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MAGICAL MYSTERIES OF MILLENIA – A GEMA DE HÓRUS

Felipe Fernandes Feital

Nas areias do deserto egípcio, próximos ao rio Nilo, adoradores e sacerdotes veneravam uma
mulher ornamentada em joias de pedras preciosas. Sua figura era resplandecente e todos ao seu
redor gritavam seu nome em coro.

Em um segundo, a imagem da mulher venerada pela multidão devota se transformou em


mobílias de apartamento. Uma jovem mulher se esticava pelos lençóis revirados de sua cama, e
apalpava a cômoda, para desligar o despertador.

- Que sonho mais esquisito... – murmurou a jovem.

Quinze minutos depois, no lugar de uma jovem sonolenta e descabelada, saíra uma elegante
moça do banheiro, com os cabelos molhados e escova nos dentes, enquanto procurava suas chaves,
passaporte e outros objetos importantes. Sentou-se na cama e vestira sua bota verde musgo, sem
deixar de olhar, umas duas ou três vezes, para o seu relógio de pulso.

Após conferir se tudo estava em ordem, a jovem elegante e apressada se precipitou pelos
corredores de seu prédio e entrara no elevador, em direção ao térreo. Enquanto esperava a lenta
descida, escrevera uma mensagem de texto para alguém, dizendo o seguinte: “Já estou saindo de
casa, te encontro no aeroporto, beijos mano!”

- Amirah! Que bom rever-te! – disse alegremente um homem magro e bem vestido, que
segurava um monte de malas. Parecia ser o destinatário da mensagem de texto enviada por Amirah
enquanto estava no elevador.

Amirah, sorridente, abraçara o irmão enquanto largava as malas no chão.

- Agora vamos, Omar, não queremos perder nosso voo!

Amirah e Omar eram irmãos. Juntos, estavam a caminho de uma expedição pelo Egito e
outras regiões do Oriente Médio. Ambos eram arqueólogos e estavam em busca de artefatos,
perdidos há milênios.

Já na plataforma de embarque, apresentaram seus passaportes e despacharam seus itens


pessoais. Foram então para seus respectivos assentos e se acomodaram bem, pois a viagem dos
Estados Unidos até o Egito era longa.
Cerca de doze horas depois, Amirah e Omar estavam debaixo do sol escaldante do Oriente
Médio, a caminho da sua jornada arqueológica até o Egito. Mas antes de chegarem lá, passariam
por um roteiro através do Iraque.

- Estamos procurando o que afinal, Amirah? – indagou Omar, incrédulo.

- Já ouviu falar do tesouro de Ninrud? – Omar assentiu. – Acredita-se que há um sítio


arqueológico, localizado na cidade de Ninrud, no Iraque. Talvez lá possamos achar algumas dessas
peças do tesouro, mas tem um problema.

- Qual?

- O local é dominado por mercenários. É possível que sejamos surpreendidos por uma de
suas milícias. Mas se formos discretos e rápidos, não teremos problemas para entrarmos ou sairmos
– explicou Amirah, observando bem a reação de espanto do irmão.

Amirah e Omar saíram em busca de sua expedição arqueológica, em direção a cidade de


Ninrud. Eles possuíam muitos instrumentos e bugigangas de escavação, mas naquele momento
Amirah estava mais preocupada em fotografar os lugares que passavam por ela, enquanto Omar se
confundia com o mapa enorme em suas mãos.

Quando chegaram em Ninrud, foram o mais depressa possível atrás do que procuravam, sem
distrações ou balbúrdia.

O lugar estava em ruínas, e tudo parecia estar abandonado há séculos. Teias de aranha eram
facilmente vistas pelas paredes do templo antigo, que era iluminado por pequenos buracos onde os
raios solares infiltravam.

Havia uma antessala por onde se estampavam enormes esculturas de seres alados e reis, que
poderiam ter reinado naquelas terras há milhares de anos. Mais em direção ao centro, havia uma
câmara com um portal lacrado.

- Acho que é aqui Omar, talvez esse seja o lugar que diz nas especificações – sussurrou
Amirah, excitante.

Após alguns momentos quebrando a cabeça, os irmãos conseguiram adentrar na câmara, que
era ainda mais escura do que o restante do templo. Exceto por um brilho ao centro, que indicava ser
algo feito de um metal reluzente. Ouro, é claro.

Se tratava de um jarro de ouro, com hieróglifos esquisitos e alguns desenhos de uma figura
forte e imponente, bem no centro do objeto.
- Será que saquearam tudo e só o que sobrou foi esse jarrinho aí? – indagou Omar, olhando a
sua volta, a procura de algo que refutasse sua teoria.

Porém, antes que Amirah pudesse responder, uma voz atrás deles gritara, em uma língua
distinta.

Uma dúzia de homens armados com metralhadoras entraram um a um, apontando suas
armas em direção a Omar e Amirah. Esta se assustara quando um dos mercenários vociferou
alguma ordem direta a eles, e derrubara o jarro de ouro no chão ao vacilar seu corpo para trás.

Repentinamente, uma fumaça cobrira todo o ambiente em que eles estavam, fazendo alguns
homens tossirem. Para o espanto de todos, surgira mais um homem na câmara, reluzente como o
jarro, com suas peças de ouro em brincos, pulseiras, anéis, braceletes e colares.

Um impressionante e corpulento físico atlético ostentava adornos e tecidos de seda e linho,


acompanhado de tatuagens de símbolos estranhos e um avantajado turbante cor de anil, bem
amarrado na cabeça.

Sua barba era longa e negra, porém não era desgrenhada, e em seus olhos, uma faísca azul
queimava como em uma lareira.

Um aroma de incenso e framboesa impregnara o ar e o homem fitara os corpos presentes


naquela câmara. Ele parecia confuso e ao mesmo tempo desconfiado. Disse algumas coisas em uma
língua que ninguém pôde entender – sendo assim ninguém o obedeceu.

Os mercenários ameaçaram atirar no homem forte de turbante, e, com um gesto breve


usando uma das mãos, atirou todos eles para longe do templo. Girou então nos calcanhares e uma
densa fumaça preenchera a câmara com ainda mais intensidade, fazendo todos desaparecerem.

No momento seguinte, Amirah, Omar e esse homem misterioso se encontraram no meio do


deserto. Tudo ainda estava muito confuso para todos.

- Desculpe senhor, mas quem é o senhor? Onde eu estou? Por qual motivo viemos parar
aqui, no meio do nada? – perguntou Amirah um pouco ofegante e confusa.

O homem a encarava fixamente. Disse mais algumas palavras estranhas e voltara a sua
atenção para o deserto a sua volta, como se estivesse em vigília contra algum perigo iminente.

- Dá pra me escutar? Eu quero saber onde estou, você não consegue me entender? Você fala
a minha língua? Ei! Eu estou falando com você... – exclamou Amirah impaciente e puxando o
homem pelo braço, que voltou sua atenção para ela.
“Muito bem, meu nome é Mustafah Kahram, eu não sei como vim parar aqui e nem em que
época estou, mas estive preso em um jarro de ouro, gostaria de saber se foi você quem me libertou.”

Sua voz era diferente de tudo o que já haviam ouvido. Ao mesmo tempo que era feroz e
intimidadora, conseguia ser serena e acolhedora.

- Eu derrubei o jarro quando me assustei com aqueles mercenários, eu acho – disse Amirah.

“Serei grato a você até o fim de minha vida.”

- Tá, mas agora, ô senhor Mustafah, diga-nos onde estamos, e o que é você? Algum tipo de
mágico ou ilusionista? – indagou Omar, incomodado com as areias entrando em seu sapato.

“Oh sim, muito bem observado, nobre humano. Estive preso por tanto tempo que não pude
perceber minha falta de atenção. Não sou mágico, muito menos um ilusionista. Só o que precisam
saber é que muitos temem minha presença, quando na verdade não precisam temer, exceto os que
praticam a maldade. As pessoas por aqui costumam me chamar de jinny. Acho que é isso, mas
podem me chamar de Mustafah mesmo.”

- E o que um jinny exatamente faz? Eu devo estar sonhando acordada! – disse Amirah.

“Isso não é um sonho, eu sou de uma raça de seres mágicos responsáveis pela proteção deste
mundo. Servimos ao grande mestre Ahura Mazda, o deus da criação de todo o universo que
conhecemos. Nós jinnys possuímos níveis diferentes de habilidades. Sou pertencente a uma classe
distinta no meio dos jinnys, conhecida como maridiums. Infelizmente eu fui o único que sobrevivi
de minha raça. Houve uma guerra que explodiu e quase destruiu toda a mãe Mesopotâmia, o berço
da humanidade. E o precursor desta tão destrutiva guerra foi o nosso inimigo, Angro Mainyush, o
deus do caos e da destruição e seus lacaios ifritys, uma raça maléfica de nós jinnys.”

- Opa! Peraí seu maluco, você não tá falando coisa alguma e isso não faz sentido pra gente.
O que nossa busca aqui tem a ver com esse folclore de zoroastrismo que você está nos dizendo? –
interrompeu Omar.

“Não está acreditando, né? Olhe para trás então, que você vai entender já!”

Omar e Amirah obedeceram o pedido de Mustafah. Atrás deles havia um grupo de homens
de vestes pretas e vermelhas e espadas embainhadas no sinto. Todos eles cobriam o rosto e
pareciam ser guerreiros árabes bastante habilidosos, diferentes dos mercenários lançados por
Mustafah.

- Quem são eles, Mustafah? – indagou Amirah, apreensiva.


“Ifritys, nossos inimigos. Estão a procura do Olho de Hórus.”

- Olho de quem? – perguntaram Amirah e Omar juntos.

“O olho de Hórus, ou gema de Hórus. É uma joia, também conhecida como Udyat, que
representa o olho arrancado do deus egípcio do céu, Hórus. Foi filho do deus Osíris com a deusa
Ísis. Dizem que quem obter essa joia possuirá todo o conhecimento dos deuses e todo o poder para
dominar o universo.”

- Isso pra mim parece fantasia – debochou Omar, incrédulo.

De repente os ifritys desapareceram e reapareceram bem próximos a eles, formando um


cerco ao seu redor.

Neste momento, Omar e Amirah creram nas palavras de Mustafah, ainda que só na parte que
dizia sobre os ifritys, e se refugiaram atrás de sua estatura musculosa de um metro e noventa.

- Você pode dar conta deles? Você é apenas um, e eles, uns quinze! – sibilou Amirah, em
pânico.

“Esqueceu que eles são apenas ifritys e eu um maridium?”

Ao dizer isso, os ifritys desembainharam suas cimitarras dos cintos e partiram em direção a
Mustafah, enquanto este desafivelava suas duas lâminas banhadas a ouro, em forma de meia lua.

Uma intensa batalha se sucedeu a partir dali. Mustafah era habilidoso com suas armas,
mostrando que o tempo não o envelhecera nem um pouco, no que tange a destreza de batalha.

Cinco ifritys caíram rapidamente, perante suas espadas. Alguns apelaram para o uso desleal
da magia, disparando esferas flamejantes contra o seu adversário. Porém, Mustafah fazia jus à sua
lendária classe de maridium.

“Amirah, embora eu consiga dar conta facilmente deles, não pretendo continuar essa luta
aqui e agora. Isso é uma distração do nosso inimigo, tentando nublar nossa mente. Rápido! Apalpe
meu bolso direito e retire dele uma pequena ampulheta de ouro. Jogue-a para o alto, faça com que a
ampulheta gire cinco vezes no ar!”

Amirah, com um pouco de dificuldade, enfiou a mão no bolso da calça de Mustafah e ao


apalpar algo semelhante a uma ampulheta, agarrou-a bem firme em sua mão. Sacou a ampulheta do
bolso e atirou-a para o alto.
A ampulheta girou algumas vezes no ar e ao tocar as areias do deserto em seus pés, fez com
que tudo a sua volta sumisse e, surgisse no lugar, um outro deserto. Não como antes, vazio e sem
vida. Mas agora com vários palácios e pessoas, rios e animais.

- O que houve Mustafah? Onde estamos? – murmurou Amirah.

“Uma pergunta, quantas vezes você fez a ampulheta girar no ar quando atirou-a para o alto?”

- Eu vou saber? Umas três ou quatro voltas e meia, talvez! – reclamou Amirah,
inconformada com o teor da pergunta.

“A cada volta dada, a ampulheta volta mil anos no tempo, só para deixar vocês informados.”

- COMO É QUE É? – exclamaram Amirah e Omar em coro.

“Se a ampulheta completou quatro voltas e meia no ar então voltamos quatro mil e
quinhentos anos no tempo. Em que ano estávamos antes de chegarmos aqui?”

- Dois mil e vinte e três – respondeu Omar sem esperanças.

“Isso tudo? Estive preso por muito tempo! Devemos então estar no ano dois mil e
quatrocentos antes de Cristo, aproximadamente. Se não me falha a memória o Egito já enfrentava
uma significativa decadência em seu império nessa época. Os deuses foram derrotados e capturados
pelo nosso inimigo, Mainyush.

“Também experimentaram a ruína, Ahura Mazda e seus Amesa Espentas, espíritos do


Sagrado Imortal. Espenta Mainiu, Espírito Sagrado; Axa Vaista, Suprema Retidão e Ordem; Vohu
Mana, Bons Pensamentos; Espenta Armaiti, Sagrada Piedade; Quexatra Vairia, Ideal Governo;
Haurvatate e Ameretate, Perfeição e Imortalidade.”

- Isso pra mim parece uma tremenda maluquice – caçoou Omar, tapando a boca para que
Mustafah não ouvisse.

“Espectros da grandeza de Ahura Mazda que integram seus aspectos divinos. Todos eles
compuseram o Garothman, o templo dos céus, que hoje, é claro, está em ruínas. Mainyush destruiu
tijolo por tijolo, pilar por pilar.”

- E onde vocês jinnys, ou nós, entramos nisso? – indagou Amirah, agora curiosa em querer
saber mais.

Mustafah respirou fundo e continuou.


“Nosso papel nessa história é obviamente derrotar nosso inimigo. Não será uma tarefa fácil.
Precisaremos da ajuda dos deuses egípcios, pelo menos os que sobraram. Não são muitos, mas toda
a ajuda é bem vinda.”

- Deuses egípcios... – murmurou Omar, um tanto incrédulo.

“Sim, talvez sejam a nossa única esperança contra Mainyush. O problema talvez seja
convencê-los. Nunca foram muito amistosos. Principalmente agora, que Amirah possui algo muito
importante para os egípcios. Algo que eles prezam muito.” – nesse momento Mustafah mostrou
seriedade em cada palavra.

- E o que eu tenho? – perguntou Amirah, confusa.

“Você não é quem pensa que é Amirah, sua linhagem é pertencente à deusa Ísis. Há muitas
eras no império, você representou sua divindade aqui na Terra, como rainha e porta voz entre a
deusa e o povo. Você foi adorada por longas gerações de faraós.”

Tudo se encaixava na cabeça de Amirah agora, sua descendência árabe, os sonhos na sua
cabeça...

“Graças a essa árvore genealógica que liga você aos deuses egípcios, confiaram-na o Udyat,
a joia que pode decidir o destino da humanidade, agora e para todo o sempre. Precisamos que se
posicione como a rainha que nasceu para ser e governe o povo egípcio. Você representa Isis e só
você pode preservar o conhecimento que Hórus confinou em seu olho. Devemos impedir que ele
caia em mãos erradas.”

- Então temos que escondê-lo, aqui ele pode cair facilmente nas mãos dos ifritys! –
exclamou Amirah.

“Com a minha magia eu posso enganá-los, distraí-los, atrasá-los. Mas meu maior temor é o
seu general, um shayteen, uma raça ainda mais maléfica e poderosa. Meu arque inimigo, Azhi
Dahak. O único que pode contra as minhas artes mágicas. Ele é muito poderoso e possui um dragão
de três cabeças.”

- Mas você pode detê-lo, não pode? Eu vi você lutar e você colocou aqueles ifritys pra
correr! – encorajou Omar, como quem faz um elogio.

Mustafah sorriu pelo comentário otimista.

“Agradeço pela sua bondade, meu amigo. Mas acho que fomos nós quem corremos deles, de
volta para o passado. Pode não parecer, mas já estou coroa. Surgi há cerca de cinco mil anos,
forjado no fogo mágico. Não sou muito páreo para os ifritys jovens do novo milênio. Além disso,
nós jinnys, embora vivamos por milhares de anos, não somos imortais. ”

- Mesmo assim você se saiu muito bem, Mustafah! – disse Amirah, orgulhosa.

“Suas palavras brilham como as estrelas. Precisamos ir agora, antes que anoiteça. Vou
acomodar vocês no palácio de um sultão que conheço aqui por perto, lá você estará segura por
enquanto.”

- Palácio? Preciso me acostumar com a realidade de rainha – caçoou Amirah.

Juntos então partiram para esse tal palácio. Mustafah os tornara invisíveis no deserto, ele
possuía um talento para truques mágicos. Chegando lá, fora muito bem recebido pelo sultão.
Mustafah sabia como chegar nos lugares, possuía um carisma hipnotizante.

Amirah e Omar se acomodaram em seus aposentos e devoraram um delicioso banquete,


digno de deuses. Mustafah não se deu ao luxo de deleitar-se em tais prazeres, montou guarda ao
redor do palácio e lançara encantamentos de proteção nas propriedades do sultão.

Rapidamente, o anoitecer chegou e trouxe consigo o brilho ofuscante da lua cheia. Sob a luz
lunar, nas pirâmides de Gizé, Osíris, deus dos mortos, contemplava o deserto, com os olhos fixos e
melancólicos.

Usava suas vestes reais, opulenta em ouro e pedras preciosas. Anúbis o acompanhava, com
seus chacais ao redor do templo, montando guarda contra qualquer investida inimiga de ataca-los.

- Nós perdemos, meu filho – lamentou Osíris com a voz arrastada.

- Sobraram só nós e os escorpiões de Serket. – informou Anúbis.

- E o maldito Seth, que nos traiu e se voltou para Angro Mainyush. Eu ainda ponho as
minhas mãos nele! Aquela cobra! – praguejou Osíris com os lábios tremeluzentes.

- Ele vai ter o que merece, mestre Osíris. Por falar em cobra, Apófis se juntou a Falak, na
campanha dos persas – disse Anúbis.

- E quem não perdemos? – disse Osíris enquanto uma lágrima escorria de seu rosto. – Mas
ainda temos a garota, que dizem que é a reencarnação de minha esposa Ísis, e representante dela ao
meu povo. Ela guarda a única coisa que restou de meu filho Hórus. Precisamos ir buscá-la!

- Mestre Osíris, eu respeito muito sua vontade e compreendo o seu luto, mas acha prudente
abandonarmos o Egito por causa de uma humana, só porque os rumores apontam que sangue divino
corre em suas veias? Os ifritys estão em nossas terras, e por mais que sejamos deuses, sua magia é
poderosa contra nós! – relutou Anúbis.

Neste momento Osíris pôs-se de pé e alguns raios lunares revelaram sua maldição. Não
havia mais pele em seu corpo, mas um pútrido e deplorável cadáver, expondo sua natureza morta e
fantasmagórica. Há tempos Osíris não exalava mais sua vida abundante de tempos remotos em que
era um deus da agricultura. Agora governava o Tuat, o submundo egípcio, juntamente com Anúbis,
seu filho.

- Não tirarei meu pé de nossas terras, nem por um centímetro! Aqui é nossa casa, nosso lar,
nosso povo! – vociferou Osíris. – Sou leal ao meu povo e é hora de mostrarem sua lealdade a mim,
meus faraós!

Osíris estendeu sua mão e ordenou com uma voz que ecoou por todo o templo: “ERGAM-
SE, MEUS FIÉIS IRMÃOS!”

Como plantas brotando das areias, múmias esqueléticas e vestidas de ouro puro ergueram-
se, empunhando espadas e lanças igualmente douradas. Marcharam em fileiras, cambaleantes e
tropeçantes. Faraós que viveram numa era em que o Egito ainda era o berço da civilização.

- Eles serão apenas uma distração – pontuou Osíris. – Meu verdadeiro interesse está em
recuperar o Udyat. Para isso enviarei um escorpião Serket e o grifo do meu filho Hórus.

Anúbis pressionou a parte inferior de sua língua com os dedos indicadores, ao mesmo tempo
que soara um assobio longo e ensurdecedor.

Imediatamente uma enorme criatura alada com asas douradas e olhos cor de brasa ardente
surgira nos céus. Era nada menos que o grifo de Hórus, uma criatura fascinante, com o corpo felino
e partes de falcão.

- Convoque seus chacais, Anúbis! – ordenou Osíris. – Faça-os guiarem meus faraós até a
humana que guarda o olho de meu filho.

Anúbis obedeceu e enormes chacais negros com dentes afiados e olhos de rubis partiram em
retirada, à frente das hordas de faraós mumificados.

- Irei convocar os Obeliscos Do Sol Da Meia Noite De Amon Rá! – anunciou Osíris.

- Isso é mesmo necessário, mestre Osíris? Está usando muitos tipos de artes para irem atrás
desse olho – retrucou Anúbis.
- Estamos lidando com forças poderosas, Anúbis. Sem a nossa magia seremos devastados e
não teremos a menor chance! – suplicou Osíris, que em seguida, proferiu algumas ordens em
egípcio aos ventos.

Vinte e oito soldados da maior elite egípcia dos tempos de glória do deus Amon Rá surgiram
nas sombras, em posição de reverência, perante Osíris. Uma armada poderosa de implacáveis semi
deuses, magos e guerreiros que serviam aos deuses egípcios. Ela pertenciam à Heliópolis, cidade do
deus sol.

Suas roupas e peças eram negras como a noite, assim como suas lâminas de batalha.
Também possuíam alguns traços de ouro e rubi. Seus olhos, cor de ouro, fitavam as areias do
templo, à espera de uma ordem dos deuses ali presentes.

- Irei acompanhá-los, mestre, para assegurar que tudo correrá conforme o plano – sugeriu
Anúbis.

- Faça isso, meu filho.

Osíris ordenou que os Obeliscos seguissem Anúbis, enquanto este se transformara em um


enorme chacal negro e feroz. Osíris acompanhou-os com seu olhar sombrio, implorando
internamente para que tudo conspirasse à favor de seu povo.

Enquanto isso, no palácio real, onde Amirah e Omar estavam hospedados, Mustafah, o jinny
maridium, lançava suas magias de proteção em volta dos terrenos do sultão.

“Os soldados estão a postos em suas áreas de sentinela. Meus feitiços irão nublar os ifritys,
assim não nos encontrarão tão facilmente, o que nos dá uma certa vantagem. Peço que descanse esta
noite, estarei vigilante caso algo apareça.”

Amirah sorriu em gratidão pelas cuidadosas instruções de Mustafah e logo pegou no sono.
Omar já fizera o mesmo, há horas.

A noite parecia tranquila, Mustafah fitava o horizonte, como um cão vigilante, quase sem
piscar. Ele sabia que os limites da magia eram desconhecidos, por isso mantinha os olhos bem
abertos, temendo a possibilidade de seus feitiços protetores serem insuficientemente eficazes contra
as artes mágicas do inimigo.

Seu temor se confirmou ao romper da madrugada, quando uma imensa bola de fogo caíra
sobre os terrenos arredores. Dezenas de ifritys com rostos cobertos e lâminas afiadas nos punhos,
brotaram das chamas, como borboletas em arbustos. A princípio não enxergaram o palácio -
Mustafah era bom com feitiços. – Vagaram estonteantes, sentindo a magia e a presença do palácio,
porém sem conseguir vê-lo.

Mustafah franziu a testa quando as chamas aumentaram e delas surgira uma criatura ainda
mais temível. Azhi Dahak, montado em um dragão de três cabeças, que exalava enxofre e chamas.
Suas escamas pareciam carvões em brasa, seus olhos eram como abismos profundos e suas garras e
dentes pareciam fumaças em formato pontiagudo.

Amirah acordou com uma mão tapando sua boca. Isso fez seu coração pular no peito. Era
Mustafah tampando-a para que não ouvissem seu grito de pânico. Seu dedo indicador tocou seus
lábios, sugerindo uma ordem para que ela fizesse silêncio.

“Estão aqui!”

Amirah quase não ouviu o sussurro de Mustafah, mas sem compreender muita coisa, o
seguiu, para onde quer que ele a estava levando. Os dois subiram algumas escadas e se depararam
com um quarto vazio de portas fechadas.

“Fique aí, e não saia enquanto eu não mandar, está bem ?”

Depois da ordem de Mustafah ter se tornado clara para Amirah, a porta do quarto se fechara
diante dela. Seja lá o que havia lá fora, tirara toda a paz de Amirah e ela sentia que algo de muito
ruim estava para acontecer. Infelizmente, só o que podia fazer era acatar a ordem de Mustafah e
permanecer de forma estática e silenciosamente dentro daquele quarto, até segunda ordem.

Mustafah surgiu em um piscar de olhos perante Dahak e os ifritys, assumindo todo o fardo
da luta para si.

“Ora, ora, ora... Se não é o grande Mustafah Kahram...”

A voz de Azhi Dahak era como de trovão e ecoava por todo o palácio.

“Eu voltei pra deter você, Dahak! Não permitirei que roubem o olho. Receio que vieram em
vão procurar por ele!”

Subitamente, Mustafah desembainhara suas espadas douradas de meia lua.

“Voltou para sofrer ou ser preso novamente naquele vaso, um belíssimo desperdício!
Detenham-no!”

Uma explosão de espadas irrompeu contra Mustafah. Faíscas e clarões saltitavam para todo
o lado. Os soldados do sultão tentaram intervir, mas Mustafah os impediu.

“Magia só se vence com magia, não são páreos nessa luta. Eu dou conta deles!”
Mustafah era ótimo manuseando espadas. Nenhum ifrity sequer o tocava. Mas sua real
preocupação era com o shayteen.

Dahak ordenou que seu dragão cuspisse uma labareda de fogo contra o palácio. Antes que o
atingisse, Mustafah conjurou um escudo de diamante na direção em que as chamas lambiam.

“DAHAK, SEU COVARDE!”

Mustafah tornou a areia abaixo dos pés do dragão de Dahak líquida como lama, o que o fez
cessar as chamas e anular seu ataque ao palácio. Libertando então a fúria de Dahak contra
Mustafah.

Uma massa corpórea de quase dois metros e meio de altura agora caminhava na direção de
Mustafah, com suas roupas negras e vermelhas e os olhos faiscando em chamas. Seu corpo parecia
ser feito inteiramente de fogo, coberto por roupas que não se queimavam. Dahak era uma criatura
amedrontadora.

De seu cinto, sacou duas espadas de meia lua, como as de Mustafah. Riscara sua garra do
dedo polegar sobre a superfície da lâmina, como se risca palitos de fósforo, e automaticamente, suas
espadas arderam em chamas escarlates.

Mustafah sentira uma gota de suor escorrer por sua têmpora. Porém, antes que a luta pudesse
começar, os egípcios marcaram presença naquela noite.

Mil homens mortos invadiram o campo de batalha com suas lanças e espadas, tornando a
paisagem um caos desordenado. Afinal, estavam ali para isso, distrair com o caos que poderiam
causar.

A luta de Mustafah e Dahak não fora impedida por uma desordem feita por múmias e o jinny
estava tendo sérios problemas para enfrentar seu inimigo maligno; cabeças faraônicas voavam e
renasciam no lugar em que foram arrancadas, assim como braços e pernas; os Obeliscos travavam
uma fervorosa batalha contra as espadas afiadas dos ifritys e o dragão de Dahak agora tornara a
lançar seu inferno ardente contra o palácio.

No meio do tilintar das espadas e lanças, ou do ruído de ossos se quebrando, ou do baque de


corpos caindo sobre a areia, ou dos infindáveis brados de homens em contenda, um grito de
Mustafah chamando por Amirah se sobressaiu.

O palácio agora estava em chamas, o que fizera Omar se levantar de um salto. Amirah
correra para longe, acompanhada pelos homens do sultão. Entretanto, Anúbis parara em sua frente,
na forma de um enorme chacal. Seus outros chacais atacaram os soldados que a acompanhavam.
Amirah, assustada, pôde jurar que um escorpião saíra da boca daquele chacal. Uma picada
daquele bicho poderia acabar com tudo. Seu fôlego havia desaparecido dos pulmões e agora suas
pernas bambeavam. Por todo o seu corpo o escorpião escalou, e com sua cauda, espetou de forma
astral, o olho direito de Amirah, extraindo uma pequena esfera cor de safira, muito brilhante e oval.

Assim que capturou seu prêmio, o escorpião descera do corpo de Amirah e seguira em
direção ao chacal, do qual saíra anteriormente. Porém, para seu espanto, a lâmina dourada de
Mustafah surgira de repente, e espetara o corpo do escorpião, fazendo-o virar pó, enquanto a esfera
azul safira ainda jazia na areia.

Segurando firme sua espada como uma espátula, Mustafah cutucou a esfera e catapultou-a
em direção às mãos de Amirah.

“Pegue, Amirah!”

De chacal, Anúbis se transformou em um homem forte e de roupas pretas, fazendo Amirah


desconcertar-se um pouco, enquanto a esfera, no ar, vinha em sua direção.

Porém, antes que a pequena e azulada joia pudesse repousar sobre as mãos macias e
estendidas de Amirah, um farfalhar de asas batendo, golpeara o ar, bruscamente, e garras afiadas
agarraram-na pelos ombros, lançando-a para longe das areias, em direção às nuvens. Era o grifo e
este levara Amirah, cada vez mais para longe, fortemente, enquanto a esfera cor de safira rolava
sobre a areia disforme.

Mustafah, inconformado, tentara atacar Anúbis, mas antes que a lâmina o atingisse, sentira
em suas costas uma dor queimar cada fibra de seu músculo dorsal. Dahak o acertara pelas costas
com sua espada de chamas escarlates. Uma enorme ferida em diagonal se abrira, da lombar até o
ombro, e Mustafah desabou, com o rosto sobre as areias.

Dahak avistou o brilho azul da esfera e apanhara a joia, tomando-a para si. Anúbis tentou
ataca-lo, mas fora lançado para longe com apenas um golpe de Dahak. Este então se voltou para
Mustafah, que agora se encontrava abatido sobre a areia, sem forças.

“Suas últimas palavras, infame traidor...”

Mustafah sentia em seu rosto o calor das lâminas flamejantes de Dahak. Este ergueu sua
espada uma última vez perante o silêncio de Mustafah no mesmo instante que um som metálico o
desarmara imediatamente, com rapidez e força. Sua espada de chamas escarlates caíra, fincada na
areia. Dahak, por sua vez, virou-se em busca do autor daquele ataque.
Outra criatura alada surgira no céu. Seria o grifo que levara Amirah para longe? Em vez dele
uma outra criatura com asas enormes rasgava os céus, seu corpo parecia ser de uma raposa e sua
cauda lembrava a de um pavão. Suas cores vibrantes eram destacadas pelas luzes fumegantes do
palácio em chamas e pelo fogo da batalha. Seu canto era ensurdecedor e insuportável para Dahak e
seus ifritys. Os que caíam eram consumidos pelas ondas esmagadoras do canto do pássaro gigante,
ou seja lá o que aquela criatura era.

Se tratava de um simurgh, e sobre ele um homem atirava flechas contra os inimigos.


Enquanto o enorme pássaro pousava, Dahak e os ifritys remanescentes fugiram pela mesma fenda
ardente da qual vieram.

O homem saltara das costas da ave. Esta, por sua vez, era grande até mesmo sentada.

Os olhos alaranjados do homem pousara sobre a imagem inerte de Mustafah sobre a areia.
Retirou de seu turbante cor de abóbora – revelando sua careca -, um pequeno frasco, com um
líquido igualmente alaranjado. Desarrolhou-o com o polegar e derramou o líquido do recipiente
sobre as costas de Mustafah, que por sua vez, berrou quase que instantaneamente. Um segundo
depois, não havia nada além de uma tênue e sutil cicatriz em suas costas, onde um segundo atrás era
uma fenda sangrenta. Simurgh soltara um pio alegre.

“Jaan!”

O homem que parecia ser o proprietário do nome proferido por Mustafah sorrira em vê-lo
esbracejar-se sobre a areia fofa.

“Fico feliz de ver que está entre nós Mustafah, quase perdemos você. Sorte que cheguei a
tempo. Eu sempre chego a tempo, não é verdade? O que seria de você sem mim? Eu não sei.”

O homem denominado Jaan estendeu o braço para que Mustafah pudesse agarrar-se e pôr-se
de pé.

“Agradeço pelo seu socorro, meu nobre amigo Jaan. Seus domínios sobre a arte do
curandeirismo são realmente fascinantes. De fato, minha vida está em eterno débito à sua. Mas
agora temos um grande e urgente problema. Dahak levou a gema de Hórus. Com ela nas mãos
deles, nosso mundo estará perdido. Agora, mais do que nunca, necessitamos da ajuda dos egípcios.
Temos de nos unir como um só povo para derrotarmos um inimigo em comum, Angro Mainyush.”

“Disponha Mustafah, só que vocês fizeram uma ligeira bagunça por aqui, certo?”

Jaan tinha razão, não havia nada ao redor a não ser ruínas e fogo, misturados a esqueletos,
ornamentos e lâminas. Os Obeliscos ainda permaneciam ali, com espadas a punho. Na ponta de suas
lâminas, uma chama escarlate ardia, simbolizando o sangue ifrity derramado. Um segundo depois
desapareceram nas sombras.

Mustafah avistou Omar, com o rosto imundo, e os olhos arregalados de pavor.

“Pelas margens do rio Tigre! Você tem mais fibras do que um cardume de bahamuts!”

Omar sentou-se em uma rocha, desanimado, franzindo a testa.

- O que seria um baha... ah deixa pra lá! Eu estava louco para experimentar o café da manhã
daquele palácio! – murmurou Omar, desapontado.

“Tenho certeza de que experimentará comidas melhores em breve, meu nobre Omar. Agora
precisamos partir e ir até os deuses egípcios resgatar Amirah. Dizer a eles que houve um terrível
engano, já que a joia não se encontra mais nela. Precisamos convencê-los de se juntarem a nós
nessa batalha. Só eles podem decidir nossa vitória agora. Vamos rapazes!”

Antes de partir, Mustafah, com sua magia, reconstruiu todo o palácio e as suas imediações.
Jaan, por sua vez, recuperara a saúde dos soldados e do sultão, curando-lhes de suas feridas.

No instante em que seguiram, rumo ao Egito, uma figura de vestes negras os interrompera.

- Esperem, precisarão de mim, irei guiá-los e convencer mestre Osíris a unir-se à vossa
causa.

Era Anúbis, em sua forma humana. Seus olhos cor de rubi cintilavam no escuro.

Assim partiram, a caminho do Egito, um deus egípcio, dois jinnys e um humano, sobre as
costas do simurgh, pelas alturas dos céus do Oriente Médio.

Mustafah rezava para que Amirah estivesse bem e para que ainda houvesse tempo de deter
Mainyush, Dahak e os ifritys. O poder oculto da gema de Hórus poderia destruir tudo o que havia,
principalmente estando em mãos erradas, cujos planos maléficos eram irrefreáveis.

Mustafah pretendia unir a Mesopotâmia e o Egito em um só propósito, uma vez que eram
inimigos desde o início da crise criada por Mainyush. Só tinham uma chance e o tempo estava se
esgotando. O destino do bem triunfar sobre o mal estava nas mãos dele, Mustafah Kahram, o jinny
da classe dos maridiums. Um guardião das areias.

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