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Soldado de Gelo - Serie A Liga D - Nana Simons
Soldado de Gelo - Serie A Liga D - Nana Simons
1º Edição – 2019
DEMERON
TRÊS ANOS ANTES
DIAS ATUAIS
BERLIM, ALEMANHA
...
...
SIRIU
BASE MILITAR DO BUNDESNACHRICHTENDIENST, BND (Serviço
de Inteligência da Alemanha)
ALGUMAS SEMANAS ANTES
ONIRA
DIAS ATUAIS
...
FRANKFURT, ALEMANHA
PRESÍDIO SECRETO DE SEGURANÇA MÁXIMA PARA EX
ESPIÕES
(...)
...
...
...
...
DEMERON
ONIRA
...
Aquele quarto não era dele. Parecia ser de ninguém. Frio, vazio,
paredes brancas e móveis claros. Tudo opaco e sem vida. Nenhuma
decoração pessoal, nada que me desse uma pista sobre o lugar onde Demeron
tinha me levado depois de fazer-me praticamente desmaiar de prazer em seus
braços.
Fiquei sentada naquela cama por vários minutos, talvez uma hora
depois que acordei. Pensando, lembrando, refletindo. Me controlando e
condenando.
Tomei banho, buscando me sentir um pouco mais humana depois da
noite anterior, mas colocar a mesma roupa e enfiar os pés nos mesmos
sapatos, só fazia parecer que aquela noite não tinha acabado. Que eu estava lá
embaixo novamente gritando com o mais belo homem que já vi, e no minuto
seguinte, deixei que ele se afirmasse em mim sem reservas. E enquanto
penteava meu cabelo, esmaguei-me mentalmente com o martelo que me
condenava, porque pior que ter nos deixado ir longe demais, é que não me
arrependi.
Saí do quarto, confirmando que estava na casa principal, e como uma
admiradora de artes, fiquei boquiaberta com a maravilha que era. A grande
escada era como um enorme caracol, levando do terceiro andar até o
primeiro. Desci passando a mão pelo corrimão, sem conseguir acreditar nas
riquezas de detalhes. As paredes eram repletas de obra de arte, e no teto, em
cima da escada, havia apenas vidro, que fazia com que entrasse uma
quantidade infinita de luz, iluminando aquela parte da casa como nem mil
lâmpadas podiam ter feito.
Estava quase no fim, quando ouvi um choro baixo, quase um
lamento. Fiquei tensa imediatamente, procurando a fonte, e encontrando ao
descer completamente. Um pequeno corpo dobrado tremia segurando
um urso de pelúcia. Meu coração amoleceu por ela, eu nem precisava ser
apresentada para saber que era Blair Konstantinova, a única neta e sobrinha
da casa. Olhei ao redor, conferindo se não havia ninguém para chegar até ela,
sabia que sua mãe não gostava de mim e queria fazer o máximo para evitá-la,
mas como deixar aquela pobre criança ali sozinha?
Tentei me aproximar sem fazer barulho para não a assustar, mas em
meu próximo passo ela já estava com o rosto vermelho e derramado em
lágrimas, me fitando com uma seriedade que não deveria estar naquele jovem
rosto. Aliás, jovem era eufemismo. Blair era apenas um bebê. Eu chutaria
cinco ou seis anos. Os cabelos incrivelmente longos e loiros, não negando a
semelhança com sua mãe, e os olhos eram de um azul profundo, que podia ter
vindo tanto de Kaladia, quanto da família de seu marido.
Parei onde estava e agachei, ficando no nível dos olhos dela, mesmo
tendo uma boa distância entre nós. Ela não foi o tipo criança rica e mal-
educada de cara, mas também não foi daquelas que imediatamente me
chamou para brincar.
— Olá, eu sou Onira. Você deve ser a Blair.
Falei calmamente, abafando um sorriso ao ver seu cenho franzido
para mim. Ela não estava propositalmente fazendo careta, parecia mais
concentrada, me observando. Uma menina carrancuda, de fato, não negava
ser filha de Kaladia e sobrinha de Demeron. Mas era a coisa mais linda
também.
Os pequenos olhos inocentes me avaliaram por longos minutos antes
de relaxar um pouco a postura e abraçar seu urso.
— Olá, senhora Onira.
— Vamos cortar esse senhora, o que acha? Eu ainda sou bem jovem.
Não tanto quanto você, mas sou — brinquei.
— Sinto muito. Mamãe gosta quando uso minha educação e que seja
gentil.
A ideia de que Kaladia obrigava uma pequena garotinha a se portar
como uma adulta me fez sentir um incômodo que eu sabia não ter direito de
sentir, mas eu fiz.
Lhe dei um grande sorriso.
— Bem, está dando certo. Você é a mais adorável moça e esse urso
que tem aí, eu nunca vi nada parecido! Ele tem um nome?
O sorriso que ela me deu iluminou a sala.
— Ele se chama Harlen.
— Uau! É um nome muito bonito. E raro, também, eu nunca ouvi. E
com certeza é um urso chique.
Blair sorriu passando a manga do vestido pelas lágrimas, levantando
do degrau que estava sentada.
— É o nome do tio Harlen. Ele morreu cumprindo dever, morreu pela
nossa nação. Tio Harlen é o nosso orgulho.
Não deixei transparecer a surpresa da descoberta. Slom não
sabia, porque se soubesse teria me dito logo que apresentou praticamente a
árvore genealógica dos Konstantinova quando fechamos o contrato. E mais
um irmão com certeza não fazia parte dos relatos que eu vi, menos ainda
Demeron o citou em nossas conversas. Mas eu sabia que não era uma
mentira. Blair podia ser pequena, mas a inocência e sinceridade em seus
olho dizia tudo.
Enquanto eu pensava, ela chegou ainda mais perto e me estendeu a
mão.
— Vamos, Onira, vou te mostrar meu quarto de brinquedos.
Meu primeiro instinto foi ir com ela e fazer de tudo para que as
lágrimas não voltassem àquele lindo rostinho, mas sabia que não era próprio
que começasse a andar pela casa que sequer fui convidada pelo dono a passar
a noite, a ficar perambulando sem a autorização da mãe de Blair.
Segurei sua mão ainda abaixada, e mantive a voz tranquila.
— Primeiro me diga porque estava chorando, se você quiser. Me
deixou preocupada.
O sorriso murchou e seus olhos ficaram baixos.
— Harlen está furado. — Como se para comprovar o fato, ela virou o
urso e levantou a roupinha, mostrando um buraco onde saía um pouco de
espuma.
— Ah, mas isso não é problema! Podemos costurá-lo.
Um pouco de esperança se mostrou em sua face, mas desvaneceu e
ela balançou a cabeça.
— Mamãe não quer. Ela diz que coisas quebradas devem ser
substituídas. Coisas consertadas ficam velhas, fedorentas e sem valor.
Franzi a testa, incomodada que Kaladia tivesse dito algo assim para
uma criança —mesmo que fosse sua filha.
— Eu fugi, porque mamãe e papai estavam brigando muito no quarto,
então vim aqui embaixo esperar que terminassem.
— Oh, pequenina — lamentei, acariciando suas mãos. — O que acha
de irmos ver se está tudo bem agora? Eu aposto que não estavam brigando,
era só uma conversa mais séria.
— Não, Onira — ela falou quando começamos a subir a
escada. — Eles lutam. Mamãe sabe lutar tão bem quanto meu pai. Ela deixou
o rosto dele sangrando e ele machucou seu braço.
Abismada, tentei não demonstrar meu choque, mas foi impossível.
Ela dizia aquilo com uma naturalidade que não era normal. Há que tipos de
coisas essa criança estava sendo exposta?
Eu não tinha o que dizer, então a acompanhei até o segundo andar, e
viramos no lado esquerdo, onde ela disse que ficava o quarto de seus pais.
Passamos por várias portas, e mesmo com Blair falando sem parar, eu estava
prestando atenção nela e respondendo, mas atenta a qualquer barulho. Se
ouvisse um grito sequer, chamaria a polícia e a levaria para o mais distante
dentro do jardim que poderíamos ir para que ela não presenciasse nada.
— Mamãe? — Blair chamou, abrindo a porta e entrando. Eu fiquei
do lado de fora, mas com a porta completamente aberta. Pude ver o enorme
quarto e de longe, na cama espaçosa, um corpo jogado em cima.
— Você foi ver o vovô? — A voz era rouca, baixa, mas reconheci
como de Kaladia. Ela não se moveu.
— Procurei por ele, mas não o encontrei.
O silêncio tomou conta do cômodo e olhei em volta, a primeira coisa
que vi foi uma garrafa de whisky ao lado da cama, em cima do criado-mudo.
A janela aberta fazia as cortinas esvoaçarem para dentro, fazendo a luz do sol
ficar dançando com a sombra lá dentro.
Blair ficou na beirada da cama segurando o urso de cabeça baixa.
Pobre menina. Eu quis entrar e sacudir Kaladia, dizer a ela para cuidar de sua
filha, para ser sua mãe.
— Vou te dar um banho, espere só um pouquinho.
— Eu já tomei, mamãe.
— Certo. — Veio um sussurro baixo. — Então fique pronta para o
ballet.
— Tudo bem. Posso ficar com Onira enquanto espero?
Como se meu nome fosse um sino do inferno, Kaladia se ergueu, o
cenho franzido para Blair. Ela colocou as mãos nas costas para ficar em pé e
soltou um pequeno barulho, como se estivesse com dor. Usava um roupão, os
cabelos molhados. Mas mesmo de longe, eu vi dois pingos de sangue no
tecido branco.
Jesus. Que tipo de merda acontecia ali?
Cada hora dentro daquela casa me deixava mais motivada a ir embora
e nunca voltar.
Seus olhos então ergueram e ela me viu na porta. A postura mudou
completamente. Ela ficou reta, nenhuma evidência de fragilidade em sua
expressão. Caminhou até estar na minha frente com firmeza, passos certos.
— O que estava fazendo com a minha filha?
— A consolando. Garantindo que ela não ficaria sozinha dentro dessa
casa enorme e fria.
— Ela não precisa do seu consolo, e pode ter certeza que sabe dar um
passeio guiado pela casa inteira.
Eu bufei, quase rindo em lamento.
— Aposto que sim. Uma criança precisa aprender lugares para se
esconder enquanto a mãe e o pai se matam.
O rosto dela se contorceu em fúria.
— Quem você pensa que é para dar um pio sobre a forma como eu
cuido de Blair?
— Ninguém. Me odeie, se quiser. — sussurrei, apenas para ela
ouvir. — Mas não faça sua filha chorar por causa de um urso!
Antes que pudesse responder, Demeron apareceu atrás de mim, o rosto sério
e silencioso. Sem dizer nada, segurou meu cotovelo firme o suficiente para
me guiar e levou-me para longe de Kaladia.
— Que diabos você pensa que estava fazendo? — perguntou, ainda
levando-me para baixo.
— Nada demais.
Ele bufou.
— Você não para de causar confusões. Que ideia foi essa de ir
encrencar com aquela mulher dentro da casa dela?
Uma veia pulsou de raiva, e me soltei de seu aperto, fitando-o
seriamente.
— Temos coisas mais importantes para lidar do que eu e sua
cunhada, como por exemplo, eu tomo remédio. — falei, esperando por sua
reação.
Ele ergueu as sobrancelhas levemente, depois assentiu.
— Bom. Sem camisinhas então.
— Bom?! Nós nem pensamos em nos proteger ontem. Eu acho
melhor fazermos um exame de sangue. Sei que estou bem, mas quero saber
de você e assim, prefiro te mostrar o meu também.
— Eu não pretendo fazer um exame. Você aceita a minha palavra e
eu aceito a sua. Não vou ter ninguém me furando e tirando meu sangue.
— Você sequer se preocupou que ontem poderia ter consequências?
— Ontem vai ter consequências.
— Demeron! — gritei, tentando quebrar de alguma forma a parede
imposta entre nós. — Pode me dar uma pista aqui? Eu estou perdida!
Ele apenas me encarou por um momento, então seus ombros caíram
levemente e segurou meu rosto, beijando-me como uma pena de tão leve.
— Bom dia. Venha tomar café.
Ele não esperou minha confirmação. Segurando minha mão, levou-
me para fora. Circulamos a varanda e no jardim de trás, haviam três gazebos.
Quase perdi o ar ao ver tamanha beleza. Eram grandes o suficiente para um
sofá e uma mesa, com duas cadeiras à frente, flores penduradas pelas quatro
colunas e as cortinas presas para deixar a luz do dia entrar.
— Demeron. — Suspirei. — É lindo!
— Obrigado. Cortei o cabelo essa semana.
Parei no caminho e virei para ele com olhos arregalados.
— Acabou de fazer uma piada?
Com a sugestão da sombra de um sorriso no canto do lábio, ele puxou
uma cadeira para mim.
— Coma.
Erguendo as sobrancelhas em seu comando, cruzei o os braços.
— Não me dê ordens.
Demeron se aproximou, colocando os dois braços em volta de mim,
prendendo-me entre a mesa e a cadeira.
— Quero que esteja alimentada antes de levá-la para casa.
Amoleci um pouco, reconhecendo o cuidado, mas, ao mesmo tempo,
a ideia de ir para casa sem ele me deixou estranhamente desanimada.
— Venha comer comigo.
— Estou bem. Coma um pouco de tudo, se não gostar de algo, apenas
deixe aí. Tente terminar a vitamina.
Ignorando o toque de comando em sua voz, fitei a mesa servida com
várias coisas e decidi que só por aquela vez, ia realmente fazer como ele disse
e experimentar um pouco de cada. Mas apenas porque tudo parecia
delicioso.
— Por que Kaladia me odeia?
Seu corpo tencionou, a boca apertada numa linha fina.
— Ela não odeia.
— Bem, com certeza não gosta de mim.
— Ela não gosta de ninguém.
— É claro que gosta, todo mundo gosta de alguém, mesmo que
poucas pessoas.
— Pare de querer humanizar todas as pessoas que conhece. Algumas
simplesmente não possuem tais sentimentos como amor, simpatia e merdas
do tipo.
— É claro que possuem, só perdem com o tempo.
— Concordamos em discordar.
Cortei mais um pedaço do pão crocante, bebendo um pouco mais da
vitamina de frutas frescas. Mas sentia seu olhar sobre mim o tempo todo,
quase me travando.
— Você pode pelo menos se sentar? Ou vai ficar só me olhando até
que eu termine?
— Realmente prefiro ficar e olhar.
Frustrada, desviei o olhar.
— Não era necessária tanta comida — murmurei.
— Preciso aprender o que você gosta.
— Para me chantagear?
Ele ficou em silêncio por um momento, então se sentou, puxando a
cadeira para tão perto quanto podia. Pegou minha mão.
— Para quando casar comigo.
Engoli em seco, tentando fugir do calor de seus olhos fixos.
— Achei que tínhamos combinado em parar com esse assunto
ontem.
— Eu não combinei nada. De fato, apenas encontramos algo melhor
para fazer ao invés de falar.
— Foi apenas uma noite, Demeron — sussurrei, tentando convencer
a mim mesma que ele não estava falando sério.
Não podia estar.
Um meio sorriso atingiu seus lábios, os olhos inexpressivos nem
piscavam.
— Não seja ingênua, kleine Unze. O que você me deu, é impossível
pegar de volta.
DEMERON
...
...
— Onira, acorde.
Rolando para o lado ao ouvir uma voz penetrando meu sono e uma
mão me balançando, fechei os olhos com mais força, determinada a voltar a
dormir.
— Deixe-me em paz.
Ouvi uma risada rouca, e com o sono dispersando, reconheci quem
estava comigo.
— Sinto muito, querida, não posso fazer isso.
Lentamente levantei o braço que cobria meus olhos e o fitei. Meu
coração derreteu como fazia todas as vezes, e soltei um suspiro trêmulo. Ele
nunca ficava cansativo de olhar. Estava ainda mais perfeito. Parecia sempre
mais bonito.
— Você é tão lindo — murmurei, meio mal humorada.
— Não faça esse bico.
Ele segurou minhas mãos e com uma delicadeza encantadora, beijou
a ponta de cada dedo, olhando fixamente em meus olhos.
— Você nunca mais vai beber como fez ontem.
Só por aquelas palavras eu imaginei que deveria ter sido muito ruim
ter que lidar comigo. E mesmo não me lembrando, no meio da bagunça da
minha mente, algo me beliscou e eu fiquei tensa.
— Eu pedi para... você sabe. — Hesitei, tão envergonhada em dizer
as palavras.
Beber nunca foi uma grande paixão, menos ainda meu estado
embriagado me deixava orgulhosa.
— O quê? — ele perguntou, alisando meu rosto.
— Não me faça dizer.
Um meio sorriso alcançou seus lábios.
— Se pediu para chupar o meu pau?
Eu cobri o rosto, gemendo de constrangimento. Tinha certeza que
meu rosto estava vermelho.
Sua risada seca me fez olhar para cima.
— E eu fiz?
— Não, eu não ia correr o risco de você vomitar nele todo.
— Eu não ia!
— Não se preocupe, Kleine unze. Você terá oportunidades infinitas
para isso. Se lembra do que mais fez ontem?
— Não, e estou grata por isso.
— É uma pena ouvir isso.
— O quê? Por quê?
Ele levantou e foi até a minha estante, parando lá de costas para mim
por alguns minutos.
— Demeron? — Me sentei, franzindo a testa por sua falta de
resposta. — O que foi?
— Eu deveria ter levado em consideração que você estava
embriagada. Que nesses momentos tomamos decisões sem estar com a mente
clara. Agora vai parecer que estou impondo isso a você.
Ele então virou, as duas mãos unidas, segurando algo. Caiu de
joelhos novamente a minha frente e me fitou com aqueles olhos gelo seco,
tão azuis que me tiravam o ar.
— Você me disse sim ontem, me abraçou e disse “sim" repetidas
vezes, então eu a deixei dormindo e chamei um amigo da família, fiz o
homem trabalhar até que tivesse a peça perfeita para você.
Atordoada, vi sua mão abrir e lá dentro pousava um lindo anel todo
trabalhado. Era dourado, como uma aliança, mas tinha uma linha separada
que era prateada, com uma linha que confirmava feita de pequenas pedrinhas
de diamante. Em cima, um pingente idêntico ao do colar que havia me dado
antes.
Levei as mãos à boca, tentando impedir o grito e as lágrimas.
— Demeron... — sussurrei, sem saber o que mais dizer.
— Embora eu tenha gostado de seu entusiasmo bêbado em me aceitar
como seu marido, eu me sentiria ainda melhor de ter a mesma resposta
sóbria.
— E-eu...
Eu realmente aceitei? Disse “sim" várias e várias vezes? Mesmo me
concentrando em tentar puxar as lembranças, não conseguia. Sendo sincera,
era o que eu queria ter feito na primeira vez que ele pediu, enquanto me
segurava e se mantinha profundamente dentro de mim.
— Onira, eu quero proteger você. — Ele se aproximou e beijou meus
lábios. — Cuidar de você. — Beijou meu nariz. — Fazer seus sonhos virarem
realidade. — Beijou minha testa. — E nada me deixaria mais satisfeito do
que fazer isso como seu marido. Então... — Ele pegou minha mão e colocou
o anel no dedo certo, e não ficou nem largo, nem apertado. — Você vai se
casar comigo?
Encaixou perfeitamente.
— Sim — me vi dizendo, e no segundo seguinte estava em cima dele,
beijando sua boca como se nunca a tivesse visto antes.
E ele me agarrou de volta, a língua passeando por cada canto dentro
de mim. As mãos me apertavam, subindo por dentro de sua camiseta até que
a puxou, jogando-a longe e me deixando nua em seu colo. Elas passearam
pelo meu corpo, pernas, cintura, seios, onde alcançou, como se estivesse
marcando cada parte de mim. Separando nossas bocas, Demeron abaixou
o rosto e mordeu meu mamilo, chupando-o com força o suficiente para me
fazer gritar, antes de soltar e arrastar a língua pelo meu pescoço. Ele me
empurrou levemente de volta, deitando-me outra vez.
Ficou de pé, puxou a camisa para fora, os movimentos fazendo os
músculos contraírem sob a pele bronzeada, então voltou sua atenção ao
cinto, abrindo o zíper num só piscar.
Seus olhos viajavam todo o meu corpo, e mesmo inquieta por
estar sendo observada com toda a luz do dia por seus olhos atentos, não me
senti estranha, me senti desejada. O fascínio nos olhos dele me diziam o
quanto me queria.
Ele ajoelhou na cama, colocando-se entre as minhas pernas e
abaixou, beijando minha barriga com beijos molhados, arrepiando cada canto
escondido do meu corpo. Desceu aplicando beijos até chegar ao meu osso
púbico, rodeando com a língua meu umbigo, e num sopro, se lançou sobre
minha boceta faminta.
A língua quente e macia foi recebida com meu grito de prazer e os
sulcos de sua provocação vazando para fora de mim. Com uma mão ele
segurava minha coxa apertado, onde com certeza haveriam hematomas, e a
outra maltratada meus seios, pulando de um para o outro, apertando e
rodando meus mamilos rígidos.
Eu gemia e soluçava de prazer, ele beijava os lábios da minha boceta
como se sua vida dependesse disso, e sugava meu clitóris até que eu me
debatia na cama, quase convulsionando com o orgasmo que se aproximava.
— Demeron! — gritei, tentando me afastar quando se tornou demais
e ele não parava. Me levando a gozar uma e duas vezes.
Apenas quando eu já estava sem forças, mole sobre a cama, ele se
afastou, mas não ficou longe por muito tempo. Antes que meus músculos
pudessem relaxar, ele estava afundando dentro de mim. Seu pau grosso me
enchendo e batendo duro, forte, até meu útero.
Ele segurou os dois lados da minha cabeça e me olhou nos olhos
enquanto metia em mim.
Deslizou dentro e fora numa velocidade que faria qualquer um
ofegar, mas estava calmo, controlado. Os olhos azuis selvagens nem sequer
piscavam. O aperto em meu cabelo se tornou mais forte, quase insuportável,
minha boceta apertou seu pau a ponto de tornar seus movimentos quase
impossíveis. E eu gritei, agarrando seu pescoço quando o senti gozar com
força dentro de mim.
Eu vou casar com esse homem.
O calor que se espalhou por meu corpo naquele pensamento me
envergonhou, mas ao mesmo tempo me fez apertá-lo ainda mais forte.
— Eu não vou a lugar nenhum — ele disse, como se pudesse ler
meus pensamentos.
— Eu sei.
Suas mãos acariciavam minhas costelas de cada lado, e ele ainda
estava incrivelmente duro lá dentro. Dando um beijo em meu pescoço, ele
puxou para fora, então deitou e me puxou para mais perto.
— Lembra quando prometi que contaria a lenda de Tristão e Isolda?
— Sim.
— Tristão era um órfão, não sabia nada sobre sua vida, mas com a
ajuda de seu tio Marco, rei da Cornualha, se tornou um cavalheiro de honra e
muita força. Ele sentia que tinha uma dívida com seu tio, por tê-lo tirado da
pobreza e dos cantos desconhecidos do reino e se tornado um grande homem,
então, ele tomou para si a missão de acabar com os inimigos de Marco. E ele
consegue, porém, o último, Morholt, o atingiu com sua espada envenenada,
então mesmo tendo ganhado a batalha, Tristão ia morrer.
Eu ainda não sabia para onde estava indo e por que ele sentia a
necessidade de dividir aquela lenda comigo, mas escutei cada palavra.
— O barco de Tristão o levou para a beira de um mar distante, se
acreditava que as ondas ou os deuses o levaram lá. Ele foi tratado por Isolda.
Depois de curado e tendo suas forças de volta, ele venceu o dragão mais feroz
daquele reino, o matou e por sua bravura, lhe foi prometida a mão de uma
princesa. Apenas lá ele soube que era Isolda. Tristão abriu mão de casar-se
com ela e a deu a seu tio. Mas no caminho de volta para casa, os dois
beberam uma porção que era destinada a Marco e Isolda para que na noite de
núpcias ambos se apaixonassem, porém, ainda no mar, Tristão e
Isolda beberam e consumaram o amor. Ela já o amava, mas ele ficou
perdidamente apaixonado depois de beber.
— Se ele não queria se casar com ela e nem a amava, por que bebeu
se sabia o efeito?
— Ela era um pacote que precisava ser entregue, mas o amava. Amou
Tristão no momento em que o curou na beira do mar. Ela queria que ele a
amasse de volta. Quando chegaram do outro lado do mar, enfrentam seu tio,
apaixonados, mas Isolda se casou com o rei Marco, e ainda assim, manteve
o romance com Tristão. Os dois foram amantes durante anos até que Marco
descobriu, ficou furioso e baniu Tristão do reino. Mas Isolda, apaixonada e
tendo perdoado sua traição, ainda vai atrás dele e vive na floresta com ele nas
condições que uma vida na selva podia dar. Mesmo sabendo que continuava
sendo traído pelos dois, Marco ordenou a morte de
Tristão, assim Isolda voltaria para ele, porém, quando ela viu Tristão
sucumbindo à morte, se deitou sobre ele, o beijou, e morreu também.
— Ela morreu por beijá-lo?
— Quem sabe? Há quem acredite que morreu de tristeza, outros
dizem que o beijo da morte de Tristão sugou a vida dela.
— Mas uma coisa é certa... ele nunca realmente a amou, mas, ainda
assim, ela morreu por ele.
— É horrível.
Ele riu baixinho e apertou minha mão que acariciava seu peito.
— Tão trágica quanto Rodin e Camille.
— Demeron — sussurrei, sem saber o que mais dizer. — Faça amor
comigo.
E ele fez.
E me falou como estava feliz por eu ter dito “sim".
CAPÍTULO 12
ONIRA
DEMERON
Ela jogou os braços nos meus ombros e me beijou.
— Temos que discutir algumas coisas antes.
— Tarde demais para rever os termos, você já disse sim.
— Eu sei, mas isso não me impede de estar preparada para o que vem
a seguir.
Eu não tinha a intenção de amá-la. Não pretendia. Mas me
preocupava com ela, gostava de sua presença. Ela era engraçada, bonita,
inteligente, e por algum motivo, queria cuidar de mim. Não que eu precisasse
ser cuidado, mas era como se ela gostasse disso.
Eu a beijei novamente, impedindo a nós dois de falar. Eu menti
para Onira dizendo que ela havia aceitado meu pedido, mas isso era algo que
ela faria eventualmente, eu apenas fiz ambos parar de perder tempo. Mas eu
não queria mentir ainda mais. Escondi muitas coisas e fugi de várias
perguntas, mas o quanto mais distante deixasse aquele casamento, melhor
seria para ela quando acabasse.
— Você está querendo me distrair.
— Está funcionando?
— Sim, mas ainda preciso saber se você dorme do lado direito ou
esquerdo. Se deixa a toalha molhada em cima da cama, se prefere lavar ou
guardar a louça, coisas domésticas assim.
— Eu durmo de qualquer lado.
Eu não dormia realmente.
— Deixo toalhas molhadas em cima da cama e nunca lavei louça na
minha vida.
Minha disciplina era rigorosa, eu sofri durante anos para aprender a
organizar tudo e isso se estendia a minha casa. Mas Onira precisava de
normalidade, de um marido que iria irritá-la com coisas simples, então eu
teria que dar isso a ela.
— Bem... — Ela riu. — Então me parece que vou precisar te ensinar
as disciplinas da casa. Ou terei que conviver com um marido que vai viver
me irritando com as coisas mais simples.
Exatamente.
— Sim, querida. Vou me esforçar.
— Demeron! — uma voz cantada me chamou e eu fiquei tenso ao
ouvir Liémen Von Kimitch chamar. Disfarçando, virei para encontrá-lo
sorrindo, os olhos brilhando em Onira.
— Liémen — cumprimentei de volta com um aceno.
— E essa é a nova senhora Konstantinova. — Ele segurou sua mão,
dando um beijo.
— Eu mesma.
— Eu sempre achei que Tailândia e Alemanha eram uma combinação
fascinante.
Ela sorriu, sendo conquistada pela simpatia exagerada dele.
— Até que enfim alguém acertou meu país.
— São os seus olhos que diferenciam, mas um tolo nunca saberia.
Ela riu.
— É um prazer conhecer um amigo de Demeron.
Eu me aproximei mais dela, tirando sua mão de Liémen. Ele
percebeu, mas é claro que não se afastou. Era tão contraditório que o maior
criminoso do país fosse tão bem-vindo em uma casa de militares e juízes,
mas isso funcionou por décadas.
Nós tínhamos um acordo de ficar longe de seus negócios,
porque Stark era seu amigo de longa data. Isso não significava que por muitas
vezes, eu me meti quando ele estava prestes a passar dos limites. Ele não era
meu amigo, muito pelo contrário, mas minha futura esposa não precisava
saber disso. Quanto mais segura ela se sentisse, melhor.
— Por que não dançamos? — ele perguntou, estendendo a mão a ela.
Não tive tempo de recusar, ela aceitou, me dando um beijo na
bochecha antes de ir. Eu a observei de longe, meus olhos treinados em tudo
ao mesmo tempo.
Sentindo um olhar sobre mim, reconheci Siriu do outro lado da
enorme pista formada pelas pessoas dançando. Ele desviou de mim e fitou
Onira, depois me olhou novamente. Sua mensagem era clara: eu falhei na
missão.
Mas eu não hesitei. Nós tínhamos métodos diferentes de fazer as
coisas. O meu era eficaz, o dele, por vezes, demorava demais e causava danos
desnecessários. Eu não queria e não precisava fazer Onira sofrer mais do que
o necessário, então, meu jeito de lidar com a situação não o agradava, mas
seria o que alcançaria o objetivo final.
Eu não sentia muitas coisas. Mas existia uma pequena lista de
pessoas que podiam me fazer reagir.
Blair. Eu tinha dó da pequena Blair. Um pouco de remorso, talvez.
Kaladia eu tinha raiva. Queria degolá-la e afogá-la em suas garrafas
de bebida.
Regnar me fazia sentir a mais crua indiferença. Se eu precisasse
escolher matar um inimigo do país e ele, mataria meu irmão sem pensar duas
vezes.
E Siriu... a minha maior decepção.
Onira olhou para mim por cima do ombro de Liémen e sorriu, seus
olhos amolecendo e brilhando em minha direção.
Ela começava a entrar nessa lista também. Eu sentia um desejo
escaldante por ela, mas ao mesmo tempo, acho que não piscaria se precisasse
escolher entre sua integridade física e minha missão.
Não importa o que isso fazia de mim.
Eu era um soldado.
Acenei de volta para ela.
E cumpriria minha missão, custasse o que custasse.
SIRIU
— Isso não deveria acontecer.
Liémen riu ao lado de Siriu, aceitando mais uma taça do garçom que
passou entre os convidados.
— O casamento? Seu primo é um homem esperto, vai se divertir
enquanto trabalha.
— Não — Siriu afirmou,
observando Demeron e Onira dançando. — Isso é pessoal para ele. Sabemos
que ele poderia fazer essa mulher falar em menos de cinco minutos. E olhe o
tamanho dessa festa. Ele quer que sejam vistos, quer que o mundo saiba que
ela está com ele. Eu não sei porque, mas vou descobrir.
— Siriu. — Liémen suspirou, ficando sério como sempre acontecia
quando estava tratando de negócios. — Você o deixou trancafiado por mais
de um ano, depois o torturou por meses até que ele aceitasse voltar à ativa
novamente.
— Não precisa me lembrar disso.
— Preciso. Por que como diabos você acha que vai descobrir os
planos de um espião que entrou no Kremlin como um soldado russo, colheu
informações e nunca foi pego?
— Ele é minha família.
— Ele te odeia. Eu também odiaria se fosse ele. — O traficante riu
com vontade dessa vez. — Inferno! Se eu fosse Siriu Konstantinova ia odiar
a mim mesmo.
Siriu fitou o gangster com seus olhos frios, mas o homem não se
abalava, assim como ele.
— Você não está atrás de uma cela debaixo do chão onde nem o ar
puro entra, porque eu livro você, então veja bem o que você me diz, Von
Kimitch.
Rindo, Liémen bateu em suas costas.
— Vocês Konstantinova, sempre alegrando meu dia.
— Eu falo sério.
— Mesmo? Você não é o exemplo de moral e honestidade que prega,
Senhor X, então não me ameace. Você tem os olhos no governo, mas fora da
lei, quem assina sou eu.
Era um embate sem vencedor e sem perdedor.
Os dois viviam num pé de guerra que nunca teria fim.
Siriu devia a Liémen, e Liémen devia a Siriu. Dívidas que nunca
poderiam ser pagas.
No fim do dia, um precisava do outro para fazer negócios.
— Ele sabe? — Liémen perguntou por fim.
— É claro que não. Se soubesse, nunca aceitaria a missão.
— Cruel de sua parte, não acha? — O sarcasmo na voz
de Liémen era nítido, o que fez Siriu franzir a testa, refletindo suas ações.
— Não. Estou tentando salvar a vida dele.
— Certo, diga o que precisar para conseguir dormir à noite.
Sim, Siriu sempre fazia isso, mas nem assim o sono vinha com
alguma paz.
ONIRA
DEMERON
...
ONIRA
...
Quando cheguei, o lugar estava mais agitado do que a última vez que
estive ali. Sem contar que o tratamento dado a mim nada a tinha a ver com
aqueles dias. Agora eu era a futura senhora Konstantinova... ou pelo menos
eu pensava que era. Tudo ia depender de Demeron estar tão possesso com
aquela entrevista quanto eu estava.
Queria ligar meu celular, chamar Kurton e dizer algumas coisas que
fariam um marinheiro sentir vergonha, mas não faria isso, minha prioridade
naquele momento era meu noivo.
Esperei até que as meninas da recepção terminassem de atender os
visitantes, e elas me encaravam inquietas, eu sabia que podia ir até lá e pedir
para me informar sobre ele, mas eu odiava quem chegava se impondo no meu
trabalho, então estendi a mesma cortesia de educação a elas.
— Senhorita Tieko?
Eu virei o rosto, vendo o mesmo garoto que estava com Demeron na
boate de Kirina e acenei.
— Olá.
— Senhora, meu nome é Heinrich — ele apertou minha mão
rapidamente e deu um passo atrás, colocando os braços atrás das costas. —
Veio ver o senhor Stark?
— Na verdade não, vim ver Demeron.
— Entendo, ele está esperando pela senhora?
Enquanto ele falava, mais uma vez percebia como era parecido com
os Konstantinova, e decidi perguntar a Demeron se tinham parentesco.
— Eu não o avisei, mas aconteceu algo realmente chato e eu preciso
falar com ele urgente.
— Senhorita Tieko, não acho que será possível.
Eu ia perguntar porque, mas no mesmo momento, vi um homem
saindo do elevador e indo para a saída, dois outros caras o ladeavam. Tão
rápido quanto ele apareceu, sumiu.
— Padre Terry? — murmurei comigo mesma, confusa sobre o
porquê de o padre do meu bairro aparecer ali, ainda mais sem sua batina.
— Vou levá-la para vê-lo. — Heinrich falou, chamando minha
atenção de volta para ele.
Mas eu ainda encarava o lugar onde o padre saiu, me perguntando se
era realmente ele.
— Acho que vi um conhecido.
Heinrich acenou minimamente para um dos seguranças na porta antes
de virar para mim.
— Deve ter se enganado. A senhorita quer ver Demeron?
— Ok, claro.
Nós entramos no elevador juntos e ele me levou silenciosamente até
o vigésimo quarto andar. Mais quatro acima ficava o de Stark, onde eu tinha
visto Demeron pela primeira vez. Quando aqueles olhos azuis gelo me
encantaram.
— Vou deixá-la na sala de visitas e avisar a Demeron que está aqui.
— Não precisa se incomodar, Heinrich, posso ir até ele.
O menino desviou o olhar, já saindo.
— Na verdade preciso procurá-lo pelo prédio, mas não é incomodo
nenhum, ele estará aqui em alguns minutos.
Eu entrei, vendo a sala aberta e me sentei num pequeno sofá. Tinha
um quadro enorme que ia quase de parede a parede, com uma vista de
Berlim. Reparei que em cada andar tinha um daqueles com uma cidade do
país. Eles eram realmente patriotas.
Ouvi uma voz familiar se aproximando, e levantei, indo na direção
deles, mas parei quando estava quase saindo e do lado de fora vi Siriu se
inclinar, dando um beijando em Naya.
Eu suspirei pensando em Slom. Minha amiga era durona, mas estava
tão encantada por Siriu que eu não sabia como ela ia lidar com isso. Ele
claramente não estava sério sobre ela, e eu já estava escondendo coisas
demais dela. Não podia deixá-la se iludir, ia contar o que vi, mas a decisão
seria dela.
Eu bem sabia o que era querer alguém o suficiente para fazer
loucuras.
Como me casar.
Naya olhou para cima e me viu, seus olhos arregalaram e ela corou,
sorrindo sem graça.
— Droga, eu não te vi aí.
Eu sorri, aceitando seu abraço.
— Não se preocupe, eu nem vi nada.
Ela riu, revirando os olhos.
— Viu sim, mas tudo bem, eu não sou tímida.
— Então... você e Siriu?
Ela me fitou com o canto dos olhos, mordendo a pontinha do
polegar.
— Nós apenas... jantamos.
— Parecia bem íntimo.
— Parecia, não é? Ele é tão intenso.
Ela levantou os braços, prendendo o cabelo para trás e eu vi uma
marquinha fofa no pulso.
— É uma tatuagem?
Ela virou o braço, apontando para onde eu vi e sorriu.
— Sim, fiz a alguns dias.
Admirei o pequeno um pequeno trio de corações em volta de um
círculo em seu pulso. Pouco acima, tinha outra, assim como nos dedos da
mão. Eram tatuagens delicadas, nada que poluísse a beleza dela.
— São lindas.
— Obrigada. São dos meus casamentos.
Eu dei risada da piada, mas quando ela me deu um sorriso
constrangido, percebi que falava sério.
— Me desculpe — pedi — Mas... casamentos?
Naya riu, dando de ombros.
— Sempre me apaixono rápido demais, namoro ou caso. Faço as
tatuagens quando a relação acaba.
— Não seria mais fácil escrever músicas sobre eles?
— Eu quero me lembrar sempre do porque acabou e o que cada um
deles me ensinou. Além disso, adoro tatuagens.
— Posso perguntar sobre os três corações?
— Claro! — Ela me levou até o sofá, nos sentando e virou o braço,
mostrando-me os traços finos da tinta — Esse foi Aron Cavins, o ator
daquela série de vampiros. Terminei quando ele me traiu com duas figurantes
da série. Dois corações são delas e um é o meu. Inclusive, ele era meu noivo
na sua exposição.
Quem em sã consciência traia alguém como Naya? Ela era perfeita.
— Ele me parece um idiota.
— Ele com certeza era. — ela riu. — Mas já superei, assim como
todos os outros, então talvez eu seja o problema.
— É claro que não! Acho que você só não encontrou o seu alguém
ainda.
Ela bufou, sorrindo sem se empolgar.
— E já sei que Siriu não é esse alguém.
— Porque? O jantar foi ruim?
— Foi nosso primeiro encontro e eu encontrei duas mulheres com
quem ele saía.
— O que? Como isso é possível?
— Você não vai acreditar nisso nem em mil anos. Eu fui ao banheiro
quando estávamos prestes a ir embora, ele pagou a conta e foi tão incrível a
noite toda. Mas quando fui retocar o batom, as duas estavam lá, sorrindo para
mim como se eu fosse a própria lua no céu e me deram um cartão, dizendo
que eu era bem-vinda ao clube quando ele terminasse comigo.
— Está falando sério?
— Sim! — ela sussurrou com veemência, olhando a porta para
garantir que ele não estava vindo. — Ele praticamente tem um clube de ex-
namoradas! — suspirando, ela balançou a cabeça. — Eu o conheço a tantos
anos e só agora ele me chamou para sair. Meu padrinho ficaria nas nuvens
com isso.
Dei um aperto em sua mão.
— Não tive tantas experiências no setor homens, e já passei por uma
que foi e está sendo um problema. Mas Demeron aconteceu e por isso eu sei
que você vai encontrar alguém.
— Você acha?
— É claro. Depois dos idiotas sempre vem alguém pra limpar a
bagunça.
Nós demos risada.
— Onira, você tem transformado o Demeron, eu nunca o vi proteger
alguém tão ferozmente. Nunca o vi desse jeito, nem mesmo em seu primeiro
casamento.
— Casamento? — Franzi a testa — Que casamento?
Ela arregalou os olhos, gaguejando nas palavras.
— E-eu pensei que... Você não sabe?
— Não, eu não sei.
O clima leve e descontraído foi imediatamente substituído por
tensão.
— Pelos deuses, sinto muito, Onira. Pensei que ele tivesse contado.
— Me contou o que?
Ela olhava de um lado para o outro, engoliu em seco e levantou.
— Sinto muito mesmo.
Eu fui atrás dela, segurando a porta.
— Naya, diga-me!
Os olhos cheios de lágrimas me encaravam com firmeza.
— Eu queria, mas essa história não é minha para que eu conte.
Então ela se foi, deixando-me ali parada por vários minutos. Meu
coração acelerado, as pernas trêmulas e a garganta seca.
Eu queria ir até ele e sacudi-lo, exigir que me dissesse que droga de
história era aquela. Porque até então eu não sabia de nada?
Mesmo que ele deveria, mas nunca contou, um casamento não era
algo que ficava escondido.
Siriu voltou para a sala e olhou ao redor.
— Onde está Naya?
Eu não respondi. Ele me olhou mais de perto e algo em meu rosto
deve tê-lo alertado.
— Onira... está tudo bem?
— Demeron já foi casado?
A expressão de Siriu não se alterou, ele só me encarou por vários
minutos antes de responder.
— Sim.
Ele não parecia preocupado, nem tampouco magoado como Naya
havia ficado. Talvez aquela falta de emoções estivesse no sangue deles.
Demeron por me enganar, e Siriu por enganar duas mulheres e sabe lá
quantas mais, ao mesmo tempo.
Eu respirei profundamente, o fitando com seriedade. Olhei para o
corredor que levava aos elevadores um segundo, onde Naya o devia
estar esperando-o.
— Nós não nos conhecemos muito bem, eu sei disso. Mas Slom está
na minha vida a anos, eu sei que essa coisa de dormir casualmente não
funciona com ela, então, se você não estiver sério com ela... não machuque a
minha amiga.
Ele assentiu e olhou para o corredor também, talvez tivesse entendido
meus pensamentos sem eu precisar dizer.
— Tem razão, Onira. Nós não nos conhecemos.
Então ele tirou minha mão da porta e saiu, a fechando. Eu me
afastei, e cambaleei até o sofá, enfiando o rosto entre as mãos.
Onde foi que me meti?
Pouco depois, foi assim que Demeron me encontrou.
Ele entrou na sala com tranquilidade, passos calmos.
— Onira, o que houve? — Com a testa franzida, chegou perto de
mim, esticando a mão para me tocar.
Eu fiquei de pé, me afastando.
— Você foi casado?
Ele respirou profundamente.
— Quem te disse?
— Você não vai negar?
— Quer que eu minta?
Sua voz cínica e calma me tirou do sério. Eu estava fervendo.
— Como foi que escondeu isso de mim? Planejava nunca me contar?
— Vamos conversar.
— Proibiu a todos que falassem sobre isso? Porque agora eu estou
aqui me perguntando o que mais você tem escondido de mim!
— Onira.
— Mas o que eu esperava? Me casando com alguém que não
conheço!
— Você me conhece.
— Mesmo? Eu não vejo como. Isso faz parte de um relacionamento
normal, você me conta coisas sobre si mesmo e eu devolvo te contando sobre
mim. Qual sua cor preferida, melhor viagem que já fez, que já esteve na porra
de um casamento!
No final eu estava gritando, e ele continuava ali apenas me encarando
com as mãos nos bolsos e aqueles olhos que nem piscavam.
— Como você me contou sobre Kurton Ward?
— Eu não me casei com Kurt.
— Então a gravidade dos segredos na nossa relação será julgada por
comparações? Eu escondo que fui preso por seis anos e você esconde que foi
presa por dois, mas eu estou mais errado porque fiquei mais tempo na
cadeia?
— Não é isso...
— Meu ex casamento não foi exposto para o mundo, com a pessoa se
declarando para mim.
— Ele não estava se declarando!
— Você assistiu até o fim? — ele deu um passo mais perto,
inclinando a cabeça para ficar com o rosto incrivelmente perto do meu,
precisei esticar o pescoço para olhar em seus olhos. — Porque eu assisti. Eu
vi como ele falou de algo meu como se lhe pertencesse.
Sua mão veio até meu rosto, acariciando levemente.
— Se ele falar sobre você novamente, serão as últimas palavras dele.
Eu ofeguei.
— Demeron! Você não pode controlar as coisas que alguém diz.
— Eu posso e eu vou. E se você falar com ele novamente...
— Não me ameace!
— Não estou ameaçando você, eu estou fazendo uma promessa a ele.
Uma que Kurton já está ciente.
— Você está sendo irracional. Eu vou me casar com você, não com
ele. Quem se importa com o que ele diz na TV?
— Eu me importo, porque ele fala como se você fosse um dos carros
de luxo em sua garagem que eu peguei emprestado para um passeio.
— Você me mostra uma personalidade a cada dia. Foi por isso que
seu primeiro casamento terminou?
Ele me deu um sorriso de dar arrepios.
— Não. Meu casamento terminou porque minha esposa era uma
vadia.
— Eu espero que você não tenha falado isso dela quando eram
casados.
— Uma vez.
Peguei minha bolsa, dando as costas a ele.
— Eu não posso lidar com você agora.
— Mas vai. — Ele passou por mim, fechando a porta e ficando na
frente dela, impedindo-me de sair.
— É a Kirina?
— Isso não importa, acabou.
— Deixe-me ir.
— Você não quer ir, quer que eu implore seu perdão por ter
escondido algo que acha que é sério.
— Eu não... E você não acha sério? Já dividiu sua vida com alguém,
Demeron, isso não é pequeno.
— Ouvir seu ex namorado falando que estreou a ilha dele com você
também não.
Seus olhos arregalaram.
— Ele disse isso?
DEMERON
— Sim.
Ele não tinha dito, mas a pesquisa que Drux fez sobre o cara veio a
calhar. Ela ia me deixar, eu sabia disso, levariam talvez dias para a
convencer a voltar para mim, então eu precisava pegar um atalho.
— Eu não vi essa parte. — Respondeu, e eu vi seus olhos
amolecerem enquanto ela engolia em seco.
— Onira, eu te quero comigo. Quero me casar com você, então se
uma fofoca do que aconteceu anos atrás é o suficiente para nos separar, como
vamos dar certo?
— Não é uma simples fofoca!
— Se está fazendo isso porque a declaração de Ward te fez mudar de
ideia, se quer voltar para ele...
— Não! — ela gritou, deixando a bolsa e segurando meu
rosto. — Não é nada disso, eu quero me casar com você mais do que tudo!
Mas tenho medo que esteja escondendo mais coisas e...
— Eu não me casei na igreja, nem dei a ela uma joia antiga da minha
família — Segurei o colar em seu pescoço, dando o efeito na fala. — E não a
apresentei para o mundo. Foi algo de anos atrás, que acabou porque não
deveria nem ter começado. Diferente de nós.
Ela desviou os olhos de mim, amolecendo a cada palavra minha. Eu
segurei seu queixo, trazendo seus olhos para os meus.
Ela era bonita. Muito bonita.
Era minha, não de Kurton Ward.
— Acredite em mim, liebe. Nós vamos construir uma vida juntos.
Ela fungou, ainda insegura.
— Você tem algum contato com ela?
— Ela não é alguém importante na minha vida. — beijei sua
testa — Ela não é você.
Eu selei nossos lábios, beijando sua boca enquanto ela me abraçava
com força, choramingando baixinho no meu peito.
— Nós ainda vamos falar sobre isso.
— Como você quiser.
— Mas por agora, eu estou cansada. Então só... só vamos para
casa. — ela disse por fim.
E eu concordei, no caminho, enviando uma mensagem a Heinrich
para dar o sinal na ordem que eu havia encomendado mais cedo.
CAPÍTULO 14
“Fique no escuro
Os segredos que você mantém estão prontos
Você está pronto?
Sou o que sobrou, sou o que está certo
Eu sou o inimigo
Sou a mão que vai levá-lo para baixo
Fazê-lo ficar de joelhos”
Foo fighters, the pretender
“Meu irmão sofreu um acidente, preciso ficar no hospital com ele hoje”
...
...
DEMERON
ONIRA
O sentimento ao dizer aquilo foi pesado, me fez ter ânsia saber que
ele poderia sair pela porta e nunca mais voltar. Mas como eu podia continuar
com alguém que mentia, aliás, escondia coisas como aquela?
– Onira... liebe, ouça-me.
Ele se aproximou, tentando segurar meu rosto.
– Outra vez? Eu não posso. Eu fui contra meus instintos, minha única
família, meus amigos, tudo por você. Porque não consigo voltar pra casa e
não pensar em você, nem mesmo começar uma escultura e não imaginar o
que você pensaria dela. Então... eu vejo você atacando o seu irmão.
Eu solucei, incapaz de conter as lágrimas.
– Eu descubro que foi casado com a sua cunhada!
– É passado.
– É por isso que ela me trata dessa forma? Vocês ainda sentem algo
um pelo outro?
– Ela está morta para mim, não há ninguém além de você, Onira. Eu
lhe disse isso.
– Sim, você disse. Você realmente disse. Mas eu não sabia que
precisaria viver com ela diante dos meus olhos. Ou pensar que você pode
matar seu irmão sem hesitar, ou que vocês andam com armas e apontam um
para o outro como se fosse normal.
– Nós somos soldados, é claro que temos armas.
– Você tem uma aí agora?
Ele hesitou.
– Sim, mas se não preciso dela, não a pego. Você não está em
perigo.
– Demeron – falei calmamente. – Você cortou a garganta do seu
irmão. Seu próprio sangue.
– Entendo que esteja com medo, mas o que você está pensando... se
está com medo de mim...
– Não estou. Por algum motivo, ainda acho que não vai me machucar.
– E está certa, então qual é o problema?
– Se fez isso com Regnar, só consigo pensar em dois motivos. Ou
você não tem um coração, empatia... ou o fato de ele estar com Kaladia mexe
com você o suficiente para que queira matá-lo. Então isso me leva a pensar
que você a ama.
– Eu não me casaria com você se amasse alguém.
– Quem é o homem com quem eu vou me casar, Demeron? Para
quem eu disse sim?
– Eu não sei como te dizer, kleine unze, mas nós vamos descobrir. –
Segurando meu rosto, ele beijou-me delicadamente, sem pressa, sem fogo, só
um beijo terno. – Mas não desista de mim, Onira, não me deixe.
Passei meus dedos entre os cabelos macios, sentindo minhas próprias
lágrimas nos lábios.
– Essa é a última vez que você mente para mim. Juro, Demeron, se
houver mais alguma coisa, diga agora.
– Eu não vou mais mentir. É uma promessa.
– Tudo bem – sussurrei.
Ele me beijou, e eu aproveitei o abraço, o segurando firme antes de
me afastar.
– Vamos deitar um pouco.
– Não.
Ele franziu a testa.
– O que foi? Você está bem?
– Estou bem. Mas eu vou me deitar e você vai sair.
Ele ficou tenso, tentando me alcançar outra vez, mas me afastei.
– Não. Eu preciso de tempo. Tempo para saber se acredito em você,
se posso viver sabendo que a qualquer momento vão jogar uma bomba em
cima de mim.
Ele lambeu os lábios, cerrando a mandíbula e estreitando os olhos.
– O que você precisa que eu faça? Me diga o que quer para esquecer
isso e voltarmos ao normal.
Eu balancei a cabeça, deixando um pequeno sorriso triste escapar e
fui até a porta, a abrindo.
Ele não entendia.
– Tchau, Demeron.
– Onira. – a voz firme, controlada, continuava a mesma, mas havia
algo em seus olhos, algo que nem quando o confrontei pela primeira vez eu
vi.
Abri mais a porta, e esperei por vários minutos até que ele visse que
estava falando sério.
Mas quando ele saiu, eu a fechei rapidamente e fiquei ali encarando o
nada.
Estava sozinha outra vez.
CAPÍTULO 16
ONIRA
...
DEMERON
...
ONIRA
— Não tenho certeza se essa foi uma boa ideia — disse Slom no pé
do meu ouvido enquanto caminhávamos direto para Stark.
Eu a fitei com uma advertência clara nos olhos.
— Por que é que você tem a maldita mania de me encorajar a fazer as
coisas e depois volta atrás, sua tirana?
— Posso pensar na resposta pra isso? — respondeu com um
sorrisinho.
Revirando os olhos, eu forcei um sorriso para Stark, que também
vinha até nós.
— De qualquer jeito, se você não tem, imagina eu.
— Onira — ele cumprimentou, me abraçando rapidamente, e depois
beijou a mão de Slom. — Senhorita.
— É um prazer vê-lo de novo, senhor Stark.
Ele a fitou de cima abaixo e deu um sorriso mais do que encantador.
— Absoluto prazer, querida.
— Olá, senhor Stark — interferi, parando os olhares que ele jogava
para ela.
— Já disse para parar com o “senhor”. Nós somos família.
— Stark, já não somos mais.
Ele jogou a mão em desdém.
— Isso é uma crise, logo vai passar.
Aquela palavra de novo. Crise. Qual o problema dos homens daquela
família em admitir quando estavam errados, mas ao invés disso, chamavam
de “crise”, como se fosse uma tribulação conjunta ou algo assim?
— Nós terminamos, isso não é uma crise.
Ele me encarou por um momento, soltando minha mão.
— Acredite em mim, sei o que estou dizendo. É uma crise.
— Onde posso conseguir champanhe? — Slom perguntou, minha
amiga provavelmente sentia que eu estava a um passo de gritar com Stark.
Ele mal tinha feito alguma coisa, mas o fato de dizer aquilo como se o motivo
da nossa separação fosse tão banal e eu ia, com certeza, voltar para seu filho,
me irritava além da razão.
— Nenhum garçom ainda a serviu? Vou corrigir isso.
— Seria ótimo, Stark — falou, toda cheia de graça. — Não é uma
festa de natal decente se eu não saio tropeçando.
Eu queria dar-lhe uma cotovelada. Ela estava realmente flertando
com meu ex sogro e pai do cara com quem ela estava dormindo?
E onde estava Belle, afinal, que ainda não tinha me interceptado para
falar de seus inúmeros planos? Coitadinha. Se Stark pelo menos a olhasse
como estava olhando para minha amiga, eu aposto que sua namorada seria
mais relaxada.
— Querida, você é das minhas.
— Onde está Naya? — interrompi antes que fosse mais longe.
— Estava acompanhando uma amiga até o motorista lá fora, a garota
está grávida e veio de Viena. Fiquei encarregado de receber os convidados
enquanto isso.
— Bem, obrigada, então. Nós vamos pegar algo para beber e esperá-
la.
Ele me deu um aceno e passou para o lado, deixando-nos ir. Quando
estávamos longe o suficiente e já com nossas taças, eu dei um pequeno
belisco em Slom.
— Não se atreva a trepar com ele.
— Por quê? Ele é gostoso!
— Slom, pelo amor de Deus, se minha melhor amiga cria laços com
esses homens, como é que vou sair do meio disso?
Ela segurou meu rosto e virou para onde Stark estava.
— Observe esse homem. Ele deve estar na casa dos cinquenta. Vê o
terno bem preenchido?
— Slom...
— Oni, se Siriu é tão grande e Demeron faz tão bem como você diz,
imagine como é isso na versão experiente! Olhe aqueles olhos, o cabelo
grisalho, o sorriso perfeito. Cacete, tem gente que paga uma fortuna pra ter
aquela mandíbula.
Eu a olhei com meus olhos implorando.
— Por favor, não durma com ele. Eu estou aqui em consideração a
Naya e espero que essa seja a última vez que vou vê-la.
Ela suspirou, deixando os ombros caírem e fez um beicinho.
— Nem uma vezinha?
— Não. E ele tem a Belle, ela é insistente, mas um doce. Não posso
compactuar com isso.
— Sortuda. Toda mulher deveria transar com um coroa antes de
morrer. Eles sim sabem apreciar uma mulher.
Eu estava prestes a responder quando fui interrompida.
— Onira! — Virei para encontrar Naya quase saltitando até nós.
Ela me abraçou, depois fez o mesmo com Slom.
— Estou tão feliz que veio!
— Obrigada pelo convite. Eu não perderia.
— Eu não fui convidada, mas tem tanta comida aqui que você
provavelmente nem se importará com uma penetra — Slom disse e deu de
ombros.
Naya bateu palmas, soltando uma gargalhada.
— Inferno! Eu estaria num trono de nuvens se todos os penetras
quisessem só comida de graça. Não se preocupe com isso. A família e amigos
da Onira são sempre bem-vindos.
— Naya, essa é minha melhor amiga, Slom Ward.
— Bom te conhecer... Ward? De onde já ouvi esse nome?
— Provavelmente meu irmão.
— Kurton? Kurton Ward?
— Exatamente, e... Caramba! — exclamou Slom, cutucando nós
duas. — É aquele ator?
Naya riu.
— Rob? Sim. Eu chamei alguns amigos da indústria, mas por conta
da agenda poucos conseguiram vir.
— Você está brincando? Ele concorreu ao último Oscar!
— Ele é ótimo.
Slom enfiou um canapé na boca e terminou seu champanhe, pegando
a minha taça cheia depois.
— Eu preciso rodar por aí, quer dizer, é como se eu estivesse em
Hollywood.
Nós demos risada, acompanhando seus passos até ela virar a esquina.
A verdade é que nem eu e nem Naya sabíamos o que dizer. Eu a fitei com um
pequeno sorriso, elogiei a festa e trocamos palavras simpáticas, mas tinha
aquele incômodo, aquele elefante na sala que nem eu e nem ela
poderia ignorar mais.
— Olha, Naya...
— Eu não tinha certeza se você viria depois de... você
sabe. — Ela fez uma cara tão arrependida, tão triste. — Realmente sinto
muito, Onira.
— Não tem porque.
— Eu contei algo que não era da minha conta e por causa disso,
acabei com seu casamento. Destruí o amor de duas pessoas que gosto. Um,
eu conheço a vida toda, e a outra, quase não tive a chance porque falei
demais.
— Nada disso. Mesmo se tivéssemos ido adiante, no momento em
que eu descobrisse que ele escondeu um casamento e que ainda foi... foi com
ela. — Suspirei. — Teria acabado. Economizamos tempo, dinheiro, convites
e lágrimas.
Ela fitou as próprias mãos.
— Realmente acabou?
— Sim. Eu vi coisas que realmente não queria ter visto.
A imagem dele rasgando a garganta de Regnar me veio à mente e me
arrepiei, a cena toda se repetindo em minha cabeça.
— Espero que mesmo depois disso, você saiba que pode contar
comigo. Mesmo meio que traindo um familiar, sinto que fiz bem em dizer a
você. Então... pode acreditar em mim.
Dei um aperto em suas mãos. Ela realmente tinha aberto meus olhos
de uma forma que nunca ia entender.
— Eu não o vi por dois anos, sabe? E agora que ele voltou sinto que
estraguei tudo.
— Por dois anos?
— Sim... ele estava numa viagem ou algo assim, você sabe como é,
missões do governo. Ele só tinha contato com Siriu.
Não, eu não sabia. Nosso “relacionamento” nunca teve muitas
revelações da parte dele.
— Só com Siriu?
— Sim. Ele sempre nos trazia as mensagens de Demeron, dizia que
era arriscado ligar, então alguns meses atrás ele voltou e eu fiquei aliviada.
Mas... só o afastei.
— Não se preocupe, Naya. Vocês são família, tudo se ajeita.
— É, acho que sim. — Ela riu e revirou os olhos. — Estou sendo
dramática, é só uma crise.
Eu franzi a testa ao ouvi-la dizer aquela mesma merda. Drama.
Crise.
— Preciso receber alguns convidados, será que...
— Eu vou ficar aqui e esperar por Slom.
— Deixe-me levar você até uma mesa. Tem uma amiga que está
sozinha esperando o marido e assim vocês podem fazer companhia uma a
outra.
— É claro, só preciso encontrar Slom antes.
— Eu a aviso, não se preocupe.
— Ainda não vi Belle por aqui.
Naya revirou os olhos e apertou os lábios enquanto andávamos.
— Não se acostume com as namoradas dele. Stark é um namoradeiro.
A próxima vez que nos virmos, ele estará com outra.
Ela segurou minha mão e fomos até a área do restaurante aberto,
várias mesas estavam postas perto, uma decoração natalina enfeitando todo o
lugar. Estava lindo. Eu não lembrava da última vez que tinha comemorado o
Natal. Mandei algumas mensagens para pessoas próximas durante o trajeto
até a festa, mas esse era o máximo que fiz.
Style e eu jantávamos como qualquer outro dia e assistíamos algum
canal de esporte ou filmes. Nunca sequer dissemos “feliz Natal” um ao outro,
porque realmente não sabíamos o porquê disso.
O trajeto até a mesa revelou vários rostos da TV, artistas de vários
cenários e eu fiquei espantada de como Naya conhecia tanta gente. Não era
uma surpresa, eu tinha mexido em seu Instagram e os mais de cem milhões
de seguidores já diziam tudo: ela era grande. Eu não era uma grande fã do
estilo pop, mas já tinha ouvido suas músicas por vários lugares. Era apenas
estranho estar dentro disso.
De todos esses rostos, o que eu mais ansiava e temia ver, não tive
nem um vislumbre.
— Aqui está ela — ela disse e colocou a mão no ombro de uma loira
que estava sentada de costas para nós.
Ela virou e sorriu para Naya, depois me olhou.
— Ei, chica. Você demorou.
Naya riu.
— Onira, conheça a minha amiga Aya Maria Herrera, Aya, essa
é Onira Tieko.
Ela ficou de pé e me cumprimentou com um sorriso discreto, olhos
avaliadores. Era tão bonita que fiquei impressionada. Uma loira alta, parecia
bem jovem, olhos claros e um sorriso deslumbrante. Seu marido com certeza
tinha sorte.
— Olá — ela falou em inglês, e eu respondi da mesma forma.
— Prazer em conhecê-la, Aya.
— Aya é do México. Incrível, não é? Quando a conheci não consegui
parar de fazer todas as perguntas possíveis! — disse Naya, rindo.
— Pelo pouco que conheço sei que é uma cultura bem diferente, mas
a minha também é, então sei bem o que você passa.
— Você é de onde?
— Tailândia.
Aya bufou, sentando novamente e me apontando uma cadeira.
— Então junte-se ao clube. Nós somos como um circo para eles.
Naya estreitou os olhos para sua amiga e se inclinou para mim,
fingindo que ia dividir um segredo.
— Aya pode ser um pouco... desmedida. Fique à vontade para
mandá-la ir passear.
Eu fitei a loira, não imaginando em alguém tão elegante sendo
“desmedida”. Pelo contrário, ela parecia se encaixar perfeitamente.
— Vou manter isso em mente.
Quando ela nos deixou, Aya acenou sua taça para mim e bebeu,
olhando ao redor.
— Então — comecei. — Eu fui abandonada pela minha amiga, e
você, pelo marido?
— Eu acredito que Siriu tem algum desejo secreto por Juan. Todas as
vezes que o vê, quer levá-lo para longe.
Dei risada, aceitando uma salada que o garçom ofereceu a nós.
— Vocês vieram a passeio mesmo?
— Gosto de pensar que somos amigos, mas não nego que as relações
entre meu marido e a Alemanha são boas para a campanha dele.
— Oh, vocês são políticos?
— Ele está concorrendo a presidência do México. — Encolheu os
ombros. — É cansativo, mas é o que ele quer, então nós estamos atrás.
— Uau... estou conversando com uma possível primeira-dama.
Ela se inclinou para mim.
— Parece incrível, não é? Mas acredite... só de pensar que nunca
mais poderei nadar nua, acaba com todo a euforia. Mas fale sobre você, é a
noiva, não é?
— Hm... a ex noiva? Sim, sou eu.
— Eu soube que vocês terminaram. Minha filha ficou feliz.
A encarei sem entender e ela sorriu, o batom vermelho manchando a
taça com seu sorriso.
— Maria é apaixonada por Demeron desde que o viu alguns anos
atrás. Disse que ia casar com ele.
— Uma menina com expectativas altas.
— Uma criança inteligente, que aprende com a mamãe que o que ela
quer, ela pode ter.
Eu franzi a testa.
— Estamos mesmo falando sobre uma criança pegar um adulto?
— Não, estamos falando sobre ser capaz de pegar o que você quer e
agarrar isso, independente de qualquer outra coisa.
— É fácil falar, você é a esposa do futuro presidente.
— O que importa? Eu fodia com ele enquanto era o Governador do
Estado e sua esposa o esperava em casa.
Eu precisei de um momento para perceber que não era uma piada e
que ela falava sem arrependimento ou vergonha nenhuma.
— Você foi a...
— Amante? A outra? Sim, eu fui. E hoje eu sou a esposa, a mãe da
filha dele.
— Isso não te incomoda?
— Incomoda os outros, com certeza, mas eu o amo, ele me ama e nós
estamos felizes. — Ela virou para mim na cadeira, encarando-me de
frente. — Você sabe... eu tenho uma amiga que sempre me perguntava como
eu conseguia encarar a vida com tanta transparência, porque eu fazia parecer
tão fácil. E o que eu disse a ela é o que vou te dizer agora. A vida é fácil, as
pessoas é que complicam.
— Eu não concordo com isso.
— É claro que não concorda. Você vê, eu tenho um grande problema
com ética e moral, geralmente passo por cima delas. Não levei nem uma
semana para perdoar Juan e voltar para ele quando nos separamos certa vez.
Ele tinha feito uma burrada fenomenal. Mas eu coloquei na balança, eu o
amo, eu provavelmente irei perdoá-lo, então... por que nos fazer esperar se
daqui sete dias ou sete meses eu vou deixar que volte para mim?
— Orgulho? Respeito? Tempo para pensar? — argumentei.
— Você gosta do tempo que gasta pensando
em Demeron Konstantinova? Gosta de, sei lá, chorar por ele ou preferiria
estar em seus braços?
A resposta era óbvia, mas não verbalizei.
— As pessoas complicam, como eu disse. Pegue o que você quer,
diga o que você pensa, só... lide com as consequências depois. Quer dizer, eu
estou aqui agora, mas posso morrer no avião para casa, então por que porra
eu estou aqui sentada bebendo champanhe há duas horas se podia estar
fodendo meu marido em algum lugar da festa?
Eu não sabia o que dizer.
— O principal concorrente de Juan nas eleições tem algum ponto
fraco, eu vou descobrir qual é e vou usar para que meu bebê ganhe. Juan
lidera as pesquisas, mas eu prefiro me certificar de que saia exatamente como
deve sair.
— Isso é trapaça.
Seus olhos eram cínicos e frios quando me encarou e abriu um
sorriso.
— Isso é a vida. O mundo é trapaceiro. Jogue ou você está
fora. — Ficamos em silêncio por um momento e ela aproveitou para pedir
algo mais forte a um garçom. — Kaladia tem as chaves da minha casa. Fora
duas amigas que tenho em meu país, ela é a única mulher em quem confio.
Mas eu sou a única em quem ela confia, então acredite em mim quando digo
que ela não quer o seu noivo de volta.
Eu estava embasbacada, mas de qualquer forma, não tive tempo de
formular uma resposta, pois ela ficou de pé e ao ver algumas pessoas se
aproximarem, eu segui o movimento.
— Querido — ela cantou e abraçou um homem loiro, alto e
incrivelmente bonito que vinha ao seu lado. — Você demorou. — Dando um
tapinha no braço de Siriu. — Não se atreva mais a olhar na direção do meu
marido essa noite.
Ele ergueu as mãos.
— É todo seu. — Então ele me fitou e deu um aceno. — Onira, soube
que estava aqui. Fico feliz que veio.
— Olá, Siriu.
— Amor, essa é Onira Tieko, uma amiga de Naya. E Onira, esse é
meu marido, Juan Carlo Herrera.
Ele segurou minha mão e deu um aperto, tinha um sorriso simpático
no rosto. Político.
— Senhorita Tieko, como vai?
— Muito bem, senhor. Aya me falou sobre as eleições, desejo boa
sorte.
Ele a fitou com os olhos brilhando de adoração.
— Enquanto eu tiver ela e nossa filha comigo, já sou sortudo. E é
claro, há o fator de ser melhor que meus concorrentes.
Ali estava. Com essa fala eu podia entender como eles funcionavam
como casal.
— Onde está Maria? — perguntou Aya.
— Brincando com Blair. Esmeralda está com elas.
— Se vocês me dão licença, eu preciso estar em outro lugar — disse
Siriu.
— Siriu — chamei. — Uma palavra, por favor?
Ele assentiu, apontando para fora.
Me despedi de Aya e de Juan, sendo seguida pelo sorriso dela. Não
era nem ruim e nem bom, ela tinha uma presença marcante que eu não
conseguia explicar.
Nós fomos para o lado de fora, no jardim, que parecia estar ainda
mais lotado.
— Você precisa de algo? — ele perguntou, chamando minha
atenção.
— Não, está tudo bem. — Hesitei, lambi os lábios e respirei
profundamente. — É sobre ele.
— O que é que tem ele?
— Ele... está bem?
Com o rosto tão inexpressivo como sempre, Siriu deu de ombros.
Fora isso, não parecia se mover. Fazia mínimos movimentos. Me fitava com
um rosto sério.
— Ele nunca está bem.
— Eu quero dizer vivo.
— Até onde eu sei, sim.
Eu queria perguntar outras coisas, queria falar com ele, tentar
entender o que fazer a seguir. Ele pareceu entender meu dilema e suspirou.
— Você o viu surtando aquele dia na empresa. Não sei se ficou
excitada com a ideia de consertar um homem quebrado, foder um louco ou o
quê. Não julgo, tenho minhas próprias fantasias. Mas você o abandonou, não
pode vir me perguntar como ele está. Fale com ele, responda as ligações
dele.
Boquiaberta, me segurei para não desferir um tapa em seu rosto
duro.
— Eu não fiquei excitada, você está louco? Por que é que eu estou
sendo bombardeada por escolher não perdoar não só uma, mas várias coisas
que ele fez?
— Se não quer perdoar, por que está interessada nele?
— Eu não...
— Você frequenta as festas da família de Kurton Ward?
— Não, mas...
— Esse é meu ponto. Boa noite, Onira.
Ele acenou mais uma vez e me deu as costas, saindo. Ignorou todos
os olhares femininos que recebeu e sumiu de vista. Eu sabia, então,
que Demeron não estava ali e nem ia aparecer. Voltei para dentro, procurando
Slom.
Íamos ficar até meia-noite e ir embora. De tudo o que aconteceu
naquela noite, eu sabia que algumas palavras ficariam na minha mente por
um longo tempo: as de Aya Herrera.
Eu não sabia se tinha adorado ou odiado aquela mulher.
CAPÍTULO 18
Quase não atendi meu telefone quando tocou um pouco depois das 2
horas da manhã. Era Natal e as pessoas estavam aproveitando a data festiva
que nunca fez sentido para mim, assim como todas as outras, mas sabendo
que poderia ser sobre o trabalho tirei o telefone do bolso e fechei a porta
novamente, decidindo saber do que se tratava para retomar meu caminho e
sair de casa.
— Demeron.
— Ei cara, é o Bruce. Ligando para avisar que a mulher acabou de
sair. Siriu chamou um táxi para ela.
A ideia do meu primo tendo qualquer contato ou proximidade com
Onira fez minhas entranhas apertarem e uma sensação de sufoco na garganta.
Eu sabia que variadas coisas poderiam acontecer dentro do tal táxi.
— Ela estava sozinha?
— Não, a loira do ateliê foi junto.
— Você as seguiu?
— Sim, ela deixou a amiga em casa e voltou ao carro, acho que está
indo para a casa.
— Certo.
Desliguei e peguei mais algumas balas na gaveta do armário. Fiquei
observando por uma fresta na cortina da janela o momento em que ela
chegaria.
Não demorou mais que 10 minutos e um táxi parou, ela entrou
rapidamente e fechou a porta. Esperei o carro cruzar a esquina e sumir, e
depressa voltei ao quarto que ocupava, abrindo o notebook para iniciar as
câmeras na casa a frente.
Ela andava pela casa conferindo se as janelas estavam fechadas e a
porta do fundo também, e estavam, pois eu mesmo as fechei mais cedo.
Satisfeita, ela foi para o corredor e enquanto andava, reparei na roupa
que vestia. Não fui a festa de Naya para deixar Onira mais livre, dar a ela
uma sensação de que eu não seria um incomodo, que havia desistido, mas é
claro que não era verdade. Mas ao ver o vestido, quis me dar um tiro por não
ter ido. Imaginava a quantidade de homens ricos, e até famosos que teriam
mexido com ela.
Senti minha ereção crescer com o balançar dos quadris e as mãos
delicadas jogando o cabelo para trás. O vestido vermelho agarrava em cada
curva de seu corpo pequeno, indo até abaixo dos joelhos com uma fenda que
chegava perto do quadril dos dois lados, e aquele salto preto altíssimo me fez
ter fantasias que não tive desde a adolescência. Sem contar o decote que fazia
seus seios ficarem incrivelmente tentadores e mais deliciosos do que já eram.
Hesitei antes de fechar a câmera do banheiro quando ela entrou, mas
fiz, tinha pelo menos um pouco de ciência que observá-la nos banhos sem seu
consentimento seria algo que a faria sentir-se humilhada.
Esperei não pacientemente até que ela saísse enrolada em uma toalha.
Com os cabelos presos no auto e sem nenhuma maquiagem pude ver as
olheiras debaixo dos olhos, olheiras que eu coloquei ali. Apertei as mãos em
punho, estranhando a vontade de ir até lá e tirar aquele olhar derrotado de
seus olhos.
Ela saiu do quarto vestindo no uma mini bermuda agarrada ao corpo
e uma camiseta mais larga, que olhando melhor percebi ser minha. Um
sorriso que eu não esperava dividiu meu rosto e a ideia de que ela precisava
de alguma parte de mim para dormir me fez sentir como a porra do dono do
mundo.
Ela ligou a TV da sala colocando naquele programa que gostava de
assistir que não fazia nenhum sentido para mim e deixou o controle na mesa,
seguiu para cozinha e fez um chá. O tempo todo olhava para o nada, parecia
triste e solitária.
Com o peito apertado, procurei a chave de sua casa. Uma cópia que
fiz quando ela pediu de volta aquela que tinha me entregado e fiquei de pé
quando ela tomou dois comprimidos com chá, sentou no sofá eu sabia que em
questão de segundos estaria dormindo.
Enquanto aguardava fazer efeito, fiquei observando seu rosto, cada
traço, a expressão de tristeza que não ia embora, e cada vez que ela olhava
para porta, depois para o celular e por fim, para o relógio. Eu sabia que estava
se perguntando se mesmo que tivesse me mandado embora eu não iria
aparecer, afinal, era Natal e um homem que ama alguém provavelmente faz
de tudo para estar por perto.
Esperei por 20 minutos enquanto ela lutava com sono e apenas
quando sua cabeça tombou no encosto do sofá com a xícara encostada em seu
peito e uma manta cobrindo as pernas, eu me movi. Esperei para ver se havia
mesmo dormindo e fechei as câmeras, decidindo num impulso que iria até lá.
Não sei o que me moveu, o que me fez tomar essa atitude, mas
quando dei por mim já estava entrando na casa e fechando a porta no maior
silêncio que consegui.
Ela não moveu um músculo, derrubada pelo calmante. Fui até o sofá
lentamente, tirei a xicara e coloquei em cima de um de seus livros na mesinha
de centro.
Novamente, movido por um arroubo que não sabia entender, sentei
ao seu lado e passei meus braços ao redor dela.
Respirei profundamente;
A puxei para mim.
Soltei o ar.
Sua cabeça pousou em meu peito.
Suspirei.
Encostei meu queixo no couro cabeludo e respirei seu cheiro.
Ela respirava com calma e seu corpo se movia junto ao meu pela
minha própria respiração com suas costas firmes em meu peito. Segurei as
mãos dela e puxei os dedos para meus lábios, beijando a ponta de cada.
Desliguei a televisão com o controle e fomos engolidos pelo escuro.
Tinha uma visão clara para o relógio, mas internamente torci para que
ela dormisse um pouco mais. Assim por algumas horas poderia ficar ali sem
que ela nunca soubesse e aquilo nunca interferisse na história que já estava
fadada a tragicamente acontecer.
A envolvi com mais força, senti sua respiração leve em meu braço e
não sai dali.
Não até que amanheceu e quando eu fui embora, ela ainda dormia.
CAPÍTULO 19
...
DEMERON
...
...
DEMERON
Eu queria abrir os olhos e ver Demeron. Queria que aquilo fosse mais
uma vez, uma tentativa distorcida de me proteger, mas de alguma forma, eu
sabia que não era isso. Eu não veria Kirina, nem Heinritch, ou meu noivo
apareceria para me explicar porque me apagou e levou-me para algum lugar.
Então, quando abri os olhos, esperava Stark, Siriu ou Regnar. Sabia
que um deles finalmente havia me pegado. Talvez os três juntos. Demeron
me avisou que sua família queria me prejudicar, que fariam isso como
retaliação e vingança por algo que Style lhes fez, mas eu não ouvi. Talvez
Demeron finalmente fosse mostrar sua verdadeira face e revelaria que estava
junto com sua família naquele plano também. Só que não era isso. Eu ofeguei
quando a luz que vinha de uma pequena janela no alto da parede iluminou o
espaço ao redor de mim e fez meus olhos piscarem, sensíveis.
Alonguei meu braço, sentindo uma dor forte no que estava caído no
chão, e uma pior ainda ao ver que o outro estava erguido acima da minha
cabeça, preso numa algema e tão esticado que se eu ficasse sentada por mais
tempo, ele quebraria.
A dor era quase insuportável em todo o meu corpo. E ao olhar mais
de perto meu braço livre, vi manchas de picadas arroxeadas por alguns
lugares. Imediatamente lágrimas vieram aos meus olhos. Flashes de
momentos que eu não sabia se eram reais ou tinham sido fruto da minha
imaginação passaram pela minha cabeça. Eu me batendo e tentando
escapar, depois acordando grogue e sendo apagada novamente, não tendo
tempo de entender quem estava perto de mim, quem me transportava e até
onde estava.
Estaria ali por apenas um dia ou teriam me deixado desacordada para
confundir completamente a minha noção de tempo? Lembrei
de Style aparecendo e que foi onde tudo desmoronou. Senti uma amargura
tão grande pelo meu irmão, meu próprio sangue, que chegou a doer
fisicamente, mas também me lembrei de não saber o que tinha acontecido
após ter sido levada. Ele teria sido atingido? O barulho do tiro sendo
disparado ainda ecoava na minha mente e juntou-se aos meus pesadelos, que
eram muito mais profundos do que os que eu já tinha antes. Eram
mais dolorosos e parecia que eu nunca poderia acordar.
Estiquei as pernas lentamente, franzindo a testa ao ver a roupa com a
qual estava vestida. Em frente aos meus olhos piscavam alguns
fracos pontinhos escuros e me perguntei o que estavam aplicando em mim.
A roupa era leve e transparente, e reparei que todo o meu corpo estava visível
através do tecido, minha pele nua por debaixo fez o pânico começar a se
alastrar.
— Você acordou!
A voz alegre despertou minha atenção e só então percebi que não
estava sozinha. A minha frente havia uma mulher sentada na mesma
posição, tinha os braços amarrados a sua frente e as pernas
esticadas, porém, no seu rosto havia um sorriso que eu
não compreendi. Longos cabelos castanhos claros escorriam para baixo e
algumas mechas cobriam um pouco um lado de seu rosto. Tinha a cabeça
meio caída para trás, escorada. Ela usava a mesma túnica branca que eu, mas
numa verificação rápida percebi que enquanto a minha estava branca, a dela
estava um pouco suja, de terra, talvez, e perto das pernas algo que fez meu
coração bater ainda mais acelerado... havia salpicos de sangue. Eu nem
precisei pensar demais para saber o que tinha acontecido.
— Onde... — comecei a falar, mas minha garganta arranhou tão forte
que parei, tocando meu pescoço. — Nós... — Doía demais! — Estamos?
Ela me observava atentamente. Depois de ouvir minha voz, inclinou-
se para frente, arregalando os olhos em minha direção. Me peguei surpresa e
ao mesmo tempo, um pouco fascinada com a cor de sua íris. Era de um âmbar
tão claro que parecia amarelo, nunca vi nada igual. Tinha um rosto simétrico,
que mesmo um pouco sujo eu podia ver. Parecia uma boneca.
— Numa Kambarys — respondeu tranquilamente. — Não sei muito.
Logo o mestre voltará.
Meu cenho franziu ao ouvi-la. Mestre? O que ela estava dizendo e o
que diabos era uma Kambarys?
— Ouça... — falei baixinho, me esforçando para ignorar a dor que
causava. — Você conhece Demeron? Siriu ou Regnar? Talvez Stark?
— Esses são os seus Mestres?
— Não! Eu não tenho... mestres. Alguns homens me trouxeram para
cá, não sei onde estou.
Ela sorriu e se aproximou um pouco mais.
— Estamos na Kambarys. Está tudo bem, acho que você foi criada
diferente de mim. O meu Mestre permite que eu saia de sua casa e venha
servir os irmãos, mas acho que o seu te deixou sozinha por muito tempo.
— Servir? — sussurrei.
Ah, não.
Aquilo parecia cada vez pior e muito mais aterrorizante do que eu
podia esperar.
Por que ela estava sorrindo?
Além de tudo, falava comigo como se estivesse acostumada àquela
situação. Como se já passasse pela mesma coisa antes. Quando me disse
“você acordou”, estava aliviada, mas não surpresa. Não estava desesperada
para sair dali e nem entendia o meu próprio desespero.
— Sim. Às vezes pode ser difícil, mas no final do dia nós sabemos
que tivemos a honra de servi-los. Eu sempre agradeço ao Senhor. Como eles
te chamam?
— Onira — sussurrei novamente, sem saber o que mais dizer diante
de seu discurso insanamente apaixonado. — Meu nome é Onira.
O sorriso que iluminou seu rosto quase me fez não perceber o barulho
de correntes fora do cubículo onde estávamos. Eu a fitei desesperada,
esperando que me dissesse o que aconteceria a seguir.
— Eu sou Freya.
Então a porta abriu, e com o vislumbre de um corredor ali, assisti
dois homens entrarem, um deles esticou a mão para... Freya, e ela aceitou
sem hesitar, me dando um olhar sereno enquanto o homem tirava a corda de
seus pulsos. O segundo, que havia me dado um soco em minha casa que me
fez desmaiar, veio em minha direção como se nunca tivesse me visto e tirou
meu braço da algema. Tentei me afastar, mas ele desferiu um tapa no meu
rosto, fazendo-me ficar zonza.
Vi Freya olhando os pulsos que, sem as cordas, tinham sangue, e
depois de me olhar uma última vez, tirou a roupa e saiu, acompanhando o
homem.
Ela não lutava, não chorava, não gritava... estava em paz com o que
aconteceria.
Nua, machucada, presa e sangrando... como isso era possível?
— Por favor — sussurrei para aquele que me levou ali. — Trata-se de
dinheiro? Eu tenho, dou tudo a vocês!
Um sorriso torto e desalinhado surgiu no rosto dele.
— Escuta aqui, japinha. Viu como a outra saiu sem problemas? Siga
o exemplo e não será machucada por nós.
— Acha que não vi o sangue na roupa dela?!
— Quando eu digo nós... quero dizer os servos, não os irmãos. Não
espere misericórdia deles, pois nunca terá.
— Eu imploro! — Tentei me safar quando me levantou, mas ele
parecia não me ouvir mais. Levou-me para fora e quando me vi no corredor,
ele começou a andar, arrastando-me ao seu lado.
Ao longo do longo corredor haviam outras portas, onde eu tinha
certeza absoluta que haviam mais como eu e Freya. A verdade sobre o que
era aquele lugar começava a cair como uma bomba em cima de mim. Via
sobre aqueles lugares nos noticiários, ouvia histórias, mas quando poderia
imaginar que iria parar ali? A gente nunca espera que certas coisas nos
aconteçam, a menos que estejamos na situação.
E como num filme de terror, o assisti abrir uma porta dupla e o
inferno se revelar diante de mim.
A primeira coisa que vi foram lenços pendurados no teto, todos eram
vermelhos, e o chão de pedra sob meus pés enquanto caminhei pelo enorme
salão cheio de pessoas, tinha algumas partes secas e outras molhadas. Me
obriguei a não olhar, a não querer saber no que estava pisando. Mas era pior
aquilo do que a visão... as visões diante de mim?
Haviam mulheres... meninas... apanhando, sendo divididas, nuas,
algumas ajoelhadas de cabeça baixa aos pés de homens que conversavam.
Gritos, gemidos, barulhos inconfundíveis de sexo enchiam meus
ouvidos. E o cheiro no ar era repugnante, me fez querer vomitar. As lágrimas
me escapavam sem controle, eu já nem as sentia.
Travei no lugar quando vi uma baixinha, de no máximo quinze anos,
de mãos dadas com um velho que segurava uma taça de champanhe e sorria.
Acompanhei os dois e quando ele a jogou numa enorme cama redonda onde
haviam outras pessoas, parei de olhar.
Uma criança...
Uma. Criança!
Lembrei de Freya, revivendo em minha mente suas palavras.
“...mas no final do dia nós sabemos que tivemos a honra de servi-
los.”
— Onira! — uma voz alegre cantou, e olhei na direção para ver um
homem alto, muito bem aparentado, se aproximar me olhando
fixamente. — Não sabe quanto tempo esperamos por você...
“Eu sempre agradeço ao Senhor.”
— O que é isso? — sussurrei, tão fraca que se não fosse o homem me
segurando, eu teria desabado.
O homem a minha frente, que segurava seu charuto, sorriu um sorriso
tão demoníaco que eu sabia... simplesmente sabia que tudo tinha acabado ali.
— Você pagará a dívida de seu irmão. E vai pagar do melhor jeito...
com sangue.
CAPÍTULO 25
“Me dê um sinal
Abandone suas mentiras
Deite-se ao meu lado
Não escute quando eu gritar
Enterre suas dúvidas e adormeça
Descubra que eu fui apenas um sonho ruim”
Apparat, goodbye
...
A última coisa que eu queria ver depois de sair era aquela mansão.
A mansão onde todo engano começou, onde eu me entreguei ao pior
dos homens. Mas não protestei quando nos levaram para dentro. Era a única
vez que estaria vendo todas aquelas pessoas, e mesmo tendo nos enfiado
naquela confusão, acabaram me salvando. Eu não sabia os motivos, mas
pretendia descobrir antes de ir embora. Mantive minha mão grudada a
de Freya por todo o caminho, mesmo quando íamos entrando. Ela era a única
pessoa que podia entender o que estava passando em minha cabeça e que
sentia junto comigo toda dor.
Andamos com calma para dentro, machucadas, doloridas, confusas e
com medo do mais leve suspiro soprado em nossa direção.
Lá dentro, na enorme
sala, reconheci Kaladia, Regnar, Siriu e Liémen, a quem Demorou tinha me
apresentado em nosso noivado. As expressões não revelaram nada, eu podia
apenas reconhecer a fúria que emanava de Siriu.
Quando estávamos todos lá dentro as armas de meu irmão, o cara de
cabelos grandes e de Demeron foram jogadas ao chão. Franzi o cenho, sem
entender, então Siriu andou em linha reta direto para Demeron, desferindo
um soco tão forte em seu rosto que o fez tropeçar, mas ele não devolveu.
— O que você fez não tem volta! — esbravejou, segurando-o pelas
golas da camisa social toda surrada.
— Eu não dou uma merda.
Eles começaram a lutar num piscar de olhos.
O de cabelos grandes se envolveu, logo armas estavam empunhadas
novamente e os gritos começaram. Vozes exaltadas que se tornaram gritos e
barulhos de móveis arrastando, quebrando. A mão de Freya suava e começou
a tremer contra a minha. Logo, seu toque se foi e vi de relance quando se
ajoelhou no chão, abaixou a cabeça e começou a cantar aqueles cânticos
que Kazel perpetuou em meus ouvidos. O pânico começou a reverberar da
minha mente para o corpo, e em questão de segundos era tudo o que eu
sentia.
As paredes me sufocavam.
Fechei os olhos apertando-os fortemente juntos pela impressão de
que a qualquer hora Mudié iria me buscar.
Meu irmão declarado morto.
Meu noivo mentiroso.
Sua ex-mulher e também minha cunhada.
Meus cunhados que tentavam se matar.
Um criminoso amigo da família.
A mulher que havia passado por uma vida de tortura e que me
buscava como conforto, pois tudo em volta dela era desconhecido.
As vozes começaram a fazer minha cabeça zumbir,
pontos espalharam em frente aos meus olhos, uma tontura tão forte me bateu
enquanto meu coração disparava e minhas mãos suavam que não tive tempo
sequer de encostar ou me sentar. Em um momento estava ali e no próximo
tudo ficou escuro.
...
Quando acordei dessa vez, puxei meus braços para passar a mão pelo
rosto, mas ela, a dor ao me movimentar, me fez perceber que algo estava
preso. Abri os olhos lentamente, vendo uma intravenosa no braço direito.
Não queria fechar os olhos, não queria que o medo cegante e sufocante de
que seria levada outra vez me pegasse. Queria ficar acordada e entender tudo
o que estava acontecendo, mas ao mesmo tempo queria sumir e nunca mais
ver nenhuma daquelas pessoas.
Reconhecia o quarto enorme onde estava e o conforto da cama. Os
quadros nas paredes estrategicamente pintadas e desenhadas. Era a mansão
de Stark, estava recebendo os cuidados de sua família, os mesmos que me
fizeram ser machucada uma e outra vez.
Sabia que a qualquer momento alguém entraria para me questionar.
Me fariam contar coisas que vi e o que passei e quem estava lá. Eles
não tinham ideia de como isso te faz reviver cena após cena em detalhes do
seu pior pesadelo. Meu pescoço ainda queimava com a marca que foi
queimada em brasa na minha pele, as costas ainda ardiam de tanto
apanhar, meu coração estava quebrado, minha mente perturbada e minha
alma... eu queria que ela apenas saísse no corpo e tudo isso acabasse.
Fiquei deitada aproveitando meus últimos momentos
sozinha, pensando no que faria a seguir. Não haviam muitas opções.
Eu estava rodeada de mentirosos e pessoas perigosas. Pessoas que me
usariam para machucar quem eu conhecia sem se importar que eu não era
culpada. Me perguntava se Style ainda estaria lá embaixo, se subiria para me
ver ou se já teve seu destino selado.
E se Demeron entraria ali, continuaria mentindo como se eu fosse a
mesma tola que enganou durante meses ou finalmente me diria algumas
verdades. Seria tão injusto se não pudesse fazer pelo menos isso por mim, me
dissesse pelo que eu sofri. Qual foi o motivo?
E Padre Terry eu nem sabia o que pensar, apenas que era tão perigoso
e culpado quando todos os outros.
Como se cada um dos meus pensamentos fossem projetados na
realidade, a porta abriu e Demeron entrou. Eu não sabia o que dizer
inicialmente, e por incrível que pareça ele também se mostrava sem palavras.
Fechou a porta e ficou parado ali por alguns minutos, apenas me
olhou. Olhou meus ferimentos, meu rosto machucado e meus cabelos sujos e
desgrenhados. Me fitou por inteira, mas sem dizer nada.
Eu queria desesperadamente ouvir algo que explicasse, mas ele não
parecia ter uma explicação.
— Onde está a Freya? — Quebrei o silêncio.
Por algum motivo sabia que ele não faria isso.
Demeron fazia tudo calculado, todas as suas palavras e ações eram
previamente definidas por ele. Mas ali, ele não sabia como agir, a situação
estava fora de seu controle. Perguntei sobre Freya por preocupação genuína.
— Está sendo medicada. Tivemos que dar um calmante para ela
quando percebeu que não estava indo encontrar Kazel.
Eu não disse nada por vários minutos, pensei que ele consideraria
isso como a deixa para sair e me deixar em paz, mas continuou no mesmo
lugar. Se eu tivesse forças teria gritado e jogado algo nele, mas a dor em todo
meu corpo não permitia.
— O que mais você escondeu de mim? — perguntei. Será que, pelo
menos naquele momento ele seria um pouco honesto, quando me olhava de
um jeito que eu nunca tinha visto antes e nem compreendia.
Aliás, vi aquele olhar uma vez, e foi quando disse que me levaria
para casa.
— Muitas coisas. — Foi sua resposta.
— O que eu vi naquele lugar... tudo que você faz... tudo o que você
é... me enoja. Me revolta e me faz ter ódio de você. Me faz ter nojo de mim
mesma por ter estado tão próximo de você. Todas aquelas mulheres sofrendo
lá dentro e você era cúmplice disso.
— Você não entende.
— Não. Eu não entendo, afinal, ninguém nunca me explicou. O meu
irmão estava vivo, você sabia disso e se aproximou de mim para
me usar. Fingiu que não conhecia Style e me encheu de perguntas quando eu
te contei sobre ele, quando te falei coisas que eu pensava que sabia sobre ele
e você já sabia de tudo. Serviu com ele no exército e me fez de idiota... a
maior idiota!
— Tudo isso era maior do que eu e maior do que você. Eu tinha um
trabalho.
— Sim, um trabalho que envolvia me quebrar, me levar para um
lugar onde eu seria constantemente abusada, vendida e humilhada. Você
planejou tudo desde o início, aquela história de que sua família queria me
machucar e por isso ia me proteger, que queria se casar comigo porque queria
ficar perto de mim... eu pensei que você me amasse! Demeron. — Segurei o
choro. — Me fez confiar em cada palavra que saía da sua boca, e nunca
sequer gostou de mim! Você pelo menos me suportava quando me pediu em
casamento?
Ele abriu a boca, fechou e abriu novamente.
Aos poucos, palavra por palavra, seus olhos iam se tornando aquele
mesmo opaco que eu conheci. O homem das palavras certeiras que dizia as
coisas que eu tinha que ouvir, não as que eu queria. Assisti enquanto ele se
fechava, como se um botão tivesse sido acionado nele, como se seu
subconsciente o alertasse que eu estava pedindo uma coisa: que fosse
honesto.
— Existem coisas que eu não posso te dizer.
— O homem que você era lá dentro...
— É quem eu sou. Você me viu pela primeira vez.
— Não...
— Todo esse tempo você queria me conhecer, Onira... agora
conheceu. Esse sou eu.
Suas palavras me tocaram no mais íntimo. Era como se tivesse
pego com suas próprias mãos minhas entranhas e as esmagasse apenas para
garantir que eu sairia daquilo mais machucada.
Eu sentia tudo, a decepção, a tristeza, a dor... era quase um luto.
Tão machucada quanto podia ficar, as lágrimas que eu pensei
terem secado voltaram a cair e com uma força que não sei de onde veio, me
sentei. Ele não se moveu. Tirei meu cabelo das costas e joguei por cima do
ombro, evitando passar os dedos pelo pescoço e tentei esconder o embargo da
minha voz.
— Eu fui queimada a ferro quente. Eles me bateram, me deixaram
passar fome e me humilharam. Não bastam as lembranças, minha pele está
marcada e isso nunca vai sair. — Seu peito subiu com força, a mandíbula
cerrada e os olhos cristalinos fixos em mim. — Freya não soube me dizer o
que era, então ao menos me dê isso. Me diga o que é essa marca.
Levou um minuto, ou talvez dez, mas ele se aproximou, engoliu em
seco e parou a centímetros de distância.
— Vire-se. — A voz rouca me causou um arrepio de dor e saudade.
Culpa também.
Fiz o que pediu e senti seus dedos em meu ombro, meu
corpo tensionou.
— Não me toque.
Sua respiração saiu mais forte, quase bufando, mas ele seguiu o que
mandei.
— Deus... — sussurrou e pela primeira vez, ouvi sua voz fraca, não
como aquele trovão de quando falava comigo.
— Diga-me.
— É chamado de sol negro. Um dos símbolos do nazismo. É um
símbolo ocultista e do misticismo, eles acreditam nessas forças sobrenaturais
que os guardam e dão a eles poderes sobre-humanos. E em volta, tem um
símbolo de Vênus, que significa o sexo feminino. Porém aqui, ele está ligado
à o que eles acreditam que uma mulher significa: sacrifício, fertilidade e
desejo sexual. É a marca que as escravas da Kambarys carregam.
Ouvir cada palavra sem sentido, me desesperou da raiva ao ódio,
levando-me ao nojo. Eu não era mais a mesma, nunca poderia ser. Não fui
marcada só por fora. Eu sabia disso e cada pessoa naquela casa também.
Me esforcei para levantar novamente, e me afastei dele.
— O que você fez comigo não tem perdão. Eu nunca vou esquecer o
que passei lá dentro, o que você contribuiu para fazer. Então se existe...
— Onira...
— Se existe — enfatizei, não deixando que me interrompesse
— qualquer resquício de humanidade em você, fique longe de mim. Garanta
que sua família ficará longe de mim. Me deixa em paz para
tentar consertar algo aqui dentro. Descobrir se posso seguir em frente mesmo
que eu saiba que as cicatrizes nunca vão embora. Mas você é a pior
delas, então se pelo menos você sumir, um dia posso ter esperança outra vez.
Ele ergueu o queixo, recuando alguns passos.
— É o que você quer?
— Seu trabalho foi concluído, Demeron?
Uma batida, duas, três.
Levou um século até ele responder.
— Sim.
— Então fique longe de mim.
Lhe dei as costas esperando que saísse, mas ao mesmo tempo lá no
fundo, onde eu sabia que ainda existia aquela imensidão
de sentimentos, desejei que ele explicasse tudo, que tivesse alguma
forma de ser inocente. Pela primeira vez me segurasse com honestidade e que
fosse recheado de verdadeiro afeto, que me consolasse, porque aquilo era
tudo o que eu precisava agora.
Mas comprovando sua culpa, a porta abriu e fechou.
Me vi sozinha ali dentro outra vez e deixei que mais algumas
lágrimas caíssem antes de secá-las. Prometi a mim mesma que nunca mais
soltaria uma única lágrima por Demeron Konstantinova.
O homem que me curou e ao mesmo que me destruiu.
CAPÍTULO 29
Oni,
Não ousarei pedir desculpas agora, pois sei que estaria pedindo o
impossível, portanto, vou te dar o que você sempre mereceu e que nunca
deveria ter sido tirado de você: a verdade.
Eu servi ao exército desde que completei a maioridade, e aos vinte e dois
anos fui recrutado para um trabalho especial, um novo departamento.
Quando aceitei, sabia que receberia melhor, que poderia nos dar tudo o que
sempre quisemos: uma vida melhor. Pensei em você, que teria que esconder
aquilo, afinal, você sempre teve um medo absoluto de tudo o que remetia a
violência. Por isso escondi o exército, e criei uma vida perfeita da qual
você poderia se orgulhar.
Minha maior felicidade foi quando te levei na faculdade e você
estava brilhando com a realização de que estava começando a trilhar seu
caminho. Era engraçado pensar que minha irmãzinha seria uma artista, que
ganharia a vida pintando e sentindo, porque você sempre sentiu tudo e muito
mais intensamente, e que eu passaria o resto dos meus dias fazendo o que me
era destinado: lutando batalhas.
Vi mais violência em meus anos do que gostaria que você soubesse,
cumpri missões que me foram dadas sem nunca perguntar o porquê estava
fazendo aquilo, e quando chegava em casa, via você, o sopro de ar puro que
eu recebia.
Por isso, quando entrei para a Liga, Stark me garantiu que cuidaria
de você se algo me acontecesse. Ele sabia que você era tudo o que me
importava. Eu estava levando a vida, mas sabia, sentia que faltava algo,
então comecei a investigar.
Minhas buscas me levaram de volta a Tailândia, lá naquela pequena
vila onde nós pensamos que nascemos. Eu queria estar aí para contar tudo
isso frente a frente, mas não posso e nem sei se um dia poderei. Dói pensar
que ficará sozinha com essas descobertas, e que não terá alguém para te
confortar.
Tudo o que fiz durante anos era somente meu, nunca deveria ter te
tocado, mas ver a marca em seu pescoço, saber o quanto a machucaram e a
dor que você sente, me fez ver que tudo o que aconteceu foi culpa minha.
Eu traí Demeron, traí nosso país, e o mais importante, traí você,
minha pequena irmãzinha. Isso não tem perdão.
Eu vou atrás deles, não apenas por terem machucado você, mas por
tudo o que já fizeram a outras mulheres também, e terminarei isso. Durante
essa jornada vou pedir aos deuses que possa ter alguma chance de poder vê-
la outra vez.
Não é seguro que eu volte, por isso, permaneço morto.
Quando estiver pronta, vá até algum dos Konstantinova, eles vão
explicar tudo o que você ainda não entende, foi o meu último pedido.
Você é perfeita, Oni. Sei que minha apreciação não faz
diferença, mas você é meu maior orgulho.
A única mulher, e a única pessoa que tem meu coração. Eu te amo.
Então, a partir daqui, irmãzinha, eu preciso que você seja forte e
corajosa. Preciso que respire profundamente. Consegui minhas respostas,
mas elas são suas também, e você precisa saber mesmo que seja difícil.
DEMERON
ONIRA
— Não posso dizer como estou feliz que tenha aceitado o meu
convite, Oni.
— Viemos como amigos, e sou muito grata pelo que fez por mim nas
últimas semanas.
— Imagina. Freya tem se adaptado, tenho certeza que logo ela se
lembrará de como é conviver nesse mundo louco.
Eu sorri para Kurt e fizemos nossos pedidos. Sabia que suas
intenções comigo não eram puras e inocentes, mas ia deixar isso claro para
ele conforme evitasse seus avanços. Infelizmente não pude escapar daquele
almoço, afinal, estava muito grata.
Eu o conhecia como um completo cafajeste e essa opinião não havia
mudado, também não confiava nele e em seus negócios que, por muitas
vezes, já vi Slom questionando das vias que vinham, mas quando ele me
ligou dizendo que tinha um emprego para a minha amiga, não pude recusar
voltar a ter contato.
A história que contei a Slom e também para ele, era que Freya foi
uma amiga que reencontrei na Tailândia, e ela havia tido um acidente que
deixou sequelas, inclusive que ela havia meio que nascido de novo, pois
perdeu completamente sua memória. Não sabia nada sobre o mundo.
Difícil foi fazer Freya entender porque ela precisava mentir.
Ela nem sabia o que era Tailândia ou acidente, então eu me sentei ao
seu lado como se fosse uma criança pequena e expliquei palavra por palavra,
até que entendesse pelo menos o básico do que precisávamos fazer: construir
para ela uma nova vida. O primeiro passo era ganhar sua independência, ela
não entendia isso, mas eu queria que ela começasse a ter suas próprias coisas.
Tinha ido até o meu ateliê sozinha quatro dias antes e disse que não queria
voltar para a mansão dos Konstantinova. Quando eu perguntei o porquê, não
quis contar.
Mas eu tinha uma suspeita do que poderia ser, já que surgiu quando
uma imagem de Siriu passou na TV e ela travou completamente, se fechando
e não falando absolutamente nada até cair no sono.
Ela não queria falar nada e no dia seguinte foi como se o episódio
nem tivesse acontecido, mas se o desgraçado tivesse feito algo para ela, ia se
arrepender quando eu descobrisse.
Depois disso, Kurton me ligou e disse que Slom havia contado o que
aconteceu, que ficou profundamente tocado e perguntou se podia ajudar de
alguma maneira. Eu passei horas e horas explicando a Freya o que era um
trabalho e como funcionava, e ela concordou em conhecer Kurt e saber o que
ele poderia lhe oferecer.
— Devo ajoelhar quando ele chegar? — ela tinha perguntado.
— Não. Permaneça sentada. Eu vou estar do seu lado o tempo todo.
Me lembro de ela ter ficado calada por alguns minutos, mastigando
os lábios e depois sorriu para mim.
— Se tudo der certo, darei prazer a ele com minha boca!
Na hora que ela disse aquilo, eu quis desmarcar com Kurt e trancar
aquela menina em casa, protegendo-a do mundo e impedindo que qualquer
um chegasse perto, mas não podia ceder a essa vontade.
Ela precisava aprender a viver. E eu sempre fui paciente, lhe disse a completa
verdade: estarei ao lado dela o tempo todo.
— Slom me disse que estão planejando mudar o endereço do
ateliê — Kurt comentou enquanto servia nosso vinho.
— Ainda estou pensando. No fim a decisão não é só minha, então nós
duas ainda temos muito a conversar a respeito.
— Sabe que se precisar posso indicar os melhores locais de Berlim,
não sabe?
Os intensos olhos cor de carvão me analisavam, ele não parava de me
dar aqueles olhares escorregadios e os sorrisos cheios de charme.
— Não sei se continuaríamos em Berlim.
— Onde quer se aventurar agora? Munique, Hamburgo...
— Pensei em Milão ou Veneza.
Ele parou o copo no caminho da boca e franziu o cenho.
— Quer ir embora do país?
Bebi o vinho, pensando numa boa resposta.
— Acho que seria o melhor.
— Tudo por causa do Konstantinova?
— Não, não apenas por ele. Às vezes penso que não tenho raízes,
quero me mudar e conhecer novos lugares, buscar novas inspirações.
Ele se inclinou e pegou minhas mãos, dando um aperto.
— Não precisa ir embora para se inspirar. Meu jato está à disposição
quando você quiser fazer um bate-volta na Itália, Londres ou Buenos Aires.
Foi inevitável não sorrir para ele.
— Sei que está preocupado que eu leve Slom para longe, mas talvez
possamos até manter o ateliê de Berlim aberto e ela fica aqui.
Ele me devolveu um sorriso deslumbrante.
— Você poderia ficar também, Oni.
A resposta estava na ponta da língua, mas só tive tempo de ver um
vulto se aproximando e depois fui levantada, meus lábios tomados sem
nenhuma delicadeza bem ali, no meio de um dos melhores restaurantes de
Berlim.
Fiquei travada no primeiro segundo, olhos arregalados, mas então
como se presa em um encanto, além de reconhecer o rosto, ao sentir aquelas
mãos me segurando com tanta força, meus olhos fecharam e meus lábios
abriram involuntariamente para recebê-lo.
Que saudade daquele cheiro... do gosto... do toque.
Fui levada de volta para a nossa primeira vez juntos, de como
usou aquela mesma força para me dar tanto prazer, de quando me adorou em
minha cama na noite que lhe disse sim. Aquele fatídico sim que deu início a
toda nossa história.
A língua faminta passeava por cada canto da minha boca, os dentes
mordiam meus lábios e as mãos começaram a me apertar. Eu já estava mole,
pronta para arrastá-lo em qualquer canto e exigir que terminássemos aquilo
direito, mas um pigarreio me acordou.
As vozes, a música ambiente do restaurante e os talheres encostando
nos pratos.
O pigarreio de Kurton.
A contragosto, empurrei o peito de Demeron tentando tirá-lo e afastar
nossas bocas, mas ele imediatamente segurou meu rosto, afastando-se apenas
alguns centímetros para me olhar nos olhos.
— Liebe...
— O que está fazendo? — sussurrei. Tentei virar o rosto, mas ele
apertou mais, me impedindo.
— Não olhe para os lados, olhe para mim, mantenha seus olhos só
em mim.
— Por quê?
— Porque assim você não terá tempo de pensar ou considerar outras
opções. — Me beijou bem de leve. — Tenho um pedido a fazer.
— O-o quê? O que você quer?
Minha voz estava falha, eu nem podia raciocinar. Ele tinha razão.
Enquanto ficasse olhando para os dois pedacinhos do céu que eram seus
olhos, não conseguiria pensar direito. Ele tirava meus pés do chão com um
único beijo.
— Me deixe te contar uma última coisa. Te mostrar.
— Eu... eu não sei.
— É por ele? Você o quer?
— Ele é um amigo e...
— Se você quiser tê-lo, não poderá. Vou acabar com ele e com
qualquer outro cara que chegue perto. — Seus olhos inquietos iam de um
canto ao outro do meu rosto, como se estivesse desesperado. — Não entendo
o que está acontecendo, apenas sinto uma vontade louca de matá-lo. O que é
isso? O que você fez comigo?
Ele era uma tempestade. Me apavorava com seus raios e trovões e acalmava
meus pensamentos conturbados com seu barulho no telhado. Molhava tudo
ao redor, bagunçando, tirando a ordem, mas depois voltava para limpar a
sujeita.
Ele era um completo caos, mas era a minha calmaria também.
Contra todas as probabilidades, como poderia não ir com ele?
— Tudo bem — falei baixinho.
Ele assentiu, soltando um suspiro de... alívio.
Então, sem me dar tempo de me despedir de Kurt ou até olhar para
ele, me levou para fora, ignorando meus pés bambos e me mantendo firme
com um braço na cintura. Pegou minha bolsa e casaco no hall e praticamente
me carregou para fora.
Fomos recebidos com um vento frio e continuamos andando até a
esquina, onde havia a entrada de uma rua sem saída.
Ele parou em frente a uma moto preta e jogou a perna por cima,
enfiando a chave para ligá-la. Como se não pudesse ficar ainda mais bonito,
me olhou e estendeu a mão.
— Tire os sapatos, segure-os com você e passe os braços em volta da
minha cintura.
— Demeron, o que...
Vendo minha hesitação, ele desceu e veio até mim.
— Você quer que eu mate Kurton?
— O quê? Mas é claro que não!
— Então me tire daqui, liebe. — Passou a pontinha dos dedos do meu
pescoço até os lábios. — Me tire daqui.
— O que você sente por mim?
— Eu não sei. Queria te dar uma resposta, dizer palavras bonitas que
você quer ouvir, mas a verdade é que não faço ideia do que são as coisas que
estou sentindo, que estão passando em minha cabeça.
O rosto franzido me deixava ver que sua confusão era verdadeira, ele
estava perdido no que sentia. E mesmo que eu quisesse saber quais eram
aqueles sentimentos, conversar na rua não era o melhor lugar.
Decidindo num impulso obedecer ao que pediu, tirei os sapatos e subi
na moto devagar, com calma para não cair do outro lado. Demeron colocou
um capacete em mim e apertou meus braços em sua cintura. Eu queria
espalmar minhas mãos no peito duro, mas os saltos impediram o movimento.
— Segure-se, liebe.
Soltei um gritinho quando saímos do lugar e em segundos estávamos
praticamente voando pelas ruas, ultrapassando os carros e deixando poeira
para trás. A sensação era maravilhosa. O vento em meu rosto e cabelos, o
único barulho a ser ouvido era o da moto e, principalmente... estar amparada
por ele.
Não sabia o que aconteceria depois dali, mas segurei firme e fechei
os olhos.
BÔNUS
“Aqui estamos nós, não vire as costas agora
Nós somos os guerreiros que construíram esta cidade
Do pó”
Imagine dragons, warriors
KURTON WARD
Eu devia ter sabido que íamos para lá, reconheci o caminho, mas nem
me importei de pedir para parar. A verdade é que àquela altura, não tinha
muito que eu pudesse negar. Ele estacionou a moto em frente a linda casa que
me apresentou como nossa meses atrás e me deu a mão para ajudar a descer.
Hesitei, porém, no momento em que segurei, ele praticamente me
arrastou para dentro, meus protestos ficaram perdidos ao vento, pois ele ainda
parecia tão descontrolado como quando me levou para longe de Kurton.
— Demeron! — Sendo ignorada, o chamei mais duas vezes, mas na
terceira, minha voz sumiu e sua boca estava na minha.
Houve apenas o barulho da porta sendo fechada com força atrás de
nós, a força de suas mãos segurando o meu rosto, os olhos dele espremidos,
me beijando com uma voracidade diferente de outras vezes no passado.
Parecia querer me engolir, me devorar.
Não tive sequer um vislumbre da casa, ele não me deu tempo para
isso.
E mesmo tentando rejeitá-lo de primeiro momento, não havia muito
em mim que quisesse resistir. Sentia falta dele desesperadamente, de seu
beijo, de seu toque, do perfume e das mãos grandes que tinham o aperto mais
firme que já senti. Saudade de tudo o que fazia comigo e todas as formas
como ele me dominada. Existiam questões infinitas por trás de nós, mas
naquele momento nenhuma delas parecia suficientemente boa
para quebrar aquele beijo.
Mas o beijo cresceu, nossas línguas ficaram mais vorazes e peça por
peça, nossas roupas foram tiradas e espalhadas pelo que deveria ser a sala.
Suas mãos não me deixavam, ora segurava meu cabelo, ora apertava meus
braços e me puxava para ele com uma força que deixaria hematomas no dia
seguinte, mas eu não me importei também. Me sentia tão sobrecarregada e
necessitada quanto ele.
— Não posso acreditar que estava com ele — murmurou e fechou os
olhos com força, suas mãos juntas bateram na cabeça. — Aquele sorriso que
dava para ele, segurando as mãos... inferno! Preciso tirar isso da minha
cabeça.
Fui responder, mas seus lábios colaram nos meus novamente, meus
protestos viraram lamúrias quando sua calça, por fim, foi parar no chão e seu
membro rígido encostou em minha coxa. Me dissolvi em desejos e
vontades, gemi alto e ele também. Não encontrando nenhuma superfície
próxima, me encostou na parede.
— Demeron... — Estava pronta para implorar, mas não foi
necessário, pois ele me invadiu com uma determinação e uma força de aço.
Minhas costas batiam na parede e nossos lábios não desgrudavam.
Agarrei seu cabelo, arranhei seus ombros, o puxei para mais perto
cravando as unhas no pescoço, e foi a primeira vez que estive em seus
braços, com ele dentro de mim, que senti todo o seu prazer.
Fui ao céu, voltei à Terra e desci ao inferno nos minutos em que ele
bombeava fortemente dentro de mim. Lábios inchados, dentes batendo,
línguas entrelaçadas e mordidas por todos os lugares.
Seu pau bateu no lugar certeiro dentro de mim e não escondi meus
gritos, que foram engolidos por ele enquanto também rosnava seu
prazer, batendo ainda mais forte lá dentro, e finalmente se derramou. Mesmo
que eu estivesse trêmula em seus braços, ele não me soltou, me segurou até
que os espasmos diminuíram e minha respiração acalmava.
Eu estava completamente lúcida sobre o que tinha acontecido. Não
haviam reservas. Ele beijou cada canto do meu rosto de olhos fechados, era
como não pudesse acreditar que eu estava ali. O deixei fazer o que quisesse,
aproveitando daqueles minutos e sabendo que algo deveria ter acontecido
para despertar alguma emoção, algum sentimento verdadeiro nele.
— Me desculpe — Declarou, com a voz rouca e entrecortada. — Não
fique com ele. Faço o que você quiser, mas nunca mais deixe nenhum homem
tocá-la e nem sorria para eles.
— Demeron...
Ele abriu os olhos, mostrando-me uma chama ardente e tão viva
naqueles pedaços do céu que parei de falar imediatamente.
— Seus toques são meus, seus sorrisos são meus e seus beijos são
completamente meus. Não há outra forma. Não posso mais ficar longe.
O que tenho sentido nas últimas semanas não é normal. O que foi que você
fez comigo?
— Não fiz nada com você — respondi calmamente.
— Não consigo me concentrar, estou recusando trabalhos e agi feito
louco quando soube que estava com o filho da puta do Ward. Nunca senti
nada disso.
Meu próprio coração falhou uma batida.
— O que você sente?
Seus olhos se tornaram frenéticos, não parando em lugar nenhum.
Parecia perdido, confuso e completamente vulnerável.
— Aqui. — Colocou a mão no peito. — Dói. Sinto um aperto, fico
pensando em você o tempo todo. Parece que se não te ver, se não chegar
perto, vou ficar louco! — Fechou os olhos com força. — Pensar que você
poderia estar com outro homem... isso me fez ficar cego. Só conseguia pensar
em chegar até você e tirá-la de perto de quem quer que fosse.
Passei as mãos pelo rosto incrivelmente bonito, sentindo o
formigamento de lágrimas querendo escorrer.
— Eu disse para ficar longe de mim. — Ele abriu os olhos e franziu
todo o rosto, os olhos levemente arregalados. — Mas como posso te mandar
fazer isso novamente se você me ama?
— Eu não sei...
— Não foi uma pergunta, Demeron Konstantinova. Você. Me. Ama.
— Como... — sussurrou — Como você sabe disso? Como sabe disso
e eu não sei?
— Porque sinto exatamente a mesma coisa e amo você. E você não
sabe porque nunca se permitiu amar.
Haviam infinitas formas de amar, e eu sentia que com Demeron, eu
estava aprendendo cada uma delas.
O amor doloroso, o que mente, o que trapaceia, o que finge. Tipos de
amor que enganam e fazem mal. Que agarra na pele e machuca até a alma.
Mas, ainda assim, eu o amava.
Pudera... era um homem divino.
Quebrado. Fraturado. Despido de sua própria alma.
O corpo forte era apenas uma casa para o frágil coração.
Ele estava me demonstrando uma fragilidade que não imaginei que
possuía, uma inocência quase engraçada, perguntando-me como eu tinha
certeza de seus sentimentos por mim. Sempre sonhei que o homem dos meus
sonhos me faria declarações bem planejadas e diria que me amava, mas aqui
estava eu, voltando atrás quando disse a Demeron para me deixar em paz e
explicando coisas do coração para ele.
Demeron engoliu em seco, afastou-se o suficiente para nos separar e
colocou sua camisa em mim, vestindo a calça silenciosamente. Como uma
criança insegura, pegou minha mão e abriu uma porta de correr que dava para
o lugar onde havia me apresentado como o meu estúdio.
Havia apenas um colchão no meio do enorme espaço.
Vendo minhas sobrancelhas erguidas numa pergunta silenciosa, ele
encolheu os ombros.
— Eu só pensei na cama.
— Sério?
— Prioridades.
— Então você já tinha algumas segundas intenções quando foi me
tirar de Ward.
— Não... fale esse nome. Não pelos próximos meses se não quiser
ver uma tragédia acontecer.
Suspirei, soltando sua mão, e sentei na beirada do colchão.
— Tragédias demais já aconteceram. Não posso sequer pensar em
mais uma.
Ele ficou em silêncio por vários minutos, depois se acomodou ao meu
lado e ficamos ambos olhando para o céu do lado de fora. Eu tinha quase
esquecido como a vista era esplêndida. Se tivesse morado ali, com certeza
teria feito esculturas incríveis.
— Siriu não foi quem tomou a iniciativa — falou de
repente. — Quando fui preso eles pensavam que estava trabalhando
com Style o tempo todo, que era um traidor.
— Mas se ele te deixou para trás, como puderam continuar
acreditando nisso?
— As evidências diziam tudo. Seu irmão me drogou e me deixou lá,
pouco antes de tudo explodir eu saí com ele, então parecia claramente que
entramos com a intenção de plantar explosivos e acabar com tudo. Eles
disseram que Style me traiu e fugiu para que eu fosse o único a ser tido como
culpado.
— De certa forma eles estavam certos — murmurei.
— Sim, estavam, mas eu não queria acreditar que o meu amigo, ou
que eu pensei que fosse um amigo, teria planejado tudo tão friamente. Agora
sei que aquela kambarys nunca explodiu, já que tanto Kazel quanto Freya
estavam lá e continuam vivos. Me peguei muitas vezes durante o cativeiro me
perguntando o que tinha acontecido. Até tentei me convencer de que Style
acreditava que quando o governo visse que eu não sabia de nada durante as
torturas, iam me deixar livre declarando minha inocência.
— E isso não poderia ter acontecido?
Ele balançou a cabeça, suspirando.
— Fui treinado para me fechar durante tentativas de arrancar
informações. A dor é canalizada e com o tempo, passo a me acostumar com
ela. Eles aplicaram em mim formas de tortura que eu mesmo apliquei em
outros agentes, conheço cada uma delas. Eles achavam que eu sabia de tudo,
mas como castigo por nunca conseguirem me fazer falar, decidiram que me
manteriam lá. Sofrendo dia após dia.
— Até que tudo mudou.
— Sim. Eles precisavam encontrar Style. Siriu estava obcecado com
isso e o governo não tinha nenhuma pista de onde ele podia estar. Queriam
ter posto as mãos em você muito antes, mas Stark não deixava. Ele jurava
que você nunca soube de nada sobre a vida que seu irmão mantinha, sobre a
verdadeira profissão. E ele conseguiu te proteger durante dois anos, mas
quando eu entrei no jogo, ele não podia mais fazer isso.
Entendi o que ele quis dizer. A partir do momento que ele se
envolveu, ninguém podia me proteger.
— Siriu queria que você fosse intimada e ficasse em custódia até
arrancarmos algo de você, mas a lei não pode infligir os direitos civis dessa
forma.
Ficamos em silêncio porque eu já sabia o restante da história e ela
não precisava ser contada novamente. Se a lei não podia atropelar meus
direitos, Demeron podia e assim ele fez.
— Nunca vou poder dizer o quanto me... arrependo disso. Quando te
levaram...
— Eu estou aqui. — Passei meus dedos pelos traços firmes de seus
olhos e sobrancelha. — Olhe para mim.
— Eu não posso. Não consigo. Quando te olho, volto ao passado e te
vejo lá dentro, lembro-me de tudo o que te aconteceu.
— Ficar se condenando pelo passado não mudará nada. Nós estamos
aqui agora.
— Foi minha culpa. Você estava lá por minha culpa.
— Isso não é verdade. — Respirei profundamente, dizendo cada
palavra com verdade absoluta. — Eu estava destinada a conhecer aquele
lugar desde que nasci. Sei que uma hora ou outra teria ido parar lá, isso
apenas foi adiado, e no fim você me encontrou. Você me salvou.
— Acredito em destino, sempre acreditei. Mas se não fossem as
minhas escolhas e de seu irmão, você teria ficado longe de tudo isso.
— Você nunca vai entender que me salvou — disse mais para mim
mesma que para ele.
— Como pode dizer isso? Como pode dizer que a salvei quando a
tomei lá dentro, quando sabe que menti. Te avisei que planejava fazer pior e
te usei para completar meus objetivos?
— Nós não estamos juntos para sermos o lembrete doloroso do
passado, mas sim uma forma de conforto para seguir com o futuro. — Beijei
seus lábios levemente, depois o peito e o pescoço. — Você é tudo que eu
tenho agora, tudo o que quero ter.
Ele balançou a cabeça, uma expressão dolorosa assumindo o rosto.
— Você teria gostado de mim antes de tudo.
— Ah, é? Você foi um universitário bêbado que pegava todas?
Decidi fugir do assunto. Estava sendo hipócrita, pois pedia
honestidade a ele, mas vinha escondendo um segredo que afetava a nós dois.
— Não cheguei a tanto. Não fiz faculdade, mas queria ter sido piloto.
— Você podia, ainda pode.
— Estou velho demais para começar de novo. Tenho um divórcio e
um noivado de mentira, uma carreira exemplar cheia de medalhas, muito
dinheiro guardado, mas se me perguntar qual dessas coisas me fez feliz... não
consigo responder. O noivado foi o mais próximo que tive de querer fazer
algo para mim mesmo, porque eu quis me casar com você. Naquela época
dizia a mim mesmo que era para não deixar que você tivesse escapatória, mas
hoje entendo que queria tê-la por perto.
— Não me arrependo de ter dito aquele sim a você.
— Eu sei. — Suspirou. — Por algum motivo você gosta de mim.
Realmente gosta, e por isso eu sinto muito que não nos conhecemos antes de
tudo. Que eu não te dei essa chance.
— Podemos fazer tudo agora. As coisas serão diferentes.
Decidida a provar que falava a verdade, resolvi tentar algo.
— Tenho muito medo do mar.
Para minha completa surpresa, ele soltou um riso diferente dos
poucos que já havia dado antes. Não era forçado, nem irônico, parecia real.
— E eu te comprei uma casa bem em frente ao mar aberto.
Praticamente em cima.
Dei de ombros com um pequeno sorriso escondido.
— Você não sabia. Mas não foi algo que me incomodou, aquele tanto
de água lá em baixo.
— Eu acredito nos deuses. Não no seu Deus. Nos deuses que aceitam
minhas ofertas e sacrifícios. Acredito que quando eu morrer irei para Valhala.
Vou brindar com os deuses enquanto o resto de nós está aqui lutando a
grande batalha.
Virei lentamente para encará-lo e dei risada, achando a piada
engraçada, mas para a minha completa surpresa, ele estava sério. Vendo
minha descrença, ele sorriu torto, ainda afetado pela culpa.
— Rezo para Odin, agradeço a ele pela vida. Bebo para honrá-lo e
faço meus trabalhos sabendo que ele me protege.
Eu não sabia o que dizer e isso o fez rir um pouco.
— Está me olhando como se eu fosse de outro mundo.
— Bem — tentei me explicar. — É algo... diferente.
— Odin, protetor do Sol e do oceano, defensor da Lua, Pai de Tudo.
Possuidor da sabedoria oculta. Caçador selvagem do céu, regente do inferno
e encruzilhadas. Eu o invoco e peço sua ajuda na grande obra. Hoje busco
com o seu auxílio a sabedoria das runas que estão sob sua proteção.
Fiquei em silêncio, ouvindo o que me parecia uma oração.
— Foi o que pedi aos deuses quando você me disse para deixá-la em
paz.
— E o que eles responderam?
— Odin me protege. Ele sabe dos meus pensamentos e que se você
não voltasse, eu morreria indigno de entrar em Valhala. Então ele a mandou
de volta.
Ele pegou minha mão e deu um aperto forte.
— Não entendo muitas coisas. Nem meus sentimentos e nem meus
pensamentos, mas vou tentar fazer algo certo agora, porque ele te mandou de
volta para mim.
CAPÍTULO 35
DEMERON
ONIRA
Eu nem tinha mais fé, mas estava rezando por aquela menina.
Ela estava sentada há quarenta minutos em cima de uma caixa,
segurando o urso de pelúcia num aperto firme e olhando ao redor com os
grandes olhos azuis, e Demeron estava de pé, imóvel, olhando-a.
Quando menos de cinco minutos depois de me
esconder, Demeron apareceu de novo, fiquei aliviada. Mas então, saí e vi
Blair no meio da sala e soube que algo estava muito errado. O alívio
imediatamente foi embora.
— Você vai assustá-la.
Ele franziu o cenho.
— Essa história está mal contada.
— Ela é uma criança, Demeron, praticamente um bebê, jogada nessa
confusão.
Minha raiva por Regnar alcançou novos picos e a vontade de bater
repetidas vezes no rosto de Kaladia para fazê-la acordar também.
— Eu sei. Não entendo porque aquele estúpido ia jogar a menina na
nossa porta e sair.
Eu também não entendia, mas um pensamento vinha me
assombrando e eu não podia guardar por mais tempo.
— Existe alguma possibilidade de ela ser sua?
Ele virou para mim com olhos saltados.
— O quê?!
— Sua filha.
— Inferno, não! É claro que não! — respondeu, mas voltou a olhar
para ela de uma forma diferente dessa vez.
— Demeron...
— Não pode ser. — Me olhou novamente. — Você acha que... acha
que pode?
Eu quis rir escandalosamente, mas de desespero.
— Como é que eu vou saber? Você deveria ter certeza disso.
— Eu tenho.
— Não parece.
Ela olhou entre nós dois em silêncio. Coitadinha. Parecia tão
assustada que me fez lembrar de mim mesma naquela idade.
— Ela não é minha. Sei disso.
— Certo — retruquei.
Havia a mulher ciumenta e louca dentro de mim que queria surtar
com sua incerteza, mas tinha também a mulher com a consciência de que
naquele momento, alguém mais importante estava no meio da história. Blair
era só uma criança negligenciada, que não tinha ideia do que estava
acontecendo ou da família maluca em que nasceu.
Ele suspirou, passando as mãos pelo cabelo.
— Vou tentar falar com Regnar, pode ficar com ela por alguns
minutos?
— É claro — respondi cegamente, muito concentrada no rostinho
perdido diante de mim.
Quando Demeron se afastou, lentamente cheguei perto e abaixei a
dois passos dela.
— Ei, menina. Você se lembra de mim?
— Sim. — Sua voz era firme e fiquei surpresa. Uma pitada de
orgulho por ver que mesmo em uma situação completamente descabida, ela
não estava se comportando como uma criança birrenta, malcriada e
chorona. E teria todo o direito e motivo se estivesse.
— Sou uma amiga do seu tio Demeron, então se quiser pode confiar
em mim.
— Eu sei, papai falou que você cuidaria de mim.
Franzi a testa.
— Seu pai disse isso?
— Sim, ele disse que você me entenderia e que não me deixaria
passar pelo que você passou.
Em silêncio e rejeitando todas as possibilidades de pensamentos e
teorias sendo criadas em minha mente, fiquei olhando para ela. Engoli em
seco e lhe ofereci um sorriso reconfortante, afastei-me, indo para o outro lado
da sala. Ela balançava os pés, batendo o calcanhar na caixa e eu quis mandá-
la parar para que não se machucasse, mas suas palavras ainda ecoavam em
meus pensamentos.
Seria possível que...
Não, não podia ser. Ele não tinha como saber daquilo.
— Não consigo falar com Regnar — Demeron disse quando
voltou. — Ninguém sabe dele, nem de Kaladia. Falei com o Stark, mas ele
não pode vir buscar a menina e Kirina não atende o telefone. Ela terá
de passar a noite aqui, mas pela manhã vou cuidar dessa situação.
Assenti em silêncio e olhei para Blair.
— Você está com fome?
— Não, obrigada, Onira — respondeu gentilmente.
— Tem outro colchão em um dos quartos — disse
ele. — Venha, Blair, é melhor você tentar dormir um pouco.
Ela assentiu e foi na frente, seguida por ele alguns passos atrás.
Eu voltei ao cômodo do estúdio e abri as cortinas escuras das portas
de vidro, sentei no colchão e esperei por sua volta. Enquanto isso, olhava
para fora e observava a escuridão da noite.
Se aquilo era uma mensagem eu não sabia, mas percebi que tinha
chegado a hora de falar o que tanto havia evitado, o que no fundo no meu
subconsciente não me permiti entender e nem reconhecer que era verdade.
— Ela dormiu quase imediatamente. — A voz de Demern veio por
trás e pouco depois o colchão afundou atrás de mim, seus braços me
envolveram e senti os lábios tocando minhas costas, a nuca e pescoço.
Eu me perguntava qual seria a sua reação, o que ele diria
quando soubesse de tudo. Quando percebesse que não era o único culpado
pelos rumos que minha vida tomou, que o destino teria sido cruel de qualquer
forma para mim. Não havia nenhuma garantia, mas eu o amava e acreditava
que ele me amava de volta o suficiente para entender e continuar me amando
quando soubesse o grande problema que seria estar comigo.
— Eu tinha oito anos quando minha mãe morreu — falei de
repente, surpreendendo a mim mesma com a revelação repentina. Parecia
que eu estava fora do corpo, sentada de frente para nós dois observando a
cena se desenrolar diante de mim.
Demeron demorou para responder.
— Eu deveria dizer que sinto muito, mas é estranho, porque não
sinto.
— Eu gosto que você não diga coisas ensaiadas, como “meus
pêsames”, “sinto muito”, “adorei o presente”. Não faça isso, seja apenas
você.
— Mas era a sua mãe.
— Não de verdade — sussurrei.
— O que quer dizer? — Hesitou.
Respirei profundamente, sabendo que era o momento de colocar o
último segredo entre nós para trás. Ele podia não querer arriscar sua vida
quando eu contasse, mas não podia continuar mantendo-o no escuro.
— Eu cresci em uma pequena vila na Tailândia. A história que foi
contada a mim e a Style era que tínhamos nascido lá, meus pais
eram órfãos e não existia mais nenhuma família além de nós quatro.
— A história que foi contada?
— Sim, você vai entender. Não me lembro de muito da minha
infância, mas tenho esses pesadelos praticamente todos os dias onde Style me
leva embora. Estou sempre com sangue nas mãos e nos pés e ele tira uma
arma na minha mão, isso nunca havia feito sentido, mas o contei uma vez e
ele me disse que não podia ser uma lembrança, que era um só
pesadelo provocado pelo trauma da morte de nossos pais.
— Como eles morreram?
— Até pouco tempo atrás eu pensava que havia sido em um
incêndio, pois quando fomos embora a casa estava pegando fogo, mas agora
eu sei que não foi assim. A coisa é que quando eu te disse que estava
destinada a conhecer a kambarys não estava mentindo. — Tomei um novo
fôlego. — Style me escreveu uma carta e eu recebi semanas depois de você
me resgatar. Nela ele descreveu uma viagem que havia feito depois de anos
de desconfiança, sobre estar inquieto e desesperado para descobrir mais sobre
nós. Eu não sabia, mas ele também tinha os pesadelos, como era mais velho
tudo era mais claro, ele sabia o que tinha acontecido, só precisava ter
certeza e entender tudo antes de me contar.
— Te contar exatamente o que, Onira?
Fechei os olhos.
— As pessoas que pensávamos ser nossos pais eram guardiões de
crianças das kambarys. Eu e Style fomos criados para sermos escravos da
organização.
Ao receber o silêncio de Demeron por vários minutos, olhei para
trás buscando seus olhos e o peguei de olhos fechados, respirando fundo
silenciosamente, o peito subindo e descendo com força e as mãos em
punhos.
— Demeron?
— Isso não é... não pode ser possível.
— Na noite em que nós fugimos, eles iam levar Style. Um dos três
homens que sempre nos visitar em casa para falar com o homem e a mulher
que nos criavam, estava tocando Style. Meu irmão não gostava, tentava sair,
eu o vi se debater e nossa mãe fazendo coisas com ele. Coisas que uma mãe
não deveria fazer com um filho. Agora sei que aquilo era rotineiro, nunca me
tocaram porque era proibido, se eu tivesse sido violada de qualquer forma
perderia o meu valor dentro da Kambarys. Mas isso não importava na
situação de Style. Eles continuariam fazendo-o sofrer e quando eu vi que o
levariam para longe de mim, longe... é um borrão. Não sei o que aconteceu,
mas na carta ele disse que os cinco estavam tão concentrados que não me
viram chegando, a primeira em quem eu atirei foi nossa mãe, depois nos
outros três e por último em nosso pai, mas ele teve tempo de reagir também e
antes que pudéssemos fugir ele atirou no meu irmão.
— Onira, isso é impossível.
— É irônico, eu sei. — Soltei um riso sem graça. — Nos conhecemos
apenas porque o meu irmão estava tão determinado a encontrar a verdade por
trás dos nossos pesadelos e de suas memórias fragmentadas. Talvez a vida
poderia ter tomado outro rumo e você teria me visto junto com Freya na
missão em Oslo. Isso teria acontecido se eu não tivesse ficado acordada
naquela madrugada e entrasse em pânico, matando quem pretendia nos
machucar. Eu teria passado a vida servindo aqueles homens, Style estaria
preso e quem sabe até mesmo morto.
— Não diga isso. — Ele segurou meu queixo, olhando nos meus
olhos. — Nem sequer pense nessa possibilidade.
— Mas é verdade! E eu estaria conformada, veja por Freya. Ela sofre
por não estar naquele lugar.
— Como ele descobriu tudo isso?
— Eu não sei. Ele disse que queria me poupar dos detalhes, mas não
são os pequenos detalhes que importam e sim que eu sempre estive
condenada. Condenei você por meses quando na verdade você me salvou do
que teria sido a minha vida inteira.
Depende. Quando os braços me envolveram de novo, toda a força
que agarrei para contar a história pareceu ir embora, e eu estava
flutuando em um abismo tão alto quanto o penhasco atrás de nossa casa, e um
choro assíduo começou.
Demeron me acalmava em silêncio, ele não sabia o que dizer, mas
apenas o conforto dos seus braços já era mais do que qualquer palavra.
— Você vai me deixar? — perguntei, expondo o que era meu maior
medo.
— Por que diz isso?
— Porque eu pertenço a eles e você está comigo. Um risco que você
não é obrigado a assumir.
Seus braços apertaram mais a minha volta.
— Não — rosnou em meu ouvido. — Você não pertence a eles,
você pertence a mim e eu nunca vou abrir mão de você.
— Eu não te julgaria se abrisse.
— Já disse que não vou te deixar. Acalme-se.
— Você não está horrorizado — constatei.
— Já vi demais nessa vida, o destino é uma merda, então é claro que
os deuses iriam me testar, me mandando uma mulher tão fodida quando eu
para... amar.
Toquei seu rosto com os dedos trêmulos.
— Então... você me ama.
Ele me deu um sorriso fechado, segurando meus dedos em sua
mão. Me puxou para cima do colchão e deitou-me em seu peito, acariciando
minhas costas e cabelo.
— Durma, pequena onça.
— Não posso — respondi e de repente bocejei. — Tenho mais
algumas perguntas.
— E você pode fazer cada uma delas amanhã.
Sem força emocional para debater ou insistir em ficar acordada,
fechei os olhos inchados, sentindo-o me apertar em seu corpo e dormi em
segundos.
Pela primeira vez tive um sonho diferente, e nele, o cheiro de
Demeron penetrava meus sentidos dando a tranquilidade que nunca tive
antes.
...
...
DEMERON
EMIRADOS ÁRABES
CINCO MESES DEPOIS
...
ONIRA
...
Fim
O segundo livro da série A LIGA DOS
DIAMANTES contará a história de Siriu
Konstantinova e Freya, e estará disponível em breve.
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