Professional Documents
Culture Documents
Gêneros Digitais Muito Além Do Hipertexto
Gêneros Digitais Muito Além Do Hipertexto
digitais:
muito além do hipertexto
A novidade do caráter intertextual nos gêneros digitais é o fato de que, em função do conjunto de recursos
disponíveis para uso nesse ambiente, o autor de um texto pode sugerir uma quantidade potencialmente
maior de links entre textos.
Os textos digitais exibem uma quantidade importante de links em vários pontos da estrutura textual, o que
funciona como um convite para o leitor “ir beber em outras fontes”. A presença marcante de hipertextos
influencia a delimitação das próprias fronteiras textuais, dificultando reconhecer onde começa e termina
um texto.
Intertextualidade
estilística/multimodal
Embora haja gêneros genuinamente digitais, como blogs e perfis em redes sociais, a maioria absoluta
dos gêneros presentes na internet resulta de uma adaptação a esse meio de gêneros que circulam em
outras mídias, como, por exemplo, notícias, artigos científicos, contos e tantos outros. Os gêneros na
internet favorecem um agir conjunto, que, por sua vez, favorece o surgimento de padrões de linguagem
e padrões genéricos.
Pensando novamente nos e-mails, não parece apropriado defender que exista apenas um único tipo de
e-mail já que, sendo usado por comunidades diferentes, é possível que subconjuntos de e-mails
atendam a objetivos diferentes, apresentem estilos e estrutura diferentes e versem sobre temáticas
bem diversas entre si.
Uma sugestão que o texto dá é que podemos nomear esse gênero acrescentando um adjetivo que
indique o contexto/comunidade discursiva atrelada a ele: E-mail profissional, e-mail institucional de
empresas, e-mail profissional de médicos, e-mail acadêmico de alunos e professores. Esse recorte
aumenta a probabilidade de recorrências e estabilidade relativas.
Um conceito importante para entender e ensinar gêneros digitais é o de Affordances (ou
propiciamento, na tradução de Paiva, 2010). Affordances são aquilo que está disponível num meio para
utilização pelas pessoas, algo com potencial para a ação e que emerge quando interagimos com o
mundo físico, social e virtual. Affordances tantos nos possibilitam fazer cosias como restringem aquilo
que pode ser feito; no caso específico de um aplicativo de e-mail, podemos considerar como
Affordances: definição do assunto da mensagem; anexação de outros textos à mensagem principal;
criação de assinatura padrão a ser usada automaticamente; busca por mensagens e conteúdos
anteriores; comunicação unilateral ou multilateral; ocultação de endereços eletrônicos, de modo que um
destinatário não tenha acesso aos endereços dos outros; reencaminhamento de um remetente a outro
etc.
Essa diversidade de affordances nos leva a pensar que aprender a se comunicar via e-mail não se
resume ao uso adequado da linguagem escrita para a criação do corpo da mensagem, mas inclui
habilidades para lidar com uma série de affordances que nos auxiliam a realizar ações, otimizar o tempo,
contatar pessoas diversas etc.
Gêneros digitais na
escola
Podemos constatar que há especificidades na organização
textual-discursiva dos gêneros digitais, e não há como
negar a importância de trabalhar na escola esses gêneros e
suportes digitais, mostrando aos alunos como eles se
estruturam, quais as suas características mais marcantes,
como lê-los e produzi-los. Alguns livros didáticos de ensino
fundamental e médio já incluem análise e produção de
gêneros digitais, o que mostra a necessidade de, cada vez
mais, articular ao ensino as pesquisas sobre hipertexto.
Porém, quando discutimos a inserção dos gêneros digitais
na escola, em qualquer nível de ensino, vários
questionamentos se impõem: o que considerar como
gênero e como suporte – aspecto material, por onde
circulam os textos em seus diferentes gêneros (e-mail é
gênero? Blog é suporte?), quais gêneros privilegiar e como
nomeá-los (post/postagem, e-mail/mensagem eletrônica...),
como formatá-los (cada retirada desses textos do seu
suporte de origem implica reconfiguração e mesmo
releitura), que aspectos linguísticos e textuais abordar.
Devemos ter claro o que podemos chamar de gêneros
digitais, como eles se organizam e onde circulam, e
podemos vislumbrar uma série de atividades para nossos
alunos, enfatizando a leitura, a percepção de affordances, a
observação das peculiaridades dos suportes.
Percebemos, assim, que, se no dia a dia já é difícil
Os gêneros que circulam na internet se delimitar diferenças entre fala e escrita, na internet
configuram de maneira bastante peculiar: ora esses limites ficam ainda mais fluidos. Comparando
estamos diante de um texto, como um editorial, textos variados, Marcuschi (2001) defende que o
que pode circular tanto na rede quanto em jornal importante é observarmos o continuum
impresso (portanto, um texto que não costuma oralidade/escrita, pois alguns textos são mais
ter marcas de oralidade); ora lemos textos prototipicamente escritos, outros mais orais, mas a
especialmente elaborados para a internet, maioria se encontra no meio-termo. Na internet,
misturando marcas de oralidade com elementos ocorre o mesmo, e essa é uma das características
típicos da rede, como hashtags (#), emoticons, linguísticas que constituem os gêneros digitais.
comunicação rápida e instantânea; ora Mostrar aos alunos como essas marcas específicas
deparamo-nos com textos que simulam uma da internet se ajustam a marcas que costumamos
conversa e, por esse motivo, mesclam chamar de oralidade para compor textos escritos
na rede é uma atividade que, além de mostrar
propositalmente marcas típicas da fala em
aspectos importantes para a leitura e a escrita dos
textos que, por estarem na internet,
gêneros digitais, colabora para desmitificar a
apresentam-se como escritos, como é o caso de
imagem de que o texto escrito é sério, formal,
conversas via MSN ou Facebook.
correto, normativo, enquanto textos marcados pela
oralidade são o oposto.
Outro tópico interessante a ser trabalhado na escola é a referenciação. Se pensarmos em mensagens
eletrônicas, um dos aspectos peculiares, e que se repete em outros gêneros, como postagens em
Facebook, por exemplo - é a pressuposição de que cada mensagem deve ser compreendida não
isoladamente, mas no conjunto da troca de mensagens precedentes e subsequentes. Essa interrelação
de textos assincrônicos também ocorre em outros gêneros interpessoais, como cartas, porém em
gêneros digitais isso fica mais explícito e, devido à agilidade da troca interativa, mais perceptível.
Assim, processos referenciais como anáfora e dêixis passam a ser percebidos sob uma ótica diferente
pelos interlocutores. Em linhas gerais, as anáforas recuperam objetos de discurso explicitados ou não no
cotexto: no primeiro caso, temos anáforas diretas; no segundo, indiretas. Caso tenhamos um termo que
atue como anáfora resumitiva de uma porção textual, estamos diante de um encapsulamento (ou
anáfora encapsuladora). Já a dêixis é tradicionalmente classificada como as referências textuais
associadas a coordenadas de tempo, espaço e pessoa.
Assim, podemos observar que, se é verdade que, diante de qualquer texto, sempre precisamos fazer
inferências, no caso de gêneros digitais interpessoais, como as mensagens trocadas via e-mail, a
sobreposição das mensagens interfere sobremaneira no acionamento de inferências, potencializando-as,
posicionamento defendido por Costa (2007).
Podemos encontrar outra abordagem de referenciação nos gêneros digitais, importante para o ensino, em
Xavier (2013). Segundo o autor, os hiperlinks comumente encontrados em sites também funcionam como
mecanismos do que se poderia chamar de "referenciação digital", que consiste no "encapsulamento de
significação", colaborando na coesão e na coerência do hipertexto. Como é necessário fazer inferências não
apenas para decidir em que link clicar-leve a um material verbal, não verbal, multimodal... -, mas também
para relacioná-lo ao resto do texto, constatamos a complexidade que é fazer uma leitura em ambiente
virtual.
Há vários caminhos para iniciar a abordagem de gêneros digitais em sala de aula. Seja mostrando aspectos
linguísticos que os caracterizam, seja revelando objetivos e peculiaridades desses gêneros e suportes, seja
destacando aspectos específicos de sua constituição - as affordances, uso de hashtags etc. -, ou ainda
sensibilizando os alunos para a multimodalidade tão presente na internet. Resta ao professor selecionar o
caminho mais adequado à sua turma, conforme o conteúdo programático e os objetivos que pretende
alcançar.
Considerações finais