 53).
Conforme o texto repetidamente sublinha, essa auto-entrega ‘pelos muitos’ é a base para a salvação
e exaltação desse parceiro ideal da Aliança, que realiza Mq 6,8 de maneira insuperável”. DEISSLER,
A. Perfeição (AT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 327.
176
Cf. MUSSNER, F. Perfeição (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 328.
177
MUSSNER, F. Perfeição (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 328.
- 61 -
obediente, e levou à consumação os santificados (Hb 10,14; 5,10; 7, 18) que devem
trilhar o caminho para a meta celeste178.
Este caminho de perfeição é expresso pelo apóstolo Tiago como
perseverança: a constância dos fiéis deve produzir uma obra perfeita, a fim de que
sejam perfeitos e íntegros, livres de todo defeito (Tg 1,4). Na perfeição a pessoa
adquire liberdade por estar sacramentalmente ligada ao amor de Deus. E João
coloca a perfeição na categoria do amor, como vimos no ser de Deus. Em Jo 17,23,
a meta dos discípulos de Jesus, a meta escatológica da comunhão com Deus e com
Cristo, deve ser sua “consumação” na indissolúvel “unidade” do amor, na
observância dos mandamentos (1Jo 2,5) e no amor mútuo (1Jo 4,12). O amor
precede ao conhecimento e prepara o cristão para o dia do Juízo (1Jo 4,17s).
Para concluir podemos dizer que no amor extático de Deus adquirimos a
plenitude da deificação que nos faz semelhantes a Ele em santidade e perfeição.
Isto, sempre respeitando, contudo, os limites da nossa condição humana. Por isso,
para nós, a deificação se dá apenas sacramentalmente, pois não participamos da
vida de Deus, por natureza, como Jesus Cristo, mas por graça sacramental.
Será esta a missão do próximo capítulo: aprofundarmos a teologia do Batismo
na perspectiva da deificação que nos faz participantes do amor extático de Deus.
178
Cf. MUSSNER, F. Perfeição (NT). In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 328.
- 62 -
179
PAULO VI. Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (RICA). 3ªed. São Paulo: Paulus, 2004. Seguimos
a estrutura lógica do capítulo I deste ritual que, pela sua clareza, aponta-nos a deificação.
180
Embora o Ritual do Batismo de Crianças pressuponha também a iniciação cristã dos pais e
padrinhos.
181
Os Ritos litúrgicos da iniciação cristã de adultos possuem a seguinte estrutura fundamental: 1.
Acolhida; 2. Saudação e exortação; 3. Diálogo (para alguns ritos específicos); 4. Proclamação da
Palavra de Deus e homilia; 5. Preces; 6. Orações de exorcismos e de bênçãos; 7. Despedida.
- 63 -
1. Sacramento do Batismo
182
A obra de SCHILLEBEECKX, E. Cristo Sacramento do Encontro com Deus: estudo teológico
sobre a salvação mediante os sacramentos. Petrópolis: Vozes, 1967, ainda é referência para esta
temática.
183
CHAUVET, L-M. Sacramento. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1574.
184
“A Igreja é a continuação, a permanência atual desta presença real escatológica da vitoriosa
vontade gratificante de Deus, enxertada definitivamente com Cristo no mundo. A Igreja é a presença
- 64 -
permanente dessa protopalavra sacramental da graça definitiva que é Cristo no mundo, palavra que
atua o dito, ao ser isto dito no sinal. A Igreja, como tal permanência de Cristo no mundo, é realmente
o proto-sacramento, o ponto de origem dos sacramentos no sentido próprio da palavra”. RAHNER, K.
La Iglesia y los Sacramentos. Barcelona: Editorial Herder, 1967. p. 19.
185
Como: a) Batismo: Atos 1,38.41; 8,12.16.38; Rm 6,3; 1Cor 1,13-17; 12,13; Gl 3,27; Ef 4,5; 1Pd
3,21; b) Imposição das mãos para o dom do Espírito Santo: Atos 8,17; 19,6; c) Fração do pão –
Eucaristia: Atos 2,42-46; 20,7.11; 1Cor 11,20; d) Unção dos enfermos: Tg 5,14; e) Imposição das
mãos para inserir alguém na hierarquia ou no ministério: Atos 6,6; 1Tm 4,14; 2Tm 1,6.
186
MARSILI,S. Sacramentos. In: Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 1062.
- 65 -
187
Cf. RICA. 73-90 p. 36-46
- 66 -
188
Se os candidatos forem poucos, segue-se o rito proposto. Se forem muitos quem preside pode
solicitar que os catequistas e introdutores lhes ajude na assinalação. Para isso diz: “... E a
comunidade inteira cercará vocês de afeição e se empenhará em ajudá-los”. Além da fronte se
parecer oportuno a quem preside poderá assinalar também os sentidos: ouvidos, olhos, boca, peito,
ombros. Esta prevista pelo RICA. 86. p. 40 , cantar uma aclamação de louvor a Cristo.
189
“Das duas partes desta frase nasceram as duas tradições da divinização no Oriente (theosis e
theopoiesis; cf. Máximo Confessor, PG 90, 1193 D) e da visão de Deus no Ocidente (visão beatífica;
cf. Agostinho, PL 35, 1656 e 1895). O fato de ambas terem suas fontes no mesmo texto mostra bem
seu acordo e sua complementaridade”. MCPARTLAN, P. Santidade (B. Teologia Histórica e
Sistemática). In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 1610.
190
MCPARTLAN. Santidade (B. Teologia Histórica e Sistemática). In Dicionário Crítico de Teologia.
Op. cit. p. 1610.
- 67 -
191
MCPARTLAN. Santidade (B. Teologia Histórica e Sistemática). In Dicionário Crítico de Teologia.
Op. cit. p. 1609. “O concilio de Trento também ensina que os cristãos crescem na vida da graça (DS
1535). Afirma, com Lutero, que a graça é necessária a todas as etapas da justificação, mas ensina,
contra ele, que a vontade humana deve cooperar para isso, e que a justificação não é somente
perdão, mas também santificação (DS 1521-1529). A graça de caridade é presente nos justos, a
justiça de Cristo não lhes é simplesmente imputada (DS 1530,1561). Esses textos fundam a doutrina
católica da graça santificadora, transformação operada nos justos pelo dom do Espírito Santo (Rm
5,5). Pelo fato desta transformação se produzir numa criatura, chama-se ‘graça criada’, um conceito
que desagrada aos ortodoxos [...] tanto quanto aos reformadores – mas o dom mesmo é ‘graça
incriada’”. MCPARTLAN. Santidade (B. Teologia Histórica e Sistemática). In Dicionário Crítico de
Teologia. Op. cit. p. 1612.
192
MCPARTLAN. Santidade (B. Teologia Histórica e Sistemática).In Dicionário Crítico de Teologia.
Op. cit. p. 1613.
- 68 -
193
Cf. SCHNACKENBURG, R. Batismo. In BAUER, J.B. Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 37.
194
O verbo grego báptô, baptízô significa ‘imergir’, ‘submergir’. No helenismo é raramente usado
com o significado de ‘dar banho’, ‘lavar-se’; sugere mais a idéia de ‘arruinar-se’. O NT usa báptzô
apenas em sentido próprio: ‘molhar’ (Lc 16,24; Jo 13,26), ‘embeber’ (Ap 19,13); e baptízô somente
em sentido cultual (raramente a propósito de abluções judaicas: Mc 7,4; Lc 11,38), isto é, no sentido
técnico de ‘batizar’.O fato de o NT usar o verbo batizo só com este sentido cultual técnico bem
caracterizado demonstra que, para ele, o batismo supõe algo que era inusitado entre os outros ritos e
em meio aos costumes da época. No AT e no judaísmo, os sete banhos de Naamã (2Rs 5,14)
demonstram como era importante, então, o banho no Jordão. Este gesto quase sacramental tornará
um dos ‘tipos’ batismais para a teologia patrística. Mas no judaísmo trata-se de um rito legal mais que
purificatório. Cf. NOCENT, A. Batismo. In SARTORE, D. e TRIACCA, A. M. Dicionário de Liturgia.
São Paulo: Paulinas, 1992. p.109.
- 69 -
195
Cf. NOCENT, A. Batismo. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 109-110.
196
“O AT conhece o uso da água para purificações rituais (Lv 14-15; cf. Mc 7,1-5). Os adeptos da
comunidade de Qumran favoreciam as abluções cotidianas no desejo intenso de se purificar (1QSIII,
3-11). Por volta do Séc. I se desenvolve, além da circuncisão, o ‘batismo dos prosélitos’, destinado a
purificar os pagãos que se querem tornar judeus. Faltam fontes para datar com precisão seu
aparecimento; hoje a crítica tende a pensar que não houve influência sobre o batismo cristão
(Légasse 1993, cap. 5)”. DE CLERCK, P. Batismo. In LACOSTE, J-Y. Dicionário Crítico da Teologia.
Op. cit. p. 252.
197
Cf. SCHNACKENBURG, R. Batismo. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 37.
198
“De todos os ‘movimentos batistas’, o que mais probabilidades de ter influenciado nas origens do
batismo cristão é o iniciado por João Batista. [...] Uma vez afirmada a originalidade do batismo cristão,
não há nenhum inconveniente em admitir uma influência real do batismo de João”. OÑATIBIA, I.
Batismo e Confirmação: Sacramento de Iniciação. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 60-61.
199
“A comunidade cristã primitiva, no entanto, entendeu o ‘batismo no Espírito’ como um batismo real
com água, que implicitamente comporta a comunicação do dom do Espírito; além disso, identificou-o
com o batismo cristão. [...] Os relatos batismais do livro dos Atos apresentam o batismo tendo
Pentecostes como pano de fundo. Vem depois do texto de Jo 3,5, que fala de nascer da água e do
Espírito, juntamente com as passagens que associam a comunicação do Espírito Santo com o
batismo de água (cf. At 10,44-48; 1Cor 12,13; Tt 3,5) e, sobretudo, com as que mencionam o dom do
Espírito como efeito do batismo de água (cf. 2,38; 19,3-6). [...] Portanto, o binômio ‘água/Espírito,
batismo de água/ batismo de Espírito não deve ser entendido primordialmente como oposição, mas
como semelhança: para uma mente bíblica, a água é símbolo do Espírito. [...] A imersão batismal
(batismo na água) é, portanto, ‘batismo no Espírito’. O binômio água/Espírito se verifica na própria
imersão batismal; esta é, por isso mesmo, ‘pneumatikon baptisma’. [...] A ação principal, obviamente,
é a do Espírito; a da água é só subordinada (instrumental) à ação do Espírito. Conseqüentemente, a
expressão ‘batizar no Espírito’ significa a indissolúvel conexão existente entre batismo cristão e
Espírito Santo”. OÑATIBIA, I. Batismo... Op. cit. p. 55-56.
- 70 -
200
“Recebe o livro da Palavra de Deus. Que ela seja luz para a tua vida” (RICA. 93).
- 71 -
batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos vossos pecados. Então
recebereis o dom do Espírito Santo” (Atos 2,38).
Por isso a nossa deificação está no encontro com o Verbo encarnado, desse
encontro surge à necessidade de ouvir sua Palavra (a exemplo de Maria, Lc 10,39) e
nascer do Espírito (a exemplo de Nicodemos (Jo 3,1-8). Daí a celebração litúrgica do
sacramento contemplar em nossa Tradição a Liturgia da Palavra e a Liturgia
Sacramental. Sem dúvida, isto é herança da Tradição judaica, da qual nasceu a
nossa liturgia cristã.
O Rito do Batismo cristão encontra sua fundamentação na pessoa de Jesus e
na novidade do Espírito Santo como força vital. Somente uma ordem de Jesus daria
motivo e sentido à exigência e à prática do Batismo nas comunidades cristãs,
juntamente com a promessa de que o Senhor enviaria o Espírito (cf. Jo 16, 5-15)
para revelar todas as coisas. A verdade é que só da boca do Ressuscitado é que
ouvimos tal ordem. Ordem, esta, imperativa. Assim interpretou a primeira
comunidade cristã. Ide Batizai [...], Ide ensinai [...]: fundamenta a Liturgia da Palavra
e Liturgia Sacramental de nosso Rito.
Jesus institui o Batismo no Espírito para que seus seguidores fossem
incorporados n’Ele. Trata-se, portanto, de vincular os deificados pela graça do Pai à
pessoa de Cristo. Uma vez convertido, se batiza; uma vez deificado sela,
sacramentalmente, em Cristo, a realidade nova transformada.
isso o Batismo não se explica como instituição posterior da Igreja primitiva como rito
de admissão, nem como meio de conseguir o perdão antes de receber o Espírito,
nem tampouco pode o batismo recebido por Jesus no Jordão ter sido motivo ou
modelo para o Batismo na Igreja nascente. Tudo isto apenas colabora para uma
explicitação do Batismo que tem sua instituição no próprio Jesus.
Neste diálogo, o evangelista João dá ênfase ao nascimento do Espírito: ele
apresenta água e Espírito ligados (cf. Jo 7,37-39; 4,10,14; 5,7; 9,7; 19,34-35), pois o
Batismo cristão encontra seu fundamento na água que jorra do lado de Jesus: “Ele
disse isto, referindo-se ao Espírito” (Jo 19,34; 7,38-39). Nesta perspectiva o quarto
evangelho coloca o nascimento do “Espírito” como o “nascer de”, “nascer de Deus”.
Por isso o batizado tem uma vida nova (segundo nascimento), nasce do Espírito de
Deus. “Condição para entrar no Reino de Deus: desde a antiguidade se viu, nessa
passagem, uma das provas da necessidade do Batismo”201.
201
Cf. OÑATIBIA, I. Batismo... Op. cit. p. 50.
202
Conversão, aqui, significa total afastamento da vida anterior. É abandono, sobretudo, dos
pecados, diante de judeus e pagãos. Mas significa também a renúncia a uma atitude errada diante do
Messias Jesus. Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a
remissão dos vossos pecados. Então recebereis o dom do Espírito Santo (Atos 2,38); Arrependei-vos,
pois, e convertei-vos, a fim de que sejam apagados os vossos pecados (Atos 3,19); Deus, porém, o
exaltou com a sua direita [...] a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados
(Atos 5,31); também aos gentios, Deus concedeu o arrependimento que conduz à vida! (Atos 11,18);
Deus agora notifica aos homens que todos e em toda parte se arrependam (Atos 17,30); Recebe o
batismo e lava-te dos teus pecados, invocando o seu nome! (Atos 22,16); anuncie o arrependimento
e a conversão a Deus, com a prática de obras dignas desse arrependimento (Atos 26,20). O perdão
dos pecados como conseqüência da conversão é o início da salvação. É a primeira ação escatológica
de Deus, levar o batizado à vida eterna. “Também aos gentios, Deus concedeu o arrependimento que
conduz à vida! (Atos 11,18); e todos os que eram destinados à vida eterna abraçaram a fé” (Atos
13,48).
- 73 -
Jesus, bem como elaborar uma catequese batismal juntamente com o rito litúrgico-
celebrativo207.
Portanto, houve um trabalho teológico a propósito do Batismo. Paulo já fala
do Batismo como tradição recebida (1Cor 1,11-17). Faltam-nos informações para o
período que separa o Batismo de João e os primeiros escritos do NT. “Ignora-se,
pois, quando os primeiros cristãos abandonaram a circuncisão, que já os meios
paulinos comparam antiteticamente ao Batismo (cf. Cl 2,11ss), e por que retomaram
o gesto batismal como rito de adjunção (Atos 2,41) a Cristo e a seu corpo”208.
Da origem do Batismo e no seu desenvolvimento na Igreja primitiva podemos
inferir que a deificação se realiza no encontro com Jesus Cristo, dele recebemos o
Evangelho, nele somos batizados.
207
Cf. NOCENT, A. Batismo. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 111.
208
DE CLERCK, P. Batismo. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 253.
- 75 -
nova identidade em Cristo. O batizado é aquele que inaugura uma nova relação com
Deus Trino, com a Igreja, com o mundo209, “deificado é uma Nova Criatura”.
O batizado é uma nova criatura, “pois se alguém está em Cristo é uma nova
criatura” (2Cor 5,17; Gl 6,15). Essa idéia supõe que Cristo, desde sua ressurreição e
exaltação, possui um corpo glorificado, um modo espiritual de ser, que possibilita
uma união extremamente íntima do batizado com ele. Assim, o batizado recebe em
Cristo uma nova existência, “cristificação”, que conduz à deificação. Não há mais
espaço para as discriminações entre sexos, povos e classes sociais. “Não há judeu
nem grego, não há escravo nem livre, não há nem homem nem mulher; pois todos
vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28; Cl 3,11). Essas expressões do Apóstolo
das gentes são profundas e complexas. Provavelmente elas repousam na base
teológica do paralelo entre Adão e Cristo210. Cristo dá início a uma humanidade
nova, remida em suas realizações. “Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que
adormeceram” (1Cor 15,20); “Ele é o Princípio, o Primogênito dos mortos (Cl 1,18);
primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8,29).
Trata-se de uma existência “escatológica”. Porquanto o batizado já participa
da vida ressuscitada de Cristo, pois “se há um corpo psíquico, há também um corpo
espiritual” (1Cor 15,44) e a vida divina que lhe foi conferida tende à ressurreição
corporal como último fim da salvação. “Porque se tornamos uma coisa só com ele,
por uma morte semelhante à sua, seremos uma coisa só com ele também, por uma
ressurreição semelhante à sua. Temos fé que também viveremos com ele” (Rm 6,
5.8; 8,11). Assim, é pelo Batismo que Cristo continua conquistando novos membros
e associando a si, pela cruz e morte e ressurreição.
Em Cristo todos participam de seu destino, unindo-se inteiramente a ele. Esta
realidade acontece, sacramentalmente, no Batismo, no qual são sepultados com ele
(Cf. Rm 6,4), pelo rito de submersão, no morrer eticamente para o pecado, no viver
para Deus. “Pois os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões
209
Cf. DE CLERCK. Batismo. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 257. “O batismo estabelece
uma relação a Deus pela mediação de uma Igreja, mas não exclui outras vias de salvação por Cristo,
pois ‘tudo foi criado por ele e para ele’ (Cl 1,16), e que ‘quer que todos os homens se salvem’ (1Tm
2,4). Porque se é justo dizer que o batismo na fé salva, é ainda mais exato afirmar que é Deus que
salva pelo batismo, ou por outras vias de sua misericórdia. Segundo a teologia clássica, a
necessidade do batismo é de preceito e não de meio, porque ‘Deus não prendeu sua potência aos
sacramentos’ (Tomás de Aquino, ST IIIa, q. 64. a. 7); ela se impõe a toda pessoa que percebe no
batismo a realização da aliança com Deus”. DE CLERCK. Batismo. In Dicionário Crítico de Teologia.
Op. cit. p. 258.
210
Cf. Rm 5,12-21; 1Cor 15,20-22.45-49.
- 76 -
e seus desejos” (Gl 5,24; Rm 6,4.6; Gl 6,14; Cl 3,5). Esta realidade sacramental
acontece, depois, no sofrer e morrer com Cristo diariamente, na força da esperança
da ressurreição. O batizado vive a mística do sofrimento211.
Três aspectos podem ser considerados para o começo da vida cristã do
batizado e suas conseqüências: Justificação pela fé, participação em Cristo, e o dom
do Espírito212. A palavra tradicional para exprimir esta realidade sacramental sempre
foi Batismo. Este sacramento sintetiza o evento pelo qual uma pessoa se inicia neste
processo de salvação: “a justificação é o efeito do Batismo; o meio de união com
Cristo é o Batismo; e o Espírito é mediado pelo Batismo ou conferido no Batismo”213.
Se tomarmos estas afirmações como o centro da teologia cristã, e, em particular, da
teologia paulina, podemos concordar que por ela descobrimos um verdadeiro edifício
construído sobre hinos, catequeses e liturgias batismais. “Toda a teologia de Paulo
pode, com razão, ser descrita como uma exposição sobre o Batismo”214. Neste
apóstolo o enfoque do Batismo se dá nestas duas frases equivalentes: batizados na
sua morte; sepultados com ele mediante o batismo na morte: batizado em nome de
Cristo, participa-se de Cristo pela fé215, iniciado no Espírito216.
O Apóstolo, contudo, aceita o Batismo como instituição indiscutível e lhe dá
posição sólida no corpo de sua teologia. A fé e o Batismo não se excluem. Pelo
contrário, postulam-se mutuamente. Sem a fé não há Batismo. Mas a fé não é
puramente exterior. Exige-se fé do coração do batizando. O Batismo é um ato
externo que comporta em si a profissão de fé. “Porque, se confessares com tua boca
que Jesus é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os
mortos, serás salvo” (Rm 10,9). Paulo interpreta o procedimento batismal, que era
211
E se somos filhos, somos também herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, pois
sofremos com ele para também com ele sermos glorificados (Rm 8,17); Incessantemente e por toda a
parte trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus, a fim de que a vida de Jesus seja também
manifestada em nosso corpo (2Cor 4,10); a participação nos seus sofrimentos (Fl 3,10); Se com ele
morremos, com ele viveremos. Se com ele sofremos, com ele reinaremos (2Tm 2,11s).
212
Cf. DUNN, J.D.G. A Teologia... Op. cit. p. 504. p. 504.
213
DUNN, J.D.G. A Teologia... Op. cit. p. 504.
214
DUNN, J.D.G. A Teologia... Op. cit. p. 505. Os escritos de Paulo serão também a fundamentação
teológica para toda sacramentologia. “Em quase todas as tradições históricas cristãs por sacramento
entende-se uma sutil inter-relação de espiritual e material. O sacramento não é meramente o ato
ritual. O sacramento propriamente dito é o ato interior e o ato exterior. Denota a realidade espiritual
simbolizada pelo ritual. E não só simbolizada [...] mas em certo sentido realizada no ato. É isso o
que significa o ‘batismo’”. DUNN, J.D.G. A Teologia... Op. cit. p. 506.
215
Cf. DUNN, J.D.G. A Teologia... Op. cit. p. 517.
216
“São três elementos que em Paulo caracterizam o Batismo: o Batismo em Cristo Jesus; o Batismo
no Espírito Santo; o Batismo como o que forma, constrói, o corpo do Cristo em que o batizado é
inserido”. NOCENT, A. Batismo. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 111.
- 77 -
217
Fui crucificado junto com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (Gl 2,19s);
pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre
os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova [...] se morremos com Cristo,
temos fé que também viveremos com ele (Rm 6,4-8); com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos
céus, em Cristo Jesus (Ef 2,6); fostes sepultados com ele no batismo, também com ele ressuscitastes
- 78 -
pela fé no poder de Deus... Ele vos vivificou juntamente com Cristo. Se, pois, ressuscitastes com
Cristo, procurai as coisas do Alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus (Cl 2,12s; 3,1).
218
Pois fomos todos batizados num só Espírito para ser um só corpo [...] e todos bebemos de um só
Espírito (1Cor 12,13); Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da
vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai
de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos (Ef 4,4-6).
- 79 -
219
Aquele que nos fortalece convosco em Cristo e nos dá a unção é Deus, o qual nos marcou com
um selo e colocou em nossos corações o penhor do Espírito (2Cor 1,22); fostes selados pelo Espírito
da promessa, o Espírito Santo (Ef 1,13); e não entristeçais o Espírito Santo de Deus, pelo qual fostes
selados para o dia da redenção (Ef 4,30). Que ele ilumine os olhos dos vossos corações (Ef 1,18); os
que uma vez foram iluminados – saborearam o dom celeste, receberam o Espírito Santo (Hb 6,4; Cf.
Hb 10,32).
220
Cf. NOCENT, A. Batismo. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 113.
- 80 -
221
Cf. OÑATIBIA, I. Batismo. Op. cit. p. 48-49.
- 81 -
222
O Batismo se impõe como prática em todas as Igrejas como sinal da agregação de novos
membros à Igreja. Parece que a prática do batismo na comunidade de Marcos e Mateus se originava
de uma ordem do Senhor. “Mt 28,19 é um testemunho de que nos anos 80-90, na Síria, encontrava-
se em uso a fórmula trinitária”. OÑATIBIA, I. Batismo. Op. cit. p. 52. Cf. DE CLERCK, P. Batismo. In
Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 253-254.
- 82 -
explicitou a graça do Batismo por muitos nomes e tipologias que nos mostra o
mistério da nossa salvação e deificação, como veremos a seguir.
223
“No batismo somos iluminados; iluminados, fomos adotados como filhos; adotados, tornamo-nos
perfeitos; tornados perfeitos, recebemos a imortalidade. Está escrito: ‘Eu disse: Vós sois deuses,
todos vós sois filhos do Altíssimo’ (Sl 82,6). Esta operação recebe nomes diversos: graça, iluminação,
perfeição, banho. Banho que nos purifica dos nossos pecados; graça que nos perdoa os castigos
devidos às nossas transgressões; iluminação que nos permite contemplar aquela santa luz de
salvação, quer dizer, que nos permite ver a Deus claramente; perfeição, porque não nos falta nada.
Com efeito, o que é que falta a quem conhece a Deus? Na verdade, seria absurdo chamar dom de
Deus a um dom incompleto”. CLEMENTE DE ALEXANDRIA. O Pedagogo. In Antologia Litúrgica. Op.
cit. p. 180. Estes nomes deveriam ser fonte de nossa catequese batismal.
224
Cf. CLEMENTE DE ALEXANDRIA. O Pedagogo. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 181.
225
GREGÓRIO DE NAZIANZO. Sermão 40. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 502.
- 83 -
226
“Chamamos-lhe dom, graça, batismo, unção, iluminação, veste de incorruptibilidade, banho do
novo nascimento, selo e tudo o que há de mais precioso. Dom, porque é conferido àqueles que não
trazem nada; graça, porque é dado mesmo aos culpados; batismo, porque o pecado é sepultado nas
águas; unção, porque é sagrado e régio, como aqueles que são ungidos; iluminação, porque é luz
brilhante; veste, porque cobre a nossa vergonha; banho, porque lava; selo, porque nos guarda e é
sinal de senhorio de Deus”. GREGÓRIO DE NAZIANZO. Sermão 40. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.
502.
227
EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiática. Livro VI. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 341.
228
“Nada impressiona tanto a inteligência humana como o contraste entre a simplicidade aparente
das obras divinas e a grandeza dos efeitos prometidos. É o caso aqui: [...] O homem desce à água, é
imerso nela enquanto se pronunciam algumas palavras, e sai da água pouco ou mesmo nada mais
limpo do que antes. Por isso se considera inacreditável que ele possa, deste modo, adquirir a
eternidade”. TERTULIANO. O Batismo 4. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 195.
229
A água e o Espírito. Vamos recordar rapidamente os acontecimentos da origem que nos fazem
conhecer o fundamento do batismo: o Espírito, que desde então prefigurava o batismo e que desde o
começo pairava sobre as águas, foi chamado a pairar sobre elas para as vivificar. O Espírito de
santidade pairava sobre a água santa, ou antes, a água recebia por empréstimo a santidade do
Espírito que pairava sobre ela [...] É deste modo que, por este Espírito de santidade, a água é
santificada na sua natureza e se torna por si mesma santificante [...] Todas as espécies de água, em
virtude da antiga prerrogativa da sua origem, participam, portanto, do mistério da nossa santificação,
pela invocação de Deus sobre elas. Feita a invocação, o Espírito vem logo do Céu e paira sobre as
águas, santifica-as pela sua presença e, assim santificadas, elas impregnam-se, por sua vez, do
poder de santificar. Em rigor poderia comparar-se o batismo a um ato banal: os pecados mancham-
nos, a água lava-nos [...] O espírito é lavado na água por intermédio do corpo, a carne é purificada
pelo espírito”. TERTULIANO. O Batismo 4. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 195.
230
TERTULIANO. O Batismo 4. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 195.
- 84 -
Cirilo de Jerusalém, além dos nomes que deu ao Batismo231, expõe também o
seu sentido teológico. Para ele o Batismo pode ser tomado como símbolo, imagem,
ou mesmo como expressão de realidades que significam uma concepção teológica,
além dos nomes recebidos na Tradição. Encontramos, em Cirilo de Jerusalém,
expressões já presentes no apóstolo Paulo: “Batismo [...] é o símbolo e a imagem
dos sofrimentos de Cristo”232. E, mais, pode significar uma realidade sacramental
que se dá somente pelo Batismo. Por isso, Cirilo de Jerusalém, valoriza a expressão
de Paulo “Se estamos integrados n’Ele por uma morte idêntica à sua, também o
estaremos pela sua ressurreição” (Rm 6,5). No dizer de Cirilo, “a expressão
integrados n’Ele”233, é muito feliz, provavelmente, porque ele descobriu nesta
expressão a realidade que acontece: a integração humana no ser divino, a nossa
configuração a Cristo. E João Crisóstomo sintetiza assim a questão dos nomes do
Batismo:
231
“Grande coisa é o batismo que vos propomos: Libertação para os cativos, perdão das ofensas,
morte do pecado, renascimento da alma, veste luminosa, selo santo e indelével, veículo para o Céu,
delícias do Paraíso, gosto antecipado do reino, graça da adoção... prepara o teu coração para
receber a doutrina e participar dos sagrados mistérios”. CIRILO DE JERUSALÉM. Catequese pré-
batismais. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 472.
232
CIRILO DE JERUSALÉM. Catequese pré-batismais. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 486
233
CIRILO DE JERUSALÉM. Catequese pré-batismais. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 487
234
JOÃO CRISÓSTOMO. Três catequeses batismais. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 607.
- 85 -
235
“No mar Vermelho há uma figura do batismo, como o diz o Apóstolo, nestes termos: Os nossos
pais foram todos batizados na nuvem e no mar”. (1Cor 10,2). AMBRÓSIO DE MILÃO. Os
Sacramentos. Livro I. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 521.
236
Cf. TERTULIANO. O Batismo. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 196s.
237
Cf. JOÃO CRISÓSTOMO. Catequese III. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 600.
238
Cf. ORÍGENES. Homilias sobre os números. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 257; cf. ORÍGENES.
Homilias sobre Josué. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p 259.
- 86 -
esta mesma tipologia referente à água também Ambrosio de Milão239. Ele descreve
uma nova criação, e compara à primeira, a partir do batistério, passando por todas
as figuras bíblicas do Batismo. E João Crisóstomo compara a piscina das águas
santas ao Paraíso240. “A piscina é preferível ao Paraíso: aqui não há serpente, mas
Cristo está ali e é Ele que te inicia em vista da regeneração pela água e pelo
Espírito”241. E João Crisóstomo continua com a figura da circuncisão:
239
“Naamã era um leproso [...] Naamã desceu ao Jordão, lavou-se e ficou limpo. Que significa isto?
Viste a água. Contudo, nem toda a água cura. Só cura a água que tem a graça de Cristo. Há uma
diferença entre o elemento e a santificação, entre o ato e a eficácia. O ato realiza-se com água, mas a
eficácia vem do Espírito Santo. A água não cura, se o Espírito Santo não descer e não consagrar esta
água”. AMBRÓSIO DE MILÃO. Os Sacramentos. Livro I. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 520s.
240
AMBRÓSIO DE MILÃO. Os Mistérios. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 530-531.
241
JOÃO CRISÓSTOMO. Catequese III. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 621.
242
JOÃO CRISÓSTOMO. Homilias sobre o Gêneses. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 621.
243
JUSTINO. Apologia I. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 143.
244
AGOSTINHO DE HIPONA. Tratados sobre o Evangelho de João. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.
787.
- 87 -
3. O Rito do Batismo
245
cf. RICA. 130-131. p. 47-48; 215. p. 96-97. Bênção do Óleo e Unção do catecúmeno. 1)
Bendito sejais vós, Senhor Deus, porque, no vosso imenso amor, criastes o mundo para nossa
habitação; 2) Bendito sejais vós, Senhor Deus, porque criastes a oliveira, cujos ramos anunciaram o
final do dilúvio e o surgimento de uma nova humanidade; 3) Bendito sejais vós, Senhor Deus, porque,
através do óleo, fruto da oliveira, fortaleceis vosso povo para o combate da fé. Ó Deus, proteção de
vosso povo, que fizestes do óleo, vossa criatura, um sinal de fortaleza: (se não bento, diz: abençoai +
este óleo e) concedei a estes catecúmenos a força, a sabedoria e as virtudes divinas, para que sigam
o caminho do evangelho de Jesus, tornem-se generosos no serviço do reino e, dignos da adoção
filial, alegrem-se por terem renascido e viverem em vossa Igreja. Unge cada catecúmeno, dizendo: O
Cristo Salvador lhes dê a sua força simbolizada por este óleo da salvação. Com ele os “ungimos no
mesmo Cristo”, Senhor nosso, que vive e reina para sempre. Amém. (RICA. 130, p. 47-48).
Deificação: por este rito invoca a força do Espírito do Cristo para o candidato ao Batismo ser
resistente contra o pecado.
246
TERTULIANO. O Batismo. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 200.
247
NOCENT, A. Batismo. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 113.
248
“Quanto ao batismo batizai assim: depois de ter ensinado tudo o que precede, batizai em nome do
Pai e do Filho e do Espírito Santo, em água corrente. Porém, se não tiveres água corrente, batiza
- 88 -
noutra água e, se não tiveres água fria, em água quente. Na falta de quantidade suficiente de uma e
de outra, derrama água três vezes sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Antes do batismo, observem um jejum: aquele que batiza, o que é batizado e outros que puderem.
Deves impor ao batizado um jejum prévio de um ou dois dias”. DIDAQUÉ ou DOUTRINA DOS DOZE
APÓSTOLOS. Instrução do Senhor aos gentios. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 93.
249
Cf. NOCENT, A. Batismo. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 114.
250
HERMAS. O Pastor. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 128.
251
Cf. JUSTINO. Apologia I. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 139.
252
Cf. JUSTINO. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.139-140. Cf. DE CLERCK, P. Batismo. In Dicionário
Crítico de Teologia. Op. cit. p. 254.
253
IRINEU DE LIÃO. Demonstração da pregação apostólica 7. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.174.
- 89 -
255
Oração de exorcismo: “Deus todo-poderoso e eterno, que nos prometestes o Espírito Santo por
meio do vosso Filho Unigênito, atendei a oração que vos dirigimos por estes catecúmenos que em
vós confiam. Afastai deles todo o espírito do mal, todo o erro e todo o pecado, para que possam
tornar-se templos do Espírito Santo. Fazei que a palavra que procede da nossa fé não seja dita em
vão, mas confirmai-a com aquele poder e graça com que o vosso Filho Unigênito libertou do mal este
mundo. Deificação: a deificação humana se dá pela abertura da pessoa ao Espírito Santo, prometido
pelo Pai, por meio de Cristo. Uma vez acolhendo o Espírito nos tornamos o templo de sua habitação,
pela graça de Deus. A deificação é, portanto, tornar-se templo da Palavra, do Espírito e da Graça de
Deus. Outras orações de exorcismos podem ser usadas nas celebrações” (RICA. 113. p. 46; para
outras orações de exorcismos, cf. RICA. 373. p.180-183).
256
“E, para te ensinar, por este meio, que o Pai e o Filho e o Espírito Santo são uma substância
única, eis como é dado o batismo. Quando o sacerdote pronuncia sobre os candidatos: N. é batizado
em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, por três vezes lhe mergulha a cabeça na água e lha
levanta, dispondo o batizado, por meio deste rito misterioso, para receber a visita do Espírito Santo.
Pois, não é apenas o sacerdote que lhe toca na cabeça, mas também a direita de Cristo. Isto mesmo
ressalta das próprias palavras do oficiante, pois este não diz: Eu batizo N., mas: N. é batizado,
mostrando ser apenas o ministro da graça e que mais não faz do que emprestar a mão, pois para
esta função foi ordenado pelo Espírito Santo. Quem realiza tudo é o Pai e o Filho e o Espírito Santo, a
indivisível Trindade. É, pois, esta fé na Trindade que nos merece a graça da remissão dos pecados, e
é esta confissão que nos confere a adoção filial”. JOÃO CRISÓSTOMO. Catequese II, 26. In
Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 597.
- 91 -
257
Oração de bênção sobre a água da fonte. Nos momentos previstos o povo aclama: Fontes do
Senhor, bendizei o Senhor. 1) Ó Deus, pelos sinais visíveis dos sacramentos realizais maravilhas
invisíveis. Ao longo da história da salvação, vós vos servistes da água para fazer-nos conhecer a
graça do Batismo. Já na origem do mundo vosso espírito pairava sobre as águas para que elas
concebessem a força de santificar; 2) Nas próprias águas do dilúvio, prefigurastes o nascimento da
nova humanidade, de modo que a mesma água sepultasse os vícios e fizesse nascer a santidade.
Concedestes aos filhos de Abraão atravessar o mar Vermelho a pé enxuto para que, livres da
escravidão, prefigurassem o povo nascido na água do Batismo; 3) Vosso Filho, ao ser batizado nas
águas do Jordão, foi ungido pelo Espírito Santo. Pendente da cruz, do seu coração aberto pela lança,
fez correr sangue e água. Após sua ressurreição, ordenou aos apóstolos: “Ide, fazei meus discípulos
todos os povos, e batizai-os em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo; 4) Olhai agora, ó Pai, a
vossa Igreja, e fazei brotar para ela a água do Batismo. Que o Espírito Santo dê por esta água a
graça de Cristo, a fim de que homem e mulher, criados à vossa imagem, sejam lavados da antiga
culpa pelo Batismo e renasçam pela água e pelo Espírito Santo para uma vida nova; (mergulha o círio
pascal na água por uma ou três vezes. Este é um momento epiclético por excelência, no qual a água
torna elemento-símbolo sacramental com força de regeneração). 5) Nós vos pedimos, ó Pai, que por
vosso Filho desça sobre esta água a força do Espírito Santo. (E mantendo o círio na água, continua:)
E todos os que, pelo Batismo, forem sepultados na morte com Cristo, ressuscitem com ele para a
vida. Por Cristo, nosso Senhor. Todos: Amém. (RICA. 215. p. 96-98). O povo aclama: Fontes do
Senhor, bendizei o Senhor! Louvai-o e exaltai-o para sempre! Deificação: a bênção da fonte batismal
expressa que acontecerá na vida do candidato um rito de passagem da morte para a vida: a
deificação sacramental, restaurando a criação original. Nesta oração encontramos implicada as
Alianças de Deus do AT e do NT.
258
JOÃO CRISÓSTOMO. Homilias sobre a primeira Carta aos Coríntios. In Antologia Litúrgica. Op.
cit. p. 629s.
259
AMBRÓSIO DE MILÃO. Os Sacramentos. Livro II. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.522.
- 92 -
“Ao dizer: em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo [...] é como se dissesse:
Nós somos batizados invocando o Pai e o Filho e o Espírito Santo; [...] Se então
pudesses falar, dirias: Amém”260.
Pelo banho batismal se dá, sacramentalmente, o novo (segundo) nascimento
do Espírito Santo na vida do batizado: mergulhado com Cristo na morte, para com
Ele ressuscitar para a vida deificada. A bênção da fonte batismal expressa que
acontecerá na vida do candidato um rito de passagem da morte para a vida: a
deificação sacramental, restaurando a criação original.
Junto ao rito do Batismo, o gesto da imersão com a proclamação da fórmula
trinitária, vão surgindo também, em alguns lugares, ritos como a Signação e a
Imposição das Mãos. Eles têm um núcleo diferenciado do Batismo, mas
estreitamente relacionados com ele. Na Tradição Apostólica de Hipólito de Roma261,
já menciona, também, as duas unções: com Óleo do Exorcismo, antes da imersão, e
o Óleo da Ação de Graças, depois da imersão, presentes também em nosso ritual de
iniciação cristã, como veremos.
Nas Constituições Apostólicas encontramos um rito batismal bem ordenado e
descritivo no qual podemos verificar com clareza uma teologia litúrgica bem definida
da celebração. Como se fala de uma preparação imediata para o batismo é de se
supor que toda a preparação se dava num certo ritual celebrativo262. No texto fica
também clara a participação dos vários ministérios e serviços de quem preside o rito
da celebração263. A descrição deste rito mostra a unidade celebrativa do sacramento
do batismo e do crisma264.
Nos escritos, Testemunho do Senhor265, encontramos uma ampliação das
Constituições Apostólicas. O rito batismal vai recebendo uma lógica celebrativa e
teológica: Renúncia; Profissão de Fé; Batismo; Unção; Comunhão, constituindo uma
260
TEODORO DE MOPSUÉSTIA. Homilias catequéticas. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 677.
261
Entre os anos 215-225, quando escreve esta Tradição encontramos estes ritos de grande
influencia na Igreja de Roma. Cf. HIPÓLITO DE ROMA. Os Sacramentos da Iniciação Cristã. In
Tradição Apostólica. 21. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 236.
262
Como se pode verificar nas CONSTITUIÇÕES APOSTÓLICAS. Livro VII, Iniciação Cristã, 39-49.
In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 420-424.
263
Cf. CONSTITUIÇÕES APOSTÓLICAS. Livro III. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 412s.
264
“Primeiro ungirás com o óleo santo, em seguida batizarás com água e em último lugar porás o selo
com o Miron, para que a unção comunique o Espírito, a água seja símbolo da morte e o Miron selo
das alianças. Se não houver o óleo nem Miron, basta a água para a unção”. CONSTITUIÇÕES
APOSTÓLICAS. Livro Livro VII. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 416.
265
TESTAMENTUM DOMINI. Documento sírio do séc. V, adaptação e amplificação da Tradição
Apostólica de Hipólito, em língua siríaca traduzida do grego, artificiosamente atribuída aos Apóstolos.
Cf. O Livro II, 8. Trata do batismo. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 1079, cf. nota de rodapé.
- 93 -
266
Cf.TESTEMUNHO DO SENHOR. Liturgia da Iniciação. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 1085.
267
Entre os ritos complementares merece atenção o rito da Veste batismal por sua relação clara com
a deificação do batizado. Assim reza o rito: você nasceu de novo e se revestiu de Cristo. Receba,
portanto, a veste batismal, que deve levar sem mancha até a vida eterna, conservando a dignidade
de filho e filha de Deus. Batizado: Amém. (RICA. 225. p. 100).
268
“A atitude que tomarás, de pé, imediatamente após o batismo, diante do grande altar, é uma
prefiguração da glória do Céu; o canto dos salmos com que será acolhido é o prelúdio do canto dos
hinos do Céu; os círios que segurarás na mão evocam o cortejo de luz do Céu, com o qual iremos ao
encontro do Esposo. Com as lâmpadas da fé acesas. Possamos nós também participar nele, nós que
vos damos este ensino e vós que o recebeis, no próprio Cristo nosso Senhor, a quem pertence à
glória pelos séculos. Amém”. GREGÓRIO DE NAZIANZO. Sermão 40. In Antologia Litúrgica. Op. cit.
p. 504.
- 94 -
Por isso somos deificados já num corpo carnal. É nesta condição que
celebramos o mistério do Batismo. Contra toda mentalidade de separação entre
alma e corpo, nos cristãos, somos convidados a expressar o mistério da deificação
que se dá na plena comunhão da pessoa em sua inteireza.
269
ILDEFONSO DE TOLEDO. O conhecimento do batismo. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.1350.
270
Cf. TERTULIANO. O batismo. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 197.
271
AGOSTINHO DE HIPONA. Tratados sobre o Evangelho de João. In Antologia Litúrgica. Op. cit.
p.788.
272
TERTULIANO. A ressurreição dos mortos. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.220.
- 95 -
273
Se hoje somos convidados a aprofundar em conhecimento e vivência do rito e a importância da
ritualidade litúrgica é porque estamos distantes da vivência (da vida) do mistério. Cf. COSTA, V. S.
Viver a ritualidade litúrgica como momento histórico da salvação. São Paulo: Paulinas, 2005. p.11 e
71.
274
Cf. RITO DO BATISMO SACRAMENTÁRIO GELASIANO ANTIGO. In Antologia Litúrgica. Op. cit.
p.1333ss.
275
SACRAMENTÁRIO GREGORIANO HADRIANO. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.1362. (Adriano I,
foi papa entre os anos de 772-795).
276
PSEUDO-DIONÍSIO AREOPAGITA. A hierarquia eclesiástica. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.
1086.
277
JOÃO CRISÓSTOMO. Catequese II. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 597. A oração de Serapião,
depois do Batismo, é de bom gosto e plena de sentido sacramental. Prima pela beleza, concisão,
simplicidade, nobreza e riqueza teológica: “Deus, Deus da verdade, Criador do universo, Senhor de
toda a criatura, enche este teu servo da tua benção, guarda-o puro no seu novo nascimento e fá-lo
participar nas virtudes angélicas, para que, doravante, nunca mais seja carne, mas espírito, ele que
participou na tua graça divina e benéfica”. SERAPIÃO DE THEMUIS. Iniciação cristã. In Antologia
Litúrgica. Op. cit. p.377.
- 96 -
Se fosse possível celebrar sem rito278 tornaria disperso o seu conteúdo. Eis
uma das razões porque desde os tempos dos Apóstolos e depois dos Padres a
Igreja irá elaborar os ritos que celebram a nossa fé. Eles souberam interpretar a
novidade do Evento salvífico de Cristo (na Tradição das Escrituras) e, aos poucos,
foram “moldando”, por assim dizer, o conteúdo teológico e adequando-o, através da
ritualidade, de maneira a tornar possível, antropologicamente, a celebração litúrgica,
ritual, dos sacramentos. E se hoje temos a liturgia dos sacramentos toda ritualizada
como patrimônio, e riqueza celebrativa, demos graças a Deus pelos nossos
antepassados e façamos bom proveito.
278
“Na verdade, quem conduz a celebração é o rito que, como binário de um trem, estabelece a rota,
não permitindo o desvio. O rito pelo rito não tem vida, mas a vida necessita do rito para sobreviver”.
COSTA, V. S. Viver a ritualidade litúrgica como momento histórico da salvação. Op. cit. p. 52.
279
PEREGRINAÇÃO DE ETÉRIA: Liturgia e catequese em Jerusalém no século IV. 2ªed. Petrópolis:
Vozes, 2004.
- 97 -
288
Cf. TERTULIANO. O Batismo 19. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 200.
289
Agostinho. Sermão 260. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 947.
290
Cf. Agostinho. Sermão 260. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 947.
291
“[...] prescrevemos pelo presente mandato que todos, fazendo marcha atrás nos seus erros ou na
sua ignorância, se apresentem à igreja no primeiro dia da Quaresma com os seus filhos, para que
estes, depois de receberem a imposição da mão nos dias fixados e de terem sido ungidos com o óleo
santo, participem na solenidade do dia legítimo e sejam regenerados pelo santo batismo, que lhes
permitirá, se a vida os ajudar, exercer as funções sacerdotais e participar na solenidade de cada uma
das celebrações”. II Concílio de Mâcon (585). In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 1253.
292
No tempo pascal seja dada a devida atenção aos neófitos, juntamente com seus padrinhos.
Colocados em lugar especial e sejam lembrados na homilia e preces. Para encerrar o tempo da
mistagogia, realiza-se uma celebração ao seu termino do tempo pascal. Sejam envolvidos no
aniversário de seu Batismo. E o Bispo cuide de celebrar a Eucaristia, ao menos uma vez por ano,
com os neófitos e todos comunguem das duas espécies. Seja o Tempo da Mistagogia marcado pela
vivência da graça sacramental recebida nos sacramentos de iniciação. A participação da celebração
da Eucaristia será o ponto alto na qual os neófitos possam saborear em antecipação do Banquete
Celeste numa vida deificada. O Tempo da Mistagogia nos mostra a intenção da Igreja em levar os
batizados à celebração dos mistérios, pois não basta ser batizado, apenas, mas celebrante da
Eucaristia, numa vida espiritual de oração e caridade.
293
O Evangelho de Filipe deve ter tido a mesma procedência e conteúdo ao do Evangelho de
Matias. A sua data deve fixar-se nos últimos anos do século II. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.166.
Nota de rodapé.
294
EVANGELHO APÓCRIFO DE FILIPE. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.166.
295
Cf. Is 45,2-3; 33,16-18.
- 99 -
Felizes aqueles que, tendo posto na cruz a sua esperança, desceram à água” 296. O
mistério do Batismo terá por fundamento as Escrituras que serviram para os Padres
explicitar a teologia batismal. O mistério do Batismo, contudo, se fundamenta na
relação entre Adão e Cristo: relação da figura humana de vida, pecado, morte e
figura humano-divina de vida, graça, ressurreição297. Grande mistério também é a
relação entre Cristo e a Igreja da qual nasce o povo cristão, mistério da nossa
deificação.
Ambrósio, expondo sobre o mistério do sacramento do Batismo298, dirá que
somos mergulhados na fonte para dela recebermos, de volta, os benefícios do
Paraíso que perdemos pelo pecado. E, João Crisóstomo, descreve os bens que o
batizado recebe pelo mistério deste sacramento como realidade existencial:
iniciando-se na participação da santidade, termina como instrumento do Espírito. A
deificação consiste, portanto, em recuperar o Paraíso, participar da santidade de
Deus por herança, ser templo do Espírito e seu instrumento no mundo.
296
ESPÍSTOLA DE BARNABÉ. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 120.
297
Cf. PACIANO DE BARCELONA. Sermão sobre o Batismo. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 512.
298
“O que é o batismo? No princípio, o Senhor nosso Deus fez o homem imortal, com a condição de
ele não cometer o pecado. O homem cometeu o pecado, tornou-se sujeito à morte, foi expulso do
Paraíso. Mas o Senhor, que queria fazer durar os seus benefícios, destruir todas as artimanhas da
serpente e eliminar tudo o que ela estragara, lavrou em primeiro lugar uma serpente contra o homem:
Tu és pó e ao pó voltarás, tornando o homem sujeito à morte. Era uma sentença divina, que não
podia ser anulada pela humanidade [...] Escuta. Para destruir neste mundo o laço do Diabo,
encontrou-se o meio de fazer morrer o homem enquanto vive e de o fazer ressuscitar enquanto vive
[...] Enquanto vive a vida do seu corpo, virá à fonte e será mergulhado na fonte. Donde vem a água
senão da terra? [...] Deste modo a fonte é como se fosse uma sepultura”. AMBRÓSIO DE MILÃO. Os
Sacramentos. Livro II. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 522.
299
JOÃO CRISÓSTOMO. Oito catequeses batismais. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 598.
- 100 -
sublimes”300. Cirilo de Jerusalém, por sua vez, apoiando-se sobre o apóstolo Paulo,
irá expor acerca do mistério do Batismo pelo qual o batizado é inteiramente
integrado a Cristo numa verdadeira fusão de natureza. A natureza humana é
plenamente divinizada pela natureza do Filho de Deus, plenamente deificada pela
incorporação.
300
ORÍGENES. Homilias sobre Josué. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 264.
301
CIRILO DE JERUSALÉM. Segunda catequese mistagógica. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 487.
302
JOÃO CRISÓSTOMO. Catequese II. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 595.
303
“É dupla, com efeito, a finalidade do batismo: abolir o corpo do pecado, para que nunca mais
produza frutos de morte, e vivificá-lo pelo Espírito, para que dê frutos de santidade. [...] Por ele se nos
dá a confiança de chamar a Deus nosso Pai, de participar na graça de Cristo, de sermos chamados
filhos da luz, de tomar parte na glória eterna, numa palavra, de receber a plenitude de todas as
bênçãos, tanto na vida presente como na vida futura, e de poder contemplar, como num espelho,
como se já estivessem presentes, os bens que em promessa nos estão destinados e que pela fé
esperamos vir a usufruir. Ora, se tais são as arras, qual não será a realidade perfeita? E, se tão
grandes são as primícias, qual não será a plenitude final?”. BASÍLIO DE CESAREIA. O Espírito
Santo. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 400s.
304
TEODORO DE MOPSUÉTIA. Homilias catequéticas. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 676.
- 101 -
305
Cf. TEODORETO DE CIRO. Heresias comparadas. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 1052s.
306
Cristos sentido genérico de pessoa ungida.
307
Cf. CIRILO DE JERUSALÉM. Terceira Catequese Mistagógica. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.
487.
308
“Uma vez que nos é dada uma tal fonte, um manancial de vida tão abundante, uma vez que a
nossa mesa está repleta de bens inumeráveis e nos inunda com os seus dons espirituais,
aproximemo-nos de coração sincero e consciência pura, para obtermos a graça e a misericórdia no
tempo oportuno. Pela graça e misericórdia do Filho unigênito, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo,
pelo qual seja dada ao Pai e ao Espírito Santo, fonte de vida, a glória, a honra e o poder, agora e
para sempre e pelos séculos dos séculos. Amém.”. JOÃO CRISÓSTOMO. Catequese III. In Antologia
Litúrgica. Op. cit. p. 600.
309
“[...] os hábitos viciosos dos adultos, sejam eles quais forem, não lhes tiram a condição de
homens, mas neles permanece a obra boa de Deus, por maiores que sejam as obras más dos ímpios
[...] Deus condena o homem pelo vício, pelo qual a natureza foi degradada, não pela natureza, que
não foi destruída pelo vício”. AGOSTINHO DE HIPONA. A graça de Cristo e o pecado original. In
Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 783.
310
“Agora, com efeito, o Senhor lava os pés dos seus servos, daqueles que Ele convida para a graça
do batismo salvador [...] Nós realizamos o ofício, mas é Ele que concede o benefício. O ofício
pertence-nos a nós, a ordem vem d’Ele. A graça vem d’Ele, apesar de sermos nós que realizamos o
serviço. Nós lavamos os pés dos corpos, Ele lava os pés da alma; nós mergulhamos o corpo na
água, Ele perdoa os pecados; nós batizamos, Ele santifica”. CROMÁCIO DE AQUILEIA. Sermão 15.
In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 588.
311
“O Senhor fala de um único batismo que, depois de o homem entrar na fonte eterna e receber o
sacramento da bebida celeste, não deixa que nenhum de nós tenha sede [...]”. CESÁRIO DE ARLES.
Sermão 170. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 1203.
- 102 -
312
“Qualquer sacramento é a indicação, em sinais e símbolos, de coisas invisíveis e inefáveis... Se se
tratasse apenas de realidade materiais, seria supérfluo explicá-las, pois os olhos bastariam para nos
mostrar o que cada uma delas é. Mas, uma vez que no sacramento nós temos os sinais daquilo que
ainda terá lugar ou já o teve antecipadamente, é preciso explicar o sentido dos sinais e dos mistérios”.
TEODORO DE MOPSUÉTIA. Homilias catequéticas. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 671.
313
AGOSTINHO DE HIPONA. Sermão 136. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 877.
314
Cf. TERTULIANO. O Batismo. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.198.
315
“É difícil dizer qual é o valor e qual é o fruto da santificação do sacramento, quando ele é aplicado
corporalmente ao homem [...] Se o sacramento não tivesse um grande valor, o Senhor não o teria
recebido do seu servo. Mas é preciso considerá-lo em si mesmo, independentemente da salvação
que ele tem por finalidade dar ao homem”. AGOSTINHO DE HIPONA. O Batismo. In Antologia
Litúrgica. Op. cit. p. 703.
316
Não entramos aqui na questão de batismo de criança, por não ser nosso objetivo primeiro.
317
AGOSTINHO DE HIPONA. O perdão dos pecadores e o batismo das crianças. In Antologia
Litúrgica. Op. cit. p. 740.
318
“Que sacramento tão santo! Não fica profanado, ainda que o administre um homicida!”
AGOSTINHO DE HIPONA. Tratados sobre o Evangelho de João. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.
785.
- 103 -
325
AGOSTINHO DE HIPONA. Sermão 121. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 866.
326
AGOSTINHO DE HIPONA. Sermão 57. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 866.
- 105 -
327
Cf. ROCCHETTA, C. Os Sacramentos da Fé: ensaio de teologia bíblica sobre os sacramentos
como “maravilhas da salvação” no tempo da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1991. p. 291.
328
PSEUDO-DIONÍSIO AREOPAGITA. A hierarquia eclesiástica. In Antologia Litúrgica... Op. cit. p.
1087.
329
PAULO VI. Missal Romano (MR). 4ªed. São Paulo: Paulus, 1992.
330
Cf. ROCCHETTA, C. Os Sacramentos da Fé... Op. cit. p. 291.
331
“Trata-se de realidades como a ceia sagrada, o memorial, o sacrifício, a páscoa, as bênçãos e
ações de graças, a aliança, o sacrifício de Isaac, a festa, a figura do servo de Javé [...]. Para entender
como Cristo Jesus, com seu sacrifício pascal, sela a nova aliança de Deus com a humanidade, e
como encarrega os seus de celebrar uma memorial dessa aliança, teríamos que estudar, antes de
tudo, essas realidades prévias, que tinham ressonâncias bem concretas para os contemporâneos de
Jesus, ressonâncias que tentaremos conhecer”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Petrópolis: Vozes.
2002. p. 34. Numa compreensão que busque o sentido e os fundamentos do conceito de aliança
poderíamos entender que Jesus não inaugura uma “Nova Aliança”, pois Deus sendo fiel não mudaria
a Aliança, mas Jesus inaugura sim uma nova forma e um novo sentido, sacramental, de Celebração
da Aliança Eterna de Deus com a humanidade. Isto é muito profundo e importante porque se trata da
- 106 -
1. A Páscoa
Aliança irrevogável de Deus com a humanidade expressada, em Jesus Cristo, em plenitude. Nova é
a expressão que não haverá mais necessidade de outra expressão. Novo é o simbolismo que Jesus
sintetizou de uma vez por todas com a entrega de seu corpo e sangue dado em refeição eucarística.
Pelo novo rito Jesus celebrou a plenitude da Aliança Eterna que deifica a humanidade.
332
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 35.
333
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 36. Para que haja de fato uma revalorização dos sinais do
pão e do vinho, dever-se-ia revalorizar a categoria “refeição”: o comer juntos na celebração.
334
Cf. MARSILI, S. A Eucaristia: teologia e história da celebração. In Anámneses. III. 2ed. São Paulo:
Paulus, 1987. p. 146.
- 107 -
335
“A palavra “páscoa”, em grego pascha, vem do hebraico pesah que parece significar “coxear,
saltar, passar em cima”; talvez uma alusão a algum salto ritual e festivo dos povos mais primitivos,
mas que bem cedo, com a transformação que a festa sofreu em Israel – do agrícola e cósmico ao
histórico e salvífico -, passou a referir-se ao fato de que o Senhor ‘passou de largo’ pelas portas dos
israelitas no último castigo infligido aos egípcios (a décima praga), e mais tarde passou a referir-se à
passagem do Mar Vermelho e à travessia da escravidão à liberdade”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia.
Op. cit. 46.
336
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 45.
337
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 46.
338
A Páscoa pode ser tomada também como chave de leituras e interpretação de todas as Escrituras.
Para o AT temos a Páscoa judaica e para o NT a Páscoa de Cristo.
339
MARSILI, S. A Eucaristia... In Anámneses. III. Op. cit. p.138.
340
“Como se pode dizer de Jesus de Nazaré que ele é a Palavra de Deus feita carne, da sua
humanidade se poderia dizer que é o homem vindo a pronunciar a perfeita ‘bênção’, aquela na qual
todo o humano se oferece a Deus que fala, com uma resposta perfeita. A Palavra divina encontra na
vida humana de Jesus a sua perfeita realização criadora e salvadora. A perfeita benção, que Jesus
pronunciará, se cumpre no ato supremo da sua existência, a cruz”. NICOLAS, J-H. Sintesi Dogmatica:
Dalla Trinità allaTrinità. V. II. La Chiesa e i Sacramenti. Città Del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana,
1992. p.309.
- 108 -
cumpre todas as bênçãos do AT: “cumprimento da salvação operada por Deus (com
a morte e ressurreição de Jesus) e, ao mesmo tempo, resposta perfeita do homem
ao dom de Deus”341.
A Páscoa cristã, entretanto, não seguiu um ritmo anual como a páscoa
judaica, mas semanal: o Domingo, o dia do Kyrios glorioso. Aqui, aparece uma
novidade que se acrescenta à Tradição. Embora os cristãos ainda continuem
freqüentando o templo e a sinagoga eles começam também a se reunir em casas
particulares, ainda que eles estejam no ambiente judaico, no qual se deve buscar o
conceito de sacramento memorial e não em outros ambientes culturais342, os
cristãos descobrem uma nova razão para celebrar a páscoa.
341
NICOLAS, J-H. Sintesi Dogmatica... Op. cit. p. 309.
342
“A liturgia cristã tomou deste universo mais elementos do que se possa imaginar, e que somente
uma ignorância obstinada pode esconder. Quando se pensa no enorme esforço de Odo Casel em
procurar os antecedentes do mistério do culto cristão nos ritos pagãos mais incompatíveis, e o pouco
interesse que ele demonstrou para com os antecedentes judaicos menos contestáveis, a gente se
pergunta como foi possível, que uma pessoa de espírito tão aberto, tenha sido pouco acessível a
certas evidências”. DI SANTE. Liturgia Judaica... Op. cit. p. 248.
343
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 29.
344
Os cristãos serão deificados pelos Sacramentos. Cf. MARSILI, S. A Eucaristia... In Anámneses.
III. Op. cit. p.138.
345
PAULO VI. Missal Romano (MR.). 4ªed. São Paulo: Paulus, 1992.
- 109 -
346
ROCCHETTA, C. Os Sacramentos da Fé... Op. cit. p. 293.
347
“O problema é que nem todo este desenvolvimento é igualmente antigo. Há dúvida se alguns de
seus elementos pertenciam à ceia pascal no tempo de Cristo ou se foram acrescentados depois. Os
documentos sobre a ceia e sua estrutura atual são todos posteriores a Cristo. A fonte de nosso
conhecimento é o tratado Pesahim da Michiná. Ultimante, Manns mostra como a haggadah [...] não
reflete o que se dizia no tempo de Cristo, mas são textos posteriores. Mais ainda: o autor vê em
muitos destes textos a influência de um espírito claramente anti-cristão. Parece que aquelas
orientações que os cristãos haviam assumido e aplicado a Jesus como Messias, embora fossem bem
tradicionais entre os judeus, são ignoradas voluntariamente, para que não haja confusão”.
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 48-49.
348
A Birkat ha-mazon pode ser uma referência para a estrutura do ritual da Eucaristia. Cf. DI
SANTE, C. Liturgia Judaica: fontes, estrutura, orações e festas. São Paulo: Paulus, 2004. p. 159-168.
349
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 51-52.
350
Este fato histórico será “celebrado e ritualizado” pelo Povo Judeu. A palavra “Páscoa” vai assumir
duas dimensões de um único evento: o fato histórico libertador e a celebração ritual do mesmo fato,
enquanto memória da ação de Deus. Cf. MARSILI, S. A Eucaristia... In Anámneses. III. Op. cit. p.139.
É celebrado com o sacrifício do cordeiro e uso dos ázimos para perpetuar a recordação da libertação
como um “monumento”. (cf. Ex 12-13). Encontramos, portanto, duas categorias fundamentais desta
- 110 -
354
“Depois que a carne foi deificada (pela encarnação de Jesus) e a natureza humana teve por
hipóstase o mesmo Deus, o muro (a separação) torna Miron (que é a comunhão do Espírito) e aquela
dessemelhança não teve mais lugar, porque uma só hipóstase é Deus e ele assume o homem,
eliminando assim a distância entre a divindade e a humanidade com o ser, fim comum de uma e de
outra natureza [...]. Deificada a nossa natureza no corpo salvífico, não se tem mais nenhuma divisão
entre Deus e o gênero humano, porque de agora em diante não se tem mais para nós nenhum
impedimento de participar às suas graças, exceto o pecado”. CABASILAS, N. La Vita in Cristo. 4ªed.
Roma: Città Nuova, 2005. p. 168.
355
Oso. Oração sobre as oferendas.
356
Odd. Oração do dia.
357
“Não se trata da ordem da natureza, mas da excelência da graça. Aliás, mesmo no que diz
respeito à geração, nem sempre se observa a ordem da natureza. Confessamos que Cristo Senhor
- 112 -
foi gerado pela Virgem e, com isso, negamos a ordem natural, pois Maria não concebeu de um
homem, mas recebeu (o Verbo) em seu seio, por força do Espírito Santo, como diz Mateus:
Encontrou-se grávida por virtude do Espírito Santo (Mt, 1,18). Portanto, se o Espírito Santo, descendo
sobre a Virgem, realizou a concepção e a obra da geração, não se pode duvidar de que, descendo
sobre a fonte, ou seja, sobre os que recebem o batismo, realize na verdade a sua consagração”.
AMBRÓSIO DE MILÃO. Os Mistérios. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 538.
358
“A festa de hoje renova para nós o sagrado início da vida de Jesus, nascido da Virgem Maria. E
enquanto adoramos o nascimento do nosso Salvador, celebramos realmente também o nosso
nascimento. Efetivamente, a geração de Cristo é a origem do povo cristão; o natal da Cabeça é
também o natal do Corpo”. PAPA LEÃO MAGNO. Sermões para o Natal. 5. In Antologia Litúrgica...
Op. cit. p. 1022.
359
OE. Oração Eucarística.
- 113 -
2. A Aliança
360
ROCCHETTA, C. Os Sacramentos da Fé... Op. cit. p. 295.
- 114 -
Possuímos três tipos de textos364 referentes à Aliança que Deus faz conosco
em seu Filho Jesus e que proclamamos na celebração da Eucaristia: a) As
narrativas365 da instituição366 da Eucaristia: Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,15-20;
361
Pois nossa Páscoa, Cristo, foi imolada (1Cor 5,7). Cristo, enquanto cordeiro imolado, cumpriu
todas as Escrituras (cf. 24, 44-46). No Ap 15,3 temos a visão pascal de Cristo-cordeiro, situando-a
diretamente no fundo dos acontecimentos da libertação do Êxodo (Ex 15,1-21), no qual se canta o
cântico de Moisés e o cântico do Cordeiro. Cf. MARSILI, S. A Eucaristia... In Anámneses. III. Op. cit.
p. 150.
362
MARSILI, S. A Eucaristia... In Anámneses. III. Op. cit. p. 150.
363
“Todo o cenário entende-se no marco de uma relação interpessoal entre Cristo e os discípulos, e
em seu gesto de doação e participação: Jesus antecipa e oferece-lhes a comunhão em sua nova
aliança da cruz através da Eucaristia, pensando também no futuro. A morte não vai romper os laços
de comunhão: ao contrário, tornará possível uma comunhão mais profunda e universal pela nova
presença de Cristo e a atualidade perene do acontecimento da cruz para a comunidade escatológica,
à qual Cristo promete a doação de si mesmo por meio dos gestos eucarísticos. Cada Eucaristia nos
tornará partícipes dos bens escatológicos do Reino”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 83.
364
Não é nossa preocupação, embora seja importante, entrar em análise exegética comparativa dos
relatos da instituição da Eucaristia. Basta constatarmos, aqui, a sua importância, no contexto litúrgico.
365
“É dado universalmente conhecido e aceito que a nossa Eucaristia tenha o seu início e que
encontre as suas linhas essenciais no gesto que Jesus fez na última ceia com os seus discípulos e a
respeito do qual nos chegaram quatro narrações diferentes, que se situam em duas linhas paralelas:
Marcos-Mateus e Paulo-Lucas”. VISENTIN, P. Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p.395.
Importante para a compreensão teológica da Eucaristia é o capítulo sétimo: A eucaristia, memorial da
morte de Cristo, de MARSILI, S. A Eucaristia... In Anámneses. III. Op. cit. p. 159-202.
366
“Tendo declarado que desejara ardentemente comer a páscoa, como sua, pois é indigno que Deus
desejasse algo alheio, tendo tomado o pão e distribuindo-o aos seus discípulos, fê-lo seu Corpo
- 115 -
dizendo: Este é o meu Corpo, quer dizer, ‘figura do meu Corpo’. Mas não seria figura, se não fosse
Corpo verdadeiro [...]”. TERTULIANO. Contra Marcião. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p.217.
367
Não sejamos ingênuos de não considerar outras preocupações do NT, como cristológica,
eclesiológica, missionária, o que tentamos afirmar é que foi o evento marcante da Morte e
Ressurreição de Jesus, celebrado sempre a partir de sua origem e instituição que está na base das
Escrituras do NT.
368
STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 140.
- 116 -
Dos relatos documentados por Lucas nos Atos dos Apóstolos sobre as
refeições das comunidades primitivas se depreende que a liturgia cristã nasce do
gesto de “partir o pão”, uma das expressões da Aliança, ritualizando a refeição
judaica (cf. Atos 2,42.46; 20,7.11). Destes escritos se depreende também o caráter
duplamente sagrado do rito litúrgico, tomar o pão e reparti-lo (rito da refeição), sendo
atribuído a esse gesto simbólico o valor agregado de sacramento, símbolo da
entrega de Jesus acompanhado de suas razões e mistérios.
Numa linguagem sacramental de matéria e forma, temos como matéria o
gesto e a entrega de Jesus; e a forma, o rito litúrgico que se desencadeou deste
gesto, acompanhado do imperativo: Fazei isto em minha memória, mantido pela
Tradição da Igreja. Pois este imperativo adquire força no ato da celebração e não
independente dela. É na celebração eucarística que renovamos a Aliança de Deus
conosco, em Cristo. Por isso o que Jesus nos deixou é mais um convite a celebrar, e
não tanto o fato de discorrer sobre ele de maneira independente. Ou seja, a frase
imperativa é fundamento de celebração não de especulação. Por isso, as narrações
referentes à instituição da Eucaristia não deveriam ser tomadas como “relatos
históricos dos fatos”, mas como influência do uso litúrgico, diferenciadas conforme
as exigências das comunidades cristãs primitivas369.
Há, portanto, sempre a primazia do evento celebrado, ao registrado do fato.
Somente a celebração litúrgica garante uma “verdade memorial”, posteriormente
escrita. Ou seja, quando se escreve já está sedimentada a prática litúrgica. O
mesmo se pode dizer em relação à formulação trinitária 370; quando ela surge escrita,
há muito já está em uso nas celebrações. Assim, podemos afirmar que a
comunidade cristã primitiva entendeu bem o convite e a ordem de Jesus, deixando
este legado litúrgico-celebrativo que dispomos das “tradições litúrgicas que
conservaram da última Ceia de Jesus apenas aquilo que se passava na Eucaristia
celebrada pela comunidade primitiva”371.
369
Cf. VISENTIN, P. Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p.395. “A formulação litúrgica
assumida pela narração em todas as fontes – tragam ou não a ordem celebrativo-memorial de Cristo
– mostra que a última Ceia de Cristo encontrou logo na ‘Ceia do Senhor’, celebrada desde o princípio
pela comunidade, uma ‘imitação’, e que esta só podia ser feita ‘em memória’ de Cristo”. MARSILI, S.
A Eucaristia. In Anámneses. III. Op. cit. p. 161.
370
Houve uma evolução desta fórmula até chegar a sua definição nos Concílios do século IV (Nicéia
325 e Constantinopla 381). Antes porem os Padres já fazia uso na celebração litúrgica, ela já estava
consolidada na mentalidade e na compreensão.
371
NICOLAS, J-H. Sintesi Dogmatica... V. II. Op. cit. p. 309.
- 117 -
tem como base Jr 31,31-34; Is 54,10; 55,3; 61,8; Ez 16,60-63; 34,25; 37,21-28. Já
Mt e Mc formulam a palavra sobre o cálice na base de Ex 24,8 Aliança no Sinai; a
plenitude e cumprimento da Aliança do Sinai se dão na pessoa de Jesus Cristo: a
sua entrega é o ponto de coroamento. Ao celebrarmos a Eucaristia celebramos a
entrega de Jesus, a realização do Reino, a esperança da humanidade em
banquetear com o próprio Deus: na Eucaristia se realiza em antecipação a nossa
deificação, razão pela qual Deus selou a Aliança conosco em Jesus374.
374
“Cristo não apenas anuncia a salvação escatológica; ele a realiza; o Reino de Deus não é apenas
proclamado por ele como prestes a chegar; é inaugurado por sua presença e seus atos... A refeição
eucarística, cujo centro é Cristo, contém em si a realização de todas as expectativas do AT e o
começo da esperança escatológica”. STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit.
p. 143.
375
João não usa o termo “corpo” como os relatos da instituição. O termo “carne” define também a
encarnação (Jo 1,14). Contra as idéias gnósticas era preciso afirmar ao mesmo tempo a realidade da
“carne” e a divindade nela escondida. Assim, o “teólogo da Encarnação por excelência”, traça as
.
linhas que ligam a Encarnação à Eucaristia (Fl 2,7; 1Tm 3,16) . “O significado da Eucaristia como
sacrifício de expiação é formulado em estilo joanino (6,51b), recordando Is 53,12. “Os muitos” são
substituídos por “o mundo”; o perdão dos pecados, que salva o homem, é substituído pelo conceito
joanino de vida. A dádiva que é entregue é a carne e sangue do “Filho do Homem” (Jo 6,27,53). Em
Jo, o “Filho do Homem” é usado nos contextos sobre a morte e a subseqüente glorificação (Jo
3,14;12,34;12,23;13,31), sobre a providencia celeste e a volta para o céu (Jo 1,51;3,13;6,62), e sobre
sua função de Juiz (Jo 5,27). A morte expiatória fica em segundo plano; a glorificação ofusca a morte.
O efeito expiatório da Eucaristia, e com isso toda a noção de sacrifício, perde seu brilho diante da
efusão da vida e diante da ressurreição”. STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico.
Op. cit. p. 144.
376
Cf. STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 144.
- 119 -
p. 164); A aliança nos constitui filhos adotivos no Filho e isto rezamos ao Pai: “Cristo
batizado no Jordão, e pairando sobre ele o Espírito Santo, o declarastes
solenemente vosso Filho, concedei aos vossos filhos adotivos, renascidos da água e
do Espírito Santo perseverar constantemente em vosso amor” (Odd. Festa do
Batismo do Senhor. In MR. p. 165).
A nossa filiação adotiva é renovada a cada ano pela celebração da Páscoa e
do Tempo Pascal. Assim descobrimos a necessidade da celebração litúrgica para
nos mantermos deificados enquanto Povo: “Ó Deus [...] que reacendeis a fé do
vosso povo na renovação da festa da pascal, aumentai a graça que nos destes [...] o
batismo que nos lavou [...] e o sangue que nos redimiu” (Odd. 2º DTP. In MR. p.
303); o povo expressa a alegria desta renovação: “Ó Deus, que o vosso povo
sempre exulte pela sua renovação espiritual, para que, tendo recuperado agora com
alegria a condição de filhos de Deus, espere com plena confiança o dia da
ressurreição” (Odd. 3º DTP. In MR. p. 305); os filhos deificados aguardam a herança
eterna, o Reino de Deus: “Ó Deus, Pai de bondade, que nos redimistes e adotastes
como filhos e filhas concedei aos que crêem no Cristo a liberdade verdadeira e a
herança eterna” (Odd. 5º DTP. In MR. p. 308); como Igreja, somos membros de
Cristo e assim rezamos na Ascensão do Senhor: “Ó Deus todo-poderoso [...]. Fazei-
nos exultar de alegria e fervorosa ação de graças, pois, membros de seu corpo,
somos chamados na esperança a participar da sua glória.
A realidade do Reino de Deus é também uma construção dos batizados e
deificados em Cristo. Por isso durante os domingos do Tempo Comum a Igreja
celebra esta Aliança de Deus conosco “O Deus, atendei como pai às preces do
vosso povo; dai-nos a compreensão dos nossos deveres e a força de cumpri-los”
(Odd. 1º DTC. In MR. p. 345); suplica a paz para a Igreja: “Deus eterno e todo-
poderoso [...] escutai com bondade as preces do vosso povo e dai ao nosso tempo a
vossa paz” (Odd. 2º DTC. In MR. p. 346); suplica a paz e para o mundo: “Fazei, ó
Deus, que os acontecimentos deste mundo decorram na paz que desejais, e vossa
Igreja vos possa servir, alegre e tranqüila” (Odd. 8º DTC. In MR. p. 352); suplica a
proteção para a Igreja enquanto uma família de batizados: “Velai, ó Deus, sobre a
vossa família, com incansável amor; e, como só confiamos na vossa graça, guardai-
nos sob a vossa proteção” (Odd. 5º DTC. In MR. p. 349); pois é Deus quem nos
conduz com a sua graça e o seu amor: “Senhor, nosso Deus, dai-nos por toda a vida
- 121 -
a graça de vos amar e temer, pois nunca cessais de conduzir os que firmais no
vosso amor” (Odd. 12º DTC. In MR. p. 356);
O povo aguarda a sua herança após a libertação do pecado no mistério do
Filho: “Ó Deus, que pela humilhação do vosso Filho reerguestes o mundo decaído,
enchei os vossos filhos e filhas de santa alegria, e dai aos que libertastes da
escravidão do pecado o gozo das alegrias eternas” (Odd. 14º DTC. In MR. p. 358);
chegaremos a nossa herança pela restauração da criação em Cristo e conservado
por nós deificados: “Manifestai, ó Deus, vossa inesgotável bondade para com os
filhos e filhas que vos imploram e se gloriam de vos ter como criador e guia,
restaurando para eles a vossa criação, e conservando-a renovada” (Odd. 18º DTC.
In MR. p. 362).
A nossa esperança do Reino é certa, pois Deus é Pai e nele confiamos: “Deus
eterno e todo-poderoso, a quem ousamos chamar de Pai, dai-nos cada vez mais um
coração de filhos, para alcançarmos um dia à herança que prometestes” (Odd. 19º
DTC. In MR. p. 363); confiamos e cremos também no Cristo seu Filho: “Ó Deus, Pai
de bondade, que nos redimistes e adotastes como filhos e filhas, concedei aos que
crêem no Cristo a verdadeira liberdade e a herança eterna” (Odd. 23º DTC. In MR. p.
367); assim rezamos na festa da Transfiguração do Senhor como antecipação da
nossa esperança: “Ó Deus, que na gloriosa Transfiguração de vosso Filho [...]
manifestastes de modo admirável a nossa glória de filhos adotivos, [...] concedei-nos
compartilhar da sua herança” (Odd. Transfiguração do Senhor. In MR. p. 628).
A Aliança que o Pai realiza com a humanidade se expressa na celebração da
Eucaristia como realidade deificante oferecida no Filho, assim rezamos no prefácio
da missa do Crisma, na manhã de quinta feira santa: “Pela unção do Espírito Santo,
constituístes vosso Filho unigênito Pontífice da nova e eterna Aliança” (Pref. da
Missa do Crisma. In MR. p. 245); Em Jesus o Pai instituiu o sacrifício da Aliança:
“Ele, verdadeiro e eterno sacerdote, oferecendo-se a vós pela nossa salvação,
instituiu o Sacrifício da nova Aliança” (Pref. da Santíssima Eucaristia I. In MR. p.
439); esta Aliança pode ser rompida por nós, jamais é rompida pelo Pai: “Jamais nos
rejeitastes quando quebramos a vossa aliança” (OE. VII. In MR. p. 866); mas no
mistério da cruz torna um sinal permanente: “antes, porém, de seus braços abertos
traçarem entre o céu e a terra o sinal permanente da vossa Aliança, Jesus quis
celebrar a páscoa com seus discípulos” (OE. VII. In MR. p. 868). Temos assim o
- 122 -
3. O Sacrifício
seus discípulos’ (Lc 22,15). Ele não ‘comeria mais a páscoa antiga’ porque estava
‘para cumprir-se o Reino de Deus’ (Lc 22,16)”388. E na Páscoa de Cristo, a
humanidade torna-se um povo sacerdotal e reino de Deus. A páscoa antiga,
portanto, era símbolo da Páscoa do Reino de Deus. Um fato novo, celebrado com
um rito novo. Novo, contudo, não quer dizer sem conexão com o antigo e, sim, o
máximo desenvolvimento teológico-litúrgico, cumprimento das promessas.
388
MARSILI, S. A Eucaristia...In Anámmesis III. Op. cit. p. 151. “A páscoa que Jesus desejou
ardentemente comer era a que anunciava a sua paixão: a páscoa hebraica estava encerrada, porque
cedia lugar à páscoa nova do Reino de Deus, e esta nova páscoa é o cumprimento da antiga”.
MARSILI, S. A Eucaristia. In Anámmesis III. Op. cit. p. 151.
- 126 -
vezes que celebramos este sacrifício, torna-se presente a nossa redenção” (Oso. 2º
DTC. In MR. p. 346); A salvação pode expressar também a nossa purificação:
“Subam até vós, ó Deus [...] o sacrifício, a fim de que, purificados por vossa
bondade, correspondamos cada vez melhor aos sacramentos do vosso amor” (Oso.
6º DTP. In MR. p. 309); a salvação se expressa também na celebração litúrgica: “Ó
Deus, o sacrifício que vamos oferecer nos traga sempre a graça da salvação, e
vosso poder leve à plenitude o que realizamos nesta liturgia” (Oso. 22º DTC. In MR.
p. 366).
Segunda dimensão: O Sacrifício de Cristo realiza a nossa santidade: “Possa
agradar-vos, ó Deus, a oferenda do vosso povo; que ela nos obtenha a santificação
[...]” (Oso. 1º DTC. In MR. p. 345); uma vez salvos pelo Batismo o Sacrifício de
Cristo completa a nossa santificação: “Acolhei, ó Deus, nós vos pedimos, o sacrifício
que instituístes e, pelos mistérios que celebramos em vossa honra, completai a
santificação dos que salvastes” (Oso. 27º DTC. In MR. p. 371); a nossa santidade
cresce com a celebração do Sacrifício de Cristo: “Acolhei, ó Deus, as oferendas da
vossa Igreja em oração e fazei crescer em santidade os fiéis que participam deste
sacrifício” (Oso. 15º DTC. In MR. p. 359);
Terceira dimensão: O sacrifício de Cristo é a realização do mistério da nossa
deificação no Amor do Pai. Assim rezamos na solenidade da Ascensão do Senhor:
“Ó Deus, [...]. Concedei, por esta comunhão de dons entre o céu e a terra, que nos
elevemos com ele até a pátria celeste. (Oso. Ascensão do Senhor. In MR. p. 313); a
deificação humana se dá pelo diálogo entre o divino e o humano realizado no
Sacrifício de Cristo: “Ó Deus, que, pelo sublime diálogo deste sacrifício, nos fazeis
participar de vossa única e suprema divindade, que [...] lhe sejamos fiéis por toda a
vida” (Oso. 5º DTP. In MR. p. 308); a idéia da nossa deificação está presente em
inúmeras orações que expressam o nosso desejo de nos oferecer com Cristo ao Pai
para que cresçamos em caridade e amor: “Senhor nosso Deus, vede nossa
disposição em vos servir e acolhei nossa oferenda, para que este sacrifício vos seja
agradável e nos faça crescer na caridade” (Oso. 10º DTC. In MR. p. 354); para que
seja efetivo este crescimento nós nos oferecemos nele co Cristo: “Dignai-vos, ó
Deus, santificar estas oferendas e, aceitando este sacrifício espiritual, fazei de nós
uma oferenda eterna para vós” (Oso. 18º DTC. In MR. p. 362); somo deificados pela
comunhão que Cristo estabeleceu conosco no seu Sacrifício: “Acolhei, ó Deus, estas
nossas oferendas, pelas quais entramos em comunhão convosco, oferecendo-vos o
- 127 -
que nos destes, e recebendo-vos em nós” (Oso. 20º DTC. In MR. p. 364); a oferenda
do Sacrifício e o nosso alimento eterno: “Senhor nosso Deus, que criastes o pão e o
vinho para alimento da nossa fraqueza, concedei que se tornem para nós
sacramento da vida eterna” (Oso. 5º DTC. In MR. p. 349); e na celebração da
Santíssima Trindade assim rezamos sobre as oferendas com as quais vai a nossa
entrega: “Senhor nosso Deus, pela invocação do vosso nome, santificais as
oferendas de vossos servos e servas, fazendo de nós uma oferenda eterna” (Oso.
Santíssima Trindade. In MR. p. 379).
A Igreja oferece o Sacrifício de Cristo, nele também se oferece como
realidade deificada sacramentalmente. Encontramos nas orações eucarísticas as
razões de celebrarmos a nossa entrega a Deus por meio de um Sacrifício que lhe
seja agradável: pois é o Sacrifício perfeito do Filho, mas ao mesmo tempo também o
nosso, que pela deificação o Pai espera que seja também agradável 389. Neste
sentido a nossa disposição ou não em nada altera o sacrifício de Cristo, mas afeta a
nossa oferta e entrega que somente será perfeita na plena comunhão com Cristo (cf.
OE. I. In MR. p. 470). Por Cristo e pelo Espírito Santo somos reunidos para oferecer
em todo tempo e lugar um Sacrifício perfeito (cf. OE. III. In MR. p. 482). A oferta da
Igreja é “o sacrifício pascal de Cristo” (OE. VI-A. In MR. p. 845). A este Sacrifício o
Pai nos atrai pelo seu amor: “fazendo-os participar no único sacrifício do Cristo” (OE.
VI-A. In MR. p. 845). Este sacrifício, contudo, se completa na comunhão sacramental
“do mesmo pão e do mesmo cálice” (OE. IV. In MR. p. 492). Neste sentido a nossa
participação na Eucaristia só será plena comungando do Sacrifício de Cristo.
Somente aí podemos esperar frutos da deificação sacramental.
4. Banquete da Eucaristia
389
Quando a Igreja, na OE. I, faz referência aos sacrifícios da primeira Aliança esta colocando a
Eucaristia na Tradição judaica como realidade quem também tem o seu valor sacramental, embora
não tenha a dimensão comparável ao Sacramento do Sacrifício do Filho na Cruz, pois somente Cristo
nos dá o Sacrifício que nos torna repletos da graça deificante: a Eucaristia. (cf. MR. p. 474).
- 128 -
390
“Isto não quer dizer que as composições cristãs tenham seguido ao pé da letra os formulários
judaicos: o próprio Jesus neles introduziu novidades e mudanças, imitado depois pelas comunidades
cristãs primitivas, embora certas linhas características da liturgia judaica originária ainda sejam
reconhecíveis e ofereçam chaves úteis de leitura mesmo para os nossos textos atuais”. VISENTIN, P.
Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. 397.
391
Cf. VISENTIN, P. Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op.cit. p. 396. Se esta celebração tenha
ocorrido na páscoa judaica ou em seu contexto está implícito a imolação e a manducação do
cordeiro, identificado por Paulo com o próprio Cristo (1Cor 5,7) e provavelmente por João Batista (Eis
o cordeiro de Deus” Jo 1,36).
392
“[...] fórmulas de oração da mesa que, com toda probabilidade, estavam em uso nos tempos de
Jesus e que, no conjunto, comportam o seguinte desdobramento ritual: I. benção inicial (breve), com
fração e distribuição do pão; II. refeição dos convidados; III. tudo terminava com uma formula mais
ampla chamada ‘Birkat-há-Mazon’, que estaria verdadeiramente na base das nossas preces
eucarísticas”. VISENTIN, P. Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op.cit. p. 397.
393
“Já que “corpo”, “sangue” e “derramar” são termos específicos da linguagem sacrifical, o próprio
Jesus, com certeza, quis, nas palavras da instituição, designar-se como cordeiro pascal. A refeição
pascal era uma refeição sacrifical (Dt 16,1-8; Mc 14,12; Lc 22,7; o velho rito com o sangue [Ex
12,7.22-27] foi substituído por uma aspersão do sangue no altar dos holocaustos [...], tinha caráter
expiatório); era uma comemoração que tornava presente tanto o passado (Ex 12,42) como o futuro
escatológico [...]; e era refeição comunitária do povo de Deus, em caráter exclusivo (Ex 12, 43-49) e
obrigatório (Ex 12,6; 12,43ss; Nm 9,10-13). O povo inteiro (no tempo de Jesus em grupos de pelo
menos dez pessoas) tinha de celebrar a Páscoa na mesma hora, na praça do templo. Desde o séc. I
- 129 -
a.C. isso podia se fazer também em qualquer lugar dentro dos muros de Jerusalém”. STÖGER, A.
Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 141.
394
Cf. VISENTIN, P. Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 397.
395
“Em Mc 10,45 O filho do homem [...] veio para servir e dar a sua vida em resgate por muitos pode
fundamentar as palavras ditas por Jesus sobre o pão [...] corpo que é para vós, em 1Cor 11,24 ou por
Lc 22,19 corpo entregue por vós ou, ainda, Isto é meu corpo Mc 14,22; Mt 26,26. Quanto às palavras
relativas ao cálice do ‘sangue derramado por vós’ (Lc 22,20; 1Cor 11,25; ou ‘por muitos’ Mc 14,24 e
Mt 26,28 acrescenta ‘pela remissão dos pecados’, o sentido se torna ainda mais claro na linha do
Servo sofredor”. VISENTIN, P. Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 397. “Jesus, poucas
horas antes do sacrifício cruento no Calvário, para o qual se achava ele voltado e para cuja
consumação tudo agora estava contribuindo, realiza uma ‘ação profética’, isto é antecipa e se
compromete, por meio de gestos-palavras, com a realidade que está para apreendê-lo, ou se entrega
voluntariamente na ceia onde começa o drama da paixão: ‘faze depressa o que estás fazendo’ (Jo
13,27), diz ao discípulo traidor, que sai ‘no meio da noite’ para combinar a sua entrega aos inimigos”.
VISENTIN, P. Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 396.
396
VISENTIN, P. Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 396. Referindo a propósito, Marsili,
assim conclui a sua reflexão sobre o memorial da última Ceia: “se, na última Ceia, Cristo nos deu com
a palavra e o gesto o “sacramento do seu sacrifício pascal”, a razão primeira e determinante deste
fato deve ser vista não numa ‘vontade institucional’, que é apenas conseqüência, mas na própria
‘natureza sacramental’ do “memorial”. Tendo este, já na celebração pascal hebraica, o escopo de
louvor-agradecer a Deus pelo acontecimento da antiga salvação profética, que, pelo sinal
sacramental da “Ceia Pascal”, tinha atualização no presente, era necessário que também ao
“memorial”, no qual Cristo louvava e agradecia ao Pai pelo acontecimento da salvação agora
realizada nele – embora esta, no seu momento expressivo externo (a morte), ainda devesse realizar-
se – correspondesse um sinal que desse presença sacramental a esta salvação. É esta a razão pela
qual nos textos gregos originais dos Sinóticos e em algumas antiqüíssimas variantes de 1Cor 11, 24,
Cristo fala de seu sacrifício como já realizado”. MARSILI, S. A Eucaristia... In Anámneses. III. Op. cit.
p. 170.
- 130 -
397
VISENTIN, P. Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p.396.
398
“Como conseqüência, a presença de Jesus que se encontra de novo no meio dos seus na
celebração eucarística não é apenas a de alguém que se oferece em sacrifício por amor, mas
também a de alguém que foi exaltado e que recebeu ‘o nome que está acima de todo nome’ (Fl 2,9).
Em outras palavras: o Cristo da eucaristia é o ‘servo sofredor’ que se tornou o Kyrios depois da morte
e ressurreição”. VISENTIN, P. Eucaristia. In Dicionário de Liturgia. Op. cit. p. 397.
399
STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 142.
400
STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p.142.
- 131 -
ritual apenas, Jesus não rompe com a sua Tradição. A categoria de refeição está
muito presente na tradição judaica. Abraão já convidara os três viajantes à refeição
(Gn 18,6-8); Moisés com outros anciãos celebraram uma refeição cúltica após
selarem a aliança com o Senhor (Ex 24,9-11); e, sobretudo, a ceia pascal judaica é
uma refeição anual que comemora a salvação do êxodo (Ex 12,1-20).
Também Jesus compartilha a mesa em refeições que precedem a última
Ceia: na casa de amigos, como Lázaro, Mateus, de fariseus, como Simão e de
publicanos, como Zaqueu. “O gesto da refeição é, para Jesus, uma ação profética
com a qual quer dar a entender que o Reino vem, que já está aqui, e vem para
todos”401. A festa já acontece, o banquete do Reino é um fato, todos podem dele
participar (o casamento em Caná, o banquete do filho pródigo). A abundância já
chegou pela multiplicação dos pães que pode ser lida em chave eucarística: tomar,
abençoar, partir e comer. Antes, os discípulos comiam com o Mestre, depois da
morte e ressurreição irá comer em memória do Mestre, celebrando a Eucaristia de
comunhão e deificação no Espírito do Ressuscitado.
401
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 39.
402
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 40.
403
Cf. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 41.
404
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 41.
- 132 -
405
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 41-42.
406
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 42.
407
“O ‘comer com’ parece a alguns a ‘essência do cristianismo’”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op.
cit. p. 42.
408
Cf. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 44.
409
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 44.
- 133 -
410
MARSILI, S. A Eucaristia: teologia e história da celebração. In Anámneses. III. São Paulo:
Paulinas. 1987. p. 172.
411
Cf. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 45.
412
STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 142.
413
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 79.
- 134 -
414
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 78.
415
“As palavras eucarísticas de Jesus abarcam todas as grandes idéias do AT (Aliança, Reino de
Deus, expiação e martírio, culto e anúncio escatológico); tudo se concentra em Cristo. Por ele se
realiza a ação salvadora de Deus em consumada plenitude”. STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário
Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 143. “Se foi a Igreja que acrescentou às palavras de Cristo a ordem de
reiteração “memorial” de sua ceia, com a finalidade de consolidar o sentido “pascal” de sua própria
celebração, não fez ela mais do que explicitar o que já estava presente na última ceia do Senhor, isto
é, o seu valor e sentido de “anamnese” da maior das maravilhas operadas por Deus para a salvação
dos homens”. MARSILI, S. A Eucaristia... In Anámneses. III. Op. cit. p.161.
416
“Jesus interpreta aquilo que entrega – não o ato ou o gesto do entregar – assim como na hagadá
pascal o pai de família interpretava os alimentos oferecidos. Nas palavras de Jesus, porém, pão e
vinho não são interpretados como símbolos; há uma diferença essencial entre a maneira como Jesus
interpreta e a maneira como a hagadá pascal se expressa. Jesus diz sobre o pão: Isto é o meu corpo;
a hagadá: Eis o pão da miséria que os nossos pais comeram quando saíram do Egito. Quanto à
palavra sobre o cálice, a formulação é extremamente discreta e peculiar, sem dúvida em
consideração ao horror que os judeus tinham da ingestão de sangue (cf. Gn 9,3s; Lv 17,10-14; Atos
15,29). A maneira singular de entregar o pão e o vinho, descrita com insistência, visa sublinhar o
caráter inédito da dádiva de Jesus (cf. Lc 22,17; Mt 26,26; Mc 14,22; Mt 26,27)”. STÖGER, A.
Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p.142.
417
Cf. STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 142.
- 135 -
418
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 21.
419
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 22.
420
“Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do
pão e às orações” (At 2,42). Aldazábal chama de duas direções: Horizontal: a “didaché” ou ensino
dos apóstolos e a “koinonia” ou comunhão de vida; e a vertical: a “klasis tou artou” ou fração do pão e
as “proseuchai” ou orações (cf. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 23). Sem entrarmos em
maiores detalhes desta estrutura litúrgico-celebrativa (normativa) podemos afirmar que vida e fé,
celebração e prática estão estritamente vinculados. E se chegam a nós assim registrados,
seguramente, é devido ao fato concreto da experiência da comunidade ou mesmo um programa
idealizado concretamente pela comunidade enquanto compreensão do fenômeno celebrado que não
se separa da vida do celebrante. Neste sentido nos interessa que o sujeito celebrante, a
comunidade, entre na dinâmica da deificação.
- 136 -
421
Cf. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 49-50.
422
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 50.
423
MARSILI, S. A Eucaristia. In Anámmesis III. Op. cit. p. 152. Na Ceia pascal de Cristo, enquanto
todos os outros ritos são omitidos, tanto os Sinóticos como 1Cor 11,23-27 põem em grande evidência
os dois gestos de Cristo, dando seu corpo “enquanto comiam” (Mt 26,26; Mc 14,22) e seu sangue
“depois” (Mt 26,27; Mc 14,23) ou “depois de comer” (Lc 22,20; 1Cor 11,25).
- 137 -
Uma chave de leitura poderia certamente tomar por base a grande revelação
de Jesus “eu sou”, acrescida ainda da revelação “eu sou o pão da vida” que se
manifesta na comunidade celebrativa como vemos na catequese de João, 6: que
será inspiradora para as orações depois da comunhão de nossa celebrações
eucarísticas nas quais encontramos referência a nossa deificação, pois
estabelecemos comunhão com aquele que comungamos.
1) Jo, 6,1-25 descreve o contexto prévio ao seu discurso do pão da vida: a
multiplicação dos pães (Jo 6,1-13). Da maneira como ele relata, é Jesus que toma a
iniciativa, é Ele que reparte o pão. Os gestos são claramente “eucarísticos”. O fato
de também ter multiplicado peixes pode explicar-se pela relação que, para os
judeus, tinha o comer peixe com a espera messiânica. Cristo foge para o monte (Jo
6,14-15) porque não quer ser o Messias-Rei assim como o povo o entende. Há um
episódio sobre o lago (Jo 6,16-21) que é, na verdade, misterioso indicando que
ninguém pode segurar a presença de Cristo e sua divindade: “eu sou” (Jo 6,20).
João indica que o discurso teve lugar no dia seguinte, em Cafarnaum, depois da
dialética sobre a busca e o encontro com o verdadeiro Jesus (Jo 6,22-25);
2) O discurso do pão da vida (Jo 6,26-59) é introduzido em (Jo 6,26-34): O
evangelista prepara, pedagogicamente, o discurso sobre Cristo pão da vida. Jesus
apela ao tema do maná no deserto para anunciar o verdadeiro pão do céu. Cristo é
o pão da vida, o enviado por Deus para saciar a fome da humanidade. Por isso a
afirmação: “eu sou”. Jesus frente às objeções se apresenta como a resposta
salvadora de Deus à humanidade, como aquele que foi enviado pelo Pai (Jo 6,41). A
conseqüência para os que aceitam Cristo como o pão de Deus será a “vida” (Jo
424
STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 144.
- 138 -
6,40.47) e a “ressurreição final” (Jo 6,39.40.44). Cristo dará o pão da vida, desta vez
o doador não é o Pai, mas o próprio Cristo. Ele dará a sua carne para a vida do
mundo, sacramentalmente. Ele dará carne-sangue para ser comida e bebida. “É
evidente o paralelismo destes versículos (Jo 6,51 e 6,53) com as palavras que os
Sinóticos e Paulo põem nos lábios de Jesus sobre o pão e o vinho: “Isto é o meu
corpo, entregue por vós [...] o pão que eu darei é minha carne pela vida do
mundo”425. O efeito da Eucaristia é exposto de maneira muito profunda quem come
a carne e bebe o sangue de Cristo permanece em mim e eu nele (Jo 6,56) e viverá
por mim, assim como Cristo vive pelo Pai (Jo 6,57). A íntima união que Cristo tem
com o Pai (o Pai está em mim e eu no Pai, Jo 10,31) aparece como o modelo do que
acontecerá com os que crêem e comem a Jesus. A deificação se apresenta na
recepção da vida de Deus dada em sacramento no Filho Jesus: pão eucarístico. Isto
celebramos já agora, mas, sobretudo, “no último dia”, com a perspectiva
escatológica própria de João, seremos plenamente deificados: quem crê em Jesus,
como enviado do Pai, celebra o sacramento da comida e bebida, sua fé se faz
celebração sacramental”426.
Quando João narra a última Ceia de Jesus não inclui a instituição da
Eucaristia, como nos sinóticos. Prefere ressaltar outros aspectos do mistério cristão:
a união com Cristo e a caridade fraterna. Mas em Jo 6, dentro do livro dos sinais,
oferece-nos uma profunda reflexão teológica sobre a Eucaristia, dentro do quadro da
revelação de Cristo e a resposta de fé por parte da comunidade deificada no
sacramento da Eucaristia.
a) Podemos afirmar que existe uma clara progressão da fé em Cristo,
Messias e Filho de Deus, à Eucaristia como sacramento visível desta mesma fé em
Cristo427. Descobrirmos aqui a dimensão da sacramentalidade, enquanto expressão
da fé celebrada, ritualmente, nos sacramentos428;
425
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 108.
426
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 108.
427
“À identidade de Cristo como verdadeiro pão, o maná que Deus dá, corresponde a atitude de fé.
Quem crê nele não terá fome nem sede e terá a vida eterna. A primeira seção do discurso (v.35-47)
trata de Cristo como pão num sentido mais sapiencial e metafórico: Cristo como o alimento e a
resposta absoluta de Deus à fome da humanidade. É o enviado escatológico que vai dar vida a todos
que crêem nele, atraídos pelo Pai”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 114-115.
428
“Cristo, crido e comido. A fé termina no sacramento, dando-lhe sentido. O sacramento tem sua raiz
na fé. Não se aceita Cristo de todo, sem ‘comê-lo’. Mas não se pode comê-lo com proveito, se não se
partir da fé. ‘Comer’ e ‘permanecer em’ têm um significado bem vivo de comunhão íntima, só
comparável à comunhão de Cristo com o Pai”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 115.
- 139 -
b) Esta carne que Cristo dará aos seus é a carne entregue pela vida do
mundo na cruz. A referência à morte parece evidente: onde Cristo dá sua carne pela
vida de todos é na cruz, ainda que sacramentalmente depois se diga que se come
na Eucaristia. O caráter sacrifical de Jo 6,51 é claro: de novo aparece a figura do
Servo que se entrega “por muitos”, “pela vida do mundo” 429. O pão que os cristãos
receberão é Cristo, mas Cristo feito carne (encarnação) e carne entregue pela vida
do mundo na quênose da cruz. É pela entrega de Cristo na cruz que sua carne e seu
sangue estão disponíveis como alimento para os seus;
c) A doação da Carne de Cristo possui efeitos na vida de quem a comunga.
“A doação da carne de Cristo tem uma finalidade dinâmica: a vida [...] É a imersão
na vida do Ressuscitado, que quer comunicar-nos sua própria vida escatológica, a
vida eterna”430. A experiência de comunhão com Cristo será interpessoal. A mesma
relação que Jesus tem com o Pai, “eu vivo do Pai”, será estabelecida entre os
cristãos e Cristo pela Eucaristia, “quem me come, viverá de mim”;
d) Esta doação da vida supõe uma presença real de Cristo aos seus na
Eucaristia431;
e) Quando Jesus diz que se deve crer nele para ter a vida, comer sua carne e
beber o seu sangue para permanecer nele, escandalizou a seus discípulos.
Encontramos aqui dois temas fundamentais, primeiro referente à fé, segundo
referente à Eucaristia. Mas ambos são pistas para entendermos a presença de
Cristo na vida dos seus, após a sua Páscoa432. A idéia de fundo é que, sem o
Espírito, não se é possível nem a fé, nem a Eucaristia, nem a vida, nem a deificação
e sua expressão;
429
Cf. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 116.
430
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 116.
431
“João fala de uma doação (‘eu darei’) que leva à vida, à interpermanência pessoal. Acaba nos
crentes, para dar-lhes a vida do Ressuscitado. Assim, o que havia prometido e figurado no sinal da
multiplicação dos pães cumprem-se plenamente nele mesmo, na doação de Cristo na cruz e na
Eucaristia, como pão para a humanidade”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 117.
432
“A ‘carne’ não serve para nada. Aqui, em Jo 6,63, ‘carne’ não pode referir-se à carne eucarística
de Cristo que acaba de ser nomeada, e à qual atribui a vida; mas em linha com o prólogo do
evangelho (Jo 1,13), refere-se mais ‘às forças humanas em si’, ou seja, ao modo humano de
compreender as coisas, que não pode realizar o mistério da doação do Senhor. É o Espírito que vai
tornar possível esta doação de vida”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 118.
- 140 -
433
“Ao unir os sacramentos com a ação do Espírito e a resposta da fé, João evita, ao mesmo tempo,
a tentação do sacramentalismo mágico (ao lembrar que é o Espírito que atua e não o rito) e a do
espiritualismo gnóstico ou docetista (ao afirmar que o Espírito atua também por meio de alguns
sacramentos concretos e não só com a fé)”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 119.
434
Cf. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 120. “Outras passagens de João poderiam ser
melhores esplanadas em relação à Eucaristia: como o episódio de Caná (Jo 2,1-12); a verdadeira
videira (Jo 15); a água e o sangue que brotam do lado aberto de Cristo na Cruz (Jo 19,34); Cristo
fonte de vida para todos (Jo 7,38s). Para nós é suficiente apontarmos a relação de interdependência
do trinômio joanino: “água-sangue-espírito” como elementos de uma linguagem simbólica que aponta
a relação Batismo e Eucaristia – dois sacramentos pascais – e ao Espírito, que é o que dá eficácia a
ambos”. Cf. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 120
435
MARSILI, S. A Eucaristia. In Anámmesis III. Op. cit. p. 157.
- 141 -
Senhor. In MR. p. 247); o memorial da última ceia torna presente a nossa redenção,
a nossa deificação no sacramento da Eucaristia: “Concedei-nos, ó Deus, a graça de
participar dignamente da Eucaristia, pois todas as vezes que celebramos este
sacrifício em memória do vosso Filho, torna-se presente a nossa redenção” (Oso.
Missa da Ceia do Senhor. In MR. p. 250); a nossa renovação a cada celebração terá
a plenitude do Reino de Deus: “Ó Deus todo-poderoso, que hoje nos renovastes
pela ceia do vosso Filho, dai-nos ser eternamente saciados na ceia do seu reino”
(Odc. Missa da Ceia do Senhor. In MR. p. 252).
Renovamos a nossa deificação celebrando a ceia do Senhor em memória do
novo e eterno sacrifício do Filho ao qual participamos. Este é o banquete
sacramental da caridade e do amor ao qual participamos e que alimenta a nossa
vida como podemos constatar em inúmeras orações depois da comunhão dos
formulários das missas.
A Eucaristia pão e alimento de deificação: “Ó Deus, que nos alimentastes com
este pão que nutre a fé, [...], dai-nos desejar o Cristo, o pão vivo436 e verdadeiro, e
viver de toda palavra que sai de vossa boca” (Odc. 1º DTQ. In MR. p.182); Eucaristia
é penhor do mistério que se manifesta na vida: “Ó Deus, [...] já saciados na terra
com o pão do céu, nós vos pedimos a graça de manifestar em nossa vida o que o
sacramento realizou em nós” (Odc. 3º DTQ. In MR. p.198); A Eucaristia é o pão da
comunhão: “Concedei, ó Deus todo-poderoso, que sejamos sempre contados entre
os membros de Cristo cujo Corpo e Sangue comungamos” (Odc. 5º DTQ. In MR. p.
214); Eucaristia é o pão que conservamos na vida deificados: “Concedei, ó Deus,
onipotente, que conservemos em nossa vida o sacramento pascal que recebemos”
(Odc. 2º DTP. In MR. p. 304); Eucaristia é pão sacramental que nos alimenta até a
deificação plena na ressurreição do nosso corpo: “Ó Deus, [...] que renovastes pelos
vossos sacramentos a graça de chegar um dia à glória da ressurreição da carne.
(Odc. 3º DTP. In MR. p. 306); Eucaristia é o pão da passagem para a nossa
deificação: “Ó Deus de bondade, [...] fazei passar da antiga à nova vida aqueles a
quem concedestes a comunhão nos vossos mistérios” (Odc. 5º DTP. In MR. p. 308);
436
Aos batizados são concedidos este pão: “[...] é-lhes concedida a bênção (Eucaristia) por Cristo.
Ele é o pão vivo e também o pão que desceu do céu e dá a vida ao mundo [...]”. CIRILO DE
ALEXANDRIA. A adoração em espírito e verdade. Livro XII. In Antológica litúrgica. Op. cit. p. 999.
Somos convidados a termos o mesmo desejo deste pão como Santo Inácio: “Quero o pão de Deus
que é a Carne de Jesus Cristo, que nasceu da descendência de Davi; e por bebida quero o seu
Sangue que é a caridade incorruptível”. INÁCIO DE ANTIOQUIA. Inácio aos Romanos. 7. In
Antológica litúrgica... Op. cit. p. 109.
- 142 -
participar da vossa vida (Odc. 28º DTC. In MR. p. 372); “Fazei, Ó Deus todo-
poderoso, que nunca nos separemos de vós, pois nos concedeis a alegria de
participar da vossa vida” (Odc. 34º DTC. In MR. p. 378). Pela Eucaristia vivemos
unidos a Cristo, com Cristo: “Unidos a Cristo por este sacramento, nós vos
imploramos, ó Deus, que, assemelhando-nos a ele aqui na terra, participemos no
céu da sua glória” (Odc. 20º DTC. In MR. p. 364); Ó Deus, que nutris e fortificais
vossos fiéis com o alimento da vossa palavra e do vosso pão, concedei-nos, por
estes dons do vosso Filho, viver com ele para sempre” (Odc. 23º DTC. In MR. p.
367); “Alimentados pelo pão da imortalidade, nós vos pedimos, ó Deus, que,
gloriando-nos de obedecer na terra aos mandamentos de Cristo, Rei do universo,
possamos viver com ele eternamente no reino dos céus” (Odc. Missa de Cristo Rei.
In MR. p. 385).
A nossa comunhão no Corpo e Sangue do Filho nos renova para mantermos
deificados no sacramento: “Renovados pelo Corpo e Sangue do vosso Filho, [...]”
(Odc. 12º DTC. In MR. p. 356); transforma-nos pelo amor: “Ó Deus, fazei agir
plenamente em nós o sacramento do vosso amor, e transformai-nos de tal modo
pela vossa graça, que em tudo possamos agradar-vos” (Odc. 21º DTC. In MR. p.
365); “Possamos, ó Deus onipotente, saciar-nos do pão celeste e inebriar-nos do
vinho sagrado, para que sejamos transformados naquele que agora recebemos”
(Odc. 27º DTC. In MR. p. 371); “Ó Deus, que o alimento celeste por nós recebido
nos transforme na imagem de Cristo, [...]” (Odc. Transfiguração do Senhor. In MR. p.
629).
Somos restaurados por Deus neste sacramento para que deificados pelo
amor sejamos servidores da caridade. Por isto a Eucaristia não deve ser entendida
como sacramento de devoção pessoal apenas, mas como realidade da Igreja a
serviço do Reino: “Restaurados à vossa mesa pelo pão da vida, nós vos pedimos, ó
Deus, que este alimento da caridade fortifique os nossos corações e nos leve a vos
servir em nossos irmãos e irmãs” (Odc. 22º DTC. In MR. p. 366); “Tendo recebido
em comunhão o Corpo e o Sangue do vosso Filho, concedei, ó Deus, possa esta
Eucaristia que ele mandou celebrar em sua memória fazer-nos crescer em caridade”
(Odc. 33º DTC. In MR. p. 377);
- 144 -
A eucaristia nos concede o Espírito de Cristo e nos faz um só com Ele 437: “Ó
Deus, governai pelo vosso Espírito aos que nutris com o Corpo e o Sangue do vosso
Filho. [...]” (Odc. 9º DTC. In MR. p. 353); Comungando do mesmo pão recebemos o
mesmo Espírito: “Ó Deus, esta comunhão na Eucaristia prefigura a união dos fiéis
em vosso amor; fazei que realize também a comunhão na vossa Igreja” (Odc. 11º
DTC. In MR. p. 355).
Esta comunhão no Corpo do Senhor (cf. 1Cor 10,16-17) que constitui a Igreja
no mesmo Espírito está presente também nas epíclise (invocação do Espírito) sobre
a comunidade celebrante nas Orações Eucarísticas 438: “E nós vos suplicamos que,
participando do Corpo e Sangue de Cristo, sejamos reunidos pelo Espírito Santo
num só corpo. (OE. II. In MR. p. 480); “Alimentando-nos com o Corpo e o Sangue
do vosso Filho, sejamos repletos do Espírito Santo e nos tornemos em Cristo um só
corpo e um só espírito” (OE. III. In MR. p. 384); “[...] concedei aos que vamos
participar do mesmo pão e do mesmo cálice que, reunidos pelo Espírito Santo num
só corpo, nos tornemos em Cristo um sacrifício vivo” (OE. IV. In MR. p. 492); “E
quando recebermos Pão e Vinho, o Corpo e Sangue dele oferecidos, o Espírito nos
uma num só corpo, pra sermos um só povo em seu amor” (OE. V. In MR. p. 498)439.
437
“[...] o celestial Emanuel [...] Deus por natureza, que se fez semelhante a nós [...]. Pela mística
bênção (Eucaristia) fomos tornados um só corpo com Ele”. CIRILO DE ALEXANDRIA. Comentário ao
Gênsis. Livro I. In Antológica litúrgica. Op. cit. p. 999.
438
Com exceção da OE. I todas as demais fazem referência ao Espírito de comunhão que gera na
Igreja. Para as quatro orações (OE. VI: -A,-B,-C,-D) para diversas circunstâncias se repete a mesma
epíclese: “E concedei que, pela força do Espírito do vosso amor, sejamos contados, agora e por toda
a eternidade, entre os membros do vosso Filho cujo Corpo e Sangue comungamos” (OE.VI-A. In MR.
p. 845).
439
O sentido da comunhão ainda pode ser reforçado segundo o tema de cada OE. Por exemplo, nas
OE sobre a reconciliação aparecem claramente a comunhão do comunidade no mesmo Espírito no
sentido de superar as divisões para se construir a paz: “Pela força do Espírito Santo, todos se tornem
um só corpo bem unido, no qual todas as divisões sejam superadas” (OE. VII. In MR. p. 869); “Nós
vos pedimos, ó Pai, aceitai-nos também com vosso Filho e, nesta ceia, dai-nos o mesmo Espírito, de
reconciliação e de paz” (OE. VIII. In MR. p. 874); Ou o sentido da alegria da comunhão: “Pedimos que
o Espírito Santo nos ajude a viver unidos na alegria” (OE. IX. In MR. p. 1029); “[...] concedei-nos o
Espírito de amor. Nós que participamos desta refeição, fiquemos sempre mais unidos, na vossa
Igreja” (MR. OE. X. p. 1034); “Vós nos chamastes, ó Pai do céu, para que nesta mesa recebamos o
Corpo de Jesus, na alegria do Espírito Santo” (OE. XI. In MR. p. 1029).
- 145 -
Sacrifício dado em seu Carne como banquete memorial e sacramental. Agora vamos
olhar para a presença de Cristo na vida da pessoa e da comunidade como realidade
que nos deifica e produz frutos pelos seus efeitos.
Paulo fala sobre a Eucaristia, em 1Cor 10-11, de modo indireto, como base
para outros argumentos440. “Todos comeram e beberam [...] uma comida e bebida
que, de alguma maneira, eram ‘espirituais’; que recebiam seu sentido da parte de
Deus. Mas nem por isso agradaram a Deus, [...] e receberam um duro castigo”. 441
Somente o Cristo glorificado, presente à sua Igreja, dá uma nova comida e uma
nova bebida salutares. “[...] Paulo vê a Eucaristia como alimentação – ‘viático’ - do
povo de Deus do NT”442. Alimento que se faz presente na vida humana para deificá-
la e tornarmos agradáveis a Deus pela sua graça e recebermos, não castigo, mas a
vida eterna.
O comer e beber no rito da Eucaristia opera “comunhão”, “participação” –
“koinonia” - com o corpo e o sangue de Cristo (1Cor 10,16) da mesma maneira como
as refeições judaicas dão comunhão “com o altar” (1Cor 10,18) e as dos pagãos,
“com os demônios” (1Cor 10,20). Mas, “a natureza da comunhão é muito diferente
nos três casos; no reconhecimento da Eucaristia ela é concebida, não apenas como
experiência moral [...], mas como ontologicamente real”443. O fato dos discípulos de
Jesus, após a ressurreição, se reunirem para “celebrar” em memória do Mestre
expressa a origem do novo Povo444, a Igreja, que brota do lado aberto de Cristo (Jo
19,34); e expressa também a sua presença na comunidade.
Quem recebe a Eucaristia opera a salvação e “agrada a Deus” (1Cor 10,5);
preserva sua vida da condenação e perdição (1Cor 11,32; 10.10s). Porém, nem todo
recebimento é salutar; o comer e beber “indigno” traz “julgamento” (11,29s).
440
“A temática de 1Cor não é uma temática que poderíamos chamar ‘judaica’ (a relação entre a fé e a
lei), nem tampouco tipicamente ‘cristã’ (seguimento de Cristo), mas antes ‘helênica’: a relação entre
gnosis e ágape, entre ciência e amor. A finalidade de todas as recomendações é a edificação da
comunidade”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 86.
441
“O gênero do midraxe supõe uma leitura sapiencial da passagem do AT, aplicando-a a vida da
comunidade. Aqui Paulo quer que os coríntios aprendam a lição e não caiam na mesma tentação de
idolatria que os israelitas. Mais ainda: para Paulo já estavam atuando no AT os mesmos
protagonistas do NT: Cristo e seu Espírito. A rocha era Cristo. E o alimento e bebida então já eram
‘pneumáticos’”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 89.
442
STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 143.
443
STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 143.
444
“A ‘comunhão’ une os participantes da refeição eucarística não apenas com Cristo, mas também
entre si (1Cor 10,17). ‘Os muitos tornam-se um só corpo, o próprio Cristo’ (Gl 3,27). ‘Os muitos um só
corpo’ é fórmula paulina para ‘a Igreja’ (Rm 12,5). ‘Que a eucaristia ‘constitui a Igreja’ está implícito na
idéia da Nova Aliança, na do Servo de Deus (Is 53,10-12) e na refeição pascal”. STÖGER, A.
Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p.143.
- 146 -
Indignidade, aqui, não parece expressar uma categoria moral, individual, mas, antes,
a ruptura de comunhão entre os participantes da refeição eucarística.
Quem pertence a Cristo não O divide com a idolatria, pois está em comunhão
com Cristo: o “cálice de bênção que abençoamos”, “o pão que partimos”, estabelece
“comunhão com o sangue e com o corpo de Cristo” é a “participação conjunta” numa
realidade salvífica. Não se trata de uma comunhão eclesial, apenas, mas no Corpo
de Cristo, o Senhor Glorioso, Ressuscitado, que deifica cada batizado e todo o Povo
de Deus.
448
“O relato da Ceia, que Paulo insere na discussão sobre os abusos por ocasião de celebrações em
Corinto, é ao mesmo tempo ordenação do culto, da vida da comunidade (ágape) e da vida pessoal
dos fiéis. Mais clara ainda aparece essa tendência no relato da Ceia em Lucas (Lc 22,7-38); a
celebração da Eucaristia é descrita como um acontecimento firmemente inserido na vida da
comunidade, e totalmente compenetrada da vida prática dos fiéis, de sorte que celebração cultual,
vida comunitária e vida moral formam uma unidade”. STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-
Teológico. Op. cit. p. 143.
449
Cf. STÖGER, A. Eucaristia. In Dicionário Bíblico-Teológico. Op. cit. p. 143.
450
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 92.
- 148 -
451
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 93.
452
Este ensinamento do bem-aventurado Paulo é suficiente para vos dar a plena certeza sobre os
divinos mistérios, dos quais fostes julgados dignos, e que vos tornaram um só corpo e um só sangue
com Cristo [...] a participação jubilosa no seu Corpo e no seu Sangue. Cf. CIRILO DE JERUSALÉM.
Quarta Catequese Mistagógica. In Antologia Litúrgica. Op. cit. p. 489.
453
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 93-94.
454
“Paulo vai demonstrar que uma reunião com estas características é exatamente o contrário do que
Cristo pensou quando nos encarregou de celebrar a Eucaristia. É um pecado social: não contra Cristo
- 149 -
diretamente, ou contra a Eucaristia mal celebrada em si mesma. O pecado está na ceia antecipada, e
é um pecado contra os irmãos: desprezais a comunidade de Deus [...] envergonhais os que nada
têm, 1Cor 11,22”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 95-96.
455
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 96.
456
“A presença do Kyrios nos coloca a todos diante do juízo escatológico, e a Eucaristia é assim uma
celebração comprometedora que nos faz entrar em ‘crise’. Ao possível entusiasmo sacramentalista
(mágico?), Paulo opõe [sic] a necessidade de um discernimento e uma atitude de fraternidade”.
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 97.
457
“O próprio Senhor que se entregou na cruz se dá agora à sua comunidade, a partir de sua vida
gloriosa, por meio da Eucaristia. É uma presença ‘dinâmica’, que é e se dá como comunhão e para
comunhão. Sua presença não termina no pão e no vinho, mas na comunidade que o come e recebe.
Não se trata, evidentemente, de uma concepção materialista e física. Estamos diante do Senhor
glorioso: mas sua doação e comunhão é real, mesmo sendo sacramental. Faz-nos entrar em sua
realidade escatológica”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 99. Como diz Käsemann, “a
expressão ‘presença real’, por mais que se possa objetar contra ela, responde exatamente à
realidade significada por Paulo [...], o Senhor glorioso nos faz entrar em seu espaço, em comunhão
com ele [...], a autocomunicação corporal de Cristo no sacramento nos confisca para uma obediência
concreta e corporal com o corpo de Cristo [...]. Cristo confisca sacramentalmente nossos corpos para
seu serviço em seu corpo. Assim se mostra como Cosmocrator que submete ao seu senhorio o
mundo em nossos corpos e que constitui com seu corpo o novo mundo”. ALDAZÁBAL, J. A
Eucaristia. Op. cit. 99.
- 150 -
458
Cf. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 100-101.
459
“No conjunto da obra de Paulo, a Eucaristia deve ser entendida ‘em conexão com o resto de sua
teologia’. É um sacramento intimamente relacionado com a cristologia, com a pneumatologia (o
Espírito que anima a comunidade de Cristo), com a eclesiologia (para Paulo dizer “corpo de Cristo” é
ao mesmo tempo dizer Eucaristia e dizer Igreja), com o batismo (pelo qual somos incorporados pelo
Espírito a Cristo e à comunidade), com a evangelização e a fé ( a Eucaristia é celebrada pelos fiéis),
com a vida moral (segundo o modo de viver de Jesus), com o compromisso no meio da sociedade
(para transformar este mundo, a comunidade deve ser imagem autêntica do Reino escatológico de
Cristo), com a liturgia da vida (em Rm 12, Paulo convida a oferecer a própria vida como culto perfeito
a Deus)”. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 101.
460
Cf. ROCCHETTA, C. Os Sacramentos da Fé... Op. cit. p. 301. “A eucaristia é parte dessa
seqüência de presenças de Deus na história [...]. É a presença por antonomásia de Cristo na Igreja
(SC, 7). A profecia do Emanuel, o Deus-conosco, que se realizou na vinda do Verbo eterno ao mundo
(Is 7,14; Mt 1,22-23) perpetua-se de modo eminente na eucaristia da Igreja”. Cf. ROCCHETTA, C. Os
Sacramentos da Fé... Op. cit. p. 301.
461
ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 84.
- 151 -
462
Cf. ROCCHETTA, C. Os Sacramentos da Fé... Op. cit. p. 300.
- 152 -
Cristo. Jesus traz a filiação do Pai por natureza, nos recebemos por graça participar
da natureza do Pai.
e) 5ª Leitura – Is 55, 1-11 – A salvação oferecida a todos gratuitamente: “Deus
eterno e todo-poderoso, única esperança do mundo, anunciastes pela voz dos
profetas os mistérios que hoje se realizam. Aumentai o fervor do vosso povo, pois
nenhum dos vossos filhos conseguirá progredir na virtude sem o auxílio da vossa
graça” (OVP. In MR. p. 281). Deus é a única esperança do mundo, auxílio e graça
para todos os batizados e catecúmenos. A nossa deificação iniciada neste mundo
aguarda a sua plenitude na eternidade pela participação na ressurreição de Cristo.
f) 6ª Leitura – Br 3,9-15.31-4,4 – A fonte da sabedoria: “Ó Deus, que fazeis
vossa Igreja crescer sempre mais chamando todos os povos ao Evangelho, guardai
sob a vossa contínua proteção os que purificais na água do batismo” (OVP. In MR.
p. 282). Pela nova “circuncisão” Deus faz a Igreja crescer em números na graça
batismal. A deificação, contudo, não será um rito mágico, mas se dá pelo vínculo da
pessoa ao Evangelho de Cristo, uma vez acolhendo o dom da fé, então celebra o
sacramento do Batismo que lhe dá a condição de filho.
g) 7ª Leitura – Ez 36, 16-28 – Um coração novo e um espírito novo: “Ó Deus,
força imutável e luz inextinguível, olhai com bondade o mistério de toda a vossa
Igreja e conduzi pelos caminhos da paz a obra da salvação que concebestes desde
toda a eternidade. Que o mundo todo veja e reconheça que se levanta o que estava
caído, que o velho se torna novo e tudo volta à integridade primitiva por aquele que
é princípio de todas as coisas” (OVP. In MR. p. 282). Por esta oração podemos
pensar que o plano da encarnação do Verbo e da nossa deificação estava na mente
de Deus desde toda a eternidade. Nisto reconhecemos o amor extático do Pai que
quer a nossa comunhão com Ele. Então a missão do Cristo é conduzir toda a
humanidade ao Pai, por este amor que se manifesta nos sacramentos. A Igreja ao
celebrar a Páscoa de Cristo se renova a missão de ser sacramento do Filho
ressuscitado. A nossa deificação plena se dá pela nossa volta à integridade original
da qual nunca deveríamos ter nos afastado.
h) Oração do dia – “Ó Deus, que iluminais esta noite santa com a glória da
ressurreição do Senhor, despertai na vossa Igreja o espírito filial para que,
inteiramente renovados, vos sirvamos de todo o coração” (Odd. Vigília da Páscoa. In
MR. p. 283). Pela iluminação da ressurreição de Cristo somos incorporados à sua
glória e ressurreição, recebemos a renovação do coração pela mantermos na graça
- 155 -
463
GY, P-M. Eucaristia. In Dicionário Crítico de Teologia. Op. cit. p. 685.
- 157 -
464
Cf. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia. Op. cit. p. 213.
- 158 -
ministerial. Embora esta doutrina seja resguardada pelo novo Concílio, mas ressalta
o protagonismo do Espírito Santo e da comunidade cristã (cf. PO. 5).
Tanto nos documentos pós-conciliar quanto nos estudos teológicos vai
ressaltar claramente, a presença ativa do Senhor glorioso, como ator principal da
Eucaristia. O Ressuscitado, em sua nova forma de vida, possuído pelo Espírito,
torna-se presente, em sua Igreja, em todo momento: na própria assembléia, na
palavra, e de modo especial na doação de seu corpo e sangue (cf. IGMR 7.28.33).
Além do papel dos ministros ordenados, função específica, ressalta de maneira
decidida, a participação ativa de toda a comunidade na celebração e na oferenda da
Eucaristia:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
465
SÃO BENTO. A Regra. Rio de Janeiro: Lumen Christi. 1980. Prólogo, 8-9, p. 13.
- 160 -
só resta uma decisão: vivê-Lo. Isto faz parte do mistério: caminho que não tem volta.
Não se trata de determinismo, mas sabedoria da natureza: pois se a terra mudasse
o seu ritmo de rotação repentinamente ou congelaria ou ferveria. Assim se os
humanos pela vontade própria fogem ao natural desequilibra a existência aos
extremos.
Desde o momento em que a teologia foi se distanciando do conceito de Deus
tal como se revela nas Escrituras e na Tradição dos Padres temos uma
conceituação de Deus mais filosófica que teológica; quase impossível de contagiar a
pessoa humana devido à racionalidade de conceitos abstratos.
Foi dentro desse universo de especulação que se deu a reforma e contra-
reforma na tentativa de buscar a clareza da fé, libertando-a do emaranhado em que
se havia metido na Idade Media, e, posteriormente, Moderna e Contemporânea.
Quando temos que ouvir da filosofia o discurso da “morte de Deus”, devemos
mesmo nos perguntar se se trata do Deus que se envolve conosco ou dos conceitos
metafísicos vazios de significação, dos quais só nos restam de fato o desprezo e o
seu sepultamento.
Resta para o homem de fé sempre a existência, a criação, a deificação,
enquanto fato e realidade; não palavras vazias e conceitos abstratos, pensamentos
que ajudam mais a expressar a habilidade do raciocínio que a própria
correspondência da idéia à realidade e a natureza dos fatos.
Este nosso trabalho quer colaborar para uma valorização constante das
Escrituras e da Tradição da Igreja. Pois quando colocamos um sujeito dentro da
subjetividade apenas estamos buscando a legitimação de uma realidade objetiva da
qual não damos conta de legitimar devido a nossa contingência espaço-temporal.
Estamos, aqui, contudo, querendo tirar do homem à pretensão e a necessidade de
se colocar no lugar de Deus por outra via que não seja a deificação sacramental,
inerente a sua natureza de Criatura-Objeto, não de Sujeito-Criador, independente.
Estamos pretendendo apontar uma via de fé (religação) por crer no Deus
transcendente. Mas uma fé que dispensa a ignorância por se descobrir participante
da natureza divina que tudo sabe e tudo pode, porque Ele nos deífica, independente
da nossa vontade. A deificação sacramental tem muito a dizer para as nossas
pastorais sacramentais. Uma fé assim descrita poderá enfrentar sempre o
pensamento humano, filosófico-racional, sugerindo-o, a atingir a sua fonte de
- 161 -
466
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