You are on page 1of 36
LETRAS CLASSICAS O PALACIO CEGO DE RACINE JOAQUIM BRASIL FONTES * Faculdade de Educagio dda Universidade Estadual de Campinas RESUMO: No prefacio a Fedra, encenada pela primeira vez em 1677, Jean Racine delara que sua pega se inspira em Euripides, sem fare quale (quer alusdoexplica a Seneca, inegavelmente o autor antigo como ual dialoga com mais freqléncia em sua tragédia. Esse estudo procura subli nhar a presenca de Phaedra em Phédre, de Seneca em Racine (por inter- smééio de temas, vocabulrioeesnuura dramétic),indicando, ao mesmo tempo, etentandoexplicar outra censure impesta ao mito flo dramatur- frances: 0 apagament de Diana, figura que parece ser indispensdvel ao desenvolvimento da tragédia. PALAVRAS-CHAVE: a raswra de Diana; 0 mito de Fedra; Seneca e Racine 1. Um preficio tortuoso Racine, Euripides e Séneca “Eis mais uma tragédia cujo assunto procede de Euripides”: Jean Racine abre 0 preficio & primeira edigdo de sua Phédre com essa frase de protocolar objtivida- de que, desenrolando-se, neutra, revela, afinal, ser parte daquelas inteigantes ambages tdo comuns na poesia e na prosa do mestre francés: sim, ele admitiria ter-se afastado um pouco do dramaturgo grego, quanto ao curso da aco, mas a0 srego ele deve seus brilhos maiores, a ideia do carder de Fedea e, com certeza, tudo 0 que havia até entéo colocado de mais razoavel ou racional em seu teatro, no sentido atributdo pelo seiscentismo francés ao termo raisonnable: “conforme A natureza e a verdade" (Racine, 1991). *Quoiquej'a suivi une route un peu diferente" a concessto,estcategicamente situada e redigida com desenvoltura, e como que destinada a logo apagar-se no longo pardgrafo no qual desemboca, merece, por isso mesmo, ser revista com mais atengdo; ¢ nao s6 porque a peca de Racine difere muito da de Euripides, como, € sobretudo, por um siléncio vazado nessa frase, siléncio inquietante, se nos ocorre lembrar que © texto classico se constitui - funda-se, de certo modo, ~ no mecanismo chamado, com insistencia e ainda, pela teoria académica des le- tras, de intertexto: a ago, na Phédve, ndo deve pouco a outeo¢ prestigioso mode- FONTES, Joa Bras Opaliooces deRasoe, lo; ela deriva, incontestavelmente, de Séneca, 0 ilésofo dramaturgo, esquecido sno momento de referéncia as fontes e mal evocado alguns pardgrafos adiante, ‘mas possivelmente sob 0 signo de um Wiederkehr des Verdrangten e ao lado do rmestre reconhecido e agora também denegado: “Acusam Hipélito, em Euripides «Seneca, de ter violado a madrasta ~ vim corpus tult. Mas aqui ele € acusado apenas de ter concebido esse projeto". Vim corpus tulit, verso da dissimulada Fedra senequiana: tomowme pela forga. Fede, posonagem trigica Racine compée seu texto, portanto, sobre uma partitura elaborada por Euripides, esse Sécrates dramaturgo, poeta-fildsofo que soube criar, com sua Feda, uma personagem fundamentalmente tagica:existtiam nela as qualidades suficientes e necessérias para provocar no piblico aqueles sentimentos de terror € compaixdo!solicitados por Aristételes na Poétca: nunca de todo culpada ou ino- cente, ela mergulha, mercé do destino e da célera dos deuses, numa paixao ilegitima, da qual € a primeira a se horroricar: prefere morrer a declarar esta paixto a alguém. E quando ¢ forcada a desvelar a falta, ela o faz em meio a tal desordem, que tudo se esclarece para quem vé e ouve: foi movida pelos deuses, mais do que pela vontade.? Mito/Histéria Racine avangaria, pois, a partir de Euripides, mas amparado, também, pela autoridade de outros mestres antigos, cujos nomes atestam que, embora ‘eriando aqui uma personagem insdlita - Aricia, noiva do casto Hipdlito ~ e pare- ceendo transformar, ali, o cardter de outra, o poeta moldou-se, sempre e cheio de excripulos estéticos, fabula, conformando-ée, por exemplo, ao testemunho de ‘Virgilio, citado junto a “quelques auteurs” mantidos no anonitnato: sa0 Ovidio, a0 que parece, ¢ talver Apolodoro e Filostrato. *Cheguei a seguir a historia de Teseu, escreve 0 dramaturgo, “tal como esté em Plutarco’. Se de novo a ablagdo do nome de Séneca volta a perturbar a quantos conhecem a estética clissica da imitacdo ¢ as dividas do frances para com 0 latino, Plutarco, entretanto, faz aqui uma apari¢do & point nommée: mitélogo evererista, ele permite ao dramaturgo puxar o fio da narrativa na direg4o da verossimilhanga e manter, a0 mesmo tempo, “os ornamentos da fabula’, funda- dores, por definicéo, do "poético” classcista A anilise dessa répida alusio a Teseu, apreendida entre mito e histéria, ppermitiria esbocar, em estudo mais amplo, uma tentativa de compreensio do a LETRAS CLASSICAS texto (mas também da politica, como se verd adiante) do seiscentismo francés, na segunda metade de um século cartesiano mas ainda arstotélico;reistre-se, aqui, apenas o seguinte: 6 que esté em jogo nao € a pretensa verdade histérica, mas sim a l6gica interna dos discursos, isto €, a necesidade - textual, por assim dizer - dos eventos, ¢a credibilidade - a l6gica externa - dos fatos narrados. Para ating esses fins, 0 escritor conforma-se a modelos - do real, da obra -, modulando sua vor a partir do mecanismo ret6rico da persuasio, ¢ com os olhos sempre voltados, portanto, na diregao da complicada déxa, a opinido piiblica, isto é, cortés: polida eatrelada a0 Rei. O poeta”, escrevia Hedelin d’ Aubignac, em 1657, num velho francés cujos anacolutos ¢ maiisculas se mantém nesta tradus4o, «quando considera em sua Tragédia a Histéia verdadeira ou que supse ser verdadera, procira guardar apenas a verossimilhanga das coisas com ela compor todas as Agdes, Discusos Incidentes, como se ivessem realmen: te aconteido(..) A cena ndo mostra as coisas como aconteceram , mas comodeveriam ter acontecido, eo poeta deve retfiar no assuntoencena do tudo 0 que ndo se acomoda @ sua are (Hedelin, 1927). Sob a protesao da Poética revista pelas ideologias teatrais - 0 adjetivo foi excolhido em fungio de sua ambfgua carga semantica - do Grande Século, 0 escritor pode, assim, caminhar com elegante desenvoltura na terra incégnita, fronteira brumosa - a expressio é do proprio Plutarco em sua “Vida de Teseu” ~ para onde se exilam as biografias dos herdis lendaios, a cavalo entre mito € historia. Practeritioou patalipee ‘continua Jean Racine, homem habituado, como se viu, as cor- cléssico, “no mais", no ouso afirmar ser esta a minha melhor ‘ragédia, Deixo aos leitores ¢ a0 tempo a decisto sobre seu verdadeito mérito”. E a seguir, e envergando, quem sabe, outra méscars Mas posso garanti ndo ter escrito nenhuma outra em que a vireude se cevidencie mais do que nesta; aqui, as menores culpas sdo severamente punidas e 0 simples pensamento do crime é encarado com tanto horror ‘quanto 0 prdprio crime; as fraquezas do amor sao aqui verdadleiras fraque- ‘zs; as paixdes se explem aos olhos apenas para revelar as desordens de ‘que sto a causa, e 0 vicio¢ pintado sempre com cores que mestram sua monstruosidade e a torsam detestavel (Racine, 1991, p. 247) -99- FONTS Joaquim Bras. Opsliciocegode Racine Curioso argumento, cujas caracteristicasjudicidrias convidam & compara ‘80 de Jean Racine com dois grandes escritores do séeulo XIX: acusados de Ultrajar a moral pablicae a religiao com suas obras, Charles Baudelaire e Gustave Flaubert defendem-se usando as armas do proprio inimigo, o leitor burgués € hipocrita, seu semelhant, su ido, "O autor deste livro" - M. Sénaed, advogando a favor do romancista, comeca mais ou menos assim seu discurso, no famoso procesto julgado em 1857 ~ “é um homem honesto; seu pensamento, da primeica A lima linha, € moral, religioso(..). Uma sentenga o resume: incitagao a virtude pelo horror a0 vicio* (Flaubert, 1991, p. 732) (Ors, se Phedre também encenao vicio de modo a tomar sua monstruasidade detesdvel, 6 paralelo entre antigos e modernos é aqui, na verdade, o paleo da dliferenga e, depois de as ter deslocado no tempo, cumpre a fungio de ancorar as obras em seu contexto hist6rico/estétco: Jean Racine ndo um homme de letees ro apogeu do capitalismo, mas um honnéte homme cortés, e aquele complicado parégrafo do preficio nao € um plaideye, mas um ponto no corpo sensivel do texto sciscentsta, onde volta talver a pulsar a questao horaciana e ideolégica aut prodese volunt aut delectare poetae - inaugurada nas discuss6es dos humanistas italianos ¢ resolvida, de certa forma, através do compromisto proposto por Alessandro Piccolomini em lugar da alternativa, do aut, aut, impée-se a vigéncia do et, et, do acordo entre Aristételes a Igrea, entre uma estética hedonista ea moral erst. Mas, para justificar sua Phédre, Jean Racine parece estar voltando a colo- cat a mio ntim dos peatos da belanca: © homem que trabalha para o piblico, cesereve ele no medndrico preficio, deveria transformar o teatro numa escola conde a virude fosse encenada como na escola das flésofos; bor isso, Aristteles dignowse a atribuir regras ao poema dramdtico e Seerates, 0 mais bio dos ilésofes, nao desdenhou péras maos nas tragé- dias de Euripides." Seria deselvel que nossa obras fssem to substanciais plenas de ies instrugses quanto as daqueles poetas. Seria talvez um ‘meio de reconciliar a tragédia com grande niimero de pessoas céebres pela Diedade e pela doutrina, que a condenaram nos iltimos tempos (Racine, 1991, p. 249). “Estou a servigo de uma boa causa, sou stil, instruo. Prosum: dignificada pela referéncia & filosofa, a Phédre raciniana, filha da razdo, parece avangar até ‘nés, envergando, & maneita das alegorias seiscencistes, « mdscara do piedoso exem- plo, quando, quase em seu ponto final, o prefécio nos entrega outra chave interpretativa, ao referirse, incidentalmente, as pessoas célebres pela piedade e doutrina’, com as quais, no fundo, 0 poema dramético deveria, na opiniéo do ddramaturgo, concertar as pares: = 100- LETRAS CLASSICAS (.) seria ese talver o meio de reconcilaratragédia com grande niemero de pessoas clebres por sua piedade por sua doutrina, que a condenaram nos ilkimes tempos, e que ajulgariam, sem divida, mais favoravelmente, se 05 autores vsassem tanto a instru quanto adivertr seus especcadores, perseguindo, assim, o verdadeiro alvo da ragédia (Racine, 1991, p. 247). ‘Alusio dbvia aos jansenistas? Seriam cles os verdadeiros interlocutores do poeta? Essa é, como se sabe, a tese de todo um setor da eritica raciniana e, em particular, de Lucien Goldmann (Goldmann, 1976; 1970): a Phédre seiscentista encenaria a doutrina desses heréticos seguidores do mais rigido determinismo, expostos, como © her6i tragico, ao olhar trevoso de uma divindade oculta. Por que, entio, ¢ 96 no momento de fechar-se definitivamente, 0 discurso faz uma rferéncia~ imperceptivel as, répida como o relimpago - a0“divertisement”, a0 prazerestético, acoplado, € verdade, ao doutrinal em que se enlaca? Momento, talver, no de avancar na interpretagio, mas de proceder a um novo € necessirio recuo. Agora, em ditecio a lenda de Fedra, tal como foi rmontada por intermédio das leituras do dramaturgo francts: Euripides, segura- mente. Virgilio, o grande, ¢ autores menores: Filostrato ¢ Apolodoro. Ovidio. Muita pagina de Plutareo. Aqui e ali, um verso de Catulo, E, entre parénteses, 0 dramaturgo fildsofo, Publius Aeneus Seneca. 5 também metodol6gico: eferuando 3s, esilsticas, tantas outras) 0 leitor refaz, com 0 poeta, o mito. 2.Versbes de Fedra Em sua versio primitiva, ese mito envolve uma clssica figura tiangular, eats angulos s£0 ocupados por dois homens e uma mulher: Teseu, Hipslico, Fede. ‘Um homem de dupla naturera Trezena, situada no golfo de Sarénica, trinta mithas ao sul de Atenas, éa terra natal de Teseu, Sobre 0 nascimento desse her6i correm duas verses contraditérias e sig- nificativas. De acordo com a primeira, ele seria filho de Egeu, rei de Atenas, ede Aithra, filha de Piceu, rei de Trezena. A tradicto refere que o proprio Piteu teria conduzido Egeu - de passagem por Trezena e convenientemente embriagado pelo rei de Trezena ~ ao leito da filha Aithra =101- FONTES, Joaquin Opsiciocegode Racine De acordo com outra versdo, naquela mesma noite gravida de surpresas celestese vinho, Aithra teria mantido amoroso comércio com outeo: com 0 deus do mar, Poseidon ou Netuno ~ e Teseu ficou assim para sempre enredado 0 sistério dos nascimentos ambiguos. Futo de uma unide clandestina efilho de pai incerto, sua linhagem reenvia, através de Egeu, aos homens que brotam do solo «pelo vies da furtiva presenga de Poseidon no leito materno, aos imortais: Teseu, herdi essencialmente ct6nico, é, ele mesmo, tra incégita, assombrada pelas fguas do mar; Teseu é a figura do humano visitado pelo impossvel desejo do divino. ‘Sua terra natal néo é Trezena: ele viu a luz na exatafronteira que separa © mito da hisesriat (O matadorde monstros ‘Adolescente, Teseu deixa Trezena marcha em directo a Atenas ~ 20 Pai, a Realeza -, atravessando uma regido infestada de criminosos, de assaltantes e monstros figuras do mal que o herdi vencerd em combates singulares: abatidas, «las pontuam, umas depois das outras, um caminho originalmente caético eim- placavelmente organizado por esse homem fundador dos espagos e, portanto, dos sentidos / orientagdes. Percurso simbdlico dando acesso ao poder, erefeito ‘num distico de Jean Racine, intraduzivel sintese de toda uma pagina de Plutarco: Les monsresétouffés et les rigands puns, Procuste, Ceryon et Sciron et Sins Esses versos, 0 dramaturgo 0s colocou nos labios de sua personagem Hipdlito filho de Teseu com a Amazona Antiope. O jovem principe ditige-se neste momento, a Théraméne, seu preceptor, evocando com melancolia sua in- fancia perdida: Tu me contais alors histoire de mon pere. Tu sais combien mon dme, attentive & ta voix, S'échauffait auc récits de ses nobles exploits, ‘Quand tu me dépeignais ce héros intrépide ‘Consolant les mortes de absence d'Alcide, Les monstves érouffés et les brigands punis, Procuste, Cercyon, et Scirron, et Sinnis, Etles os dispersés du géant d'Epidaure, Ecla Creve fumant du sang du Minotawre. Mais quand tu récitais des faits moins glorieux, =102- LETRAS CLASSICAS Sa foi partout offerte et regue en cent lis; Helene ses parents dans Sparte dérobée; Salamine témoin des pleurs de Penibée Tane d'autres (..); Ariane aux rockers contant ses injustices, Phadre enlevée enfin sous des meilleurs auspices; Tu sais comme, a regret écoutant ce discours, Jet presais souvent den abrége le cows, Heureus si auais pu ravi la mémoire, Cette indigne moitié d'une si belle histoire!” Omonstro Matador de monsttos, Teseu ¢ uma obscura fonte de fobias para o Hips: tito raciniano, e contra elas o principe se debate, sonhando em esconder aos posteros “cette indigne moiti d'une si belle histoire", essa vergonhosa sexualida- {de andrquica do re, ele préprio um monsto eseandaloso para 0 poeta ea perso nagem, embora conforme, a0 agie assim iresponsauelmente, & moral paga do sew tempo ¢até& de um tempo anterior 20 seu, socerrado sob estratos muito arcaicos dda nossa cultura. A figura de Teseu evoca, com efeito, a dos chamados “maridas visitantes" do Neolitico, periodo durante o qual os grupos humanos abandonam ‘os isolator demogrificos, dando inicio is migragéesinterclamicas que permitira0, segundo 08 anteopélogos, as relagdes sexuais entre individuos no consangut ros. Ora, escreve Jacques Dupuis, como “as mulheres eram inamovives em suas mateinhagens ou em seus matvelt,resultava que as inicas migragdes posst- veis vinham a ser entéo as de rapazes, que se dirigiam a outra aldeia para ter acesso as mulheres estrangeiras" (Dupuis, 1989, p. 4), Filho de um *marido visitante" e/ou de um deus, *marido vistante” ele proprio e semideus, Teseu €, aos olhos do leitor mademno ~ atento e fro pesqu! sador, por defini ~ restos de urna moral arcaica,fagmento de meméia teal, lasca da pré-historia encravada no tecido de um mio clissico.E assim fonte de fobias para o homem cortés, isto ¢, polido ¢ arelado ao rei Avnarrativa trivial “Teseu triunfante" é um topos da pintura greco-latina®: um jovem louro envergando a clava ~a clava é elemento ligand iconografica ¢simbolicamente co herdi a seu modelo, Aleides ou Hércules ~ ,& saida do labirinto. A seus pés jaz abatido o Minotauro, homem-touro, monstruoso irmio de Fedra e de Ariana, = 103— Opalciocepodetaine Esse topos encena exemplarmente o ponto culminante das aventuras de Teseu e deveria preparar seu apotedtico remate: © hetdi inventa os espacos, enfrenta e vence 0 Labirinto - a Domus Caeca, © Palécio Cego, 0 mundo arcaico da tirania minbica - e 0 Minotauro, cristura do passado miticos e findo. Entio, de volta & Grécia, ele funda o terrtério atico e instaura as leis. E pode entregar 0 futuro & historia, isto €, aos homens. Mas, como personayem, ele persiste: continua como aventureito; reapa- rece em tal niimero de fabulas que um provérbio ateniense declarava: *Nada sem Teseu*, Ora, essa multiplicasio indefinida de aventuras acaba por apagar a cro: nologia, dssolvendo, contraditoriamente, a forga de Teseu enquanto figura nat- rativa: 0s diversos episédios dos quais ele faz parte podem ser teanspostos, inver- tidos, deslocados e suprimidos, pois no integram uma unidade, um todo, uma cstrutura diegética ou simb6lica, Dissolve-se a coeréncia da vida herdica, enteda- da na repeticio trivial de feitos exemplares. E essa, de acordo com Aristoteles, a razto do fracasso das chamadas Teseidas, ou pegas baseadas na vida de Teseu: ‘A.unidade do mito ndo deriva, como pensam alguns, apenas da presenga de um sé (her), pois a um sé acontecem infinidades de evento, alguns dos quis ndo constituem uma unidade, Ha também muitas agdes de um sé das quais ndo resulta nenhuma ag nia, Eraram por iss, seguramente, todas os poetas que compuseram una Heraceida e uma Teseida ox otro: ‘poemas semelhantes, bois pensam que, sendo Héreules uno, eambém resul- tard uno 0 mito (..). E precio, pois, que, assim como nas demais artes imitatvas (..) ambém 0 mito, exdo imitagdo de uma agdo,imive de forma una e totale que as pares dos acontecimentos se ordenem de tal modo que, transpondo-se ou suprimindo-se uma pare, altere-se 0 todo; pois aquilo eva presenca ou auséncia nada significa ndo ¢ parte do todo (@oee., VIN, 1451 a, 16-23; 319. Os feitos de Tesew nao se acomodam a essa concepeo estrutural da tragédia, e Kérény observa com justeza que nenhum narcador conseguiu ainda fixar a ordem dos iniimeros raptos de mulheres praticados pelo rei com preciso suficiente para torné-la canénica (Kérény, 1993, p. 636-7); enquanto Plutarco, perdendovse, as veres, nos meandros dessa vida, registra: Morta Ansiope, (Tess) casouse com Fedva(..) Correm, contudo, ou tro relatos (.) acer de outros casamentas de Teseu que nem tiveram ustos principios nem finasfelizes Tes. XVIII, XIX). Por volta das cingienta anos, segundo Helanico, raptou Helena, anda impsibere. Com So LETRAS CLASSICAS JJasdo chegox a Colchos e com Meleagro interveio na perteguigdo e morte ddo java; e dat o proverbio: Nada sem Teseu (Tes. XXXD. Sao aventuras paradigméticas como as do herdi de moderna narrativa trivial, do qual ele enverga alguns signos inquietantes: a clava, arma de simbolis ‘mo facil; a beleza, a coragem, a perpétua prontidio para combates e salvamen- tos; © companheirismo entre homens violentos € ambiguamente cernos; a smorosa; a negacao do lar e dos centros fixos para os quais, entre tanto, ele retorna obsessivamente. Teseu € a poesia ameacada pela prosa, a aventura sitiada pela repeticio trivial: cerra incognita, entre mito e historia Oparadoxo de Teseu E quase impossivel sieuar, no continuum da lenda de Teseu, o momento em que, regressando de uma expedigdo no Reino das Sombras- aonde desce, com 0 amigo Piritoo, para desonrar o leito do deus dos mortos.* -, ele encontea seu palacio tomado por infernais suspeitas. Seguramente, isso acontece depois do combate contra 0 Minotauro, do abandono de Ariana em Naxos e da fundacio da Atica ~ depois do aone, depois do ponto culminante de sua Vida. Quando? Que relagéo existe entre esse evento e tantos outros combates, salvamentos ¢ amores relatados pelo préprio Plutarco? Pouco importa: bandonando o contextoépico ou narrative, Teseu pene- tua no espago fechado da lenda de Fedra e Hipslito, e ganha,entdo, inesperadas dimensoes tragicas ~ nas pecas de Euripides e de Racine, seguramente, ms, sobretudo, segundo Stella Rale", em Seneca, onde ele ¢ o centro dindmico do mito, fulminado, no fecho dos acontecimentos, pela soldao dos criminosos de- roniaces. ‘Armaldigio de Venus ‘Uma, entre as muitas mulheres de Teseu, Fecira ¢ filha do cretense Minos = que, depois de morto, rege 0 destino das sombras nos Infernos ~ e irma do Minoteuro, nascido dos amores monstruosos de sua mae Pasifae com um touro. Sobre a linhagem de Pasffae, filha do Sol, pesa a maldigéo de Venus ou Afrodite; e € invocando seu nobre ancestral luminoso que a Fedta raciniana Soleil e te viens voir pour la demnitre fois.” = 105~ -FONTES,Joagui Bras Opalcocegnde Racine Nas versoes trégicas do mito, Fedra é uma figura esquartejada entre a Caverna infernal e o Céu profundo, nunca de todo culpada ou inocente, €cons- ‘ruindo, com precisio diabélica - ecom palavras -, o enredo de paixoes onde vai se perdendo, enquanto pensa estar inventando saidas que so, todas elas, impasses. Tocada pela maldicio de Venus / Afrodite, a ardente rainha nutre um amor incestuoso e culpado por Hipélito, filo de Teseu com a Amazona Antiope , portanto, seu enteado, e interdito a0 desejo”. Acasadiva ‘Amor interdito pelo universo parental, mas também divino. Hipélito & casto, €€ preciso lembrar que casts, em latim, € uma categoria e uma palavea do uuniverso edo léxicoreligiosos,es6 posteriormente vai sigaificar “vireuoso", Casts, do sinscrto sistah, € Yaquele que se conforma as regras © aos rites", e corresponde, para o sacerdote, ao que é para o guerreiro a magnanimitas.* Hipélito ¢ um sacerdote ¢ devotou sua vida ao culto de Artemis ou Diana, divindade agreste, senhora dos cagadores ~ a perpécua virgem. Grave, cruel € vingativa, Diana é também uma deusa courdtrofa: ela alimenta os meniinos ¢ os conduz 8 adolescéncia", cujo umbralo filho de Teseu jamais transpord, Osdoisaltares Apage-se, assim — no se voltard ao assunto nesse estudo -, toda tentagdo de interpretar a tragédia de Fedra em termos de uma trivial psicologia dos confl tos mundanos: 0 que esti em jogo, neste espaso sufocante, €0 destino dos herdis a sombra de dois rerrives altares, de duas poténcias divinas e, diriam os moder- ‘nos, demoniacas: Venus/Afrodite ~ 0 furor, a mania erética - e Artemis/Diana -a selvagem forga da castidade iniciética. Apalavra /o monstro Em Euripides, Fedra confessa seu amor culpado & ama, figura sempre anénima entre os antigos, ese mata. E é uma palavea sua, escrita, que, interpte- tada, inculpa Hipélito aos olhos de Teseu. Expulso da terra ancestral, o principe é destrogado por um touro mons- truoso, vomitado pelas éguas, criatura convocada pela maldigdo paterna. ‘Bem Séneca que os madernos encontram a cena, inséita para o$ a da confissio de amor feita diretamente a Hipélito, embora ela jd estivesse presen te numa versio perdida do mito, escrita por Euripides. = 106- LETRAS CLASSICAS E de Séneca provém o ser teriomorfo, contaminatio de touro e dragio, serado no abismo marinho pela palavra nefasta do filho de Netuno. ‘Mas 56 no poeta francés Hipélito enfrenta, fere e mata 0 monstro, Sob signo da déxa Sao esses os dados do mito, que Racine vai modificar sutilmente, mas em profundidade: ele retalha 0 texto, interfere no contexto duplica os hersis, ci- ando imagens que se refletem umas ds outzas, que se completam e se contrapSem. (© Hipolito raciniano surpreende o leitor dos antigos: nele o poeta se fasta deliberadamente do modelo greco-latino, dotando-o daguilo que, no famo- 50 preficio chamara de wma fragueza (Chamo de feaquera a paisdo que cle sente, apetcr dele mesmo, por Arica, que €a filha ea rma dos inimigos do seu pai (Racine, 1991, p. 241). Desconcertante Arica, cujaexistncia é, porém, atestada por Virgo € “quelques auteurs", embora a personagem s6 consiga subsistir 4 custa de uma contaminato de citagSes eanule, em suma, a figura propriamente eurdipiana de ‘Hipélito, ligada cultura e as concepgdes morais e religiosas do século V ateniense. De Hipalto eis a prole o extreme Virbio Que Aricia, a mae, lide o envia & pugna. cescreve Virgilio, na Eneida!* e Ovidio, por sua ver, evoca uma floresta Aricina: Jaz no Aricino vale, em selva opaca Lago ja d’aves por sacro havido, Posto que humana vista 0 ndo descubra. Hipslito i mora, 0 lacerado Por tgneos coreis;coreel na mata Nao pe o pe? Tais testemunhos nao justficam, evidentemente, as liberdades tomadas por Racine em relacio ao mito; mas a multiplicagdo dos nomes de velhos poetas, fo constante apelo as autoridades s80, no sentido forte da palavra, um signo: da tirania dos antigos sobre os escritores no seiscentismo francés e dos enredos complicados de que o dramaturgo néo hesita em langar mao nos seus preficios, a fim de colocar-se de acordo com os “doutes", com os “seavants", com a poética do Grande Século."* -107- FONTES, Joaquim Bra. Oliciocegode Rae. Por outro lado, todo um setor da critica historica e académica descobre nessa modificacio do caréter de Hipélito uma clara concessio feita ao sistema de valores do periodo, pois Racine teria criado a personagem Aricia para calar as insinuagées dos peti-mattres da Corte sobre a castidade de Hipdlito: pesaria so- bre ele, aos olhos dessa sociedade criss eafecada, uma sombra maligna, a suspel- ta de uma efeminagao capaz de quebrar a atmosfera tragica. Mas a questao parece vincular-se, na verdade, a esfera do estético, isto é, do politico-social: se a verossimithanga ~ & qual Racine aparentemente se dobra — diz respeito & economia (interna ¢ externa) do texto, o cariter do filho de Teseu eas intervengoes nele operadas pelo dramaturgo evidenciam a presenca, na pea, de outra regra bésica do teatro francés dos seiscentos: o decoro ou bienséance, que se refere sempre a0 respeito devido ao pilblico, isto ¢, aos protocolos de comu- ricago ~ mundana e escritural ~ ¢, de maneira mais ampla e para simplifcar brutalmente, & moral dominante: A moral cortés. Evidencia-se, pois, que esses dois mecanismos de produglo textual ~ ve- rossimilhanga e decoro - unem-se sob signo da déxa, da opinido comum; e essa ‘opinito - real ou suposta, observa Gérard Genette (Genetce, 1968, p. 6) -€ 0 que haveria de ser chamado hoje, em certos contextos, de ideologia: “um corpo de maximas ede pré-conceitos que constituem ao mesmo tempo uma visio de mun- do e um sistema de valores" Alei ‘Simulando, pois, conformar-se rigorosamente a sua versio canonica, Racine modifica os dados do mito, retalha os eventos ¢ reconstréi, & sua maneira, os caracteres draméticos. E instaura, no centro do complicado jogo cénico, como ‘um sol platonico dando sentido as eépias imperfeitas, o Soberano, Pai, a ima- gem arquetipica da Lei: assegurando 0 movimento no espago tragico, Teseu detem nas maos 0 cetro e nos libios a palavra. 3A geometria das paixes Expirito de gedmetra, mas também sutil®, habituado, como os cortesos do seu cempo, a interceptar / interpretar os mais imperceptiveis signos a superf- cie dos corpos e discursos, Racine encena as paixées da alma num palco regido por regras mateméticas de composi¢io, fundando os movimentos teatrais nas leis da analogia, da atracéo ¢ da repulsa, com um rigor jé expresso no quadto das dramatis personae: = 108~ LETRAS CLASSICAS. ‘These (ei de Atenas) Hippolyte (filho de Thésée) = Théraméne (preceptor de Hipp.) Phedre (mulher de Thésée) = OBnone (ama e confidente de Ph.) Aicie (princesa da casa dos Palantides) — Isméne (confidente de Ar.) Exquema onde se evidenciam nftidos paradigmas cénicos socials: de um lado a nobreza, de sangue real e divino: Hippolyte, Phédre, Aricie. Do outro, os servidores, Théraméne, OEnone e Isméne, grupo do interior do qual se destaca ‘Théraméne, confidente, preceptor, mas também ~ no deslocamento das milti- plas fungSes teatrais ~ mensageiro , sob esse aspecto, duplo perfeito de Panope, rmuther do séquito de Phere: sto criaturasnarrativa, suportes de mundaneida- de, vores exteriores a0 espaco trdgico e, contud, essenciais ao desenrolar dos entedos, Figura solitria, homem sem acompanhantes ou duplos mundanos, Thésée domina singularmente essa brilhante galeria de expelhos. ‘Ato primeizo “Le dessein en est pris: je pars, cher Théraméne™™; abrindo a pega, a primeira réplica de Hippolyte € uma cortina de involuntdrias ambages, de compli- cados pretextos: acreditando partir em busca do rei, esté recuando na verdade, para escapar a Aricie, ue ele ama, emborainimiga do pai e, portanto, interdita. ‘A primeira palavra de Phédre é um eco, a vibragdo invertida dessa fala liminar; e como um canto mortusrio, esse lamento se impde, mesmo a leitura, por sua intensa gestuaidade verbal: N'allons point plus avant. Demeurons, chére OEnone. Jene me soutiens plus: ma force m'abandonne, ‘Mes yeux sont éblouis du jour que je revo,” Ex mes genous tremblants se dérobent sous noi.* Hela! (Elle s'assit) Ela se asenta. Didascélia ou indicagao cénica surpreendente, por see uma das raras encontradas no texto raciniano: como em Séneca, Fedra entra no palco ¢ lteralmente desaba, rai, curva-se em direcdo & terra (mas s6 como sé o podem fazer as rainhas ¢ 03 impétios, eem estilo elevado) e invoca o ctu, dividida entre o alto eo baixo, trespassada pelo desejo de abandonar 0 espaco que, por injungio trégica, aceita solicta, invoca. =109- -FONTES Joagui Opalcocego Raine, ‘Je le vis, je rougis, je palis & sa vue": como Théraméne desvelando, na cena anterior, a verdade de Hippolyte, OEnone”, a nutriz, enfrenta a rainha aque, rompendo o silencio, dé luz a esse cuimulo de horrores"(v. 260), seu amor pelo enteado, *ofilho da Amazon’ “Je levis, je tous, je pais sa vue; Un trouble séleva dans mon ame éperdue; ‘Mes yews ne voyaient plus, je ne pouuais parle, Je sents tout mon corps et transit et briler.* (Os duplos se expéem, assim, no primeiro ato da tragédia, unidos pela forca da magia do contato e separados em profundidade, pela exséncia de seus seres, inscientes / conscientes, movidos pelo destino ou pelos lances teatrais de : *Vivons!", grita a vitima de Venus a0 ouvir morte anunciada do rei. ‘Ato segundo ato segundo, girando, no inicio, em torno de Hippolyte e de Aricie, prolonga a atmosfera das pacificagSes possiveis que fecha o primeiro movimento da tragédia (*Vivons!")e conduz a um dos pontos mais enredados da pega, a um de seus momentos de risco, quando, espelhando-see declarando-se um 20 outro, (08 dois jovens parecem modular decididamente um texto dramético, uma pega moderna e de cariter operstico, com sua quase romantica Aricie entoando esta €plica: De tout ce que j'entends étonnée et confuse Tecrains presque, je crains qu'un songe ne m’abuse* ‘num dueto idilico, perfeito contraponto ao dislogo ou lecon des téndbres em que Phédre e Hippolyte se enfrentam, retomando a atmosfera trégica: hide ‘Que disrje?Iln'es poine mort, puisqu'i respi en vous Toujours devant mes yeux je crois voir mon épous. Je le vos, je lui parte; et mon coeur ...Je m'égare, Seigneur, ma olle ardeur malgré moi sedéclare. Hippolyee Je vois de votre amour leet prodigiews. Tout mort qu'il es, Thésée est present a vos yews; Toujours de son amour votre ame est embrasée. =10- LETRAS CLASSICAS Phare (Oui, Prince, je languis, je bile pour These. Je aime, non point tel que l'ont vu les enfers, Volage adcrateur de mille objets divers, ‘Qui ua du Diew des mores déshonorer la couche, Mais fidele, mais fer, et mme un peu farouche, (Charmant, jeune, tratnant tous les coeurs apres so, Tel qu'on dépeint nos Diews, ou tel que je vous voi. Ato terciro © aniincio do regresso de Teseu - “um surdo rufdo pretende que o rei std vivo...” ~ reabre nos discursos o campo da dissimulagao, no qual Phédre se enreda: nao se trata de esconder-se, de esconder alguém: ocultar a culpa é ape- sar-se asi proprio enquanto ser da culpa; mas - paradoxo do trdgico raciniano ~, desvelar a falta € cancelar-se aos olhos de quem ~ 0 rei, © pai, um deus? ~ a instaura. O amor de Phédre é a metéfora teatral do nada. ‘Thésée retorna, pois, ao paleo das paixses da alma: na metade perfeita do ato terceiro, ocupando o centro de gravidade da prépria peca™ eregendo a temética € 0 léxico do oculto™ que, até entéo disseminados entre as diversas personagens, passa a concentrar-se, de modo obsessivo, nos discursos de Phédre, a culpada, ¢ de OEnone, a nutrz. Figura ambigua na economia do texto, a ama aponta sadas para os conti tos, ameaga dissolver a atmosfera tégica ¢, simultaneamente, acrescenta o crime a0 crime, © amor culpado ao peritrio € & traigéo: “Temeis Hippolyte. Ousai acusé-lo primeiro®.” ‘Ato quarto Ah! Qu'estce que 'entends? Un trattre, un téméraire Préparac or outrage &I’honneur de son pére?® Quando a cortina se levanta sobre © quarto ato, Thésée se debate no centro de um enredamento de nadas: OEnone, falsa testemunha, transformou Hippolyte, o casto, em sedutor violento de Phédre, em monstro: e nesse rodopio de simulacros, um objeto mundano e simbdlico serve de prova: a espada abando- nada pelo principe nas maos da rainha..! A traigo consumou-st ea tinica personagem capaz de reverter o maleficio, Phédre, ouve, no desvio de uma réplica do rei, a fulminante revelagio que desve- la seus olhos o segredo de Hippolyt: -1 -FONTES,Joayuim Bras Opalciocego de Rain. Hippolyte est sensible, et ne sent rien pour moi! Aric a son coeur! Avicie a sa foi!” ‘Thésée enredou-se no campo lexical de Phédre / OEnone, © campo da dissimulagdo: ¢ enquanto o verbo cacher continua a pulsar obsessivamente nas réplicas da incasta rainha, 0 rei de Atenas e seu fiho entram, inscientes, no jogo de aparéncias”: “Traidor", grita ele, interpelando o filho: “Tratere, eu prétendais qu'en un lich silence Phedve ensevelivat ta brutaleinsolence. alla, en fuyant, ne pas abandonner Le fer qui dans ses mains aide & te condamner; Ou plutei fallait, comblant ta perfidie, Lui ravir tout d'un coup la parole et la vie. Roubar-the a palavra ea vida: ironicamente, 0 verbo vai liberar seu trégico 1maleficio: Phédre amaldigoa OEnone ~ asi prépria, enquanto instancia mundane = ea condena a morte por precipitacdo (e “precipitasao" deve entender-se aqui, liceralmente ¢ em todos os sentidos, como no fragmento enigmético de Rimbaud: OBnone, a nutris 0 “eu” contingente de Fedra, joge-se, dos altos rochedos, no mar profundo) e Thésée, valendo-se do poder delegado por Netuno, seu pai dlivino,invoca ~ mas precipitada,imprudentemente- as profundezas do édio, enun ciando uma palavra que é um ato itreversivel e engendra - 0 termo, agora, pro- vvém do léxico da quimica e da alquimia ~ um preciptado, uma substancia que, tocada pelo verbo, desprende-se e emerge, como sedimento, & flor do abismo- 0 Misérable, ru cours & ta perce infallible ‘Nepeune, parle flewve au diewx méme terble, M'a donné sa parle, et va Uexécuter. Un Dieu vengeue te suit, tu ne peux Pévter* (Oreide Atenas pressente que existe algo de inquietante no centro confi- so desse palicio, O inaudito, um segredo monstruoso, Mas agora o aventureiro «std s6. Faltasthe o fio condutor, e Thésée enreda-s, atravessa desvios que sto palavras fica preso a uma fala de Aricie(*O que esconde um discurso”, pergun: tae ele, “tantas veres comecado, sempre interrompido? Puseram-se os dois de acordo, & me torturama"), esbarca nas revelagses de Panope (*O céu! OEnone moreeu ¢ Phedee quer morrer”), invoca seu pai divino (*Néo te precipita, é Netunol”)e compreende, mas muito tarde, ser ele mesmo um ser das precptios -112- LETRAS CLASSICAS (Para ti, 6 Pai, levantei cedo demais as méos!"), quando © mensageito (essa funcio € exercida, neste momento, por Théraméne, eujo nome é, afinal, porta- dor de pesados sentidos)* entra em cena ¢ desenrola o famoso discurso, no qual emerge - como Astérios, 0 Minotauro, no centro do labiinto ~ um monstro Touro indomavel, dragao impetuoso cujo corpo se desdobra em dobras tortuo- sas (Phédr. 1519-20), ele se atira contra o principe e a guarda que o segue, & beira- rar, no caminho de Micenas: Dans le temple voisin chacun cherche un asile Hippolyee lui seul, digne fils d'un heros, Arete ses couasiers, sisi ses javelots, Pousse au monstre, et d'un dard lancé d'une main sie, Mla fait dans le flanc une large blessure. Gd Pai vy, Seigneur, j'ai vu votre mallheureux fils Traine par les chevaus que 2a main @ nowris. Ga J'y cours en soupirant, ex sa garde me suit De son généreux sang la trace nous conduit Les rachersen son rints; es ronces dégouttantes Postent de ses chevews les depouilles sanglantes:* Em latim ~ ¢ Racine com certeza nfo o ignorava ~ monstrum (de moneo) & ‘um termo do vocabulétio teligioso, e designava, primitivamente, "todo ser caja anomalia constitui uma adverténcia divina” e, mais tarde, “objetos ou seres de cardter sobrenatural’.* © monstro ¢ um prodigio, um defeito ou mancha no tecido do universo; e sdo assim, na Phédre, dois tipos de criaturas: os animais fabulosos que assombravam o universo antes do advento da lei ~ reprecentada, aqui, por Thésée ~ e, metaforicamente, as personagens da tragédia, cuja deformi- dade moral conspurca a luz do sol (Phédy. 1643-4). Eo termo monstre, com seus epitetos (Yaffreux, effroyable farouche, cruel, exécrable, furieux, sauvage") reve la-se, entao, perfeito para nomear essa criatura que, emergindo diante de Thésée, desenlaga a pega; 6 Phedre: J'ai pris, jai fat couler dans mes brlantes vines Un poison (.." que, trazendo no proprio corpo a flama que a consome, profere sua terceira confissto ~ diante daquele que funda a culpa e, portanto,o ser; diante de Thésée, E abatese, cinza, puro nada, aos pés da Lei. -13- -FONTES Joaquin Bras Opliciocepode Raine. 4. ede: ligio das trevas para és vores Diliore Vunivers d'un monstre Episodio de grande forga teatral, “Paveu", a confissdo de Phédre a Hippolyte um ponto estratégico na encenacéo raciniana do mito, uma situagéo-limite, a partir da qual as acées se precipitam em direclo & catéstrofe: momento tnico, portanto, na cadela de eventos alinhados num vetor Igico-temporal, e também palavra geradora de um objeto onde pulsam, ainda silenciosas, narrativas € hhermenéuticas: a espada do principe abandonada nas maos da incasta rainha, Mas a palavra € também, nesta célebre cena do ato I, acto ~ ato e gesto ~ titania, encantagdo e crime: pensando ser o nitido sujeito do seu discurso, cujos fos so movidos, entretanto, pelo furor, pela forca transcendente de Venus, Phédre (des\vela 0 objeto do (seu) desejo: ‘sim, Principe, amo vosso pai, Thésée", (Oui Prince, je languis, je brile pour Thésée. Je aime (.). f¢ enquanto se acredita senhora da palavra que profere, as representagoes se libertam de suas cadeias primitivas, flutuam, incertas,brilhantes: “amo em Thésée fo que ele nao é*: JeVaime, non point tel que l'on vx les enfers, Volage adorateu de mille objets divers, ‘compondo, com lentiddo ansiosa, uma quimera ou simulacro, um ser das aparén- cias, Thésée / Hippolyte: *o que eu amo em Thésée estd em vos, selvagem, casto Hippolyte", Mais fidele, mais fier, et méme un peu farouche, (od Tel qu'on dépeint nos Diews, ou tel que je vous voi, ¢ simulando soberanamente o jogo da perdido: “nao esqueci que Thésée é vosso pai, € meu esposo: acreditais, principe, que ndo cuido de minha honral*, ‘Aurai-e perdu tout le sin de ma glorie?, Phédre enverga a méscara vatia de sua irma Ariana e penetra - com esse phantasma ironicamente de novo interdito, porque selvagem e casto ~ num cenéio onirico, nna domus eaeea, no palicio cego de Venus, -n4- LETRAS CLASSICAS Ex Phidre au Labyrinthe avec vous descendue, Se serait avec vous retrouvée, ou perdue, conde, perdida, gera, com o objeto do desejo, a culpa; e designando-se, entéo, orrendo monstro, monstre affreux, ‘Crois-moi, ce monstre affreux ne doit point t'échapper. Voila mon coeur (.). Frappe (..) (Ou si d'un sang top vil ta main serait trembée, ‘Au défaut de ton bras préte-mai ton épée Donne. precpita-se ~ gesto verbal conficmando sua vocagio para os abismos: desmoro- na, rui e se langa em directo perda, empunhando a espada, signo de seu desvario e futuro testemunko ~ termo do léxico teatral, retérico ¢ juridico - da falsa traigo de Hippolyte, montada verbalmente por OEnone: a espada se rmetamorfoseia mais tarde em semeton, premissa do perverso entimema que repoe a tragédia em movimento. Vous /tu No centro desse jogo de espelhos que € 0 "aveu* de Phir, a linguagem parece subitamente estremecer, € quebrando as convengées comunicativo-tea- ‘rais, faz jorrar uma forma insélita no discurso da rainha perdida: ela abendona o biensednce, 0 decoro ¢ 0 vous dos protocolos corteses e interpela o enteado na segunda pessoa do singular, enunciando esse inaudito tu s6 usado, pelo herdi clissico, na invocagdo aos deuses ou na conversagio com os filhos e / ou subal- ternos, marca ambigua da distancia / proximidade, mas também signo inequtvoco do registro erdtico ou amoroso: Jet'en ai dit assez pour te tirer derreur He bien! Connais donc Phédre et sa fureur. Jaime. Acrainha ardente—de novo os adjetivos se impdem, com seu rico semantistno ~ enfrenta, precfpite, 0 objeto do desejo culpado, numa réplica cujo sentido se esclarece - mas de modo inquietante ~ quando, invertendo-se a linearidade da leitura e quebrando-se a sequéncia diegética, sobre ela se projeta, retrospectiva- mente, um episédio do ato quinto: 0 eélebre récit ou relato em que Théraméne, -1s— FONTES, Joaquin Brat Opatciocegode Raine. assumindo a classica fungdo do nuntius ou mensageiro, comunica a Thésée @ morte do principe, abatido pelo monstro das entranhas marinhas. Prite-moi ton épde “Acredita-me, este horrendo monstro néo te deve escapat”: no ato segun: do, Phédre encena com essas palavras o ponto culminante de um combate singu- lar travado entre o amor € a resisténcia a0 amor, entre o furore a castitas, entre culpa e inocéncia; entre a criatura da treva e ada luz. Momento de ionia tragiea, ‘numa liga onde néo hé vencedores: o.monstro ~ Phédre ~ entregacse a0 hersi — Hippolyte ~ que, temendo set manchado pela noite escura do desejo - 0 desejo também conspurca -, foge, deixando com a criatura do mal sua espada. Espeta- culo, objeto e gesto cuja interpretacto talvez nso se deva fazer, precipite, em termos de simbolismo apenas sexual. Vénus sa proie artachle Combate entre Venus e Diana, numestutelares do conflto trégico, pontos cextremos de um tenso eixo bipolar e grandes metdforas da peca? Mas Artemis / Diana, contraponto exato de Venus / Afrodite na trama srecorlatina, obliterou-se na versio raciniana do mito": uma ver modificado 0 cardter do Hipdlito francés, torna-se com efeito ldgica ~ impde-se, até, do ponto de vista tematico e simbolico ~ a ablagto dessa figura emblemética de uma casti- dade ritual e religiosa. Combate entre Venus e uma instincia vasia? Entre o furor e algo néo decisivamente marcado? Conflito entre o deseo e esse elemento que os linguistas gostavam de representar, antigamente, com a cifa (2)? Tnesperado desequilrio, inquietante num espaco onde as paixses sto ‘organizadas, rigorosamente, pot um matematico suti: em nome de que resiste Hippolyte? © que fa ele nessa falha do texto, no qual se afirma - é a porigdo de certa critica ~ um dos pontos fracos da Phédre, pega teatral osclando perigosa- mente em diregao ao puramente mundano e contingente e adensando-se apenas fem torno dessa rainha ardendo nas chamas ateadas por um nume fatal? (ra, ao indicar e coordenat as aitudes e lugares das figuras trigicas, 0 fino diretor de palavras, o obsessivo gedmetra néo se esqueceu do espaco consa- srado A casta diva, ndo apagou seus percursos no texto: a marcagdo ~ este termo do léxco teatral nfo , aqui, uma simples metéfora - de Artemis/Diana acontece, de forma obliqua, nos diseursos de Phidre: -116- LETRAS CLASSICAS Je sents tout mon corps et transir et briler. Je reconnus Venus et ses feux redoutables, Dun sang qu’ellepoursuit tourments inévitables. ) Crest Venus tout entre asa proieatzaché. ey) “Ton eriomphe et parfait: tous te ats ot ports Diana infiltra-se na fala de Phéde e, através de um estranho deslizamento de fungSes, vem contaminar a rede lexical de Venus, que, fotz runs, conforme Horécio, ou domando os mais corajosos (verso 123) e submetendo-os aos ferros (verso 532), de acordo com a t6picacléssica, prepara, também, no teatro de Jean Racine, armadilhas; persegue; espreita e desaloja a presa de seu esconderijo ¢, 8 maneira de uma cacadora implacivel, fere e faz sangrar. Phidre se enreda no campo metafbrico-lexical dessa terrivel divindade contra ela se debate em vao; cada palavra sua a enlaca mais e mais, ea perde: vitima ¢ carrasco, chaga e lamina ao mesmo tempo, afha de Minos e Pasta se constitui, como personagem, numa estranha relagdo com essa insdlita Venus vvenatria, com essa libido & caga de incautos amorosos. A caga, portanto, de Hippolyte, cujo jogo cénico ela define também, sintitica e semanticamente: 0 casto cagador arde como a rainha incasta que o persegue ¢, virtuoso a ponto de se fazer ride’, anguesce de amor como as lascivas mulheres de fibula, contra- pondo-se assim, dialeticamente talver, & figura de Phédre, neste tabuleiro teatral ‘ou combate arquetipico movido pelo dramaturgo seiscentista e presidido pelo perverso sistema mitol6gico ou dupla metifora a que se poderia dar o nome de Venus-Diana ou de Venuadiana,sintese de puros ede - para utilizar termosracinianos por exceléncia ~ horrendos contrastes, Venusdiana ¢ a méscara do Destino. Conerapondo-se as figuras da diviséo, Thésée ¢ 0 fundador dos expagos € leis que, avancando serenamente, deixa atris de si Crete @ exalar 0 sangue do Minotauro (verso 82) e, nas margens do desejo, Ariana morrendo, ferida de amor (versos 253-4): ele €a imagem de um Hércules felis, vencedor de monstros ¢ de mulheres. Moldando-se, com naturalidade biol6gica e social, 20 jugo do amor opressivo para Phédre e Hippolyte, o rei de Arenas existe sob o influxo, para ele benéfico, da figura singular de Venusdiana, cagadora amorosa, amorosa cagadora, © encaixe ou desajuste de seu proprio sistema em relagdo ao expago do- minado por Venusdiana define o tridngulo trégico imaginado por Jean Racine; e se Thésée atualiza de forma exemplar a terrivel divindade em suas aventuras herbico-eréticas, Phédre é, diante dessa forsa para ela destruidora, a figura es- sencial das contradigées insohiveis. -u7- FONTES, Joaquim Bratt Opulicocegode Rain, Lafillede Mins et Pasiphad Descendente do Sol e de ipiter, luminosa pelo prédprio nome grego, Phédre participa, contraditoriamente, de um universo trevoso por intermédio do pai, juiz queempunhs a urna fatal; desse modo seu territério espiritual -o esquartejamento centre alto € baixo, luz treva ~ @ designa como atépica por exceléncia. Trazendo rno sangue a maldigéo ancestral de Vénus ela é, ontologicamente, a exilada do Visivel, do invisivel e ndo detém seu préprio ser, salvo nesse momento fulminante do crime que &, a rigor, um nao-set. Cesuperbe Hippolye.. Como Phidre entre 0 Céu€ 0 Abismo infernal, Hippolyte & um ser das clivagens, esquartejado entre duas phantasiae, em dite¢do as quais ele € pura tenso, sem nunca poder com elas coincidie: a mae bérbara, Antiope, selvagem como Diana e o pai legislador, Thésée, lascivo como Venus. Une thee si chire Phadre e Hippolyte sdo dois sistemas que ardem e explodem sob o signo dda Venusdiana, da qual tentam em vlo escapar, inventando uma quimera, um simulacro, um nada: o casto Thésée, brilhante objeto do desejo de Phédre, proje- tado na figura de Hippolyte, ese principe que € um puro nada, enquanto tenta, em vio e obsessivamente, coincidir com o Pai - mas numa falha: a plenitude de Thésée Ihe € vedada pelo curso da narrativa (verso 100: *Qu’aucuns monstres par moi domptés jusqu’aujourd’hui; que nenhum monstro até hoje domei...") por sua prépria esséncia mitica, que é a casttas: para ser Thésée ele se vé obriga- do a proceder & negagio (no sentido de déni ou Verleugrimg) de uma dimensio inteira da gesta herdica: a sexualidade andrquica/monstruosa, a fungao de doma- dor/sedutor exercida pelo Pai junto as mulheres; e junto a essa Amazona mons truosa, a mde ontologicamente outra, a criatura barbara extrafda do paradigma ‘exético/ social onde ocupava, indevidamente aos olhos dos antigos, urn lugar ou instancia reservado aos bravos guerreicos. ge! Em toro a Phédre e Hippolyte gravitam, prudentes ou aturdidos, os saté- lites, igueas de um mundo propriamente humano, emblemas da déxa e da contin -118— LETRAS CLASSICAS sgéncia - ou do bom senso, “la chose du monde la mieux partagée", segundo René Descartes ~, situados, ontol6giea e socialmente, nas margens do jogo cénico, mas rele interferindo e frequentemente ameacando dissolver 0 esparo trdgico com seus sapientes conselhos: os satélites sio a tencagdo da trivialidade mundana e diante do conflito insoliivelgritam: “Fuyer! Partons!*, formas verbais imperativas e/ou suplicantes, reiterativas nos labios de OEnone e de Théraméne, palavras- porta, palavras riscadas no léxico do Fatum. Tame contais alors. Ao lado de Hippolyte, Théraméne é o homem-narrativa”, um fragmento do registro épico vindo & tona do discurso teatral, & maneita de um fossil semiol6gico; € um aedo invadindo a cena para cantar 0 espapo € 0 tempo exteri- ores.ao citculo fechado onde se joga um jogo morta. Ele € 0 recitante do passado de Théste e da morte de Hippolyte; ele € a Meméria e o Olho e, 20 mesmo {empo, um puro suporte de miiltiplas fung6es: preceptor, mensageito, confiden- te ~ papéis codificados no teatro francés dos Seiscentos, Jepars Claramente exposto no discurso de OEnone ~ a servigal, a porta-vor do bbom senso tto bem dividido entre os humans ~ 0 tema da fuga puls, entretan- to, mas obliquamente modulado, no inicio da tragédia, em seu primeiro verso: “Le dessein en est pris, je pars, cher Théraméne", forma protocolar dos ritos de separagio e a0 mesmo tempo signo de uma ofuscante autonomia do sujeito enunciador, retomada, de forma soberana, no fecho dessa mesma cena “Théraméne, je pars" E Hippolyte permanece. Permanece, sonambulo e insciente, nos desvios da domuscaeca,& procura ~ de que? ~ de Aricie, a inimiga do Pai, com # qual entoa novamente o tema do deus: "Madame, avant que de parti..", primeira frase de uma longa melodia fortuosa que se fecha outra vez com um je pars, no momento exato em que Phedee invade o paleo; e 0 verbo explode, entéo, desvelando suas obscuras en tranhas: Fagons! grita Hippolye, diigindo-se a Théraméne, que ecoa, sapiente Parton! ‘Ao largo. As velas estdo prontas, 20 largo. E Hippolyte permanece. Permanece enquanto, em torno dele, vertigino- sas, as agées se precipitam, enredando-o num mével Iabirinto de phantasmae, no =119- FONTES, Joaquim Bras Opticiocegn de Racin centro do qual emerge, rosto da morte, o Rei que volta da Caverna infernal proferindo a palavra definitiva, ireversive, tés vezes langando, contra o filho a ‘maldigdo ~ como Pai, Soberano e criatura dos Deuses: us, eave! Bas! Fuis,disjet ‘Thésée inverte, no jogo da ironia tragica, o sentido trivial de fuire, verbo do senso comum: aliberdade de escotha orgulhosamente enunciada na abertura dda peca~ “Je pars’ - apaga-se, puro simulacro que era; cancela-s a falsa autono- mia de Hippolyte, no ponto culminante de uma seqiéncia de transformagSes* {gue pontuam o eixo narrativo da pega: claro partir gera o ambiguo fuire que, de “escapar a uma ameaga’, passa a significar, no discurso do Pai, “eu te condeno a = € e58€ novo € tragico sentido do verbo ¢ reatualizado , mas na clave do desespero, por Hippolyte e Aricie que, no quinto ato, gritam um 20 outro, en- quanto mais e mais se enredam nos meandros da casa fatal: feyons! ‘Assim, a arte da fuga raciniana expe 0 tema do adeus € 0 contractema da deserdo, modulados por vores diferentes - OEnone, Théraméne, Hippolyte - € deixa-os fugicem-se e perseguirem-se uns aos outros, ao longo das pautas ou cenas, até que o Fatum - ou 0 irBnico Dramaturgo os retoma nium ponto estra- tégico da pega e os dissolve na verdade do trégico, fazendo explodir, como que ‘numa frase de Glick, 0 tema da expulido, entoado pelo Pai: ais ratte! Rast ris, dist Desmente-se, pois - mas o analista poderia estar apenas superinterpretan- do -, certa critica, antiga e moderna, para o qual Hippolyte raciniano seria, por esséncia, a figura do anti-trdgico: vitima insciente e propiciat6ria do ter(vel ritual de Venusdiana, ele é, a0 contrério, aquele que encontra, fora da Domus caeca, do Palacio cego do qual foi expulso, o lugar onde revive - desta ver more tragico - 0 ponto culminante da gesta de Théste: vencendo a poténcia abissal gerada pelo Pai, o filho encena ironicamente a aventura da impossivel liberdade humana: conquista o ser ~ sangra-se her6i - no ofuscante momento em que deixa de ser. Prenez votre vietime Monstros e/ou matadores de monstros®, as personagens racinianas sio ‘em grande parte construidas num campo lexical onde os dois sentidos de monstrum ~120- LETRAS CLASS! ~ mitoldgico e moral -oscilam constantemente umm na direso do outro, desenca- deando ambiguidades que desempenham importante papel no jogo teatral das paixdese na sustentagio da ironiatrdgice, mayistralmente encenada na narrativa da morce de Hippolyte: expulso do espaso familiar, o principe errana diego de Micenas quand, suscitado pela forga da maldisfo paterna, um ser teriomorfo se levanta das aguas e destroi o homem que se quis puro, casto ¢ inocente; ¢ esse touro indomavel/dragio impetuoso é, a0 mesmo tempo, a palavea de Thésée feita aio ~ gesto e gesta ~ ¢ um verdadeiro monstro intervindo para pér fim & sg¢dia. Esse modelo raciniano propria eséncia do monstruoso, pois resume em sua estrutura bolégica 0 paradoxo fundamental de Phéde: € uma forca irompendo da profundera ‘marinha, éaquele que se abate sobre osegredo, abre-o, arebatao, despe- dagao,expalha- e disper. Ao fechamento bésico de Hippolyte comesponde tragicamente (st 6 ironicamente) uma marte por explasdo a pulverza- to largamente espalhada na nartatva, de wm corpo até entdoexenc ‘mente compacto. A narraiva de Théraméne é, portant, o ponto ettico conde a tragédia se resolve, isto é, onde a retencdo anterior de todas as bersonagens se desfaz através dew cataclisma total (Barthes, 1969). Cette image cruelle Como se viu, cada episédio da Phidre raciniana é construido segundo um modelo que retoma, basicamente, os signos da aventura mindica de Thésée: na abertura da peca, Théraméne acaba de sair de um labirinto, onde procurow inurilmente pelo rei (Pkidr. 9-16) e erra, a seguir, num longo diélogo cheio de rodeios complicados, em busca da verdade de Hippolyte;situagéo que volta no “dueto" de Phédre ¢ OEnone, mais tarde refeito quando Hippolyte e Phédre cencenam suas respectivas “confissGes de amor". Ou quando OEnone e 0 rei ficam presos na rede da dissimulagdo, da qual ele tenta em vio sair. “Mas no ato quinto, o combate contra 0 Minotauro é encenado e reencenado cobsessivamente, como se 0 texto fosse 0 prisioneiro, ele proprio, de uma angus tinda Wiederholung, de uma sufocante compuldo a repeticao da qual nao consegue mais escapar; como se a tragédia buscasse em vo coincidit com sua cena origind- via, seu gesto fundador, e cass, vitima de si prépria, no vertiginoso turbilhao do Mesmo. Hippolyte que, 20 longo da tragédia existe, eatralmente, enquanto puro desejo de restaurar a gesta paterna, vinico meio de ter acesso ao Ser, sagra-se cnfim herdi, numa sequéncia cujo ponto culminante é uma imagem cruel esimbé- lea: guiados por um fio que € 0 préprio sangue do principe derramado na terra, =121- ‘FONTES Joann Bras Opalcoceende Racin, ‘Théraméne e a guarda real procuram e encontram em algum lugar que é também um foco, esta cabeleira-signo enredada num sangrento espinheiro. Vencedor do touro/dragéo, avatar do Minotauro, Hippolyte é veneido pelo Fatum e, assumin- do corporalmente o defeito ou mancha de sua prépria familia, ocupa 6 lugar do smonstro, ao exorcté-lo: monstro matador de monstros, herdie vitima propiciatria do terrivel ritual de Venusdiana Diane action si noire Do outro lado da tragédia, Thésée atinge finalmente o centro da casa tortuosa onde se ocultava o monstro e a verdade: Phédre entra em cena depois de ter feito correr nas veias um veneno trazido a Atenas por Medéia, outro monstro. O itimo enfrentamento de Thésée ganha, entdo, um sentido inguie- tante, pois é 0 simulacro, a c6pia imperfeita do combate de Hippolyte contra a ceriatura suscitada pelo Verbo. “C'est moi", declara o monstro agonizante, (Clest moi qui sur ce fils chase et respectueux (Osai jeter un oeil profane, inscestueus, reorganizando 0 mundo através das palavras. Rompe-se a cadeia do Mesmo, mas a emergéncia do Sentido desvela apenas o Nad: No fecho da Fedra de Euripi Courétrofa, vem sustentar, delicada, 0 filho condurido agonizante a presenca do pai; e profere o discurso ‘que inaugura o ritual de Hipélit: O doloroso, ava ti, a venerapto de Trezena 0s cabelos coreados das donzelas 2s vésperas das nipcias; + ao longo dos tempos, a veneragdo das lagrimas tristsimas. Viverds no coragho das mogas «para sempre xe cantard a paixao de Feda,3* enquanto, agonizante, a Phédre raciniana provoca a dura réplica de Thésée: De um ato tao negro udesse também morrer, com ele, a memériat™ ‘Velando o final da tragédia, o dramaturgo francés inverte brutalmente 0 esquema teatral de seu modelo confesso e solicita uma cortina de siléncio sobre 0 -122- LETRAS CLASSICAS ito, sabendo que ele pr6prio acaba de retomar essa ps doa, reinventando-a e contribuindo para sua perenidade: jamais se esqueceré a trevosa paixio de Phédre, embora Jean Racine ndo ouse afirmar que esta seja a melhor de suas tragédias, ra fabulosa, modulan- 5, Déea, paradora (Otho eaMeméria ‘No francés seiscentsta, “mémoire’, “meméria’, ¢ a “lembranca da poste- ridade", 0 registro de acontecimentos fabulosos ou histéricos. Tradusindo 0 *mousopoids" de Euripides (que canta em versos, que preserva a lembranga no canto"), essa palavra denuncia o locus da escritura raciniana: um ponto cego. Em fisiologia ocular, “ponto ceo" 0 ponto da retina onde, nao havendo células ou estimulos sensorisis, situa-se, entretanto, aguela espécie de mancha varia e plena que nos permite ver.” Neste ponto misterioso, atua a criatura cuja auséncia parece fundar 0 trdgico raciniano: o Soberano, 0 Pai, Thésée. Ele € o ser da béance, desse vazio ue o dramaturgo explica ambiguamente, no ansioso desenrolar da pesa, recor endo num momento a verossimilhanga factual, em outro aos eantos poétieos; ora@ historia, ora 20 mito. Ele nfo desceu aos infernos, explica Jean Racine, seguindo 0 eronista robo, Plutarco, 0 evemerista; acompanhou o amigo Piritoo numa desastrada cexpedigio de homens estouvados e lascivos; errava numa regido préxima A nas- centes do rio Aqueronte, e dai a referencia ao Reino das Sombras... Sim, tudo se cexplica, Mas, aqui ali, o texto parece estremecer surdamente, gerando a ima zgem escura de um homem prisioneiro da Caverna: nas réplicas de Phere, de ‘OEnone, de lsméne, correm sobre sua morte incriveis discursos; diem até, e dizem por toda parte que com Piritoo aos infernos descendo, ele viu do Cocito as regras margens e que, vivo, mostrou-se aos sexes infernais (Phadr. 380-6). Nas réplicas da rainha e dos confidentes, répida, oblfqua, presa na teia do ferer, do raditur ou da opinido, uma nota impressiona o ouvide, destoando da ‘melodia dos verossimeis hist6ricos: Thésée penetrou nos pintanos de onde nso se volea, Thésée é 0 Grande Morto, a Imagem sombria, 0 Totem. Ahist6ria como espeticulo A Phedre raciniana foi escrita num momento estética e politicamente curbulento, no coragdo da querelle des anciens et des modernes; entre, de um lado, aqueles que viam na literatura greco-latina um modelo a imitar e de outro os -123- FFONTES.Jouguim Opliciocego deine. defensores da live criagao; no espago onde uma velha codificaso dos sinais se transforma de modo irremedidvel: exatamente quando o espetaculo do poder real encenado através do que Jean Marie Apostoides chama de mitiséria’* dé lugar as "grandes categorias autonomas por meio das quais nos interpretamos ainda hoje" Escritor decididamente favoravel aos antigos, obediente, como se viu, as mais rigorosas leis da ideologiateatral do Grande Século, Jean Racine & também 0 faturo historiégrafo do rei. E um homem das divisSes que se manifestam na vida ena obra: jansenista e porta-vor das angistias da nobresa rural, intelectual do Estado, ele revela as transformagées do periodo numa de suas ttimas tragé- dias “gregas’, encenada quatro anos antes da Phedre:Iphigéne, deama de caréter involuntariamente opertstico, montado, para © prazer da corte, perto do laranjal do palécio encantado de Versalhes. Mito/Fistdria. Mitstia Jean Racine ja ndo participa da plenitude da mitistéria que permite ver no Grande Século a era augustana restaurada e em Luis XIV Apolo e/ou Alcides, fundadores do gesto postico e da gesta guerreira. E se suas obras fragmentaias, permitem entrever a intuiggo de uma concepeio moderna da narrativa histori- ca*, tal como sera praticada no século posterior, ele ainda nao é um moderno. E ‘o homem da barra que separa, dessa béance, onde se instaura a vor - 0 poder ~ de Thesee. Amiscarado Destino De Thésée, ser do ponto cego, do lugar sem lugar. Quem detinha a verda- de do texto era a rainha; quem passa & atopia o rei: ndo se perderd a meméria da lenda de Phedre. ‘Thésée s6 podia coincidir plenamente com Venusdiana - com o Fatum — quando percorria os itinerarios descritos por Théraméne, isto 6, no registro épi- co, Sua fragilidade ee desvela quando penetra de novo no Palacio Cego; ali, atua uma criatura monstruosa, que persegue a todos, inclusive a si prépria: Phédre, 0 nico ser a assumir-se plenamente criatura da fébula, despudoradamente mitica, filha de Minos e Pastfae, irma de Ariane, duplo da Cagadora lasciva, excitando-se @ perseguir 0 casto Hippolyte e invocando a “implacdvel Venus" com estas pala vvras: "Nossas causas sto iguais!" (Phadr. 292, 823). ~124- LETRAS CLASSICAS Exrincia “Nossas causas so iguais": 0 episédio em que se insere este verso procede de Seneca, através de uma sutil transposigdo de vozes; de Séneca procede 0 cardter da Phédre raciniana, longos discursos, situagdes draméticas e mesmo categorias frequentemente confundidas com posigbes mais modernas.” Ha muitas salas, desvios e corredores no Palacio Cego; e depois de errar, allita, a leitura reencontra, surpresa, seu ponto de partida: Séneca. Com Séneca © francts aprendeu sua arte de composigéo: nos dois dramaturgos, palavras, ‘motivos ¢ temas sao lugares, focos em torno dos quais se crstaizam os significa: dos, compondo aquilo que Gianna Petrone (Petrone, 1984, p. 66s) chama de aarmadura de correspondéncias léxico-metaféricas ¢ de palavras-temas asseguran- do a coeréncia discursiva do trégico senequiano. Traducdo e reescritura de textos gregos, 0 teatro latino dia colocar em evidéncia alguns panto extravgios de inteese, retal- tar elementos disperse wagamenteenfocades no orginal, mas sobretudo reivindiar sua originalidade eautonomia oinividualiar tras, através dos quai constrta uma interpretagdo do modelo: temas noves para velhashistérias, perspectvas diferentes para o mesma mito. Ao lado de sana individualdade essa, Roma conguisasua individualidadetmdtica (id. ib). Assim, retomando os estudos de Petrone, Alexis Daramerig (Dammerig, 1985, p. 119-72) colocou em evidéncia, num importante estudo, o tema da cabe- leira, um dos suportes, um eixo seméntico da Fedra senequiana, uma rede de signos que, ao longo da peca, enlaga personagens,situagbes e discursos: o poeta concede valéncias simbélieas aos cabelos de Fedra, de Teseu e da Ama, presos tans aos outros numa longa tranga que sustenta um dos nileos de significagfo da ‘obra: a cabeleira rebelde do selvagem Hipdlito, os penteados ora soltos, ora presos de Fedra, a hirsuta cabeleia de Teseu ao regrestar do inferno, compondo uma mascara gorgénea Esse motivo, encontrado em Euripides, €retrabalhado peo latino em con texto muito mais amplo, num jogo de oposigses imanente ao pensamento senequiano: o conflito entre natureze ¢ cultura, ligado a uma constelagio de ppalavras-chave - como mitis / immitis- obsessivamente acopladas a0 triingulo {tégico ereaparecendo no campo lexical de Eros, 0 deus sem dogura, iit, flho de Vers, diva nan mit generata porto Essa rede, mével, vertiginosa, cuidadosemente composta, ata, umas 48 ‘outras, as constelacdestemdticas: Dimmerig demonstrou que no campo vocabular € metaférico da cabeleia ressoam outros nicleos de significagio, também eles =125- FONTES,Joaguim Bras Opalocegode Raine laboriosamente trabalhados: ogo ¢ furor sangue/heredivariedade e cul recipcio e monstro, Soberanamente articulada num enredamento de significados, a tragédia latina gana, assim, uma poderosa unidade, que Petrone chama de unidade temtca, to rigida quanto as teés famosas unidades classcistas: espaco, tempo, ago biemo, Ocspelho partido No coragio da querelle des anciens et des modemes, Jean Racine reclama-se dos antigos, escreve & mancira de Séneca e cita Euripides como mestre. Seguramente, 0 latino, depois de fecundar o teatro da primeira metade do Seiscentos, havia caido em descrédito, a partir sobretudo da publicagao do famo- 10 tratado de d’Aubignac* autor “iregular", “defeituoso”, ele 6, segundo a auto- ridade do padre René Rapin, “alguém que fala sempre bem, mas nunca natural mente; seus versos sao pomposos ¢ seus sentimentos nobres apenas porque ele pretende deslumbrar..” (Rapin, 1970, p. 110). Seneca nao se conforma & ideolo- gia teatral do Grande Século, e embora tirando proveito dele, Racine apaga seu rome, ao citar seus mestres. Oponto cego Homem do seu tempo dividido, Jean Racine precisa apager 0 nome de ‘Seneca, incendiar sua imagem, para, conformando-se a uma mittriajé em vias de se disolver, emergic, dscreto perfil pleno de sentidos, neste nobre baixo- relevo: Corneille ¢ Racine, dramaturgos gregos dos tempos modernes, rosto bifronte; alegoria,signo e marca do Grande Século. Notas * Autor de Eros, tecldo de mites (Sto Paulo: Estas liberdade, 1991) ¢ de Variagdes sobre a Uiea de Safo (Sao Paul: Estagto liberdade, 1982) ‘A Podtica $6 fol waduzida para francts em 1671 e era até entio conhecida sobretudo ‘través dos comentadores. Mas Racine a praticon em grego,e ssiduamente. Eis uma pass tgom de Arnel sobre piedae e texor, na ineressaaissima traducto feta pelo autor ‘Phodre, mangem de um exemplar dos Comentrlos da Podica de Aritdales, poe . Veto (Florenga, 1573): "Pais done qu'il faut que la constitution d'une excellent tragédie sot, non a simple, mais composts, et pour ans die, novée, e qu'elle soit une imitation des choses Kemibles et digns de compasion (car e'est Ib le propre dela tapi). CE. Pert poled, 1482 6 =126- LETRAS CLASSICAS 2 Prt itp. 246: “le caractére de Phir) tutes ls qualts qu’Arisote demande dans le heros dele tagéic et qui sont propres exciter In compassion et la tereur. En effet, Phedre ‘est ni tout 8 fat eoupable, ni tout 8 fait innoceme. Ble est engage, par sa destnée et par Ta cole des deux, dans une pasion illégime, dost elle a horrene tote la premire, le fait tous ses efforts pou la turmonter Elle aime mieux se lisser mourt que de la déclaer & peesone, Et loraquele est forede de la découvrir, elle en parle avec ane confusion qu ft bien voir que son crime est pluie une puniion des deux qu'un mouvement de sa volomté" 3 A éramaturgia do classismo francés erase e afimase a partir de Asses revistado por seus comentaores. Os prefacios de Racine e, em paricua, os famss dscusos de Corelle 20 testemonhos eloguents dessedislogo ~ as Yezes tnso, As vezesobliuo ~ sustentado entre grandes dramoturgos e uma auctritas antiga, mas sobretdo politica 4 Alessandro Picolomini, Annaaconi alla PoeticadArisutele (1575). CE. Monique Bove et Esthdugue shédtrale.Textes de Plazon & Brecht (Pais, SEDES, 198). 5 Racine basins, aqui, numa passagem de Didgenes Latreo, Vidas ¢ opinldes dos flésofos ‘uses HS: "Segundo alguns, Séeraesajadava a Eupdes na compotgso de suas vagéis Por iso, estreve Menescole: "Os Friglas, novo drama / de Barpies, tndo-Ihe / Séeraes posto lenha embaixo". E mais adiante: "De Sdertes os pregos/fonlecem de Harpies os dramas, 6-Cr_Ploarc, numa passagem que Racine meditou, sem divide, profundamente: “Gostra de puificar ess vida de tad o que ela tem de fabulso e,apoiandosme em argumetos racionais, ‘Garsthe um a de hisia; mas nos lugares onde, recusando-e a qualquer tipo de verossimi Thanea ela no puder ober confianca dos etre, eu thes pea sua indalgncin,slcian dovhes qu recbessem favoravelentefébulascuja eigem se pede na mai rewsdn acpi fade". Vida de Tes", aqui cima a pari da velhatadug francesa de Ricard) 7 Racine, Phere, versos 75:87; 89-94. Tradugbo de Camille Veron, in Racine no jandim das rales poruguesas (Lise, Viloma, 1981): "E me contavas, enti, ahstea do pal. / Bem bes quanto, presa tua vor, minha alma / Ardia &narrativa desses nobres fetes, /Ao me pintares ers intrépido hers / Consolando or morais da auséaca de Alcides,/Saiteadores Dnido ¢jugados / Os monsivs, Cécion, Procite, Con e Sins, / Dispeandce of osoe do ante cpiddurio /E Crea aexalr do Minotauroo sangue./ Mas se conavas fos mencs ‘memoriveis / ras de amor em toda parte oferecidas/ recebidar; Helena sos perentet ‘iraneada/ Ein spars: E, provando a dor de Peibel,/Salamin; tetas ours (.); 7 Ariana 2 rochas contando 0 injusto abandono, / Pera, sob melhor agoro abate; / Bem sabes como, contra a vontade t ouvindo, / Eo supiqul tans vers: fo conte mit, / Procurando esconder aos péstros 8 indigna / Metade de to linda hista!™ 8 Segundo Kast KExény, Or hers gregar (Sto Paulo, Clix, 1993; pp. 198), “se a heise 4a infidelidade de Tesea conseguram subsist, fol simplemente porue o filo de Posetdon ra reputade, em quslger caso, um grande raptor de mulheres”. CF. Pasco, "Vida de Teves" ae: "Vida de ROmulo", 38: Atenca, $574. 9A methorréplicasubsstente € uma pintura mural da Basfica de Herculanum, datando do ‘enlo 1d. Ce hoje no museu Nacional de Népoes (a 9049), Repreduto in Marti Robertson, La peinture grecque (Géneve. Skis, 1978), p. 178 10. Phire,veros 6367; “Vlage adoracur de mille objets divers, / Qui va dv Bw des mors éshonarer Ia couche” 11 CE, Sela Rae, “Téseo nella Fedra di Seneca” (Livnian journal of philology, 3, 1989), p 67: "Figura exemplar do Soberano, homer deus, Tescu emaranhae ho lbiinto de meats eseahado por Fedra e comets o sto tiga, aquele que condena:enuncia, num momento de des-razto, a palava que destisi seu filho, wim inocente. Teseu € 0 lugar onde se encena & -127- FONTES, Joaquin Bras Opaliciocegode Raine. ‘erigem do poder, a desmedida, a hybris (.). uma personagem tio txgien quanto Feira, ‘ajo lar, no nal do texto sencquiano, ele ccupar, depos de wma sri de utseImpercep. tiels movimentor © queda. 12 Verso 172: Eu te contemplo, 6 Sol pela dima vez. 13 Kériny, op. cit, . 204: “Uma pinura de vaso mostra Antfope nos beajos de Teseu (.). Et ‘Aenas, a Amazona dew-the um fhe. De acordo com a maori das narativas, ese iho foi Hipalito”. Cf. Apolodoro, Epitome, 1.17, 14 CE, Virgo, En. VI 61: “Sacerdtes casi, dam vita manebat" Ver abundant exempliiagSo em Emoul Melle, vesbetecasms e Huguet Fugit, Recherches sur expression du sacré ‘dans la langue latine (Publieatons de Ia Faculté des Letves de Stasbourg,fascicule 186, 1963), p. 19:31 15 “Anemis 6 a Courbiofa por excelénca, Ela cuida de todos os rebentos, dos animals ¢ dos Inumanor, sejam machos ou Témeas. Sua fangso nutlos,fak-los ceser © amadurece af ‘que fe tomem plenamette adlior”.lean-Pjere Vernant, A morte nor olor (Rio de Jape, Jorge Zahar, 1988), p21 16 Vil, 761-762. Tradugdo de Manuel Odorico Mendes, in A Eneida (Sto Pavlo, Atens, sd), 17. Ovidio, Fastos, 263 ex segs. Tradugo de Antfnio Feliciano de Catlho, in Horicio-Oviti, Siires 7 Fasos (Ri de abe, W. M. Jackson, sd. 18 Pref cit, p. 247; “Refio-me a cess astoidades pore procuei seguir esrupulosamente a fibula” 19 “Diferenca entre o esprito de geometria« o esplrvo de finura - Num, 06 prncipios sf0 palpaveis, mas afatados do ute Comum; do aera que, por falta de hibit, eust-nos viar 4 eabega para esse lado: por pouco, por, que aos viremos, vemos em chlo os pritcipios; ¢ seia preciso ter o exprito inteiramente falso para raciocinar mal sobre pricipios (30 andes que € quase imposivel que nos excaper. Mas no espfito de fins, 0s pinctpos so de uso comum, 20s olhos de todo tnundo. Basta rar a cabog, sem nenhum eso; tla se somente dete Boa vista, mas que sc boa pois ‘os principio sh to tse m to grande adoro que € quseimposivel no nos slguns. Pascal, Pensamenae 1 1, ad. de Sergio Milit (S80 Paul, Die, 1957), p. 47. 120 Enquanto pertonagens do teatro riciniano, as figuras do mito sero sempre designadas, neste stud, pelos patoninicos franceses. 21 Reve, emografa arcacs,avoriznda navn pela potca clasicisa, 22 Versos 153-185: “Nao mais adiaote, Fiquemos, ara OEnone. / 4 no me susteaho: miss forga me dese. / A luz que reve)oofusca meus olos, E, tmuos, sob mim se esquiar oF joelhor, Aide mim!” Observe-te que, nesta primeira réplica de Phd, 0 adverbio aunt, fcoplado ao verbo de movimento aller nko marca propriamente a distancia, no francés Seiscentista, Desde a abertura do texto, arainba peor, potas, aguilo que se podria ‘chamar de espago abzolta e lve das iajungbes mundanas. Na lingua modern, di-se-ia “Nrallons pas plus Lin” 23 ~OEnone 6 realmente a nutri, a parla, a que desejaliberar Phidre da palavra a qualquer reo, que extn a pala da caviade profunda onde ela se encerra”. Roland Barthes, Sur Racine (Pats, Seul, 1963), p. 118. 24 Vernas 274-76: “Bu 0 vi, fil pid, corei quando vi; / Em mina alma pends, eno, a Aeserdem se fer; / Meus olbos ato viam mais, nem eu pod fal; / Seat tooo corpo e sei ‘quem. NBo € necensro observaro quanto estes versos devem & famosa ode sfice, endo {ecentementetraduzida por Bollea, no corpo do Tratado sobre o sublime, do Pseudo- Longino, Observes, além disso, o ogo sul das yoga acinianas, no pimeito disco ~128- LETRAS CLASSICAS: 25 Versos 509-10: “E tudo isto ouvindo,assombrada ¢confuta/ Chego a treme, que teja um sonho"; Trad. de Camille Veron, op. ct 26 Vers 627-41: “Ph O que estou dindo%! Ble no morrea, pois epira em vés./ Bu o tenho sempre diante dos olhos, meu esposo./ Eu o vejo, eu Ihe flo; © meu coracto...Eu me ‘Confundo, / Senor, um iiensato ardor apes Je mim se dedlara, Hipp. Veo, do voso amor, (© maraviloso efete: /Teseu mort e presente as vosss ols: /E para sempre vossa ama ‘esse amor esrateaa./ Ph Sim principe, enlanguesyo de amore quem / Por Ths. Nin, orem, como viram os infemos, /Adoradorincostnte de mil sees diversas, Do deus dot ‘Momos tentando desoararo let; / Mas fel, sobetbo e mesmo quaseselvagem, / Chelo de fekigo,jover, arastando srs dest / x cores, tl ome nos pnt nosso deste, / Ou {al como eu vo ve" 27 Ceoniro espititual e estrutural do tex texto comportando 165# veros 28 Versot 740, 796, 846, 649, 920: “eacher; eacher Iardeur silence”. 29 Verso 886: “Vous le esignez, Osex I'accuser Ia premite” 30 Versos 1001-02: "Ah! O que ougo? Um traidor, um temeriro / Maquina ese uluaje conta, 1 honra do pai?” 31 0 discus teria sido promunciado no interval entre dois tos, € mostra o quanto Jean Racine sabia reper 0s mecanismos da are dramdtic: numa cena perfeta, com dois verso, 0 re Informa o espectador: OEnone pesjrou 132 Versos 1203.04: “Hipolye ¢sensvel e nada sente por mim! / Arcie tem seu corago.Aricie ego a temer (© regesto de Théste acontece no verso $25, num re en vain; silence: cacher 33 Nos discursos de Phidre: “cacher" (v. 1236, 1242, 1277; de Hippolye: “secret! foi, supprimer un secret, coeur / coer se taire™(¥. 1043, 1089, 1119, 1150) de Thésée: “un lUche silence, ensevelir™. O léxico € modulado, naturalment, pelo contexto dss falas, ‘convidando a um esto mi fine, que no pode ser feito no cur expago deste eneio 134 Versos 1081-86: “Traidor,cvidvas que em silncio covarde / Phidee separa sua insléncia bat / No deveris te abandonado, ao fir, / © ferro que nas sas tos ajuda a condenar- te:/ Ou devas, eno, extremo perro, / Reubare 20 mesmo tempo a plavea e a vida" 35 Versos 1157-60: *Miservel, corres 8 tua perdainflivel. / Netuno, pelo rio aos proprios esses fonesto / Deu-me su palava e vl execusla,/ Um deus vingador te segue, no 0 podes evitae” 36 Tharaméne & Ferdnime, uma tradugio que restaliza em portuguds a carga semintca da palavea grega (Mer, “animal sevagemn"; des, “alia, princpio da vida") sgerda 20 autor deste enssio por Jaa Torrano 137 Versor 1526-30; 1547-48; 1555-58: “Procuram todos sbrigo no templo vizio. / Hippolyte somente, filho digno de um beri, / Detém os cores, empunha as langas,/ Arremeasase Contra © monstro e, com dardo ceteizo, / Abre-The no Manco enorme chaga.(..) Ev vi, Senhor, eu vi vos fh infeliz/Arrastado pelos cores que sua propia mS alimenow. (.) ‘Acoro,snsioso,e sua guarda me segue. / Guam-aos os tagos dese gencoso sang. / Ele ‘mancha as ochas ¢ os espnheirs gotjam, / Otetando os restos da sangremta cabeleie” ‘38 Emout / Meillet, Dictionnaire éymologique de la langue latin, verbete“monsum"; (Paris, Klincksieck, 1985) 39 Verses 1637-38: “Tomei, fiz escomer nas ardenes vias / um veneno (.)" 40. Subttulo onde te deve ouvir a melodia da “Troistme Lejon des Téndres & deux voi”, de F. Couperin =129- -FONTES, Joaquin Bras Opatiocego de Rasa. 441 Versos 703-04, 707, 709-11: “Acredita-ne, este monsto horive! no te deve eseapar Bis ‘meu corpo (1 Ou seta mo so recusa a merglhar em sangue tS vl. / Empresa, er lugar de teu brago, ta espada,/ Dime 42. Versos 672-5 “Basta 0 que eu disse para tare do engano, / Conbece pois Phidee © sua paixto./ Amo”. 43 Eim Racine, hé uma dnica referencia Diana, ¢ ironicamente no dscurso de Hippolyts, no momento om que, prometendo casamento 8 pura Afici. principe invoca a curt dv, fssocando-o 8 devsa dos matimBniok abengoudos (¥. 1404), 44 Versot 2768, 306, #16: "Seni corpo gelar © queimar / Reconheci Venus suas temiveis flamas,/ De um sangue qu ela perepueincviteveistormentor..) & Venus inteita sobre ‘presacaind.(..) Tea triunfo € pete; teus datdosatingiram todos o avo” 45 Verso II10: Y's puss La vers jueques & la rans” 46 Versos 1346: Tleamne 2 Hippolyte: “Chargés d'un feu secret, vox yeux s'appesanassont 1s en faut point dower: vous aimez, vous bree: / Vous pérsset dum mat que vous ‘iss 47 0 conceito de “homme-réeit” (4 proposto por T. Todorov num texto antigo, mas sem ‘vida anda instigador.publicado em Podique de la prose (Pats, Soll, 1971), p. 7891 468 A tentag das analogas € grande, mas Kant sé visa um sEculo depois. 49 Em seu hoje cltsico est, Roland Barthes chama a tengo para ests, ene outs passa- fens: Phadre a Hippy: "Libera ouniverso de um inant que te exper (Il), Arce Gingindose a Théste, 0 respeito de Phéde:"Vossa invenciveis mos /Liberaram de mons: ‘wos sem nme os rts. 7 Mas ner wo fr destldo © devas vivee/ Um dles. (V. 3): Phadre. a OBnane: "Varie,execravel monsto": Phadre, a respelto de Hippolye: "Ele 6 tum monstro que me asst (I, 3), '50 Versos 1623.24: “Ful eu que sobre est ho caso respeitxo Ouse angar un olho impor, S51 Tindugdo live dos verss 1423-1430 do Hippolyas, de Burpides. Testo grego in Eurfpides, 1V dhondon, Loeb Classical Libay, 1980) 52 Versos 1646-47. "D'une ation si noire / Que ne peut avec elle exper Ia mémoie!™ '53 Consults, 9 respeto do “pont cego", os trabalhos de Michel Butore Eduardo Loureago tale a "snarche” pleural de Manuel Casimir, in Coliguo, 6§, 2" .ée?27 ano, margo de 1985, '54°°A primeira parte do reinado (le Luts XVI 6 marcada pelo que chamanos de miso, 08 ‘ja, a undo, pela agto do Estado, ds diferentes dimensdes do real e sua coordenagto em fungso de uma lgiea una". Jean-Marie Aportolids, O re-mdguina (Rio de JaneiODR, 0x8 Olympro, 1999), p. 117 155 “A concepgio de histéia que se instala na época apresenta duplo aspecto. De um lado, restitui ab passado um funcionamento autOnomo, de outro perme que 0 presente Seja ‘perebido em s00novidade e oignalidade”. Idem, ibid. p. 111 56 Regiae-se, entre of diversos “fragments hisorgues” de Jean Racine, um interessante texto solve a presen dos holandeses no Brasil, OEuvre... ed. cit, pp. 384 eseguites. 57 °Nto € significative qu, entre todos os verso da tragéia, os que poderiam parecer mais inspirados pelo jansenismo sS0 exaamente a tradiglo de passagens senequanas?™ Antoine ‘Ada, Huttre de a ineranurefrangatre du XVI" eécle (Pars, Doma, 1958, p. 40, 58 CE, Roland W. Tobin, Racine and Seneca (Chapel Hill, University of North Carolina Pres, 97iy "Racine, Séadque et I'Académe Lamotgaon”, in Criigue et erdaton lerares eh France cw XVII" siele (Pais. CNRS, 1977, = 130- REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ADAM, A. Histoire de la literature francaise du XVI‘ sidcle. Paris: Domat, 1954. APOSTOLIDES, ]-M. O rei-mdquina, Rio de Janeito / DF: José Olympio, 1993. BARTHES, R. Sur Racine. Paris: Seu, 1969. BORIE, M. et alii. Esthétique théatrale. Testes de Platon & Brecht. Paris: SEDES, 1982. BUTOR, M.; LOURENGO, E. Coléquio, 64, 2* série/27° ano, marco de 1985, DAMMERIG, A. Lesungen und Deutungen. Hemmeneias, 10, 1985. DUPUIS, J. Em nome do pai. Uma histéria da paternidade. Sao Paulo: Martine Fontes, 1989. ERNOUT, A.; MEILLET, A. Dictionnaire étymologique de la langue laine. Paris: Klincksieck, 1985 EURIPIDES. Hippolytus. In: ~. London: Loeb Classical Library, 1980. v. 4 FLAUBERT, G. Owes completes, Paris: Seuil, 1991. FUGIER, H. Recherches sur Vexpression du sacré dans la langue latine. Strasbourg: Publications de la Faculté des Lettres de Strasbourg, 1963, GENETTE, G. Vraisemblable et motivation. Communications, 11, 1968, GOLDMANN, L. Le Dieu caché. Paris: Gallimard, 1976 —. Racine, Patis: Liarche, 1970. HEDELIN, F. (abb¢ d’Aubignac). La pratique du thédtre, Paris: Champion, 1927. HORACIO. Sétiras. Tradugdo de Anténio Feliciano de Castiho. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 6/4. KERENY, K. Os herds gregos. Sao Paulo: Culerix, 1993. OVIDIO. Fasts. Tradugio de Anténio Feliciano de Castlho, Rio de Janeito: W. M. Jackson, s/d. PASCAL. Pensamentos. Tradugso de Sérgio Milliet. Sao Paulo: Difel, 1957, PETRONE, G. La scrttura tagica dell'irazionale. Palermo: Palumbo, 1984. RACINE, J. Owes Completes. Paris: Seuil, 1991 RALE, 8. Téseo nella Fedra di Seneca. Livonian journal of philology, 31, 1989. RAPIN, R. Réflerions sur la poétique. Dubois. Geneve: Dros, 1970, ROBERTSON, M. La peintwre grecque. Géneve: Skira, 1978, =131- FONTES, Jaap Bras. Opalcocrgode Racine TOBIN, R. W. Racine, Sénéque et I'Académie Lamoignon. In: —. Critique et création littérairesen France au XVII" stcle. Paris: CNRS, 1977. —. Racine and Seneca. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1971. TODOROV, T. Poétique de la prose. Paris: Seuil, 1971 VERNANT, J.P. A morte nos olhos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. VERNON, C. Racine no jardim das raizes portuguesas. Lisboa: Viloma, 1981. VIRGILIO. A Eneida. Traduséo de Manuel Odorico Mendes, Sao Paulo: Atena, ad FONTES, Joaquim Brasil. Le palais aveugle de Racine RESUME: Dans la préface tsa tragédie Phdre, créée en 1677, Jean Racine avoue sa dette envers Eurpide, sans pourtant faire allusion & Senéque dont la Phaedra est sans doute le texte avec lequel il dialogue le plus souvent tout au long de sa pidce. Tout en soulignant la prévence de la Phaedra sénéquinenne dans le texte racinien (par la uoie de themes, vocabulaire e structure dramatique), cette étude rappelle exec d expliquer tune auare censire que le dramaturge francais impose au myth: la rature de Diane, contrepartie de Vérus dans le texte d'Euripide et de Séneque, figure indispensable ax développement de la trame wragique MOTS-CLES: La ratwre de Diane; Le mythe de Phadt Racine =132-

You might also like