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Ea eae Be See eo Se ee OE ay GS) oye] -31-» Mobile) Ate) ) 20) Se Eero CUA mae) SRR ate) TOSCO RES Ce ero) ST ORS onde SE UO e aa POR cmon Gun RAcue Recncse utc) Oh mee CN ec Se eae nd CORP Cue) CRO RC one Tc Dinerros Resenvanos A PARABOLA EDITORIAL, RUA BERNARDINO DE AGUIAR, 194 (0411-060 Sho Pauto, SP Fone: [11] 6969-8853 5580-2165 Fx: (11) 275-8992 home page: www:parsholaeditorial.apg.com.br ‘e-mail: parabolaed @uol.combr nen roroGbPi €eRaVAgO) weios (eran, ou mech ISBN: 85-86456-02-« SUMARIO Nora pos xprrores. APRESENTAGAO enn Carlos Alberto Faraco FES(RANGHIRISMOS — DBSEIOS # AMEAGAS san Pedro M. Garcez ¢ Ana Maria 8. Zilles Legitimidade © putea .1.n. Aneglicismos: a forga do desejo .. Diligencias legislativas Preconceito ¢ exclusao.. 2 Diversidade invisivel ¢ vida social da Jinguagem Referéncias.. (Gunns 1M TORNO DA LINGUA — QUESTOES DE POLITICA LINGUISTICA.. Carlos Alberto Faraco Cassawora, FiNix E OUTROS MITOs Marcos Bagno papel (mofado) das academias de letras. Portugués a ferro e fogo Gosto nao se discute: 86 0 dos outros? Falsos profetas, falsas fenix Pessimismo e medo da morte O caréter homeostatico das linguas... Ligdes de incompeténeia. Como se nao fossem estrangé Ratos, cobras € autos-da-t6 ener Cada época tem sua lingua franca. Legislar, sim, mas sobre 0 qué? 7 21 23 28. 34 36 37. O projero Dx 1x1 N° 1676/99 sa mores SAO PAVIO srnennnnn John Robert Schmitz ConsiDERAGOES EM TORKO DO PROJETO DE LE N° 1676/99 107 José Luiz Fisrin Referéncias = 125 FOR QUE NAO NOS DEFENDER DA LINGUA? nnn 127 Paulo Coimbra Guedes AINDA 05 BOUIVOCDS NO COMBEATE ACS ESTRANGERREMOS 143, ‘Ana Maria Stahl Zilles Os projetos de lei antiestrangeirismos.... 143 Inexeqtitbilidade e inviabilidade dos PTOjCLOS on nnnsennrrne sens 145 O mito da unidade 148 Historia mal contada .. 150 A mudanca lingtifstica 155 Recuo politico . 2c (Ae ema Nem novo, nem velho 160 A Questo Dos SSTRANGEREMOS 163 ‘Sirio Possenti Bieito pela causa 164 Lingua e estrangeirismos 167 Diciondtios 172 Anrxos: Projeto de Lei n® 1676 de 1999 17 Justificacdo sono svnnanenen BL Requerimento dos lingiistas ao Senado da Republica 187 05 AUTORES enn 189 6 NOTA DOS EDITORES Este livro tem origem mum equivoco, o projeto de lei 1676/1999 ~ sobre “a promogio, a protegio, adefesa e 0 uso da lingua portuguesa” - do deputa- do Aldo Rebelo, mas de longe o ultrapassa e supera. ‘Mesmo que o projeto vertha a ser lei, as ques- toes que este livro aborda nao estardo resolvidas, porque a lingua nfo aceita mordaga nem se deixa domesticar por mera pirotecnia legislativa. Precisa- mos de mais do que de fmpetos legiferantes. Foi por isso que mudamos o titulo originalmen- te pensado para nosso livro, Estrangeirismos ~ wn debate equivocado, para Estrangeirismos - guerrasem torno da lingua, querendo com isso dizer que, entre os que querem se fazer passar por defensores da pureza do idioma e os que defendem o direito dos falantes a mudar sua lingua, alinhamo-nos aos se- gundos na guerra em torno de que lingua é a nossa, Estamos seguros de que os leitores atestario 0 acertado de nossa posigao quando lerem o que tém a dizer os autores que aqui se manifestam contra a visio obrigatoriamente limitada de uma pessoa ou de uma instituigéo, por mais bem intencionada que ‘uma ou outta se declare. lingitistica — idioleto ou dialeto—e ainda outra pa- lavra que todos os falantes de portugues conhecem, ‘Tenho minhas ckividas sobre a constituciona- lidade do projeto na sua formal atual. E também mpossivel impedir o livre desenvolvimento do idio- ‘ma com a imposieao de multas. Duvido que a pro- mulgacio do projeto consiga coibir os “exageros” ‘ow 0 “uso gratuito” de palavras como “sale” ou “delivery”. Na qualidade de cidadao ¢ eleitor, per- gunto se 0 Brasil nio precisa de leis mais “sérias” como (i) a ética no uso de dinheiro piblico, (ii) a regulamentagZo de remessa de lucros, (ii) a prote- io de patentes brasileirase (iv) a protecdo ambien- tal de todo 0 territério nacional. Para coneluir este trabalho, gostaria de me re- ferir a outro trabalho de minha autoria intitulado “A lingua portuguesa e os estrangeirismos”, publi- cado hd mais de 12 anos atrés, bem antes do depu- tado Aldo Rebelo entrar em cena. No referido ar go afirmei o que afirmo no presente trabalho: “bom Jembrar que a ngua portuguesa seme foi aco- Tedora de palavras novas. A presen de palavres de ox- et estrangeia no portugues eontemporaneo de nenb- ‘ma forma empobree a ing; muito a conti, as pa- Javras emprestadas de outras linguas contibuem para entiqueer a ingua portuguesa™. 28, John Robert Schmitz, “A Kinga portuguesa eos estan seirismos",D.0. Leitura. Séo Paulo, 7 dezembro de 1988, pp. 45. 106 CONSIDERAGOES EM TORNO DO PROJETO DE LEI N° 1676/99 José Luis Fiorin A nossa verdadrira nacionalidade éa humanidade H.G.Wus © nacionatisma é wma docnca infantil Eo sarampo da humanidade, Eis O deputado Aldo Rebelo apresentou a Camara dos Deputados projeto de lei de defesa, protecdo, promogao e uso do idioma. O que o deputado pro- poe € uma politica lingiifstica, com sua decorrente planificacao lingiiistica. Em primeiro lugar, cabe dizer que uma politica lingiiistica s6 existe quando ha escolha, seja entre diferentes variedades lingitis- ticas, seja entre diferentes linguas. E a possibilida- de de escolha que torna possivel a planificagao lingiiistica. Diz Claude Hagége: En diversas épocas, mas prinipalmente no séeslo XX, ‘os homens intervieram na estrutura das linguas, no so- ‘mente pela estandardizagao da norma, mas também pela 107 José ie Fionn planifcagdo da gramitica: por exemplo, os géneros do hholandés, as flexes nominase verbsis em fnlands desinéneias casts em estoniano, ohugar dos liticos era chico, numerosos pontos dt morfologia emt hebraicois- raelense. Fssaagao concere igualmente as estruturas Jexicais: moderizagiodo vocbulério, em particular eru- ito e especializado (teenoletose outros tens da neologia), defesa legal contra as “invasdes” de termos esteangeios (x Francs, Quebec) mais gerlmente controle do prin. cipal fat externo de modificagao da estrutura da lin sua, oempréstimo (1986: 124-128) E preeiso distinguir o que sao politica lingiifs- tica ¢ planificagao lingiifstica. De acordo com Calvet, aquela é “o conjunto de escothas conscien- tes efetuadas no dominio das relagdes entre lingua e vida social, e mais particularmente entre lingua e vida nacional”, enquanto esta é “a busca e 0 em- prego dos meios necessarios para a aplicagdo de uma politica lingiiistica” (1987: 154-155). Uma pla- nificagio lingtifstica implica uma politica lingitis- tica, mas a recfproca nao é verdadeira, Ela é, as- sim, uma mudanga deliberada, ou melhor, uma escolha explicita entre alternativas. Essa escolha existe em todos os niveis de uso da lingua, mas é evidente que nem todos os niveis podem ser obje- to da planificagao lingifstica. Geralmente, esta diz respeito aos usos oficiais ou piiblicos da lingua e no as situagdes quotidianas de comunicagao in- formal, que sdo regidas por fatores muito comple- x0s de natureza sociopsicolégica, 108, CovsioeRacOcs Ex roma Wo moter oe Lew" 1676/90 Grande parte dos pesquisadores concorda que a planificagdo lingiistica é um conjunto de agoes que “tém em comum 0 fato de ser premeditadas e visar a fins particulares concernentes ao uso da Iimgua numa comunidade” (Baylon, 1996: 177). Por isso, ela é uma intervencao (visa interferir no curso normal dos acontecimentos lingitisticos, para determinar o uso futuro da lingua), explicita (sio tentativas conscientes e deliberadas para de- terminar 0 emprego ¢ o uso da lingua), orientada para uma finalidade (existe uma motivacdo expli- cita para a planificagao), sistemética (hé uma pre- visio de ages com vistas a resolver um proble- ma), uma escolha entre possibilidades (as alter- nativas devem ser identificadas e a escolha entre clas, realizada), institucional (ela diz respeito prin- cipalmente as instituigdes priblicas) (Baylon, 1996: 17-178). HA dois tipos principais de politica e, conse- qiientemente, de planificagdo lingtifstica: uma diz, respeito ao estatuto de um lingua ou de uma varie- dade (so exemplos a escolha do hindi como lingua nacional depois da independéncia da India, a esco- Iha do portugués como lingua de unidade nacional nos diferentes paises afticanos que foram colénias portuguesas, a selegdo de uma variante como lin- ‘gua-padrao); outra diz respeito A codificagao lingiifs- tica do idioma, ou seja, a sua normatiza¢ao, sua es- tandardizacdo (por exemplo, a escolha de uma es- crita, a unificagao ortogréfica, a modernizagao do 109 vocabulicio, como ocorreu com 0 hebraico em Is- rael) (Baylon, 1996, p. 185-189). ‘Uma tiltima observacao deve ser feita, Uma lin- gua nao é um mero instrumento de comunicacao, ‘mas tem fungSes simbélicas muito importantes no seio de uma sociedade. F vista, por exemplo, como fator de unidade nacional, como ponta de langa da invasio cultural ete. Uma politica lingiifstiea diz respeito muito mais as fungdes simbdlicas da lin gua do que a suas funcdes comunicativas. Nao s80 as necessidades reais de comunicacdo que pesam na definigéo de uma politica lingiistica, mas eonside- rages politicas, sociais, econdmicas ou religiosas. 0 estabelecimento de uma politica lingiistica eo- ‘mega com a identificacao de um problema, que ndo € de natureza Tingiiéstica, mas de ordem politica, econémica ou cultural, apesar do que possam achar as pessoas implicadas no proceso. Na verdade, quando se diz. que estamos diante de um problema lingtifstico, estamos pensando na lingua como ma- nifestagdo de uma cultura, que assegura uma fun- ao comportamental e simbslica, O projeto do deputado Aldo Rebelo contém uma politica e uma planificacdo linglistica. A politica lin- iifstica estd estabelecida, quando no paragrafo tini- co do artigo 1° se afirma que “a lingua portuguesa é ‘um dos elementos da integracao nacional brasileira, concorrendo, juntamente com outros fatores, para a definigéo da soberania do Brasil como nacdo”, Nos considerandos, explica-se que “a Historia nos ensina 110 Constoceagdes em 70M 29 HOUETO BELEN 1676/99, «que uma das formas de dominagao de um povo sobre, outro se dé pela imposicdo da lingua”, “porque é 0 ‘modo mais eficiente, apesar de geralmente lento, para impor toda uma cultura — seus valores, tradigées, inclusive 0 modelo socioecondmico eo regime politi- co” Por outro lado, mostra que “estamos a assistir a ‘uma verdadeira descaracterizagdo da lingua portu- guesa, tal a invasdo indiseriminada ¢ desnecesséria de estrangeirismos (...) e de aportuguesamentos de gosto duvidoso (...)”. 0 que permite supor que “esta- mos na iminéneia de comprometer, quem sabe até truncar, a comunicagao oral e eserita com 0 nosso homem simples do campo, nao afeito a palavras expressdes importadas, em geral do inglés norte-ame- ricano, que dominam nosso cotidiano, sobretudo a produglo, 0 consumo e a publicidade de bens, pro- dutos e servigos, para nao falar das expresses es- trangeiras que nos chegam pela informética, pelos meios de comunicacdo de miassa ¢ pelos modistios em geral’ Isso esté ameacando “um dos elementos ‘mais marcantes da nossa identidade nacional”, que “reside justamente no fato de termos um imenso ter- ritério com uma s6 lingua, esta plenamente com- preenstvel por todos os brasileiros de qualquer rincdo, independentemente do nivel de instrugao e das pe- culiaridades regionais da fala e da escrita”: Esse fe- nomeno explica-se “pela ignordincia, pela falta de sen- 50 eritico e estético e até mesmo pela falta de auito- estima”, O projeto visa nos levar a “participar dos valores culturais globais sem comprometer os locais” ttt Jost Lue Foam 0 deputado incorpora em sua justificativa uma cita- gio de Napoledo Mendes de Almeida: “conhecer a Imgua portuguesa no ¢ privilégio de gramiticos, se- iio dever do brasileiro que preza sua nacionalidade, A lingua é a mais viva expressio da nacionalidade, Como havemos de querer que respeitem nossa na- cionalidade se somos os primeiros a descuidar da- quilo que a exprime e representa, o idioma pétrio?” Como se vé, estdo af colocadas todas as bases de uma politica lingiistica. Apresenta-se um pro- blema lingitistico, a dificuldade de comunicagao que terdo os nossos homens simples do campo com a invasio de estrangeirismos. Um outro problema é 0 da descaracterizacao do idioma, Trata-se no contli- to portugués/inglés do aparecimento de uma crise do idioma, O fundamento politico e ideol6gico dessa po- litica é a defesa da soberania nacional, na luta antiimperialista. Alia, assim, o projeto de lei um com- ponente nacionalista a um componente purista. A concep de lingua sobre a qual se fundamenta essa politica é a da lingua como algo homogéneo. Com base nessa politica, estabelece-se uma pla- nificagéo lingtistica. O dominio de intervenca0 da lei €o léxico. Estabelece-se a obrigatoriedade do uso da lingua portuguesa nos dominios piblicos, com excegio de alguns casos previstos em lei. Uma jla- nificagao lingiifstica pode atuar de duas maneiras diferentes: uma positiva, incentivando, promoven- do, ete. © uma negativa, proibindo, castigando ete. O projeto prevé as duas formas de acao, pois pre- 112 tende ser uma lei de promocao, protegio e defesa do idioma. Para analisar a validade dessa iniciativa legis- lativa, precisamos verificar se os problemas lingiifs- tivos identificados tem procedéncia, se a planifica- ‘lo proposta pode atingir os objetivos colimados, se 0s fundamentos ideol6gicos apresentam uma dire- do conservadora ou progressista A primeira coisa a analisar & a concepgao de lingua sobre a qual se baseia 0 projeto. Apesar de falarem peculiaridades regionais da fala eda escrita e em deixar claro que as linguas mudam, o projeto, na verdade, baseia-se numa concepcdio homogénea © es- tstica da lingua, pois pensa fundamentalmente em sua unidade, E um mito essa pretensa possibilidade de comunicagao igualitéria em todos os niveis. Isso é uma idealizacdo, Todas as kinguas apresentam variantes: 0 inglés, 0 alemao, o francés etc. Também as linguas antigas tinham variagdes. O portugués e outras Iin- guas roménicas provém de uma variedade do latim, 0 chamado latim vulgar, muito diferente do latim culto. Além disso, as linguas mudam. O portugues moder- no é muito distinto do portugues clissico. Se fosse- ‘mos aceitar a idéia de estaticidade das linguas, devert- amos dizer que 0 portugués inteiro é um erro e, por: tanto, deveriamos voltar a falar latim. Ademais, se 0 portugués provém do latim vulgar, poder-se-ia afir- ‘mar que ele est todo errado. A variacdo ¢ inerente as Iinguas, porque as so- ciedades sao divididas em grupos: hd os mais jovens 15 € 08 mais velhos, os que habitam uma regio ou ou- tra, os que tém esta ou aquela profissao, 0s que so de uma ou outa classe social e assim por diante. 0 uso de determinada variedade lingitistica serve para ‘marcar a incluso num desses grupos, di uma iden- tidade para seus membros, Aprendemos a distinguir avariagdo. Quando alguém comeca a falar, sabemos se é do interior de Sao Paulo, gaticho, carioca ou portugues, Sabemos que certas expressoes perten- cem & fala dos mais jovens, que determinadas for- ‘mas se usam em situagao informal, mas ndo em oca- sides formais, Saber uma lingua é conhecer suas va- riedades. Um bom falante é “poliglota” em sua pré- pria lingua, Saber portugués nao é aprender regras que s6 existem numa lingua artificial usada pela es- cola, As variantes nao so feias ou bonitas, ecradas ou certas, deselegantes ou elegantes, so simplesmen- te diferentes. Como as linguas so varisveis, elas mudam. “Nosso homem simples do campo” tem di- ficuldade de comunicar-se nos diferentes niveis do portugués nao por causa da variagao ¢ da mudanca lingiéstica, mas porque Ihe foi barrado 0 acesso & escola ou porque, neste pais, se oferece um ensino de baixa qualidade as classes trabalhadoras e porque nao se Ihes oferece a oportunidade de participar da vida cultural das camadas dominantes da populacao. Depois é preciso analisar os dois problemas lin- Giiisticos apresentados no projeto: a dificuldade de contunicacao pela invasio de palavras estrangeiras € a descaracterizacio do idioma. O primeiro é um 14 ‘ConsoGRAgDes EN ToRNO 99 PRCJETO Be Le 167890 falso problema ¢ fundamenta-se num preconceito, ode que certas camadas da populagao tém dificul- dades naturais de aprendizagem. E um falso proble- ‘ma, porque o léxico € aprendido em funcao das ex- periéncias de vida e qualquer pessoa é capaz. de aprender qualquer setor do vocabulirio, se ele tiver algum sentido para ela. Até a ascensio de Gustavo Kuerten (0 Guga) aos primeiros Ingares do tenis mundial, a maioria dos brasileiros nao conhecia as regras desse jogo, ndo sabia como se faz.a contagem de pontos oui o que significam expresses comogame ou match point. Como o tenis passou a fazer parte da vida dos brasileiros, em qualquer botequim, dis- cute-se a contagem de pontos, sabe-se o significado das expressdes usuiais no ténis, Portanto, a incorpo- ragio de palavras estrangeiras nao trard qualquer dificuldade real de comunicacao. O segundo problema é a descaracterizacao do idioma, Um idioma se caracteriza por uma gramat cae por um fundo Iéxico comum. A gramética nao se encontra ameagada por empréstimos estrangei- 105, pois eles sfo pronumeiados de acordo com o sis- tema fonol6gico do portugués e usados segundo a morfologia ¢ a sintaxe de nosso idioma. Por exem- plo, pronuneia-se hot dog como “réti dégui”, porque 0 portugués nao tem H aspirado e porque, em nosso sistema fonolégico, nao hi travamento silébico em T eG. Os verbos que esto sendo formados, a partir de substantivos emprestados, como deletar, printar, bidar, so verbos da primeira conjugacao, a conju- 115; gaciio produtiva em nosso sistema lexical, e sio con- Jugados de acoro com nossa morfologia. Nao ha ne- nhum empréstimo de palavras gramaticais, bem como nao estamos diante de uma mudanga da sinta- xe da lingua, Além disso, nenhum desses emprésti- mos altera 0 que algumns lingiiistas chamam o fundo Iéxico comum, que continua tio vernéculo quanto antes. Ora, estando sélidos a gramética da lingua (fo- nologia, morfologia e sintaxe) e seu fundo léxico comum, nao hd nenluima razao para temer qualquer desvirtuamento ow enfraquecimento do idioma em virtude de algumas centenas de empréstimos. Analisemos tum pouco melhor a questdo do lé- xico, que é 0 campo sobre 0 qual pretende atuar a planificagio lingistica proposta pela depatado Aldo Rebelo, O léxico de uma lingua é constituido da to- talidade das palavras que ela possui, consideradas do ponto de vista das invariantes seménticas, inde- pendentemente da fungéo gramatical que exercem na oragio. Ele permite verificar o grau de desenvol- vvimento social de um povo, porque nos mostra a quantidade e 0 tipo de conhecimentos que ele de- tém. E reflexo da vida sécio-econdmico-cultural de ‘um povo e, portanto, contém a cristalizacao de sua vida material e espiritual. O 1éxico possui'um fun- do comum, que caracteriza uma Iingua e 6 tio resis- tente quanto a gramitica, porque as nogoes que ele expressa, de um lado, nao sfo afetadas por mudan- «eas econdmicas e sociais, ¢, de outro, porque sao de uso getal ecoloquial. Esse furndo comum é0 susten- 116 Sap Consioeeages ea Tonto 09 PROTO 95 Le Wi 167490 taculo da estrutura léxica de uma lingua. O resto do vocabulitio pode modificar-se mais ou menos rapi: damente, porque reflete a vida socioecondmica de ‘um povo. Portanto, 0 que esti em questo, quando se fala em descaracterizacio do idioma, é 0 fundo éxico comum. Este, no caso dos idiomas roma cos, € formado de palavras herdadas do latim, de elementos autdetones, que sfo palavras vindas das Tinguas faladas pelos povos pré-roménicos, por pa- lavras germénicas. Ainda, deve-se considerar a exis- téncia de palavras eslavas no romeno e palavras dra- bes, nas linguas faladas na Peninsula Tbérica. No caso das linguas rominicas, so latinas as preposi- bes € as conjungdes, os pronomes, os numerais, 0s advérbios, a maioria dos verbos antigos ¢ muitos, adjetivos. A situuagdo é diferente no ambito dos subs- tantivos. Como eles denominam objetos materiais, que, como produtos da atividade humana destina- dos a satisfazer as necessidades correntes da vida, modificam-se e renovam-se incessantemente, ou nogées abstratas, que esto submetidas a mutagoes devidas & marcha da historia, sdo a classe que sofre maiores alteragdes. No entanto, pertencem ao fun- do léxico comum os nomes de partes do corpo e dos lagos de parentesco, termos relativos & casa (mobi- lidrio, etc.), nomes de animais domésticos e selva- gens, nome de ocupagdes mais antigas, relaciona- das a agricultura, a0 pastoreio, ao artesanato ett, nomes de plantas, termos designativos de fenome- nos da natureza, nomes dos astros, dias, meses € 17 ‘op vista ap o3tiod op sesonnyzod sexauped se onb 10), “BA ousoU 0 ejuoueyexo 149) FUE SepElsazdura sea -pped se anbuod ‘onaunzg goeu anb 10g “oonspn sum ‘sn 0 re12)[e ap zadea eonsjod ovdeytats0 vy og an 9 o1afoxd o ‘oper oxo 10g “oatx9] ou ep -hoyar euoisny v xeummTa ‘oyax9ap 30d ‘apuajaud 19] 2p oxford 0 ‘opey win acy “etamor [E1908 oBSerTI0] bp bLuoisty ep RALsap anb ‘ovens essa ‘oyaxsap s0d ‘ropnus opod 9s ony “vain urafiio ap sezaryed ap %8 Op Rosa a wARISA MHAFTIO ap soNGPOOA ap OE asenb way ‘cunsjoau engus] wun ‘ouamos 0 ‘opzes ss9 20g -oaod Win ap BIOISIY eH os-eEEIO] ENT] ‘wun ap o2tx9[ 0 ‘souLeIztp OWOD “wpEIOA x0A apuayard o}qPEL OPIY opemdap o anb e onod stay sod sem -ogpr sassop sesjndxo wefos ou souzodsa anb ‘sen uy] sexno wxed sounspiduso song navaULI0y W9q -tue} sgninyiod o onb epure xexquzay ace ‘sous Sop vutoIpr 0 1apuajap tuetanb seistand sopeureya so wionMo owod ‘s9[But op soursprdura so woo oped -nooaid ¥389 opemndap 0 afofy “sexnno anb op sours -soxdu stew wro2ouzoy ‘oytottour opetuLtayop mints ‘eonyod eriowrafay, way an senBusl se anb aquap “149 4 io Souasspur senBuy] ap ‘seuwouye sensuy 2p ‘sgouesy op ‘joqttedso op ‘ourepent op ‘seorupms08 1.0 "va0d9 epep eum sosted Saquaxopp so arta se510} ap ogSe[a1s09 ep ‘oy9M -our opep tant oufeqes op [euo!seusayt ovstatp Ep ‘soneyu0o snos ap ‘oaod um ap euioysty ep opeapasas x9] OBSEAOLAL ap SOLoUE Sop Tan ‘oon, 9 o13rO¥4 00 on Wa saGSeuaarennD -synfuy oumsgzduzo 0 rey1a0 opod as ogu a swsuaAtp uO} ap sepuraord seuLIo} 9p operautoffu0d WA 9 -ussured 9 ogdextpard ‘ovsexyns] opdearzap) ejnapu 124 oBbeULI05 ap SOssaa.1d $0 -sqns op anjzed @ soquiaa sop opdeti0} v xEyuatIOD op ‘eunjge somerisour omon ‘searauren|s9 sensu] op sownspidura ap 9 sujnopusaa sagdeu9 ap “turu09 ‘oorx9] opting op seiazjed ap wi3pe ‘opsmystio9 9 09 1,0 amb eo1yLI94 anh somo} ‘opel Oxyn0 40g “umntt09 oarxay opuny op soutsay za9aredesap opuazey ys9 oyofoud nos wa apa tod sepeuorouow sexavyed sep vuanyuay“sgnfingzod ‘op woo ooix9] opuny 0 opuejaye ‘wnsye opou supp 9d) exsisnpur e (viapyo “xo “d) opdensit juanuyD “x9 “d) ONDAPXD OF SaqUEIayaI soninyzod ou ‘souraqanar ‘oqexe o¢] -(oouvuf ‘counag “xo “d) soanafpe sunge tan) "x2 -A) soutia} urexarsoud ooqurgntiaf og “ume| op sopepioy SouLio} [e208 ta ‘OHS sassa sopoy, ‘1a Solara 9 sopmy “114 uivorpur onb sezauped ‘seSique opm ssodo1t09 ‘ussaidxo anb sosorfija1 sousay ‘oue op s90be3s2 uso, O projeto labora em erro quando diz que “eon: tamos com palavras e expressdes na lingua port guesa perfeitamente utilizéveis no lugar daquelas (na sua quase totalidade) que nos chegam importadas’” preciso considerar que, se, do ponto de vista do sistema, certas formas estrangeiras tém correspon: dentes exatos em portugues, do ponto de vista do ‘uso, a lingua nao tem formas vernziculas ou empres- tadas que sejam correspondentes perfeitos. Assim, © uso de determinadas expressbes estrangeiras co- nota “modernidade”, “requinte” ete., conotagdes que as correspondentes vernaculas nfo possuem, Obser- vem-se o8 nomes das revistas em bancas de jornais. As revistas femininas tém, em geral, nomes france- ses (p. ex., Marie Claire), as revistas dedicadas aos jovens tém, geralmente, nomes em inglés (p. ex., Trip); as revistas de informacdo tém nomes em por- ‘tugués (p. ex., Veja, Epoca). Os nomes em francés conotam elegéncia, refinamento; os nomes em in- alés, modernidade, aventura, juventude; os nomes em portugues, objetividade e neutralidade da infor- muacdo, Esse caso demonstra que, do ponto de vista do uso, nao hé equivaléncias perfeitas. Jé 0 poeta Hordcio dizia que, em lingua, a suprema lei € 0 uso, Assim, projeto pretende ir contra um modo de fun- cionamento das linguas. Por outro lado, o desejo de climinagao dos empréstimos é vao. No inicio do sé- culo XX, houve, como ji mencionamos, uma cor- rente putista, que estava preocupada com os galicismos, pois o francés era a lingua que mais for- 120 unsioenagoes en rorwo 00 routro veux ni 167699 ‘empréstimos. Havia listas de formas vernécu- ‘para substituir os galicismos, as escolas ensina- ‘Viintenas a todos os alunos. Subsidiariamente, havia [para substituir palavras provindas de outras Minguas, De nada adiantou. Ninguém fala lucivelo, (asa de pasto, ludopédio, bufarinheiro, engate, endentar, lanco, fato de matha ou beberete, mas aba- Jur, restaurante, futebol, camel6, embreagem, engatar, etapa, maid ou coquetel. Como se vé, a concepcio de lingua sobre a qual 8¢ apdia 0 projeto é equivocada. Os problemas lin- Alisticos que identifica nao sto reais. Resta agora discutir os fundamentos ideol6gicos do projeto, que se baseiam ndo na lingua considerada como instru- mento de comunicagio, mas na lingua como expres- io simbélica da nacionalidade. O que o projeto pre- tende é considerar a Vingua como o lugar da luta ‘antiimperialista, Sem drivida nenhuma, uma dimen- so simbdlica existe na lingua e o dominio dos sim- bolos é também o dominio da luta ideol6gica. Nesse sentido, poderiamos colocar-nos a favor do projeto do deputado Aldo Rebelo, mesmo que os fundamen- tos propriamente lingiiisticos do projeto ndo tenham sustentacdo? Sem diivida nenhuma, se a politica lin- siiistica proposta contribuir para a melhoria das con- dices de vida da maioria do povo brasileiro ou para aumento da consciéneia da populacao, O projeto fundamenta-se na promocao do nacionalismo contra o internacionalismo da globa: lizagdo. Primeiramente, é de estranhar que essa ini 11 ciativa legislativa venha de um deputado de esquers da, pois a historia das idéias lingiisticas mostra que essas iniciativas de defesa do idioma sao, em geral, propostas pela direita. Foi assim, por exemplo, com a lei Toubon na Franga, com as leis de defesa do italiano do periodo fascista e com as leis de defesa docastelhiano durante a ditadura franquista. A idéia de que as linguas decaem e deterioram-se € uma nogio que é corolério de uma concepeao da hist ria como decadéncia, 0 que é completamente con tririo as concepedes que a esquerda tem de histé- ria. As linguas néo decaem, mudam. Se assim nao fosse, deveriamos fazer uma lei de defesa do latim, conta esta decadéncia que se chama portugues. Em segundo lugar, o projeto pressupde que existem in- teresses nacionais que devem ser protegidos diante da globalizagéo. Na verdade, esses interesses ndo existem, O que existe sao, de um lado, os interesses da burguesia, que ora esti a favor da globalizacdo, ‘ora contra, segundo o fato de seus Iueros serem ou niio atingidos; de outro, os interesses das massas trabalhiadoras. Jd se cometeu outrora o erro de acre- ditar que a chamada burguesia nacional progres- sista era aliada das massas trabalhadoras. A esquer- da ¢ internacionalista. Deve contrapor o interna- cionalismo proletirio ao internacionalismo bur- gués. Manifesto-me contrariamente a qualquer po- litica de aquecimento do nacionalismo, pois a barhérie da nossa época apresenta o paradoxo apa- rente de que diante de uma globalizacdo econdmi- ca e cultural se acentuam os particularismos, que 122 EonsIoeRAgbes Ew ToDo ProeTO oe UE 1678/00 tém levado ao nacionalismo, & xenofobia, aos fundamentalismos ete. Nao é sem razdo que o proje- todo deputado tem encontrado apoio nos setores mais ‘conservadores de nossa sociedade. E curioso que 0 deputado apresente uma citagdo de Napoleao Men- des de Almeida em apoio a seu projeto. Para ficar na anise de suas posigdes lingiiisticas, hasta dizer que, num programa de J6 Soares, ele afirmou que Macha- do de Assis era fraco em portugués e que Guimaraes, Rosa ndo conhecia o idioma. Que lingua é essa, se dois de seus maiores prosadores no a conhecem? ‘Uma lingua artificial inventada pelos graméticos. Diante disso, nada deve ser feito? Também eu considero exagerado o uso de palavras e expresses estrangeiras desnecessirias; também eu considero de um esnobismo exagerado ouvir um economista dizer bidar. No entanto, isso nao me da o direito de propor projetos lingiiisticamente inconsistentes € politicamente duvidosos. No entanto, considero lou- vvel a iniciativa do ilustre Deputado no que diz, respeito A promogio da lingua portuguesa, exposta no artigo 2° do referido projeto de lei: ‘Ao Poder Piblico, com a eolaboragdo da comunidad, no intuito de promover, proteger e defender a lingua porta gues, incumbe: | —melhorar as condigées de ensino e aprendizagem da Jingua portuguesa em todos os gras, niveis e modalida- des da educagio nacional; Tl — incentivar 0 estudo e a pesquisa sobre os mods normative populares de expresso orl excita do povo 125 ‘brasileiro [esse item & notével, porque supe que os falares populares nao tenham gramética mio tenkam norma); I] ~ realizar campanhas e certames educativos sobre 0 uso da lingua portuguesa, destinados 2 estudantes,pro- fessoresecidados em geral; IV —incentivar a difusio do idioma portugues, dentro e fora do Brasil; V — fomentar a participagao do Brasil na Comunidade dos Paises de Lingua Portuguesa; ‘VL— atualizar, com base em parecer da Academia Brasi- leira de Letras, as notmas do Formuliio Ortogrfco, com vistas ao aportuguesamento e&incluséo de vocdoaos de origem estrangeira no Voeabubirio Ortogrfico da Lin- ua Portuguesa No entanto, esses aspectos estilo expostos no projeto de lei de maneira muito genérica, sem que haja uma determinagao de agdes concretas para atin- ir 08 objetivos fixados nesse artigo. Por exemplo, poderiam ser estabelecicos investimentos novos para ensino fundamental; poderiam ser criadas comis- sbes para operacionalizar, por meio da confecgao de materiais didaticos, os Pardimetras Currieulares Na- cionais de Lingua Portuguesa, de forma a renovar 0 ‘ensino de lingua materna no Brasil; poderiam ser cri- ados cursos de portugués no rédio e na televisio por gente que entende do funcionamento da Kingua e nao por agentes difusores do preconceito lingtifstico; po- deria ser incentivada a criacao de leitorados em uni versidades estrangeiras para a promogio do portu- gués; poderia ser ampliado o mtimero de bolsas de mestrado e de doutorado para professores estrangei- ros de lingua portuguesa ete. Nada disso é proposto. 1 eR NRE © artigo que trata da promogéo do idioma perde-se em boas intengdes, em generalidades e em vaguidades. Na verdade, 0 ponto central do projeto de lei io é a promocio da lingua portuguesa, mas o que oprojeto chama protecdo e defesa da lingua, Para isso, propoe tma acao bastante concreta: a proibigao do uso de palavras ou expresses em lingua estrangeira, no ambito puiblico de utilizagao da lingua, ressalva- das as excegdes previstas na leie na sua regulament io. A infragdo dessa norma seré punida com multa, sem prejurizo das sangbes de natureza eivil e penal Essa proibigdo é um equivoco, pois contraria o funci- ‘onamento de uma lingua, como mostramos acima, ¢, or outro lado, parte da suposigao da existéncia de problemas lingtiisticos que no sio reais. Gostarfamos que o deputado Aldo Rebelo apresentasse um verda- deiro projeto de lei de promogao do idioma e nao um projeto de defesa do idioma, que contraria tudo 0 que se sabe sobre o funcionamento das linguas e que poli ticamente ¢ indefensdvel. Precisamos de ages con- cretas para a promogao do idioma, para a melhoria do ensino do portugués, para a difusdo do portugués no ‘mundo e i380 0 projeto fica a dever. Referéncias HAGHGE, Claude (1986). La structure des langues. 2 el. Paris, PUR, CALVET, Jean-Louis (1987). Les guerres des langues et les politiques linguistiques, Paris, Payot. BAVLON, Christian (1996). Soialingustiqu: soci langue et dliscours,2 ed, Paris, Nathan, 125

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