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MUDANÇA E
TRANSFORMAÇÃO
SOCIAL: (EDUCAÇÃO
EM) DIREITOS
HUMANOS NA
REDAÇÃO DO ENEM
Ri card o Nasci m e n to Ab re u 1
INTRODUÇÃO
Os dados superlativos do Brasil, seja em relação à dimensão do seu território, seja em relação ao
tamanho da sua população, ou ainda no que diz respeito às múltiplas diversidades (linguística,
étnica, religiosa, de gênero etc.) coexistentes e constitutivas da nossa gente, sempre se apresentaram
como grandes desafios nos processos de implementação de políticas públicas de envergadura
nacional. Pensar estratégias que garantam a inclusão da população nas políticas educacionais, de
saúde, de assistência social, de emprego e de geração de renda, dentre outras, requer um profundo
conhecimento da constituição histórica do país e das especificidades que nos permitem contemplar
um universo social e cultural bastante heterogêneo e, ainda assim, sermos capazes de reconhecer no
outro a essência do ser brasileiro pelos traços que nos unem.
O Exame Nacional do Ensino Médio, doravante ENEM, coloca-se nesse contexto de complexidades e
de dados superlativos como uma bem sucedida política educacional de acesso ao Ensino Superior,
além de ser força motriz catalizadora de ações afirmativas para redução das desigualdades sociais,
étnicas e regionais. Contudo, a potência de uma política de avaliação desta importância e envergadura
Já é possível encontrar diversas pesquisas que dão conta de avaliar os efeitos de contra fluxo
gerados pelo ENEM, especialmente no que diz respeito ao ensino da língua portuguesa,
das línguas estrangeiras, bem como das artes, da filosofia e da sociologia. O próprio gênero
“redação escolar” foi profundamente impactado pela arquitetura de organização lógica do
pensamento apresentado pela prova de redação do ENEM e sua matriz de competências.
Este texto, que tem como pretensão central auxiliar no processo de formação de pessoal
para avaliação dos Direitos Humanos – DDHH nas redações do ENEM, socorrendo-se
para tal das ideias previamente apresentadas por Abreu (2017a) e Abreu (2017b), e tendo
o privilégio de dispor, para tal finalidade, da expertise acumulada pelo INEP a partir da
série histórica de 25 anos de aplicação da prova do ENEM, toma como pressuposto o fato
de que o Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH serviu-se (ou
anda serve-se), em algum momento, do efeito retroativo da prova de redação do exame,
de tal modo que se torna praticamente impossível formular uma história da Educação em
Direitos Humanos no Brasil sem necessariamente implicá-la com o sucesso que o respeito
aos Direitos Humanos atingiu a partir da Competência V da matriz de competências da
prova de redação do ENEM.
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O PNDH-1 de 1996 tinha o foco voltado para os direitos civis e políticos, a saber: 1)
Políticas públicas para a proteção e promoção dos Direitos Humanos (incluindo
a proteção do direito à vida, liberdade e igualdade perante a lei); 2) Educação e
cidadania: bases para uma cultura dos Direitos Humanos; 3) Políticas internacionais
para a promoção dos Direitos Humanos; e 4) Implementação e monitoramento do
Programa Nacional de Direitos Humanos. O PNDH-2, de 2002, incorporou alguns temas
destinados à conscientização da sociedade brasileira com o fito de consolidar uma
cultura de respeito aos direitos humanos, tais como cultura, lazer, saúde, educação,
previdência social, trabalho, moradia, alimentação, um meio ambiente saudável. O
PNDH-3 é lançado em 2009 e é importante ferramenta para consolidação dos direitos
humanos como política pública. O Brasil avançou na materialização das orientações que
possibilitaram a concretização e a promoção dos Direitos Humanos. Configura-se como
avanço a interministerialidade de suas diretrizes, de seus objetivos estratégicos e de suas
ações programáticas (BRASIL, 2013, p. 23).
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, como uma política pública nacional,
baseia-se na justiça social, na democracia e na cidadania, e tem, no Comitê Nacional de
Educação em Direitos Humanos — (CNEDH) — o seu braço de fomento operacional,
articulando, para a consecução dos seus resultados, os ministérios da Educação, da Justiça,
e dos Direitos Humanos e da Cidadania.
serem absorvidos pelas instituições de ensino, em especial por aquelas ofertantes da etapa
do Ensino Médio.
Estando atualmente sob a gestão direta do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania,
o PNEDH, primeiro marco normativo da EDH na Educação Básica brasileira, concebe, em seu
texto, a Educação em Direitos Humanos como um processo sistemático e multidimensional
que deve ocorrer em múltiplos espaços, mas que tem, na Educação Básica, um lócus
privilegiado para se desenvolver, uma vez que:
Não é apenas na escola que se produz e reproduz o conhecimento, mas é nela que
esse saber aparece sistematizado e codificado. Ela é um espaço social privilegiado
onde se definem a ação institucional pedagógica e a prática e vivência dos direitos
humanos. Nas sociedades contemporâneas, a escola é local de estruturação de
concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação de
valores, de promoção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de
constituição de sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas.
O processo formativo pressupõe o reconhecimento da pluralidade e da alteridade,
condições básicas da liberdade para o exercício da crítica, da criatividade e do debate de
ideias, e para o reconhecimento, o respeito, a promoção e a valorização da diversidade
(BRASIL, 2018, p. 18).
Além disso, nos termos do PNEDH, plenamente integrada ao currículo escolar da Educação
Básica, a Educação em Direitos Humanos deve ser promovida a partir das seguintes
dimensões:
c) a dimensão das ações: desencadear atividades para promoção, defesa e reparação das
violações aos direitos humanos.
O Art. 3° das DNEDH pode ser considerado como o núcleo preceitual da EDH para a educação
nacional e contém, em um rol de sete incisos, os princípios que apontam para a mudança
e a transformação social como grandes finalidades da EDH no Brasil. São eles: I - dignidade
humana; II - igualdade de direitos; III - reconhecimento e valorização das diferenças e das
diversidades; IV - laicidade do Estado; V - democracia na educação; VI - transversalidade,
vivência e globalidade; e VII - sustentabilidade socioambiental.
É imperioso que todos aqueles que estejam diretamente envolvidos com a avaliação das
redações do ENEM possuam conhecimento da existência desses sete princípios de suas
respectivas conceituações e nuances próprias, pois, em última análise, o desrespeito
a um direito humano stricto-sensu materializado no texto do participante significará,
necessariamente, a propositura de uma violação de uma ou mais normas principiológicas
contidas no rol de incisos do artigo 3º das DNEDH.
• Dignidade humana
O princípio da dignidade humana coloca o ser humano e seus direitos como centro
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das ações para a educação. Qualquer iniciativa deve obedecer, ou pelo menos levar
• Igualdade de direitos
A respeito do princípio de igualdade de direitos, orienta a realizar a justiça social,
que é muito além de tratar a todos como iguais, é dar a cada indivíduo a atenção e a
importância que merece, percebendo as necessidades individuais.
• Laicidade do Estado
A laicidade do Estado é o princípio que propõe a liberdade religiosa no contexto
educacional, mantendo a imparcialidade da pedagogia ao disseminar os saberes,
garantindo a diversidade das crenças.
• Democracia na educação
O princípio da democracia na educação tangencia os preceitos de liberdade, igualdade,
solidariedade e, principalmente, dos direitos humanos, que embasam a construção das
condições de acesso e permanência ao direito educacional.
Os direitos humanos se caracterizam por seu caráter transversal e, por isso, devem
ser trabalhados a partir do diálogo interdisciplinar. Como se trata da construção de
valores éticos, a educação em direitos humanos é, também, fundamentalmente
vivencial, sendo-lhe necessária a adoção de estratégias metodológicas que privilegiem
a construção prática desses valores. Tendo uma perspectiva de globalidade, deve
envolver toda a comunidade escolar: alunos, professores, funcionários, direção, pais,
mães e comunidade local. Além disso, no mundo de circulações e comunicações
globais, a EDH deve estimular e fortalecer os diálogos entre as perspectivas locais,
regionais, nacionais e mundiais das experiências dos estudantes.
• Sustentabilidade socioambiental
Por fim, o princípio da sustentabilidade socioambiental informa que a educação em
direitos humanos deve incentivar o desenvolvimento sustentável, visando ao respeito
ao meio ambiente e preservando-o para as gerações vindouras.
A EDH deve estimular o respeito ao espaço público como bem coletivo e de utilização
democrática de todos. Nesse sentido, colabora para o entendimento de que a
convivência na esfera pública se constitui numa forma de educação para a cidadania,
estendendo a dimensão política da educação ao cuidado com o meio ambiente
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local, regional e global. A EDH, então, deve estar comprometida com o incentivo e a
promoção de um desenvolvimento sustentável que preserve a diversidade da vida
Respeito Respeito
aos direitos aos direitos
Ano de
humanos na humanos no
realização do Proposta de redação
proposta de edital do
Enem
redação do Enem
Enem
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O desrespeito aos Direitos Humanos (DDH), por sua natureza agentiva, está associado à
proposta de intervenção, materializando-se como uma das possibilidades de atribuição do
nível 0 para a Competência V, no texto do participante que nele incorrer.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um conjunto significativo dos capítulos de uma história da Educação em Direitos Humanos
na Educação Básica brasileira confunde-se com a evolução da aplicação de um dos maiores
exames admissionais ao ensino superior do globo terrestre.
Contando com cifras superlativas, o ENEM impulsionou, como um dos seus vários efeitos
retroativos, a difusão da EDH no currículo básico nacional, em especial no Ensino Médio,
por meio de componentes curriculares a exemplo da língua portuguesa, da sociologia, da
filosofia e da história (somente para citar alguns).
Os processos anuais de formação de profissionais para atuar nas avaliações das redações
do ENEM, que têm ocorrido nos últimos 25 anos, operam como verdadeiros cursos de
formação continuada dos licenciados em língua portuguesa que, no bojo das suas atuações
profissionais, têm ajudado a consolidar essa cultura dos Direitos Humanos nas escolas.
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REFERÊNCIAS
ABREU, R. N. Exercício da cidadania e direitos humanos – as funções da Competência
V na redação do Enem. In: GARCEZ, L. H. C.; CORRÊA, V. R. (Orgs.) Textos dissertativo
argumentativos: subsídios para qualificação de avaliadores. Brasília: Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2017a.
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.
Brasília, 2018.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP Nº 8/2012, sobre a proposição das
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Relatores: Antônio Carlos Caruso
Ronca; Rita Gomes do Nascimento; Raimundo Moacir Feitosa e Reynaldo Fernandes.
OLIVEIRA, Helen Vieira; SENNA, Luiz Antônio Gomes. Algumas reflexões sobre o ENEM,
letramento e exclusão escolar. e-Mosaicos – Revista Multidisciplinar de Ensino Pesquisa,
Extensão e Cultura do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-UERJ),
2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/e-mosaicos/article/
view/36885. Acesso em: 15 jun 2023.
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LEITURAS DE APOIO
CANDAU, V. M. et al. (Orgs.). Educação em direitos humanos e formação de
professores(as). São Paulo: Cortez, 2013.
TELES, Jaqueline Gomes dos Santos. A redação do ENEM entre as políticas oficiais e oficiosas:
o lugar dos direitos humanos. Revista X, v. 15, n 15, 2020. Disponível em: https://revistas.
ufpr.br/revistax/article/view/73529/41887. Acesso em: 10 jun. 2023.
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