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Em Defesa do Marxismo-leninismo|1 |

Org. Klaus Scarmeloto


A Manifestação do Trotskysmo nos
dias de Hoje

Em Defesa do Marxismo-
Leninismo 2: História Crítica
do Trotskysmo

São Paulo. 1ª edição. 2022.


|2 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|3 |

Copyright ©2022 – Todos os direitos reservados a Editora Raízes da América.


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utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma, seja ele impresso, digital,
áudio ou visual sem a expressa autorização por escrito da Raízes da América
sob penas criminais e ações civis.

Diagramação: Klaus Scarmeloto


Organização e tradução: Klaus Scarmeloto
Original em: <http://aahs-100revolucion.com/index.php/2018/10/14/la-esen-
cia-del-trotskismo-y-sus-manifestaciones-en-el-comunismo-de-hoy-i/>
Revisão: Klaus Scarmeloto
Capa: Marlon Mello Senna Portes (Kobaart1917)

Conselho Editorial:
João Rafael Chío Serra Carvalho: Mestre em História Social pela USP,
Doutorando em História Social da Cultura pela UFMG;
Apoena Canuto Cosenza: Mestre em História Econômica pela USP, Doutor
em História Econômica também pela USP.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário:
Pedro Anizio Gomes - CRB-8 8846

Scarmeloto, Klaus (org.).

Em defesa do marxismo-leninismo: história crítica do trotskismo 2


Autores: Sociedade de Amizade Hispânica-soviética
Organizador: Klaus Scarmeloto;
1. ed.– São Paulo: Editora Raízes da América, 2022.

214 p.;; 16x23 cm.


Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-69401-76-6.
1. Trotskysmo. 2.Leninismo. 3. Bolchevismo. 4. Marxismo.
I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.

CDD 320.531
CDU 316.323.72
ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO
1. Socialismo e sistemas relacionados: Comunismo, Marxismo, Leninismo;
ideologias políticas.
2. Ciência política: Socialismo, Comunismo e Marxismo; Ideologias.
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1ª edição: novembro de 2021


Em Defesa do Marxismo-leninismo|5 |

Introdução .......................................................................................... 7

Capítulo I
Lassalle e os populistas russos
Os antecedentes do Trotskysmo ......................................................... 15
Capítulo II
História das polêmicas entre Bolchevismo e Trotskismo
1
Sobre o programa e o tipo de partido ................................................. 22
2
Sobre o caráter da revolução russa, suas forças motrizes e as táticas
para conduzi-la à vitória..................................................................... 27

3
A defesa do Partido no período contrarrevolucionário ....................... 36

4
Imperialismo: a 1ª Guerra Mundial e as táticas revolucionárias ....... 45

5
Imperialismo e as perspectivas da revolução proletária mundial ...... 55

6
De fevereiro de 1917 e a passagem para a segunda fase da revolução
russa ................................................................................................... 75

7
A defesa do Poder Soviético e o apoio à iminente revolução proletária
na Europa. .......................................................................................... 83

8
A transição da guerra civil para a construção pacífica ....................... 93

9
Os primeiros sucessos da NEP e o refluxo da revolução na Europa. 107
|6 | História Crítica do Trotskysmo|

10
A morte de Lenin e a discussão sobre seu legado político ................ 121

11
O debate sobre se era possível construir o socialismo na URSS ...... 128

12
O erro comum do trotskismo e da social-democracia ....................... 137

13
O trotskismo se torna uma autoridade política para as forças
contrarrevolucionárias ..................................................................... 147

14
O trotskismo torna-se o centro das tentativas de derrubar
violentamente o governo soviético .................................................... 157

Capítulo III
Conteúdo, concepção de mundo e posição de classe do
trotskismo

Um Marxismo Fracionado ................................................................ 174

Anexos

Crítica das "Teses Fundamentais" de Trotsky sobre a "revolução


permanente" ............................................................................................187

Bettelheim e o trotskismo ..................................................................203


Em Defesa do Marxismo-leninismo|7 |

Introdução
|8 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|9 |

Passados cem anos desde a Revolução de Outubro, é


importante perguntar: como o trotskismo — ou, melhor,
seus fundamentos ideológicos — está influenciando atual-
mente o desenvolvimento da luta de classes e a organização
das massas trabalhadoras para tal luta? Para responder a
essa pergunta, devemos delimitar os traços característicos
do trotskismo, investigar sua presença no comunismo atual
e avaliar seu papel.
Tanto os defensores quanto os detratores de Trotsky
reconhecem que seu pensamento e atividade tiveram im-
portância em certa fase da história da Revolução de Outu-
bro, especialmente entre 1917 e 1927, e mesmo até o final
da década de 1930. O trotskismo se afundou no decorrer da
Segunda Guerra Mundial, foi ressuscitado quando a União
Soviética tomou um caminho antistalinista a partir da dé-
cada de 1950 e foi finalmente reabilitada por seus coveiros
na década de 1990.
Na atualidade, as organizações que se declaram
trotskistas mais ou menos abertamente têm uma relevân-
cia política não desprezível em relação às massas partici-
pantes da luta de classes. Nesse sentido, destacam-se os
partidos políticos Anticapitalistas (ex-Liga Comunista Re-
volucionária), que, por ordem de representação, é a terceira
fração da terceira força eleitoral na Espanha, ou seja, o Po-
demos; bem como Izquierda Revolucionaria, o novo nome da
entidade que edita o jornal "El Militante", que há anos di-
rige o Sindicato dos Estudantes e que promove o "Vamos
ganhar CCOO".
É claro que hoje os trotskistas organizados têm uma
influência maior entre as massas do que os defensores do
|10 | História Crítica do Trotskysmo|

marxismo-leninismo. É uma realidade oposta àquela de me-


ados do século XX, quando seu peso político era desprezível
em relação ao que os partidos comunistas ganharam desde
a Revolução de Outubro até a vitória sobre o nazifascismo
na Segunda Guerra Mundial e a formação de um campo dos
países socialistas.
E essa vantagem atual do trotskismo organizado,
mais ou menos ortodoxo, sobre o marxismo-leninismo é
ainda maior se adicionarmos a ela a massa de ativistas e
intelectuais que compartilham uma das teses centrais
dessa corrente: a oposição à política soviética nos tempos de
Stalin, a "teoria da revolução permanente", oposição a todos
os estados existentes (sejam imperialistas, socialistas, so-
beranos ou súditos) ou partidarismo na organização da
classe trabalhadora.
É evidente que o maior retrocesso experimen-
tado pelo proletariado ao longo de sua história coin-
cidiu com a maior influência sobre ele pelos trotskis-
tas. No passado ainda recente, eles argumentaram
que a destruição do "stalinismo", isto é, dos partidos
marxista-leninistas, abriria o caminho para a revolu-
ção operária internacional. Agora que isso pratica-
mente aconteceu e eles podem influenciar as massas
com a maior liberdade, eles ainda estão ocupados
atacando o "stalinismo" dos movimentos progressis-
tas em vez de aproveitarem sua vantagem para con-
duzir o proletariado a uma revolução vitoriosa. O
que está crescendo, entretanto, é o neoliberalismo, o
militarismo e a reação, enquanto as forças operárias
Em Defesa do Marxismo-leninismo|11 |

e democráticas geralmente permanecem na defen-


siva, quando não recuam.
É claro que os partidos abertamente trotskistas não
são os únicos nem os principais responsáveis pela atual in-
volução, inevitável a partir do momento em que as forças
comunistas não conseguem sair de sua crise, mesmo aos
poucos. E é aqui que devemos concentrar nossa atenção e
examinar se a antiga capacidade da teoria e prática mar-
xista-leninista de conduzir a classe trabalhadora à vitória
sobre a burguesia não está sendo neutralizada pelos erros
de seus atuais apoiadores. Para corrigi-los, é necessário de-
terminar em que medida esses erros podem ter um caráter
trotskista, embora paradoxalmente sejam cometidos em
nome de Lenin, de Stalin e de sua luta contra o trotskismo
e o reformismo.
Este livro pretende contribuir para esclarecer esta
questão, recordando algumas características importantes
do trotskismo a fim de avaliar a sua semelhança com as po-
sições políticas adoptadas por alguns marxista-leninistas
desde o início da crise do movimento comunista internacio-
nal em meados do século XX até aos nossos dias. Há de se
perguntar se as posições que os comunistas estão a tomar
perante as massas sobre os sindicatos atuais, sobre Syriza
e Podemos, sobre a Síria e Venezuela, sobre os estados que
eram ou ainda são socialistas, etc., estão de acordo com o
que Marx, Engels e Lênin defendiam, ou melhor, se se des-
viam do que Trotsky defendia.
Apreender o que significa o trotskismo não é uma ta-
refa fácil. Seus partidários afirmam que é sinônimo de mar-
xismo. Mas este último se tornou a liderança hegemônica
|12 | História Crítica do Trotskysmo|

do movimento operário europeu no final do século 19 e le-


vou-o aos seus maiores sucessos em meados do século 20,
enquanto o trotskismo nunca foi mais do que uma corrente
minoritária entre o reformismo e o leninismo. Contudo, a
opinião majoritária dos contemporâneos de Trotsky nas fi-
leiras do bolchevismo não deve ter sido a de quando lhe vi-
raram as costas em todos os seus desacordos com Lenin e,
após a morte de Lenin, com a liderança do CP(b) da URSS1.
Trotsky e alguns dos seus seguidores reconhecem
que ele estava errado sobre a opinião de Lenin sobre a
forma como o partido dos trabalhadores deveria ser organi-
zado2, embora sustentem que Lenin acabou por concordar
com ele na questão da "revolução permanente", ou seja, so-
bre a estratégia e a tática da revolução. Em suma, segundo
eles, o seu erro seria mais prático do que teórico, quase
nada, se tivermos em conta que o imperativo central do
marxismo não é interpretar o mundo, mas transformá-lo
através de uma prática revolucionária!
Mas mencionar esses dois aspectos muito gerais não
é suficiente para lançar luz sobre os erros de Trotsky, hoje
talvez inconscientemente compartilhados por muitos de
seus detratores. Para isso, é necessário relembrar um pouco

1
O próprio Trotsky caracteriza o resultado da luta dos oposicio-
nistas que liderou no seio do partido bolchevique da seguinte
forma: "No Outono [de 1926], a oposição sofreu um colapso mani-
festo em todas as células e organizações" (Minha vida,
http://www.enxarxa.com/biblio-
teca/TROTSKY%20Mi%20Vida.pdf, p. 301). Tradução nossa.
2
La teoría de la revolución permanente, Trotski, 1929.
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mais detalhadamente a história das discrepâncias entre os


bolcheviques e os trotskistas.
O bolchevismo foi o bastião do marxismo mais autên-
tico e revolucionário após a morte de Marx e Engels. Foi
assim devido à sua coesão teórica e também porque foi cre-
ditado pelos seus sucessos práticos que marcaram um antes
e um depois na história de toda a humanidade. Quando Le-
nin iniciou a sua atividade política, já estava plenamente
identificado com o marxismo e nesta concepção do mundo
ele permaneceu para o resto da sua vida, lutando incansa-
velmente para o infundir em todo o Partido Social-Demo-
crata dos Trabalhadores Russos (POSDR).
Em vez disso, Trotsky desperta politicamente num
círculo de socialistas, defendendo veementemente o popu-
lismo e atacando sarcasticamente o marxismo3, numa al-
tura em que o populismo já tinha desviado para a concilia-
ção com o czarismo e tinha sido desmascarado perante o
movimento operário por Plekhanov, Lênin e outros marxis-
tas. E, quando alguns anos mais tarde Trotsky tomou par-
tido pelo marxismo, depressa se entusiasmou com o traba-
lho do líder socialista alemão não-marxista, F. Lassalle4.
Foram tempos em que a social-democracia revolucionária
russa foi forçada a defender o marxismo ortodoxo para sal-
var o partido da deriva revisionista que os jovens líderes
"economistas", seguidores do movimento operário espontâ-
neo, estavam-lhe a dar. Alguns objetarão que as origens de
uma personalidade não a caracterizam necessariamente

3
The Prophet Armed: Trotsky, 1879-1921. Deutscher, Isaac
(1997), p. 39
4
Idem, p. 40.
|14 | História Crítica do Trotskysmo|

para toda a vida, que todos têm o direito de cometer erros e


de mudar, etc., e tudo isto é verdade. Mas, é, também, ne-
cessário verificar até que ponto, subsequentemente, esta re-
tificação e mudança tem lugar. No caso de Trotsky, encon-
tramos critérios persistentes que são fundamentalmente
consistentes com os defeitos do populismo e do Lassallea-
nismo.
A crise atual do movimento comunista, infelizmente,
reavivou esses critérios entre aqueles que procuram reor-
ganizá-lo sobre as bases ideológicas do marxismo-leni-
nismo. Após décadas de revisionismo reformista, o espírito
revolucionário deve ser recuperado e as intenções que vão
nessa direção são boas. Mas não bastam, pois já se sabe que
o caminho para o inferno está repleto de boas intenções. É
essencial que essas boas intenções se traduzam também em
uma política consistente com os princípios do marxismo-le-
ninismo. Caso contrário, eles resultarão em uma fraseolo-
gia revolucionária enganosa que decompõe as forças prole-
tárias e fortalece a burguesia.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|15 |

Capitulo I
Lassalle e os populistas russos
Os antecedentes do Trotskysmo
|16 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|17 |

Lassalle foi um líder proeminente na luta da classe


trabalhadora alemã contra os capitalistas que a exploraram.
Ele se dedicou tão intensamente a essa luta que perdeu de
vista a perspectiva histórica e não entendeu o estágio de de-
senvolvimento da Alemanha. Ele absolutizou a luta contra a
burguesia e não percebeu que esta classe ainda não tinha
desempenhado um papel progressista contra o poder dos la-
tifundiários. Assim, ele pretendia alcançar o socialismo dire-
tamente, partindo do estado feudal prussiano, estabelecendo
uma aliança com seu capaz Chanceler Bismark e se opondo
à revolução burguesa. Como diz Marx, “ele atacou apenas a
classe capitalista, não os latifundiários”5.
Desta forma, ele apagou as diferenças econômicas e
políticas entre as várias camadas burguesas, particular-
mente entre a burguesia capitalista e a pequena burguesia
camponesa. Segundo Lassalle, diante da classe trabalha-
dora “todas as outras classes não formam mais que uma
massa reacionária”6 .
Desta forma, defendeu a classe trabalhadora de
forma reacionária, contra a democracia, isolando-a dos ali-
ados necessários para conduzi-la à vitória e condenando-a
a permanecer sujeita às classes possuidoras. Veremos mais
tarde como o trotskismo parte dessa mesma abstração de-
feituosa da realidade.
Marx explicou as consequências práticas desastrosas
deste defeito teórico quando Lassalle se propôs a organizar o
proletariado: "... desde o início, como qualquer pessoa que

5
Critica del Programa de Gotha, Marx.
6
Idem.
|18 | História Crítica do Trotskysmo|

afirma ter no seu bolso uma panaceia para o sofrimento das


massas, ele deu à sua agitação um caráter religioso e sectá-
rio. Na realidade, todas as seitas são religiosas. Além disso,
como qualquer fundador de uma seita, negou qualquer liga-
ção natural com o movimento operário anterior, tanto na
Alemanha como no estrangeiro. Cometeu o mesmo erro que
Proudhon, e em vez de procurar a base real da sua agitação
entre os elementos autênticos do movimento de classes, ten-
tou orientar o curso deste último de acordo com uma certa
receita dogmática. (...) Sabe por experiência o que é a contra-
dição entre o movimento sectário e o movimento de classes.
Para a seita, o significado da sua existência e o seu problema
de honra não é o que ela tem em comum com o movimento
de classes, mas o talismã peculiar que a distingue dele"7.
Veremos mais tarde como, partindo da mesma pre-
missa, o trotskismo acabou desempenhando um papel
ainda mais prejudicial do que o lassaleanismo. Por ora,
basta-nos afirmar que a consequência prática do erro teó-
rico de ambas as escolas é a impossibilidade de organizar
um partido que conduza a classe operária e suas massas até
o seu triunfo revolucionário, limitando-se a construir seitas
que impedem o desenvolvimento político.
O populismo russo, no qual Trotsky começou, tam-
bém abrigava a esperança de contornar o capitalismo e
atingir diretamente o socialismo, um desejo comum entre a
intelectualidade pequeno-burguesa em países onde a revo-
lução burguesa não foi concluída. Para justificar teorica-
mente essa conclusão, o populismo rejeitou o materialismo

7
Carta de Marx a Schweitzer, de 13 de octubre de 1868
Em Defesa do Marxismo-leninismo|19 |

dialético e tentou explicar a realidade a partir do subjeti-


vismo e do empirismo, razão pela qual seus projetos sociais
só poderiam ser utópicos.
Essa concepção defeituosa se manifestará também
em Trotsky, ao negar a necessidade de revoluções democrá-
tico-burguesas nos países atrasados, ao narrar a história da
Revolução de Outubro em torno das personalidades por ela
destacadas e ao ignorar as necessidades sociais de cada mo-
mento e propostas práticas.
Ao longo de sua história, o populismo russo foi de um
extremo político ao oposto: do anarquismo e terrorismo indi-
vidual à colaboração cada vez mais estreita do Partido Socia-
lista-Revolucionário com as classes exploradoras. Essa traje-
tória também percorrida pelo trotskismo se explica por sua
incompreensão das dificuldades que atravessa o desenvolvi-
mento do verdadeiro movimento revolucionário, a fuga deses-
perada à sua frente, seu fracasso prático e, então, a traição.
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Em Defesa do Marxismo-leninismo|21 |

Capitulo II
História das polêmicas entre Bol-
chevismo e Trotskismo.
|22 | História Crítica do Trotskysmo|

1
Sobre o programa e o tipo
de partido
Em Defesa do Marxismo-leninismo|23 |

Trotsky ingressou no Partido Operário Social-Demo-


crata Russo pouco antes de seu Segundo Congresso, reali-
zado em 1903. O Congresso fundador de 1898 não havia re-
solvido as questões fundamentais e fora vítima da repres-
são imediata da polícia czarista. Logo depois, o desvio opor-
tunista do economicismo espalhou-se entre os militantes
mais jovens. Os dirigentes mais fortes e experientes —
mesmo na prisão, banidos ou exilados — fundaram, por pro-
posta de Lenin, o jornal Iskra para reorganizar o partido e
possibilitar a celebração do seu II Congresso. Nele, Trotsky
se apresentava como partidário dos iskristas, mas, como
esse grupo se dividia em duas alas, optou pelos menchevi-
ques, contra os bolcheviques.
Na discussão do programa do partido, que ocupou
quase dois terços do tempo do Congresso, Trotsky não se
opôs à inclusão no mesmo da ditadura do proletariado, mas
declarou que a sua existência só será possível "quando o
Partido Social-Democrata e a classe trabalhadora... estive-
rem o mais próximo possível da identificação". A ditadura
do proletariado não será a 'tomada do poder' por meios
conspiratórios, mas o domínio político da classe operária or-
ganizada que constitui a maioria da nação"8.
Trotsky jamais corrigiria esta posição que o colocou
no campo da social-democracia oportunista, enfrentando a
luta dos marxistas-leninistas para alcançar e consolidar a
ditadura do proletariado através da hegemonia desta classe
sobre as classes intermediárias da sociedade. No debate

8
Segundo Congreso del POSDR, Actas, ed. en ruso, pág. 136,
Moscú, 1959. Citado en “La lucha del partido bolchevique contra
el trotskismo”, t. I, págs. 15 y 16, Editorial Progreso.
|24 | História Crítica do Trotskysmo|

sobre os estatutos e o tipo de organização, posicionou-se


junto aos mencheviques contra o caráter de vanguarda do
partido defendido por Lênin. “Rótulo revolucionário + essên-
cia reformista”: foi assim que Lenin caracterizou a atitude
de Trotsky no II Congresso do POSDR.9
Após este evento, Trotsky colaborou ativamente com
os Mencheviques para impedir a implementação dos acordos
adotados e atacou violentamente as posições leninistas. No
seu artigo de 1904, As Nossas Tarefas Políticas, descreveu
Lenin como: "fetichista da organização". Apoiante do "regime
de quartel". "Ditador que quer substituir o Comitê Central".
"Ditador que quer estabelecer uma ditadura sobre o proleta-
riado", para quem "qualquer interferência de elementos que
pensam de outra forma é um fenômeno patológico". Um ins-
talador de uma "teocracia ortodoxa" e de um "centralismo
autocrático-asiático". "Não se pode manifestar maior cinismo
em relação ao melhor patrimônio ideológico do proletariado
do que o exibido pelo camarada Lenin! Para Lênin, o mar-
xismo não é um método de análise científico"; "que separa a
atividade consciente da atividade executiva. [Há] o Centro,
e, por baixo, não há nada mais do que executores disciplina-
dos de funções técnicas". Lenin está cego pela "lógica buro-
crática deste ou daquele 'plano' organizacional". Com Lênin
"o fiasco do fetichismo organizacional" é certo. "O chefe da
ala reacionária do nosso Partido, Camarada Lênin, dá à So-
cial-Democracia uma definição que é um ataque teórico ao
caráter de classe do nosso Partido". Lênin "formulou uma
tendência que foi desenhada no Partido, a tendência

9
Obras Completas, en ruso, t. 49, pág. 356.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|25 |

revolucionária-burguesa". "A tarefa da Iskra era aterrorizar


teoricamente a intelligentsia. Para os Social-Democratas
educados nesta escola, a ortodoxia era algo muito próximo
desta "Verdade absoluta" que inspirou os Jacobinos [o par-
tido burguês mais radical da Revolução Francesa de 1789-
1794]. A Verdade Ortodoxa prevê tudo. Aquele que contesta
isto deve ser excluído. "Esta desconfiança maliciosa e moral
de Lenin, esta caricatura clara que ele oferece da trágica in-
tolerância do jacobinismo, deve ser confessada, nada mais do
que a herança — bem como, ao mesmo tempo, a expressão
— das táticas da velha Iskra. Mas, estes métodos e estas prá-
ticas, que tiveram a sua justificativa numa determinada
época histórica, devem agora ser liquidados a todo o custo
porque, se não, ameaçam o nosso partido com uma decompo-
sição completa: política, moral e teórica"10.
Em contrapartida, o ideal de Trotsky era "a persona-
lidade política global, fazendo respeitar a sua vontade con-
tra todos os 'centros', de todas as formas possíveis, incluindo
o boicote! Em suma, o credo de um intelectual pequeno-bur-
guês, individualista e semi-anarquista.11
Vemos como, em sua juventude, Trotsky fez as mes-
mas acusações contra Lênin, e com a mesma hostilidade,
que mais tarde dirigiu contra Stalin. Sua concepção da re-
volução e do partido da classe trabalhadora era muito dife-
rente da de Lenin e dos bolcheviques, para não dizer diame-
tralmente oposta, isto é, menchevique. Mais tarde, Trotsky
afirmaria que " a revolução foi traída " por Stalin e pela

10
https://www.marxists.org/archive/trotsky/1904/tasks/
11
https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1904/tareas.htm.
|26 | História Crítica do Trotskysmo|

direção do Partido Bolchevique. No entanto, como Harpal


Brar observa com muita pertinência, “se as ideias oportu-
nistas de Trotsky sobre a organização tivessem prevalecido,
não haveria nem partido para ser traído, portanto, muito
menos nenhuma revolução teria sido 'traída”.12
Em 1904, Trotsky foi afastado da redação menchevi-
que do novo Iskra por causa de sua abordagem excessiva-
mente direitista da guerra russo-japonesa de 1904-05! Não
via por trás disso o interesse imperialista da burguesia,
mas apenas o da autocracia.13
Nesse ínterim, os bolcheviques conseguiram unir a
maioria dos comitês do POSDR por trás deles.

12
Trotskisme ou léninisme, Harpal Brar. http://www.commu-
nisme-bolchevisme.net/download/Trotskisme_ou_leni-
nisme_Harpal_Brar.pdf
13
Nuestra campaña militar, Trotski. Citado en La lucha del par-
tido bolchevique contra el trotskismo, t. 1, pág. 42-43.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|27 |

2
Sobre o caráter da revolução
russa, suas forças motrizes e as tá-
ticas para conduzi-la à vitória
|28 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|29 |

A primeira revolução russa de 1905-1907 pôs em mo-


vimento todas as classes e partidos do país. Ela os mostrou
uns aos outros, escreveu Lênin, "em sua verdadeira natu-
reza, na verdadeira correlação de seus interesses, suas for-
ças, seus meios de ação, seus objetivos imediatos e distan-
tes"14. Ainda não era uma revolução socialista, pois o obstá-
culo a ser removido era o regime político e econômico da
aristocracia latifundiária, que antagonizava a maioria cam-
ponesa da população com sua demanda por terras. Em
suma, foi uma revolução democrático-burguesa.
A revolução colocou diante do partido a tarefa de li-
derar politicamente a classe trabalhadora, forjando a ali-
ança do proletariado e do campesinato, e unindo intima-
mente todas as forças revolucionárias para lutar contra a
autocracia. Eram " demandas que a história nunca ou em
lugar algum apresentou à classe trabalhadora na época da
revolução democrática".15
«Esta revolução — sublinhou Lênin — marca preci-
samente um período de desenvolvimento da sociedade em
que a massa desta se encontra precisamente entre o proleta-
riado e a burguesia, formando um vasto setor camponês pe-
queno-burguês.16
No seu livro Duas Tácticas de Social Democracia na
Revolução Democrática, Lenin mostrou que a revolução de-
mocrática burguesa triunfante, cuja força hegemônica seria
o proletariado, não deveria conduzir à conquista do poder
pela burguesia nem ao estabelecimento de "um governo, tão

14
Obras Escogidas, en tres tomos, en ruso, t. 2, pág. 24.
15
Obras Completas, en ruso, t. 10, pág. 218.
16
Obras Completas, t. 10, pág. 9.
|30 | História Crítica do Trotskysmo|

somente, de democracia operária", mas sim à ditadura de-


mocrática revolucionária dos trabalhadores e camponeses,
ditadura sobre a burguesia. O carácter deste governo, sali-
entou Lenin, "define tanto as classes nas quais os 'constru-
tores' da nova superestrutura podem e devem confiar e o seu
caráter (ditadura democrática' diferentemente da socia-
lista) como o método de construção ( esmagamento pela vio-
lência da resistência, armamento das classes revolucioná-
rias do povo)".
"Somente o proletariado está em condições de levar a
revolução democrática até o fim, desde que, como classe re-
volucionária na luta pelo fim da sociedade contemporânea
burguesa, lidere a massa do campesinato por trás dela em
uma luta total contra a propriedade fundiária e o estado de
servidão..."17
A direção proletária é aquela que permitiria trans-
formar a revolução democrática, em pouco tempo, em revo-
lução socialista, para que a revolução russa se desenvol-
vesse ininterruptamente em duas etapas.
Os Mencheviques, por outro lado, deduziram do ca-
ráter burguês da revolução russa que a classe trabalhadora
não deveria tentar liderá-la, mas apoiar a burguesia liberal
até que esta transformasse a Rússia num país de capita-
lismo desenvolvido, no qual o proletariado abrangeria a
maioria da população. Para eles, muitos anos, ou mesmo
décadas, teriam de passar entre a revolução burguesa e a
revolução socialista. No período culminante da primeira re-
volução russa, Trotsky dirigiu com Parvus o jornal

17
Obras Completas, t. 15, págs. 366-367.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|31 |

Rússkaya Gazeta, supostamente neutro entre menchevi-


ques e bolcheviques; mas, ao mesmo tempo, ambos colabo-
raram com o jornal menchevique Nachalo. A sua procla-
mada equidistância visando unir as duas alas do partido
teria sido positiva se a polêmica entre eles se voltasse para
questões secundárias e não sobre questões de princípio: se
os bolcheviques não tivessem sido os firmes defensores dos
princípios marxistas e os mencheviques não fossem empe-
nhados em deturpá-los para justificar sua tendência de se
reconciliar com a burguesia. Em vez de ajudar a resolver
essa discussão, Trotsky e Parvus a envolveram com o ab-
surdo antimaterialista de negar o caráter burguês da revo-
lução russa. Seu slogan "sem um czar, para um governo dos
trabalhadores" pretendia superar os bolcheviques de es-
querda, mas era apenas mais uma frase no ar, alheia à re-
alidade.
"A teoria original de Trotsky — Lenin explicou mais
tarde — tira dos bolcheviques o apelo a uma luta revolucio-
nária determinada do proletariado e a conquista por ele do
poder político, e dos mencheviques a 'negação' do papel do
campesinato " 18.
Nascia a teoria trotskista da "revolução perma-
nente", que introduziria o aventurismo revolucioná-
rio de Bakunin no movimento marxista. Trotsky ex-
plica a sua teoria particular de revolução permanente
na sua obra de 1905, publicada em 1909. Esta teoria
difere substancialmente da opinião de Marx e Lênin

18
Sobre las dos líneas de la revolución, OO.CC., t. XXIII, pág. 51,
Ed. Akal.
|32 | História Crítica do Trotskysmo|

sobre o caráter contínuo, ininterrupto ou permanente


da revolução, como Stalin explica corretamente na
sua obra os fundamentos do leninismo19.
A tempestade revolucionária de 1905-07 expôs o
menchevismo de Trotsky, muitas vezes ofuscado por sua
linguagem "esquerdista":
1) Trotsky considerou que o principal método de luta
era a greve geral, que deveria ter um impacto nos países
avançados do Ocidente e servir como um sinal para a revo-
lução socialista. Basicamente, Trotsky negou a necessidade
da insurreição armada, a sua organização e preparação. "A
greve política geral", disse ele, "é, na sua essência, uma in-
surreição"20.
Em um dos prólogos de seu panfleto Em 9 de janeiro,
Trotsky escreveu que o tumultuoso movimento revolucioná-
rio de 1903 o havia ensinado que "o czarismo seria derru-
bado pela greve geral" e não por uma insurreição armada.
Exprimiu este mesmo ponto de vista na carta de 14 de junho
de 1906 ao CC do POSDR, na qual justificava os menchevi-
ques por não se terem dedicado ao aspecto técnico da pre-
paração da insurreição ou do armamento da classe operá-
ria21.
Mais tarde, Trotsky também tentou caracterizar a
greve política geral de outubro de 1905 como um movimento
espontâneo, negando que tivesse sido uma nova forma

19
https://www.marxists.org/espanol/stalin/1920s/fundam/fun-
dam3.htm
20
La lucha del partido bolchevique contra el trotskismo, t. 1, pág.
81.
21
Idem.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|33 |

revolucionária, um meio de conduzir as massas à insurrei-


ção armada.
A atitude de Trotsky em relação à insurreição resul-
tou da abordagem anti-marxista dos Mencheviques em re-
lação ao desenrolar do processo revolucionário. Tal como os
Mencheviques, Trotsky considerou a insurreição como uma
ocorrência espontânea e inevitável de acontecimentos, e por
isso desprezou o trabalho de organizar praticamente a in-
surreição, de obter armas e de formar destacamentos revo-
lucionários. Por muito importantes que sejam as armas",
disse ele no meio da revolução, "não são a força principal.
Não, não são a força principal! Não é a capacidade das mas-
sas para matar, mas a sua grande prontidão para morrer
que, do nosso ponto de vista, acaba por assegurar a vitória
da insurreição do povo"22.
É claro que a "grande prontidão para morrer", ou
seja, a lealdade sem reservas à revolução, é uma condição
indispensável para a vitória da insurreição, mas desde que
a tónica seja colocada na organização desta vitória insurre-
cional. Por outro lado, o raciocínio de Trotsky sobre a insur-
reição significou uma recusa total em organizá-la. Eles ex-
pressaram o papel que os mencheviques reservaram à
classe trabalhadora, não como líder, mas como carne para
canhão para a revolução liderada pela burguesia.
2) Em 18 de outubro de 1905, por acordo do Comitê
de São Petersburgo do POSDR, os bolcheviques organiza-
ram uma manifestação dos trabalhadores desta capital
para libertar os presos políticos. Enquanto as multidões se

22
Idem.
|34 | História Crítica do Trotskysmo|

aproximavam do prédio em que o Comitê Executivo do So-


viete de São Petersburgo estava reunido, os bolcheviques
propuseram aos membros do Comitê Executivo, principal-
mente mencheviques, que liderassem a manifestação. Esta
proposta os pegou desprevenidos. Após longas discussões,
os mencheviques Trotsky e Sverchkov e os bolcheviques
Knuniants foram escolhidos para liderar a manifestação.
Quando os manifestantes caminharam pelas ruas da cidade
por mais de oito horas e já estavam presos, Trotsky mentiu
para eles ao anunciar que o governo havia concedido anistia
aos presos políticos e dispersou a manifestação. Pouco de-
pois, os bolcheviques Knuniánts souberam que a declaração
de Trotsky fora uma manobra para descarrilar a iniciativa
bolchevique. Mas era tarde demais para reconstruir a situ-
ação.23
3º) Em 12 de outubro de 1905, Trotsky à frente do
Comitê Executivo Menchevique do Soviete de São Peters-
burgo defendeu o fim da luta pela jornada de trabalho de 8
horas quando os patrões, com a ajuda do governo, despedi-
ram cem mil trabalhadores em retaliação. Diante deles, os
bolcheviques se propunham a preparar a insurreição.
Quando Lenin propôs uma resolução para esse efeito, ela foi
aprovada por unanimidade pelo soviete, embora seus líde-
res mencheviques continuassem a negociar com os patrões
contra a vontade dos trabalhadores. Por proposta de
Trotsky, foi acordado afastar as tropas da capital, o que pri-
vou o proletariado da possibilidade de contar com as massas
de soldados para a luta revolucionária. Repetidamente, ele

23
Ibídem, pág. 82.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|35 |

interveio para encerrar as greves políticas em outubro e no-


vembro. Quando se soube que o governo pretendia prender
os membros do Soviete em 3 de dezembro, em vez de inter-
romper imediatamente a reunião, Trotsky continuou a fa-
lar. Como consequência disso, muitos deles foram presos e
o Soviete de São Petersburgo não conseguiu se tornar um
órgão da insurreição armada, nem foi capaz de apoiar a in-
surreição armada de dezembro em Moscou.24

24
Ibídem, pág. 82 a 87.
|36 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|37 |

3
A defesa do Partido no período
contrarrevolucionário
|38 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|39 |

Quando o impulso revolucionário se enfraqueceu, o


governo czarista desencadeou a mais violenta repressão
terrorista contra os trabalhadores e seu partido, com milha-
res de mortos e dezenas de milhares de feridos, mutilados e
presos. “Os revolucionários são exterminados, torturados e
martirizados como nunca antes”, escreveu Lenin. Há quem
se esforce por difamar e rebaixar a revolução, por extirpá-
la da memória do povo”.25
Diante dessas terríveis dificuldades, os bolcheviques
reorganizaram o partido e sua atividade no mais rigoroso
sigilo, convencidos de que uma nova revolução era inevitá-
vel porque os objetivos da anterior não haviam sido alcan-
çados. As massas tiveram que ser educadas e organizadas
para este fim, aproveitando ao máximo todos os tipos de
possibilidades legais, enquanto continuavam a realizar o
trabalho ilegal necessário. Lenin exortou “a preservar e for-
talecer o partido ilegal como antes da revolução. Devemos
preparar constantemente as massas para a nova crise revo-
lucionária, a mesma de 1897 a 1903. Devemos fortalecer por
todos os meios os laços do partido com as massas, desenvol-
ver e aproveitar todas as organizações operárias possíveis
para o socialismo ...26
Em vez disso, os mencheviques entraram em pânico,
renunciaram aos slogans revolucionários, tenderam a se
conciliar com o regime autocrático apoiado pelos Centúrias
Negras e defenderam a cessação do trabalho clandestino e

25
Obras completas, t. 19, pág. 196.
26
Obras completas, t. 19, pág. 80.
|40 | História Crítica do Trotskysmo|

a liquidação do partido ilegal. Seu oportunismo degenerou


em liquidacionismo.
Também nas fileiras dos bolcheviques emergiu uma
corrente minoritária de oportunistas de "esquerda" — os
otzovistas ou ultimatistas — que romperam com o materia-
lismo e apelaram à ação revolucionária direta e à renúncia
do trabalho em organizações jurídicas, incluindo a Duma de
Estado (Pseudo-parlamento). Se seguisse essa linha, o par-
tido teria se retirado das massas e se transformado em um
grupo sectário. Lenin chamou os otzovistas de "liquidacio-
nistas do reverso" e advertiu: "O otzovismo não é bolche-
vismo, mas a pior caricatura política que pode ser feita dele
e que apenas o adversário político mais adverso poderia ter
inventado"27. Entre os bolcheviques que vacilaram na luta
contra o otzovismo, encontramos os nomes de futuros opo-
sicionistas da década de 1920, como Kamenev, Tomsky e
Rykov.
Este tipo de desvio de “esquerda” reapareceu, após o
XX Congresso do PCUS e após o colapso da URSS, entre
aqueles que se opuseram ao revisionismo moderno no mo-
vimento comunista internacional. Causou e continua cau-
sando grandes danos, impedindo o ressurgimento de parti-
dos revolucionários de massa.
Para enfrentar a crise partidária provocada pelos li-
quidacionistas e otzovistas, os bocheviques aliaram-se aos
mencheviques defensores do partido, liderados por Plekha-
nov.

27
Obras completas, t. 17, pág. 368.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|41 |

Nestes anos de reação, o grupo centrista de Trotsky


assumiu a defesa dos liquidacionistas. Ele lutou ferozmente
pela liquidação do partido revolucionário ilegal da classe
trabalhadora e pela fundação de um partido centrista pe-
queno-burguês. Foi precisamente nesses anos que Lenin
chamou Trotsky de Judas.28
Durante os anos de reação, o trotskismo foi uma das
variedades mais perigosas de liquidacionismo. Era um pe-
rigo único porque ele sempre cobria seu apoio a ele com fra-
ses "esquerdistas". “A missão de Trotsky — frisou Lênin —
consiste em encobrir o liquidacionismo, jogando areia nos
olhos dos trabalhadores”29 . Ao querer mostrar que estava
"à margem das frações", Trotsky realmente agiu como um
defensor dos liquidacionistas e dos otzovistas, "com os quais
não concordava em absoluto teoricamente, e em absoluto na
prática".30
Este comportamento de Trotsky não foi acidental nem
motivado apenas pela sua hostilidade pessoal para com os
bolcheviques, mas assentou no seu “erro fundamental”, que
— como escreveu Lênin em 1909 — “ele não vê o caráter bur-
guês da revolução e não tem uma ideia clara da transição
desta revolução para a revolução socialista”.31
Trotsky atuou na Sessão Plenária do CC do POSDR
em janeiro de 1910 (a última junta de bolcheviques e men-
cheviques) sob a bandeira do centrismo, da "conciliação" e
da "unificação" de tudo e de todos. Silenciando as

28
https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1911/jan/02.htm
29
Obras Completas. t. 21. pág. 31.
30
Obras Completas, t. 20, pág. 31.
31
Obras Completas, t. 17, pág. 381.
|42 | História Crítica do Trotskysmo|

controvertidas questões de princípio, ele se esforçou para


impor decisões plenamente aceitáveis para os liquidatários.
A essência do plano de Trotsky era "unir" todas as tendên-
cias do partido, independentemente de sua atitude para
com o liquidacionismo; conseguir, sob a bandeira da "unifi-
cação", a dissolução da fração bolchevique; rejeitar a linha
de luta leninista em duas frentes — contra o liquidacio-
nismo e contra o otzovismo —; e assegurar aos oportunistas
uma posição de liderança no partido. Na verdade, o plano
de Trotsky se tornou a plataforma de todos os oportunistas.
Assim, "O bloco de pessoas sem princípios contra o espírito
partidário e contra a fidelidade aos princípios."32
Os trotskistas avaliaram mal a situação no país ao
negar as possibilidades revolucionárias do proletariado se
ele conseguisse estabelecer uma aliança com os camponeses
trabalhadores. Então, eles consideraram que a revolução
era possível na Rússia apenas ligada a uma guerra europeia
ou no caso da vitória da revolução na Alemanha. Já em 1911
Trotsky dizia no artigo A situação no país e nossas tarefas:
“Não teremos que esperar que nos próximos um ou dois
anos as massas sejam jogadas de volta no caminho das gre-
ves gerais e insurreições? Não, nós não pensamos assim...
Claro, se uma guerra europeia fosse declarada em breve, na
qual o czarismo russo estivesse envolvido, e se uma revolu-
ção proletária aberta estourasse na Alemanha, então o re-
demoinho europeu nos varreria também”33 . Cada vez mais
claramente, para os trotskistas, a revolução teria que vir de

32
Obras Completas, t. 19, pág. 271.
33
La lucha del partido bolchevique contra el trotskismo, t. 1, pág.
159.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|43 |

fora; mas se fosse assim em todos os lugares, descobriria


que a revolução é simplesmente impossível.
Como, para Trotsky, a revolução não estava prevista
para um curto espaço de tempo, era preciso focar na luta
por demandas imediatas, pela “liberdade de coalizões”, e
não se deixar levar pela “paixão da greve”. Apesar da nova
ascensão do movimento operário e das greves após 1912, ele
continuou a defender as posições liquidacionistas e atacar
os bolcheviques.
Ele e seu povo escreveram que o bolchevique Pravda
não foi publicado com dinheiro arrecadado pelos trabalha-
dores, mas com "somas de origem obscura". Indignado com
este ataque, Lenin escreveu:"... Este trapacista e liquidador
está à direita e à esquerda." E aconselhou a redação a res-
ponder na seção Correspondência: “A Trotsky (Viena). Seu
esforço para enviar cartas com intriga e malandragem é
inútil. Você não terá resposta. "34
Os líderes oportunistas da II Internacional saíram
em defesa das teses liquidacionistas de Trotsky e de outros
mencheviques. "É muito lamentável", queixou-se Lenin,
"que mesmo Kautsky e Wurm não vejam a banalidade e vi-
leza de artigos como os de Martov e Trotsky ... É um escân-
dalo que Martov e Trotsky mentem e escrevam calúnias
com a aparência de 'artigos científicos' impunemente! '!!!”35
A identidade essencial entre as visões de Kautsky e Trotsky
estava emergindo.

34
Obras Completas, t. 48, pág. 69.
35
Obras Completas, t. 47, pág. 269.
|44 | História Crítica do Trotskysmo|

Essa aparência de sábia erudição científica no racio-


cínio de Trotsky seduzia e continua a seduzir muitos jovens
e intelectuais, desviando-os do caminho da revolução prole-
tária. Portanto, ainda é necessário lembrar o que realmente
está oculto sob essa aparência.
Em seu artigo Sobre uma violação da unidade que é
encoberto por gritos de unidade , publicado em maio de 1914,
Lenin disse que “os antigos participantes do movimento mar-
xista na Rússia conhecem bem a figura de Trotsky e para eles
não vale a pena falar sobre isto. Mas a geração jovem que tra-
balha não sabe disso e é preciso falar ... ”36

36
https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/oe12/lenin-obra-
sescogidas05-12.pdf, pág. 45.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|45 |

4
Imperialismo: a Primeira Guerra
Mundial e as táticas revolucioná-
rias
|46 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|47 |

Desde o final do século XIX, o desenvolvimento capi-


talista deu um salto qualitativo, onde todos os ramos da eco-
nomia ficaram sob o domínio de um punhado de empresas
gigantescas — os monopólios —, e o mundo inteiro foi divi-
dido entre algumas potências. Europa, América do Norte e
Japão. Ao engendrar forças produtivas altamente socializa-
das, o capitalismo substituiu a livre concorrência pela “com-
petição” monopolista e se tornou o capitalismo monopolista
ou imperialismo. Ele havia entrado na última fase de seu
desenvolvimento. As condições materiais para a transição
para o socialismo amadureceram.
Então, em 1914, eclodiu a Primeira Guerra Mundial
entre as potências imperialistas e os partidos da classe tra-
balhadora tiveram que determinar sua atitude em relação
a ela, a fim de cumprir sua missão revolucionária. À frente
dos bolcheviques, Lenin baseou cientificamente esse com-
portamento em sua obra Imperialismo, fase superior do ca-
pitalismo , e especificou-o na necessidade de os trabalhado-
res pararem de atirar uns nos outros para virar as armas
contra seus exploradores em cada país 37. No entanto, a
maioria dos partidos social-democratas da Segunda Inter-
nacional — e na Rússia os mencheviques e os SR (socialis-
tas-revolucionários, ex-populistas) — falaram abertamente

37
Véanse las Tareas de la socialdemocracia revolucionaria en la
guerra europea (Tesis sobre la guerra), en
https://es.scribd.com/document/111722700/Tesis-sobre-la-
guerra-V-I-Lenin, así como el manifiesto del CC del POSD(b) de
Rusia La guerra y la socialdemocracia de Rusia, en
https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/1910s/28-ix-
1914.htm.
|48 | História Crítica do Trotskysmo|

durante a guerra em defesa do imperialismo de seu próprio


país. O crescente oportunismo dos tempos de paz transfor-
mou-se em social-chauvinismo e social-imperialismo: socia-
lismo na palavra, mas chauvinismo e imperialismo de fato.
De todos os social-chauvinistas, os mais enganadores
e, portanto, os mais perigosos eram os centristas, isto é,
aqueles que se disfarçavam de fraseologia "de esquerda" e
falavam em nome da unidade do partido operário. Em es-
cala internacional, o maior representante do centrismo foi
o alemão K. Kautsky e, na Rússia, foi Trotsky.
Kautsky erroneamente avaliou as causas e o caráter
da Primeira Guerra Mundial, assumindo que "as divergên-
cias imperialistas até agora não foram capazes de provocar
a guerra diretamente"38 . Segundo ele, a guerra começou
por acaso: os governos, assustados com as ameaças recípro-
cas, desencadearam a guerra contra a sua própria vontade.
Kautsky justificou os chauvinistas por todos os meios, di-
zendo que todos têm o direito de defender a pátria e são
obrigados a fazê-lo.
Os trotskistas compartilhavam plenamente das vi-
sões oportunistas de Kautsky sobre as causas e o fim da
guerra. Trotsky reconheceu verbalmente o caráter imperia-
lista da guerra, mas declarou que seu surgimento havia
sido uma eclosão espontânea, em que os governos imperia-
listas nada tinham a fazer, e disse: "A guerra não tem um
fim específico, politicamente delimitado", e para "todos os
participantes, tornou-se uma guerra recíproca de

38
El Estado nacional, el Estado imperialista y la alianza de Es-
tados, pág. 7, Moscú, 1917.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|49 |

extermínio"39 . Essa abordagem abstrata e escolástica da


questão do caráter da guerra ignorou sua essência de
classe, sua essência imperialista e a consequente posição
proletária em relação a ela.
As visões oportunistas e kautskianas sobre o caráter
e as causas da guerra serviram de base para os slogans táti-
cos dos trotskistas, que desde o primeiro dia da conflagração
se declararam contra os slogans bolcheviques. No início de
novembro de 1914, Lenin em Zurique apresentou um relató-
rio intitulado The War and Social Democracy40 . Trotsky, que
participou da discussão, afirmou que, em geral, concordava
com a posição do informante. Mas, o que ele defendeu em seu
discurso foi o "programa de paz" dos centristas.
Contra a tática leninista, Trotsky escreveu uma série
de artigos como The War Crisis and Political Prospects and
the Peace Program. Ele declarou que "a guerra civil é uma
formulação fracionista dos bolcheviques, que querem impô-
la aos outros"41, que a guerra paralisou as possibilidades re-
volucionárias da classe trabalhadora e tornou impossível a
organização de ações revolucionárias. A social-democracia
era impotente perante a força unida do poder governamental
e, portanto, na opinião de Trotsky, o proletariado deve pri-
meiro alcançar a paz, alcançar o fim da guerra entre o prole-
tariado alemão e francês, antes de pensar em revolução.

39
Golos, 28 de noviembre de 1914.
40
Obras Completas, t. XXII, pág. 105-112, Ed. AKAL. Citado en
La lucha del partido bolchevique contra el trotskismo, t. 1, pág.
193.
41
La lucha del partido bolchevique contra el trotskismo, t. 1, pág.
195.
|50 | História Crítica do Trotskysmo|

A guerra não trouxe os resultados desejados a ne-


nhum dos grupos de poder e agravou as calamidades e so-
frimentos das massas populares. Os trabalhadores exigi-
ram tenazmente a paz. Os governos dos países beligerantes
estavam assustados com o crescente desenvolvimento da re-
volução. A burguesia tentou explorar em seu próprio inte-
resse o desejo de paz das massas. Observando esta virada
para a paz em certos círculos da burguesia dos países beli-
gerantes, Lênin disse que os representantes do capital "la-
mentaram amargamente a guerra e expressaram incansa-
velmente seu desejo de paz".42
Sociais-chauvinistas e centristas aproveitaram essas
condições para especular sobre os desejos de paz dos traba-
lhadores. Na Conferência dos Socialistas dos Países Neu-
tros, realizada em Copenhague, na Conferência dos Socia-
listas dos Países da Entente, reunida em Londres, e na Con-
ferência dos Partidos Social-democratas Alemães, Austría-
cos e Húngaros, realizada em Viena, soou um apelo aos go-
vernos para promover a assinatura da paz. Trotsky consi-
derava esse desejo fingido de paz dos social-chauvinistas e
centristas de diferentes países uma plataforma para ações
“internacionais” unidas. Ele declarou que, sob a bandeira
da paz, "todos os da esquerda" se reuniram e disse que o
Sotsial-Demokrat Leninista estava completamente isolado
e sua posição era o "mais alto grau de cegueira sectária ..."43
. Lênin respondeu repreendendo-o "agora agarrado às so-
brecasacas de Kautsky e às sobrecasacas de Bernstein".44

42
Obras Completas, t. 26, pág. 192.
43
Nashe Slovo, 13 de octubre de 1915.
44
Obras Completas, t. 26, pág. 296.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|51 |

Os bolcheviques falaram decididamente pela trans-


formação da guerra imperialista em uma guerra civil revo-
lucionária em todos os países beligerantes, pela derrota de
seu próprio governo. Portanto, opunham-se ao slogan trots-
kista de "nem vitórias nem derrotas", exceto os futuros opo-
sicionistas do grupo de Baugy (Suíça), Bukharin, Piatakov
e outros (líderes das facções da oposição nos anos seguin-
tes). Trotsky se recusou a ver na derrota de seu próprio go-
verno "até mesmo um aliado indireto"45 . Afirmou que, em-
bora as derrotas tenham desorganizado a "reação domi-
nante", "desorganizaram a vida social e, principalmente, a
classe trabalhadora"46. Além disso, ele deturpou a posição
bolchevique como se ela apenas exigisse a derrota do go-
verno russo, o que levaria ao fortalecimento do militarismo
prussiano; na realidade, os bolcheviques exigiam "de todos
os partidos socialistas que lutassem contra os governos de
seus próprios países"47 . No artigo Sobre a derrota do Auto-
governo na Guerra Imperialista, Lenin mostrou que
Trotsky e seus partidários, na verdade, “mantiveram o
ponto de vista da guerra dos governos e da burguesia, ou
seja, se curvaram servilmente à 'metodologia política do pa-
triotismo social', para colocá-lo na linguagem bombástica de
Trotsky ”.
O slogan trotskista de "nem vitórias nem derrotas"
tentou suplantar as relações de classe pelas relações entre
governos. Significava manter a velha ordem das coisas in-
tangíveis, incluindo a autocracia russa. Foi um apelo aberto

45
Nashe Slovo, 14 de marzo de 1916.
46
Nashe Slovo, 1 de septiembre de 1915.
47
Sotsial-Demokrat, 12 de febrero de 1915.
|52 | História Crítica do Trotskysmo|

à "paz" com a burguesia, à renúncia à luta de classes do


proletariado. “Quem quer que apoie o slogan 'nem vitórias
nem derrotas' - disse Lenin - é um chauvinista consciente
ou inconsciente; no melhor dos casos, é um conciliador pe-
queno-burguês, mas, em todo o caso, é um inimigo da polí-
tica proletária, um apoiante dos atuais governos, das atuais
classes dominantes”. Para Lenin, a raiz do esforço errôneo
de Trotsky para se reconciliar com os defensores do social-
chauvinismo estava em não perceber seu conteúdo de
classe48 .
Um passo importante na unidade dos consequentes
internacionalistas foi a Conferência Socialista Internacio-
nal de Zimmerwald, em setembro de 1915. Nela se formou
uma esquerda que agiu de forma coesa graças à luta intran-
sigente dos bolcheviques e que constituiu o embrião da fu-
tura III Internacional. Lá, Trotsky mais uma vez agiu como
um centrista: votou a favor do debate do projeto de resolu-
ção da esquerda, mas declarou ao mesmo tempo que as mas-
sas não estavam preparadas para a luta revolucionária con-
tra a guerra e que era muito cedo para exigir sua condena-
ção dos social-chauvinistas, por quantas as próprias massas
foram contaminadas com o chauvinismo "49. Depois desta
conferência, apelou a que a luta se desenvolva "em duas
frentes": contra a direita e contra "o sectarismo desorgani-
zador dos extremistas"50 , isto é, dos apoiantes de Lenin.
Além disso, ele se retirou do clube de internacionalistas em

48
Obras Completas, t. 26, págs. 151 y 290.
49
Nashe Slovo, 6 de octubre de 1915.
50
Nashe Slovo, 25 de noviembre de 1915.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|53 |

Paris, votando pela maioria nas posições da esquerda de


Zimmerwald.51
Informando A. Kolontai em 17 de Fevereiro de 1917,
que Trotsky estava a organizar em um bloco da Direita con-
tra a Esquerda, Lenin disse: "Que porco é este Trotsky! Ele
pronúncia frases esquerdistas e organiza um bloco com a
Direita contra a Esquerda de Zimmerwald! Ele deve ser
desmascarado...."52
Na Rússia, apesar de a minoria menchevique na
Duma estatal ter votado a favor dos créditos de guerra soli-
citados pelo governo czarista, Trotsky afirmou que "ocu-
pava uma posição da qual nenhum internacionalista teve
que se dissociar"53 . Ele ainda tentava criar um partido de
centro, isento, segundo ele, dos "pecados do leninismo e do
menchevismo". Para isso, contou com os mezhrayontsi,
grupo que variava de internacionalistas a defensores. O
mezhrayontsi declararam reconhecer os slogans bolchevi-
ques de "transformação da guerra imperialista em guerra
civil" e de "derrota do próprio governo". Mas afirmaram ao
mesmo tempo que a guerra civil só era possível como uma
“ação simultânea do proletariado de todos os países contra
seus governos”54 .
Sem raízes entre as massas trabalhadoras russas,
eles falharam em sua tentativa de unir os bolcheviques e
mencheviques, revolucionários e oportunistas em um

51
En lucha por el socialismo, A. Shapoválov, pág. 803, Moscú,
1934.
52
Obras Completas, t. XL, pág. 33, Ed. Akal.
53
Nashe Slovo, 11 de julio de 1915.
54
Vperiod, 23 de abril de 1915.
|54 | História Crítica do Trotskysmo|

partido: “O trotskismo e a política de conciliação voltaram


a ser um zero para a esquerda. Eles simplesmente não têm
lugar no animado movimento operário prático na Rússia ”55.
Diante desse fracasso, Trotsky optou por abordar a posição
do partido bolchevique, até que seu grupo fosse admitido
nele em agosto de 1917.

55
Sotsial-Demokrat, 20 de noviembre de 1915.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|55 |

5
Imperialismo e as perspectivas da
revolução proletária mundial
|56 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|57 |

No entanto, esta reaproximação não significou de


forma alguma uma renúncia à teoria da "revolução perma-
nente", que não sofreu mudanças essenciais nos anos da
Primeira Guerra Mundial. Continuou a ignorar a fase de-
mocrático-burguesa em que ainda se encontrava a revolu-
ção russa, negando a necessidade da hegemonia do proleta-
riado sobre o campesinato e subestimando o papel revoluci-
onário dos movimentos democráticos e de libertação nacio-
nal.
Trotsky não viu nenhuma força na Rússia capaz de
fazer uma revolução. Afirmava que a "revolução russa não
poderia ser 'levada até o fim', nem pela colaboração do pro-
letariado com a burguesia liberal, nem por sua aliança com
o campesinato revolucionário. Suas partidas com Kautsky
não se limitam ao centrismo no movimento socialista inter-
nacional, mas incluem também a opinião sobre os campo-
neses que, para o oportunista alemão "são um fator econô-
mico reacionário, que é um obstáculo no caminho para o so-
cialismo"56 . Segundo Trotsky, a revolução na Rússia só po-
deria ser um impulso externo para a revolução socialista no
Ocidente, que deveria então garantir a vitória do socialismo
na Rússia.
Trotsky afirmou explicitamente, nos anos da Pri-
meira Guerra Mundial, que continuou a ter as mesmas opi-
niões e a desenvolvê-las e "não via razão para renunciar a
tais previsões, das quais a maior parte correspondia a Par-
vus"57 .

56
Demokratia oder Diktatur , Kautsky, p. 4, Berlim 1920.
57
Nashe Slovo, 14 de fevereiro de 1915.
|58 | História Crítica do Trotskysmo|

Assim, nos anos da Primeira Guerra Mundial,


Trotsky confessou que, nas questões fundamentais da revo-
lução, suas perspectivas e forças motrizes, simpatizava com
Parvus, e não com Lenin. Este último afirma que Trotsky
propõe uma solução errada para a correlação de classes na
próxima revolução, "repetindo a sua teoria 'original' de 1905
e recusando-se a refletir sobre as razões pelas quais, du-
rante dez anos, a vida o passou por cima desta magnífica
teoria....
Trotsky não pensava que se o proletariado arrastasse
as massas não proletárias do campo ao confisco das terras
dos latifundiários [como o próprio Trotsky repetia em 1915]
e derrubasse a monarquia, isso seria precisamente o culmi-
nar da 'revolução burguesa nacional 'na Rússia! Essa será
precisamente a ditadura democrática revolucionária do
proletariado e do campesinato! (…)
Trotsky ajuda na prática os políticos operários libe-
rais da Rússia que entendem por 'negação' do papel do cam-
pesinato uma recusa em incorporar os camponeses à revo-
lução!
Essa é a chave da pergunta hoje. O proletariado luta
e continuará a lutar abnegadamente pela conquista do po-
der, pela república, pelo confisco de terras, isto é, pela con-
quista do campesinato, pelo uso exaustivo de suas forças re-
volucionárias, pela participação das ' massas populares não
proletárias "no trabalho de libertar a Rússia burguesa do
"imperialismo" feudal-militar (ou seja, czarismo). E o prole-
tariado aproveitará imediatamente esta libertação da Rús-
sia burguesa do czarismo e do poder dos latifundiários, não
para ajudar os camponeses ricos em sua luta contra os
Em Defesa do Marxismo-leninismo|59 |

trabalhadores rurais, mas para realizar a revolução socia-


lista em aliança com os proletários da Europa.”58 .
É neste último aspecto - o da relação entre a revolu-
ção socialista na Rússia e o proletariado internacional - que
Trotsky modificará para pior a sua teoria da "revolução per-
manente" desde a guerra imperialista e devido à sua com-
preensão defeituosa do que é o imperialismo. No artigo que
acabamos de citar, Lenin acusa-o de "brincar com a pala-
vra" imperialismo, mas esta nova etapa do capitalismo pro-
vocará hesitações perigosas também em alguns líderes bol-
cheviques como Piatakov e Bukharin, que convergirão mais
tarde com Trotsky na sua luta contra o Partido Leninista.
Como Harpal Brar bem sintetiza, "esses dois males
gêmeos — a aceitação da teoria da 'revolução permanente'
e a não aceitação das teses de Lenin sobre o imperialismo
— constituem a base teórica do trotskismo ..."59
Ao contrário de Lênin, que na sua apreciação do im-
perialismo trouxe à tona as suas contradições, Trotsky ad-
mirava como Kautsky a tendência desta nova etapa do ca-
pitalismo para um "ultra-imperialismo", para a formação de
um trust mundial único60. Ele considerou que "a tendência
centralizadora da economia contemporânea é a principal"61
para o imperialismo. Segundo Trotsky, a "tendência

58
Nas duas linhas da revolução , Complete Works, t. XXIII, pp.
51 e 52, Ed. Akal.
59
Trotskisme ou léninisme , p. 147
60
Ao pintar o imperialismo de rosa, Kautsky concluiu que a
classe trabalhadora deveria seguir uma política orientada para
"estimular o capitalismo" ( O estado nacional, o estado imperia-
lista e a aliança dos estados , p. 90).
61
Nashe Slovo, 3 de fevereiro de 1916.
|60 | História Crítica do Trotskysmo|

centralizadora" é uma tendência progressiva do desenvolvi-


mento econômico do imperialismo e expressa-se no desen-
volvimento das forças produtivas, que se libertam dos gri-
lhões das nações e dos Estados e levam ao facto de que,
"substituindo a grande potência nacional", vem o "Welt-
mach imperialista"62, ou seja, a potência mundial.
Trotsky simplificou a compreensão da época do impe-
rialismo, considerando-a o advento de um "capitalismo
puro", sem resquícios do atraso feudal. Ele subestimou a
complexidade e diversidade de seus fenômenos e contradi-
ções em favor da ideia abstrata de centralismo. Trotsky re-
jeitou a continuidade e a vinculação da época do imperia-
lismo com as anteriores e ignorou o papel ativo dos fenôme-
nos e antagonismos transitórios herdados do passado. Afir-
mou que as tendências do capitalismo, que tudo permeiam,
liquidam os tipos de economia pré-capitalistas e que os ele-
mentos e fenômenos de épocas passadas sucumbem à força
do capital. Ele prosseguiu dizendo que a base econômica
que sustentava a pequena burguesia havia desaparecido e
que o capitalismo "estava destruindo as classes intermedi-
árias ..."63.
Essa afirmação gratuita, feita sem depender de aná-
lises econômicas, não é apenas falsa, mas também prejudi-
cial. Serviu ao trotskismo como base para desprezar o papel
revolucionário do campesinato e dos movimentos anti-im-
perialistas e democráticos dos povos das colônias e países

62
Golos, 20 de novembro de 1914.
63
Nashe Slovo, 17 de outubro de 1915.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|61 |

dependentes, ajudando o imperialismo a enfraquecer a so-


lidariedade proletária com eles.
A verdade, porém, é que o agravamento das contra-
dições do capitalismo em virtude de seu desenvolvimento
desigual obriga a classe trabalhadora e os povos oprimidos
de um determinado grupo de países ou de um país a buscar
uma saída para a revolução. Esses nós de contradições tor-
nam-se elos fracos do sistema imperialista."... A revolução
proletária", disse Lênin, "cresce em todos os países de forma
desigual, na medida em que todos os países estão em dife-
rentes condições de vida política, e em alguns países o pro-
letariado é muito fraco e em outros é mais forte"64.
O desenvolvimento desigual do capitalismo também
agrava as contradições entre os estados imperialistas e im-
pede sua ação conjunta contra o proletariado que iniciou a
revolução. Esta conclusão de Lenin dirigia-se contra os so-
cial-chauvinistas e os centristas como Kautsky, que afirma-
vam que na época do imperialismo a desigualdade do de-
senvolvimento do capitalismo diminuía e as suas contradi-
ções perdiam nitidez.
Seguindo os kautskistas, Trotsky tentou refutar a
tese leninista de que na época do imperialismo a ação da lei
do desenvolvimento econômico e político desigual do capita-
lismo poderia exercer uma influência decisiva sobre a pos-
sibilidade da vitória da revolução socialista em vários paí-
ses, em um único país e nas perspectivas de tal revolução.
Negou a ação da lei da desigualdade no desenvolvimento do
capitalismo, afirmando que a tendência fundamental do

64
Obras completas, t. 37, pág. 117
|62 | História Crítica do Trotskysmo|

imperialismo era a necessidade de “construir uma economia


mundial unificada, independentemente dos marcos nacio-
nais e das barreiras alfandegárias do Estado”65. Por isso,
afirmou Trotsky, a tarefa do proletariado era aproveitar as
tendências centralistas do imperialismo, e não suas desi-
gualdades.
Na opinião de Trotsky, a classe trabalhadora de cada
país deveria renunciar às chamadas obrigações nacionais e
concentrar seus esforços na luta pela conquista do poder do
Estado na única forma real preparada por toda a época do
imperialismo, “na forma da ditadura política em todos os
países civilizados do mundo capitalista”. Trotsky afirmou
que o movimento revolucionário de massa poderia se desen-
volver com sucesso e alcançar a vitória apenas como um mo-
vimento europeu geral e que, isolado dentro de estruturas
nacionais, estava fadado ao fracasso inevitável. Em vista
disso, lutar pela ditadura do proletariado em um único país
era completamente sem sentido; o proletariado só poderia
estabelecer sua ditadura em toda a Europa, isto é, na forma
dos Estados Unidos da Europa66.
Lênin, criticando a ideia da eclosão simultânea da re-
volução em todos os países, disse: “Esperar que as classes
trabalhadoras façam a revolução em escala internacional
significa que todos devem permanecer imóveis, esperando.
Isso não faz sentido ”67.
Já em Agosto de 1915, Lenin se pronunciou contra a
"falsa ideia da impossibilidade da vitória do socialismo num

65
Nashe Slovo, 3 de fevereiro de 1916.
66
Nashe Slovo, 4 de fevereiro de 1916.
67
Obras completas, t. 36, pág. 335
Em Defesa do Marxismo-leninismo|63 |

único país", bem como contra a "interpretação errônea das


relações deste país com os outros. O desenvolvimento eco-
nômico e político desigual é uma lei absoluta do capitalismo.
Daqui decorre que é possível que o socialismo triunfe pri-
meiro em alguns países capitalistas, ou mesmo num único
país isolado. O proletariado triunfante deste país, depois de
expropriar os capitalistas e organizar a produção socialista
dentro dele, erguer-se-ia contra o resto do mundo capita-
lista, levando para o seu lado as classes oprimidas dos ou-
tros países, levantando neles a insurreição contra os capi-
talistas, usando, se necessário, mesmo a força das armas
contra as classes exploradoras e os seus Estados"68.
Um ano depois, em setembro de 1916, Lênin já não
falava da possibilidade, mas sim da inevitabilidade, de
que a revolução socialista triunfasse em alguns países an-
tes de outros: “O desenvolvimento do capitalismo segue um
curso extraordinariamente desigual nos vários países. Caso
contrário, não pode estar sob o regime de produção de bens.
Daí a conclusão indiscutível de que o socialismo não pode
triunfar simultaneamente em todos os países. Ele triunfará
em um ou vários países, enquanto os demais permanecerão,
por algum tempo, países burgueses ou pré-burgueses”69.
Mesmo após o triunfo da revolução na Rússia e tendo
sido um de seus governantes, Trotsky continuou a basear
teoricamente sua tese na revolução internacional

La consigna de los Estados Unidos de Europa: https://www.mar-


xists.org/espanol/lenin/obras/1910s/8-1915eu.htm
69
El programa militar de la revolución proletaria:
https://www.marxists.org/espanol/le-
nin/obras/1910s/1916mil.htm
|64 | História Crítica do Trotskysmo|

simultânea: “... a lei do desenvolvimento desigual não é


uma lei do imperialismo; é a lei de toda a história humana.
O desenvolvimento capitalista em seu primeiro período au-
mentou extraordinariamente a desigualdade entre os níveis
de desenvolvimento econômico e cultural das várias nações;
o desenvolvimento imperialista, isto é, a fase mais nova do
capitalismo, não aumentou essa desigualdade, mas, ao con-
trário, contribuiu consideravelmente para o seu nivela-
mento”70.
A história de um longo século de imperialismo mos-
tra, na realidade, a existência de duas tendências opostas
no desenvolvimento dos diferentes países: não só a tendên-
cia de nivelamento que o trotskismo considera definitiva,
mas também a tendência de aumentar a desigualdade. A
explicação está enraizada na mesma contradição funda-
mental do capitalismo71 que determina a ação recíproca de
ambas as tendências opostas: “o nivelamento dos países

70
Trotski, Las vías de la revolución mundial, VII Pleno ampliado
del Comité Ejecutivo de la Internacional Comunista. Actas taqui-
gráficas, t. II, pág. 99, Moscú-Leningrado 1927. Citado en “La lu-
cha del partido bolchevique contra el trotskismo”, t. 2, págs. 188-
189.
71
“La contradicción entre la producción social y la apropiación
capitalista se manifiesta ahora como antagonismo entre la orga-
nización de la producción dentro de cada fábrica y la anarquía
de la producción en el seno de toda la sociedad… Es la fuerza
propulsora de la anarquía social de la producción la que convierte
a la inmensa mayoría de los hombres, cada vez más marcada-
mente, en proletarios, y estas masas proletarias serán, a su vez,
las que, por último, pondrán fin a la anarquía de la producción.”
(Del socialismo utópico al socialismo científico, F. Engels:
https://www.marxists.org/espanol/m-e/1880s/dsusc/3.htm)
Em Defesa do Marxismo-leninismo|65 |

capitalistas, longe de diminuir a ação da lei do desenvolvi-


mento desigual sob o imperialismo, a acentua. Precisa-
mente o inusitado progresso da tecnologia e o nivelamento
cada vez maior de desenvolvimento dos países capitalistas
no período do imperialismo fizeram surgir a possibilidade
de saltar um país sobre outro”72 .
“O trotskismo — explica Harpal Brar — não aceita a
tese de Lenin segundo a qual o desenvolvimento econômico
desigual é uma lei absoluta do capitalismo. Segundo
Trotsky, o imperialismo suprime todas as desigualdades no
desenvolvimento econômico dos diferentes países. A explo-
ração imperialista, afirma Trotsky, leva à eliminação das
desigualdades nas condições econômicas dos países explo-
radores e explorados. Em 1928, por exemplo, Trotsky falou
sobre "a diminuição do fosso entre a Índia e a Grã-Breta-
nha". Desta posição de rejeição da lei do desenvolvimento
desigual do capitalismo, Trotsky deduz, em oposição direta
ao leninismo, a errônea, mesmo contrarrevolucionária, con-
clusão de que uma revolução nacional não é possível, pois,
diz o trotskismo, o imperialismo suprimiu as economias na-
cionais e criou uma economia mundial única. Assim como
não pode haver revolução socialista em uma parte de um
país (ou seja, em uma parte de uma economia nacional in-
tegrada), pela mesma razão, diz o trotskismo, não pode ha-
ver revolução nacional, pois a economia nacional é uma
parte de uma única economia mundial integrada. Então, de
acordo com Trotsky, a revolução mundial — uma revolução

72
La lucha del partido bolchevique contra el trotskismo, t. 2, pág.
189.
|66 | História Crítica do Trotskysmo|

em todos os países do mundo — deve ocorrer em todos os


lugares simultaneamente ou em nenhum lugar particular.
Diferentes países devem empreender a revolução so-
cialista um após o outro em rápida sucessão, como as dife-
rentes regiões de um país durante uma revolução nacional.
Se o ponto de vista de Trotsky estivesse correto, não teria
havido construção do socialismo na URSS.73
Além disso, não se trata apenas de um desenvolvi-
mento desigual dos países apenas no plano econômico, mas
também no plano político, ou seja, no plano da correlação de
forças de classe. E, a essa desigualdade nas condições obje-
tivas, econômicas e políticas, devemos somar a desigual-
dade nas condições subjetivas, na capacidade da classe re-
volucionária de desenvolver ações massivas capazes de der-
rubar ou quebrar o governo: o nível de consciência política
e de organização da classe trabalhadora, penetração das
ideias marxista-leninistas nas massas, vinculação do par-
tido de vanguarda a essas massas, habilidade tática desse
partido, etc.
Para Lenin, as condições revolucionárias decorrem
inevitavelmente do desenvolvimento do próprio sistema im-
perialista, das relações entre as classes sociais que o cons-
tituem. As próprias condições subjetivas da revolução ama-
durecem no curso da luta de classes, que é um processo ob-
jetivo. A luta de classes forja a consciência política do pro-
letariado, empurra-o para constituir o seu partido político.
E ele encontra na teoria científica do marxismo-leninismo o
guia necessário para organizar as massas trabalhadoras e

73
Trotskisme ou léninisme, pág. 589, nota 15.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|67 |

direcionar sua luta para a reorganização comunista da so-


ciedade. A guerra entre os estados imperialistas também é
uma consequência necessária do imperialismo74e influencia
a luta proletária pelo socialismo, mas não é a força motriz
por detrás dela. A classe trabalhadora pode fazer a revolu-
ção sem esperar a eclosão de uma guerra imperialista e
deve até tentar evitar esta tragédia através da revolução.
Por outro lado, para Trotsky, já vimos que a guerra
mundial iniciada em 1914 não é uma consequência lógica do
imperialismo, mas constitui um fenômeno coincidente que
carece de finalidade específica e leva ao extermínio mútuo
dos beligerantes. Mas, a esse erro, ele agora acrescenta o de
considerar que é esta guerra, e não o próprio imperialismo,
que está "conduzindo o proletariado pela violência ao cami-
nho da revolução socialista"75. Então, inversamente, sem
guerra internacional, o trotskismo exclui o proletariado que
segue o caminho da revolução socialista. Isso é consistente
com o comportamento de Trotsky durante a revolução de
1905, coincidindo com o reformismo menchevique, além de
sua verborragia “esquerdista”. Esta opinião sua destaca sua
visão idílica do imperialismo, sua falta de confiança na força
e na iniciativa do proletariado. E explica o declínio de seu
espírito revolucionário nos períodos de vazante, tanto a par-
tir de 1907 quanto a partir de 1923.

74
"A atual guerra imperialista é a continuação da política impe-
rialista de dois grupos de grandes potências, e essa política é ori-
ginada e alimentada pelo conjunto das relações da época imperi-
alista". (O Programa Militar da Revolução Proletária)
75
Golos , 20 de novembro de 1914.
|68 | História Crítica do Trotskysmo|

Para Trotsky, não foi o trabalho diário e sistemático


do partido de vanguarda, mas a violência da guerra que
conduziu o proletariado ao caminho da revolução socialista.
Apesar de se ter apresentado como apoiante dos iskristas
no Segundo Congresso do POSDR, considerava a rebelião
espontânea das massas a manifestação suprema do espírito
revolucionário: não foi, portanto, capaz de superar comple-
tamente o seu populismo que tem origens anarquistas e as-
sumir o socialismo científico.
Se, em 1905-07, a revolução russa pudesse mais
tarde servir para acender a revolução socialista no Oci-
dente, agora o desenvolvimento do imperialismo e a guerra
imperialista tinham trazido à maturidade a necessidade de
ambos ao mesmo tempo. Na Rússia, as tarefas da revolução
democrático-burguesa de novo tipo e da revolução socialista
aproximavam-se e entrelaçavam-se. Isto não significa que
a primeira deixou de ser uma premissa indispensável da
segunda, como ficou demonstrado pela Revolução de Feve-
reiro, que a resolveu no seu aspecto fundamental: o do po-
der político que passava da aristocracia rural para a bur-
guesia e o povo. Mas esta aproximação e interligação das
duas fases da revolução, bem como da revolução na Rússia
e no Ocidente, proporcionou um cenário propício ao trots-
kismo para jogar com algum sucesso a carta da confusão,
até que a meada fosse desvendada nos anos seguintes.
Tratando de forma metafísica e absoluta as contradi-
ções entre o proletariado e as forças democráticas, Trotsky
rejeitou a ideia leninista da hegemonia do primeiro sobre o
povo para avançar para a revolução. Afirmou que “ao longo
de sua história, a pior ilusão do proletariado sempre foi
Em Defesa do Marxismo-leninismo|69 |

depositar esperança nos outros”76. A classe trabalhadora,


entretanto, precisava conquistar a hegemonia, antes de
tudo, sobre a grande massa camponesa da população. E, em
segundo lugar, também precisava obter o apoio das nações
oprimidas que lutam por sua libertação do inimigo imperi-
alista comum.
Com a passagem do capitalismo ao imperialismo,
agravou-se a opressão nacional e cresceu o movimento de
libertação das colônias e países oprimidos pelas potências.
A Primeira Guerra Mundial acelerou essas lutas, como
parte das demandas democráticas violentamente espezi-
nhadas pelo imperialismo. No movimento operário interna-
cional, um intenso debate se desenrolou entre a tendência
chauvinista e a tendência internacionalista. Mesmo dentro
do Partido Bolchevique, Bukharin, Pyatakov e outros, que
Lenin descreveu como "economistas imperialistas", lança-
ram-se em uma fraseologia ultra-esquerdista que trouxe
água ao moinho dos chauvinistas, na medida em que se opu-
nham ao direito de autodeterminação das nações oprimidas
à luta revolucionária do proletariado pelo socialismo.
Trotsky apresentou pontos de vista mais disfarçados,
mas análogos, em seu artigo The Nation and the Economy ,
publicado no jornal Nashe Slovo. Partindo de sua visão abs-
trata de um imperialismo portador de um centralismo eco-
nomicamente progressista, as demandas nacionais eram
um tanto desatualizadas e contrárias aos interesses da re-
volução proletária. Esmaecendo a diferença entre nações
opressoras e nações oprimidas, ele afirmou que “a defesa de

76
Nashe Slovo, 17 de octubre de 1915.
|70 | História Crítica do Trotskysmo|

um país pressupõe a destruição pela força de outro país.


Numa situação em que o movimento operário socialista foi
profundamente afetado pelo chauvinismo anexacionista,
desprezou todo desejo de formar Estados nacionais e passou
a subordinar a possibilidade de realização do direito de au-
todeterminação nacional à anterior união internacional so-
cialista ou democrática das nações77.
Lenin observou que, em Trotsky, o direito das nações
à autodeterminação era "uma frase vazia, uma vez que não
exige a liberdade e o direito de separação das nações oprimi-
das da 'pátria' por um determinado Estado nacional e socia-
lista...."78. Em suma, os seus argumentos continuaram a per-
seguir a unidade dos revolucionários internacionalistas e dos
oportunistas num único partido; ou melhor, a neutralização
do trabalho dos primeiros sobre as massas, pesada pelas exi-
gências de unidade com os segundos.
Em vez disso, Lenin presumiu que o imperialismo
significava que o trabalho civilizador de centralização eco-
nômica do capitalismo já havia terminado. A partir de en-
tão, a economia internacional não avançaria para uma ho-
mogeneidade cada vez maior, mas as potências imperialis-
tas buscariam manter e aprofundar o atraso das novas na-
ções para obter delas matérias-primas baratas. Por isso,
passou a ser crime esperar e ainda mais apoiar o desenvol-
vimento econômico das potências opressoras em prol de me-
lhores condições para o socialismo. O que já estava para os
verdadeiros revolucionários era forjar a aliança política

77
https://camtrotskyreadinggroup.files.word-
press.com/2010/12/leon-trotsky-nation-economy-19152.pdf
78
Obras Completas, t. 27, pág. 273.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|71 |

mais ampla possível para derrubar a burguesia das grandes


potências e enfraquecer o sistema imperialista internacio-
nal. Uma das condições mais importantes para a conquista
do poder estatal pelo proletariado foi a união do movimento
revolucionário da classe trabalhadora nas metrópoles com
o movimento de libertação nacional nas colônias e países
dependentes. Em suas obras desse período, ele fundou a
possibilidade e a necessidade dessa aliança. Esses povos
precisavam dela para realizar as transformações democrá-
ticas, e a classe trabalhadora dos países capitalistas, para
enfraquecer todo o sistema do imperialismo e alcançar a vi-
tória da revolução socialista.79
O Partido Bolchevique partiu da necessidade dos po-
vos das colônias e dos países dependentes de defender pela
força das armas o direito à independência nacional contra os
ataques dos estados imperialistas. O dever dos social-demo-
cratas revolucionários era, em tais circunstâncias, "ajudar a
sua insurreição — e, se necessário, a sua guerra revolucio-
nária — contra as potências imperialistas que os oprimem"80
. Essa seria uma guerra justa e revolucionária que solaparia
as bases da dominação imperialista.
Alguns anos depois, ao definir a linha da Internacio-
nal Comunista sobre a questão nacional e colonial, Lenin
explicaria: “Qual é a ideia mais importante, a ideia funda-
mental das nossas teses? É a distinção entre nações oprimi-
das e nações opressoras. Sublinhamos esta distinção, na
Oposição à Segunda Internacional e a democracia

79
Obras Completas, t. 30, pág. 120.
80
Obras Completas, t. 30, pág. 58.
|72 | História Crítica do Trotskysmo|

burguesa. (...) A característica distintiva do imperialismo é


que hoje, como podemos ver, o mundo está dividido, por um
lado, em um grande número de nações oprimidas e, por ou-
tro, em um número insignificante de nações opressoras, que
têm riqueza colossal e força militar poderosa”81.
Contrário a esta posição, Trotsky questionou a possi-
bilidade de guerras justas e revolucionárias dos povos opri-
midos contra o imperialismo. Disse que as guerras justas
dos povos oprimidos só eram possíveis à primeira vista,
quando a questão era colocada de forma abstrata, sem levar
em consideração a realidade concreta. Dadas as relações
existentes no mundo e os agrupamentos onipotentes de po-
tências imperialistas, nenhuma colônia, nenhuma nação
oprimida poderia travar uma luta de libertação sem contar
com uma ou outra potência imperialista, sem ser um ins-
trumento dela82 .
Argumentos como este, que agora ouvimos de alguns
tortuosos defensores do marxismo-leninismo, são propria-
mente trotskistas e enfraquecem os movimentos democrá-
ticos e a classe trabalhadora, beneficiando apenas o imperi-
alismo capitalista. Os comunistas devem apoiar qualquer
movimento de libertação nacional que enfrente o imperia-
lismo e o enfraqueça; e devemos apoiar fortemente as

81
Informe de la Comisión para los Problemas Nacional y Colo-
nial, 26 de julio de 1920. Obras Completas, t.XXXIII, págs. 363-
369, Ed. AKAL.
82
La lucha del Partido bolchevique contra el trotskismo, t. 1,
pág. 234. También el artículo de Trotsky de mayo de 1917 El de-
recho de las naciones a la autodeterminación (https://www.mar-
xists.org/espanol/trotsky/1910s/19170500.htm)
Em Defesa do Marxismo-leninismo|73 |

revoluções nacional-democráticas nos países oprimidos e


atrasados, em vez de negá-las por não serem suficiente-
mente socialistas e proletárias. Esta "nova" posição dos di-
rigentes de alguns partidos comunistas não é marxista-le-
ninista, mas trotskista.
Como Harpal Brar com razão diz: “O proletariado eu-
ropeu chegará à vitória precisamente no momento em que
o imperialismo estiver enfraquecido e não como consequên-
cia de seu fortalecimento. O caminho do trotskismo, o cami-
nho da teoria da 'revolução permanente', leva à reação per-
manente e à contrarrevolução permanente — é o caminho
do desespero permanente ”83 .

83
Trotskisme ou léninisme, Harpal Brar.
|74 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|75 |

6
de fevereiro de 1917 e a passagem
para a segunda fase da revolução
russa
|76 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|77 |

Em fevereiro de 1917, as massas populares varreram


a monarquia czarista e estabeleceram um duplo poder (go-
verno provisório burguês e os sovietes operários e campone-
ses), a exemplo da transformação da guerra imperialista em
guerra civil. Com isso, as classes populares realizaram em
sua maioria a primeira etapa da revolução russa, sua etapa
democrático-burguesa, e criaram as melhores premissas
para a passagem à segunda etapa, a socialista. Este evento
refutou a teoria pessimista da "revolução permanente" que
negava a possibilidade de uma revolução popular vitoriosa
antes da revolução socialista proletária. A vida resolveu o
debate teórico entre Lenin e Trotsky, concordando com Le-
nin.
Em uma série de artigos conhecidos como Cartas de
março, Trotsky fez sua avaliação da situação. Mais tarde,
ele argumentaria que isso coincidia com o expresso por Lê-
nin em suas Cartas de longe, e seus partidários chegariam
ao ponto de fingir que as cartas de Trotski haviam anteci-
pado as de Lênin em sua análise. Na realidade, baseavam-
se na teoria da "revolução permanente" que Lenin mais
uma vez criticou, dizendo que o slogan "sem czar, para um
governo operário" era jogar com "a tomada do poder" e uma
"Aventura blanquista": "O trotskismo exige a revolução
'sem czar, por um governo operário'. Isso é uma loucura. A
pequena burguesia existe, não pode ser descartada. Mas há
duas partes nisso. A parte mais pobre marcha com a classe
trabalhadora ”84 .

84
Informe en Conferencia de la organización del Partido de Pe-
trogrado, Obras Completas, t. 31, pág. 249.
|78 | História Crítica do Trotskysmo|

Em suas cartas, Trotsky voltou a se manifestar con-


tra a conclusão leninista da possibilidade da vitória da re-
volução socialista em um país. Em sua opinião, o proletari-
ado russo só poderia permanecer no poder se a revolução
fosse feita nos países europeus. Se isso não acontecesse, os
imperialistas, unindo forças, estrangulariam a revolução
russa. Portanto, se a revolução demorou a estourar no Oci-
dente, a tarefa do proletariado russo seria, na opinião de
Trotsky, transferir à força a revolução para outros países.
"Vamos impor ao exército revolucionário russo a missão",
disse ele, "de levar a revolução ao território de outro es-
tado."
A orientação trotskista de "empurrar" a revolução em
outros países através da guerra foi uma aventura que nada
tinha em comum com o marxismo. Trotsky ignorou a tese
marxista muito importante de que a revolução não pode ser
feita sem levar em conta os fatores objetivos e subjetivos
deste ou aquele país, que a revolução não pode ser acelerada
ou comissionada, que não pode ser empurrada de fora. Mais
tarde, em junho de 1918, quando Trotsky e os “comunistas
de esquerda” tentaram colocar em prática essa linha, Lênin
disse: “... Há quem pense que a revolução pode nascer em
outro país por ordem, por acordo. Quem pensa assim é louco
ou provocador”.
Depois de fevereiro, os mencheviques alegaram que as
diferenças que os separavam dos bolcheviques não eram
mais válidas e que as organizações de ambos os partidos de-
veriam ser unificadas. No entanto, na prática, eles continu-
aram com sua política oportunista contra a revolução socia-
lista e a ditadura do proletariado. Lênin respondeu: “A
Em Defesa do Marxismo-leninismo|79 |

independência e a autonomia do nosso partido - nenhuma re-


aproximação com os outros partidos - têm para mim um ca-
ráter definitivo. Sem isso, o proletariado não pode ser aju-
dado a chegar à comuna através da revolução democrática, e
eu não concordaria em servir a outros fins ”85 .
Em uma carta a Kollontai, ele escreveu que “o prin-
cipal agora é não se envolver em tolas tentativas de 'unifi-
cação' com os social-democratas (ou - mais perigosamente -
com os vacilantes, como o CO, Trotsky e cia.) E continuar o
trabalho do nosso partido com um espírito internaciona-
lista consistente ”86 .
Os trotskistas — que foram, como todos os menche-
viques, agentes da burguesia no movimento operário revo-
lucionário — esforçaram-se por sujeitar este último à in-
fluência burguesa. Eles entenderam que o crescimento da
influência dos bolcheviques no movimento operário revolu-
cionário poderia enfraquecer as posições dos oportunistas,
isolando-os completamente das massas. Por isso, eles ten-
taram evocar a intensificação da luta entre a tendência re-
volucionária proletária e a tendência burguesa oportunista;
impedir o rompimento definitivo dos bolcheviques com os
oportunistas e sujeitar os primeiros aos últimos num único
partido social-democrata reformista do tipo da Europa Oci-
dental. Para este fim, os trotskistas cobriram sua face opor-
tunista de direita com uma máscara centrista, apresen-
tando-se como um "centro fora das facções", ocupando uma
posição independente "intermediária" entre os bolcheviques

85
Carta a Lunacharski, Obras Completas, t. 49, pág. 411.
86
Obras Completas, t. 49, pág. 402.
|80 | História Crítica do Trotskysmo|

e os mencheviques. Lenin caracterizou Trotsky com as se-


guintes palavras: "Sempre fiel a si mesmo — ele representa
mal, engana, adota uma postura de esquerda e ajuda os de
direita enquanto pode ...".87
A obstinada luta dos bolcheviques contra o centrismo
antes e durante a guerra destruiu a influência dessa ten-
dência no movimento operário. As tentativas de Trotsky de
ressuscitar essa tendência depois de fevereiro não tiveram
sucesso. Ele liderou o grupo dos mezhrayontsi, fundada em
São Petersburgo em 1913 por trotskistas, mencheviques
plekhanovistas e ex-bolcheviques conciliadores, na espe-
rança de torná-la o núcleo unificador de um futuro partido
social-democrata de centro. Mas, quando eles falharam, ele
e seu grupo declararam sua adesão à linha bolchevique e
foram admitidos no partido leninista no VI Congresso de
agosto de 1917. Era necessário adicionar todas as forças dis-
postas a contribuir para a próxima etapa do processo revo-
lucionário, mesmo que fosse pequeno e inseguro; embora,
nos meses anteriores, ele tivesse manifestado sua vontade
de um "amplo congresso ... preparado pelos bolcheviques,
por nós, pelas organizações locais e pelos mencheviques in-
ternacionalistas"88.
A partir de agosto de 1917, o alinhamento dos líderes
mencheviques e SR com a posição política da burguesia con-
trarrevolucionária fez com que as massas das classes popu-
lares se unissem cada vez mais à linha dos bolcheviques. Os
sovietes, comitês de fábrica, sindicatos e outras

87
Obras Completas, t. 49, pág. 390.
88
Recopilación leninista, IV, págs. 301-302.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|81 |

organizações de massa elegeram os bolcheviques como seus


representantes. Assim, em meados de outubro de 1917, che-
gou-se a um ponto em que as conquistas da Revolução de
fevereiro seriam esmagadas por um golpe reacionário, se a
revolução não avançasse para sua segunda etapa, a do soci-
alismo proletário. Esses fatos tornaram necessária a insur-
reição armada contra as forças do governo provisório bur-
guês; eles tornaram sua vitória possível; e conduziram o
Partido Bolchevique à determinação de prepará-lo e dirigir
sua execução. Em 25 de outubro (7 de novembro) de 1917, a
revolução socialista triunfou na Rússia, às vésperas do Se-
gundo Congresso Pan-Russo de Deputados Operários e Sol-
dados (em vez de esperar sua abertura formal como Trotsky
queria). A partir de então, a contradição entre capitalismo
e socialismo se tornaria a principal de todas as contradições
sociais em escala internacional. Para Lenin e os bolchevi-
ques, a tarefa agora consistia em construir o socialismo no
país e ajudar o proletariado revolucionário no resto dos pa-
íses.
|82 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|83 |

7
A defesa do Poder Soviético e o
apoio à iminente revolução prole-
tária na Europa.
|84 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|85 |

Trotsky, que já era líder do Partido Bolchevique e


presidente do Soviete da capital de Petrogrado, via o futuro
de uma forma menos esperançosa. Nesse Congresso, poucas
horas após a histórica vitória insurrecional, declarou o se-
guinte: "Se os povos da Europa não se levantarem em ar-
mas, não esmagarem o imperialismo, seremos, sem dúvida,
esmagados"89.
Lênin considerou, em vez disso, que a prioridade do
novo Poder Soviético era conseguir uma trégua pacífica
para manter as conquistas revolucionárias, organizar a re-
sistência a uma futura agressão imperialista, iniciar a cons-
trução do socialismo e ajudar com este exemplo prático o
desenvolvimento da luta dos trabalhadores pelo socialismo
no resto do mundo. Isso foi aprovado pelo Segundo Con-
gresso dos Sovietes com o "Decreto de Paz".
No entanto, os governos aliados da Entente, lidera-
dos pelos britânicos e franceses, continuaram a guerra e o
governo soviético foi forçado a buscar uma paz separada
com os governos da Alemanha e seus aliados. Eles exigiram
condições humilhantes da Rússia Soviética. A intenção dos
imperialistas não era apenas tomar-lhe territórios, mas evi-
tar que a sua saída da guerra se tornasse um exemplo revo-
lucionário a seguir para os trabalhadores da Europa Oci-
dental cada vez mais contrários ao conflito. No interior do
país, os partidos burgueses e pequeno-burgueses manifes-
taram-se contra a paz separada e anexionista que Lenin
considerou necessário aceitar.

89
II Congreso de los Soviets de Diputados Obreros y Soldados de
toda Rusia, pág. 29, Moscú-Leningrado, 1928. Citado en La lucha
del partido bolchevique contra el trotskismo, t. 2, pág. 12.
|86 | História Crítica do Trotskysmo|

E, dentro do partido bolchevique, uma fissura se ma-


nifestou: Trotsky lançou o slogan "Nem paz, nem guerra!",
que significava não assinar a paz, não fazer guerra e des-
mobilizar o exército; e, em torno de Bukharin, formou-se um
grupo denominado "comunistas de esquerda", convocando a
guerra revolucionária contra os imperialistas. Sua fraseolo-
gia pseudorrevolucionária fez alguns líderes bolcheviques
hesitarem, a ponto de deixar a posição leninista em minoria
em algumas votações sobre a questão vital de aceitar a cus-
tosa paz com a Alemanha. Lenin teve mesmo de informar
publicamente sobre a eventualidade da sua renúncia: “se
prevalecesse a política da frase, eu, como se deve entender,
não ficaria por um momento no Governo ou no CC do nosso
partido”90 .
No debate dentro da liderança bolchevique, Trotsky
usou muitos argumentos diferentes, mas em última análise
suas conclusões práticas foram baseadas em sua teoria da
"revolução permanente". Exagerou a situação de fragili-
dade do imperialismo e considerou que a Europa capitalista
tinha entrado, com a Primeira Guerra Mundial, num perí-
odo de "estagnação e decomposição absolutas" no desenvol-
vimento das forças produtivas. Por isso, pensava que a re-
volução no Ocidente era iminente e que, para ela, não im-
portava sacrificar a revolução russa (cujo desejo de autopre-
servação, segundo ele, poderia se tornar um freio ao colapso

90
¿Paz o guerra?, Obras Completas, t. XXVIII, págs. 237-238, Ed.
AKAL.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|87 |

do mundo imperialista)91. Foi um cálculo abstrato total-


mente errado e suicida.
Esse baixo interesse pelo destino da Rússia Soviética
era explicado por sua falta de confiança em sua população,
principalmente camponesa, e em seu proletariado, que es-
tava aquém dos padrões ocidentais. Como nas questões da
unidade do partido, da guerra e do campesinato, sua avali-
ação do proletariado russo estava muito de acordo com a de
Kautsky, que diria desta forma: “Para o socialismo, uma
alta educação do povo é necessário, uma moral elevada das
massas, instintos sociais altamente desenvolvidos, o senti-
mento de solidariedade... Esta moral... não é possuída pelas
massas que, atualmente, predominam no proletariado bol-
chevique ”92.
Trotsky expressou o mesmo de uma forma mais di-
plomática: “O proletariado europeu amadureceu melhor do
que nós para o socialismo. Não há dúvida de que, mesmo
que fôssemos esmagados, não poderia haver uma depressão
histórica como a que ocorreu depois da Comuna de Paris ”93
. De fato, como estamos verificando, a depressão produzida
no movimento operário com a derrota da URSS não é como

91
Trotski consideraba la posibilidad de entregar Petrogrado y
Moscú a los alemanes, argumentando que así “mantendríamos
en tensión a todo el mundo”. (Actas del Comité Central del
PSOD(b) de Rusia, pág. 212. Citado en “La lucha del partido bol-
chevique…”, t. 2, pág. 45)
92
Kautsky, terrorismus und Kommunismus, págs. 119-120, Ber-
lín 1919.
93
Trotski, VII Congreso Extraordinario del PC(b) de Rusia, actas
taquigráficas, pág. 71. Citado en La lucha del partido bolchevi-
que contra el trotskismo.
|88 | História Crítica do Trotskysmo|

a que se seguiu ao esmagamento da Comuna de Paris, mas


é incomparavelmente maior!
Virando as coisas de cabeça para baixo, ele argumen-
tou: "Não importa o quanto quebremos nossos cérebros, seja
qual for a tática que planejemos, a única coisa que pode nos
salvar no sentido pleno da palavra é a revolução euro-
peia"94. E, no entanto, vinte anos depois, seria mostrado que
foi a União Soviética que salvou o movimento operário oci-
dental da aniquilação nas mãos do imperialismo mais ex-
tremo, isto é, o nazifascismo.
Kautsky e Trotsky não haviam entendido o que real-
mente significava o advento da fase imperialista do capita-
lismo. Eles continuaram a enfatizar em primeiro plano o
trabalho progressista da burguesia que desenvolveu cada
vez mais as condições para o socialismo. Estavam cegos
para a dialética do progresso social pelo qual o capitalismo
se transformou em seu oposto: de ser acima de tudo um re-
gime progressista (apesar de seus enormes “danos colate-
rais”), tornou-se antes de tudo um regime reacionário, um
obstáculo a cada ano. Cada vez mais sistemático para a re-
volução socialista. Não é que tenha deixado de desenvolver
as forças produtivas e, com elas, as premissas do socialismo,
mas que, a seu lado e acima, tornou-se seu maior empecilho.
O socialismo já havia amadurecido na sociedade capitalista
o suficiente para começar a se construir, como aconteceu na
URSS e depois no campo socialista. É claro que essa situa-
ção não era "ideal"; Não foi o nascimento indolor com que os
utópicos (não os marxistas) sonharam. Mas era o real: na

94
Trotski, ibídem, pág. 65.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|89 |

época do imperialismo, o desenvolvimento de premissas


mais favoráveis ao socialismo não depende mais principal-
mente do desenvolvimento econômico da burguesia, mas,
sobretudo, do desenvolvimento da luta política revolucioná-
ria do proletariado em aliança com todos os oprimidos pelo
imperialismo e pela reação.
No início de 1918, a economia russa estava devas-
tada, os restos do exército estavam exaustos e a maioria dos
sovietes de trabalhadores e camponeses queriam a paz.
Nessas condições, lançar-se na guerra revolucionária signi-
ficaria a derrota imediata, não só da revolução europeia,
mas do próprio poder soviético. Os poucos meses de paz al-
cançados permitiram que a produção fosse retomada e o
Exército Vermelho se levantasse. Graças a isso, foi possível
suportar e vencer a guerra de agressão que os exércitos
branco e estrangeiro desencadearam a partir do verão se-
guinte e que durou quase quatro anos, causando mais per-
das à Rússia do que a Primeira Guerra Mundial.
Apesar de participar como delegado do governo sovi-
ético nas negociações de paz de Brest-Litovsk com a Alema-
nha, Trotsky seguiu seus próprios critérios, considerando
que a renúncia à paz com a Alemanha permitiria “uma in-
fluência revolucionária sobre o proletariado alemão”95 . Por
esse motivo, ele voltou dessas negociações em violação de
seu mandato, isto é, sem assinar a paz e colocar a conquista
de territórios adicionais do antigo império russo em uma
bandeja para o exército do Kaiser.

95
Trotski, ibídem, pág. 68.
|90 | História Crítica do Trotskysmo|

Finalmente, a paz poderia ser assinada, mas em con-


dições ainda mais desvantajosas para o poder soviético, que
perdeu um tempo precioso. Autores filo-trotskistas dizem
que Trotsky não discordava de Lenin neste assunto, sim-
plesmente porque ele tinha um discurso ambíguo, muito
menos claro do que o dos "comunistas de esquerda". No en-
tanto, ele não apenas esclareceu no VII Congresso do PC
russo (b) que sua objeção a um apelo à guerra revolucioná-
ria se devia ao fato de Lenin não querer apoiá-lo96, mas a
ligação lógica entre sua posição aventureira é inegável e sua
teoria da "revolução permanente".
O Sétimo Congresso do Partido, realizado em março
de 1918, desaprovou a conduta de Trotsky nas negociações
Brest-Litovsk e Trotsky, em vez de reconhecer seu erro,
abandonou todas as posições políticas que ocupava. O Tra-
tado foi ratificado entre 14 e 16 de março pelo IV Congresso
Extraordinário dos Sovietes, composto por 814 bolchevi-
ques, 238 SRs de esquerda, 15 SRs de direita, 14 anarquis-
tas, 16 mencheviques internacionalistas, 3 mencheviques
ucranianos e 18 sem filiação. Pela posição leninista, 784 de-
legados votaram contra 261, e 115 delegados se abstiveram,
entre eles 55 partidários de Bukharin e Trotsky, pulando
assim a disciplina do Partido.
Em oposição à linha de Trotsky e Bukharin, Lenin
sustentou: "Não há e não pode haver hoje um golpe maior
para a causa do socialismo do que o colapso do poder sovié-
tico na Rússia"97. E “o supremo tanto para nós, como do

96
Trotski, ibídem, págs. 65, 66, 72 y 129.
97
Obras Completas, t. 35, pág. 392.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|91 |

ponto de vista socialista internacional, é preservar esta re-


pública, que já iniciou a revolução socialista”98. Quanto a aju-
dar outras revoluções, afirmou que não podemos derrubar os
governos imperialistas "por meio de uma guerra externa".
Mas o que podemos fazer é avançar sua decomposição in-
terna. Com a revolução proletária soviética, nós a alcança-
mos em proporções enormes”99. Além disso, Lenin estava
confiante de que a luta revolucionária do proletariado inter-
nacional acabaria por derrubar o Tratado de anexação de
Brest-Litovsk. E assim foi, mas graças ao fato de que nossa
classe preservou sua fortaleza na Rússia, em vez de estragá-
la com pretensões aventureiras e "esquerdistas".
Durante a guerra que os contrarrevolucionários im-
puseram à Rússia Soviética e que coincidiu com o surgi-
mento do movimento revolucionário na Alemanha, Hungria
e outros países europeus, Trotsky estava encarregado do
Exército Vermelho e de outras responsabilidades que lhe
foram confiadas. A defesa militar de um determinado terri-
tório revolucionário em um contexto internacional de fluxo
revolucionário não contradiz seu esquema de "revolução
permanente". Suas posições voltaram a se chocar com o le-
ninismo quando o Poder Soviético se impôs à contrarrevo-
lução armada e uma nova etapa relativamente pacífica co-
meçou para o país soviético.

98
Obras Completas, pág. 254.
99
Obras Completas, t. 37, pág. 109.
|92 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|93 |

8
A transição da guerra civil para a
construção pacífica
|94 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|95 |

Do verão de 1918 ao final de 1920, o governo bolche-


vique teve que enfrentar a agressão dos exércitos brancos e
a intervenção armada de 14 países capitalistas por meios
principalmente militares. Para se sustentar, não houve es-
colha senão contar com a classe trabalhadora e o campesi-
nato pobre, tentando neutralizar o campesinato médio e
usando a coerção ou o terror na legítima defesa contra as
classes possuidoras do inimigo.
Durante a guerra civil, o campesinato médio desco-
briu que os contrarrevolucionários estavam restaurando a
opressão dos ricos proprietários de terras e camponeses (ku-
laks), o que os fez se voltar politicamente para o poder sovi-
ético. A partir desse momento, os bolcheviques passaram de
uma política de neutralização do campesinato médio para
uma de aliança com ele. Enquanto a guerra prosseguisse,
ele consentiria nas requisições dos excedentes agrários pelo
governo revolucionário em troca de lhe ter dado a terra e de
o defender do perigo da restauração do latifúndio e da ex-
ploração burguesa.
No entanto, com o fim da guerra, os camponeses mé-
dios já não os viam justificados e irrompiam revoltas em di-
ferentes partes do país, nas quais os contrarrevolucionários
derrotados agora depositavam as suas esperanças e encon-
travam o apoio do elemento pequeno-burguês (Menchevi-
ques , SR, anarquistas, etc.). O mais famoso foi o da base
naval de Kronstadt. No início, não houve escolha a não ser
esmagar esses levantes pela força, mas isso não foi sufici-
ente: a relação econômica fundamental entre a cidade e o
campo teve que ser mudada. Por um lado, era preciso pas-
sar do sistema de cotas (requisições) ao imposto em espécie
|96 | História Crítica do Trotskysmo|

que deixaria parte dos excedentes agrícolas nas mãos dos


camponeses. Por outro lado, foi necessário recuperar a in-
dústria devastada por sete anos de guerra para que a classe
trabalhadora tivesse produtos com os quais trocar os ali-
mentos e as matérias-primas de que necessitava dos cam-
poneses.
Depois de salvar o poder político soviético, foi neces-
sário salvar sua base econômica, para que o socialismo pu-
desse se construir e desenvolver todas as suas possibilida-
des. A primeira dificuldade foi a erosão sofrida pela classe
operária e a composição proletária de seu partido de van-
guarda, cujos números se multiplicaram por vinte e cinco
desde outubro de 1917, sendo quase 6% deles procedentes
de outros partidos100 . Os trabalhadores mais conscienciosos
estavam no Exército Vermelho ou haviam caído em com-
bate. A proporção de trabalhadores atrasados e semiprole-
tários havia crescido, tanto nas poucas fábricas ainda de pé
quanto no Partido Bolchevique. E, nele, muitos queriam
perpetuar os métodos militares de liderança, os métodos do
"comunismo de guerra".
Lenin e a maioria dos dirigentes bolcheviques come-
çaram a entender a nova situação e os caminhos para seguir
avançando. Diante deles, Trotsky e seus seguidores propu-
nham medidas que iam na direção oposta e exigiam que fos-
sem debatidas por todo o partido, até que a disciplina fosse
novamente ignorada com os acordos majoritários. Quando o
problema mais sério residia nas relações entre o proletariado

100
Censo de los militantes del PC de Rusia de 1922, fasc. 4, págs.
31 y 32, Moscú. Citado en La lucha del partido bolchevique contra
el trotskismo, t. 2, pág. 56.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|97 |

e a maioria camponesa, os trotskistas exigiam "concentrar a


atenção do partido nos sindicatos" e "fazer disso a tarefa cen-
tral do partido como um todo"101: eles alegaram "sacudir",
militarizar, estatificar os sindicatos para remediar a ba-
gunça econômica com métodos de quartel.
O CC do Partido respondeu qualificando-o de “crime
de esquecimento, através da discussão em torno dos sindi-
catos, toda uma série de questões de caráter muito agudo,
questões de cuja solução depende todo o curso posterior da
revolução. Uma dessas questões é a relação entre a cidade
e o campo”102. Ele condenou a tentativa dos trotskistas de
dividir os sindicatos.
Se na discussão sobre a paz de Brest-Litovsk foi
Trotsky quem agiu como centrista e Bukharin como adver-
sário de Lenin, desta vez ambos inverteram os papéis.
Bukharin criou o grupo denominado "top" para, segundo
ele, conciliar pontos de vista opostos. No debate, a coinci-
dência entre os dois foi tal que Trotsky escreveu: “Quanto
ao grupo 'top', não tínhamos diferença de princípio com ele,
o que indiquei desde o início. Houve algumas nuances, que
foram apagadas no decorrer da campanha”103.
O Comitê Central autorizou que a discussão se tor-
nasse pública em 24 de dezembro de 1920 e, no dia seguinte,
Trotsky publicou sua posição em um panfleto intitulado O
papel e as tarefas dos sindicatos. Ele próprio o apresentou
como fruto de um esforço coletivo, que confirmou sua ativi-
dade de facção infringindo a disciplina partidária que ele

101
Pravda, 15 de enero de 1921. Citado en ídem, pág. 57.
102
Pravda, 2 de febrero de 1921.
103
Pravda, 1 de febrero de 1921.
|98 | História Crítica do Trotskysmo|

havia demonstrado anteriormente ao lançar o debate publi-


camente na V Conferência Sindical Pan-Russa em novem-
bro e ao se recusar a participar da comissão sindical acor-
dada pelo CC para estudar o assunto. Assim, Lenin comen-
tou sobre o comportamento de Trotsky:
“Basta pensar: depois que o Comitê Central dedicou
duas reuniões plenárias (9 de novembro e 7 de dezembro),
a uma discussão extraordinariamente longa, detalhada e
apaixonada, do primeiro esboço de tese do camarada
Trotsky e de toda a política sindical que ele promove para o
Partido, um membro do Comitê Central — Trotsky — está
sozinho contra dezenove membros do partido, forma um
grupo em torno dele fora do Comitê Central, e apresenta
seu "trabalho" "coletivo" como uma "plataforma", e convida
o Congresso do Partido a "escolher entre duas tendências"!!
(…)
Pode ser negado que mesmo que Trotsky tivesse
apontado "as novas tarefas e os novos métodos" tão correta-
mente como de fato os apontou erroneamente (que discuti-
remos mais adiante), que mesmo com tal abordagem da
questão Trotsky teria prejudicado a si mesmo e ao Partido,
ao movimento sindical, à educação dos milhões de membros
do sindicato e à República?"104
No panfleto O Papel e as Tarefas dos Sindicatos,
Trotsky propôs "concentrar toda a gestão da produção nas
mãos dos sindicatos... para transformar os sindicatos em
aparelhos do estado operário e gradualmente ingressar no

104
Lenin, Nuevamente sobre los sindicatos, la situación actual y
los errores de Trotski y Bujarin.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|99 |

sindicato e organizações econômicas"105. Isso teria signifi-


cado a destruição dos sindicatos como organizações sociais
que expressam a vontade das massas assalariadas, teria os
transformado em apêndice burocrático do aparelho estatal
e teria encerrado a principal correia de transmissão entre a
vanguarda e as massas da classe trabalhadora. A grande
maioria deles ainda carecia da cultura e da experiência ne-
cessárias para poder administrar diretamente a economia.
Demorou vários anos para educar a população como um
todo e elevar seu nível cultural, técnico e político. "Os tra-
balhadores — explicou Lênin no Segundo Congresso dos
Sindicatos de Todas as Rússias — constroem a nova socie-
dade sem se terem transformado em novos homens, limpos
da lama do velho mundo, mas ainda mergulhados nessa
lama até os joelhos"106 .
Além disso, Trotsky erroneamente considerou os sin-
dicatos como um pseudônimo do proletariado, sem perceber
que eles agrupavam não apenas trabalhadores industriais,
mas também escriturários, pessoal administrativo e téc-
nico, bem como artesãos e elementos semicamponeses. Le-
vando em conta também que os militantes bolcheviques nos
sindicatos representavam um dezesseis avos de seus filia-
dos, entregar a gestão da economia aos sindicatos acarre-
tava o perigo de subordiná-la ao elemento pequeno-bur-
guês. "Aqui", disse Lenin no X Congresso do Partido, "desde
a guerra, as pessoas que não eram proletárias foram às

105
VI Recopilación Leninista, pág. 326. Citado en La lucha del
partido bolchevique contra el trotskismo, t. 2, pág. 63.
106
Obras completas, ed. en ruso, t. 37, pág. 449.
|100 | História Crítica do Trotskysmo|

fábricas, mas foram a elas para escapar da guerra. Será que


agora temos essas condições sociais e econômicas?”
Para garantir a ditadura do proletariado contra o ele-
mento pequeno-burguês, os sindicatos deviam participar na
gestão da produção em conjunto com os órgãos do Estado:
os sindicatos deviam tornar-se uma escola do comunismo.
Trotsky partiu da abstração de que, sob a ditadura do pro-
letariado, os interesses econômicos das massas trabalhado-
ras se fundiam com os do Estado. Segundo Lenin "um dos
erros fundamentais de Trotsky" é caracterizar o Estado so-
viético como um Estado operário a partir da "pura abstra-
ção", evitando "a peculiaridade de que o país não é domi-
nado pelos trabalhadores, mas sim pela população campo-
nesa"107 .
Durante a guerra, o estado soviético teve que recru-
tar funcionários do antigo regime que lhe deram um viés
burocrático ao qual as demandas materiais e espirituais dos
trabalhadores deveriam se opor. Além disso, o Estado sovi-
ético não era apenas trabalhador108, era também camponês:
estava estruturado em sovietes de deputados que, em sua
maioria, não eram operários, mas camponeses. Foi, de
acordo com Lenin, "uma forma especial de aliança de classe
entre o proletariado, a vanguarda dos trabalhadores e as

107
Obras completas, t. 42, págs. 207 y 239, en ruso
108
"Trotsky fala de um 'estado operário'... Deixem-me dizer que
isto é pura abstração... Este é um dos erros fundamentais de
Trotsky. O Estado soviético é um Estado operário, "em primeiro
lugar, com a peculiaridade de o país ser dominado não pelos tra-
balhadores, mas pela população camponesa, e, em segundo lugar,
é um Estado operário com deformações burocráticas". (Lenine,
Collected Works, Russian ed., vol. 42, pp. 207-239).
Em Defesa do Marxismo-leninismo|101 |

numerosas classes trabalhadoras não proletárias (pequena


burguesia, pequenos empregadores, camponeses, intelectu-
ais, etc.) ou a maioria delas, aliança dirigida contra o capi-
tal... uma aliança cujo objetivo é o estabelecimento e conso-
lidação definitiva do socialismo ”109.
Esse esquecimento em Trotsky era uma constante e
algo mais do que esquecimento, pois era uma consequência
da concepção hostil para com as massas camponesas que
continha sua teoria da "revolução permanente". Sua de-
manda pela estatificação e militarização dos sindicatos lo-
gicamente se encaixa com seu antagonismo para com as
massas do campesinato e sua pretensão de transformar o
poder soviético na Rússia em um mero instrumento para
exportar militarmente a revolução para o resto da Europa,
como se segue das duas citações expressas:
Pergunto — disse Trotsky no IX Congresso do PC (b)
da Rússia — quem será a partir de agora, em relação aos
camponeses, este elemento de militarização... Os trabalha-
dores avançados... Através dos sindicatos, eles podem mili-
tarizar grandes massas camponesas ... “ 110. E, opondo-se
metafisicamente às tarefas do proletariado no poder, ele ar-
gumentou que “... em sua base a ditadura do proletariado
não é a organização produtivo-cultural da nova sociedade,
mas a ordem revolucionária combativa para lutar por
ela”111.

109
Obras completas, ed. en ruso, t. 38, págs. 377
110
IX Congreso del PC(b)R. Actas, pág. 94, Moscú, 1960.
111
Trotski, Cultura proletaria y arte proletario, Pravda, 14-9-
1923. http://www.ceip.org.ar/Capitulo-VI-La-cultura-proletaria-
y-el-arte-proletario
|102 | História Crítica do Trotskysmo|

A luta fracionada dos trotskistas estimulou outros


grupos de oposição que apresentaram suas plataformas
contrárias à linha leninista e compartilhando muitos dos
erros fundamentais de Trotsky. Os membros do partido ele-
geram delegados ao X Congresso com base nas plataformas
apresentadas. A plataforma assinada por dez líderes bol-
cheviques — Lenin, Stalin e outros — ganhou 10 vezes mais
delegados do que os dos oposicionistas. Diante dela, du-
rante as sessões do Congresso, apenas duas permaneceram:
a plataforma unida de Trotsky e Bukharin e a plataforma
da "oposição operária". Finalmente, a "plataforma dos dez"
foi apoiada por 336 votos, a trotskista-bukharinista por 50
e a da "oposição operária" por 18112. O Congresso aprovou
resoluções que fortaleceram sua unidade, como "Sobre o pa-
pel e as tarefas dos sindicatos", "Sobre a unidade do par-
tido" e "Sobre o desvio sindical e anarquista em nosso par-
tido".
O X Congresso do PC (b) da Rússia também abordou
a situação econômica. Contrariando a análise específica do
Comitê Central, Trotsky declarou ali mesmo que “A situação
da guerra nada tem a ver com o imposto em espécie ... E se
há um ano tivéssemos abordado esse problema correta-
mente, nossas relações com os camponeses seriam melhores

Sobre os sindicatos, o momento presente e os erros do ca-


112

marada Trotsky, A crise do partido e a insistência nos sin-


dicatos, o momento presente e os erros dos camaradas
Trotsky e Bukharin .
Em Defesa do Marxismo-leninismo|103 |

“113. Fingir que a guerra não era a causa da relação econô-


mica coercitiva com o campesinato era juntar-se à demago-
gia dos partidos da oposição que atribuíam todos os proble-
mas à arbitrariedade dos bolcheviques. Além disso, era es-
tranho esse interesse em melhorar as relações com os cam-
poneses por parte daqueles que previam confrontos hostis114
entre o poder operário e o campesinato em geral.
Os trotskistas também questionaram o plano
GOELRO para a eletrificação e promoção da indús-
tria, elaborado pela direção do partido com a parti-
cipação de cientistas e técnicos renomados. Este
plano de dez anos foi o primeiro grande plano econô-
mico apresentado por uma revolução proletária na
história. Seu objetivo foi assim expresso por Lênin:
"A grande indústria de máquinas e seu transplante
para a agricultura é a única base econômica do

113
X Congreso del PC(b) de Rusia. Actas taquigráficas, pág. 350;
citado en La lucha del partido bolchevique contra el trotskismo,
t. 2, pág. 70.
114
"Para assegurar a sua vitória, a vanguarda proletária deve-
ria, desde os primeiros dias do seu domínio, fazer as incursões
mais profundas, não só sobre a propriedade feudal, mas também
sobre a burguesia. Ao fazê-lo, entraria em colisão hostil, não só
com todos os governos da burguesia que a tinham apoiado no iní-
cio da sua luta revolucionária, mas também com as grandes mas-
sas camponesas com as quais teria avançado com a sua colabora-
ção na tomada do poder. As contradições na situação do governo
dos trabalhadores de um país atrasado, onde a esmagadora mai-
oria da população é composta por camponeses, só podem encon-
trar uma solução no plano internacional, na arena da revolução
mundial do proletariado". (Trotsky, 1922 Prefácio ao Equilíbrio
e Perspectivas).
|104 | História Crítica do Trotskysmo|

socialismo, a única base para lutar com sucesso para


libertar a humanidade do jugo do capital ..."115 Em-
bora Trotsky argumentasse levianamente que tal
plano, 'se o trabalho fosse realizado com tensão he-
roica, poderia ser concluído em oito meses', seu se-
guidor Shatunovski questionou-o com ceticismo: '...
calculado para dez anos, seu cumprimento pode exi-
gir mais de quarenta, quando não poderemos resistir
nem a cinco se a nossa produção não se tornar revo-
lucionária ”116.
A substituição do sistema de cotas pelo imposto em
espécie em relação aos camponeses foi o primeiro passo do
"comunismo de guerra" para a Nova Política Econômica
(NEP). A ideia era estimular os proprietários privados, os
camponeses, a aumentar a produção e as forças produtivas.
O desenvolvimento de elementos capitalistas que isso acar-
retaria foi contrabalançado pelo fato de que o proletariado
reteve o poder político e posições-chave na economia. Foi
uma etapa importante e necessária para possibilitar a con-
tinuação da construção do socialismo.
Trotsky, por sua vez, falou apenas em favor de "um
certo relaxamento das pressões sobre os kulak", além de
ampliar a conveniência da militarização do trabalho para
além das condições da guerra civil. No 10º Congresso do
Partido, o trotskista L. Sosnovski considerou a etapa da
NEP como "uma fase de capitulação à pequena burguesia"

115
Obras Completas, ed. en ruso, t. 44, pág. 135.
116
XX Recopilación Leninista, pág. 208; citado en La lucha del
partido bolchevique contra el trotskismo, t. 2, pág. 72.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|105 |

que, na lógica do trotskismo, dependia "de como a revolução


se desenvolvia na Europa"117 .
Pelo contrário, Lenin via na atividade do Poder Sovi-
ético um elemento dinamizador chave para o movimento
proletário internacional: “Agora, como mais influenciamos
a revolução mundial é com a nossa política econômica...
Neste campo, a luta já está a ser realizado em escala mun-
dial. Se cumprirmos essa tarefa, venceremos em escala in-
ternacional com certeza e definitivamente. Por isso, as
questões da construção econômica adquirem para nós uma
importância excepcional”118.

117
X Congreso del PC(b) de Rusia. Actas taquigráficas, pág. 78-
79; citado en La lucha del partido bolchevique contra el trots-
kismo, t. 2, pág. 76.
118
Lenin, Discurso ante la X Conferencia del PC(—b) de Rusia
|106 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|107 |

9
Os primeiros sucessos da NEP e o
refluxo da revolução na Europa
|108 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|109 |

Em 1923, a aplicação da Nova Política Econômica co-


meçou a dar resultados positivos, recuperando parcial-
mente as taxas de crescimento da produção anteriores às
duas guerras que, consecutivamente, a Rússia havia sofrido
por sete anos. Já não estava sozinha e, em 1922, havia for-
mado a URSS, juntamente com novas repúblicas socialistas
libertadas do império czarista. No plano internacional, as
condições tornaram-se menos favoráveis após a derrota das
ações revolucionárias dos trabalhadores na Alemanha, Bul-
gária, Polônia e Itália. Tudo isso instou os imperialistas a
aumentarem a pressão contra a União Soviética, tentando
novamente isolá-la.
No interior do país, muitos problemas antigos ainda
não foram resolvidos e outros novos surgiram. Havia cerca
de um milhão de desempregados, a produtividade do traba-
lho crescia muito lentamente, os salários eram baixos e o
valor da moeda, o rublo, estava se deteriorando. O centro
nevrálgico desta crise estava na relação entre a indústria
socialista e a fazenda camponesa. A maior parte do comér-
cio estava em mãos privadas e os comerciantes aproveita-
ram-se da escassez de produtos industriais para aumentar
seus preços. Essa carência foi agravada pela diretriz que o
trotskista Piatakov, como vice-presidente do Conselho Su-
premo de Economia Nacional, expediu em julho de 1923 às
empresas estatais para que obtivessem um lucro maior com
a venda de seus artigos.
Essas dificuldades, junto com a grave doença de Le-
nin que o afastou da atividade política, foram vistas pelos
trotskistas como uma oportunidade de tentar tomar as ré-
deas do Partido, após sua derrota clamorosa em 1921. Foi o
|110 | História Crítica do Trotskysmo|

próprio Trotsky quem iniciou esta ofensiva. primeiro, aban-


donando a reunião plenária do CC de setembro de 1923 em
protesto contra a decisão deste de expandir o Conselho Mi-
litar Revolucionário; então, com sua declaração de 8 de ou-
tubro daquele ano ao Comitê Central do PC (b) da Rússia119.
Nele, ele especulava sobre fenômenos negativos mais ou
menos comprovados, atribuindo-os à burocratização do apa-
rato partidário, que teria atrasado ainda mais a democracia
operária do que nos períodos mais duros do comunismo de
guerra. Secretamente, exigia a liberdade das facções (que o
X Congresso havia suprimido), sob o pretexto da grave crise
de liderança, e a renovação do aparelho. Ele também ques-
tionou a política econômica do Partido como caótica. Sete
dias depois, em 15 de outubro, um grupo de seus apoiado-
res, autoridades relevantes e membros de antigos partidos
de oposição, assinaram a "declaração dos 46"120dirigida ao
Bureau Político do CC do PC (b) da Rússia com um conteúdo
semelhante à carta de Trotsky. Nele se manifestaram aber-
tamente pela supressão da "ditadura fracionária" imposta
pelo X Congresso do Partido, ou seja, a direção leninista,
que consideravam obsoleta desde o X Congresso do Partido.
Isso equivalia a propor a liberdade de frações que já havia
sido tomada na preparação da referida declaração na pró-
pria casa de Trotsky, que não a assinou justamente para
contornar a resolução do X Congresso.
Essa atividade fracionária contra o partido e o
governo do proletariado foi posteriormente

119
http://www.ceip.org.ar/Primera-carta-al-Comite-Central
120
https://www.marxists.org/fran-
cais/4int/ogi/1923/ogi_19231015.htm
Em Defesa do Marxismo-leninismo|111 |

confessada e explicitada pelo próprio Trotsky,


quando já havia sido expulso da URSS. Por exemplo,
em 1938, ele escreveu o seguinte sobre a vida de seu
filho recentemente falecido, Leon Sedov: “Em 1923,
Leon se dedicou totalmente ao trabalho da Oposição.
(…) Assim, aos 17 anos, iniciou a sua vida plenamente
consciente como revolucionário. Ele logo entendeu a
arte do trabalho conspiratório, assembleias ilegais e
a publicação e distribuição secreta de documentos
da Oposição ”121 .
Apesar deste reconhecimento da sua deslealdade, au-
tores burgueses e trotskistas sustentam que estas iniciati-
vas e críticas foram construtivas na intenção. Segundo eles,
o seu objetivo era apenas melhorar o exercício da liderança
proletária sobre a sociedade soviética, como se o seu obje-
tivo não fosse substituir o curso leninista pela teoria da "re-
volução permanente". Esta é a evidência que se impõe
quando examinamos a visão estratégica defendida simulta-
neamente pelos oposicionistas. Então há de se concluir ne-
cessariamente que tinham posto em marcha uma tática de-
magógica para enfraquecer a autoridade do bolchevismo en-
tre os povos menos firmes e para substituir a direção leni-
nista de construção do socialismo por uma direção trots-
kista "permanente" de sacrifício do poder soviético ao seu
esquema de "revolução internacional".
Já mencionamos o significado que Trotsky havia
dado à ditadura do proletariado três semanas antes de sua

121
León Sedov: hijo, amigo, luchador, https://www.mar-
xists.org/espanol/trotsky/1930s/1938_sedov.htm
|112 | História Crítica do Trotskysmo|

carta ao CC122. Em 1919, ele republicou e ratificou seu ar-


tigo Results and Prospects, escrito em 1906 para justificar
sua teoria da "revolução permanente". Nesta obra dele, po-
demos ler:
“Até que ponto a política socialista da classe traba-
lhadora pode ser aplicada nas condições econômicas da Rús-
sia? Há uma coisa que podemos dizer com certeza: ele en-
frentará obstáculos políticos muito antes de esbarrar no
atraso técnico do país. Sem o apoio estatal direto do prole-
tariado europeu, a classe trabalhadora russa não será capaz
de manter o poder e transformar seu governo temporário
em uma ditadura socialista duradoura. A respeito disso, ne-
nhuma dúvida é permitida. (…) Deixada por conta própria,
a classe trabalhadora russa será inevitavelmente esma-
gada pela contrarrevolução a partir do momento em que o
campesinato se afastar dela. Ele não terá escolha a não ser
vincular o destino de seu poder político e, consequente-
mente, o destino de toda a revolução russa ao da revolução
socialista na Europa. (...) O proletariado russo (deve) levar,
por sua própria iniciativa, a revolução para o território eu-
ropeu. (…) A revolução russa lançará um assalto à velha
Europa capitalista ”123.
Em 1918, ele escreveu uma nota biográfica que deci-
diu publicar em 1922, logo após sua derrota no X Congresso,
onde afirmava manter seus pontos de vista de 1905: “Em
relação aos problemas da revolução russa, tomei posição
que continuo a acreditar que é correta, isto é, reconhecer

122
Ver nota 110.
123
https://www.marxists.org/espanol/trotsky/ryp/index.htm
Em Defesa do Marxismo-leninismo|113 |

que a correlação de forças das classes na sociedade russa


deveria, nas condições de uma época revolucionária, condu-
zir ao regime político do proletariado. E este regime da
classe operária, que depende das massas camponesas tra-
balhadoras, não pode, de forma alguma, limitar-se ao qua-
dro da revolução burguesa, mas deve necessariamente des-
truir esse quadro e, dependendo do desenvolvimento dos
acontecimentos no Ocidente, esta situação pode evoluir
para uma revolução socialista acabada"124.
Também em 1922, Trotsky relançou Resultados e
Perspectivas com um prefácio no qual insistia em sua posição
central oposta à de Lenin: “É precisamente no intervalo de 9
de janeiro até a greve de outubro de 1905 que o autor formu-
lou suas opiniões sobre o caráter do desenvolvimento revolu-
cionário da Rússia, que foram designada sob o nome de teo-
ria da "revolução permanente". (…) Para garantir a sua vi-
tória, a vanguarda proletária deve, desde os primeiros dias
da sua dominação, fazer as mais profundas incursões, não só
sobre a propriedade feudal, mas também sobre a proprie-
dade burguesa. Ao fazê-lo, entraria em choque hostil, não só
com todos os governos burgueses que o apoiaram no início da
sua luta revolucionária, mas também com as grandes mas-
sas do campesinato com as quais, com a sua ajuda, teria
avançado na apreensão da realidade.125
No mesmo ano, relançou a sua obra O Programa de Paz
, com um epílogo no qual afirma que: “O verdadeiro impulso

124
Trotski, Nota autobiográfica. https://www.marxists.org/fran-
cais/trotsky/oeuvres/1918/00/lt19180000.htm
125
http://www.ceipleontrotsky.org/Prefacio-a-la-edicion-rusa-de-
1905.
|114 | História Crítica do Trotskysmo|

da economia socialista na Rússia só será possível após a vitó-


ria do proletariado nos principais países da Europa”126.
De 1917 em diante, Lenin insistiu na correção da es-
tratégia revolucionária do bolchevismo para países semi-
feudais como a velha Rússia czarista, concebida como uma
revolução de duas fases127 , e defendeu um internaciona-
lismo consequentemente materialista (em oposição ao sub-
jetivismo aventureiro trotskista ), que foi assim exposto em
suas teses de abril: “Só existe um internacionalismo eficaz,
que consiste em entregar-se integralmente ao desenvolvi-
mento do movimento revolucionário e à luta revolucionária
no próprio país, em apoiar (através da propaganda, com
ajuda moral e material) esta luta, esta linha de conduta, e
só isso em todos os países, sem exceção ”. Por esta razão, no
final de sua vida, ele lembrou à alta direção do Partido o
"não-bolchevismo" de Trotsky128.
Diante do derrotismo de Trotsky, Lenin expressou
em seus últimos artigos uma confiança retumbante na ca-
pacidade da Rússia Soviética de construir o socialismo:
“Permitam-me terminar expressando minha garan-
tia de que, por mais difícil que seja essa tarefa, por mais
nova que seja, em comparação com o que tínhamos antes, e
por mais difícil que isso possa nos causar, vamos cumpri-la

126
https://www.marxists.org/his-
tory/etol/newspape/fi/vol05/no09/trotsky.htm
127
La revolución proletaria y el renegado Kautsky, 1918, al inicio
del capítulo «Servilismo ante la burguesía con el pretexto de ‘aná-
lisis económico'». http://www.marx2mao.com/M2M(SP)/Le-
nin(SP)/RK18s.html#s8.
128
Carta al Congreso, 24 de diciembre del 22. https://www.mar-
xists.org/espanol/lenin/obras/1920s/testamento.htm
Em Defesa do Marxismo-leninismo|115 |

em todos os custos juntos, e não amanhã, mas ao longo de


vários anos, para que, da Nep Russa, venha a Rússia socia-
lista”129.
“O poder do Estado sobre todos os principais meios
de produção, o poder do Estado nas mãos da classe traba-
lhadora, a aliança do proletariado com os milhões e milhões
de pequenos e minúsculos camponeses, a direção do campe-
sinato assegurada por a classe operária, isso não é tudo o
que é necessário para construir, com base na cooperação,
uma sociedade socialista integral? "130
Em 1923, com Lênin já politicamente incapacitado,
Trotsky partiu para a ofensiva para submeter o partido à
teoria da "revolução permanente", assegurando que a ju-
ventude soviética "se ossificasse no clima dos 'pequenos ne-
gócios' soviéticos e perdesse a perspectiva Revolucionária”.
Se não aprende com o exército que, segundo ele,“ é o elo
mais visível que nos une às tarefas ainda não resolvidas em
escala universal”131 . Simultaneamente, Antónov-
Ovséenko, Radek e outros de seus apoiadores destacaram-
se na imprensa.
O Plenário do CC de outubro de 1923, estendido aos
delegados das principais organizações territoriais do Par-
tido e aos representantes da "declaração dos 46", rejeitou a

129
Discurso pronunciado en el pleno del Soviet de Moscú, el 20 de
noviembre de 1922. https://www.marxists.org/espanol/le-
nin/obras/1922/noviembre/20.htm
130
Sobre la cooperación. https://www.marxists.org/espanol/le-
nin/obras/oe3/lenin-obras-3-3.pdf, pág. 414.
131
Trotski, Ideas acerca del partido; citado en La lucha del par-
tido bolchevique contra el trotskismo, t. 2, pág. 120.
|116 | História Crítica do Trotskysmo|

ação dos trotskistas por 102 votos, ante 2 votos contra e 10


abstenções. Por não terem cumprido os acordos deste ple-
nário nem participado nas comissões destinadas a procurar
soluções para os problemas levantados, o CC acordou em
novembro abrir um amplo debate na imprensa. Ele encar-
regou Zinoviev de apresentar um artigo com a posição da
maioria da liderança, mas ele escreveu As Novas Tarefas do
Partido com uma abordagem tendenciosa que beneficiou os
trotskistas. No entanto, o debate terminou com uma reso-
lução aprovada por unanimidade, desmontando os argu-
mentos dos trotskistas e abordando especificamente os pro-
blemas do partido.
Assim que esta resolução foi publicada no Pravda,
Trotsky começou a divulgar nas organizações partidárias
de Moscou outro polêmico documento intitulado Um Novo
Curso (Carta às Conferências do Partido). Já divulgado, o
CC decidiu publicá-lo em seu órgão central a partir de 11
de dezembro. Ele falou da degeneração da direção do par-
tido, comparando-a com os líderes oportunistas da II Inter-
nacional, e comparou-a com os jovens, encorajando-os a as-
sumir as fórmulas revolucionárias "no combate". E ele de-
fendeu sua teoria da "revolução permanente" mais aberta-
mente, embora não tão explicitamente como seu porta-voz
em Moscou, Andreichik, que afirmou na reunião de 11 de
dezembro de 1923: "Nós, o partido operário revolucionário
... sabemos muito bem que o comunismo, e mesmo o socia-
lismo, é impossível num só país ... Sabemos que
Em Defesa do Marxismo-leninismo|117 |

trabalhamos pela revolução internacional, sem a qual nos


tornaremos um país democrático-burguês ”132.
Os trotskistas estavam conscientes de que não se-
riam capazes de implantar a teoria da "revolução perma-
nente" na liderança do partido sem substituir os membros
do partido. Para o conseguir, Trotsky, que dois anos antes
era um defensor da militarização, da ordem e do comando,
da burocracia133, apresentar-se-ia, a partir de agora, como
o campeão da democracia operária, voltando às velhas crí-
ticas demagógicas dos Mencheviques contra os bolchevi-
ques, em torno da questão do burocratismo.
Contra este flagelo, o leninismo colocou a questão de uma
forma materialista: para superar o burocratismo, todos os tra-
balhadores tinham de ser incorporados na liderança efetiva do
Estado. Lênin explicou concretamente de onde vinha este fenô-
meno na Rússia naquela altura e como pôr-lhe termo: "Os buro-
cratas czaristas começaram a entrar nos escritórios dos órgãos
soviéticos, nos quais introduzem os seus hábitos burocráticos,
disfarçam-se de comunistas e, para assegurar um maior sucesso
na sua carreira, adquirem cartões do PC da Rússia. É aqui que
a escassez de elementos instruídos é mais notória. Poderíamos
ver-nos livres destes burocratas, mas não é possível reeducá-los
de um golpe. O que aqui enfrentamos são acima de tudo proble-
mas de organização, problemas de natureza cultural e

132
Pravda, 15 de diciembre de 1923.
133
En uno de sus últimos escritos, Lenin describía a Trotski como
«demasiado ensoberbecido y demasiado atraído por el aspecto pu-
ramente administrativo de los asuntos»: https://www.mar-
xists.org/espanol/lenin/obras/1920s/testamento.htm
|118 | História Crítica do Trotskysmo|

educacional"134. Ao mesmo tempo que a classe trabalhadora


obrigou os antigos funcionários públicos a trabalhar pelo socia-
lismo, teve de se educar cultural e tecnicamente, transformar a
base económica pequeno-burguesa do país e progressivamente
incorporar o povo no trabalho do governo: "Só quando toda a po-
pulação participar na administração do país, será possível lutar
até ao fim contra o burocratismo e derrotá-lo"135.
Os trotskistas, por outro lado, eram alheios a qual-
quer análise séria e concreta de reconhecimento da base
material e de classe do burocratismo que se manifestou na
Rússia em 1923. Naquela época, a base privada mercantil
da sociedade ainda não tinha se transformado. o perigo con-
trarrevolucionário não vem principalmente da nova bur-
guesia que está se constituindo nos aparatos políticos de
funcionários corruptos (embora este fenômeno ainda incipi-
ente deva também ser combatido136), mas da velha burgue-
sia fora desses aparelhos que tenta influenciá-los por meio
de ex-funcionários reengajados pelo poder proletário. Neste
preciso momento, o avanço rumo ao comunismo exige refor-
çar e aperfeiçoar esses aparatos que lutam contra os capi-
talistas, pela hegemonia proletária sobre as massas pe-
queno-burguesas e também contra os trotskistas que

134
Obras completas, ed. en ruso, t. 38, pág. 170.
135
Obras completas, ed. en ruso, t. 43, pág. 381.
136
Al atacar al «aparato» en general, los trotskistas obligaron a
los bolcheviques a dedicar demasiadas energías en defenderlo de
críticas injustas, lo cual ayudó a los elementos burocráticos a
aferrarse a sus puestos y a prosperar dentro de él. Y, una vez
derrotados políticamente, los trotskistas utilizaron a muchos de
éstos en su labor conspirativa destinada a destruir al Partido y
al Estado soviéticos.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|119 |

enfraquecem essa luta com seus slogans extemporâneos.


Lenin disse que “Aqueles que a luta contra as deformações
do novo regime faz esquecer o seu conteúdo, faz esquecer
que a classe trabalhadora fundou e dirige um estado de tipo
soviético, aqueles que simplesmente não sabem pensar, lan-
çam suas palavras ao vento. "137 .
Os trotskistas identificaram o burocratismo existente
no aparelho político da classe trabalhadora com estes mes-
mos aparelhos, a fim de confundir o suficiente da patente do
partido para promover uma mudança de liderança favorável
às suas teses. Ou seja, substituir a antiga liderança leninista
por uma liderança trotskista. No seu documento, Trotsky
atacou os velhos e comprovados quadros bolcheviques e exi-
giu que a atividade do partido coincidisse com a "disposição",
não das massas trabalhadoras, mas da juventude estudantil,
a que se referiu como "o barómetro do partido". E isto, apesar
do fato de apenas uma ínfima parte desta última ser de ori-
gem laboral. Outros oposicionistas, como Preobrazhensky e
Sapronov, escreveram sobre a necessidade de derrubar a
proibição das fracções, de colocar a democracia "em primeiro
plano", ignorando o fato de que a enorme base social pe-
queno-burguesa da Rússia arruinaria a liderança proletária
se não fosse sujeita a uma disciplina firme, com um encerra-
mento compacto das fileiras após cada debate e votação. A
"democracia operária" que os trotskistas exigiam como remé-
dio para os desvios burocráticos não era a dos membros do
partido e das massas, mas a dos elementos descontentes com

137
Obras completas, en francés, Paris-Moscou, t. 33, pág. 16. Ci-
tado en Critique de Bettelheim, I La révolution d’Octobre et les
luttes de classes en URSS, Ed. NBE, pág. 201.
|120 | História Crítica do Trotskysmo|

a ditadura do proletariado e a sua liderança pelo Partido Co-


munista; ou seja, a democracia dos elementos contrarrevolu-
cionários, a democracia burguesa.
De acordo com a teoria da revolução "permanente", os
trotskistas rejeitaram as medidas de restauração da econo-
mia nacional aprovadas pela maioria do partido, opondo-se a
elas a "Lei Fundamental de Acumulação Socialista" formu-
lada por Preobrazhensky. Segundo ela, o caminho de um país
camponês e atrasado rumo ao socialismo passou pela “explo-
ração das formas pré-socialistas de economia”, ou seja, das
massas camponesas. A política econômica externa que eles
propunham, sem surpresa, dava preferência às importações,
o que equivalia a capitular aos imperialistas ocidentais.
No partido como um todo, durante a discussão, 98,7%
dos militantes votaram na linha do Comitê Central e na opo-
sição, 1,3%138. Em meados de janeiro de 1924, realizou-se a
XIII Conferência do PC Russo (b), que aprovou por unanimi-
dade as resoluções sobre o partido, a política econômica e a
situação internacional. A resolução “Sobre o equilíbrio da dis-
cussão e o desvio pequeno-burguês no partido” foi votada fa-
voravelmente por toda a Conferência, exceto por três delega-
dos. Nela se caracterizava o caráter de classe da oposição
trotskista: “Não há dúvida de que esta oposição reflete objeti-
vamente a pressão da pequena burguesia sobre as posições do
partido proletário e sua política”139

138
La lucha del partido bolchevique contra el trotskismo, t. 2, pág.
144.
139
Ibídem, pág. 145.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|121 |

10
A morte de Lenin e a discussão so-
bre seu legado político
|122 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|123 |

A morte do líder do bolchevismo em 21 de janeiro de


1924 provocou um movimento massivo para estudar seu le-
gado político e um maior compromisso das massas traba-
lhadoras com seu Partido. Durante o primeiro semestre do
ano, 300.000 trabalhadores, camponeses e soldados verme-
lhos se inscreveram. Desse número, 203.000 pessoas foram
inscritas como candidatas à adesão, 93,8% delas trabalha-
dores em empresas industriais e de transporte: foi chamada
de "promoção leninista". Assim, o peso específico do prole-
tariado no partido passou de 44% para 60%140.
Ao longo dos primeiros meses do ano, foram realiza-
das as conferências territoriais do partido. O órgão central
do Partido, o Pravda, informou que “aprovaram a linha do
CC com a maior unanimidade, para nós nada inesperado, e
desaprovaram veementemente aqueles que queriam trair
os princípios leninistas da organização partidária e separá-
la dos seus. forma leninista firme”141 .
Os resultados práticos também vieram apoiar as me-
didas adotadas pela direção bolchevique, diante das previ-
sões alarmistas dos partidários de Trotsky. Em meados de
1924, a crise de vendas havia sido superada fundamental-
mente, reduzindo o desequilíbrio entre os preços industriais
e agrícolas. O curso do rublo se estabilizou. O imposto agrí-
cola único permitiu uma luta financeira mais eficaz contra
os camponeses ricos e exploradores (kulaks), fortalecendo

140
El partido en cifras, documentos estadísticos sobre la compo-
sición del partido, pág. 69, Moscú-Leningrado, 1925. Citado
en La lucha del partido bolchevique contra el trotskismo, t. 2,
pág. 148.
141
Pravda, 18 de mayo de 1924.
|124 | História Crítica do Trotskysmo|

as fazendas dos camponeses médios e pobres. O capital pri-


vado também começou a ser deslocado do comércio em favor
do Estado e do comércio cooperativo. Na política externa,
houve uma “onda de reconhecimento” da URSS por outros
estados. Dentro do partido, os corpos dirigentes eletivos fo-
ram ampliados, mais membros foram acrescentados às co-
missões permanentes vinculadas aos comitês e a responsa-
bilidade dos líderes perante a militância aumentou.
Durante o XIII Congresso do PC Russo (b), reunido
de 23 a 31 de maio de 1924, Trotsky e Preobrazhensky ten-
taram, sem sucesso, emendar a linha aprovada pela Décima
Terceira Conferência. Zinoviev estava se aproximando dos
trotskistas e já havia oferecido seu apoio para conseguir a
supressão do Bureau Político e a reorganização do Secreta-
riado do CC do partido.
Posteriormente, reuniu-se o V Congresso da Interna-
cional Comunista, de 17 de junho a 8 de julho de 1924, que
dedicou grande atenção à discussão no partido russo, assu-
mindo sua própria resolução sobre a natureza pequeno-bur-
guesa do partido. Medidas para a "bolchevização" dos par-
tidos comunistas, isto é, sua assimilação dos fundamentos
ideológicos, táticos e organizacionais do leninismo, de
acordo com as condições concretas de seus países. Para o
líder do Partido Comunista dos Estados Unidos, William Z.
Foster, na luta entre o leninismo e o trotskismo, “não só foi
posto sobre a mesa o destino da revolução na Rússia, mas
Em Defesa do Marxismo-leninismo|125 |

também de todo o movimento comunista internacional pelo


mundo142.
Oposicionistas como Trotsky, Preobrazhensky e o
próprio Radek se empenhavam em difundir uma versão do
leninismo diferente da dos órgãos do Partido, em que o Par-
tido se dividia em duas etapas separadas uma da outra pela
Guerra Mundial e pela Revolução de Outubro. O primeiro
deles — sem e contra Trotsky — seria secundário e sem re-
lação com os sucessos do segundo, ao contrário do que Lenin
havia argumentado em sua obra de 1920, The Infantile Di-
sease of "Leftism" in Communism143. Para esta suposta se-
gunda fase do leninismo, os trotskistas formularam a teoria
dos dois líderes da revolução proletária: Lenin e Trotsky
(uma teoria que os trotskistas e também os intelectuais bur-
gueses continuam a repetir em uníssono).
Essas tentativas de explicar o legado de Lenin de ma-
neira pobre e inclinada foram efetivamente contrariadas
pela exposição clara e fiel de Stalin dele na Universidade
Sverdlov para promoção leninista, publicado pelo Pravda
em abril e maio de 1924 sob o título "Os Fundamentos do
Leninismo"144.
Mas os argumentos aí apresentados ainda não conse-
guiram convencer Trotsky, que insistia que "com o arado

142
William Z. Foster, Historia de las tres Internacionales, pág.
371, Moscú, 1959.
143
http://www.marx2mao.com/M2M(SP)/Le-
nin(SP)/LWC20s.html#s2, capítulo II: Una de las condiciones
fundamentales del éxito de los bolcheviques.
144
https://www.marxists.org/espanol/stalin/1920s/fundam/in-
dex.htm
|126 | História Crítica do Trotskysmo|

camponês de madeira não se pode construir o comunismo


nem o socialismo" e que, para isso, era necessário um alto
nível de técnica que só poderia ser alcançado "Se tomamos
todo o mundo capitalista"145. O exemplo prático da URSS,
China e outros países socialistas mostra o quão obstinado
era Trotsky com a leitura mecanicista do marxismo que cor-
roía a oportunista social-democracia. Em setembro de 1924,
ele publicou seu texto Os Ensinamentos da Revolução de
Outubro146como introdução ao terceiro volume de suas
obras. Nele, além de reivindicar mais uma vez a teoria da
"revolução permanente", ele narrou de forma fantasiosa os
acontecimentos de 1917 e o papel de seus protagonistas
(particularmente os meandros da direção bolchevique no
período em que ainda não o tinha feito). era membro do Par-
tido). Este artigo provocou a indignação geral dos bolchevi-
ques e as respostas de quadros como N. Krúpskaya — viúva
de Lenin —, A. Búbnov, M. Olminski, F. Dzerzhinski, S. Ki-
rov, M. Frunze, etc. Uma das respostas mais completas e
decisivas foi dada por Stalin em seu discurso Trotskismo ou
Leninismo?147, pronunciado no plenário da fração comu-
nista do Conselho Central dos Sindicatos da URSS, bem
como em seu artigo A Revolução de Outubro e as táticas dos
comunistas russos148.

145
Pravda, 5 de agosto de 1924.
146
http://www.marxistarkiv.se/espanol/clasicos/trotsky/leccio-
nes_de_octubre.pdf
147
http://pcoe.net/Libros%20digitales%20autores/STALIN/Trots-
kismo%20o%20Leninismo.pdf
148
http://www.marx2mao.com/M2M(SP)/Stalin(SP)/OR24s.html
Em Defesa do Marxismo-leninismo|127 |

É significativo que Paul Levi, um renegado do Par-


tido Comunista da Alemanha que passou para o Partido So-
cial-democrata, publicou os Ensinamentos de Trotsky sobre
a Revolução de Outubro em alemão e que a liderança do
SPD os disseminou. O historiador trotskista Isaac Deuts-
cher reconhece que “Desde que o grupo dominante escolheu
Trotsky como alvo, isso atraiu automaticamente a simpatia
interessada de muitos que, até então, o odiavam. Quando
apareceu nas ruas de Moscou (na primavera de 1924), foi
imediatamente aplaudido por multidões onde comunistas
idealistas conviveram com mencheviques, socialistas revo-
lucionários e a nova burguesia do NEP, por todos aqueles
que, de fato, por várias razões, eles queriam uma mudança
”149.
Na Plenária do CC do PC (b) da Rússia em janeiro de
1925, D. Manuilski afirmou que "Trotsky está se tornando
o centro de gravidade de todos os elementos de direita em
escala internacional." Em 26 de janeiro deste ano, o Presi-
dium da CEC dos Soviéticos da URSS o exonerou de suas
funções como Comissário do Povo do Exército e da Marinha
e como Presidente do Conselho Militar Revolucionário da
URSS, nomeando M. Frunze para substituir150 .

149
Deutscher 1973, p. 287.
150
Pravda, 31 de enero de 1925.
|128 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|129 |

11
O debate sobre se era possível
construir o socialismo na URSS
|130 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|131 |

Em seus Ensinamentos da Revolução de Outubro ,


Trotsky apresentou a última como o resultado da vitória da
ala esquerda contra a ala direita do partido bolchevique. É
claro que ele se declarou uma das figuras representativas
da esquerda, ao lado de Lenin, e mencionou Zinoviev e Ka-
menev como membros da direita. Talvez tenha sido essa
acusação que os levou a fazer causa comum com a maioria
da direção do Partido contra as reivindicações de Trotsky
(cuja expulsão das fileiras do PC (b) da Rússia veio a pedir,
embora sem sucesso para a oposição do resto dos líderes).
Zinoviev, então presidente da Internacional Comunista, es-
creveu um artigo 151 intitulado Leninismo que, em parte,
era dirigido contra a revisão trotskista da história da revo-
lução e contra a desconfiança trotskista do campesinato. No
entanto, também argumentou que era impossível construir
o socialismo em um país atrasado como a URSS daqueles
anos.
Consequentemente, os trotskistas e zinovievistas
discordaram nas questões do passado, mas concordaram na
questão principal do futuro. Talvez essas discrepâncias te-
nham bastado para que Trotsky ficasse inicialmente à mar-
gem desse debate, que era o fundamental, mesmo que só
surgisse a partir do ano de 1925. Ou talvez se espantasse
que fosse a direção do Partido que tomou a iniciativa de le-
vantá-lo. Ou talvez recuasse taticamente para não prejudi-
car os zinovievistas, já que a maioria do partido o conside-
rava inimigo do leninismo. É difícil saber e também não

151
Hay una selección del mismo en https://lacalderaop.fi-
les.wordpress.com/2014/09/zinoviev-leninismo-seleccion.pdf.
|132 | História Crítica do Trotskysmo|

afeta os fatos. A questão é que Kamenev e Zinoviev não ti-


veram o apoio dos trotskistas durante o primeiro ano da
discussão. Junto com alguns outros líderes, eles formaram
uma "nova oposição" à linha política da maioria do Comitê
Central.
A direção bolchevique considerou que o restabeleci-
mento quase completo da economia nacional não era sufici-
ente para impedir uma futura agressão das potências im-
perialistas e que a trégua pacífica conquistada permitiu
avançar na construção do socialismo. O XIV Congresso do
PC (b) da Rússia em dezembro de 1925 teve em pauta o de-
senho de uma política de industrialização que enfatizasse a
criação da indústria pesada, o desenvolvimento dos meios
de produção, a criação de uma indústria de máquinas, para
superar a atraso e dependência da URSS.
A “nova oposição” criticou esta política de industria-
lização por focar na indústria pesada e na independência
nacional, assim como a política de aliança com os campone-
ses médios que os kulaks interpretaram como conciliação.
Eles visavam a maneira conservadora e de direita com que
Bukharin interpretava a política camponesa do Partido
(seu slogan "Fique rico!" Visava a integração pacífica dos
kulaks ao socialismo e sua concepção da NEP que se torna
socialismo "Em um passo de caracol"). E rejeitaram a pers-
pectiva de completar a construção do socialismo em uma
URSS cercada pelas potências capitalistas, como uma ma-
nifestação da estreiteza nacional pequeno-burguesa. Para
apoiar sua posição, eles se aprofundaram na sociedade so-
viética e citações de Marx, Engels e Lenin todos os tipos de
inconvenientes para a construção do socialismo no país
Em Defesa do Marxismo-leninismo|133 |

soviético. Algumas delas eram reais, mas o erro dos zinovi-


evistas foi considerá-los superiores ao potencial socialista
dos operários e camponeses, confundir o principal perigo
que era o derrotismo "esquerdista" de Trotsky e comparti-
lhar com ele sua concepção invertida e idealista do interna-
cionalismo proletário.
Um de seus argumentos está entre os favoritos de to-
dos aqueles que criticam o bolchevismo “de esquerda”: as em-
presas estatais da URSS (e, por extensão, de qualquer país
dirigido pela classe trabalhadora) não seriam socialismo,
mas “capitalismo de Estado”. Certamente, pode acontecer
que o estado proletário recorra ao capitalismo de estado, isto
é, a acordos com capitalistas nacionais ou estrangeiros para
a exploração de certas empresas. Mas, isso não tem nada a
ver com as empresas administradas exclusivamente pelo Es-
tado. Estas são empresas socialistas que formam o setor so-
cialista da economia nacional. Os críticos "de esquerda"
questionam seu caráter socialista porque, neles, podem ser
utilizados métodos inventados pelos capitalistas, como o tay-
lorismo, o fordismo etc.; porque, neles, há uma divisão de tra-
balho mais ou menos permanente, uma "classe" de dirigen-
tes e uma "classe" de dirigidos; porque a remuneração dos
empregados ainda tem o nome de “salário” e ainda é parcial-
mente; etc. No entanto, esses críticos esquecem que essas
empresas têm como objetivo direto a produção de valores de
uso de acordo com um plano nacional e não a produção de
mais-valia para seus proprietários; que este plano seja dis-
cutido e aprovado coletivamente pelos trabalhadores das em-
presas que também participam da gestão da sua execução;
que a remuneração de todos, desde o trabalhador ao chefe,
|134 | História Crítica do Trotskysmo|

seja calculada em função da quantidade e da qualidade do


trabalho e não de acordo com o “capital” contribuído (que é
inteiramente propriedade do Estado). No fim das contas, O
que acontece a estes críticos é que confundem socialismo com
comunismo pleno, quando já não há divisão da sociedade em
classes, quando a produção deixa de ser comercial-monetá-
ria, quando se extinguem a velha divisão social do trabalho
e o próprio Estado. Não compreender a necessidade do perí-
odo de transição denominado socialismo não é marxismo,
mas anarquismo: impaciência típica da pequena burguesia
oprimida pelo desenvolvimento das forças produtivas sociais
e, portanto, incapaz de resolver a contradição entre capita-
lismo e socialismo. Os erros teóricos dos trotskistas e zinovi-
evistas foram relevantes porque, mesmo contra sua vontade,
dentro do partido comunista eles serviam aos interesses da
parte da pequena burguesia que lutava contra o capitalismo
sem assumir a posição da classe trabalhadora.
Stalin respondeu teoricamente a esta e a outras ob-
jeções durante as sessões do Congresso 152 e em seu traba-
lho de 1926 intitulado "Questões do Leninismo"153. Em par-
ticular, ele destacou o significado internacionalista da cons-
trução do socialismo na URSS:
“O que é preciso para os proletários vencerem no Oci-
dente? Acima de tudo, a fé nas próprias forças, a consciência
de que a classe operária pode prescindir da burguesia, de que
a classe operária é capaz não só de destruir o velho, mas

152
https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe15/Sta-
lin%20-%20Obras%2007-15.pdf, págs. 96 en adelante.
153
https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe1/Stalin%20-
%20Obras%20escogidas.pdf, págs. 121 a 149.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|135 |

também de construir o novo, de construir o socialismo. Todo


o trabalho da social-democracia consiste em incutir nos tra-
balhadores o cepticismo e a falta de fé nas suas forças, falta
de fé na possibilidade de conseguir a vitória pela força sobre
a burguesia. O significado de todo o nosso trabalho, de toda
a nossa construção, é que esse trabalho e essa construção
convencem a classe trabalhadora dos países capitalistas de
que a classe trabalhadora pode prescindir da burguesia e
construir a nova sociedade com sua própria força. (…) E
quando os trabalhadores dos países capitalistas se infeccio-
narem com a fé em suas próprias forças, pode ter certeza que
este será o início do fim do capitalismo e a indicação mais fiel
da vitória da revolução proletária. Por isso, acredito que não
estamos trabalhando em vão na construção do socialismo.
Por isso, acredito que neste trabalho devemos vencer em es-
cala internacional”.154
E, além disso, na virada de dez anos, a União Sovié-
tica era a prova viva de que um único país pode construir
uma base econômica socialista, ou seja, onde a grande mai-
oria dos meios de produção são propriedade social (estatal
ou cooperativa) e a exploração de classes foram liquidadas,
sobrevivendo apenas alguns resquícios delas que, em união
com o capital internacional, continuam a lutar contra o pro-
letariado.
Quando Zinoviev constatou a fragilidade de sua posi-
ção no Congresso, propôs ao final do mesmo incorporar re-
presentantes de todos os grupos de oposição anteriormente

154
https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe15/Sta-
lin%20-%20Obras%2007-15.pdf, pág. 124.
|136 | História Crítica do Trotskysmo|

derrotados ao CC, naquele que foi o primeiro passo visível


da assembleia que se tornaria a “oposição de esquerda uni-
ficada” formalizada no verão de 1926.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|137 |

12
O erro comum do trotskismo e da
social-democracia
|138 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|139 |

Basicamente, a oposição em 1923, em 1925 e a unifi-


cada de 1926-27, baseavam-se na mesma concepção funda-
mental que Kautsky já havia expressado no início de 1918,
a saber:
“A revolução bolchevique partia da hipótese de que se-
ria o ponto de partida de uma revolução geral europeia ...
Segundo esta teoria, a revolução europeia que trouxe o soci-
alismo para a Europa eliminaria também os obstáculos ao
desenvolvimento do socialismo na Rússia, obstáculos criados
pelo atraso econômico deste país. Tudo isso era muito lógico
e razoavelmente bem fundamentado, desde que a hipótese
básica fosse realizada, ou seja, que a revolução russa deve
inevitavelmente abrir o caminho para a revolução europeia.
Mas, o que fazer se essa hipótese não se concretizar? Nossos
camaradas bolcheviques apostaram tudo na carta da revolu-
ção europeia geral. Como esta carta não apareceu, eles foram
obrigados a trilhar um caminho que os levou a enfrentar pro-
blemas impossíveis de resolver. ”155
Aqueles que Kautsky critica aqui não são realmente
os bolcheviques, mas os semibolcheviques: isto é, aqueles
que, ao contrário dele, ainda aceitavam a revolução. Mas, o
fizeram até certo ponto, inconsistentemente, porque parti-
ram, como ele, da mesma concepção vulgarmente evolucio-
nista, mecanicista, segundo a qual o imperialismo é apenas
um desenvolvimento quantitativo do capitalismo e não sua
negação como resultado de um salto qualitativo no referido
desenvolvimento. Os direitistas da social-democracia (in-
cluindo Bukharin e Khrushchev) e os "esquerdistas" como

155
Kautsky, La dictadura del proletariado.
|140 | História Crítica do Trotskysmo|

Trotsky, Zinoviev e outros concordam com a mesma falsa


premissa. Ambos compartilham que o socialismo deve espe-
rar que o capitalismo amadureça mais do que no início do
século XX.
Nessa ideia, há algo de certo, mas é secundário e, se
for tomado isoladamente, se outro aspecto oposto que é
principal não for levado em conta, acaba balançando no
campo da burguesia, contra o proletariado. Em resumo, em
uma escala histórica, é verdade que quanto mais o capita-
lismo desenvolver o caráter social de suas forças produti-
vas, melhores condições proporcionará ao proletariado para
construir o socialismo, uma vez conquistado o poder polí-
tico. Mas, ao mesmo tempo, essas novas forças produtivas
mais desenvolvidas estão nas mãos dos capitalistas e forne-
cem-lhes uma maior capacidade para prevenir e quebrar a
revolução proletária156.
Já no Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels
observaram que, ao longo da história, a luta de classes entre
exploradores e explorados "conduz, em todas as fases, à
transformação revolucionária de todo o regime social ou ao

156
. Num dos seus últimos artigos, Lenine advertiu que temos "a
desvantagem de os imperialistas terem conseguido dividir o
mundo em dois campos" (Better Little and Good). Na sua polé-
mica com Trotsky, Bukharin observou com razão que a maioria
da população de França está em África e que a maior parte da
população da Grã-Bretanha está na Ásia. E isto proporciona aos
capitalistas das potências imperialistas uma riqueza colossal
com a qual podem subjugar durante muito tempo os seus pró-
prios trabalhadores, dependendo, evidentemente, de quanto se
desenvolve a luta de libertação nacional dos povos oprimidos e a
solidariedade desses trabalhadores para com ela.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|141 |

extermínio de ambas as classes beligerantes". Também no


futuro, tampouco podemos nos considerar a salvo deste re-
sultado regressivo da luta entre a burguesia e o proletariado
(talvez devido à utilização de armas nucleares e outras ar-
mas de destruição maciça, devido ao impacto do desenvolvi-
mento capitalista da sociedade na natureza, etc.). O materi-
alismo consistente não se contenta em observar as grandes
tendências abstratas, mas investiga quais as ações revoluci-
onárias que podem fazer pender o equilíbrio a favor das ten-
dências progressivas e as coloca em prática. É isto que dis-
tingue o verdadeiro marxismo de Lenin — quando ele con-
fronta o fenômeno do imperialismo no socialismo semimar-
xista de direita de Kautsky e no de "esquerda" de Trotsky —
, daquele jargão clássico expresso por Felipe Gonzalez, se-
gundo o qual “devemos ser socialistas antes de sermos mar-
xistas” pronunciado para ser aceito pela burguesia como seu
chefe de governo.
O leninismo entende que o fruto do socialismo já está
maduro na árvore do capitalismo imperialista e esta árvore
ameaça decompô-lo. Por isso, os destacamentos nacionais
da classe operária, cumpridas as tarefas básicas democrá-
tico-burguesas, devem empreender a construção do socia-
lismo, aprendendo com a própria experiência a extirpar os
velhos preceitos da antiga sociedade capitalista e convertê-
la no socialismo. Deve multiplicar os frutos socialistas nas
novas bases da ditadura do proletariado e da propriedade
social sobre os principais meios de produção. É assim que
eles devem mostrar com seu exemplo prático que os explo-
rados podem organizar a produção de uma forma que seja
mais satisfatória aos seus interesses do que a forma
|142 | História Crítica do Trotskysmo|

capitalista de fazê-la, e é assim que eles devem adquirir um


poder material para ajudar seus irmãos de classe, do resto
do mundo.
O determinismo econômico míope dos oposicionistas,
que concebiam mecanicamente a primazia das forças pro-
dutivas sobre as relações sociais de produção, levava neces-
sariamente a negar a possibilidade de construir o socia-
lismo em um país mais atrasado, se não fosse alcançado
mais cedo nos países mais avançados. Além disso, Trotsky
levaria esse raciocínio falho às suas consequências mais ex-
tremas e contrarrevolucionárias, mas não vamos antecipar
os eventos.
Consequentemente, os trotskistas e zinovievistas
consideravam que a revolução russa não deveria pretender
construir o socialismo em seu próprio país, mas antes es-
tender a revolução aos países mais desenvolvidos. Era ne-
cessário, portanto, rejeitar e combater toda ideia e toda me-
dida que se dirigisse para avançar rumo ao socialismo na
URSS. Você tinha que tomar unilateralmente e exagerar
qualquer característica retrógrada, tudo que tornava o pro-
gresso difícil, e negar ou menosprezar todo o progresso.
Para sustentar sua posição contrária à perspectiva
de construção do socialismo na URSS, Zinoviev chegou a in-
vocar o texto escrito por Engels em 1847, anterior ao Mani-
festo do Partido Comunista, em que dizia que a revolução
comunista ocorreria e se desenvolveria mais ou menos si-
multaneamente em todas as nações civilizadas157. Além do

157
Principios del comunismo, Engels. https://www.mar-
xists.org/espanol/m-e/1840s/47-princi.htm
Em Defesa do Marxismo-leninismo|143 |

fato de Engels se referir à revolução comunista completa e


contemplar diferentes ritmos nacionais em sua realização,
a base de suas afirmações é o capitalismo progressista que
se espalha pelo mundo destruindo os antigos modos de pro-
dução, e não o imperialismo em que se baseia sobre a explo-
ração dos países dominados. O que fica evidente neste texto,
e em todo o trabalho teórico e prático de Marx e Engels, é
que eles empurraram a revolução proletária o mais longe
possível em cada lugar, embora o capitalismo ainda esti-
vesse em seu meio.
Certamente, não é possível alcançar o comunismo
pleno em um único país, porque o cerco capitalista ao qual
está submetido o obriga a manter uma organização estatal
forte voltada para responder efetivamente às agressões mili-
tares e à influência corruptora estrangeira. Por sua vez, essa
organização estatal equivale a preservar em parte a antiga
divisão social do trabalho que sustenta um certo número de
indivíduos às mesmas funções e a uma determinada posição
em relação aos demais. E esta velha divisão do trabalho é uma
base embrionária para a emergência contínua de novos ele-
mentos da burguesia, contra os quais é necessário manter e
exercer a ditadura do proletariado.
Mas, entre a conquista do poder político pela classe
trabalhadora e a completa transformação comunista da so-
ciedade, há muito a fazer em cada país — como o mostra o
progresso da URSS e de outros países socialistas — desde
que seja preciso, sob condição que os nefastos trotskistas e
zinovievistas não prevalecem, prevendo a impossibilidade
de construir o socialismo em um único país. E esta foi a
|144 | História Crítica do Trotskysmo|

encruzilhada em que a União Soviética se encontrou na dé-


cada de 1920.
Para manter seu ponto de vista insustentável, os opo-
sicionistas tiveram que mentir e esconder que Lênin já havia
resolvido os fundamentos dessa polêmica em suas obras Im-
perialismo, a fase superior do capitalismo, Sobre a palavra
de ordem dos Estados Unidos da Europa, Programa militar
de a revolução proletária e nas posteriores a outubro de 1917.
Assim fez Trotsky quando perguntou na XV Conferência do
PC (b) da URSS: “Por que se requer o reconhecimento teórico
da construção do socialismo em um só país? De onde veio
essa perspectiva? Por que ninguém levantou essa questão
até 1925?”158. Zinoviev, por sua vez, interpretou como uma
recusa em construir o socialismo na URSS a ideia de Lênin
de que seria mais difícil para os russos continuar a revolução
proletária do que para os comunistas do Ocidente. Quanto a
Kamenev, ele argumentou que Lenin não estava se referindo
à Rússia quando falou sobre a possibilidade da vitória do so-
cialismo em um país.
A maioria a favor da linha bolchevique-leninista não
negou ou subestimou as dificuldades na construção do soci-
alismo, mas não se rendeu a elas, como fizeram os oposicio-
nistas que procuravam alguma brecha no que Lenin dissera
(ou distorcera) para "justificar" a sua rendição às forças do
capitalismo. Tampouco a maioria ignorou a revolução soci-
alista em outros países, mas a considerou a garantia da vi-
tória definitiva do socialismo, isto é, de evitar que fosse

158
Actas taquigráficas, pág. 533; citado en La lucha del partido
bolchevique contra el trotskismo, t. 2, pág. 186.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|145 |

destruído por fora. Além disso, considerou a solidariedade


do proletariado dos países capitalistas com a URSS como
uma das alavancas que possibilitou a construção do socia-
lismo neste país, como base e exemplo prático para fortale-
cer o movimento operário revolucionário nesses países. Por
outro lado, os oposicionistas subestimaram o valor desta so-
lidariedade enquanto o proletariado do mundo capitalista
não conquistou o poder do Estado. Para eles, a revolução
russa não poderia dar mais de si e teve que dedicar suas
forças para impulsionar a revolução no Ocidente onde seria
possível construir o socialismo (ou não, como veremos em
breve).
A maioria bolchevique procurou fazer "o máximo do
que era possível em um país para desenvolver, apoiar e des-
pertar a revolução em todos os países.”159 Lênin considerou
que o proletariado de cada país deve atuar antes de tudo no
terreno nacional, mas, ao fazê-lo, resolve tarefas de impor-
tância internacional que surgem da natureza da classe tra-
balhadora e de sua situação na sociedade. Foi assim que,
dez anos depois, a União Soviética se tornou uma grande
potência industrial, a segunda do mundo, com total inde-
pendência econômica dos países capitalistas. Como resul-
tado, a URSS foi capaz de derrotar o desafio fascista do im-
perialismo, ajudar a estender o campo socialista a um terço
da humanidade e animar um movimento operário vigoroso
no Ocidente que arrancou concessões sem precedentes dos
capitalistas.

159
Acerca del infantilismo «izquierdista» y del espíritu pe-
queñoburgués, Lenin.
|146 | História Crítica do Trotskysmo|

Aprofundando em sua concepção equivocada do de-


senvolvimento das forças produtivas sociais e da revolução
internacional, Trotsky teorizou sobre a "continuidade histó-
rica" da economia da URSS como parte da economia capita-
lista mundial e sua subordinação a ela, como se a revolução
não teria destruído essa dependência. O desenvolvimento
subsequente de uma indústria soviética independente refu-
tou essas especulações. Essa suposta subordinação das eco-
nomias nacionais ao mercado mundial levaria Trotsky a ne-
gar a possibilidade de construção do socialismo mesmo nos
países mais desenvolvidos até que a revolução triunfe em
escala internacional:
“Não apenas a atrasada China, mas, em geral, ne-
nhum dos países do mundo poderia construir o socialismo
em seu quadro nacional: o alto desenvolvimento das forças
produtivas, que ultrapassam as fronteiras nacionais, se
opõe a ele, assim como o insuficiente desenvolvimento de
nacionalização. A ditadura do proletariado na Inglaterra,
por exemplo, enfrentaria contradições e dificuldades de ou-
tra natureza, mas talvez não menos do que aquelas que se-
riam colocadas à ditadura do proletariado na China. Em
ambos os casos, as contradições só podem ser superadas no
campo da revolução mundial”160.

160
L. TROTSKY. La revolución permanente. Disponível
em: <http://www.fundacionfedericoengels.net/ima-
ges/PDF/trotsky_revolucion_permanente.pdf>. Pág. 129.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|147 |

13
O trotskismo se torna uma autori-
dade política para as forças con-
trarrevolucionárias
|148 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|149 |

A oposição criticou a política da direção bolchevique


em todos os campos, propondo em troca medidas que teriam
colocado o poder soviético à beira do abismo, como a "supe-
rindustrialização" à custa de aumentar os impostos dos
camponeses, elevando o preço das mercadorias industriais
e retirar os investimentos em favor do comércio estatal e
cooperativo. Apoiando-se em fatos falsificados ou exagera-
dos, denunciaram que o proletariado se enfraquecia e que o
Estado soviético, os sindicatos, o Komsomol, o Partido e to-
das as instituições do país degeneravam e se burocratiza-
vam e, portanto, lutavam contra eles, que se consideravam
a vanguarda proletária.
Em meados de 1926, o CC do Partido tinha verificado
que a oposição trotskista e zinovievista estava a realizar
reuniões clandestinas em várias localidades, agitando entre
especialistas e organizando um partido paralelo, que incor-
porou os restos de grupos derrotados em debates anteriores
e que ensinou os seus membros a praticar a duplicidade e o
engano, a fim de escapar às sanções disciplinares e conti-
nuar a sabotar a execução da política bolchevique. Assim,
nas costas do Comitê Central, promoveram a discussão das
suas posições nas organizações territoriais do CP(b) da
URSS. Mas, vendo a falta de apoio que estavam a receber
(apesar de a maioria dos líderes se ter abstido de participar
na discussão, cumprindo o acordo coletivo que o considerava
inoportuno), na véspera da reunião do CC, de 16 de Outubro
de 1926, enviaram uma declaração prometendo cessar a
luta de facção e submeter-se à disciplina do partido. Con-
tudo, voltaram à briga nas semanas seguintes, durante a
15ª Conferência do Partido em Novembro e o 7º Plenário
|150 | História Crítica do Trotskysmo|

Ampliado da Internacional Comunista, em Novembro-De-


zembro. Os relatórios e projetos de resolução apresentados
por Stalin para estes acontecimentos analisaram, esclare-
ceram e resolveram o significado do bloco de oposição: "No
fundo, o trotskismo atual é uma distorção do comunismo no
sentido de o aproximar de modelos 'europeus' de pseudo-
marxismo, ou seja, em suma, no sentido de uma social-de-
mocracia 'europeia'"161.
Nos meses seguintes, comícios e manifestações de
membros do bloco seguiram-se um após o outro, animados
pelo slogan: "Abaixo com Termidor!". Como se a liderança po-
lítica bolchevique estivesse a trair a revolução proletária. Em
Junho de 1927, os oposicionistas submeteram ao CC a cha-
mada "declaração dos 83", na qual exigiam a abertura de uma
discussão à escala do partido, apresentaram-se como "a es-
querda proletária leninista do partido" e caluniaram o go-
verno soviético atribuindo-lhe falsas intenções (abolindo o mo-
nopólio do comércio externo, renunciando à nacionalização da
terra e pagando as dívidas contraídas pelo czarismo com po-
tências estrangeiras). Alguns dias mais tarde, o "grupo dos
15" enviou a sua própria plataforma em termos semelhantes.
Pouco antes do plenário do CC de Agosto de 1927, os oposici-
onistas voltaram a emitir uma declaração comprometendo-se
a cessar a luta das facções e a cumprir todos os acordos

161
El bloque de oposición en el PC (b) de la URSS, así como La
desviación socialdemócrata en nuestro partido (ambos en
https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe15/Stalin%20-
%20Obras%2008-15.pdf) y Una vez más sobre la desviación soci-
aldemócrata en nuestro partido (en https://www.marxists.org/es-
panol/stalin/obras/oe15/Stalin%20-%20Obras%2009-15.pdf).
Em Defesa do Marxismo-leninismo|151 |

partidários, impedindo assim que Trotsky e Zinoviev fossem


afastados das suas posições no CC. Mas, em Setembro, ambos
estavam entre aqueles que assinaram e publicaram a "plata-
forma dos 13", o que levou o CC a concordar em Outubro em
excluí-los das suas fileiras. Nesta plataforma, os oposicionis-
tas queixaram-se de que o "grupo de Stalin" os atacou "não
com as nossas opiniões reais, mas com opiniões imaginárias
que não temos e nunca tivemos". Contudo, algumas linhas
mais tarde, insistiram "que para a construção de uma socie-
dade socialista no nosso país é necessária a vitória da revolu-
ção proletária num ou mais dos países capitalistas avançados,
que a vitória final do socialismo num país, e sobretudo num
país atrasado, é impossível"162.
Ao saber que haviam organizado impressoras clan-
destinas para divulgar esta plataforma junto com outros
materiais, o jornal dos democratas constitucionais emigra-
dos Poslednie Nóvosti expressou sua satisfação pelo fato de
a oposição bolchevique ter entrado na fase da imprensa
clandestina. Temos esperança de que outras fases se segui-
rão. E assim seria.
Em 7 de novembro, por ocasião do décimo aniversário
da Revolução de Outubro, eles organizaram manifestações
com fins insurrecionais contra o Partido e o Governo, mas as
massas de comunistas e operários as dissolveram firme-
mente. A transformação do bloco Trotskista-Zinoviev em uma
organização antissoviética e antibolchevique forçou a sessão
plenária do Comitê Central e da Comissão de Controle

162
La Plataforma de la Oposición, Editorial Fontamara, capítulo
XI, págs. 135-136.
|152 | História Crítica do Trotskysmo|

Central a expulsar Trotsky e Zinoviev do partido e a excluir


outros líderes da oposição desses órgãos163. O XV Congresso
do PC (b) da URSS reuniu-se em dezembro com um balanço
inequivocamente claro da discussão das semanas anteriores:
as propostas majoritárias foram apoiadas por 724 mil militan-
tes e as da oposição conjunta por apenas 4.000. Ele concordou
em expulsar cem membros da oposição e adotar "as medidas
de influência ideológica sobre os membros das fileiras da opo-
sição trotskista a fim de convencê-los, ao mesmo tempo pur-
gando o partido de todos os elementos evidentemente incorri-
gíveis da Oposição trotskista".
Stalin explicou como se tinha realizado o debate com o
Trotskismo: "O exercício da democracia dentro do partido, ad-
mitindo as críticas práticas às deficiências e erros do partido,
mas sem tolerar o mínimo de divisionismo e eliminando todo
o facciosismo sob pena de expulsão do partido"164. E salientou
que, após cinco longos anos de debate permanente, "O Partido
quer pôr fim à oposição e passar a um trabalho construtivo. O
Partido quer dissolver, finalmente, a oposição para poder de-
dicar-se inteiramente ao nosso grande trabalho de edificação".
O XV Congresso encarregou o CC de se unir estreitamente
sob esta bandeira: "cada vez mais massas de trabalhadores do
país, de reforçar os laços de solidariedade fraterna com o

163
A experiência da guerra civil tinha mostrado que o poder so-
viético tinha inimigos demasiado poderosos e agressivos, dentro
e fora do país, para permitir a atividade de partidos hostis que
acabaram por ajudar a contrarrevolução armada, como aconte-
ceu com os Kadets, os SRs e os Mencheviques.
164
.https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe15/Sta-
lin%20-%20Obras%2010-15.pdf, pág. 54.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|153 |

proletariado de todos os países e de fazer da URSS a van-


guarda cada vez mais poderosa da revolução socialista mun-
dial". Contudo, Trotsky respondeu à sua derrota esmagadora
prevendo que "após o 15º Congresso, a oposição será incompa-
ravelmente mais forte do que agora dentro do partido"165.
A luta dos trotskistas contra a liderança bolchevique
foi de âmbito internacional, não só porque procuraram os
seus apoiantes noutros partidos e na Internacional Comu-
nista166, mas também porque reanimou as forças antisso-
viéticas no estrangeiro. Quando, num discurso na Suécia a
4 de Dezembro de 1927, o Menchevique Tsereteli, ministro
do governo provisório burguês, fez um relato difamador da
situação dos trabalhadores na URSS, acrescentou: "Não so-
mos apenas nós, os inimigos dos bolcheviques, mas os pró-
prios líderes bolcheviques mais respeitáveis, Trotsky, Zino-
viev, Kamenev e outros, que estão a dizer isto"167. O órgão
de imprensa do Menchevique émigrés, Sotsialistícheski
Véstnik, afirmou em 20 de Junho de 1927: "O trabalho de
seiva da oposição, há muito transferido para além dos limi-
tes da Rússia soviética, acelerou de fato o desmoronamento

165
XV Congreso del PC (b) de la URSS, Actas taquigráficas, t. II,
pág. 1285; citado en La lucha del partido bolchevique contra el
trotskismo.
166
Os trotskistas polêmicos com particular veemência contra as
tácticas para a revolução chinesa promovidas pela Internacional
Comunista. Basicamente, forçaram a analogia com a revolução
russa de 1905-07 e ignoraram o carácter colonial da China, bem
como minimizaram a existência de vestígios feudais neste país e
o papel revolucionário dos camponeses, como era de esperar de-
les.
167
Pravda, 6-12-27.
|154 | História Crítica do Trotskysmo|

e a morte do 'bolchevismo mundial'". No mesmo documento,


o líder do Menchevique émigrés, Dan, afirmou: "Pela sua
crítica ao regime existente, que repete quase palavra por
palavra as críticas à social-democracia, a oposição bolchevi-
que prepara mentes... para a aceitação das teses contidas
na plataforma da social-democracia"168.
Na Alemanha, o membro do Partido Social-democrata,
Paul Levi, afirmou que: "Nossas opiniões coincidem com as da
oposição", enquanto os trotskistas e "ultra-esquerdistas" difa-
mavam a URSS e as delegações operárias que voltavam deste
país explicando o progresso do socialismo.
Na Itália, os mesmos fascistas que proibiram as obras
de Marx, Engels e Lenin traduziram as publicações trotskistas
a fim de influenciar os prisioneiros políticos com eles. Quando
tentaram isto com Gramsci, ele comentou: "Trotsky é a prosti-
tuta do fascismo" e, nos seus Cadernos de Notas da Prisão, es-
creveu: "Bronshtein (Trotsky), que aparece como 'Ocidentalis-
ta', era na verdade um cosmopolita, isto é, superficialmente na-
cional e superficialmente ocidentalista ou europeu. Ilich (Lê-
nin), pelo contrário, era profundamente nacional e profunda-
mente europeu"169. O líder comunista italiano ficou alarmado
com as repercussões negativas para o partido bolchevique e
para a Internacional Comunista se a oposição não aceitasse a
disciplina e rejeitasse a democracia como meio de luta. Anali-
sou que "do ponto de vista do espírito corporativo e não do leni-
nista (...) está a raiz do erro do bloco de oposição (...)". Na

168
La lucha del partido bolchevique contra el trotskismo, t. 2,
págs. 246-247.
169
Vita di Antonio Gramsci, Lucio Lombardo Radice y G. Gar-
bone, Roma, ed. di Cultura Sociale, 1952.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|155 |

ideologia e prática do bloco de oposição toda a tradição da so-


cial-democracia e do sindicalismo renasce plenamente (...). E
concluiu que "só uma unidade firme e uma disciplina firme no
partido que governa o estado dos trabalhadores pode assegurar
a hegemonia proletária (...). Camaradas Zinoviev, Trotsky e
Kamenev: a eles nos dirigimos especialmente a nós próprios,
como os mais responsáveis por esta situação"170.
Os capitalistas se animaram acreditando que a ação
dos oposicionistas seria capaz de desestabilizar o poder sovi-
ético e, em 27 de maio de 1927, o governo britânico com o
apoio dos EUA e da França rompeu relações com a URSS.
Ele também estava por trás do assassinato do embaixador
soviético em Varsóvia no mês seguinte. Por volta dessa
época, uma bomba explodiu na sede do partido bolchevique
em Leningrado, matando dezenas de militantes e um ataque
fatal ao líder máximo do OGPU (Comissariado do Povo para
Assuntos Internos) na Bielo-Rússia.171. Nesta situação, que
coincidiu com uma grande greve dos trabalhadores ingleses,
Trotsky censurou o governo bolchevique por não ter ido à
guerra e utilizou a "tese de Clemenceau" (nome do represen-
tante mais reacionário da burguesia francesa) segundo a
qual "no interesse da defesa autêntica da URSS, a van-
guarda proletária poderia ser obrigada a destruir o governo
de Stalin e substituí-lo pelo seu ”172.

170
Stalin, historia y crítica de una leyenda negra, Domenico Lo-
surdo. Citado en Stalin, ¡insólito!, Ricardo E. Rodríguez Sifrés,
tomo 2, págs. 236-7, Ed. Templando El Acero.
171
Stalin, ¡insólito!, Ricardo E. Rodríguez Sifrés, tomo 2, págs.
225-6, Ed. Templando El Acero.
172
https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1940s/dm/07.htm
|156 | História Crítica do Trotskysmo|

Enquanto isso, a política de industrialização socialista


começava a dar frutos e a economia soviética já ultrapassava
o nível anterior à Primeira Guerra Mundial. Seu setor socia-
lista também crescia, em detrimento do setor privado, assim
como o número de trabalhadores e seus salários. Simultanea-
mente, a imprensa soviética já começava a publicar as evidên-
cias de que os trotskistas estavam passando da luta política
aberta para a conspiração com o objetivo de derrubar o go-
verno soviético por todos os meios necessários e com todos os
aliados possíveis. Trotsky, junto com uma parte de seus cola-
boradores, aumentou sua atividade antissoviética, pela qual
foi deportado para Alma-Ata (Cazaquistão) e, finalmente, ex-
pulso da URSS no início de 1929173. Nos meses seguintes, a
maioria dos trotskistas e zinovievistas pediram sua reintegra-
ção, declarando publicamente sua ruptura com o trotskismo,
sua aceitação da política do partido e sua submissão aos acor-
dos. Seus direitos de filiação foram restaurados e, depois de
um tempo, eles foram reconfigurados com cargos no partido e
no governo.

173
"Considerando que: o caso do cidadão Trotsky, Lev Davido-
vich, em conformidade com o Artigo 58-10 do Código Penal, sobre
a acusação de atividade contrarrevolucionária expressa através
da organização de um partido antissoviético ilegal, cuja atividade
tem sido ultimamente dirigida à provocação de atos antissoviéti-
cos e à preparação de uma luta armada contra o poder soviético,
resolvemos que o cidadão Trotsky, Lev Davidovich, seja depor-
tado do território da URSS" (OGPU [Unified State Political Di-
rectorate] Directive of January 18, 1929, citado em Estaline,
Unusual! , p. 240)
Em Defesa do Marxismo-leninismo|157 |

14
O trotskismo torna-se o centro das
tentativas de derrubar violenta-
mente o governo soviético
|158 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|159 |

Tudo isso aconteceu ao mesmo tempo em que o pri-


meiro plano quinquenal da economia nacional da União So-
viética estava sendo executado. A luta de classes do prole-
tariado e do campesinato operário pela realização dessas
transformações foi muito dura, com enorme resistência dos
kulaks, nepmen e outros elementos exploradores. A popu-
lação sofreu muitas privações, mas, ao mesmo tempo, tra-
balhou com muito entusiasmo. No PC (b) da URSS, um
grupo liderado por Bukharin formaram uma oposição de di-
reita a esse curso exigindo diminuir o ritmo da industriali-
zação e da cooperativização agrária. Essa linha logo atraiu
a adesão de funcionários iniciantes e dos camponeses extre-
mamente ricos. A luta de classes do proletariado e do cam-
pesinato operário pela realização dessas transformações foi
muito dura, com enorme resistência dos kulaks, nepmen e
outros elementos exploradores. A população sofreu muitas
privações, mas, ao mesmo tempo, trabalhou com muito en-
tusiasmo.
Simultaneamente, Trotsky, já no exílio, começou a
colaborar com a propaganda antissoviética ocidental. Suas
travessuras contra o governo soviético rapidamente atraí-
ram o interesse e o apoio dos nazistas, do aristocrata britâ-
nico Lord Rothermere e do americano William Randolph
Hearst, ambos magnatas da imprensa amarela em seus res-
pectivos países. Em 1929 escreveu sua autobiografia intitu-
lada Minha vida , que foi amplamente divulgada por eles.
O próprio Hitler leu-o imediatamente após sua publicação
e, chamando-o de "brilhante", disse a um grupo de amigos
em 1930: "Aprendi muito com ele, tanto quanto você
|160 | História Crítica do Trotskysmo|

também pode aprender"174. As obras de Trotsky foram le-


galmente disseminadas sob os regimes fascistas da Itália,
Alemanha, Espanha e Polônia175. Naquela época, Trotsky
havia mudado abruptamente o sentido de sua crítica ao go-
verno soviético: não exigia mais, mas menos ritmo de indus-
trialização e menos luta contra os kulak.
Tinham surgido as condições para uma nova aproxi-
mação entre Trotsky e Bukharin, e para a formação de um
bloco que reunisse toda a oposição, de "esquerda" e de di-
reita. Este bloco seria formado em 1932, com um programa
conhecido como a "plataforma Riutin"176. Incluía aqueles
que se tinham arrependido do seu trabalho passado de opo-
sição trotskista e zinovievista apenas por conveniência
conspiratória, e também outros que podem ter apoiado sin-
ceramente a grande viragem, mas que foram depois ultra-
passados pelos seus desafios e influenciados pela propa-
ganda difamatória e derrotista de Trotsky. Desta vez, dei-
xaria de ser um bloco anunciado publicamente destinado a

174
Der Führer, Konrad Heiden; citado en Stalin, ¡insólito!, pág.
242.
175
From Trotsky to Tito, James Klugmann, Lawrence & Wishart
Ltd., Londres, 1951. Citado en Trotskisme ou léninisme, pág.
550.
176
Como reconhece o historiador trotskista Pierre Broué, "O ma-
terial como um todo mostra que o 'bloco', ou pelo menos uma das
suas partes constituintes, esteve em contacto com o grupo Riutin-
Slepkov. ("Trotsky et le bloc des oppositions de 1932", Cahiers
Léon Trotsky (Janeiro-Março de 1980), pp. 5-37. Citado em Les
amalgames de Trotsky, Grover Furr, Editions Delga, p. 58..
(«Trotsky et le bloc des oppositions de 1932», Cahiers Léon Trot-
sky (enero-marzo de 1980), págs. 5-37. Citado en Les amalgames
de Trotsky, Grover Furr, Editions Delga, p. 58.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|161 |

convencer o Partido, uma vez que os seus promotores já ti-


nham provado a sua incapacidade de conquistar a militân-
cia bolchevique e as massas trabalhadoras. Seria um bloco
clandestino para derrubar violentamente o governo, atra-
vés de sabotagem, terrorismo e aliança com potências es-
trangeiras hostis. Como Sayers e Kahn explicaram, "atra-
vés de golpes perfeitamente cronometrados e de longo al-
cance", a oposição preparava-se para "lançar o governo de
Stalin para um estado de desmoralização e desordem sem
esperança. Então, poderá tomar o poder"177. Trotsky ex-
pressou-o abertamente nos seus sucessivos escritos dirigi-
dos ao público estrangeiro e, acima de tudo, a personalida-
des e funcionários soviéticos vacilantes178. Reproduzimos
abaixo algumas citações dos escritos que precedem ou
acompanham novos episódios de violência contra o poder
soviético:
“A atual política governamental do pequeno grupo de
Stalin está rapidamente levando a nação a crises e colapsos
muito perigosos”179 .

177
The Great Conspiracy Against Russia, Michael Sayers e Al-
bert Kahn, p. 209, Tempering Steel Ed. Versão original em inglês
em https://mltheory.files.wordpress.com/2017/06/great-conspi-
racy-against-russia.pdf
178
Véase el capítulo «El papel de Trotski en vísperas de la Se-
gunda Guerra Mundial» del libro de Ludo Martens Otra mirada
sobre Stalin, págs. 113-9, en https://asturiesdixebra.files.word-
press.com/2014/08/otra-mirada-sobre-stalin.pdf
179
Carta a los miembros del Partido Comunista de la Unión So-
viética, marzo de 1930. Citado en La gran conspiración contra
Rusia, Michael Sayers y Albert Kahn, pág. 204, Ed. Templando
El Acero. Versión original en inglés en https://mltheory.fi-
les.wordpress.com/2017/06/great-conspiracy-against-russia.pdf
|162 | História Crítica do Trotskysmo|

“A crise que ameaça a economia soviética será inevi-


tável e, num futuro não muito distante, destruirá a doce
lenda de que o socialismo só pode ser implantado em um
país; não há dúvida de que causará muitas mortes ... A eco-
nomia soviética funciona sem reservas materiais e sem cál-
culos ... A burocracia descontrolada comprometeu seu pres-
tígio com o acúmulo sucessivo de erros. Uma crise está imi-
nente na União Soviética, com a sua sequela de eventos
como o encerramento forçado de empresas e o desemprego
imediato”180.
“O primeiro choque social, externo ou interno, pode
mergulhar a atomizada sociedade soviética na guerra ci-
vil”181 .
“Seria infantil acreditar que a burocracia de Stalin
pode ser suprimida por meio de um Partido ou do Congresso
Soviético. Não existem meios constitucionais normais para
eliminar a camarilha do governo... Eles podem ser forçados
a ceder o poder à vanguarda proletária apenas pela
FORÇA”182.
No ano seguinte, Sergei Kirov, secretário do partido
em Leningrado e membro do Bureau Político do CC, é as-
sassinado. A partir daquele momento, novos ataques e sa-
botagens foram registrados em todo o país, que Trotsky
avaliou da seguinte forma:
“A crise política converge para a crise geral que se
aproxima”183. “Se soubéssemos que Nikolaev (o assassino de

180
La economía soviética en peligro, 1932. Ibídem, p. 205.
181
La Unión Soviética y la Cuarta Internacional. Ibídem.
182
Boletín de la oposición, octubre de 1933, Ibídem.
183
El asesinato de Kírov, 1935, Ibídem.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|163 |

Kirov) espancou intencionalmente na tentativa de vingar os


trabalhadores cujos direitos Kirov pisou, nossas simpatias
iriam sem reservas para o terrorista”184.
Numa entrevista ao New York Evening Journal em
6 de janeiro de 1937, ele afirmou que “Dentro do Partido,
Stalin se colocou acima de todas as críticas e acima do Es-
tado e é impossível deslocá-lo a menos que seja assassinado.
Todo oposicionista ipso facto torna-se terrorista “185.
Trotsky frequentemente usava a acusação de "totali-
tarismo" contra o socialismo soviético e igualava-o ao fas-
cismo, como todos os defensores do capitalismo agora fa-
zem, sejam eles burgueses ou pequeno-burgueses. Ele pode
ser considerado um avanço, uma vanguarda do anticomu-
nismo atual.
No meio da guerra civil espanhola, em 1937, ele de-
nunciou que "o chamado governo republicano serve de es-
cudo legal para as gangues criminosas do stalinismo".186
Nesses anos, Trotsky encorajou os Hitleritas a atacar
a União Soviética, prevendo a sua inevitável derrota na pró-
xima guerra mundial. Afirmou que esta derrota seria "ape-
nas um pequeno episódio no caso do triunfo do proletariado
noutros países" e declarou que "nenhuma vitória militar
pode salvar a herança da Revolução de Outubro se o imperi-
alismo permanecer no poder no resto do mundo". "Podemos

184
Domenico Losurdo, citado en Stalin, ¡insólito!, tomo 2, pag.
238.
185
Entrevista con William Randolph Hearst. Citado en La gran
conspiración contra Rusia, pág. 205.
186
http://www.ceip.org.ar/Es-hora-de-lanzar-una-ofensiva-mun-
dial-contra-el-stalinismo
|164 | História Crítica do Trotskysmo|

esperar que a União Soviética escape à derrota na futura


grande guerra?" Perguntou ele. A esta pergunta, feita com
franqueza, também respondemos francamente. Se a guerra
não passar de guerra, a derrota da União Soviética é inevi-
tável. O imperialismo é incomparavelmente mais forte do
ponto de vista técnico, econômico e militar. Se não for para-
lisada pela revolução no Ocidente, varrerá o regime social
engendrado pela Revolução de Outubro"187.
Ao mesmo tempo, Trotsky não teve outra escolha se-
não reconhecer o progresso da URSS: "Os imensos resulta-
dos obtidos pela indústria, o promissor início de um flores-
cimento da agricultura, o extraordinário crescimento das
antigas cidades industriais, a criação de tecnologias novas,
o rápido aumento do número de trabalhadores, o aumento
do nível de cultura e das necessidades, são os resultados in-
discutíveis da Revolução de Outubro, na qual os profetas do
velho mundo pensavam ter visto o túmulo da civilização. Já
não há necessidade de discutir com os economistas burgue-
ses: o socialismo tem de mostrar o seu direito à vitória, não
nas páginas do Capital, mas numa arena econômica que
constitui um sexto da superfície do globo; não na linguagem
da dialética, mas na do ferro, do cimento e da eletricidade.
Mesmo no caso da URSS, por culpa dos seus líderes, sucum-
bir aos golpes do exterior — algo que esperamos firmemente
não ver — permaneceria, como penhor do futuro, o fato in-
destrutível de que a revolução proletária foi a única coisa

187
Artículo en American Mercury, marzo de 1937.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|165 |

que permitiu a um país atrasado obter em menos de vinte


anos resultados sem precedentes na história"188.
Mas, curiosamente, Trotsky via esses acontecimen-
tos como consequência da Revolução de Outubro, apesar da
liderança supostamente desastrosa e burocrática dos "sta-
linistas". Parece que aquela revolução que ocorreu há vinte
anos teve uma inércia à prova de seus "coveiros termidori-
anos", quando na realidade o progresso foi fruto dos suces-
sos e esforços titânicos tanto do povo quanto dos líderes so-
viéticos. Algo semelhante levantaria Khrushchev vinte
anos depois, elogiando as conquistas históricas da URSS,
enquanto caluniava seu líder máximo.
A tarefa fundamental dos partidários de Trotsky no
território soviético era derrubar o governo pela violência,
com a ajuda das potências do Pacto Anti-Comintern, e usar
a "derrota inevitável" da URSS na futura guerra contra o
fascismo para fortalecer oposições do trotskismo na arena
mundial. Essa foi a realidade das conspirações das quais
Trotsky participou e das quais ele parcialmente liderou.
Embora negue ter participado neles, o que é compreensível
em toda atividade conspiratória, os fatos são credenciados
pelos depoimentos de outros participantes e testemunhas189
nos quatro principais julgamentos de 1936 a 1938, pelos

188
La revolución traicionada, Trotski, http://www.fundacionfede-
ricoengels.net/images/PDF/La%20revolucion%20traicio-
nada.pdf, pág. 18.
189
Por ejemplo, la declaración de Valentin Astrov de 1937, con-
firmada por él mismo en 1989 y en 1993, citada en el reciente
libro de Grover Furr, Las amalgamas de Trotski, «Les amalga-
mes de Trotsky», Editions Delga, págs. 317-8
|166 | História Crítica do Trotskysmo|

depoimentos de observadores externos à investigação (os


engenheiros John Littlepage e John Scott, Coronel To-
kaiev190, Humbert-Droz191, etc.). São confirmados ainda pe-
las evidências materiais que eles não destruíram e pelas
novas evidências agora conhecidas graças à desclassificação
parcial dos arquivos soviéticos após a dissolução da URSS.
Não podemos nos limitar a esta questão, que não é decisiva
para os fins deste artigo, remetendo o leitor interessado à
consulta dos livros mencionados neste artigo e das fontes
nele citadas.
É interessante notar que os conspiradores eram, em
parte, quadros partidários e estaduais com posições de des-
taque, inclusive no NKVD, justamente encarregados de de-
sestabilizar as tentativas contrarrevolucionárias. Yagoda e
Yezhov, seus principais líderes entre 1934 e 1938, foram con-
denados como participantes da conspiração de direita lide-
rada por Bukharin. O segundo deles, quando fracassou a
conspiração principal a ser executada por Tukhachevsky e
outros soldados, promoveu a extensão do raio de repressão
às massas inocentes, a fim de enfraquecer o apoio popular ao
governo soviético. Esta última conspiração terminou em
1939, quando foi substituído por Beria,

190
http://www.communisme-bolchevisme.net/download/Trots-
kisme_ou_leninisme_Harpal_Brar.pdf, págs. 267 a 270 y 597 a
602.
191
Antigo líder do movimento comunista internacional reformado
na sua Suíça natal, Jules Humbert-Droz relata, nas suas Memó-
rias escritas em 1971, que conheceu Bukharin pela última vez
em 1928 e que este lhe confidenciou: "que tinham decidido usar
o terror individual para se livrarem de Estaline" (p. 379). Citado
em Trotsky's Amalgams p. 151
Em Defesa do Marxismo-leninismo|167 |

Após o desmantelamento das conspirações, Trotsky


continuou a prever a derrota da URSS. Assim, em 4 de se-
tembro de 1939, ele argumentou que "Stalin não pode travar
guerra com trabalhadores e camponeses descontentes e um
Exército Vermelho decapitado"192. Em 4 de dezembro do
mesmo ano, ele escreve que “O nível de suas forças produti-
vas [da URSS] proíbe uma grande guerra ... O fator subje-
tivo, que não é menos importante que o fator material, pio-
rou profundamente no curso destes últimos anos... Ele [Sta-
lin] não pode travar uma guerra ofensiva com qualquer es-
perança de vitória. No caso de a URSS entrar em guerra, com
as inúmeras vítimas e privações que isso implica, todo o ca-
rácter fraudulento do regime no poder, os seus ultrajes e a
sua violência provocariam inevitavelmente uma reação vio-
lenta por parte de um povo que já o fez alcançar e realizar
três revoluções no decorrer deste século ... A guerra atual
pode derrubar a burocracia do Kremlin muito antes da eclo-
são da revolução nos países capitalistas “193.
A prática seria, mais uma vez, o critério último da
verdade: a unidade política, a firmeza e a coragem dos povos
soviéticos. O progresso da economia socialista planejada e
a força do Exército Vermelho conseguiram derrotar os exér-
citos comandados pela Alemanha de Hitler e frustrar os cál-
culos de Trotsky, baseados em sua teoria falha da "revolu-
ção permanente". Foi a industrialização socialista e a

192
Le pacte germano-soviétique, Oeuvres, vol. 21, EDI, Paris,
1986, p. 390. Citado en Trotskisme ou léninisme de Harpal Brar.
193
Hitler et Staline, étoiles jumelles, Oeuvres, vol. 22, EDI, Paris,
1985, págs. 176, 177 y 183. Citado en Trotskisme ou léninisme de
Harpal Brar.
|168 | História Crítica do Trotskysmo|

coletivização agrária que produziram os famosos tanques e


aviões soviéticos, bem como aqueles que aprenderam a pi-
lotar a versão civil e pacífica dessas máquinas em fábricas,
kolkhozes e sovkhores. A maioria do campesinato estava
tão identificada com o regime coletivista que, durante a Se-
gunda Guerra Mundial194, apoiou bravamente a URSS sem
hesitar .
Em 6 de junho de 1938, o embaixador dos Estados
Unidos em Moscou enviou um memorando ao seu governo
com números explicando o salto experimentado pelas forças
produtivas soviéticas após a execução dos dois primeiros
planos quinquenais: o número de tratores havia se multi-
plicado por quase 20. A União Soviética já era o maior pro-
dutor mundial de máquinas agrícolas; a produção de trigo
representou um terço do total mundial; a farinha de aveia,
pela metade; o do centeio, 80%; o país foi o primeiro na pro-
dução de beterraba; a frota mercante triplicou; o salário mé-
dio aumentou de 1.427 rublos em 1932 para 2.371 rublos
em 1935; etc.195
Mas será que a "decapitação" e a purga no Exército
Vermelho significou um enfraquecimento absoluto da capa-
cidade defensiva da URSS? O mesmo embaixador, nas suas
últimas memórias, tem a opinião oposta: "Foi apenas três
dias depois de Hitler ter invadido a Rússia. Alguém na reu-
nião perguntou: 'E as cinco colunas na Rússia?' Respondi
imediatamente: 'Elas não existem; os seus membros foram
fuzilados'. Houve ou não a tão falada agressão interna na

194
Critique de Bettelheim, Claude Varlet, Ed. NBE, pág. 264.
195
Stalin, ¡insólito!, tomo 2, págs. 325-7.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|169 |

Rússia, cooperando com o Alto Comando Alemão. A marcha


de Hitler em Praga em 1939 foi seguida do apoio militar
ativo que lhe foi dado pelas organizações de Henlein na Che-
coslováquia. Da mesma forma, a Noruega foi invadida. Na
vida interna da Rússia não houve Sudeten Henleins, Tisos
Eslovacos, Degrelles Belgas, Quislings Noruegueses. Ne-
nhum de nós na Rússia em 1937 e 1938 atribuiu qualquer
importância ao significado das atividades da Quinta-Coluna.
A frase não era vulgar. A utilização na nossa língua de frases
descritivas da técnica nazista como "Quinta Coluna" e
"Agressão Interna" é relativamente recente. (...) O governo
soviético, parece agora claro, estava mesmo nessa altura
subtilmente atento aos planos alemães e ao trabalho interno
que estava a decorrer na Rússia em preparação para o futuro
ataque alemão. Os anúncios de julgamentos e execuções
(purgas) em toda a Rússia durante esse ano (1938) acusavam
invariavelmente os criminosos de atividade desleal e subver-
siva em nome de uma "potência estrangeira" que desejava a
queda do Estado soviético196.
Mesmo para um historiador trotskista como Isaac
Deutscher, “(...) não se deve acreditar que a maioria da na-
ção era hostil ao governo. Se fosse esse o caso, nenhum
apelo patriótico, nenhuma promessa ou nenhuma medida
de coerção teria evitado o colapso político da Rússia, que
Hitler esperava. A grande transformação por qual passou o
país nos anos que antecederam a guerra (...) fortaleceu o
moral da nação. A maioria estava convencida do progresso

196
Stalin, ¡insólito!, tomo 2, págs. 310-1.
|170 | História Crítica do Trotskysmo|

social e econômico e decidida a defendê-lo com determina-


ção contra qualquer perigo que viesse do exterior (...).
[Stalin], no entanto, atingiu alguns de seus objetivos vi-
tais. Ele resistiu à pressão ocidental com bastante firmeza para
desencorajar qualquer projeto americano de estender a guerra;
a indústria nuclear soviética deu um salto e produziu sua pri-
meira bomba de hidrogênio em 1953, pouco depois dos ameri-
canos. Setores-chave da economia soviética, que haviam recu-
perado seu nível de desempenho antes da guerra nos anos
1948-49, o ultrapassaram em cinquenta por cento durante os
últimos anos de Stalin. A modernização e a urbanização na
União Soviética estavam se acelerando. No início da década de
1950, a população urbana havia aumentado em aproximada-
mente 25 milhões de almas. As escolas secundárias e universi-
dades ensinavam duas vezes mais alunos do que antes de 1940.
Após as ruínas da guerra mundial, foram lançadas as bases
para a renovação industrial e militar da Rússia, uma renova-
ção que em breve deslumbraria o mundo. (…) É fato que 'Stalin
encontrou uma Rússia trabalhando com arados de madeira e a
deixou equipada com baterias atômicas' (...). Resumir o domí-
nio de Stalin desta forma é, sem dúvida, um tributo ao seu su-
cesso (as palavras citadas por Deutscher vêm do obituário so-
bre Stalin publicado no Manchester Guardian de 6 de março de
1953) ”197 .
Domenico Losurdo resume de forma impecável a si-
tuação em que se desenrolou a prolongada luta entre os par-
tidários do marxismo-leninismo e os partidários do

197
Staline, Gallimard, Paris, 1973, págs. 487, 598 y 620. Citado
en Trotskisme ou léninisme, pags. 50 a 52.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|171 |

trotskismo para decidir o curso a seguir após a vitória da


Revolução de Outubro de 1917:
“Entre o período histórico que vai de 1918 à invasão
nazi, a URSS é arrastada de um estado de exceção para ou-
tro, de uma guerra civil para outra: a guerra de intervenção
imperialista (1918-1921), a guerra contra a coletivização
agrária, e a guerra da oposição dentro do partido bolchevi-
que, uma guerra atravessada por sabotagem, atos terroris-
tas, conspirações, interferência e maquinações das potên-
cias capitalistas, contrarrevolucionários brancos, etc. Este
é o contexto da formação da URSS sob a liderança de Stalin
no PCUS. Um contexto que, na luta de classes, contempla o
mais importante dos triunfos da revolução. São triunfos
dessa revolução: a coletivização do campo, a industrialização
socialista, a alfabetização das massas, povos e nações intei-
ras, a criação de um bem-estar social gratuito, a crescente
popularidade da URSS no movimento operário internacional
e na intelectualidade progressista, a crescente participação
das massas na defesa e construção da nova civilização socia-
lista e a vitória sobre o nazismo onde as potências capitalis-
tas europeias fracassaram. É neste contexto e nos bastidores
que o conflito com a oposição dentro do próprio partido bol-
chevique foi resolvido “198.
Após o fracasso da trama do bloco na URSS, Trotsky
finalmente formalizou, em 1938, a constituição da “Quarta
Internacional” cuja principal missão seria combater o “sta-
linismo”, considerado por ele como o principal obstáculo à

198
Domenico Losurdo, citado en Stalin, ¡insólito!, tomo 2, pág.
235.
|172 | História Crítica do Trotskysmo|

revolução internacional. Ele profetizou que “no decorrer dos


próximos dez anos, o programa da Quarta Internacional
conquistará milhões de apoiadores”199. No entanto, a cisão
inicial em sua maior seção nacional, sua morte e a vitória
da URSS e seus aliados na Segunda Guerra Mundial deixa-
ram esta "Quarta Internacional" muito enfraquecida. Foi
mais tarde, com a ajuda do imperialismo durante a "guerra
fria" e especialmente após os ataques de Khrushchev a Sta-
lin, que o trotskismo foi revivido.
De lá para cá, esta corrente sustenta algumas deman-
das imediatas das massas oprimidas, não para levá-las à re-
volução em seu próprio país, mas para lutar contra partidos
comunistas, países socialistas e governos soberanos, colabo-
rando sem hesitar com o imperialismo. Para trotskistas, o de-
senvolvimento do imperialismo é a fonte de equalização e ho-
mogeneização social necessária para que haja uma revolução
internacional. Todas as revoluções vitoriosas do século 20 e
seus líderes tiveram que enfrentar as atividades hostis dos
trotskistas: Mao na China, Ho Chi Min na Indochina, Kim Il
Sung na Coréia, Fidel Castro e Che Guevara em Cuba, etc.

199
Citado en La lucha del partido bolchevique contra el trots-
kismo, t. 2, pág. 281.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|173 |

Capitulo III
Conteúdo, concepção de mundo e
posição de classe do trotskismo
|174 | História Crítica do Trotskysmo|

Um Marxismo Fracionado
Em Defesa do Marxismo-leninismo|175 |

Os trotskistas usam fragmentos da teoria do mar-


xismo, mas o trotskismo é o que separa e se distingue do
marxismo-leninismo, sendo-lhe estranho e oposto.
Concretamente, o trotskismo tira de Lassalle a nega-
ção da necessidade da revolução burguesa nos países onde
ainda não foi realizada, bem como a negação do que é revo-
lucionário no campesinato, vendo-o apenas como um propri-
etário de terras privadas. A oposição à construção da ali-
ança entre trabalhadores e camponeses como base para a
revolução é uma herança lassalina persistente nas fileiras
da social-democracia internacional, ao contrário de Lenin
que assumirá a linha de Marx e Engels sobre esta questão.
A maioria dos social-democratas escolherá entregar à bur-
guesia a liderança da revolução democrática nos países
atrasados, enquanto a minoria trotskista abandonará a
análise materialista destas sociedades para, de forma ab-
surdamente subjetivista, defender a revolução operária
imediata nelas. Ambos rejeitam a hegemonia do proletari-
ado sobre as massas camponesas e a sua organização revo-
lucionária, que no final deixa a liderança da revolução de-
mocrática nas mãos da burguesia capitalista. Ambos os la-
dos consideram que o domínio político da classe trabalha-
dora e a reorganização socialista da sociedade devem espe-
rar até que o desenvolvimento capitalista tenha abolido o
campesinato e outras classes intermediárias, tornando as-
sim a maioria da população proletária. Ambos os lados exa-
geram o papel progressivo da burguesia capitalista, ao qual
subordinam as possibilidades, expectativas e atividades do
movimento operário.
|176 | História Crítica do Trotskysmo|

Quando o capitalismo passou ao seu estágio imperia-


lista, isto é, reacionário, ambas as alas da social-democracia
— a direita e a "esquerda" (trotskista) — continuaram a in-
sistir no papel progressista do capitalismo, ignorando que as
condições gerais do socialismo já tinham sido criadas e que o
principal se tornou a luta revolucionária para derrubar o po-
der político das classes possuidoras e substituí-lo pelo do pro-
letariado e seus aliados. Para eles, os países atrasados não
estavam em condições de construir o socialismo devido à
falta de desenvolvimento das forças produtivas e ao excesso
de população camponesa, enquanto os países avançados
também não podiam devido à dependência da sua economia
em relação à dos outros países. Assim, os trotskistas susten-
tam que o socialismo é impossível num só país ou num grupo
de países e exigem que a sua construção espere até que o ca-
pitalismo imperialista produza uma equalização econômica
e política de todos os países que torne possível uma revolução
mais ou menos simultânea, fato que não pode ter lugar por-
que o monopolismo capitalista substitui a livre concorrência
pela dominação e exploração de alguns países por outros. A
lógica argumentativa do trotskismo leva, então, necessaria-
mente a opor-se ao socialismo e à revolução realmente possí-
vel.
A sua lógica argumentativa leva, portanto, os trots-
kistas a sabotar as preparações revolucionárias desde o pri-
meiro momento. Assim, enquanto a classe operária não
compreendesse a maioria da população da Rússia, Trotsky
não estava preparado para organizar a conquista da dita-
dura do proletariado e do socialismo, nem para organizar
um partido revolucionário, centralizado e disciplinado da
Em Defesa do Marxismo-leninismo|177 |

classe operária minoritária que lutaria pela hegemonia e


liderança efetiva sobre a maioria camponesa da população.
Juntou-se à posição dos social-democratas mencheviques
que queriam um partido de trabalhadores que acompa-
nhasse a burguesia no desenvolvimento do capitalismo, es-
tando satisfeitos com algumas reformas sociais. Para
Trotsky, bastava que tal partido lhe permitisse formar à
sua volta uma fração de aderentes que só se distinguiriam
do resto pelo seu utopismo radical e verborreia revolucioná-
ria. Assim, uma vez formado o partido sobre os princípios
do bolchevismo, o objetivo de Trotsky era combatê-lo e neu-
tralizá-lo: primeiro do exterior, tentando atraí-lo para uma
unidade ampla e ineficaz liderada por ele e outros falsos
apoiantes da revolução socialista proletária; depois do inte-
rior, dividindo-o. Foi assim que Stalin explicou o regime le-
ninista do partido que permitiu assegurar o seu caráter pro-
letário e derrotar a pequena tendência burguesa para o sec-
tarismo e o divisionismo: "O exercício da democracia dentro
do partido, admitindo as críticas práticas das deficiências e
erros do partido, mas sem tolerar o menor sectarismo e eli-
minando todo o sectarismo sob pena de expulsão do par-
tido"200.
Embora Trotsky tenha lido e estudado a teoria mar-
xista, ele realmente não a entendeu ou, se a entendeu, não a
compartilhou e a deturpou. O que ele entendeu por mar-
xismo foi o esquema abstrato rígido que prevalecia na Se-
gunda Internacional, ao qual a realidade teria de se

200
https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe15/Sta-
lin%20-%20Obras%2010-15.pdf, pág. 54.
|178 | História Crítica do Trotskysmo|

conformar pela força do esforço. Ou seja, o contrário do que


afirmava Lenin, citando Pisarev: "A disparidade entre os so-
nhos e a realidade não produz qualquer dano, desde que o
sonhador acredite seriamente num sonho, olhe cuidadosa-
mente para a vida, compare as suas observações com os seus
castelos no ar e, em geral, trabalhe conscienciosamente para
a realização das suas fantasias. Quando há algum contacto
entre os sonhos e a vida, tudo corre bem"201. Na mesma li-
nha, Marx tinha avisado que: "É na prática que o homem
tem de provar a verdade, ou seja, a realidade e o poder, a
veracidade do seu pensamento. A disputa sobre a realidade
ou irrealidade de um pensamento que se isola da prática é
um problema puramente escolar"202.
Em vez de reconhecer que seu esquema de "revolução
permanente" estava fora de sintonia com a vida, ele tentou
encaixá-lo nas mentes dos marxistas por meio de estudos e
sofismas, promovendo neles seu próprio idealismo e subje-
tivismo203.

201
Lenin, ¿Qué hacer?, p. 249. https://www.marxists.org/espa-
nol/lenin/obras/1900s/quehacer/que_hacer.pdf
202
https://www.marxists.org/espanol/m-e/1840s/45-feuer.htm
203
Harpal Brar adverte da seguinte consequência prática da teo-
ria da "revolução permanente": "Devido a este absurdo lógico ine-
rente ao trotskismo, os trotskistas propõem-se sempre e em todo
o lado a realizar as tarefas futuras do movimento, ignorando pro-
fundamente as tarefas presentes. Combatem sempre o inimigo
errado, ou inimigos que não existem. Batem incessantemente no
ar. A realidade escapa sempre a estes pobres companheiros.
Quem não bate o ar com eles e não enfrenta moinhos de vento
não é um revolucionário mas sim um 'burocrata estalinista'".
(Trotskismo ou Leninismo, p. 181)
Em Defesa do Marxismo-leninismo|179 |

Seu dogmatismo, que compartilhava com os dirigen-


tes da Segunda Internacional em atitude e parcialmente em
conteúdo, o impedia de pensar dialeticamente. Por isso, ele
não conseguia entender corretamente a nova etapa imperi-
alista do capitalismo e o caminho que ela impunha à revo-
lução proletária.
Trotsky foi, portanto, um intelectual de muito cará-
ter, que se dirige ao movimento operário, mas que reluta
em renunciar à sua posição de classe original para assumir
a do proletariado. Em seu livro Minha Vida, ele explica sua
admiração, desde tenra idade, pela intelectualidade majo-
ritariamente burguesa ou pequeno-burguesa: "escritores,
jornalistas, atores, a meu ver encarnava o mais atraente de
todos os mundos, aos quais apenas o escolhido teve
acesso."204
E aquela atitude elitista e arrogante típica desta ca-
mada social, ele a manifesta com demasiada frequência
para ser acidental. Por exemplo, no mesmo livro (note que
Marx, Engels, Lenin e outros intelectuais verdadeiramente
proletários estavam sempre ocupados com coisas mais im-
portantes do que escrever sua autobiografia), ele afirma:
“Voltei para a Rússia em fevereiro de 1905, vários meses
antes de outros emigrados importantes, que não aparece-
ram até outubro e novembro. Entre os camaradas russos,
não havia um único que pudesse me ensinar alguma coisa.
Longe disso, eu mesmo tive que ocupar a tribuna do profes-
sor. (…) Eu entendi que meus anos de aprendizado haviam

204
Trotski, Mi vida, p. 42,
http://www.enxarxa.com/biblio-
teca/TROTSKY%20Mi%20Vida.pdf
|180 | História Crítica do Trotskysmo|

acabado. Não quero dizer, longe disso, que parei de estudar.


(…) Mas já não precisava estudar como discípulo, mas como
mestre “.205
A sua concepção intelectualista traduziu-se numa
atitude de indisciplina, descrita por Lenin desde o II Con-
gresso do POSDR como anarquismo aristocrático ou majes-
toso: isto é, o oposto do que é necessário para construir o
partido revolucionário do proletariado e da sociedade socia-
lista. Lenin disse a respeito dele: "este conspirador e liqui-
dante continua a mentir a torto e a direito".206
Com Trotsky, o comportamento intrigante, confuso e
conspiratório de Bakunin se repetiu, desta vez dentro do
partido operário marxista. O movimento operário não pode
desenvolver-se sem a influência perniciosa do pequeno re-
volucionismo intelectual burguês, que deve ser combatido e
neutralizado uma e outra vez. Trotsky foi o representante
mais capaz daquela seção da pequena burguesia que parti-
cipa no derrube da burguesia capitalista, mas que se recusa
a adotar a perspectiva mundial do proletariado. Após a con-
quista da ditadura do proletariado, a luta contra o desvio
dos interesses proletários que encarnou continuou a ser útil
para a definição concreta e exata desses interesses, bem
como para a construção da organização necessária para os
satisfazer. Posteriormente, só foi útil à burguesia imperia-
lista como uma "quinta coluna" infiltrada no movimento
operário para combater a sua vanguarda comunista e para
a decompor.

205
Ibídem, p. 106
206
Carta a la redacción del periódico «Pravda», 19 de julio de
1912, tomo XXXVIII de las obras completas, Ed. AKAL, pág.372.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|181 |

O que Marx e Engels já tinham observado dos seus pre-


decessores aconteceu ao trotskismo: nomeadamente, que as
seitas "se tornam um obstáculo assim que este movimento as
ultrapassa; depois tornam-se reacionárias. Testemunho disso
são as seitas na França e na Inglaterra e, ultimamente, os
Lassalleanos na Alemanha, que, depois de terem impedido
durante vários anos a organização do proletariado, acabaram
por se tornar meros instrumentos da polícia"207.
Essa é a jornada histórica do trotskismo, independen-
temente da honestidade e do valor de alguns partidários de
Trotsky. Desde que o revisionismo assumiu a liderança do
Partido Comunista da União Soviética e do movimento co-
munista internacional, o trotskismo recuperou força, entre
outras razões, porque Khrushchev e outros revisionistas re-
petiram algumas das acusações de Trotsky contra o bolche-
vismo e contra Stalin. As correntes trotskistas até mesmo se
reformaram em alguns partidos comunistas. Mas a corrosão
pequeno-burguesa radical nas fileiras marxista-leninistas
não ocorre necessariamente sob a bandeira do trotskismo,
embora repita muitos de seus traços característicos, típicos
de sua essência de classe comum.
Assim, na luta contra o revisionismo de direita, al-
guns comunistas às vezes se entregam ao "esquerdismo" pe-
queno-burguês.
Por exemplo, quando vacilam na solidariedade anti-
imperialista com os movimentos de libertação das nações

207
Las pretendidas escisiones en la Internacional, Marx y Engels,
enero-marzo de 1872. https://www.marxists.org/espanol/m-
e/1870s/lpee72s.htm.
|182 | História Crítica do Trotskysmo|

atrasadas e os criticam por não lutarem diretamente pela re-


volução socialista.
Quando reconhecem teoricamente que a classe traba-
lhadora precisa se aliar às classes intermediárias, mas rejei-
tam qualquer acordo ou negociação esclarecedora para as mas-
sas com os atuais representantes políticos dessas classes.
Quando exageram sua crítica à nova burguesia dos
países socialistas ou ex-socialistas a ponto de lhes negar
apoio firme contra a velha burguesia imperialista ocidental
que tenta subjugá-los.
Quando os anos e décadas passam, eles ainda são in-
capazes de construir partidos revolucionários de massa, eles
mantêm uma oposição sectária absoluta entre as organiza-
ções Marxistas-Leninistas e renunciam à unificação da van-
guarda proletária em um único Partido Comunista; etc.
Até meados do século XX, os partidos marxistas-leni-
nistas do mundo eram grandes organizações revolucioná-
rias unidas dentro de si, entre si e com as massas dos seus
países (apesar dos desvios e contradições que eram comba-
tidos com melhor ou pior sorte). Mas, posteriormente, o mo-
vimento comunista internacional estalou. O marxismo-leni-
nismo deixou de aparecer como uma arma única e unifica-
dora a ser empunhada pelas massas militantes ansiosas
por se libertarem da exploração capitalista. Os seguidores
da URSS, da China e da Albânia foram absolutamente co-
locados um contra o outro, excluindo a possibilidade de lidar
com as suas diferenças através do centralismo democrático
(que foi a forma como nasceu o bolchevismo: num congresso
em que até as tendências socialistas mais reformista como
os economistas ou o Bund participaram). É claro que os
Em Defesa do Marxismo-leninismo|183 |

principais culpados pelo desmembramento do movimento


comunista internacional foram os revisionistas soviéticos
que atacaram e destruíram os princípios revolucionários do
marxismo-leninismo. Mas parece que aqueles que defende-
ram estes princípios se afastaram do método dos bolchevi-
ques e certamente não tiveram o sucesso dos bolcheviques.
Assim, o facciosismo e o dividicionismo, característicos dos
trotskistas, minaram cada vez mais a capacidade política e
organizacional dos marxistas-leninistas, até surgir a atual
situação trágica em que os trabalhadores estão quase total-
mente à mercê dos seus exploradores. E precisamente a
única coisa que pode inverter esta catástrofe é a iniciativa
dos mais avançados entre eles, os comunistas.
Uma dessas saudáveis iniciativas revolucionárias
veio recentemente do Partido Comunista da Grécia (KKE),
uma das maiores organizações marxistas-leninistas do pla-
neta. A maioria das suas posições são consistentes com o
marxismo-leninismo. São também muito oportunos para in-
culcar nas massas proletárias a consciência dos seus verda-
deiros interesses e da sua missão histórica face à influência
corruptora da democracia pequeno-burguesa. Infelizmente,
a crítica a esta última pelos líderes da KKE não é inteira-
mente dialética, mas sim algo unilateral, abstrata, exage-
rada e "esquerdista". Neste sentido, convergem em vários
aspectos com o trotskismo 208, tal como alguns seguidores de

208
Declaración del Comité Central del KKE sobre el 100 aniver-
sario de la Gran Revolución Socialista de Octubre, https://in-
ter.kke.gr/es/articles/Declaracion-del-Comite-Central-del-KKE-
sobre-el-100-aniversario-de-la-Gran-Revolucion-Socialista-de-
Octubre/
|184 | História Crítica do Trotskysmo|

Mao Tse-Tung ou Enver Hoxha, todos eles certamente con-


tra a sua vontade.
Especificamente, os atuais líderes da KKE distorcem
a história para concluir que, na década de 1930, a defesa
prioritária da URSS pelo movimento comunista internacio-
nal a teria levado a "importantes alterações e mudanças na
linha", desempenhando "um papel negativo no curso do mo-
vimento comunista internacional nas décadas seguintes".
Com o argumento de que "encurralaram a luta do movi-
mento operário sob a bandeira da democracia burguesa",
questionam as alianças antifascistas da época e, em geral,
a necessidade de o proletariado lutar pelo socialismo confi-
ando na parte da democracia burguesa que lhe poderia ser
útil a qualquer momento. Em particular, consideram er-
rada "a distinção política das alianças imperialistas desse
período em alianças agressivas", em que as forças fascistas
foram classificadas, e nas alianças defensivas em que as for-
ças democrático-burguesas foram classificadas". "; bem
como "a avaliação sobre a existência de uma ala esquerda e
uma ala direita nos partidos social-democratas da década
de 1930, de onde surgiu a aliança com estas forças", porque
"menosprezaram completamente sua transformação total
em partidos da burguesia". Assim, hoje, consideram como
imperialistas, pelo menos prematuramente, os países que
se opõem ao domínio das potências ocidentais, bem como as
alianças entre eles (BRICS, Organização de Cooperação de
Xangai, ALBA). No entanto, é muito provável que, sem tais
alianças, tanto a vitória da URSS na Segunda Guerra Mun-
dial como a subsequente criação do campo socialista teria
sido impossível.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|185 |

Os líderes da KKE afirmam também que todos os


partidos comunistas do mundo deveriam definir o carácter
concreto da revolução nos seus países em termos não do ní-
vel particular de desenvolvimento das forças produtivas,
mas do carácter geral da época imperialista: "Em última
análise, o carácter da revolução nos países capitalistas é de-
terminado objetivamente pela contradição básica que deve
resolver, independentemente das mudanças relativas na
posição de cada país no sistema imperialista. O caráter so-
cialista e as tarefas da revolução surgem da afiação da con-
tradição básica entre capital e trabalho nos países capita-
listas, na época do capitalismo monopolista". Não é que ex-
cluam da categoria de "países capitalistas" os países ainda
semifeudais e semicoloniais, mas que, tal como os adeptos
da teoria da "revolução permanente", exigem dos comunis-
tas, mesmo destes países mais atrasados, que lutem direta-
mente pela revolução proletária, quando isto só é realizável
se anteriormente a classe operária convocar as classes po-
pulares para uma revolução democrático-burguesa contra
as relações pré-capitalistas de produção e dominação impe-
rialista. De fato, os líderes da KKE negam esta necessidade
com o mesmo argumento que Trotsky sobre esta questão:
"vivemos na era do imperialismo" e "o imperialismo não
contrapõe à nação burguesa ao antigo regime, mas o prole-
tariado à nação burguesa"209.

209
Citado y respondido por Lenin en Sobre las dos líneas en la
revolución: http://www.forocomunista.com/t28005-sobre-las-dos-
lineas-en-la-revolucion-contra-plejanov-y-la-original-teoria-de-
trotsky-lenin-1915
|186 | História Crítica do Trotskysmo|

Só poderemos continuar o trabalho do bolchevismo se


combatermos os desvios reformista sem cometer erros "es-
querdistas" (ou seja, palavras revolucionárias que masca-
ram um conteúdo contrarrevolucionário), análogo às de
Trotsky. Tais erros ainda não constituem algo tão grave
como o trotskismo, mas vale a pena ter presente o seguinte
aviso de Lenin: "Como é verdade que de um pequeno erro
se pode sempre fazer um monstruosamente grande, se se
insiste nele, se se vai mais fundo para encontrar justifica-
ção para ele e se tenta 'levá-lo até ao fim'"[210!

210
La enfermedad infantil del «izquierdismo» en el comunismo,
Lenin.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|187 |

ANEXO 1:
Crítica das "Teses Fundamentais"
de Trotsky sobre a "revolução per-
manente"211

211
Aquí se tratarán sólo las más importantes de estas «tesis fun-
damentales», expuestas en el último capítulo del libro de Trotski
«La revolución permanente» (1930), a modo de compendio y con-
clusión: https://www.marxists.org/espanol/trotsky/rev-
perm/rp10.htm
|188 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|189 |

“2- No que diz respeito aos países de desenvolvimento


burguês atrasado, e em particular dos coloniais e semicolo-
niais, a teoria da revolução permanente significa que só se
pode conceber a resolução completa e efetiva de seus objeti-
vos democráticos e de sua emancipação nacional por meio
da ditadura do proletariado, exercendo o poder de dirigente
da nação oprimida e, sobretudo, de suas massas campone-
sas ”.
“3- ... a aliança dessas duas classes [proletariado e
camponeses] não é viável senão lutar irreconciliavelmente
contra a influência da burguesia nacional-liberal”.
“4-… a aliança revolucionária do proletariado com as
massas camponesas só é concebível sob a direção política da
vanguarda proletária organizada no Partido Comunista.
O caminho necessário para transformar a revolução
democrático-burguesa em revolução socialista é convertido
aqui por Trotsky na única forma de realizar a revolução
democrático-burguesa (e de forjar uma aliança revolucio-
nária do proletariado com as massas camponesas). Além
disso, fala apenas da burguesia nacional-liberal, excluindo
a existência de uma fração democrático-revolucionária na
burguesia nacional. Ele confunde a possibilidade real de
uma revolução democrático-burguesa com a forma e o al-
cance dela que são mais adequados ao proletariado. Por fim,
o mais grave é que afirma que, para a revolução democrá-
tico-burguesa, o proletariado exclui do poder político a
classe social mais diretamente necessitada das mudanças
que esta revolução realiza: o campesinato. É um esforço ab-
surdo e prejudicial.
|190 | História Crítica do Trotskysmo|

“Isso significa, por sua vez, que a revolução democrá-


tica só pode triunfar por meio da ditadura do proletariado,
apoiada pela aliança com os camponeses e destinada princi-
palmente a alcançar os objetivos da revolução democrática”.
Trotsky continua a confundir as coisas. Desta vez, ele
confunde direção com ditadura, deduzindo que a direção dos
trabalhadores sobre as massas camponesas só é possível por
meio da ditadura do proletariado. Segundo o marxismo-leni-
nismo, na revolução socialista, a classe operária deve conquis-
tar a hegemonia e a liderança sobre as massas populares (as-
sim como sua vanguarda organizada, sobre as massas de
classe) para exercer sua ditadura sobre a burguesia. E, na re-
volução nacional-democrática (burguesa), a ditadura revolu-
cionária dos trabalhadores, camponeses e da burguesia naci-
onal deve ser exercida sobre os latifundiários, os imperialistas
estrangeiros e a burguesia dependente.
“5-… por maior que seja o papel revolucionário dos
camponeses, nunca pode ser autônomo ou, mais ainda, um
líder. O camponês segue o trabalhador ou o burguês. Isso
significa que a “ditadura democrática do proletariado e dos
camponeses” só é concebível como uma ditadura do proleta-
riado arrastando as massas camponesas para trás ”.
Com efeito, a pequena burguesia tem pouca autono-
mia e capacidade de liderança sobre outras classes. Mas as
massas camponesas não são compostas apenas pela pe-
quena burguesia, por mais que sejam a maioria entre elas.
Os arrendatários da terra capitalistas também fazem parte
do campesinato. Além disso, nos países dependentes, há
uma parte da burguesia que também se opõe à dominação
imperialista, mas Trotsky a excluiu de antemão, reduzindo
Em Defesa do Marxismo-leninismo|191 |

dogmaticamente todos os casos possíveis de revolução de-


mocrático-burguesa ao caso da velha Rússia, que era uma
Rússia independente, um país onde os capitalistas prospe-
raram sob a proteção do estado czarista.
“6- A ditadura democrática do proletariado e dos
camponeses, como regime diferente da ditadura do proleta-
riado pelo seu conteúdo de classe, só seria alcançável se
fosse possível um partido revolucionário independente que
encarnasse os interesses da democracia, dos camponeses e
mesquinhos, burgueses em geral, um partido capaz de con-
tar com o apoio do proletariado, de tomar o poder e imple-
mentar seu programa revolucionário a partir daí.
A natureza do poder que emana de uma revolução
democrático-burguesa não é determinada pela existência de
um partido pequeno-burguês independente, mas pelo con-
teúdo de suas tarefas e pelas classes interessadas em rea-
lizá-las. Na Rússia existia esse partido camponês pequeno-
burguês — o partido socialista-revolucionário —, participou
da ditadura conjunta através dos deputados militares dos
soviéticos, entre fevereiro e outubro de 1917, e seu pro-
grama revolucionário foi o que se aplicou nos meses imedi-
atamente a seguir pelo governo bolchevique, com a partici-
pação da ala esquerda desse partido.
"Como testemunha a experiência de toda a história
contemporânea, e especialmente a da Rússia durante o úl-
timo quarto de século, um obstáculo invencível no caminho
da criação de um partido camponês é a ausência de inde-
pendência econômica e política da pequena burguesia e a
sua profunda diferenciação interna. Como resultado, os es-
tratos superiores da pequena burguesia (dos camponeses)
|192 | História Crítica do Trotskysmo|

em todos os casos decisivos, especialmente na guerra e re-


volução, vão com a grande burguesia, e os estratos inferio-
res com o proletariado, forçando assim o sector intermédio
a escolher entre os polos extremos. Entre o kerenskyismo e
o poder bolchevista, entre o "Kuomintang" e a ditadura do
proletariado, não pode haver qualquer possibilidade inter-
média, ou seja, uma ditadura democrática dos trabalhado-
res e camponeses".
Trotsky já não fala de uma revolução burguesa-de-
mocrática, mas de uma revolução socialista cujo inimigo é a
"grande burguesia". Mas, durante uma revolução democrá-
tica burguesa, uma parte da burguesia capitalista pode
comportar-se de uma forma revolucionária e arrastar atrás
dela as pequenas massas burguesas. Entre o Kerenskyismo
e o poder bolchevique estavam os SRs de esquerda, e entre
o Kuomintang anticomunista de Chiang Kai-shek e o Par-
tido Comunista da China estava o Kuomintang de Sun Yat-
sen e Soong Ching-ling, apoiado pela Rússia soviética de
Lenin desde 1918. O pior destes exageros e deturpações de
Trotsky é que, uma vez que a ditadura do proletariado
ainda não é imediatamente realizável numa sociedade ca-
pitalista atrasada, o trotskismo condena a classe trabalha-
dora e os camponeses que aí vivem a capitular à opressão
feudal e imperialista.
“7 - Porque esta palavra de ordem [a ditadura demo-
crática dos trabalhadores e camponeses] se opõe à ditadura
do proletariado, ..."
Pelo contrário, é o único que possibilita a conquista da
ditadura do proletariado em países cujo desenvolvimento
Em Defesa do Marxismo-leninismo|193 |

burguês é dificultado pelas relações econômicas pré-capita-


listas e pelo domínio estrangeiro.
"Politicamente contribui para a dissolução deste [o
proletariado] nas massas pequeno-burguesas e, assim, cria
as condições mais favoráveis para a hegemonia da burgue-
sia nacional e, consequentemente, para o fracasso da revo-
lução democrática."
A dissolução do proletariado nas massas pequeno-bur-
guesas não depende de sua participação no poder quando a
burguesia é revolucionária, mas de seu desdobramento em
seu interior de sua luta pela hegemonia e direção ao longo
da revolução democrática. Caso contrário, a classe trabalha-
dora teria que renunciar a qualquer aliança com outras clas-
ses sociais por medo de se dissolver nelas. E tal opinião não
seria nada parecida com o marxismo.
Além disso, a hegemonia da burguesia nacional não
conduz em todos os casos ao fracasso da revolução democrá-
tica. Só é verdade que a direção proletária da ditadura con-
junta é aquela que permite que a revolução democrática
seja levada às suas últimas consequências para passar à
fase socialista da revolução da maneira mais rápida e me-
nos dolorosa.
"A incorporação desta palavra de ordem [ditadura de-
mocrática dos trabalhadores e camponeses] ao Programa da
Internacional Comunista já representa em si uma traição di-
reta ao marxismo e às tradições bolcheviques de outubro."
Trotsky esconde aqui que: 1o) esta foi a palavra de or-
dem com que o Partido Bolchevique partiu para a revolução
russa de 1905 e a de fevereiro de 1917 (que então se materi-
alizou nos sovietes de deputados operários e militares); 2ª)
|194 | História Crítica do Trotskysmo|

não era a palavra de ordem para outubro porque não era


mais uma revolução democrático-burguesa (realizada no
principal — o poder político — a partir de fevereiro), mas
uma revolução socialista. Trotsky afirma que a Revolução de
Outubro ocorreu apesar da traição direta ao marxismo come-
tida pelos bolcheviques até abril de 1917. No entanto, a Re-
volução de Outubro não teria ocorrido sem a existência de
um partido como os bolcheviques. Também está claro que
Trotsky queria substituir o bolchevismo revolucionário pelo
trotskismo contrarrevolucionário.
“8-… a revolução democrática, é inevitável e repenti-
namente, quando triunfa, perante objetivos relacionados
com profundas transformações do direito de propriedade
burguês. A revolução democrática se transforma direta-
mente em socialista, tornando - se permanente”.
O objetivo da revolução democrático-burguesa não é
transformar os direitos de propriedade burguesa, mas li-
bertá-la dos obstáculos feudais e imperialistas que impedem
seu desenvolvimento e, com ela, o desenvolvimento das for-
ças produtivas de natureza social e o desenvolvimento do
proletariado, em número e organização. Se o proletariado
conseguir conduzi-lo, ele o transformará o mais imediata-
mente possível em uma revolução socialista. E isso signifi-
cará uma revolução permanente ou ininterrupta em duas
etapas sucessivas: uma democrático-burguesa e a seguinte
socialista. É a revolução permanente ou ininterrupta defen-
dida por Marx e Lênin, que nada tem a ver com a "revolução
permanente" defendida por Trotsky no qual obstaculiza a vi-
tória da revolução burguesa-democrática nos países onde ela
Em Defesa do Marxismo-leninismo|195 |

ainda está pendente, opondo-se à ditadura conjunta do pro-


letariado e do campesinato.
“10- O triunfo da revolução socialista é inconcebível
dentro das fronteiras nacionais de um país”.
Esta afirmação só é verdadeira em relação ao triunfo
definitivo da revolução a conquista do comunismo, porque é
impossível evitar uma intervenção imperialista com o obje-
tivo de restaurar o capitalismo. Entretanto, é possível e ne-
cessário começar a construir o socialismo nos países onde
triunfa a luta revolucionária do proletariado, apoiando a par-
tir daí a revolução no resto do mundo. É um caminho cheio
de dificuldades e retrocessos parciais, mas não há outro: a
revolução mais ou menos simultânea em todos os países é
impossível devido ao desenvolvimento desigual e à opressão
nacional que caracterizam o imperialismo.
“11- O esquema de desenvolvimento da revolução
mundial, como está delineado, elimina o problema da distin-
ção entre países “maduros” e “imaturos” para o socialismo,
no sentido da classificação de mortos e pedantes estabelecida
pelo atual programa da Internacional Comunista.
Trotsky tenta pedantemente eliminar, com seu "es-
quema" morto, a realidade objetiva e seu desenvolvimento
necessário. Nesta fase do progresso social, ainda existem
países que estão maduros e não maduros para o socialismo,
e em todos eles o socialismo pode ser construído se as medi-
das nacionais e internacionais correspondentes forem rea-
lizadas: a revolução democrático-burguesa (idealmente, li-
derada pelo proletariado) nas revoluções imaturas, socialis-
tas na maturidade, solidariedade proletária internacional,
alianças anti-imperialistas, etc.
|196 | História Crítica do Trotskysmo|

"... Em um país cujo proletariado chegou ao poder


como resultado da revolução democrática, o destino final da
ditadura e do socialismo dependerá não tanto das forças
produtivas nacionais quanto do desenvolvimento da revolu-
ção socialista internacional. "
E antes do "último período"? Qual é o papel de um
revolucionário? Explorar ao máximo as condições disponí-
veis para levar a revolução o mais longe possível ou falar da
insuficiência dessas condições e da necessidade de ajuda ex-
terna? Não satisfeito com esta última opção, Trotsky fez
tudo ao seu alcance para sabotar o socialismo na URSS e
torpedear seu apoio externo, a fim de alimentar sua cria-
tura intelectual: a teoria da "revolução permanente".
“12- A teoria do socialismo em um único país, que
surgiu como consequência da reação contra o movimento de
outubro, é a única teoria que se opõe de forma consistente e
definitiva à da revolução permanente”.
Como é possível que a teoria do socialismo em um
país tenha nascido como uma reação a algo que ainda não
havia ocorrido? Na verdade, a possibilidade e necessidade
do triunfo do socialismo em um único país foi explicada por
Lenin antes de 1917, precisamente em oposição a como
Trotsky desenvolveu a faceta internacional de sua teoria da
"revolução permanente" para justificar a traição dos chefes
europeus da social-democracia.
“A divisão mundial do trabalho, a subordinação da
indústria soviética à tecnologia estrangeira, a dependência
das forças produtivas dos países avançados da Europa das
matérias-primas asiáticas, etc., etc., tornam impossível
Em Defesa do Marxismo-leninismo|197 |

construir uma sociedade socialista independente em qual-


quer país no mundo. "
Menos de dez anos foram suficientes para que o de-
senvolvimento prático da URSS dissipasse esse mau pres-
ságio. A vitória sobre o nazi-fascismo e a criação de todo um
campo de países socialistas mostraram ao mundo uma
prova irrefutável do fracasso da profecia de Trotsky.
“13- A teoria do nacional-socialismo reduz a Interna-
cional Comunista à categoria de instrumento auxiliar de
luta contra a intervenção militar”.
Paradoxalmente, aquele que iria colaborar com o na-
cional-socialismo hitleriano era Trotsky. Mas o que é real-
mente importante aqui é a relação entre os países socialis-
tas e o movimento comunista internacional. Os primeiros
são apenas uma parte dos segundos. Mas uma parte muito
importante, a sua base mais sólida, e o movimento dos tra-
balhadores nos países capitalistas devem defendê-los como
uma obrigação tão importante como fazer a revolução no
seu próprio país. Não são tarefas mutuamente exclusivas,
embora possam surgir contradições e conflitos entre elas,
tal como entre diferentes destacamentos nacionais da
classe trabalhadora. Além disso, os Estados socialistas ba-
seiam-se numa aliança de classes e nem sempre é o prole-
tariado que é capaz de lhes impor os seus critérios. Estas
dificuldades manifestaram-se nas três internacionais, in-
cluindo a Internacional Comunista da época de Lenin. São
resolvidos desenvolvendo a luta de classes do proletariado.
Apesar deles, o movimento operário mundial progrediu nos
seus objetivos até que o seu mais avançado destacamento
tropeçou e arrastou os outros para baixo, sem que estes
|198 | História Crítica do Trotskysmo|

últimos conseguissem recompor a sua unidade revolucioná-


ria até agora. No entanto, a vingança temporária do capita-
lismo força-o a levantar-se e continuar o seu caminho, dis-
sipando os nevoeiros do trotskismo e todas as variantes do
revisionismo com a luz mais precisa que se conhece: o mar-
xismo-leninismo.
Essa névoa de confusão propagada pelo trotskismo
fica evidente no artigo que a Esquerda Revolucionária de-
dicou à teoria da revolução permanente por ocasião do cen-
tenário da Revolução de Outubro212. Ele nos diz que, no so-
cialismo russo, os mencheviques e Trotsky estavam cara a
cara; que Lenin concordou com Trotsky na coisa mais im-
portante; e que, quanto às discrepâncias entre os dois, fo-
ram finalmente resolvidas pela Revolução de Outubro, o
que provou que Trotsky tinha razão, especialmente no que
se refere ao risco representado pela excessiva confiança do
líder bolchevique nos camponeses. É assim que os trotskis-
tas escrevem e distorcem a história.
Na declaração dos fatos da "Esquerda Revolucioná-
ria", não havia duas linhas dentro do Partido Operário So-
cial-Democrata da Rússia: a dos bolcheviques e a dos men-
cheviques, incluindo Trotsky. Para os da «esquerda revolu-
cionária”, tratava-se da superioridade de opinião de uma
única personalidade, Trotsky, sobre todas as outras; os bol-
cheviques ocuparam uma posição intermediária, que ape-
nas seu líder, Lenin, conseguiu superar, aproximando-se da
posição de Trotsky. A realidade é que Trotsky e os outros

212
http://www.izquierdarevolucionaria.net/index.php/historia-
teoria/10664-a-cien-anos-de-la-revolucion-de-octubre-la-teoria-
de-la-revolucion-permanente
Em Defesa do Marxismo-leninismo|199 |

mencheviques compartilhavam a mesma conclusão prática:


opor-se à direção proletária do campesinato durante a revo-
lução democrático-burguesa (embora sob diferentes pretex-
tos teóricos), impedindo assim não só seu desenvolvimento
até as últimas consequências, mas também até mesmo sua
realização mais elementar.
Segundo a “Izquierda Revolucionaria”, o pecado dos
mencheviques foi limitar-se ao “ABC” do marxismo, que se-
ria a necessidade de certa base material para a implantação
do socialismo. Mas esse é o ABC do reformismo que os trots-
kistas abraçam como o resto dos social-democratas, além de
sua verborragia "marxista" e "revolucionária". A questão
verdadeiramente central de toda revolução é a questão do
poder político, isto é, a questão do deslocamento de algumas
classes sociais por outras no exercício do poder político para
que o programa dessa revolução possa ser executado. Na
Rússia, foi uma revolução democrático-burguesa, conceito
que os trotskistas da "esquerda revolucionária" substituí-
ram imediatamente pelo de "tarefas democrático-burgue-
sas". dissociá-los das classes interessadas na revolução ne-
cessária para realizá-los. Assim, é mais fácil para eles de-
preciar o slogan leninista de "ditadura democrática revolu-
cionária da classe trabalhadora e do campesinato" como
uma "formulação algébrica" (além de distorcer a posição le-
ninista): segundo eles, as tarefas democrático-burguesas
são de interesse para os trabalhadores e os camponeses po-
bres; depois, eles podem ser realizados pela ditadura do pro-
letariado. É um raciocínio complicado porque, na realidade,
essas tarefas democrático-burguesas são interessantes aos
trabalhadores e aos camponeses pobres; depois, elas podem
|200 | História Crítica do Trotskysmo|

ser realizados pela ditadura do proletariado. Consequente-


mente, a plena realização da revolução democrático-bur-
guesa que interessa ao proletariado requer a participação
do campesinato enquanto tal, nela e no poder político que
dela emana. É a condição, por sua vez, para a mais rápida
conquista da ditadura do proletariado e do socialismo.
Para que triunfasse a revolução democrático-bur-
guesa, como afirmam os trotskistas da “esquerda revoluci-
onária”, “o proletariado necessitaria dotar-se de meios e
força suficiente”. Mas não deduzem dessa necessidade a
obrigação de mobilizar todo o campesinato a favor da revo-
lução democrático-burguesa, mas a obrigação de "atacar
cada vez mais profundamente a propriedade privada dos
meios de produção". Uma coisa é lutar pela transformação
imediata da revolução democrático-burguesa em revolução
socialista depois de realizada a primeira, e outra coisa é
anular a revolução democrático-burguesa como os trotskis-
tas afirmam de forma absurda e contrarrevolucionária,
rompendo a frente única das classes revolucionárias.
Parafraseando Lenin e seu artigo O Programa Agrá-
rio da Social-democracia na Primeira Revolução Russa de
1905-1907, Mao Zedong declara: 'Uma vez que a sociedade
chinesa é colonial, semicolonial e semifeudal, os principais
inimigos da revolução chinesa são o imperialismo e as for-
ças feudais. As tarefas da revolução chinesa são derrubar
esses dois principais inimigos pelo meio de uma revolução
nacional e democrática. Nesta revolução também a burgue-
sia participa em certos períodos, e que, mesmo quando a
grande burguesia trai a revolução tornando-se sua inimiga,
o gume da revolução continua a ser dirigido contra o
Em Defesa do Marxismo-leninismo|201 |

imperialismo e o feudalismo e não contra o capitalismo e a


propriedade privada capitalista em geral. Dado tudo isto, a
revolução chinesa na fase atual não é, pelo seu caráter, so-
cialista proletário, mas sim democrático-burguesa”213.
Para jogar mais areia nos olhos, os Trotskistas acres-
centam outro elemento de confusão:
“O capitalismo triunfou como o sistema social domi-
nante no mundo” e “as condições básicas gerais ... para a
transição do capitalismo para o socialismo já existiam”.
Este fato verdadeiro nos fala da maior proximidade do soci-
alismo em qualquer país, mas não elimina a necessidade da
revolução democrático-burguesa nos países onde ela ainda
não ocorreu. Um marxista não pode substituir abstrações
por análises concretas. Sem falar na prostração desses
trotskistas perante as relações de produção capitalistas
como se continuassem a governar as forças produtivas uma
vez convertidas em propriedade social. “Qualquer economia
nacional — argumentam fatalisticamente —, por mais po-
derosa que seja, depende de uma economia superior, do
mercado mundial. E que, portanto, forma um todo com suas
próprias leis e dinâmicas das quais nenhum país pode esca-
par”. Um único país socialista, "mais cedo ou mais tarde,
cairia devorado pelas contradições internas e externas que
esse isolamento provocaria". A existência e o desenvolvi-
mento da União Soviética são a prova mais clara da falsi-
dade dessa profecia do trotskismo. E a destruição da URSS
apenas ensina ao proletariado mundial a necessidade de

213
La revolución china y el Partido Comunista de China,
https://www.marxists.org/espanol/mao/escritos/CRCCP39s.html
|202 | História Crítica do Trotskysmo|

continuar com a maior energia sua luta de classes contra a


burguesia e seus ajudantes "socialistas" como os trotskis-
tas. A existência e o desenvolvimento da União Soviética
são a prova mais clara da falsidade dessa profecia do trots-
kismo. A destruição da URSS apenas ensina ao proletari-
ado mundial a necessidade de continuar com a maior ener-
gia sua luta de classes contra a burguesia e seus ajudantes
"socialistas" como os trotskistas.
Poder-se-ia responder a outras atrocidades contidas
neste artigo pela "Esquerda Revolucionária", como a de que
Lenin acabaria "concordando plenamente com a teoria da
revolução permanente de Trotsky", mas o que foi dito até
agora é suficiente.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|203 |

ANEXO 2:
Bettelheim e o trotskismo
|204 | História Crítica do Trotskysmo|
Em Defesa do Marxismo-leninismo|205 |

Charles Bettelheim era um acadêmico francês, pro-


fessor da Universidade Sorbonne, com ideias aparente-
mente originais e revolucionárias sobre a revolução sovié-
tica. Ele teve uma influência marcante em muitos jovens
estudantes que se aproximavam do marxismo e que busca-
vam entender o processo de restauração do capitalismo
ocorrido na URSS e no Leste Europeu nas décadas de 60 a
80 do século XX. Já são poucos os que se deixam seduzir por
suas afirmações de marcar um antes e um depois no desen-
volvimento do marxismo, mas ainda há quem se baseie nos
escritos desse professor para desviar alguns jovens revolu-
cionários para um beco sem saída.
O que é peculiar sobre Bettelheim é que ele critica
Stalin e sua aplicação do marxismo-leninismo, não da rei-
vindicação do trotskismo, mas do apoio da China de Mao
Zedong, isto é, o destacamento mais influente que o movi-
mento antirevisionista internacional tinha. Ele não foi o
único a exagerar as diferenças entre as duas experiências
para contrastá-las. Harpal Brar, por exemplo, dedica vários
capítulos de sua obra Trotskismo ou Leninismo à crítica da-
queles que, na Grã-Bretanha, se esconderam por trás da de-
fesa do "maoísmo" para atacar Stalin e a edificação socia-
lista na URSS214. Na realidade, estamos perante um vergo-
nhoso trotskismo que só continua a tradição dos dissidentes
da "esquerda comunista" alemã, holandesa e italiana ou do
POUM a respeito de Trotsky. Suas diferenças com ele são
secundárias ou meros estratagemas, enquanto coincidem
no fundamental: seu revolucionárioismo pequeno-burguês.

214
Trotskisme ou léninisme, capítulos 19 a 27.
|206 | História Crítica do Trotskysmo|

Já no início dos anos 1960, os trotskistas destacaram


a oportunidade apresentada a eles de se infiltrar e corrom-
per o movimento comunista, contrário ao revisionismo de
Khrushchev. Em carta aberta ao Partido Comunista da
China, diziam: “A Quarta Internacional, que desde o dia da
sua fundação liderou ... a luta contra as ideias, contra a qual
você atua hoje, está do seu lado ... O secretariado internaci-
onal da IV Internacional dá as boas-vindas a esta discussão
iniciada por você em todo o movimento comunista. Isso o
incentiva a desenvolvê-lo ”215. Como eles poderiam falar de
afinidade com os comunistas chineses se eles tivessem de-
fendido Stalin contra Khrushchev? Certamente, devido a
certos exageros de quem critica os defeitos de Stalin (30%
de sua atividade, segundo o PCC) e quanto à avaliação do
processo de restauração do capitalismo na URSS. É claro
que Stalin e os bolcheviques necessariamente cometeram
erros em sua luta pela emancipação da classe trabalhadora.
Mas, desde que a União Soviética desapareceu e alguns de
seus arquivos anteriormente secretos foram abertos ao pú-
blico, mais e mais pesquisadores confirmaram que a lide-
rança soviética liderada por Stalin havia sido injustamente
acusada de erros, imprudente e ignorante das circunstân-
cias. Basta ver a pesquisa de Arquivo de: Getty, Grover
Furr, Yuri Zhúkov, Mark Tauger, Geoffrey Roberts, Annie
Lacroix-Riz, etc. Isso mostra que o marxismo-leninismo não

215
Carta abierta del Comité Central del PCUS a las Organizaci-
ones del Partido, a todos los Comunistas de la Unión Sovié-
tica (14 de julio de 1963), pág. 603, https://www.marxists.org/es-
panol/tematica/china/documentos/pol.pdf
Em Defesa do Marxismo-leninismo|207 |

garante infalibilidade a seus partidários, mas é o melhor


guia de ação.
E muitas dessas acusações, feitas de um ponto de
vista "revolucionário", são retiradas do arsenal do trots-
kismo e disfarçadas em formas originais. É o caso de Bette-
lheim, embora possa parecer paradoxal devido ao seu ali-
nhamento básico com a direita bukharinista. Na maioria
das vezes, ele fala do campesinato soviético como tal, evi-
tando a diferenciação de classes dentro dele. E quando os
distingue, fá-lo: “O partido bolchevique começou a agir cada
vez mais [especialmente a partir de 1928] como sea solução
de todos os outros problemas dependeria da industrializa-
ção do país. Assim se concretizam as condições impostas
pela 'grande reviravolta' de 1929. A oposição da 'direita'
tenta impedir esta reviravolta, para a qual nem o partido
nem o campesinato estão realmente preparados. Mas é in-
capaz de formular uma linha política capaz de impedir que
os kulaks reagrupem em torno de si um número cada vez
maior de camponeses médios216 . Está condenado, portanto,

216
Mark Tauger, um dos mais importantes investigadores atuais
da agricultura russa e soviética, argumenta que, com os dados
atualmente disponíveis, se pode concluir que 90-95% dos campo-
neses da URSS não se rebelaram contra a coletivização, que uma
grande parte deles até a apoiou ativamente, e que a maioria das
manifestações de resistência foram resolvidas pela "explicação e
persuasão" (Famine et transformation agricole en URSS, capí-
tulo V: "Os camponeses soviéticos e a colectivização, 1930-39: Re-
sistência e adaptação", pp. 137-163, Editions Delga).
|208 | História Crítica do Trotskysmo|

à derrota, enquanto o partido embarca numa coletivização


e industrialização que não domina ”217.
Como explicado acima, a direita bukharinista e a "es-
querda" trotskista tinham diferenças puramente táticas,
concordaram em seu derrotismo pequeno-burguês e acaba-
ram convergindo no bloco de oposição formado em 1932 em
torno da plataforma de direita conhecida como Riutin.
Pouco depois de Trotsky deixar a URSS em 1929, ele come-
çou a defender uma desaceleração na taxa de industrializa-
ção e uma liquidação das fazendas coletivas. Portanto, não
há nada de estranho em defender o trotskismo em essência,
afastando-se de seus slogans "esquerdistas". Para qualquer
comunista, por pouco conhecedor das aventuras de Trotsky,
deve-se suspeitar que Bettelheim usa o termo "trotskismo"
entre aspas218, como se correspondesse a um conceito falso
e inventado; ou que qualifique a luta dos bolcheviques con-
tra a oposição pequeno-burguesa como "um estilo de discus-
são dentro do partido que visa, antes de tudo, combater
aqueles que expressam pontos de vista diferentes dos da
maioria do BP ou do Secretariado "219.
Dadas as advertências sobre os exageros do movi-
mento antirevisionista dos anos 70, é altamente recomen-
dável ler a crítica de Bettelheim escrita por Claude Var-
let220, da qual aqui citaremos alguns de seus fragmentos

217
Las luchas de clases en la URSS, segundo período (1923-1930),
Ed. Siglo XXI, pág. 322.
218
bíd., pág. 327.
219
Ibíd., pág. 443.
220
Critique de Bettelheim, I La révolution d’Octobre et les luttes
de classes en URSS, Ed. NBE (libro disponible en varias páginas
Em Defesa do Marxismo-leninismo|209 |

mais conclusivos e que ajuda saber um pouco mais sobre a


trajetória e ideias de nosso acadêmico.
Varlet explica que Bettelheim ataca o marxismo-le-
ninismo "hipocritamente, sem que seus princípios funda-
mentais sejam questionados abertamente, fingindo reco-
nhecê-los e até restaurá-los, mas esvaziando seu conteúdo
por meio de sofismas". Ele considera este ataque "particu-
larmente perigoso porque os pontos de vista de Bettelheim
ligam a aparente fidelidade ao marxismo-leninismo com a
submissão de fato ao revisionismo". Nela se pode reconhe-
cer "as clássicas teses trotskistas sobre a falência do NEP e
o caráter aventureiro da grande reviravolta de 1929, os zi-
guezagues burocráticos da direção do Partido, a degenera-
ção burocrática da direção do Partido e do Estado soviético,
o abandono do ideal revolucionário comunista em favor da
palavra de ordem burguesa: fique rico! Reformulando con-
tinuamente essas teses.221
Varlet também nos informa sobre o passado trots-
kista de Bettelheim: «Em outubro de 1945, David Rous-
set, militante trotskista desde 1930, rompe com o Partido
Comunista Internacionalista, seguido por G. Martinet, Ch.
Bettelheim, H. Claude, P. Naville, L. Schwartz. A plata-
forma de ruptura pode ser resumida com uma frase: 'Você
não pode passar por cima do cadáver do stalinismo para

web y parcialmente publicado en http://revolutionarydemo-


cracy.org/French/varlet.htm, habiendo sido traducido al castel-
lano un fragmento en http://criticamarxista-leninista.blogs-
pot.com/2013/10/el-economismo-y-el-idealismo-historico-en-la-
obra-de-charles-bettelheim.html).
221
Ibídem, págs. 31 y 43.
|210 | História Crítica do Trotskysmo|

realizar a revolução socialista' (D. Rousset). Esta tese foi


denunciada pelos trotskistas ortodoxos como uma 'capitula-
ção ao stalinismo' e uma 'revisão do trotskismo'. Foi, na ver-
dade, uma tentativa inteligente de adaptar as teorias fun-
damentais do trotskismo às novas condições, de encontrar
uma saída para a crise permanente que o trotskismo atra-
vessa desde 1927, uma crise agravada pelas vitórias con-
quistadas pelo comunista internacional Movimento na luta
antifascista.222
Em nome do "antidogmatismo" e da "liberdade de crí-
tica", eles fundaram sua Revista Internacional que se abriu
"a todas as correntes de pensamento ... todas unidas por sua
hostilidade comum ao marxismo-leninismo".
“Bettelheim substitui a luta contra o revisionismo
moderno, que é o principal perigo no movimento comunista
e operário, pela luta contra o marxismo 'petrificado', 'sim-
plificado', 'esclerosado'." Ele afirma que as seções europeias
da Terceira Internacional romperam "cada vez mais com o
leninismo ... desde o início dos anos 1930". E ele descreve os
trotskistas e a ultra-esquerda alemã e holandesa como "a
ala mais revolucionária do movimento marxista europeu da
época"223. Se ele os coloca quase no mesmo nível de erro que
a direção bolchevique, é porque eles não foram tão longe
quanto ele na degeneração do materialismo em idealismo
(em nome da luta contra o "economismo"). Varlet deduz que
Bettelheim "busca atingir um objetivo indizível: revisar o

222
Ibídem, pág. 44.
223
Las luchas de clases en la URSS, tomo 1, pág. 70, Ch. Bette-
lheim, citado en el libro de C. Varlet, pág. 95.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|211 |

veredicto justo pronunciado pela história e reabilitar


Trotsky e o trotskismo".224
Em relação ao método , ele adverte que: “Bette-
lheim, contrariando os ensinamentos do Marxismo-Leni-
nismo sobre o método de pensamento e trabalho, não proce-
deu a um extenso trabalho de pesquisa, pesquisa e estudo
sem o qual não pode haver análise concreta. limitou-se a
pegar alguns exemplos e organizá-los de acordo com sua
fantasia. '225
“Se Bettelheim conseguiu evitar a deformação que
caracteriza a historiografia tradicional - a tendência descri-
tiva e narrativa - é incorrer em generalização superficial e
abstração vazia e forçosamente encaixar os fatos em um es-
quema imaginado em sua cabeça. Assim, violou a recomen-
dação que Engels fez a Conrad Schmidt: 'Nossa concepção
de história é, antes de tudo, uma diretriz para o estudo, e
não uma alavanca que serve para a construção à maneira
dos hegelianos'.O método seguido por Bettelheim torna pos-
sível liberar qualquer coisa sem levar em conta a realidade
objetiva. Este método é caracterizado pelo uso de declara-
ções sem prova, abstração especulativa e a manipulação dos
fatos e textos de Lenin.
Sua cegueira subjetiva o leva a reproduzir muitas
lendas anti-stalinistas e a aceitar afirmações que nenhum
fato acredita.226
A definição de burocracia que Bettelheim da 'é
notável porque não vincula o surgimento e desenvolvimento

224
Critique de Bettelheim, págs. 94 a 96.
225
Ibídem, pág. 127
226
Ibídem, pág. 131.
|212 | História Crítica do Trotskysmo|

da burocracia ou base econômica, ou contradições de classe


e lutas de classes ... Bettelheim e reflete a herança de toda
uma tradição política (que deve muito ao trotskismo que
criou profunda confusão com a noção de "bonapartismo sta-
linista", que separa a burocracia de sua base de classe e
apresenta o bonapartismo como um estado que planeja
acima das classes.227
Bettelheim vê o processo histórico da luta de
classes na URSS da seguinte maneira. Na década de 1920,
“a Revolução Russa ainda está em seu estágio democrático;
a degeneração dos aparelhos da ditadura do proletariado é
inevitável; o partido bolchevique, privado de Lênin e sub-
metido a uma linha de direita, é incapaz de lançar uma
nova ofensiva proletária ”. Como pode ser visto, é basica-
mente o ponto de vista de Trotsky. Assim, ele descreve a
URSS dos anos 1930 da seguinte forma: “... os trabalhado-
res e camponeses estão cada vez mais sujeitos a uma divi-
são capitalista do trabalho e a um sistema hierárquico. Eles
são privados de todo o poder de tomada de decisão enquanto
uma camada de liderança privilegiada se desenvolve. Isso
constitui uma burguesia de estado que, finalmente, detém
o poder político.228 . Assim, negando as evidências das glo-
riosas conquistas socialistas da URSS (liquidação da bur-
guesia como classe, industrialização, coletivização e meca-
nização da agricultura, supressão do desemprego e das

227
Ibídem, págs. 195-196.
228
O modo soviético de industrialização e a sua influência, artigo
de Ch. Bettelheim publicado no jornal "Le Monde", 8 de Novem-
bro de 1977, por ocasião do sexagésimo aniversário da Revolução
de Outubro. Citado em Bettelheim's Critique, p. 269.
Em Defesa do Marxismo-leninismo|213 |

crises econômicas, entusiasmo laboral e heroísmo, unidade


vitoriosa do povo soviético e dos sua liderança na Segunda
Guerra Mundial, etc.), Bettelheim pretende liderar os jo-
vens desavisados que acreditavam em sua fidelidade ao
marxismo-leninismo que "foi sob Stalin, e não sob
Khrushchev, que a contrarrevolução ocorreu"229 ; enfim,
levá-los ao campo do trotskismo.
Varlet termina seu livro esclarecendo o caráter da
classe do trabalho teórico de Bettelheim e a causa de seu
relativo sucesso: “A corrente ideológica antimarxista que
Bettelheim personifica tira sua força da profunda base so-
cial que tem na pequena burguesia intelectual e do apoio
que a burguesia lhe dá. O surgimento desta corrente está
ligado à participação no movimento revolucionário atual
das camadas pequeno-burguesas, em particular da intelec-
tualidade e da juventude estudantil, que contribuem para o
movimento os preconceitos e vacilações típicas da pequena
burguesia. São precisamente esses preconceitos e essas va-
cilações, essa instabilidade, a tendência a passar de um ex-
tremo a outro, que constituem o terreno favorável sobre o
qual Bettelheim especula para realizar seus desígnios anti-
marxistas.230
O que é específico e perigoso sobre "a corrente ideoló-
gica e política de que o Professor Bettelheim é o principal
porta-voz... é que não revê abertamente o marxismo-leni-
nismo, pelo contrário, procura restaurar os seus princípios
com base num ataque ao "marxismo petrificado" de Stalin.

229
Critique de Bettelheim, págs. 269-270.
230
Ibídem, pág. 284.
|214 | História Crítica do Trotskysmo|

Ele não rejeita abertamente a ditadura do proletariado que


os revisionistas de todas as listras negam, ao contrário, pro-
cura defendê-la com base num ataque a ditadura do prole-
tariado sob Lênin e Stalin e opondo a experiência chinesa à
soviética. Não proclama ele a URSS [desde Khrushchev]
como "o país socialista mais avançado", pelo contrário, finge
denunciar a restauração do capitalismo no primeiro Estado
socialista do mundo, explicando o revisionismo por stali-
nismo, e assim por diante. É precisamente por ser uma re-
visão hipócrita, sutil e adocicada do marxismo, de certa
forma como Kautsky, que esta corrente é um obstáculo à
luta contra o revisionismo moderno, não só porque os seus
excessos "esquerdistas" servem de justificativa, mas tam-
bém e sobretudo porque se recusa a traçar uma linha de
demarcação clara e afiada com o revisionismo, o que reforça
o oportunismo no nosso movimento. Assim, sem denunciar
e criticar exaustivamente as ideias do Professor Bette-
lheim, é impossível realizar a unidade de todos os verdadei-
ros comunistas com base na única teoria revolucionária e
científica, o marxismo-leninismo. Nas condições atuais,
esta luta é uma necessidade imperativa e uma tarefa atual
para todos os marxistas-leninistas"231.

231
Ibídem, págs. 286-287.

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