You are on page 1of 36

17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?

ed=02&folder=2

Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais


Edição 2002_11_06_0002.2xt Página impressa
www.tce.mg.gov.br/revista
de 02 - Ano em 13/09/2019
Doutrina

EXPERIÊNCIA DA CONSCIÊNCIA JURÍDICA EM ROMA


Prof. Dr. Joaquim Carlos Salgado
Professor Titular de Teoria Geral e Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da UFMG e Assessor Jurídico da Presidência do
Tribunal de Contas de Minas Gerais.

I - Introdução

O homem só sobrevive como tal, como racional, na sociedade. Vivendo em


sociedade não se rege por leis naturais institivas apenas, mas cria normas para
ordená-las, superando-as.

A justiça é o próprio direito como tal criado, posto pelo homem na sua história,
segundo a sua natureza que não é a de um deus, nem a de uma fera no dizer
de Aristóteles, entre os quais, deuses e feras, não existe ou não existiria o
direito. É porque não é só animal, nem só razão, que o homem cria o direito,
essa mais alta forma de racionalização da vida, só possível pela atividade
criadora do homem, decorrente de ser racional. Como saber científico procede
analiticamente como diz Ulpiano (aequum ab iniquo separantes: licitum ab
illicito discernentes)2; como filosófico, dialeticamente.

O direito é o movimento do que é posto como dever ser e ser por ele negado, o
justo e o seu contrário, como percebeu o romano: justi atque injusti3. Só há
direito no movimento do justo e do não justo. É o que faz a lei. A lei, porém,
como fenômeno social é posta como direito, portanto, como justiça.
Entretanto, há uma exigência de .ir-se além da lei como posta. Ela é o
resultado da realidade humana em que o justo e o injusto se movimentam. Ela
é por isso avanço de racionalidade. Não esgota sua essência apenas como
posta, por um ato de vontade, ainda que fosse santa. Trata-se da exigência de
valoração do fato para que seja legislado. Isso é tarefa da razão, da razão
prudencial, valorativa. O direito não é apenas o que é dado, mas o que deve
ser, o em que se deve tornar pela valoração dos fatos e da revaloração do
próprio direito, que é também fato, pela razão prudencial; é posto por ato de
vontade, não dado, mas posto como deve ser, portanto racionalmente posto,
fundamentado, negando o fato dado, que é. É assim um processo permanente,
in fieri do dado e do posto, do ser e do dever ser, mas que preserva
constantes, dentre as quais a do seu próprio conceito: uma forma de
ordenação racional da vida social com vistas à liberdade das pessoas.
Permanentemente esse congraçamento entre o fato da vida e a ponderação da
razão se faz presente na experiência jurídica de Roma. Jus ex facto oritur (o
direito nasce do fato) e da mihi factum, dabo tibi jus (dá-me o fato, dar-te-ei o
direito), sempre citados, revelam a objetividade do direito e a exigência da
reflexão prudencial para a sua produção. O suporte do direito é sempre o fato,
seja decorrente da necessidade, compreendido o fato natural que cria
relações sociais normatizáveis juridicamente, seja da liberdade, vale dizer,
produzido o fato pela vontade (contrato, lei), ou proveniente do costume, fato
cultural da sociedade. O fato e a valoração do fato tornam possível a
regulação da aquisição, conservação e modificação ou extinção do direito4.
Enquanto lei, o direito aparece abstratamente (embora já seja resultado da
elaboração) como universalidade imediata de um processo, o de aplicação: é
sistema de normas destinado à ordenação social, portanto com a finalidade de
estabelecer a ordem social. Nesse caso, seccionado nesse plano, o direito
poderia confundir-se com qualquer sistema de ordenação pela força, da qual
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 1/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

um sistema ordenador não pode prescindir em razão do elemento poder nele


existente. É, contudo, sistema de normas que pretende realizar a justiça,
portanto que se atualiza na singularidade da realização do bem jurídico, no
sujeito de direito.

Como Kant preconizava, a liberdade é o e o do direito5; a fonte e a finalidade,


mas, para ele como direito natural, diverso do strictum.
A liberdade torna possível a decisão, e quando essa decisão envolve a vontade
do outro e pode determiná-la com reconhecimento formalmente universal, isto
é, com autoridade, cria direito. É o único direito material que funda a criação
do direito. Este não pode ser fundado em direito criado ad infinitum. Quando
a liberdade se torna poder, isto é, pode gerar uma decisão, que determina
outra vontade por reconhecimento universal, isto é, como autoridade, então
gera direito. Não se trata de decisionismo6, pois não é qualquer decisão, senão
a formalmente autorizada por reconhecimento universal autônomo (sem
interfêrencia externa) do grupo (qualquer que seja sua extensão), tácito ou
expresso. A liberdade abstrata passa, assim, a ser direito por reflexo do direito
criado. Não que a liberdade em si seja direito (material). Só é direito quando
cria direito por força dessa reflexão ou vis atractiva do direito que tudo põe no
seu mundo, a tudo jurisdiciza, como o mito de Midas.
Essa liberdade outra coisa não é do que a racionalidade transcedente (criadora)
no homem, e imanente na história. A racionalidade na história não avança
inconscientemente, mas por projetos. Esse ideal ou projeto que construímos
para a realidade são elaborados a partir dessa realidade como deve ser. Esse
dever ser pode ser apurado na medida em que não é uma opinião sobre o
melhor, mas na medida em que se aproxime do máximo de racionalidade, por
isso, de universalidade.
Desse modo, Hegel corretamente entende que a justiça é a racionalidade
imanente no direito positivo. Captar essa racionalidade é a tarefa da Filosofia
do Direito.
Como, entretanto, essa racionalidade não é inconsciente, embora se
desenvolva sem refletir plenamente, sem o saber dessa racionalidade, a
proposta de Kant de encontrar princípios universalmente válidos a priori,
portanto, racionais e plenamente conscientes, porque postos refletidamente, é
válida.

É desse modo que a organização social se desenvolve no plano da justiça. Os


direitos naturais (ditados pelos deuses, procedentes de uma razão cósmica, da
vontade de Deus, ou deduzidos matematicamente), depois direitos humanos e,
finalmente, os direitos fundamentais dão conta dessa racionalidade projetada
para a sociedade.
A articulação da idealidade e da realidade do direito, do projeto e da sociedade
ordenada, se faz através da expêriencia da consciência jurídica, a expêriencia
jurídica feita na realidade histórico-cultural e ética-normativa7 que tem como
"valor fundante" da "convivência social", o justo.
A justiça é entendida como uma idéia, mas idéia concebida na processualidade
histórica, na qual se pode, por indução teórica dessa processualidade, destacar
três momentos mais significativos, em que os diferentes projetos de ordenação
social justa dialeticamente se realizam a partir dessa mesma realidade: o
período clássico, da Metafísica do Objeto, em que o valor configurador da
justiça é a igualdade; o moderno, o da Filosofia do Sujeito, em que se insere
na idéia de justiça o valor da liberdade como conteúdo da igualdade; e o
contemporâneo, o da Metafísica Especulativa, em que o valor trabalho aparece
dimensionando a idéia de justiça no plano social, sem deixar de ser a
realização do bem jurídico de cada um, isto é, da pessoa, o destinatário em
que a justiça tem realidade, mesmo a denominada social, caracterizada pela
prestação (dever) de fazer do Estado8, e realiza esses três valores (igualdade,
liberdade e trabalho), na forma dos direitos fundamentais: a) como consciência
(saber) da jurisdicidade desses valores (universal abstrato); b) como
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 2/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

declaração (querer) desses valores como direitos, por ato de posição empírica
(particular) na constituição; c) como efetivação desse direito na forma de
fruição pelo sujeito de direito (universal concreto)9.
A consciência jurídica romana através da sua experiência jurídica traz uma
contribuição essencial para a formação e para a compreensão da justiça como
idealidade histórica do direito no momento da estruturação definitiva (a justiça
como valor próprio do direito, na experiência) dessa consciência, teórica e
prática, isto é, vida e razão expressas nas instituições e nos institutos10. Esses
são modos pelos quais a racionalização prática e teórica do direito se
desenvolve a partir de Roma até que o sistema das necessidades (aqui em
sentido mais amplo que o dado por Hegel na Filosofia do Direito) se resolva
num sistema de liberdades, em que a liberdade objetivada num sistema de
normas livremente postas ou autônomas (portanto postas pelos próprios
destinatários no Estado Democrático de Direito), seja também expressão de
uma ordenação racional do trabalho, de seu produto e da sua respectiva
distribuição como estabelecimento do primeiro plano da liberdade, entendida,
aí, como domínio do mundo objetivo (Hegel) e de suas condições de existência,
consideradas como efetivadas no sujeito universal11 de direitos universais, vale
dizer, o sujeito de direito universalmente reconhecido na lei (constituição)
como titular de direitos também universalmente reconhecidos igualmente a
todos: os direitos fundamentais.
O direito realiza, assim, a liberdade, não apenas como saber da liberdade,
necessário, pois sem saber o ser livre que é livre não será evidentemente livre,
mas também como agir livre, na medida em que essa liberdade se concretiza
na forma de direitos subjetivos, ou seja, reconhecidos às pessoas singulares, o
que é só possível no direito. Eis como a justiça no mundo contemporâneo se
manifesta: como efetivação da liberdade na forma de direitos subjetivos e
fundamentais, universalmente reconhecidos numa ordem normativa livremente
posta.
A Filosofia do Direito converge essas duas vertentes da liberdade: o saber da
liberdade (filosofia) e o agir livre no equílibrio (direito) da idéia de justiça,
efetivada na forma de fruição e exercício de direitos do sujeito.
Este trabalho procura esboçar como a consciência jurídica romana faz a
experiência de que justiça e direito são a mesma realidade, que se processa
historicamente até a forma de sua revelação mais avançada na declaração de
direitos do Estado Democrático de Direito.

II - A Consciência Jurídica12

a) Consciência Jurídica e Justiça

1- A educação é um processo de formação e informação do homem. Esse


processo só é possível em um ser que se transforma segundo suas
potencialidades, não só do ponto de vista ontogenético, mas também do
filogenético. O ser imediato do homem é negado por essas potencialidades que
dele fazem parte na consistência imediata do seu ser em si. Como puro ser o
homem é pura potencialidade, mas potencialidade não posta. Como
potencialidade posta o homem precisa de definir-se, enquanto essência, não
como mero vir-a-ser que pertence a esse ser como potencialidades, mas como
dever ser, isto é, autoformar e não transformar-se por determinações dos
códigos diretores das suas potencialidades. O dever ser e não o dever é o que
dá a nota essencial do homem, pois como devir é determinado, como dever ser
é autodeterminação que, no caso, é autoformação. Ora, o dever ser que dá a
nota da concepção do homem como ser que se projeta e auto-engendra, que
se forma, implica uma concepção axiogênica, pela qual o homem tem de
postular-se como livre no processo da auto-educação que envolve tanto uma
busca permanente do saber do mundo e sua transformação, do qual ele faz
parte, como a busca do saber de si como livre e sua formação como tal, num
mundo por ele criado e que é o ambiente, o elemento da sua formação como
livre. Não é o trabalho, apenas, que, como força cega, impele o homem no

https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 3/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

processo histórico, mas o trabalho do homem que inclui duas dimensões: o


projeto e a atuação, a idéia e ação, a ciência e a operação.
O homem como ser em si, potência, não só tem de ser em ato, negando-se
como pura potência, na exterioridade da natureza da qual ele é parte enquanto
bios, mas ao mesmo tempo deve transformar-se, por espontaneidade, ou
seja, por ação originária de si como causa sui, num plano acima da
exterioridade de natureza, ou seja, na interioridade do espírito, da liberdade.
Ser determinado pela natureza exterior na ontosfera do seu existir situado, ser
que determina e interioriza a natureza como representação na logosfera do seu
conhecer e ser que autodetermina na noosfera do seu agir livre enquanto sabe
de si e de seu mundo são os momentos que revelam a estrutura da sua
efetividade.
Assim, o homem, como ser imediato ou pura potencialidade que é negada na
sua própria dialética ou tensão, é negado pela sua essência ou dever ser, ser
mediato, que deve tornar-se em ato, realizando concretamente a sua liberdade
como saber teórico e prático, atende tanto ao percurso ontogenético como
filogenético, mas na história, no processo dialético que vai da sua pura
abstração imediata de ser, passando pela negação da essência ou ser mediato,
para o ser em ato, ou seja, na sua efetividade ou, na acepção de Hegel, no seu
conceito. Ser (potência abstrata), essência (dever como dever ser que nega a
pura abstração inerte do ser) e conceito, realização plena do que tem de ser,
mas como o que deve ser, são os momentos da sua formação, que só é
possível porque o homem não é concebido como um dado que tem de
permanecer como tal ou que é determinado exteriormente, mas como um dado
que deve ser negado, realizando-se com essa negação o seu ser posto, ou
seja, o que ele deve-ser, segundo o projeto que de si faz, ou segundo uma
realização livre.

A invenção da educação está, pois, ligada à inconformidade do homem de ser


como é, e à necessidade de ser como entende que deve ser, através de um
projeto de formação, vale dizer, à estrutura eleutérica do seu ser, cuja epifania
se dá no drama da história e se efetiva no sujeito universal de direitos através
da experiência da consciência jurídica.

O que se denomina experiência da consciência, segundo Hegel, é o processo


pelo qual a consciência conhece ou faz a experiência do conhecimento,
primeiro do objeto fora de si e depois do conhecimento de si mesma, até
alcançar o momento em que se revela como um nós ou razão.

A consciência jurídica como consciência no interior da razão prática pressupõe


a dialética da consciência teórica, pela qual se realiza como razão. É a partir
daí que é possível a razão prática, em cujo âmbito está a consciência moral, e
a consciência jurídica está como resultado da consciência ética .
A consciência jurídica pressupõe o nós da consciência teórica e começa a sua
operação de valorar a coisa ou o objeto depois de a consciência teórica cumprir
a faina do conhecer-se como razão. Desse modo, é um processo que culmina
na consciência ética total ou razão jurídica, que traz em si o momento imediato
da consciência moral no plano da subjetividade, mas que já passou pela razão
teórica, uma vez que, como consciência jurídica é consciência de um nós, por
força da universalidade que lhe é própria.

Experiência da consciência jurídica, portanto no nível fenomenológico, é o


processo pelo qual a consciência jurídica é consciência de uma coisa
considerada como bem jurídico, depois consciência que volta sobre si,
refletidamente, como pessoa de direitos e, finalmente, como razão jurídica ou
consciência jurídica universal intersubjetiva em que o bem jurídico se
reconhece como próprio do sujeito de direito numa ordem normativa universal.
É o processo pelo qual ela se sabe como um nós ou razão jurídica.

Em segundo lugar, como processo lógico dialético, ela se mostra, por ocasião
das suas manifestações concretas, como consciência imediata, como
consciência refletida objetivamente na sua diferença pelo reconhecimento da
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 4/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

lei jurídica ou dos valores jurídicos, e como consciência jurídica no seu


conceito, pela atualização dos valores na norma jurídica abstrata, no processo
de elaboração, e pela atualização da norma jurídica abstrata no fato concreto,
no processo de aplicação.

A consciência jurídica mostra-se, em terceiro lugar, segundo a estrutura do


espírito ético, como consciência da totalidade ética, pois que é um processo
ético total que começa na subjetividade da consciência moral, cuja lei é
universalizada abstratamente pelo sujeito (Kant) ou interiorizada pelo sujeito
quando objetivamente dada na região da moral positiva, desenvolve-se para o
momento objetivo do reconhecimento da lei jurídica universalmente posta ou
do valor jurídico universalmente reconhecido e sua realização na efetividade da
decisão jurídica que atualiza o bem jurídico do sujeito de direito segundo um
critério de tribuição igualitária, da universalidade e da exigibilidade.
Desse modo, a consciência jurídica é um processo de superação da consciência
moral subjetiva, por força da objetividade positiva do direito, realizando nesse
movimento a totalidade ética. É consciência universal, um nós, portanto razão,
pois o que decide o faz como órgão, o que traz em si a forma da universalidade
enquanto representa a sociedade; e o que recolhe o valor jurídico na realidade
social, como jurista, capta-o como universal (concede) com vistas à realização
da universalidade prática, através de um órgão, de legislação ou de aplicação.
É, enfim, valorar da realidade segundo o critério da ordem e da justiça, o
conhecer dessa realidade normatizada e o reconhecer desse sistema de
normas jurídicas como válidas.
2- Enquanto a consciência jurídica é o momento de reconhecimento do caráter
universal do direito subjetivo, considerado como tribuição de um bem jurídico,
a razão jurídica é o momento concreto dessa realização, na medida em que
essa consciência é universal e não só o direito, ou seja, é uma consciência de
todos, um consenso do nós, como ultrapassagem pela experiência jurídica, do
momento meramente subjetivo da consciência e do objetivo da realidade
jurídica.

A realidade jurídica é o momento puramente objetivo, ou objetivado do direito,


nas normas, na ciência, na sua vivência concreta, e a consciência jurídica o
momento subjetivo da universalidade do direito do sujeito decorrente dessa
realidade jurídica, alcançados na experiência jurídica histórica, ou no
processo dialético de consciência jurídica e realidade jurídica, que pressupõe a
dialética do direito subjetivo e do direito objetivo enquanto momentos da
realidade jurídica, pois direito subjetivo é elemento da realidade jurídica como
o é o direito objetivo que o reconhece universalmente; é, portanto, realidade
jurídica e não apenas consciência abstrata da realidade jurídica.

Ambos formam a realidade jurídica alcançada na experiência jurídica histórica,


através da qual a consciência jurídica e a realidade jurídica se dialetizam como
razão jurídica. Razão jurídica é desse modo o resultado dialético da consciência
jurídica transcendental e dos valores da cultura que são seu objeto, na
processualidade histórica da experiência jurídica.
A consciência jurídica é uma conexão processual transcendental das condições
de pensabilidade do direito que são as categorias pelas quais o valor se
apresenta como jurídico e, portanto, com universalidade e exigibilidade, e
tributividade desse valor. É conexão processual e ao mesmo tempo decorrente
da processualidade da razão jurídica, em que se esplende e se dialetiza o valor
jurídico segundo o conceito de justiça formal e justiça material.
A partir dessa categoria desenvolvem-se os momentos pelos quais esses
valores se processam, como o da ordem, o da justiça e o do bem comum,
através do princípio universal de coexistência, do princípio de particularização
da autonomia da vontade na forma do pacto e o da autonomia política na
forma do consenso ou como forma de efetivação da substância ética dos
direitos fundamentais.

https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 5/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

No primeiro caso, a consciência jurídica se defronta com a universalidade


imediata da ordem; no segundo caso, com o da particularização do valor do
justo; e no terceiro, essa particularização é elevada ao momento intersubjetivo
que, mediatizado no seu mundo social, se revela como um nós (razão) ou o
universal concreto. Nessa esfera, o cidadão é sujeito ativo do poder que
positiviza o direito, portanto que declara os direitos fundamentais como
desdobramento da liberdade objetivada na ordem jurídica e subjetivada na
outorga, fruição e exercício desses direitos.
O direito é, então, processo de revelação, tribuição e garantia de valores no
plano do bem comum, segundo a idéia de justiça, solução dos conflitos de
interesses no plano da coexistência ou da ordem, mas com pretensão de
solução justa dos conflitos. É, ainda, técnica ou metódica que precede a
normatização do fato através dos institutos jurídicos, portanto da Ciência, e da
valoração do justo, portanto da Filosofia do Direito. Esse aspecto formal,
contudo, se mostra na articulação dialética com o bem jurídico ou valor jurídico
revelado na consciência jurídica que normatiza o fato.
A justiça nessa perspectiva é um valor formal que estabelece a regra de
tributação dos valores ou bens como direito do sujeito e é valor material
universal enquanto resultado de uma ordem jurídica que realiza o bem comum,
bem de todos e de cada um, ou seja, numa ordem social efetivamente justa.

Essa ordem social justa desenvolve-se na processualidade da cultura, como ser


e dever ser, como realidade jurídica posta por projeto adequado ao momento
histórico. Projeto e realidade, sociedade humana que é e sociedade humana
que deve ser se dialetizam na formação da ordem social justa, cujo momento
de maior proximidade é o do Estado de Direito contemporâneo.

Esse trabalho de revelação da idéia de justiça, que se realiza na


processualidade histórica e que culmina na consciência, declaração e efetização
dos direitos fundamentais que são valores jurisdicizados pela consciência da
sua tributividade, universalidade e exigibilidade é desenvolvido na cultura
ocidental pela sua experiência da consciência ética, cujo momento de chegada
é a consciência jurídica. Portanto, o processo de reconhecimento, de declaração
e de efetivação dos direitos fundamentais considerados o núcleo da ordem
justa se realiza segundo uma estrutura transcendental da consciência e
segundo a sua experiência na elaboração dos valores da cultura ocidental.
Trata-se da experiência da consciência jurídica, que se projeta na história do
Ocidente como um processo de formação do homem livre, cujo veículo é a
educação.
3- A noção de experiência inevitável de Carlos Campos, a de a priori em Kant
e a de razão dialética em Hegel nos fornecem um instrumento metodológico
válido para compreendermos a de ordem jurídica.
Para melhor entender a conciliação da experiência inevitável com o a priori é
necessário que se tenha uma nítida noção das essências que os fundamentam.
A vida é uma experiência inevitável; a liberdade, não; é um a priori. A vida é
fluxo material, princípio ativo material; a liberdade é fluxo espiritual, princípio
ativo da razão. A vida determina a coexistência, a necessidade de ordem ou de
compatibilização dos seres vivos. A liberdade impõe um modo específico de
coexistência: a ordenação. Ordem como mera coexistência determinada
naturalmente e ordem como construção dirigida segundo o telos da liberdade.
A vida determina a sociedade dos animais, como também a do homem.
Entretanto, a ordem social humana tem um plus, sem o qual não é possível
como humana: é uma ordenação ou ordem posta por norma criada pelo
próprio homem e que a torna possível, e não uma determinação por leis
naturais do instinto. O princípio de ordem que rege a vida está na própria vida,
é dado; o princípio de ordem que rege a liberdade está na razão, é nela dado,
mas posto no convívio social. Ainda que o homem seja determinado à
coexistência pela vida, essa coexistência não é suficiente como coexistência
natural, à guisa dos outros animais, porque há no homem o princípio de

https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 6/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

liberdade que exige uma ordem a ela adequada e por ela determinada,
portanto, uma ordem posta, criada, uma ordem normativa.
Uma vez existente a ordem normativa, a pergunta de como é possível só pode
ser respondida pelo pressuposto da liberdade, sem a qual não seria necessária,
nem possível a ordem normativa. A existência de uma razão ordenadora da
coexistência humana só se explica como razão livre, não determinada por
causalidade empírica, mas criadora. Esse princípio de ordem criador não pode
ser explicado pela simples ordem de coexistência, como não pode a ordenação
normativa ser explicada pela causalidade instintiva. Eis porque o princípio da
ordenação ou de ordem normativa só pode ser entendido como um a priori
com sede na própria razão pura e não como um a posteriori da experiência,
ainda que inevitável. Se se pode dizer que a experiência da ordem normativa é
inevitável por não haver sociedade humana sem norma, a explicação dessa
ordem não pode estar na experiência, mas constitui um postulado a priori da
razão prática, a liberdade, que não permite uma experiência inevitável, mas
que também não pode ser uma experiência contingente enquanto explicação
da própria experiência inevitável que é a ordem normativa.

À pergunta, pois, de como é possível a ordem normativa só se responde pela


condição de ser o homem livre. E isso decorre necessariamente da condição de
ser a razão pura prática, portanto, legisladora e, por fim, sede da liberdade e
da sua legislação. A razão prática é essa rede de ordenação e de ação, do
mesmo modo que na vida está a racionalidade imanente de uma "energia que
se ordena" (José Waltenir Salgado). Entretanto, como vida, a razão é apenas
em si, como liberdade é ela para si.

A razão é, assim, um princípio de ação ordenadora, que da simples


combinação, passando por uma ordem mais complexa, a sistematização, chega
à complexidade maior, à organização que implica uma ordenação normativa.
"Princípio dinâmico de ação, estático de ordem, que dialeticamente fazem
resultar a ordenação, liberdade e lei"13, de tal modo vinculados que a ordem
isoladamente seria determinação natural ou estagnação e a ação isolada,
impulso cego, anárquico.
A razão é, desta forma, enquanto princípio ordenador, o elemento de unidade
da vida e da liberdade, pois que ela está na vida como racionalidade em si e
está na liberdade como razão para si. Concilia-se, assim, a experiência
inevitável da vida que determina a coexistência, enquanto dada ao homem,
mas não a ordenação normativa, e o a priori, transcendental, da liberdade que
explica a própria ordenação normativa, enquanto posta pelo homem. Uma tem
sede na natureza, a outra, tem sede na razão, ambas, porém, regidas por um
princípio de racionalidade ordenador, em si e imanente em uma, para si e
transcendente em outra, como bem revelou a resposta de Galileu a Belarmino:
se a natureza fosse feita em ziguezague, a razão seria em ziguezague para
compreendê-la (Galileu Galilei, de Brecht.).

Essa dialética da coexistência da vida e da ordenação da liberdade constitui a


base da compreensão da ordem jurídica como tal.

A idéia de ordenação, portanto, é uma condição transcendental da sociedade


humana, pois a sociedade humana é composta de seres racionais que agem
segundo a razão, e a razão é ordenadora na sua própria essência. Desse modo,
o conceito de ordem não é na sociedade humana o de ordem da determinação
empírica, mas da ordenação ideal, portanto da razão, que, por isso mesmo, faz
com que essa ordem seja sempre uma totalidade processual, dinâmica,
segundo um projeto historicamente testado e realizado. Trata-se de ordenação
ética por excelência. O direito aparece como elemento ético formador da
sociedade, por força dessa condição fundamental de que deve haver uma
ordem, cujos requisitos são regras universais postas para todos e idealmente
por todos postas empiricamente por atos de vontade ou por prática coletiva,
capazes de gerar conseqüências idealmente previstas a partir de fatos
relevantes para essa ordem, conseqüências que se traduzem em sanção,
deveres e direitos centrados no direito subjetivo cujo elemento formal é a
exigibilidade assentada no reconhecimento ideal ou formal da bi-universalidade
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 7/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

da norma jurídica, e garantida pela irresistibilidade, por sustentada pela


sociedade como um todo ordenado, através da força aparelhada, e posta em
execução segundo o critério da neutralidade da decisão objetiva e
universalmente justificada. Esses são elementos que integram a estrutura
formal da justiça e realizam objetivamente a idéia ou projeto de justiça
material segundo o momento histórico em que se efetiva. Trata-se de uma
idéia de justiça no âmbito das categorias próprias do direito, que o diferenciam
da moral como seu momento.
Desse modo a lei moral universal subjetiva no sentido kantiano aparece como
momento abstrato da lei jurídica, objetiva e universal. A consciência jurídica
capta essa lei universal que se define segundo uma legislação idealmente
considerada, realizadora do valor jurídico fundamental, o justo. A consciência
jurídica põe esse valor do justo idealmente no projeto de ordenação racional da
sociedade e, na aplicação, segundo a ordem jurídica empiricamente posta, por
isso, objetiva. É a consciência jurídica que torna possível ao legislador, como
indivíduo universal ou singular, julgar da justiça da sua disposição e a
participação de cada indivíduo na elaboração dessa lei jurídica, possível
segundo aquela consciência jurídica encontre nos fatos a normatividade
jurídica, isto é, as características da universalidade e da exigibilidade, para
realizar o valor do justo. Essa participação ideal já prevista por Kant é o
elemento necessário ao trânsito da universalidade abstrata kantiana (a
representação da idéia do justo) para a sua configuração na realidade positiva
da norma jurídica.

O justo aparece, desse modo, não mais como um dever de tribuição de algo,
mas como valor tribuível a alguém como direito universalmente reconhecido
e por fim exigível.
Em razão dessa exigibilidade do direito do sujeito, duas conseqüências
decorrem para o conhecimento jurídico: a correlação do dever com o direito (a
bilateralidade) e a organização de uma força aparelhada empiricamente a
coercibilidade. A correlação dever-direito é corolário da exigibilidade. E dela
procede a relação jurídica pela qual os sujeitos de direito se defrontam. A
relação jurídica é específica no âmbito da intersubjetividade jurídica. A
coercibilidade surge como característica instrumental, pela qual a existência do
direito se dá. Não pertence à essência do direito como decorrente da forma
aparelhada do Estado, condição de existência do direito.

A consciência jurídica não é, pois, individual, mas singular; não é simplesmente


a lei abstrata que lhe dá a universalidade, mas o direito do sujeito, ou seja, no
reconhecimento do direito do outro como um universal, que é do outro e é de
cada um, e que tanto no sujeito do direito, no sujeito do dever jurídico, quanto
no terceiro neutro, de modo a efetivar-se o direito tanto espontaneamente,
como por força social aparelhada, através da decisão jurídica de um terceiro
neutro.

4- A consciência moral14 tem no seu primeiro momento a superação do mero


sentimento moral. É consciência quando surge como virtude, isto é, regra de si
mesma para a produção da máxima de ação, como em Santo Tomás, em que a
razão determina a vontade, mas tem como conteúdo a lei externa à
consciência. A virtude é uma disciplina da razão sobre a vontade que busca o
bem fora dela mesma.

Entre os antigos, a consciência moral está na virtude que busca o bem fora
dela. Não busca a lei, mas o bem diretamente. Essa consciência passa a buscar
a lei em si mesma e se recolhe na busca do bem em si mesmo, pois a definição
do bem objetivo desespera a consciência; não há um critério seguro para
determinar o fim bom da ação. Por isso a consciência moral se volta para si
mesma e cria sua própria lei. Antes, porém, sabendo da dificuldade de
encontrar o bem fora dela, transforma esse bem em lei externa a ela e põe o
bem como absoluto, em outra consciência. Cria uma consciência externa e a
absolutiza, para que essa consciência externa possa criar a lei boa, que realiza
um fim bom, pois sendo absoluto sabe qual é o fim bom. Se é absoluta, o fim é
ela mesma, a boa consciência, a boa vontade que sendo boa determina o seu
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 8/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

conteúdo, como o que lhe é adequado. A consciência, porém, é prudência que


valora o fim e não apenas elege os meios a um fim que é bom externamente.
De qualquer modo, é conhecimento da lei ou do bem, e reconhecimento
dessa lei como válida para ela, consciência.
A consciência, entretanto, não sabe que esse absoluto, que cria a lei e sabe do
fim bom da lei é ela mesma e quando a descobre, recolhe-se totalmente a si e
cria a sua própria lei moral. Como não pode ainda definir o bem externo para
depois criar a lei que o realiza, atribui a si o próprio bem. A lei é boa em si
mesma porque criada por uma consciência boa e, por isso, seu fim é bom. Do
mesmo modo que a sua atividade é o próprio bem e o que ela quer é bom, o
que a boa consciência quer é o bem. A essência divina é reassumida na boa
consciência, ou seja, a vontade pura é tão boa como a divina.
Esse processo de interiorização da lei moral na consciência e do bem na lei
moral é uma alienação invertida, pela qual a lei moral e o bem por ela
realizado, que estava fora da consciência, passam a ser sua própria estrutura.
A consciência tem uma lei objetiva que é o bem objetivo, isso totalmente em si
mesma, considerada essa objetividade do ponto de vista da subjetividade do
eu universal, eu objetivado, mas eu ainda. O objetivo é a universalização do
eu, por isso sua absolutização imanente; não mais fora, transcendente, na
alienação. Essa universalização é totalmente abstrata, pois que pensada no
interior da pura subjetividade de uma vontade pura.
O processo de desalienação tem de ser feito através da consideração objetiva
da lei, como algo fora da consciência, mas produzido por ela, não enquanto
individual, mas na ação coletiva das consciências individuais, o ethos cultural,
produzido pela sociedade na interação de sujeitos singulares.

A consciência invertida, que deixa de ser subjetiva para universalizar-se e


objetivar-se na lei abstrata moral por ela criada, sem conteúdo, se converte
novamente ao considerar que a lei universal por ela criada, como pura forma
abstrata dentro dela, surge agora na objetividade da ação na cultura, como
ação de todos, portanto, como razão.

A desalienação da consciência moral na objetividade de uma lei, que é de


todos, torna possível a passagem para a consciência jurídica.
A consciência jurídica, por sua vez, começa também imediatamente pondo
como seu valor o justo. O justo, porém, exige a objetividade e a
transubjetividade15 para o outro. É no justo que se encontra a realização da
consciência moral como jurídica, pois nesse âmbito axiológico a consciência é
um nós, uma vez que o outro é o em que a consciência é não mais um eu
abstrato, isto é, uma universalização do eu abstratamente, mas uma
universalização do eu concretamente, um nós concreto. Nesse momento da
consciência jurídica, a lei é objetivamente posta por ela, mas como por um
nós; e sendo posta por um nós, a lei não é mais produto de uma subjetividade
e universalidade abstrata do eu transcendental, mas adquire objetividade e
universalidade concreta como lei posta por todos concretamente.
A consciência jurídica imediata tem como objeto o justo, mas o justo está
posto como algo bom, não como lei, imediatamente. Como ocorreu com a
consciência moral, o justo é algo bom, mas a definição do bom se desloca
novamente para o absoluto e se aliena na forma de lei objetivamente dada,
mas por uma consciência jurídica universal e absoluta: o ser divino. Essa
alienação do valor e da lei que o realiza, na divindade, atinge o seu ponto de
maior profundidade, como cisão da consciência alienada, na divindade pessoal
que cria a lei eterna e a natural, a que se submete a humana, único produto da
consciência jurídica.
O processo de desalienação ocorre com a concepção estóica, particularmente
com Cícero, no momento em que afirma a identidade da razão humana e da
divina, e concebe a possibilidade de elaborar o homem leis tão perfeitas quanto
a divindade, se atende ao ditame da sua razão. A unidade da razão, divina e

https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 9/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

humana, desaliena a consciência jurídica, mas põe-se ainda num plano


abstrato, a razão cósmica que tudo governa na concepção estóica.
Essa objetivação da razão, mas ainda abstrata, como algo que está nas coisas,
torna possível a desalienação da consciência jurídica, se ela descobre que essa
razão inserta nas coisas não a determina, mas que é ela mesma que constrói
essa racionalidade nas coisas do seu próprio mundo, o mundo humano. Seu
último processo de alienação será, portanto, o da concepção de um direito
natural. Ela, porém, assume essa competência legiferante e passa a ser a
criadora desse direito natural. Entretanto, embora não seja um direito posto
por uma consciência absoluta, fora dela mesma, é ainda abstrato; é dela, mas
como consciência invertida, que não se dirige a uma lei externa, mas que tem
em si sua própria lei abstrata. O direito natural é já direito de todos, mas não
concebido por todos, pois a consciência recolheu-se a si e criou esse direito
natural, como consciência individual, que deduz da razão pura a lei natural.

A próxima etapa é, depois de desalienada e ciente de que a lei natural é dela


mesma, a consciência jurídica objetiviza (torna objetiva) essa lei natural, o
direito natural, e o faz na forma da sua declaração, não mais como consciência
subjetiva do direito natural de todos, abstrato, mas como consciência
transubjetiva, um nós, que concebe o direito natural, não só de todos, mas
posto por todos: a declaração de direitos que positiviza os valores concebidos
como direitos naturais pela consciência jurídica. Ela, porém, assume essa
competência legiferante e passa a ser a criadora desse direito natural.

5- A consciência moral não encontra na sua atividade um universal concreto,


por estar sempre recolhida na individualidade ou subjetividade. A
universalidade por ela alcançada ou é apenas generalidade empírica, caso em
que perde a apoditicidade e se converte em consciência poiética, ou seja, do
útil, ou põe para si esse universal no transcendente, ou busca um universal
transcendental, em si mesma, na racionalidade abstrata do sujeito moral (a lei
moral kantiana). Somente a consciência jurídica capta o universal imanente,
porque consciência de um nós (que é um eu), cuja objetividade é o seu ethos.
A consciência jurídica envolve toda objetividade do ethos, já universalizada na
lei, e a subjetividade da consciência moral universalizada na consciência de um
nós, que também é um eu, cujo conteúdo é a universalidade objetiva do ethos.
Universalidade objetiva do ethos e universalidade subjetiva e transubjetiva do
nós formam no seu movimento dialético o universal do direito, como resultado
do processo da consciência jurídica que teve início na subjetividade e
particularidade da consciência moral.
A universalidade do direito, formal e material, de que decorre a sua validade
formal e material, não se suporta numa autoridade moral16, mas no
reconhecimento da tributividade universal de um valor e sua formalização
como de uma vontade universal formal; universalidade material ou
reconhecimento (saber) de valores universalmente tribuíveis e universalidade
formal ou declaração (querer) formal de toda sociedade como direitos,
portanto, exigíveis, é o que gera a obrigatoriedade do direito.
6- A consciência jurídica no sentido formal é o resultado do processo da
consciência ética, cujo primeiro momento da processualidade da experiência
jurídica é a consciência moral interna, que só alcança uma universalidade
abstrata na forma da consciência ou eu transcendental em Kant. A consciência
jurídica supera a dicotomia direito-moral, pois o direito não é visto
paralelamente com a moral, mas como ponto de chegada do processo ético,
que começa na interioridade imediata da consciência moral.
O direito realiza a universalidade formal pelo ato de sua posição objetiva e a
universalidade material na captação prudencial dos valores, que, através da
consciência política, instrumento de passagem do valor para o direito, da
consciência moral para a jurídica, surge na declaração de direitos.
A dicotomia interioridade moral e exterioridade do direito estrito se supera na
plena eticidade do direito, em que o conteúdo axiológico da consciência jurídica
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 10/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

é o valor do justo, pois é nesse âmbito axiológico que a consciência não é mais
um eu abstrato, ou empírico, mas um nós, por força de não ser mais uma
universalização do eu abstratamente, e, sim, uma universalização do eu
concretamente, vale dizer, um nós. Nesse momento de plenitude do processo
da consciência jurídica e sua experiência, a lei é objetivamente posta por ela,
mas como por um nós; e, sendo por um nós, é a lei não mais produto da pura
subjetividade e universalidade abstrata do eu transcendental, mas algo que
adquire objetividade e universalidade concreta como lei posta por todos, em
que a unilateralidade do empírico do indivíduo particular e a da abstração do eu
transcendental se vencem na universalidade concreta do sujeito de direito
universal.

A universalidade da lei moral kantiana é apenas um saber da razão de que ela


é a produtora da lei ética, o que faz espontaneamente (sem o saber de que é a
fonte de toda legislação) no costume. O costume é um nós em si da razão, que
se manifesta na construção exterior do mundo humano ou do espírito
objetivado, a cultura. A universalidade do costume em si só encontra o saber
de si, de que é a razão a produtora da lei ética, na universalidade abstrata do
eu, ponto de passagem para a universalidade concreta da lei jurídica,
desenvolvida pela objetividade do costume e da subjetividade da lei moral do
eu transcendental, em que a razão se revela como a única criadora do mundo
do espírito ou cultura ética. Costume criado por um nós inconsciente, em si,
objetivado, e lei moral conscientemente gerada por um eu transcendental, para
si, têm como resultado o nós plenamente em si e para si, que sabe ser o
criador da lei ética, cuja expressão única, pela qual esse nós consciente ou que
sabe de si como legislador se manifesta, é o direito. Eis como a consciência
jurídica se expressa como razão jurídica.
7- Consciência Jurídica é consciência da juridicidade, entendida como exigência
de normatividade, segundo as categorias jurídicas fundamentais, ou seja,
exigência de normatividade pela qual se universaliza formalmente uma
conduta, ou se tribui universalmente um valor (universalidade material),
segundo uma estrutura bilateral decorrente da exigibilidade do bem tribuído ou
da conduta normatizada, com força aparelhada irresistível, através de uma
ação caracterizadora do sujeito de direito universal.
Essa exigência de normatividade implica, pois, na necessidade de prevenção ou
solução de conflitos de interesses, segundo as regras decorrentes do conceito
de sujeito de direito universal e segundo as categorias fundamentais do direito.
A coisa ou fato tem uma estrutura ôntica que possibilita a valoração dada pelo
sujeito cognoscente e que possibilita o surgimento da normatividade como
processo de construção do logos, de reconhecimento do valor universal
dimensionado para um nós, a partir dessa estrutura (ôntica) do fato . Não é
apenas a natureza das coisas no sentido da aplicação, pela qual se descobrem
as "relações da vida social" que já trazem em si as condições de seu equilíbrio,
ou se discernem as leis dessas relações humanas (Geny).17

Esses valores entram para o mundo do direito através da consciência jurídica


que os considera segundo as categorias fundamentais do direito e segundo
revelem o sentido próprio do direito: o valor do justo. A justiça é, assim, o
valor por excelência do direito, e todos os fatos considerados pelo direito, em
razão da exigência da normatividade que revelam, só se consideram tais se se
valoram como justos ou injustos, ou seja, segundo o princípio da igualdade na
prevenção e solução de conflitos de interesses e na tribuição do valor jurídico
ou bem posto como direito do sujeito.

Desse modo, os valores da cultura ocidental, reconhecidos pela consciência


jurídica como universais e exigíveis, com força de irresistibilidade, a todos
tribuíveis, se formalizam como jurídicos na declaração universal de direitos, ou
na forma de direitos subjetivos fundamentais, que outra como não são, tais
direitos subjetivos, senão o desdobramento da liberdade.

8- A consciência jurídica é definida formalmente como superação da


consciência moral. Não é apenas o conteúdo ou o objeto da consciência que
define a consciência jurídica, como no caso da consciência política, etc. A
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 11/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

consciência jurídica é formalmente diversa de outra consciência. O valor que é


juridicizado, como no caso da captação de certos valores pela consciência,
como jurídicos, são elevados à categoria de direitos materiais, como no período
prévio da Revolução Francesa, do mesmo modo que o valor é um resultado
dialético pelo qual a estrutura ôntica do objeto provoca na consciência do
sujeito cognoscente a valoração correspondente à essa estrutura. Essa
valoração só é possível porque a consciência que valora tem uma estrutura a
priori própria à valoração. Ora, a consciência jurídica que capta o jurídico no
valor só o faz por ser formalmente específica. Há uma forma a priori da
consciência jurídica, enquanto consciência que assume a exterioridade do
objeto jurídico na sua exigibilidade e universalidade. É a consciência jurídica
que torna possível universalizar o valor como abstrato e como singular
pertencente a cada um como próprio e exigível. É, pois, uma condição a priori
transcendental que torna possível a valoração do justo e do injusto.
Não é, pois, a consciência política o resultado da consciência prática, mas a
jurídica, porquanto o Estado de direito não se define apenas pela estrutura
democrática, que é de natureza procedimental, mas pelos valores reconhecidos
universalmente a todos e exigíveis por todos individualmente como seu bem
jurídico, como lhe pertencendo. Consciência política é instrumental referente à
autonomia da vontade. Não tem estrutura própria a não ser como
procedimento da vontade. A consciência moral é momento abstrato da
consciência prática, cujo trânsito é feito pela consciência política para a
reflexão da consciência jurídica.

Do mesmo modo que a consciência teórica tem um conteúdo, mas a


consciência só se manifesta reflexivamente como saber de si através do objeto
exterior, a consciência prática, no seu primeiro momento abstrato, como
consciência moral, somente pela ação exterior política pode alçar-se ao
momento da consciência, cujo conteúdo é o direito, mas que tem forma
adequada a esse conteúdo, forma e conteúdo dialeticamente articulados.

A consciência jurídica não é, pois, a consciência que tem como objeto a norma
jurídica apenas, mas uma estrutura de consciência própria que capta o jurídico
nos valores como universalmente tribuíveis a todas as pessoas, valorando o
próprio fim da ação, como a prudência jurídica.
Naturalmente não há por que valorar o fim, pois o fim da semente de carvalho
é ser a árvore, na sua plenitude, atualizar-se. Então, o fim é bom em si
mesmo. Para Aristóteles e os gregos em geral as virtudes já são dadas e os
fins dessas virtudes são também dados pela sociedade, pela cultura, pelo
ethos. A Filosofia Moderna tornou claro o conceito de formação, o conceito de
cultura, já presente na vida grega, quando considerou a razão como produtora
direta da vida social, de ciências, etc., portanto criadora de valores, postos por
ela como fim da ação ética. Contudo, esses valores só passam para a forma
jurídica, se a consciência os considera na perspectiva do justo e do injusto,
portanto, como consciência jurídica. Se a condição transcendental de valoração
do bem e do mal está na consciência moral, a do justo e injusto se dá na
consciência jurídica.

b) A Justiça na Jurística Romana


1 - A Racionalização do Direito em Roma

A experiência da consciência jurídica romana é o lugar do nascimento das


categorias fundamentais do direito e da explicitação da justiça como idéia do
direito. Não se quer com isso dizer que o romano as tenha formulado tal como
as desenvolvemos, como, por exemplo, a bilateralidade em Del Vechio, mas
que o direito romano construiu toda a sua essência ética, de modo a tornar
possível a sua explicitação terminológica na ciência do direito que se
desenvolveu na modernidade. Não se tem aqui de encontrar a formulação
acabada da jurística romana, mas de captá-las na textura dialética da sua
práxis jurídica e nas formulações teóricas resultantes dessa práxis. Trata-se de
uma figura histórica da experiência da consciência jurídica ocidental
suprassumida no modelo jurídico contemporâneo, que por isso não obedece à
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 12/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

sucessividade temporal da consideração histórica, mas da movimentação ideal


contida na substância ética desse momento de explicitação da idéia de justiça,
por certo o mais esplendoroso. Desse modo, toda a racionalidade do direito, tal
como o compreendemos na contemporaneidade, está presente na consciência
jurídica romana, de tal modo que a razão jurídica que se expressa na
concepção do direito, a partir da Revolução Francesa e da formação da
dogmática jurídica, é uma presentificação da consciência jurídica romana. Vale
dizer: do ponto de vista ideal, a jurística romana expressou o direito no seu
conceito, embora no tempo seja anterior a outras formas de expressão do
direito, menos desenvolvidas.

A racionalização do direito romano é uma das suas características e das suas


mais importantes contribuições. Essa racionalização permite o desenvolvimento
teórico, e vice-versa. Dá-se pela sistematização do direito material e pelo
direito processual, em virtude principalmente das conexões lógicas exigidas na
sucessão dos atos processuais e no fluxo da actio, em todo o seu percurso.
Isso se deve fundamentalmente ao ius honorarium18, no que se refere ao
direito processual e mais acentuadamente aos responsa prudentium, no que
tange o direito material.

Essa racionalização foi possível em virtude da necessidade da unidade das


soluções jurídicas, dada a complexidade da sociedade e seus negócios. Isso
porque era necessário um instrumento para as soluções dos conflitos, ainda
que não imediatamente para dar-lhes a mesma solução justa, mas para tornar
possível ao pretor uma solução eficaz e tecnicamente mais fácil, pois
dominando a técnica de solução de conflitos tornaria seu trabalho homogêneo,
célere e eficaz, capaz de atender a variedade e quantidade de casos que se lhe
ofereciam para solução. Daí então a estruturação do processo e o
descobrimento dos conceitos jurídicos nesse plano mais abstrato, capazes de
oferecer a compreensão de um número indeterminado de casos, ou seja, de
conceitos universais, a par da lex, cuja universalidade já havia ganho foros
desde a Lei das Doze Tábuas.

Essa necessidade de elaboração de técnicas e métodos instrumentais para a


solução de qualquer conflito exigia evidentemente que estivesse monopolizada
pelo Estado a jurisdição, diante de uma sociedade complexa.
Esse processo de universalização da cultura jurídica romana não é algo
inexplicável. É verdade que a índole desse povo desde o início era marcada por
traços característicos da sua cultura que mais tarde se revelaram. Entretanto,
não se pode desprezar, além dos fatores sociais, da complexidade social,
econômica e da burocratização do Estado a que se refere Weber, que Roma e
os povos do Sul da Itália traziam consigo o modelo grego de cultura
vocacionada para o universal. A busca do universal, caracterizado na unidade e
permanência, que se desenvolveu entre os gregos no plano teórico, e prático
no campo da Ética, contribuiu, na civilização romana, de modo expressivo para
a formação do direito19, que se faz não a partir de um fato contigente, (ex
quae forte uno aliquo casu accidere possunt, iura non constituuntur)20, mas
pela unidade da pluralidade dos fatos (ut dixet, Theophatus:... ut plurimum)21.

A categoria da universalidade é, pois, um resultado natural da necessidade de


logicização ou racionalização do direito romano, que é fruto de uma mesma
cultura e uma mesma índole étnica, que encontra na diversidade aparente dos
dois povos a unidade da razão.

A justiça desde Aristóteles e depois em Ulpiano liga-se à vontade e poderia ser


entendida como procedimental, a vista de ser um hábito da vontade, cujo
objeto está fora dela, o bem, que é dado e não posto por mediação da razão.

É em Cícero (recta ratio)22, depois em Santo Tomás (ordinatio rationis) e


posteriormente em Kant (a que se poderia dar seu assentimento) que a Justiça
deixa de ser apenas procedimento da vontade na direção de um bem, ainda
que essa direção seja dada pela recta ratio, que a razão comparece como
faculdade construtora do justo, pois o bem a que se dirige a vontade e que é
dado, preexistente para Aristóteles, é posto pela razão para Cícero. É a razão
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 13/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

que descobre o bem, pois é ela a legisladora. Em Kant essa posição é


recuperada, pois não aceita como justa a lei a que apenas se dá a adesão da
vontade, mas a que se poderia dar a adesão da vontade, sendo esse poderia a
condição de valoração da razão prática, da prudência ou da consciência
jurídica.

O justo deve assim observar dois princípios: a) que possa ser como tal
reconhecido (sabido e aceito) por todos, ou seja, segundo a fórmula de Kant, o
a que todos possam dar seu assentimento; b) que alcance a todos igualmente.
O que é reconhecido por todos é apenas uma fase do processo. Não é
suficiente o reconhecimento empírico, mas exige-se a ponderação da razão
sobre o conteúdo axiológico, portanto, de racionalidade do que é reconhecido.
Essas duas dimensões, da voluntas e da ratio, no direito, pelas quais se define
a justiça, reaparecem, respectivamente em Santo Agostinho na forma de
voluntas legislatoris e em Santo Tomás, de ratio legis, ou ordinatio rationis.
Desse modo, o direito é visto pelo romano não apenas como formalização pela
vontade da autoridade que o põe na existência, mas pelo momento do
encontro do conteúdo justo, do equilíbrio, feito pela ratio, tanto no momento
da elaboração como no da aplicação. Daí, a prudência romana expressa em
densa síntese, por um porta-voz do tribunal dos mortos: conhecer a lei é
captar a sua força e potestade, a sua ratio (Celso).

A justiça é essa razão universalizante que ordena ou dirige como medida a


vontade, segundo um princípio de equilíbrio: equilíbrio pelo distanciamento do
fato e do valor, do fato não valorável e do que pede valoração, na ponderação
de um valor com outro, entre o pressuposto e a conseqüência da norma, entre
os indivíduos envolvidos.

A universalidade abstrata da norma e a particularidade abstrata dos interesses


conflituosos se superam na sua oposição pela singularidade da actio e sua
satisfação, de que é detentor o sujeito universal de direito, o que se pode
denominar como processualidade concreta da idéia de justiça.
Essa universalização concreta se dá não no plano da racionalidade subjetiva da
moral (kantiana) ou de um bem moral objetivado por essa mesma consciência
moral subjetiva, mas decorre da consciência jurídica considerada como um
nós, em que a abstração da valoração da consciência moral individual ou a
particularidade do interesse individual são suprassumidas na realização da
justiça como ato de uma consciência neutra e posta como universal.
Não se trata, pois, de uma consciência jurídica material, cujo conteúdo é dado
pela lei, o que evidentemente constitui momento necessário do processo de
realização do justo na forma da segurança jurídica, mas consciência que se
caracteriza como especificamente jurídica no seu modo de valorar e decidir,
como consciência de um nós universal.
2 - O Deslocamento da Idéia de Justiça para o Sujeito de Direito

Um dos problemas enfrentados pela teoria da justiça procede do fato de não


ter Aristóteles separado direito e moral, e ter tratado da justiça na ética, como
virtude moral. Na verdade, a justiça era de ser tratada no direito, pois é valor
jurídico. O direito, mais propriamente a Filosofia do Direito, é que cuida do
tema da justiça. Ao ser posta a justiça na moral, toda a teoria da justiça
passou a ser posta pela Ética e não pelo próprio Direito, através de seu valor
próprio, intrínseco ao fenômeno jurídico.

Entretanto, o próprio Aristóteles observou que a justiça era uma virtude


bastante diferente das demais, pois não se dirige ao que a pratica, mas ao
outro, dando passagem para a política. Daí a dificuldade: não é propriamente
moral, pois não atinge ao que a pratica, mas é moral por ser virtude. Somente
se se entende essa excelência (areté) como facultas é que se passa para o
âmbito do direito, em que a justiça é a criação do direito na forma de uma
ordenação espontânea da sociedade, que passa à forma mediata ou posta por
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 14/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

reflexão da razão, a qual faz uma reconsideração desses valores


espontaneamente criados na cultura através do costume.

Esse processo refletido da revaloração do direito dado espontaneamente


resulta na lei. A lei, porém, é ainda momento inicial da justiça em si, não
totalmente no seu conceito, o que ocorre pela revaloração da própria valoração
feita pela lei, com a qual se pôs o direito, deixando este de ser dado
espontaneamente pelo costume. Essa revaloração do que foi valorado pela lei
resulta na criação dos institutos jurídicos que são a expressão conceptual
(teórica) da expressão prática da justiça, que é a lei ou as instituições
normativas.

A crise do ethos grego à qual se refere Lima Vaz, da qual surgiu a Ética como
teoria através da investigação metódica de Sócrates e a conceituação das
virtudes, marcando a etapa antropológica da filosofia grega, tem como análoga
no processo cultural do ocidente a resposta da consciência jurídica romana e a
formação da Ciência Jurídica e da Filosofia do Direito, cuja produção teórica,
por mais lógica e precisa, só encontra seu sentido, tendo em vista sua
finalidade prática, no momento da aplicação.

É em virtude da universalidade e exigibilidade do direito, reconhecido e


efetivado na actio, que se pode falar numa justiça de natureza tipicamente
jurídica, ao contrário da sua concepção unilateral da esfera moral. Na verdade,
a concepção aristotélica da justiça, na qual se insere o outro como elemento de
sua essência, é uma inegável contribuição ao avanço do conceito de justiça.
Entretanto, permanece na unilateralidade e subjetividade do sujeito moral a
que se impõe o dever, inexigível, de cumprir o ato justo. O conceito jurídico de
bilateralidade, essencial à idéia de justiça, pois que põe em equilíbrio as partes
na relação de justiça, decorre, como seu antecedente necessário, do conceito
de exigibilidade só possível com a inserção no comando da relação de justiça,
do sujeito de direito, por sua vez só possível por força da universalidade do
direito expressa formalmente na irresistibilidade, e materialmente na tribuição
do bem jurídico, esta formalmente expressa na exigibilidade. A universalidade
formal (de tribuição) e material (de valores) do direito, que encontrou no
espírito ocidental o seu desenvolvimento pleno, deve ser pensada através das
categorias jurídicas fundamentais, que lhe são específicas e que fazem a
mediação para que a sua universalidade seja o momento de chegada da
universalidade abstrata moral: a categoria da irresistibilidade que caracteriza a
universalidade formal instrumentada na actio, a da exigibilidade que põe o
sujeito de direito na prerrogativa da relação com o outro, na medida em que o
bem jurídico lhe é tribuído e exigível, e a categoria da bilateralidade, entendida
não na fórmula exemplificada de Del Vecchio, mas, absorvendo-a, posta
universalmente no próprio sujeito de direito, enquanto pessoa que só pode
trazer a titularidade do direito, se necessariamente é também portadora do
dever para com o outro, numa relação dialética pela qual todos se apresentam
como titulares de direitos universais, reciprocamente atribuíveis e exigíveis e
portadores de deveres23.
A diferença entre a consciência jurídica romana e a moral socrática aparece
com nitidez no deslocamento polar da idéia de justiça entre os gregos,
concentrada no sujeito portador do dever moral da prestação da justiça para
entre os romanos concentrar-se no sujeito titular do direito. O aparecimento do
sujeito de direito, polarizando a relação de justiça e fazendo centralizar-se nele
a realização do justo concreto, torna possível uma concepção de justiça até
então não vista na história. Eis porque o acréscimo aparentemente singelo de
Ulpiano, inserido na definição de justiça (que tanta discussão gerou entre os
gregos, por força de se não saber o que é o devido, o seu) a palavra ius24,
tornou possível a realização efetiva da idéia de justiça, pois o comando da sua
realização abandona o lado da pura espontaneidade do ato justo da parte do
devedor moral, diante do aguardo passivo do seu beneficiário e ingressa na
ação do sujeito de direito que, a par de encarnar toda a sociedade, exerce o
comando da relação bilateral de justiça pela faculdade que lhe é outorgada na
universalidade abstrata da lei, em que o dever de justiça é dever exigível. A
justiça passa, assim, da ação moral do sujeito moral para a ação jurídica do
sujeito de direito, da consciência moral para a consciência jurídica da justiça
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 15/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

que surge não como virtude moral a ser cumprida pelo sujeito do dever moral,
mas como bem universalmente reconhecido ao sujeito de direito e por ele
exigível universalmente.

A individualidade do sujeito de direito realiza a universalidade da sociedade,


nele singularizada, o que se faz através da actio, posta como força irresistível
do direito institucionalizado como ordenação e garantido na organização
aparelhada da coação estatal, que é a sociedade em poder supremo, ou que a
representa. O sujeito de direito portador da actio é, destarte, o singular
universal, ainda na fase imediata por representar a própria vontade, superando
a justiça privada e particular da amizade ou de família.
A universalidade caracterizadora do sujeito de direito constitui o momento
inicial de um processo que se desenvolve a partir dessa universalidade, cujo
conteúdo é o direito privado reconhecido por toda a sociedade na lei e na actio,
para chegar à unidade da forma e do conteúdo, pela qual não só é o direito
universal formalmente, pela sua própria natureza, mas também
materialmente, com o aparecimento do sujeito de direito político e
fundamental.

No momento da aplicação a actio comanda o processo, pelo qual a consciência


moral do sujeito moral, que cumpre a norma, tem de ser superada, não apenas
na universalidade abstrata de uma lei moral, que possa ser aceita por todos,
mas também universalmente objetiva no sentido de sua realização numa
consciência jurídica que é um nós real. Isso se processa com os instrumentos
propriamente jurídicos na estrutura do silogismo prático da aplicação. O
aplicador é, assim, o eu particular de uma consciência moral que se
universaliza abstratamente, ainda na moral, mas que busca a sua efetividade
como consciência de um nós, cujo conteúdo e expressão são o sistema de
normas postas pela coletividade da qual faz parte.
A consciência jurídica marca, assim, definitivamente, sua histórica no momento
em que a justiça se desloca do portador do dever moral e se define pelo sujeito
de direito. O sujeito de direito, centralizando a relação de justiça no justo
concreto, torna possível a concepção de justiça como idéia, ou processualidade,
que se desenvolve a partir do momento subjetivo da moral, enquanto devido
pelo sujeito moral, e se realiza plenamente, uma vez exteriorizado no direito,
através da norma posta, no sujeito de direito. O comando da realização da
justiça concentra-se não mais na pura espontaneidade do sujeito do dever
moral, mas se desloca para a força irresistível do sujeito de direito universal,
aparelhada pela actio ou a ação do sujeito de direito universal que, a par
de representar toda a sociedade, exerce o comando da relação bilateral de
justiça pela faculdade de exigir o que lhe é outorgado na universalidade
abstrata da lei; por isso, o dever de justiça no direito passa a ser dever
exigível. A justiça passa, assim, do puro dever na unilateralidade interior do
sujeito moral, para a consciência jurídica de direitos privados e,
posteriormente, de direitos fundamentais, através do instrumento político de
universalização formal, ou seja, a declaração constitucional de 1789.

Os direitos humanos surgem, assim, no crepúsculo histórico da experiência da


consciência jurídica, já com essência de reivindicação, como é de natureza de
qualquer ius, ainda que não seja direito legal. Neste caso, como direitos
naturais, podem não ser efetivamente exigíveis, pois ainda não postos em
norma jurídica, o que não anula seu caráter de exigibilidade, visto que já
surgem nas consciências com contornos jurídicos, ou seja, com caráter de
exigibilidade, de que devem ser positivados e efetivados, ainda que
empiricamente não o sejam.

Para que alcancem a plena realização, após a consciência jurídica encontrar a


juridicidade dos seus conteúdos axiológicos, há que se passar pelo momento
político da declaração positiva, pela cunhagem das constituições, pois aí se
tornam obrigatórios e formalmente universais enquanto direitos fundamentais
nos Estados democráticos soberanos.

3 - Sujeito de Direito Universal


https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 16/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

Uma das descobertas maiores do romano, no plano ético lato sensu é o sujeito
de direito e propriamente o sujeito de direito universal, detentor da
universalidade da actio. A noção de sujeito de direito universal, dada na actio,
envolve duas dimensões: a universalidade posta pelo reconhecimento de toda
a sociedade do direito subjetivo material, através da norma jurídica, e a
universalidade posta na força aparelhada do Estado garantidor da actio.
Entretanto, esse sujeito de direito ou pessoa está ainda posto num momento
abstrato, o do direito privado, quanto ao direito material.

É na Revolução que surge o sujeito de direito universal, tanto porque é essa


categoria reconhecida a todos os seres humanos, quanto porque se trata de
sujeito de direito público, tudo isso resultando do fato de ser sujeito de direitos
universais, como tais declarados na constituição democrática.

Já entre os romanos, entretanto, do ponto de vista formal, o sujeito de direito


material é, ao mesmo tempo, sujeito de direito privado, quanto ao direito
objeto da sua titularidade, mas também sujeito de direito universal, enquanto
titular não agora de um direito material, mas formal, do direito de ação pelo
qual exerce com força irresistível o direito material. É sujeito universal, vez que
o seu direito material tem o reconhecimento universal e a garantia da actio,
que é dada tanto pela simples titularidade do direito material (uma vez que a
exigibilidade do direito é da essência dessa titularidade, e essa titularidade
decorre do processo de valoração e tribuição universal de uma consciência
jurídica universal, de todos) como pela força aparelhada do Estado, a
representar a universalidade da sociedade, decorrente daquela exigibilidade. O
titular do direito material, na medida em que seu direito é guardado pela lex e
na medida em que é titular do direito formal, da actio, é sujeito universal.

A universalidade do direito ganha assim a dimensão formal da regra objetiva,


enquanto lex, posta pela voluntas da autoridade e a dimensão material ou
axiológica do ius, revelada pela reflexão do prudens (sábio) e a dimensão
dinâmica da actio, enquanto direito do sujeito. Falta-lhe ultrapassar o plano do
conteúdo do direito, ainda privado, para alcançar a universalidade desse
conteúdo, como tributividade universal, na forma dos direitos fundamentais.
Desse modo, na jurística romana surge a noção e a institucionalização do
sujeito de direito universal, cujo trajeto histórico é demarcado no rumo da
consciência dos direitos fundamentais e sua tributividade universal, pela qual
se revela o sujeito de direito universal como sujeito universal de direitos
universais, isto é, a todos reconhecidos, na Revolução Francesa, e a todos
garantidos, não só pela instrumentalização da actio, mas também pela dos
direitos políticos.

Contudo, é na experiência da consciência jurídica do romano que se desenvolve


a noção de pessoa, vista como sujeito universal de direito, em cuja essência
está o bem que dá suporte ao próprio direito, a liberdade, e com esse conceito,
a igualdade25.
Dois dos momentos mais significativos da liberdade desenvolveram-se entre os
romanos: a liberdade de decisão ou livre arbítrio e a autodeterminação ou
autonomia, ambas no aspecto estritamente jurídico, como poder concedido
pelo direito ou como uma liberdade quase absoluta. Do mesmo modo que o
povo tinha autonomia pública pela origem do poder na potestas, a potestas do
indivíduo estava no mesmo limite, não como arbítrio, negação do direito, mas
como poder de gerir a sua própria pessoa e seus bens, que no caso da patria
potestas não conhecia limites, senão a própria autodisciplina dentro do direito
e da moral, sem a qual era impossível exercer esse poder26. Ao pater cabia a
limitação de seu poder como diferente do arbítrio, este inadmitido na
sociedade.
Analisando o proceder da consciência jurídica romana, pode-se notar como a
idéia de liberdade se põe no interior da idéia de justiça. O poder de decisão e
de autodeterminação ou autonomia da vontade, privada, é ilimitado no sentido
de decisão e de autodeterminação para si mesmo e limitado na decisão para o
outro. Para si mesmo aquele decide por autonomia da sua vontade ainda que
injusta para si. Não há que pesar se nos negócios privados, na troca por
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 17/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

exemplo, deu mais do que recebeu, se as circunstâncias do negócio jurídico


não interferem na manifestação livre de vontade. A vontade faz lei justa entre
as partes, formalmente. Entretanto, na decisão legislativa ou determinação de
uma lei, lia que encontrar o equilíbrio dado pela ponderação da razão: o a que
se pode dar o assentimento (Kant). Justo é o negócio jurídico realizado com o
só fundamento da vontade livre, com relação a si mesmo. Com relação ao
outro, não é suficiente a vontade, é necessária a interferência ponderadora da
ratio. Há de haver a ratio decidendi ou legiferandi. A autonomia privada é em
certo sentido, absoluta; a pública, exercida em nome do populus e para o
populus relativa, isto é, está sob a disciplina da ratio.
Com efeito, o modo mais expressivo de manifestação da liberdade e da
igualdade está na cultura romana, no seu elemento teórico-prático
consubstanciado no estoicismo e no seu elemento eminentemente jurídico,
mas que opera a unidade do teórico e do prático, na efetividade que o direito
dá à idéia de liberdade. No elemento cultural romano, a liberdade é concebida
estoicamente como puro interior e a todos pertencente, como a concebe
Epiteto. Essa pura interioridade da liberdade, inatingível pela exterioridade da
força e igualificadora de todo ser humano, pondo no mesmo patamar
ontológico o Imperador e o escravo, é o saber da liberdade como puro saber,
sem o qual o homem não é livre, pois não é livre quem age livremente sem
saber que o é, mas que se detém na interioridade abstrata, pela qual no trono
e nas correntes todos são livres. Esse saber da liberdade interior não é ainda a
liberdade na sua efetividade, pois necessita ela de exteriorizar-se num ser
corporal como o homem, o que só é possível no agir livre exterior cujo habitat
necessário é o direito como sistema de normas de todos, que torna possível o
agir exterior livre do homem, ou seja, a exteriorização da interioridade da
liberdade como saber da liberdade e como agir livre. O romano, sem contudo
teorizar, compreendeu que a liberdade num mundo de seres livres corporeos é
o agir externamente livre, sabendo o homem dessa liberdade, que nem é livre
o que se movimenta livremente sem saber dessa liberdade, nem é livre quem
sabe da sua liberdade sem agir externamente como livre. Mais uma vez o
romano pensa o direito como universalidade, e o modo mais expressivo de sua
manifestação como totalidade do interior e do exterior é dado pelo direito, no
interdictum de homine libero exhibendi (Lex Poetelia Papiria), pelo qual lhe é
garantida a liberdade do corpo que lhe é próprio (habeas corpus), como ir e vir,
que não é um simples deslocamento no espaço, como de qualquer coisa ou
animal, mas do sujeito livre que sabe da sua liberdade, cuja consciência
jurídica a expressa nessa verdadeira actio, sumariada no Edictum Perpetuum.

O modo mais expressivo de manifestação da liberdade é na forma do direito,


liberdade como direito do sujeito, o que ocorre com o direito de ir e vir. Essa
liberdade, em que pese se ter considerado como apenas externa, e por isso
jurídica, por se confundir o direito com um dos seus momentos essenciais, a
exteriorização por força de se dar na relação com o outro, é manifestação do
direito como totalidade do interior e do exterior, que se efetiva na ação de
homine libero exhibendi. Não se trata de um ir e vir qualquer, mas de ir e vir
como liberdade na sua totalidade, ou do homem no exercício pleno da
liberdade em todos os seus momentos, interior e exterior, como saber da
liberdade (mens) e como agir livre fundamental (corpus).

O romano concebe a liberdade nos seus dois momentos mais significativos,


portanto, como substância espiritual: o interior, a liberdade de pensar e do
querer íntimo, que se define como filosófica ou como saber da liberdade, e
exterior, a liberdade do agir , entendida como liberdade natural e jurídica:
libertas est naturalis facultas ejus, quod cuique faceret libet, nisi si quid vi, aut
jure prohibetur27, ou seja, faculdade de fazer alguém o que quiser, desde que
não impedido pela força (natural) ou pelo direito (jurídica).

A liberdade jurídica que implica a liberdade interna é concebida pelo romano


como liberdade de disposição espacial do corpo e liberdade de
autodeterminação ou autonomia da vontade (ut quod quisque ob tutelam
corporis sui fecerit iure fecisse)28, que, por sua vez, implica o momento de
indeterminção anterior à autonomia da vontade, traduzido na decisão,
portanto, que implica o arbítrio livre. A liberdade é uma só, manifestando-se
É
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 18/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

sob essas formas. É o contéudo do direito, razão pela qual é um absoluto, pois
se concebe como o inaestimabilis que se não avalia patrimonialmente, e que
não se submete a qualquer pacto que a pretenda extinguir. Por isso é
irrenunciavél, embora no direito positivo possa perdê-la o seu titular; não,
porém, por renúncia ou por pacto. Além disso, está presente não apenas nos
momentos da aplicação e da interpretação, norteando-as, mas também no da
elaboração, como preconiza Pompônio: secundum libertatem respondendum
erit.
A consciência jurídica romana faz uma experiência da liberdade individual
quase absoluta, mas limitada pelo razoável e pelo justo na relação com o
outro29. Isso torna possível uma conjugação da liberdade ou da diversidade
entre as pessoas com a igualdade que deve a justiça preconizar. A igualdade e
a liberdade caminham pari passu, portanto numa dialética positiva da
igualdade e da desigualdade. "Em Roma, tudo o que é dotado de força viva
deve desenvolver-se livremente"; só se reprime o arbítrio e o privilégio 30.
E torna possível, ainda , além dessa consideração da liberdade e da igualdade,
abrir caminho para o processo do embate entre o poder e a liberdade ou a
liberdade objetivada e a liberdade subjetivada, duas idéias que informam o
caráter e o espírito romano e, na sua sucessão, o do Ocidente; idéias essas
que mantinham tanto "a energia dos indivíduos como a do Estado na sua
tensão constante", desenvolvendo-o, no seu mais alto grau, de tal modo que
Ihering considera a sua realização como o "fato mais importante da história
romana".31
Em virtude da realização desse bem inestimável e da dimensão ética da justiça
é que o Estado, ou o poder, se estrutura e se estabelece. O direito público, o
que resguarda o interesse da Respublica32, tem em vista o cuidado da justiça e,
como tal, a heteronomia do poder se estabelece e se organiza em compasso
com a autonomia privada da liberdade, pois desde o início da sua tradição a
potestas pertence ao povo e só foi conferida à autoridade do rei através de
concessão da lei (Lex Regia), o que permanece na consciência jurídica romana
até ao império. Isso marca o ínicio de nova forma de poder, a representação e
com ela a institucionalização do poder que não mais depende do dirigente
virtuoso33. Nesse sentido, de concessão do povo, é que a vontade do Príncipe
tem força de lei34. Basta lembrar, com relação à preocupação com a esfera
social, destinada em última instância a dar a cada um o que lhe é de direito, a
par do interdictum da liberdade, vários outros institutos jurídicos de dimensão
social de proteção às pessoas, como a postulatio suppleti tutores, para
proteger o impúbere; a actio popularis (Lex Plaetoria) para a proteção do
menor; a Lex Hortilia, para proteção do prisioneiro de guerra ausente; a ratio
communis pietatis, referente a solenidades (pietas); o instituto do vindex
libertatis (pro libertate agere35) referente ao interdictum da liberdade; a
inviolabilidade do domicílio: memo de domo suo extrahi debet, etc 36.
Isso mostra que a consciência jurídica romana avançou de modo incomum na
regulação do direito, ao fazê-lo pela outorga da actio, sem contudo deixar de
regular negativamente e positivamente, proibindo e ordenando, quando se
tratava de questão de interesse público, mesmo em situação de direito privado
como na posse, através dos interdicta e dos decreta.
Os interdicta têm uma presença importante no direito romano, como
complementação das actiones da lei, naquilo que não era por ela regulado,
mas que necessitava da intervenção da autoridade por força da ordem pública.
Sua função era negativa: "interdicere est denunciare et prohibere".37

Cuidavam de proteger a res divina e a res humana. Esta, tanto no setor da res
publica como no da res privata38. Na res privata, contudo, é que se desenvolve
uma das mais significativas experiências jurídicas romanas, tendo como
conteúdo a liberdade.

Em primeiro lugar, tem-se os interdicta possessionis que se relacionam com um


dos direitos mais importantes em Roma, a propriedade, pois que se protegia a
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 19/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

posse em vista da defesa da propriedade e esta constituía um dos elementos


exteriores pelos quais se exercia a liberdade, justamente com a livre
locomoção.
Os interdicta surgem, portanto, com relação a um valor central na cultural
romana, sem o qual não se poderia destacar e desenvolver automamente o
direito, com relação às demais dimensões normativas da religião, do costume
social e da moral, por exemplo. Esse valor inestimável é a liberdade (libertas
inaestimabiles res est)39 e deve preponderar em todas as decisões: Quotiens
dubia interpretatio libertatis est, secundum libertatem respondedum erit40.

Não só, portanto, se procura proteger a liberdade em um de seus momentos


de exteriorização, a propriedade, através do momento de exteriorização desta,
a posse, mas se cogita de instituir o procedimento mais importante criado no
direito pretoriano, o interdictum de homine libero exhibendi, a origem de um
dos institutos essenciais do direito contemporâneo, o habeas corpus41,
verdadeira actio com rito sumaríssimo e com legitimatio ad causam difusa ou
universal, pois qualquer cidadão podia impetrá-la, sem prejuízo da função
pública de impetração da proteção do bem jurídico de interesse público para o
romano, dentre os quais estava a liberdade42.
O passo seguinte da história é revelar a divisão interna que está, em si, nessa
universalidade, ainda imediata, ou seja, a divisão entre o jurídico e o político, o
poder e a liberdade: a liberdade como autonomia privada e a liberdade como
autonomia pública. Falta atribuir ao cidadão o momento formal e instrumental
do processo do direito, o poder político, o que só ocorrerá com a Revolução
Francesa.

4 - As Categorias Jurídicas
Qualquer ordem jurídica positiva surge da operação pela qual dentre os
inumeráveis fatos sociais se distinguem alguns43 e se separam outros para lhes
atribuir uma sanção eficaz, diz Gèny, direitos subjetivos ou deveres jurídicos
segundo a relevância ditada pela valoração prudencial. Os romanos souberam
como nenhum outro povo fazê-lo, através da ordenação sistemática de
categorias formais, com que se estabeleceram as instituições jurídicas na
disciplina do caos social e depois através das categorias reais44. Categorias
formais ou simbólicas e categorias reais que substituem os símbolos por
definições científicas, ou seja, em vez de imagens, conceitos.

a) As Categorias Originais ou de Existência: Coisa e Pessoa


A experiência da consciência jurídica começa com a divisão ontologicamente
radical entre pessoa e coisa, de modo bem lúcido posto por Gaio: omne autem
ius quod utimur, vel ad personas pertinet, vel ad res, vel ad actiones45. O
direito se exerce sobre uma coisa determinada ou sobre uma conduta de uma
pessoa determinada. Esse é o mundo objetivo do direito. Por sua vez, o sujeito
de direito, a pessoa, é o que está munido do instrumento necessário à
satisfação desse direito de modo irresistível: a actio. O que está no fundo
dessa técnica distinção é antes de tudo a idificação de todo o existente em
coisas e pessoas. Essa distinção, contudo, é feita em função do direito. Res são
todas as coisas ou todo objeto "do mundo exterior sobre o qual podem
recair direitos"46. Pessoa, como a coisa, é assim também definida em razão
do direito. As coisas sobre as quais não se recaem direitos se relacionam às
pessoas, mas como o que se põe diante delas tomadas como pessoas. São
coisas que se relacionam de qualquer forma com o direito, no caso
negativamente, mas como coisas de modo geral.

a 1) O ius ad rem

A consciência da coisa externa como outro que não ela, do ponto de vista da
praxis, avança dessa posição inicial ontológica para o fazer e o agir, na medida
em que a coisa é usada. O uso da coisa é o início do caminho da descoberta da
consciência de si, como livre, isto é, como pessoa, pois o uso da coisa, embora
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 20/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

interiorize algo dessa coisa na consciência, não é ainda plena superação da


exterioridade da coisa para que a consciência retorne em si e totalmente para
si como puro interior ou liberdade. O exterior é suprimido mais uma vez de
modo a dirigir-se a consciência mais para o seu interior, quando a consciência
frui a coisa. A fruição é um passo mais aprofundado para o interior do que o
uso, pois é em primeiro lugar o consumo dos frutos da coisa, ou seja, do em
que se torna a coisa. Entretanto, a fruição como consumo do fruto não
interioriza totalmente a coisa, pois não a faz desaparecer, é tal como ocorre no
uso em que a coisa é sempre a mesma. É, contudo, mais do que o uso, que
parte da coisa, sem que a coisa diminua; é consumida ou interiorizada na
exterioridade do corpo em que está presente a consciência. O passo seguinte é
o consumo da própria coisa pelo qual desaparece a coisa pela sua total
interiorização na consciência. Isso ocorre não só pelo consumo direto e
imediato da coisa, como também no mediato e indireto. Desse modo, o objeto
usado ou fruído, imprestável, não é mais o objeto, a coisa útil ao uso ou à
fruição. No uso, a coisa permanece como tal, como utilizável; no consumo da
coisa, para além do consumo dos frutos, o produto, a coisa já não é ela
mesma, pois que imprestável.

Como é possível a interiorização da coisa de modo a não ser a coisa algo


exterior? Tanto no uso como na fruição, na medida em que a coisa permanece
como tal, utilizável, e não é totalmente consumida, permanece como exterior,
podendo ser utilizável pelo que a fruiu ou usou ou por outro. Na consumação
da coisa é ela interiorizada totalmente no suporte da consciência, no corpo,
mas não no plano da consciência. Permanece com relação à consciência ainda
exterior. A interiorização não se faz ainda completamente. É, porém,
interioridade, porque se dá no corpo próprio da consciência. O corpo é algo
próprio da consciência, interior com relação às coisas, mas exterior com
relação a ela.
A coisa se torna interior à consciência quando essa afirma o seu domínio sobre
ela e diz: é minha. A coisa se interioriza totalmente na consciência como algo
seu, sob seu poder, de forma a excluir toda a exterioridade, pela exclusão de
toda outra consciência, salvo a que afirma ser sua. É a propriedade: a coisa é
afirmada como própria, pertencente ao mundo interior da consciência, numa
relação direta com a consciência e não mais apenas com o corpo que usa e frui
a coisa. Ao afirmar a consciência a interioridade da coisa como própria,
excluindo as outras consciências, a consciência está a um passo do saber de si,
como consciência de si. A coisa não é mais coisa do corpo, consumida pelo
corpo, mas coisa da consciência, interiorizada nela, suprimindo a pura fruição e
relação externa corpórea, para assumir uma relação direta com a consciência,
como coisa própria da consciência, sua, com exclusão de todas as outras
consciências. A relação é totalmente interior entre a coisa e a consciência; é,
pois, não uma relação de fato, mas consciencial. A propriedade tem, assim,
uma relação não fática com a consciência: é direito.

Entretanto, é direito que não se apresenta como pura interioridade, pois ainda
resta a coisa como algo fora da consciência.

De outro lado, ao excluir a propriedade, como direito, todas as outras


consciências, a relação que se trava é, então, a de uma consciência diante de
outra consciência, sem o que não pode haver a propriedade ou a relação da
coisa com a consciência como direito que exclui as outras consciências. Por isso
é impossível a propriedade, a interiorização da coisa como sua, da consciência,
sem as outras consciências. Seria relação puramente fática, como a do
indivíduo isolado numa ilha, que só tem detenção entendida como relação
fática exterior.
Ao pôr-se diante de outra consciência, a consciência mantém como último
momento no caminho da interioridade absoluta, ou seja, como pura
interioridade ou liberdade. Contudo, essa interioridade é totalmente abstrata;
ou seja, a consciência se vê, na relação com as outras consciências,
mediatizada pela coisa, de tal modo que essa relação guarda ainda a
exterioridade das coisas num mundo em que todas as coisas se relacionam
com todas as consciências, ou seja, num mundo em que tudo ou é pessoa ou
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 21/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

coisa. Essas categorias jurídicas são ontologicamente postas como fundamento


de todo o direito. Esse é o momento de conclusão do processo que se iniciou
com o uso da coisa, ou seja, o momento de chegada da consciência jurídica,
pela qual o romano pôs toda realidade dentro de duas categorias: ou é pessoa
que possui, ou é coisa possuída.

a 2) o ius ad personam
Entretanto, a coisa só é propriedade na relação infinita com as outras coisas e
outras consciências, que se opõem como negatividade absoluta à consciência
proprietária. Essa relação infinita de negatividade que exclui as outras
consciências só será completa com a relação negativa com o próprio
proprietário, ou seja, de exclusão com relação a ele mesmo na forma do ius
abutendi. É na alienação da propriedade, enquanto passagem para o outro,
que se confirma a exclusão desse outro, agora pondo-o em relação positiva,
como proprietário ou titular de algum direito sobre a coisa. Trata-se de relação
positiva e ao mesmo tempo negativa para o que aliena, exerce um poder que o
despoja da propriedade; o mesmo ocorre com o adquirente: exerce um poder
de que está excluído. Surge então a circulação da propriedade, o último uso
dela feito, mas que se trava entre o proprietário e o não- proprietário,
particularizados totalmente na pessoa que aliena e na pessoa que adquire.
Essa relação particularizadora do processo aprofunda a interiorização do
direito, pois não é mais a coisa determinada que ocupa o momento principal da
relação, mas a própria consciência ou o outro que surge como devendo uma
prestação de dare, facere ou non facere, mediatizada pela coisa. A coisa,
porém, é indeterminada, e ainda permanece na relação dando-lhe uma
cunhagem patrimonial. De qualquer modo, há uma interiorização aprofundada
na relação, pois essa se dá entre as consciências, o sujeito de direito e o
sujeito de dever jurídico, ambos determinados na particularidade da relação
jurídica do direito pessoal. A relação é, portanto, consciência - consciência,
mas particularizada como relação entre titular do direito e portador do dever,
ambos determinados na mediação efetivada pela coisa indeterminada47.

O momento seguinte é o da interiorização mais profunda pela qual, estando as


consciências diante de si umas das outras, a mediação se dá não mais com a
exterioridade das coisas, mas com a interioridade das pessoas. No primeiro
caso, da propriedade, as outras consciências são postas como exteriores numa
relação puramente negativa, de exclusão. Agora são postas numa relação de
interiorização com a consciência. Aqui há um refluxo pelo qual a consciência,
através da mediação de outras consciências, se reflui absolutamente em si e
descobre algo que lhe é totalmente próprio e totalmente interior, a liberdade. A
liberdade experimenta-a a consciência como liberdade puramente interior, de
pensamento, de intenção, tal como a liberdade estóica, em que todos são
iguais, e se revela como um quero puro da consciência, o habitat próprio do
direito: a vontade livre.

A vontade livre, contudo, só é livre na relação com outra vontade livre, já


interiorizada a coisidade do mundo externo, a qual a reconhece, pois ninguém
é livre diante de algo que também não é livre. Daí a necessidade da limitação
da liberdade pela própria liberdade no outro: a norma jurídica. Surge, assim, a
liberdade na disciplina da liberdade, ou seja, a liberdade como direito subjetivo
e a liberdade como objetivada na norma jurídica: ius no sentido subjetivo e
lex.
De outro lado, essa liberdade de pensamento interior se defronta com a
liberdade novamente relacionada com o mundo em que estão as coisas e as
outras pessoas. Eis porque a liberdade puramente interna não satisfaz a
consciência, que exige a passagem para um momento jurídico, em que essa
liberdade se realiza também externamente e não permanece como liberdade
enclausurada, que não é liberdade efetiva, mas momento abstrato da
liberdade.
A consciência jurídica romana dá mais um passo para tornar possível a
plenitude da pessoa, garantindo-se a liberdade de movimento físico espacial,
sem o que a liberdade de consciência, enquanto puramente interior, seria
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 22/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

abstrata e inefetiva. A consciência jurídica romana inaugura a pessoa na sua


plenitude ao garantir-lhe a liberdade de ir e vir, criando o interdictum de
homine libero exhibendi. É nessa ação que se encontra a plenitude da
personalidade desenvolvida pela consciência jurídica romana, porque por ela o
corpo próprio da consciência e a consciência se tornam uma unidade
indissolúvel, pelo direito não mais sobre uma coisa, mas sobre o corpo próprio,
na sua mais genuína essência, o ir e vir. Pelo direito de ir e vir, de a consciência
deslocar-se num corpo próprio e formar com ele a unidade da pessoa, o direito
realiza um dos seus passos mais profundos, o do sujeito de direito.
A consciência jurídica romana caracteriza-se, assim, por um processo que
tramita do saber imediato do direito até a sua compreensão como liberdade,
primeiro na objetivação da propriedade externa e finalmente na liberdade
como disposição do corpo próprio, garantida por uma actio. Isso se observa no
seu primeiro passo, do mero saber imediato: a) a separação do direito com
relação às demais ordens normativas, pela descoberta dessa distinção, depois
pela determinação da forma diversa do direito e sua criação distanciando
definitivamente o ius do fas (Ihering); b) a separação entre pessoa e coisa,
sujeito e objeto do direito; c) a separação formal dentro do próprio direito: ius
ad rem, ad personam, ad actiones. No segundo passo, o da compreensão, a
propriedade surge como um elemento central que conduz ao fundamento e fim
do direito, a liberdade, o que prepara um novo momento da consciência
jurídica, o da liberdade da própria pessoa pela distinção clara dos elementos
essenciais da propriedade em seu trato jurídico e no plano teórico (ius utendi,
ius fruendi, ius ab utendi – neste o consumo, a alienação, a garantia), e pela
concepção inequívoca da liberdade da propriedade, tanto do ponto de vista do
sujeito como do objeto, como ausência de gravame e de interferência de outra
vontade.
Nenhum direito se concebe pelo romano sem a sua força ou proteção, a actio,
concebida como direito a par dos outros e que a estes garante existência. Daí,
ser das mais importantes criações romanas48.
b ) As Categorias Fundamentais ou de Essência do Direito

Nesse habitat do direito, que é a jurística romana, na sua atividade prática e


nas suas soluções teóricas, estão as categorias fundamentais do direito, quer
se trate das que atinem à justiça formal, na estrutura da aplicação, quer a
referente à justiça material por força da fenda no conteúdo da norma jurídica,
aberta pela hermenêutica, quer à própria teoria do direito, como ciência
dogmática material.
É dessa nova concepção de justiça que se extraem as categorias fundamentais
da Ciência Jurídica, tais como: a bilateralidade pela qual se dá a
exigibilidade, a irresistibilidade, a universalidade abstrata e validade formal,
bem como a objetividade empírica da norma jurídica, revelada esta
objetividade no distanciamento entre aplicação e elaboração.
"O Direito coloca face a face, pelo menos, dois sujeitos; e a ambos fornece a
norma de conduta, no sentido de que aquilo que é possível para uma parte não
pode ser impedida pela outra"49. Obrigação e faculdade, imposição e
pretensão formam uma unidade determinativa do direito e esta bilateralidade
passa a ser "a pedra angular do edifício jurídico". O direito refere-se ao outro
(alteridade de Santo Tomás, citado por Del Vecchio)50; não, porém, a um outro
passivo, senão armado de uma faculdade que se torna invencível.

Assim, a bilateralidade do direito pela atribuição de um direito e imposição do


dever torna evidente a categoria da exigibilidade do dever, correlato da
faculdade do sujeito de direito, posta pela norma universalmente válida do
direito, e faz possível a realização concreta da justiça nos seus momentos
essenciais, ou seja, da universalidade abstrata da norma, legal ou costumeira,
que outorga o direito subjetivo e impõe o dever jurídico, manifestada na
particularidade dos interesses conflitivos, através dos quais o sujeito singular
de direito realiza a universalidade concreta da idéia de justiça. Desse modo, a
universalidade abstrata da lei e a particularidade também abstrata do conflito
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 23/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

de interesses fazem nascer a universalidade concreta do sujeito de direito e


realiza, a um só tempo, como indivíduo particular e como sujeito universal, a
singularidade universal da sociedade, isto é, o sujeito universal de direito.
Essa bilateralidade já aparece em Petrazyscki como bilateralidade da norma,
por ser imperativo-atributiva. Em Del Vecchio é bilateralidade no efeito da
norma, entre pretensão e obrigação, que por sua vez leva à bilateralidade dos
sujeitos, de que fala García Maynez51, na polaridade do direito subjetivo do
sujeito ativo e do dever jurídico do sujeito passivo. Aqui considera-se a
bilateralidade como categoria do direito e portanto da totalidade do seu
processo, na universalidade abstrata da norma, na particularidade dos seus
efeitos nas pessoas particulares, como direito subjetivo e dever jurídico e na
singularidade da efetivação desses direitos, no sujeito de direito e sujeito de
dever, através da unidade oferecida pela actio.
Dois passos, porém, devem ser alcançados a partir da concepção de
bilateralidade de Del Vecchio. Em primeiro lugar, não se pode restringir a
bilateralidade ao esquema técnico-jurídico de sujeito ativo e sujeito passivo da
relação jurídica. A relação jurídica não deve ser entendida no seu momento
abstrato e particular, do confronto de duas partes em que uma tem dever e a
outra o direito, mas além dessa relação do entendimento, no movimento
dialético da razão pelo que o sujeito de direito se manifesta como o universal
concreto e no qual se dá tanto o direito subjetivo, como o dever jurídico, pois
só é sujeito de direito diante do outro, se é também portador do dever jurídico
diante desse outro.
Em segundo lugar, essa bilateralidade não se compreende sem as demais
categorias, principalmente a da irresistibilidade do direito. Só é possível nela
pensar se se fizer ingressar nessa dinâmica lógica do direito o conceito de
actio, como caracterizadora da força universal e irresistível do direito, e, ainda,
se se leva em consideração a exigibilidade que fundamenta essa actio, por
decorrência da universal tributividade do bem jurídico. A actio caracteriza a
irresistibilidade do direito como elemento realizador da sua universalidade
formal, já que no sujeito da ação está o todo social organizado, do mesmo
modo que a exigibilidade decorrente da tribuição do bem jurídico caracteriza a
universalidade material do direito; ambas essas dimensões têm como
expressão de síntese o sujeito universal de direito.
Essa universalidade de que fala Del Vecchio não é ainda uma categoria
especificamente jurídica; refere-se não ao direito propriamente, mas à moral.
Embora Del Vecchio a todo momento fale em direito, trata-se de uma posição
metafísica, válida, mas eminentemente moral, do direito natural na sua
tradição cristã-kantiana. Foge do formalismo kantiano, em que os imperativos
não têm conteúdo, e ingressa numa ética material, de origem, pode-se dizer
sem receio de erro, tomista. Já em Kant vê-se essa necessidade de sair do
formalismo dos imperativos, ao ser a pessoa colocada como fim em si mesmo.
Fim porque é livre. A liberdade é para Kant autonomia, e pode perfeitamente
exercer uma função formal, processual-instrumental. Entretanto, para superar
essa pura instrumentalidade da autonomia, está o conceito metafísico por
excelência de homem numênico, puramente inteligível. Kant, porém, pára aí.
Não adentra nesse sujeito substancial. Del Vecchio quer encontrar esse valor
substancial da pessoa. A moral é posta como o lado subjetivo do ético52 e o
direito como o lado objetivo na medida em que a lei ética gera no indivíduo o
dever e funda igualmente o direito, faculdade de cada um fazê-lo valer como
tal ante todos. Valer como tal, isto é, operar, como autônomo, livre, não-
determinado por algo, nem por alguém.

Del Vecchio não alcança o conceito de consciência jurídica, pois não chega à
concepção de que é o direito que realiza a totalidade ética, porque é o direito
que realiza a universalidade concreta na dialética da norma abstrata e do
direito subjetivo, no sujeito de direito. Desloca, porém, no plano da consciência
jurídica, a consciência moral universal kantiana para pôr o campo intermediário
do direito e da moral, o do chamado direito natural, utilizando o conceito
kantiano de pessoa, como fim em si mesmo, na forma de um sujeito
universal53, o indivíduo que age como se nele se concentrasse toda a
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 24/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

humanidade segundo o modelo do imperativo categórico, isto é, o sujeito age


"como se nele operasse toda a humanidade"54, como princípio absoluto,
autônomo55, não como parte da natureza56. Essa concepção metafísica de Del
Vecchio, a de pessoa fundante de um direito natural gera uma conseqüência de
direito natural, no mesmo esquema da universalidade do imperativo categórico
de Kant, mas de nenhum modo uma consciência jurídica, levando-se em conta
o direito positivo. Permanece na concepção dos pré-revolucionários, que
concebiam os valores como direitos naturais opostos ao positivo do ancien
regime, sem perceberem que não se tratava de direitos naturais, mas de
categorização da consciência jurídica imposta a esses valores, ou seja, de
universalização desses valores nas categorias estruturais da consciência
jurídica.

Na verdade, os pré-revolucionários estavam avançados; o direito natural não


era cristalizado em conceito justificador do direito positivo. Já exerciam a
consciência jurídica ao tê-los como força atuante no sentido de se tornarem
direito positivo, o que se fez na declaração de 1789. Em Del Vecchio, por ser
teórico-abstrata sua posição, não tem o direito natural a ação dialética interna
pela qual se positiviza; apenas dá fundamento ao direito positivo, que deve a
ele conformar-se, na velha tradição do direito natural.

A posição de Del Vecchio é metafísica substancialista, a dos revolucionários,


ontológica dialética. Além disso, seu proceder é ainda o abstrato do
entendimento divisor, que separa, a consciência; separa, no jurídico, a forma
do conteúdo.

Ora, o jurídico não é um conteúdo da consciência, mas a sua própria natureza.


A consciência tem natureza jurídica. O jurídico é-lhe interior, não exterior, à
guisa de conteúdo que preenche a consciência como seu objeto. A natureza
jurídica da consciência revela-se pela universalidade, exigibilidade e demais
categorias em que o jurídico e, portanto, a consciência jurídica, se desdobra.

Del Vecchio tem o grande mérito de pôr a matéria à reflexão, embora no plano
moral subjetivo, segundo o modelo dos teóricos pré-revolucionários, não mais
na sua imediatidade não-refletida.
É, portanto, necessário ultrapassar o kantianismo e tomismo delvecchiano, não
no sentido de desprezá-los, mas de ir adiante e inseri-los na dialética da
realidade ética do direito positivo, modo pelo qual o direito, a par de sua
idealidade transcendental (Kant) e metafísica (Santo Tomás), se movimenta na
realidade objetiva da substância ética, na qual os valores são gerados e se dão
como conteúdo da consciência jurídica. É nesse elemento que se desenvolve a
consciência jurídica, que na metafísica tem como substância esse sujeito
universal da síntese kantiano-tomista, mas que na esfera do direito é o sujeito
universal de direito.

A par da categoria da bilateralidade desenvolvida por Del Vecchio está a da


exigibilidade, pela qual, segundo Radbruch, o direito se distingue da moral.
Esta impõe simples dever (Pflicht), ao passo que o direito cria a dívida
(Schuldigkeit), pois aqueles, perante os quais se tem um dever, podem exigi-
lo57. A moral só conhece deveres, não pretensões exigíveis (Ansprüche). No
âmbito do direito, o dever de um só existe por força do direito do outro. É a
partir do conceito de direito (Recitsbegriff) e não de dever (pflichtbegriff) que
se instala o pensamento jurídico58.
A exigibilidade do direito não pode ser entendida separadamente das outras
categorias como a da bilateralidade. São momentos de um todo. É, contudo, a
exigibilidade que caracteriza a nova concepção de justiça, trazida pela jurística
romana, pela qual o sujeito de direito não é mais o destinatário passivo do
sujeito ativo e unilateral do dever moral, ou do ato fundado na mera
consciência moral subjetiva do agente moral, dependendo de sua decisão, nem
mais posto como objeto de realização do sentimento de uma certa caridade ou
piedade humilhantes, mas o detentor da actio que dele faz sujeito universal,
portador de um direito que define ou determina o dever (antes moral) como
seu conteúdo e redime-o da relação de sentimento (não dever) da caridade.
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 25/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

A irrestibilidade é a impossibilidade, pela qual nenhum outro poder poderá


levar de vencida a decisão jurídica posta como definitiva. Não se trata apenas
do uso da força, mas do limite da auctoritas, pela qual dentro do sistema da
norma ou na ordem social e jurídica posta e aceita universalmente não há
como contraditar o direito racionalmente, isto é, pôr outro fundamento da ação
ou decisão, que o suplante. A irresistibilidade, por sua vez, faz com que o
dever jurídico não possa não ser cumprido e completa o sentido da
exigibilidade instaurada na outorga do direito do sujeito, de modo que o
cumprimento do dever não só não depende da espontaneidade unilateral do
sujeito do dever, na qualidade de sujeito passivo, mas faz do direito do sujeito
uma força aparelhada.
A irresistibilidade integra a estrutura categorial da Consciência Jurídica e
decorre da universalidade representativa da auctoritas e da validade
universal abstrata da norma jurídica, escrita ou não, pela qual a norma
jurídica é posta por todos, ou representa a vontade universal quanto a sua
origem e se destina a todos, enquanto commune praeceptum.
A irresistibilidade implica, portanto, não só a força coativa, mas a
fundamentação ulterior de qualquer decisão ou ação da autoridade como de
toda sociedade, portanto com mérito de sua força e de sua vontade. Assim, a
norma jurídica como o direito subjetivo realizam essa irresistibilidade, que se
manifesta claramente na decisão jurídica definitiva como a declaração de
inconstitucionalidade de uma lei, de nulidade de um ato, que não precisam da
força para colocarem-se como invencíveis. Não se trata, pois, de
irresistibilidade com relação à força estranha ao direito ou à sociedade
organizada juridicamente, mas interna à sociedade enquanto organizada na
ordem jurídica que a informa. Desse modo, a actio é força irresistível do direito
tanto por ser garantida pela força aparelhada, como por ser o seu resultado,
que é a realização do direito submetido ao conflito, autoridade ou validade
insuperável ou absoluta, definitiva, cuja fundamentação está no próprio direito
e só é dada pelo direito. Não há outra instituição senão o próprio direito que
possa desfazer as conseqüências do direito. Só o direito estabelece como ele
gera e como desfaz uma conseqüência, e por justificação jurídica; o direito não
aceita outra justificação.
A irresistibilidade põe-se como condição transcendental de existência de um
direito, enquanto entendido como ordenação racional da vida social, não se
confundindo com a empírica manifestação da força da coação, que pode atuar
ou não, que pode atender ao direito ou mesmo dele se desviar ou contra ele
atuar. Essa condição transcendental de decidibilidade ou de possibilidade de
uma solução de um eventual conflito tem como elemento essencial a
racionalidade do direito, que se caracteriza pela necessária fundamentação, um
dar razão de em qualquer circunstância, em que haja de a consciência jurídica
decidir, quer para elaborar, quer para aplicar o direito, espontânea ou
aparelhadamente.

No direito, como em qualquer outra realidade, o começo é sempre o universal,


pois que o começo é o pensar e sua estrutura voltados para a realidade
pensada. Descartes pôs claramente esse modus filosófico: partir do pensar e,
com base nisso, partir sempre do universal.
No direito, a universalidade, atualizada, mostra-se na dimensão formal e
material. Na dimensão formal, essa universalidade desdobra-se em categorias
que se especificam pelo modo como se vêem nas suas manifestações próprias,
na essência do fenômeno jurídico enquanto regula relações bi-personais ou
multi-personais. O direito, como trato técnico ou científico do fenômeno das
relações sociais normatizáveis por ele, portanto considerado na particularidade
dessas relações, é caracterizado como bilateral, em primeiro lugar, isto é, a
universalidade jurídica formal e abstrata aparece na bilateralidade da relação
de pessoas, portanto, particularizada, do que decorre que essa bilateralidade,
expressão da universalidade no momento da particularidade das relações entre
pessoas, faz surgir a exigibilidade do bem tribuível, isto é, a bilateralidade,
decorrente da universalidade formal, surge no fenômeno ao lado da
exigibilidade do bem, característica decorrente da universalidade material,
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 26/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

cujos movimentos resultam na irresistibilidade do direito como característica


dialeticamente posta pela bilateralidade e pela exigibilidade. O direito é
irresistível, com pretensão de validade absoluta (Stammler), por força dessa
movimentação dialética da universalidade abstrata diante da particularidade da
relação social, de que resulta a bilateralidade, e da universalidade material ou
axiológica que, diante da particularidade da relação social, se mostra como
exigibilidade. Dessa superação dialética entre o universal bilateral e exigível e a
particularidade da relação social é que surge o direito como ordenação
irresistível. Note-se que a universalidade abstrata (e as características daí
decorrentes), a bilateralidade são referentes ao direito norma, ao passo que a
universalidade material e a exigibilidade são referentes ao direito subjetivo;
ambos suportam a irrestibilidade como característica da ordenação jurídica:
como norma e como bem por ela tutelado ou direito subjetivo.
5- A Idealidade do Direito ou a Processualidade da Justitia

A consciência jurídica ou consciência do justo como valor universal


propriamente jurídico experimenta a sua processualidade histórica e revelação
conceptual no movimento ímpar da jurística romana, seu lugar de nascimento.
A justiça, aí, aparece como idéia ou processualidade histórica do direito. Não
procedimentalidade formal, sem conteúdo, o qual é a cultura no seu momento
ético. Por isso é necessário distinguir entre processualidade, que é o
desenvolvimento do real, e procedimentalidade, pura instrumentação
operacional, portanto formal, da relação de meio a fim.
Também é de distinguir-se entre idéia abstrata e processualidade ideal do
concreto, cuja expressão acabada está na idéia como projeto em Kant
(momento abstrato) e como realização desse projeto ideal.

Trata-se, pois, da figuração da substância ética que, em meio à sua


positividade histórica e a determinações empíricas, faz aparecer uma
consciência capaz de encontrar na aparência de uma rapsódia cega dos
conflitos humanos, o fio luminoso e diretor da essência racional, que no direito
se manifesta nas categorias fundamentais, efetivadas na universalidade do
sujeito de direito, a transcender o momento empírico da relação jurídica, como
singularidade ou universalidade efetivada do direito.
Trata-se, ainda, de captar na experiência jurídica romana uma consciência
jurídica formal que dê a juridicidade do valor tribuível, ou seja, como o
momento da singularidade do processo jurídico efetivado no sujeito de direito
portador da actio. Não uma consciência jurídica abstratamente tomada, mas
considerada na sua especificidade, da qual decorre a juridicidade do valor
considerado. Por isso é categoria subjetiva, não fechada na interioridade moral,
porém, referida a um sujeito que não atua segundo a sua individualidade
particular, mas como consciência universal, de um nós social, que encontra a
efetividade do direito na particularidade da relação dos indivíduos, na medida
em que a universalidade abstrata da norma nela se realiza, ou seja, na medida
em que a particularidade do interesse do indivíduo se reconhece como direito
exigível, por força da atualização da norma jurídica no fato concreto.
No processo da aplicação, essa consciência formalmente jurídica, caracterizada
pelas categorias fundamentais do direito, mostra-se com toda sua
especificidade como consciência que não se revela interiormente na
individualidade particular do aplicador, mas se remete para a exterioridade do
outro e se afirma como consciência de um terceiro neutro a efetivar a
singularidade ou universalidade concreta da universalidade abstrata da lei.
Por ela, a universalidade abstrata da lei e a particularidade abstrata dos
interesses individuais realizam a universalidade concreta do direito subjetivo no
sujeito de direito universal, no qual a sociedade aparece como universalidade
concreta.
Se a procedimentalidade constitui um momento formal necessário de
construção do direito, como regras seguras do consenso no plano político, a

https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 27/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

processualidade do real, com conteúdo ético, é o fim dessa


procedimentalidade.
A procedimentalidade na elaboração pelo consenso e na aplicação pela
estrutura do processo caracteriza a justiça formal. Não produz de si mesma o
conteúdo axiológico que só o processo da cultura pode gerar e que constitui o
elemento material da justiça. A justiça formal por sua vez é momento
ininteligível sem a justiça material. São momentos que encontram sua forma
de expressar acabada na lei.
No Direito Romano elaboram-se os dois elementos de exteriorização racional
do direito ou da justiça: a lex ou direito posto pela autoridade ou, em primeiro
lugar, no sentido dado por Gaio, quod populus iubet atque constituit59, e o jus
ou direito que vai sendo elaborado racionalmente pelo jurista. A lex é a forma
de expressão do jus60, e o jus é forma de expressão da recta ratio ou da razão
jurídica, da justitia. A consciência da justiça surge não como virtude moral a
ser cumprida pelo sujeito do dever moral, mas como bem reconhecido
universalmente ao sujeito de direito e por ele exigível universalmente. Isto é:
ato de posição de algo com pretensão de permanência, de estabilidade
(estatuto), mas como norma, padrão de conduta, por isso derivado da
assembléia popular. Diferente, pois, de atos de execução imediata, como
eleições, julgamentos e atos administrativos. A lex, portanto, procede da
voluntas e tem o sentido da permanência. É ato de posição (existência) e de
escolha ou ponderação (essência)61.

Entretanto, esse ato de posição de modelo de conduta na existência pela


vontade não é suficiente para constituir direito por si mesmo. Além da voluntas
está no interior ou no conteúdo da lex a ratio, como medida universal da
conduta e por isso da própria lei. A lei tem de ter razão de ser, e tem de ter
como medida a razão. É a razão que legitima como justa a lei. A lei é a
expressão mais alta e completa do direito no momento da universalidade
imediata, ou seja, é a razão posta como medida do justo, ou direito, ao passo
que o ius é produto da ratio: A lex é o ius positum; o ius é também a facultas,
o direito subjetivo, entendido como o bem jurídico como tal valorado pela
prudência jurídica, a recta ratio, atribuído à pessoa, ao sujeito de direito. O
direito subjetivo não é apenas a facultas agendi ou exigendi, se considerada
como pura subjetividade, formal; exige um conteúdo objetivo, o bem jurídico
com relação ao qual se exerce a facultas, que também, em si mesma
considerada, é um bem. A recta ratio é bivalente: é boa enquanto reta, pura,
capaz de definir a conduta boa e é reta no sentido de ser capaz de encontrar o
bem na realidade, de dirigir-se a ele, de valorar o real.
O direito subjetivo é, destarte, uma categoria que permite pensar a
universalidade abstrata da norma ou direito objetivo, bem como a
particularidade do sujeito empírico, na singularidade ou universalidade
concreta do sujeito de direito universal, no momento de uma consciência que
sabe dessa singularidade jurídica, em que se processa a dialética do direito e
do dever, segundo a qual só é alguém sujeito de direito na medida em que é
também sujeito de dever jurídico.

A expressão recta ratio significa uma razão diretiva, regulativa ou razão


prática. É a razão determinadora da vontade e, por isso, fundamento de um
querer justificado como querer universal ou de todos. O bem é ao mesmo
tempo objetivo, está na realidade, mas é resultante da valoração da recta
ratio. E por ser universal não é suficiente para caracterizar esse querer
universal o sic volo, sic jubeo, que confere o momento de existência, validade
formal à lex, como querer da autoridade, portanto universal formal, mas é
necessário que se justifique esse querer pela medida da ratio, que tem, como
conteúdo a medir, um bem jurídico (isto é, tribuível universalmente). A
voluntas não dá o conteúdo da lex; este é um ius, segundo o qual a ratio
ordena a voluntas.

"O caráter universal da lei vem precisamente da sua racionalidade"62 . O


caráter universal do direito, portanto, com a mesma exigência vem da ratio
nele contida, tanto formal, de conexão, como de conteúdo, de ponderação do
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 28/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

bem jurídico e sua tribuição. A vontade dá uma justiça formal. Se livre, passa a
ter conteúdo para o romano. Sem a vontade livre não há direito para o
romano, repita-se. O conteúdo, por exemplo, é justo, se livre; a-justa as
vontades das partes, põe-nas juntas, junge-as, etc. É, porém, a ratio que diz
do conteúdo, se o que se atribui o foi livremente, ou se não houve uma laesio
enormis. O direito é, então, exigência de realização do maximum axiológico e
ético da cultura63 .

Ratio legis é o fundamento jurídico da lex; é o ius que dá fundamento à


disposição de lex. Ius neste caso é o bem jurídico que se põe como finalidade e
proteção da lex, a sua razão de ser. Por sua vez, o ius tem também o seu
fundamento, tem de justificar-se como bem jurídico ou valor jurídico. Ora, a
valoração de algo como bem jurídico é dada pela recta ratio. A ratio iuris é a
recta ratio. Ratio iuris é a ratio em si mesma como fundamento do ius, isto é, a
recta ratio. E a recta ratio como fundamento do ius é a iustitia.

Justificado como bem jurídico, o ius tem de ser universalmente tribuído, como
possibilidade de todos. Essa concepção é o resultado de uma evolução do
direito, a tribuição universal formal como possibilidade e, depois, como
realidade. Antes a atribuição se faz segundo o valor tenha sido tribuído pela lex
a esta ou aquela pessoa. O seu direito é posterior à lex que o tribui para que
seja dado, atribuído na aplicação.
No Direito Romano elaboram-se os dois elementos de exteriorização racional
do direito ou da justiça: a lex ou direito posto pela autoridade, e o jus ou
direito elaborado pelo jurista. A consciência da justiça surge não como virtude
moral ou dever moral, mas como bem reconhecido universalmente ao
sujeito de direito e por ele exigível universalmente.
A distinção entre direito e moral está na natureza própria do espírito do povo
romano, pois que aparece desde o início. Ihering no Espírito do Direito
Romano, afirma essa estrutura do pensar jurídico romano, pela qual
abstraíam de tudo que não fosse jurídico nas relações consideradas (dass sie
von allen Nicht-juristischen in den Verhältnissen abstrahirt)64.
Essa distinção, embora não tematizada, aparece não apenas na realidade do
trato do direito, na experiência jurídica imediata, como também na consciência
jurídica erudita, na forma dos princípios teóricos dos responsa prudentium,
sintetizados na sentença de Paulo: Non omnes quod licitum honestum est 65.

A Lei das Doze Tábuas é um exemplo de que desde o início da sua formação o
romano desenvolvera a técnica de separar o direito da moral.
O direito, tomado na sua manifestação imediata, não é percebido como
universal. Entretanto, qualquer ato humano, ético ou não, já está impregnado
de universalidade, pois que é razão prática, a menos que se manifeste como
instinto.
Um ato é já sempre universal em si e para um outro; embora incorretamente
ou sem o saber dessa universalidade é já universal, pois que ato, isto é,
vontade produtora de efeitos no mundo externo ou capaz de produzi-los, e por
isso, razão prática.
Essa universalização em si tem de passar pela consciência da sua
particularidade, ou seja, o saber da sua particularidade como ato que traduz
uma vantagem para quem o pratica e um efeito para um outro, vantagem ou
desvantagem, ou resultado neutro, para chegar a uma universalidade pela qual
os atos se consolidam como estrutura universal de uma sociedade, como
normas de ordenação: é o costume. Nele o universal como norma é abstrato
(padrão) e se realiza como universal concreto no ato de cada um que com ele
se conforma. O saber desse costume é, pois, abstrato e imediato, enquanto
norma abstrata ordenadora das condutas.
As condutas surgem como boas se são segundo o costume e os bens atribuídos
pelas normas do costume o são espontaneamente, portanto, imediatamente,
É
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 29/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

sem a reflexão da razão. É a razão que cria o costume e ordena a sociedade,


mas imediatamente, não por reflexão.
A razão, porém, pondera sobre as condutas e seus conteúdos. Ora, o conteúdo
das condutas é sempre ordenado a um bem, que em primeiro lugar o é para
quem pratica a conduta. O que faz a razão é universalizar esse bem, é testar
se pode ser atribuído também a um outro ou a todos os outros. Nesse ponto,
entra o justo jurídico para si, não mais em si no justo social da criação
espontânea do costume, mas o justo efetivo, construído pela razão, portanto
noético. Este é o justo da lei.
A lei é a universalização do bem que o costume tribui espontaneamente,
segundo a exterioridade do sistema das necessidades, portanto das
determinações externas (força, etc.) da ordenação da sociedade. Entretanto,
essa universalização do bem não se dá antes que a universalização para si, no
conceito, da norma costumeira. Em primeiro lugar, a lei aparece como
universalização, na forma da consciência jurídica universal ou da consciência
da ordenação social sob norma de tribuição de bens, ainda que esses bens não
sejam distribuídos segundo a justiça refletida da lei. É no momento reflexivo do
direito, expresso na universalidade da lei que se dá a unidade de um povo e se
torna possível a organização política, como superior a uma mera associação
instintiva, portanto, de seres que se organizam e se ordenam racionalmente,
reflexivamente.
Entretanto, a universalização da lei é uma universalização abstrata, ainda
penetrada da exterioridade da espontaneidade do costume e das
determinações das relações sociais cegas, que não sabem dessa
universalização. Aí o importante é a segurança jurídica da lei.
Num outro momento é que a lei reflete sobre o justo, não como pura tribuição
espontânea do bem ou de bens, mas como distribuição desses bens ou
universalização concreta dos bens ou do bem. Com efeito, o bem só é universal
no processo de tribuição, pois o bem é sempre individual ou particular. Quando
a razão reflete e universaliza esse bem como tribuível a todos, ou ao outro
também, é que esse bem se torna universal, e, ao tornar-se universal, torna-se
valor objetivo. Ora, a prática, a atividade que tem em mira a realização desse
bem universal, portanto, comum, a todos tribuível, por isso igualmente, é o
direito como ars boni et aequi66. Ars, contudo, não apenas como atividade
qualquer, mas técnica e conhecimento teórico, portanto ciência.

A consciência jurídica é, assim, em primeiro lugar construtora pela reflexão, ou


reguladora de valores enquanto universaliza bens, já dados na experiência
como particulares.
Desse modo, a liberdade é um bem já fruído sempre por um ou alguns ou por
todos enquanto liberdade interna. Somente, porém, quando a consciência
jurídica a pensa como valor, portanto como um bem universal imanente à
sociedade e, por isso, tribuível a todos, é que passa a ser um valor jurídico
universal e reivindicável por todos, portanto normatizável como tal. Assim, a
universalidade em si da liberdade particularizada na tribuição do costume, e na
consolidação consciente da lei enquanto portadora, na abstração dessa
universalidade, da dimensão formal da justiça, é a segurança jurídica.

Equivale isso a dizer: quando o direito tem como conteúdo o poder, então tem
como forma a norma considerada como técnica de coersão. Quando tem como
conteúdo a liberdade, tem como forma o direito subjetivo, cujo conteúdo é o
bem jurídico, e que é o conteúdo da norma jurídica; o poder na norma é direito
subjetivo. "Eis porque a regra procede do direito, a forma da matéria e sua
processualidade, tanto no processo de elaboração, quanto no da aplicação pela
qual se investiga a ratio legis". Daí a síntese profunda de Paulo: "Non ex regula
ius sumatur, sed ex iure, quod est, regula fiat"67.

Com efeito, a regra de direito (regula) constitui um momento necessário da


justiça ou do direito no seu conceito, mas não é em si mesma suficiente para
atualizar o direito. É apenas a forma externa do direito, o elemento formal sem
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 30/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

o qual não há a justiça ou o direito no seu conceito e efetividade; é a lex como


voluntas, e voluntas como ato de positivização do ius, o que traz já em si o
momento da validade e da positividade, com o que se torna vigente o direito,
válido formalmente. O ato de vontade universal, e não particular, confere a
validade à lei, por procedente da autoridade, cuja competência e poder
representam a universalidade de direito, e o ato de posição da norma, através
da sua materialização documental, torna-a objetiva e empiricamente existente,
como escritura dada ao conhecimento de todos. Ato ex auctoritate, ato de
posição empírica, ato de materialização escrita, dado a conhecer de todos, e
compatibilização da matéria legal com o sistema fazem positiva e válida, ou
seja, existente a lei, e realizam o requisito preliminar da justiça formal, a
segurança jurídica. Esse processo de posição da lei completa um movimento da
elaboração, que parte do universal imediato do costume em que o conteúdo do
ius se revela e se consuma no universal refletido da lex, como vontade do
Estado, a República ou o Império. Validade da lei por decorrente da autoridade,
positividade da lei por empiricamente manifestada a sua vontade e
compatibilização do seu conteúdo com o sistema tornam existente a lei e dão
segurança jurídica, cuja eficácia será dada num outro momento, o da
aplicação68, momento, de atualização da justiça.
O pensamento jurídico romano fez nascerem duas grandes escolas a partir das
quais se formam, analiticamente, os dois grandes sistemas do direito, o direito
continental estatutário e o common law. É bastante acompanhar as discussões
dessas duas escolas, a dos proculeanos cujo fundador foi Labeão (inovador), e
a dos sabinianos, fundada por Capitão (conservador sucedido por Sabino)69,
aqueles buscando o fundamento de validade do direito na ratio, em virtude da
qual o direito deveria ter a precisão, a certeza da lógica e da gramática, pelas
quais se garantia a previsibilidade das suas conseqüências, cuja última forma,
dessa ratio dada como conteúdo, é a lex por força da qual se põe o direito na
existência. Daí o comum emprego da analogia pelos proculeanos, para se
encontrar a ratio da regula, ou a ratio implícita. A regula era, assim, mais do
que as definições presas ao momento empírico do direito, pois a sua "ratio era
aplicável a uma série inteira de casos".70

Essas duas correntes mostram os dois vetores do direito, como vida social ou
experiência jurídica, e como racionalidade não só imanente no momento
espontâneo do empírico multifário, através do costume, mas no que o
transcende, buscando a validade a priori do direito na razão.
Esse período de expressão analítica do direito não era, contudo, abstrato, de
modo a dividir a substância do direito, a experiência e a racionalidade. Ambos
convivem e se complementam na força da experiência racionalizada, cujo
momento de chegada será a sistematização do direito, já preconizada por
Capitão71.
De qualquer modo, essas duas correntes não devem ser estudadas
analiticamente, mas como momentos da experiência da consciência jurídica do
romano, cujo resultado é a superação da natura rerum ou utilitas dos
sabinianos, e da ratio como separada (o que na verdade não ocorre de uma
maneira matematizante, entre os proculeários), mas o direito como sustância
ética racional em que essa substância ética, por não ser pertencente à
natureza, mas à cultura, se submete de modo particular à ratio científica,
"estrutura de regra como qualquer outra ciência" (ars, tecnné)72, mas cujo
conteúdo humano é o bonun et equum, substância ética que não se submete à
exatidão matemática para os romanos. Por isso o ius respondendi dos juristas,
sendo obra da sua razão jurídica não era alheia aos mores, mas também não
eram apenas aplicação receptiva desses costumes73; eram elaboração da razão
ordenadora da matéria ou vida social e sua validade formal decorria da
autoridade do Imperador (ex auctoritate principis), expressamente reconhecida
por Adriano, pela qual lhes era permitido criar o direito (iura condere), isto é,
dar-lhe nascimento formal, uma vez que o elemento material, a vida social
ordenada pela razão reflexiva cabia ao jurista através dos responsa e da
interpretatio prudentium. Aparecem, aí, os dois elementos constitutivos da lei,
a voluntas da autoridade, então concedida pelo Princeps e a ratio dos
prudentes, que os acumulava.
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 31/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2
p ,q
Ambas as escolas, caracterizadas, uma pela naturalis ratio (sabinianos) e outra
pela civilis ratio (proculeanos) encontram sua unidade na experiência da
consciência jurídica dos romanos, como vivência e teorização do justo.
A prudência jurídica ou a sabedoria jurídica do romano é o saber erudito do
direito, que através da consciência jurídica emergiu da rudeza da experiência
jurídica da vida cotidiana à luminosa expressão teórica do direito.
A experiência da consciência jurídica é assim essa articulação processual da
experiência jurídica como vida do direito e da consciência jurídica como razão
do direito, na síntese superior da razão jurídica, em que a vida e a sua medida,
a razão, se expressam na consciência jurídica do jurista como consciência
erudita de uma sociedade, na criação dos institutos jurídicos e da legislação
jurídica. A consciência jurídica, nesse ponto, é uma consciência erudita numa
sociedade de cultura avançada e de complexa civilização. Antes disso, ela mais
não é do que consciência moral, religiosa, etc.
A processualidade da justiça mostra-se desse modo como movimento
ascendente, do empírico para o racional, expresso este na lei, e do racional
para o empírico ou o fato concreto, em movimento descendente, impondo a
sua racionalidade na variedade da manifestação da vida. Portanto, um juízo
reflexionante na elaboração e um juízo determinante no silogismo prático da
aplicação, pelo qual o universal abstrato da lei, através da particularidade
abstrata do caso conflituoso, se realiza como o justo concreto, ou seja, como
singularidade do valor jurídico.

Notas

1 Esboço para um estudo em homenagem ao ilustre Desembargador Professor


Doutor Affonso Teixeira Lages, Catedrático de Direito Romano da Faculdade de
Direito da UFMG, por ocasião do centenário de seu nascimento; está dividido
em três partes: A Consciência Jurídica, A Justiça Formal e A Justiça Material em
Roma, e serão publicadas separadamente.

2 Ulpiano. D.1,1,1, § 1°..

3 Ulpiano. D. 1,1,10,2.

4 Modestino D. 1,3,40 e D. 1,3,41

5 Salgado, J.C. A Idéia de Justiça em Kant - Seu fundamento na liberdade e


igualdade, 2a ed. Belo Horizonte: Ed UFMG, 1996.

6 Schmitt, Carl. Politische Theologie. Berlim: Duncker – Humblot, 1996, p. 19.

7 Reale, Miguel. Filosofia do Direito . São Paulo: Saraiva, 1999, p.273 (n. 114).

8 Há alguns anos tenho lecionado o Curso de Filosofia do Direito dentro deste


esquema, cuja exposição mais aprofundada é feita nas aulas ou em escritos a
serem publicados. Este trabalho será um capítulo de um texto maior, o
primeiro volume de um tratado da justiça, do qual já foram publicados: A Idéia
de Justiça em Kant e A Idéia de Justiça em Hegel. São Paulo: Loyola, 1996.

9 Consta da ementa do tema A Idéia da Justiça: Kant e Hegel, que penso


desenvolver como Professor Visitante da Universidade de Tübigen, atendendo a
honroso convite do Decanato da Faculdade de Filosofia, no semestre de verão
próximo, de 2001.
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 32/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

10 Instituições são modelos padrões de conduta ou de funcionamento aceitos,


aprovados ou reconhecidos pela sociedade e formalizados por normas, ou seja,
por representações textuais (escriturados ou não), que têm significado de
dever ser. Instituto jurídico é o resultado da elaboração conceptual construtiva
desses padrões, doutrinariamente, portanto no plano teórico. Esses termos
são, às vezes, empregados como sinônimos.

11 Em Lima Vaz (Escritos de Filosofia II – Ética e Cultura: São Paulo, Loyola,


1988, p.140) a pessoa universal, o sujeito universal ou cidadão passa a
designar o titular de direitos humanos.

12 O conceito de consciência jurídica, tal como aqui desenvolvo,


resumidamente, a partir de outros escritos por mim, publicados e não
publicados, não está suficientemente discutido na Filosofia do Direito. Uma
síntese desses textos foi feita por Mariá Aparecida Brochado Ferreira na sua
Dissertação de Mestrado intitulada Consciência Moral e Consciência Jurídica,
defendida na Faculdade de Direito da UFMG.

13 Salgado, J.C. Prefácio In: Campos, Carlos Alvares da Silva. Sociologia e


Filosofia do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1999 p.X.

14 É a consciência que, por reflexão, se torna consciência moral por força da


“estrutura teleológica do ato ordenado para o bem”. (Lima Vaz, H.C. Escritos de
Filosofia V. Introdução a Ética Filosófica. São Paulo: Loyola, 2000, p. 59) Sobre
a conciência moral em Lima Vaz, ver a exposição criativa de Brochado Ferreira
(op. cit. cap. III).

15 Lima Vaz, Ética Filosofica 2, cap. 2 – Estrutura Intersubjetiva do Agir Ético.


Exceto o reducionismo empirista de Hobbes, nem científico, nem filosófico, tem
sido uma constante do pensamento ocidental a referência positiva ao outro,
desde o animal político de Aristóteles (Ética Nicômaco) pelo nós hegeliano
(Fenomologia do Espírito) à intersubjetividade de Lima Vaz (Ética Filosófica).

16 Habermas, T. Consciência Moral e Agir Comunicativo. São Paulo: Tempo


Brasileiro, p. 90-91.

17 Brochado Ferreira, op.cit, p. 209.

18 Weber, Max. Sociologie Juridique. Trad. Jacques Grosclaude. Paris: P.U.F,


1986, p. 162.

19 Dizer o direito, impô-lo à conduta, formulá-lo, laborá-lo tecnicamente e


intelectualmente em categorias e ordenação é o que fez o gênio romano,
segundo Taine (Les origines de la France contemporaine), citado por François
Gèny em Méthodes d´Interpretation et Sources en Droit Privé Positif. Paris:
Librairie Génèrale de Droit et de Jurisprudence,1919, p.172,n.3.

20 Celso. D., 1, 3, 4.

21 Pompônio, D., 1, 3, 3.

22 Mais adiante será retomado o conceito de recta ratio, cuja expressão já


aparece em Aristóteles, orthòs lògos, que dirige o silogismo prático, da
prudência. Nikomatische Ethik. VI, 8. Trad.: F. Dirlmeier. Stuttgart:
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 33/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

Reclam,1975; Cfr. Lima Vaz, Escritos de Filosofia II. São Paulo: Loyola, 1888,
p.124.

23 V. Salgado, A Idéia de Justiça em Hegel, p . 336-337.

24 Fassó, G. (Storia dela Filosofia del Diritto, I. Bologna: Milani, 1968, p. 146)
assinala essa diferença entendendo também poder o ius ser concebido como
direito subjetivo decorrente do direito positivo. Fica, contudo, preso ao conceito
grego, entendendo diversamente o devido e a bilateralidade, a qual confunde
com a mera relação com o outro.

25 Não serão tematizadas aqui separadamente a liberdade e a igualdade, pois


estão em todos os momentos da consciência jurídica romana. Ver a respeito
Ihering, em L’ Ésprit du Droit Romain dans les diverses Phases de son
Développement. Trad. O. de Meulenaere, II. Paris: Libr. A Marescq, 1886.Cap.
II e III do 2° vol.

26 Ihering, op. cit, vol. II, p.142 e segs.

27 Florentino. D, 1,5,4.

28 Florentino. D, 1, 1,3.

29 Cf. Ihering, op.cit, vol. II, p.137 et seq.

30 Id. Ibid , p. 89.

31 Id. Ibid. , p. 128.

32 Sobre o direito público em Roma conferir Mommsen, Theodor. Disegno del


Diritto Publico Romano. Trad. Pietro Bonfante, Milano: CELUC, 1973. Não se
adentra aqui nesse grande tema, por questão metodológica.

33 Embora a representação e a substituição da virtude do governante pelaaa


institucionalização do poder esteja presente no direito público romano, a
substituição do governante por outro não tinha uma forma assente. Sobre esse
pensamento a partir de Maquiavel, v. Höffe, Otfried. Demokratie in Zeitalter
der Globalisierung. München: C.H. Beck, 1999, p.190 e segs.

34 ...quod Principi placuit, legis habet vigorem: quum lege, quae de ejus
imperio lata est, populus ei et eum omne imperium suum et postetatem
concedat.(Inst. 1, pr.6;Ulpiano. D. 1,4,1.).

35 Cf. Ihering, R. Von. Del interés en lo contratos. Trad. Adolfo Gonçales


Posada. Buenos Aires: Editorial Heliasta S. R.L., s/d, p. 114 e 115.

36 Paulo. D. 50,17,103; ainda, Gaio, D. 2,4,18; ver Ihering, L’ Ésprit, p. 153,


citando Cícero.

37 Bonfante, P. Instituciones de Derecho Romano. Trad. Luis Bacci Andres


Larrosa. Madrid: Instituto Editorial Reus, s/d, p.27 e 28; Inst , 4,15,1; Lages,
Affonso Teixeira. Aspectos do Direito Honorário. Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1999, p. 48.

38 Cf. Lages, op.cit , p. 50.


https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 34/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

39 Paulo. D. 50,17,106.

40 Pompônio. D. 50,17,20.

41 Veja-se a correta afirmação do Professor Affonso Lages, op.cit, p.51, sobre


a origem do habeas corpus, no interdictium de homine libero exhibendi.

42 Edictium Perpetuum, Salvii Juliani, 5ª parte, XLIII – Interdicta, 17, a :De


homine libero exhibendi; D, 43,29.

43 Gèny, Op. Cit, I, p.173; cita Ihering, R. Der Geist des römischen Rechts, II,
1883,§ 45-47; e ed. francesa, III, § 50-57.

44 Id. Ibid, p.174.

45 Gaio, Inst, 1, pr.8.

46 Pizzela, Maria Cristina Cereser. Propriedade Privada no Direito Romano.


Porto Alegre: Fabris Editor, 1998, p.134.

47 Lembre-se de que na relação de direito pessoal a coisa é indeterminada, ao


passo que na de direito real é determinada.

48 A actio como direito será tratada em outra parte deste trabalho.

49 Del Vecchio, G. Lições de Filosofia do Direito. Trad. Cabral de Moncada.


Coimbra: Armênio Amado, Ed.Sucessores, 1979, p.371.

50 Id. Ibid, p.372.

51 MAYNEZ, García. Filosofia del Derecho. Mexico: Ed. Porrúa, 1996, p.66.

52 Del Vecchio, op.cit, p. 571.

53 Id. Ibid., p.573.

54 Id. Ibid., p 571.

55 Id. Ibid., p.567.

56 Id. Ibid., p.571.

57 RADBRUCH, G. Einführung in die Rechtswissenschaft. Stuttgart: Köhler


Verlag, 1980, p.19.

58 RADBRUCH, G. Reclitsphilorophie. Sttutgart: Köhler Verlag, 1973, p.130.

59 Inst., 1,§ 3°.

60 Jus se emprega de vários modos como diz Paulo (D. 1,1,11).

61 Cf. Bonfante, P. Historia del Derecho Romano I, Madrid: Rev. de Derecho


Privado, 1944, p. 276. O autor cita como origem etimológica de lex a palavra
sânscrita lag que significa pôr. De outro lado, legere “significa reunir ou
https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 35/36
17/09/2022 18:29 https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2

recolher (...) e indica o caráter abrangente de lei” (Lima Vaz, Ética Filosófica 2,
p.116), que inclui também a escolha .

62 Lima Vaz, H.C.Moral, Sociedade e Nação. In: Rev. Paz e Terra, n.1, p.96.

63 Salgado, J.C. Contas e Ética. In: Rev. do Tribunal de Contas do Estado de


Minas Gerais, n.1 de 1999, p.98.

64 Mantello, Antônio. Un’ ética per il Giurista? In: Per la Storia del Pensiero
Giuridico Romano.Torino Giappichelli, Ed. 1996, p.148.

65 Del Vecchio, op.cit., p.368.

66 Celso, D. 1,1, 1; Cf. Moreira Alves, José Carlos. Direito Romano I, Rio:
Forense, 1983, p.91.

67 Paulo, D, 50,17,1.

68 A existência da lei dá-se, formalmente, a) quando posta pela autoridade


competente e b) em observância do processo regular de sua formação e,
materialmente, se é compatível com o sistema em que é inserida. Esta
compatibilidade material é, por outro lado, também formal, pois é relativa, o
conteúdo pode variar.

69 Pompônio, D., 1, 2, 2, § 47.

70 Stein, Peter (Le Scuole. In: Per la Storia del Pensiero Giuridico Romano.
Torino: Giappichelli, 1996, p. 9) liga o conceito de norma ou regula à gramática
da qual, diz, esse grande conhecedor Labeão, levando a sancionalidade da
gramática para o direito.

71 Id. Ibid, p. 13.

72 Stein. op. cit., p. 12.

73 Salgado. A idéia de Justiça em Hegel, p. 336.

https://revista2.tce.mg.gov.br/2001/01/02/2002_11_06_0002.2xt/-versao_impressao4559.html?ed=02&folder=2 36/36

You might also like