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X Encontro Nacional 463 Dulce Rebelo FOG ‘SUA A SIGNIFICAGAO DAS PALAVRA: M_ PROBLEMA EM ABERTO Qualquer enunciads proteride, ouvide ou ido & sempre constituido por palavras. Numa primeira abordagem podemos considerar as palavras como objectos perceplivos que devem ser reconhecides, identificados @ clasificados. Mas a palavia apresenta-se sob um duplo aspecto: 0 signilicante tcombinagdo de fonemas ou gratemas) © © signilicade, ou seja. @ sentido Nao 6 possivel conceber uma palavra isolada do seu sentido. O signo verbal nao so redus a um padido visual ou auditivo, A significagao esta nele intagrada No entanto, tal como outras unidades linguisticas (enunciados. discursos). a palavra remete para uma realidade extralinguistica & qual faz referéncia: ¢ a personagem de que se fala, 0 acontecimento que se discute, a ideia que se evoca, © projecto que se forma. 0 objecto que se designa. Marcar a distingao entre sentido e referéncia nao é tarefa facil, nem para linguistas nem para psicologos. Uma palavra pode reforir-se a um objecto, mas seu sentido nao ge assimila no objecto nem a relagao que com ele mantém. Por um lado, conservando a palawra o mesmo sentido pode referir-se a uma infinidade de outros objectos (exemplos: cio. eanela, ete.): por outre lado, duas expressies diferentes podem referirse ao mesmo cbjecto sem terem o mesmo sentido, Veja-se o exemplo de Frege (1892, citado por Bronckan. 1982). “estrela da manha’ ¢ ‘estrela da tarde” referem-se ao planeta Venus mas nao lém o mesmo sentido. 464 Associacae Portuguesa de Linguistica Se é relativamente facil afirmar que se conhece 0 sentido de uma palavra ja nao 0 € detinir o que se entende por isso Em geral aceita-se que aquilo de que se fala difere daquilo que se diz e do mesmo modo se aceita que um sujeito é capaz de construir um conhecimento do referente pela recolha @ elabortagao de intormagdes perceptivas, independentemente do discurse que pronunciar a seu respeito Estes aspectos permitem atribuir valor de verdade aos enunciados e distinguir entre as descripdes de um objecto ou de um acontecimente quais sao as exactas @ quais so as inexactas. Mas uma duvida pertinente é sugerida pelos psicolinguistas: se o referente pertence a realidade extralinguistica, seré que pertence também ao extracognitivo? A realidade extralinguistica nao 6 independente da cisdo entre a experiéncia individual e os sistemas interpretativos que caracterizam os diferentes grupos culturais, e estao profundamente inseridos nas respectivas linguas. Esse 0 problema, pois se¢ 0 referente pertence ao extralinguistico e nao evidencia o cognitive, 0 seu estatuto 6 ambiguo. dada a interpenetracao entre o linguistico e © cognitive Para sair deste impasse propdem alguns autores (cf. Bronckart, 1983, p. 104) que se distinga dois dominios no referente: o denotatum {esse objecto singular, estimulo de percep¢ao} e o designatym (classe de objectos definidos em compreensdo). No entanto, 6 complicado indicar um referente para palavras como “porque”. “mas”, “porém’. Alids, 0 referente de uma palavra nao tem de se situar no momento actual. podendo fazer parte do possivel ou do imagindrio. Designagées como “Pai Natal” ou “Gigante Adamastor”, conhecidas na nossa cultura, pois sabemos do que se esta a falar, levantam grandes dificuldades & elaboracdo de qualquer teoria da referéncia. Subsistem os problemas essenciais quanto a significagao: - Como se define a significagao da palavra? X Encontro Nacional 465 - Como se representa na mente do individuo @ sentide de uma palavra? = Coma se constroem as significagdes das palavras? Avoriguar 0 que 6 a significacdo implica andlises que se situam em trés dominios: 0 objecto, o sujeito_psicolégiga e a lingua, e todos eles se interpenetram. © objecto depende do sujeito que se apropria desse conhecimento, e é 0 sujeito que contribui para modelar 0 objecto em fungdo da sua organizagao cognitiva; a lingua exprime-se sobre o objecio © 6 0 sujeito que a activa, falando. Uma rede de implicagées, como se vé. As pesquisas desenvolvidas em psicolinguistica, apoiadas em dados experimentais, procuram validar um certo nmero de hipdteses quanto aos problemas enunciados e contribuir para a redugao dos obstaculos, de modo a ctiar-se uma nogdo mais exacta do que é o sentide de um terme lexical Os principais trabalhos, os mais importantes, comegam a surgir no final dos anos 70 @ representam as diversas tentativas para definir 0 sentido da palavra, tendo em conta dois aspectos: a aquisigao das palavras e seu desenvolvimento semantico e@ a construgdo das significagses e sua organizagao na memoria. As diversas concepgdes que presidem as teorias que exporei de forma breve, inspiram-se em corentes da linguistics, na filosofia da linguagem, na informatica ¢ na psicologia experimental A significagao da palavra serd um conjunto de tragos semanticos? Uma representagao prototipica? Ou um conjunto de processos? A investigagdo orientou-se sucessivamente pelas vias que sugerem as interrogagées, dando origem as seguintes teorias: 466 Associagdo Portuguesa de Linguistica . Teosia dos componentes semanticas Teoria da concepeao proposicianal Teoria da semantica do protetipo Teona semantica dos processos. Teoria dos componentes semanticos Tendo em conta que 0 conceito que representa o significado de uma palavra se define de mode diferencial em retagao aos outros significados possiveis, 0 sentide de uma palavra sera 0 conjunto dos tragos pelos quais se diferencia das outras palavras da lingua. Recorrendo aos dados fornecidos por experiéncias de associagdo verbal, Clark (1970) interpreta a produgao de uma associagao como uma operagae que allera, adiciona ou suprime um ou mais tragos. Assim, se a palavra homem tor associada a palavra mulher 6 0 trago (4 masculino) 6 alterado o que, segundo o autor, explica a grande frequéncia de associagées por contraste Entre os estudes que procuram comprovar a existéncia psicolégica dos tragos semanticos sobressaem os realizados sobre a aquisigao da linguagem, onde se procura interpretar o desenvolvimento das significagdes do vocabuldrio como a apropriagdo progtessiva pela cnanga dos diversos tragos semanticos. Em geral, quando se aborda o problema da aquisi¢ao do léxico, privilegia-se © aspecto quantitative, referndo-se dois periodos distintos: 0 primeiro, de aquisigao lenta, entre os 12 € os 18 meses (cerca de 22 palavras) € 0 segundo, de aquisi¢do mais rapida, entre os 18 meses e os 3 anos (cerca de 1200 palavras). X Encontro Nacional 467 As primeiras palavras do léxico pronunciadas pelas criangas estao sempre relacionadas com situagdes concretas e com objectos familiares. Embora seja dificil estabelecer critérios de correlagao evolutiva entre as palavras soltas do inicio e 0 léxico organizado em categorias, que vao sendo progressivamente adquiridas, ¢ 0 que alguns autores tentam fazer. Duas atitudes ocorrem durante a aquisi¢ao do léxico: No inicio, quando a crianga adquire uma nova palavra pode reserva-la apenas para um determinado objecto, reduzindo a extensdo do sentido (hipoextensae). Como exemplo cito 0 caso de Cristina {2 anos) que chamava “dedo” a um cobertor azul, desbotado, macio, que Ihe servia de chupeta para adormecer. Nao englobava nessa designagéio qualquer outro cobertor que apresontasse algumas das caracteristicas do primeiro. Mas pode ocorrer 0 contrario - a extensao abusiva (hiperextensdo) do termo, quando a crianga alarga o uso da palavra a uma intinidade de objectos. E o caso corrente das criangas que chamam “edo” a tedos os animais, e néo s6 os que 1ém quatro patas, ou “papa” a todos os hamens que encontram. Uma intespretagao desta evolucao lexical infantit consiste em considerar que a hiperextensao inicial é determinada pela semethanga que 0s reterentes apresentam entre si. Eva Clark (1973) sistematizou esta interpretagao, explicando a generalizacio do uso do mesmo vocabulo por analogia. Semelthangas de forma, cor ou volume: determinam a extensdo abusiva. As observagées realizadas pela autora revelam que a palavra lua para determinada crianga era 0 significante comum de lua, bola, arco. e a designagao de tique-taque. aplicada inicialment +, por outra crianga, a um relégio de cémoda, passou a designar todos os telogios, fosse qual fosse a sua forma ou volume, exlendendo-se ainda a outros objectos como um contador de gas e um termémetro de parede A hiperextensdo dé origem a relagdes metaloricas ou metonimicas. Uma determinada ecanga usa 0 vocabulo odcd (cantar de galo}) para designar qualquer drea musical, quer seja tocada no piano, no violino ou ainda num disco. 468 Associagdo Portuguesa de Linguistica Tabouret-Keller (1977, p. 296), que se aproxima da interpretagao de €. Clark. considera que as primeiras palavras infantis demonstram a inadequagéio da linguagem ao reat, pois qualquer enunciag&o, mesmo constituida por uma so palavra, revela um processo metatérico de que nenhum terme da lingua esta isento. Além disso, as primeiras formas verbais, os primeiros significantes esto de tal mado ligados a situag&o em que s40 enunciadas que, fora dela, nao é possivel a sua compreensio. E. Clark explica as variages de sentido {hiperextensao e depois redugdo progressiva} pelo facto de no inicio a crianga apreender apenas uma parte dos tragos semAnticos que constituem a significagéo das palavras, e so a aquisigao de novos trages val reduzindo progressivamente a sua extensao. As variagdes da extensao de sentido s4o do maior interesse, pois revelam a evolugdo de uma caracteristica fundamental da significago: a aplicagao pertinente da palavra aos referentes que designa As palavras de uma dada lingua tén a caracteristica geral (exceptuando os nomes préprios) de se aplicarem a referentes que nao so idénticos ou, se 0 so, apresentam-se miltiplos. As normas linguisticas definem {com alguma variagSo © incerteza) 0 campo dos referentes a que cada palavra deve aplicar-se. De acardo com a teoria que venho expondo, as novas aquisigées da crianga organizam-se num nucleo de relagdes que se formam a partir das primeiras palavsas. Assim, de ‘papa’ e “mama”, com varias adjungdes, comegam a organizar-se as grandes categorias e as oposigées fundamentais masculino/feminino, {amiliar/estranho, humano/no humano, etc. Por altura dos 2 anos surgem as aquisigdes de pares de opostos: limpo/sujo, grande/pequeno, menino/menina @ também as nogdes de espago e lempo que se vao enriquecendo até aos 5-6 anos. Varias pesquisas se ocuparam da cronologia € simetria da aquisigao dos pares de opostos (Donaldson e Balfour, 1968; Eva Clark, 1973 e 1976). O X Encontro Nacional 469 que merece realce nestes estudos ¢ verificar que os dois termos de um par nao sé0 adquirides em sincronia. © termo considerado semanticamente positive € usado antes do termo negative. Durante algum tempo, 0 termo negative 6 usado como sinénimo do positive; sé mais tarde a crianga se apercebe das relagdes de contraste entre os dois termos. Por oxemplo, na oposigao alto/baixo as criangas apercebem-se dos critérios + espacial e + vertical, mas ndo de + elevagao (alto) e - elevagao (baixo). Deste modo, grande 6 adquirido antes de pequeno, mais antes de menos, quente antes de {rio e assim por diante. A combinacao de tragos seménticos (nitidamente inspirada na fenologia) proporciona modelos de analise interessantes € por isso a minha descrigao foi relativamente minuciosa, mas ha lacunas a apontar de que ressallo as seguintes: © Os exemplos apresentados nao sao em numero suficiente para se extrair uma regra geral quanto ao uso das primeiras patavras. « Se sdo poucas as palavras (como confirma E. Clark) a que se aplica a icil daterminar a hipoextensdo, pois as hiperextensdo, ainda é mais respostas infantis nem sempre acontecem * A escolha dos tragos semanticos no é davidamente justificada, nomeadamente no que respeita aos tragos positivos ¢ negalivos. + E dificil defini quais sao os tragos elementares que diferenciam o sentido de uma palavra do sentido de oulras palavras afins. Acrescente-se ainda que as observagées referidas por €. Clark nem sempre sao confirmadas em outras experiéncias. A crianga que usa abusivamente a palavra “cao” para quase todos os animais. sabe no entanto distinguir 0 cao num conjunto de animais. 470 Associagdo Portuguesa de Linguistica As experiéncias que serviram de base a esta teoria demonstram que existem entre as palavras relagdes de semelhanga ou diferencas de complexidade, mas no séo claras quanto ao facto de esta semelhanga ou osta complexidade terem de ser analisadas em termos de tragos distintives. Pelas razées enunciadas alguns autores (ver Carey, 1982} consideram que a hipstese dos componentes semanticos no explicita como se processa o desenvolvimento semantic das palavras. Teoria da concep¢ao proposicion: Uma outra via é seguida por Kintsch (1974), ao definir 0 sentido da palavra como uma lista de propriedades. A unidade seméntica de base é a proposigdo. que 6 uma relago (ou predicado) que conceme um ou varios termos (ou argumentos). O predicado pode compreender um sé argumento. ou vatios, como se verifica nos seguintes exemplos: 1. 0 lobo uiva : uivar (lobo) - um argumento 2.0 padeiro coze 0 pao no forno : cozer (padeiro, pao, forna) - trés argumentos. Para Le Ny (1979). a predicacao € a operagao mais importante de todas as actividades semanticas. As relagdes entre predicados e argumentos apresentam-se sob as mais diversas formas, que os sequintes exemplos do autor ilustram: 1. A Bretanha é humida predicado : adjectivo argumento: nome. X Encontro Nacional 471 2. A Inglaterra uma itha predicado : nome comum argumento: nome préprio 3. A Terra gira predicado : verbo intransitivo argumento: nome Nestas frases 0 predicado $6 usa um argumento, mas podem surgir dois ou mais argumentos como ocorre nas seguintes frases: 4, Jodo observa a paisagem predicado —: verbo transitivo 2 argumentas: o que observa € o que é observado 5. Jodo dé um livro a Anténio predicado —_< verbo transitivo que requer 3 argumentas: quem da, a quem dé eo que se da Nas frases citadas séo usadas como predicados varias categorias bem determinadas de patavras. Seré que a nogao de predicado engloba sempre um conjunto de categorias lexicais determinadas, como nomes, adjectivos, verbos? A andlise de diferentes frases leva Le Ny a concluir que nem o predicado nem o argumento comespondem sempre a um conjunto determinado de categorias lexicais. O predicado e 0 argumonto designam fungdes no enunciado, de que resulta a significagao © esquema proposicional facilita a descrigdo da significagao das palavras das frases. A significagio de uma palavra representa-se sob a forma de uma lista de proposi¢es em que cada termo remete para uma nova lista € assim continuamente. Esta lista rene 0 conjunto de conhecimentos que estao associados a palavra. 472 Associagdo Portuguesa de Linguistica Qs dados experimentais em que Kintsch se apoia tém por objective determinar a validade psicolégica da proposigao. No entanto, ac identificar a organizagio do léxico com a organizagdo dos conhecimentos do sujeito, 0 autor assimila a palavra a uma etiqueta, aplicada a um certo conteudo conceptual, e esquece certs aspectos linguisticos da significagéio, nao tendo em conta as telagdes que a palavra estabelece com outras unidades do sistema da lingua. Tambeém esta teoria nao parece ser capaz de resolver 0 problema da significagao da palavra Teoria da sem4ntica do protétipo ‘A versfo da teoria da semantica do protétipe que vou expor corresponde as primeiras formulagdes apresentadas por E. Rosch (1973) e seu grupo de investigadores nos anos setenta. Mais tarde, os proprios iniciadores mudaram um pouco a orientagao seguida e renunciaram em parte as teses defendidas para descrever a organizacao interna das categorias. Mas 6 a versao inicial a mais conhecida e a mais expandida, pelo que se torna ulil dar a conhecé-la, como alids sublinha Kleiber (1990), que fer uma apreciagao critica, muito completa. desta tearia As palavras representam conceitos que definem categorias que se apresentam pouco precisas. Para resolver esta questo, Eleanor Rosch (1976} desenvolve a nogao de protétipa com a dimensio correspondente de tipicalidade Um protétipo é uma sub-categoria que constitui uma melhor representacao da categoria do que as outras sub-categorias. A ideia fundamentat é que as sub-categorias n&o so constituidas por membros “equidistantes", em relagao 4 categoria, mas comporlam membros que sao melhores exemplares do que X Encontro Nacional 473 outros. Algumas experiéncias realizadas pela propria autora, ou sob a sua influéncia, fomecem dados que sac para reflectir. Uma experimentacao consistiu em perguntar aos sujelios qual das sub- categorias “paral”, “andorinna", “aguia’, “faiséo", etc, era mais representativa da palavra ave, e qual das sub-calegorias “maga”, ‘péssego”, “azeitona”, melao”, “tomate”, etc., era mais representativa da palavra fruto. As respostas foram coincidentes. isto 6, o sentido das palavras ave e fruto no resulta de um conjunto de carecteristicas que definam cada uma delas, mas de uma representagao particular, nao analisdvel, dessas patavras (ex.: come-se no fim da refeigao, 6 doce ou dcida, etc., para frute). A ordem das preferéncias revela o grau de tipicalidade de uma sub-categoria em relagao & categoria superordenada. Para a categoria fruto, por exemplo, 0S sujeitos inquiridos por E. Rosch indicaram a maga como o methor exemplar e a azeitona como membro menos representativo. © grau de tipicatidade das sub-categorias desempenha um papel determinante na apreciagao dos sujeitos. Sao as categorias ou atributos, que as sub-categorias possuem em comum, que determinam a sua semelhanca mitua. So também as caracteristicas ou atributos, que uma subcategoria possui em comum com a categoria superordenada, que leva a avaliar a primeira como tipica ou prototipica em relagao & segunda. Os resultados das experiéncias que foram refeitas com sujeitos franceses (M. Denis. 1978; F. Cordier, 1980) revelam uma grande estabitidade, um consenso bastante ampio entre os sujeitos de uma mesma comunidade. O objectivo da semantica do protatipo & precisamente descrever estas zonas de saber prototipico partilhado pelos diferentes sujeitos humanos. 474 Associagdo Portuguesa de Linguistica No entanto, varias criticas tém sido dirigidas a esta teoria (cf. Caron, 1989). considerando-se que as experiéncias efectuadas nao sdo de molde algum conciudentes quanto ao que se protende extrair delas. As nogées de tipicalidade e de prototipe tém apenas um valor deseritivo, no se tornando possivel determinar qual o seu verdadeiro estatutc psicoldgico. ‘eoria semantica dos processos Alguns autores (Clark et Clark, 1977; Johnson-Laird, 1977, 1982), inspirando- se na pesquisa sobre a inteligéncia artificial, concebem 0 funcionamento da linguagem como uma linguagem de programagao que fornece ao computador sequéncias de instrugdes que comandam uma série de processos A definiggo de todos os significados baseia-se na nogao de processo, ou seja, um conjunto de operagées de decisao. Conhecer a significagdo de uma palavra 6 saber usa-la, ¢ a significagao define-se pelo emprego da paiavra, pelos processos que intervém na escolha desse uso. Assim, 0 sentido de uma palavra no se define como um conteido mental, que a palavra evoca, mas antes como um conjunte de processes que. de acorde com 9 contexto em que se aplicam, podem originar “efeitos de sentido” diferentes. Esta teoria, em relagdo 4s anteriores, apresenta maior amplitude na sua dofinigéo do sentido de uma palavra, pois valoriza a influéncia do contexto, as diversas formas de uso da linguagem e ainda os aspectos da extensao da significagao, mediante processos de denominagao ou de identificagao. Além disso, possibilita a abordagem da significagao dos termos funcionais (determinantes, pronomes, conjungées, etc} ainda pouco estudados em semantica psicolégica. X Encontro Nacional 475 Os termos funcionais, desprovides de conteudo, nao se referindo a nada, no remetendo para qualquer conjunto de conhecimentos, constituem uma parte fundamental do léxico. S40 elementos que 1ém miiliipla funcicnalidade pois apresentam grande diversidade de valores, conforme os contextos, e, numa dada ocorréncia, assumem simultaneamente um conjunto de fungées. © sentido destes termos funcionais e¢ 9 produto de uma construgado elaborada no momento do seu emprego, dependendo estreitamente do contexto, ndo sé do contexto linguistico mas também da situagao de comunicagao em que so enunciados. Apesar das caracterislicas positivas, a teoria da semantica dos processos apoia-se sobretudo em argumentos tedricos € simulagGes no computador, carecendo de dados experimentais suficientes que tomem validas as suas propostas. Conciusao Finalizada a apresentagdo das teorias interpretativas da significagao das palavras, de modo aliés muito sucinto, algumas observagGes me parecem pertinentes: 1. Gerlas patavras apresentam ambiguidade lexical, Assim, uma palavra ambigua corresponde de facto a varias unidades lexicais distintas (ex. canto e canto). 2, Muitas palavras comportam grande variedade de sentides, o que dificulta uma separagao nitida entre eles. 3. A polissemia nao é um fendmeno excepcional, mas geral, consistindo muitas vezes numa modulagéio do sentido conforme o contexto. Bransford e seus colaboradores (1976) puseram em evidéncia, experimentaimente, esta flexibilidade seméntica, concluindo que as palavras 476 Associagéo Portuguesa de Linguistica em si mesmas nao sao portadoras de significagao. A significagdo é uma representago construida em fungao das instrugdes forecidas pelas palavras. O sentido das palavras reside no modo como permitem estruturar um dominio extralinguistico particular. Por sua vez a metéfora 6 um caso particular da flexibilidade seméntica. Todos estes aspectos: lexibilidade semantica, ambiguidade, metafora, sdo dificais de conciliar com a hipétese de uma significagae lexical invariante figada a cada palavra. Isto significa que 0 problema da significagdo da palavra continua em aberto Novas vias de investigagio tendem a esbater a distingdo classica entre sentido ¢ referéncia, numa perspectiva diferente daquela que toi adoptada pelas teorias semAnticas atrs descritas. A pesquisa reafizada por autores de diferente formagéio contribui para nos apercebermos de que a seméntica lexical nao pode ser estudada de forma isolada. Afinal a palavra funciona num contexto, e é certamente a outro nivel - 0 da frase - que as significag6es do iéxico tém de ser entendidas. X Encontro Nacional 47 BIBLIOGRAFIA BRANSFORD (J.0.) etalli - 1976 - Contexte, compréhension et flexibilité sémantique - quelques implications théoriques et méthodiques, S. Ehrlich @ E, Tuluing {ed.) Bulletin de Psychologie (La mémoire sémantique). 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