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14.

MUDANÇA E
TRANSFORMAÇÃO
SOCIAL: (EDUCAÇÃO
EM) DIREITOS
HUMANOS NA
REDAÇÃO DO ENEM

Ri card o Nasci m e n to Ab re u 1

INTRODUÇÃO
Os dados superlativos do Brasil, seja em relação à dimensão do seu território, seja em relação ao
tamanho da sua população, ou ainda no que diz respeito às múltiplas diversidades (linguística,
étnica, religiosa, de gênero etc.) coexistentes e constitutivas da nossa gente, sempre se apresentaram
como grandes desafios nos processos de implementação de políticas públicas de envergadura
nacional. Pensar estratégias que garantam a inclusão da população nas políticas educacionais, de
saúde, de assistência social, de emprego e de geração de renda, dentre outras, requer um profundo
conhecimento da constituição histórica do país e das especificidades que nos permitem contemplar
um universo social e cultural bastante heterogêneo e, ainda assim, sermos capazes de reconhecer no
outro a essência do ser brasileiro pelos traços que nos unem.

O Exame Nacional do Ensino Médio, doravante ENEM, coloca-se nesse contexto de complexidades e
de dados superlativos como uma bem sucedida política educacional de acesso ao Ensino Superior,
além de ser força motriz catalizadora de ações afirmativas para redução das desigualdades sociais,
étnicas e regionais. Contudo, a potência de uma política de avaliação desta importância e envergadura

1 Professor do Departamento de Letras Vernáculas e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade


Federal de Sergipe, é licenciado em Letras Português-Inglês (UNIT), bacharel em Direito (UNIT), mestre em Educação (UFS),
mestre em Direito (UFS) e Doutor em Letras (UFBA). Secretário Municipal da Educação de Aracaju.
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trouxe consigo, inclusive, o condão de impactar colateralmente a lógica prototípica do


fluxo pedagógico da Educação Nacional, na qual, idealmente, o currículo deveria pautar a
avaliação, percebendo-se, no entanto, um movimento de contra fluxo no qual o ENEM dita,
em alguma medida, a dinâmica curricular nas/das escolas.

Já é possível encontrar diversas pesquisas que dão conta de avaliar os efeitos de contra fluxo
gerados pelo ENEM, especialmente no que diz respeito ao ensino da língua portuguesa,
das línguas estrangeiras, bem como das artes, da filosofia e da sociologia. O próprio gênero
“redação escolar” foi profundamente impactado pela arquitetura de organização lógica do
pensamento apresentado pela prova de redação do ENEM e sua matriz de competências.

Em relação a esse movimento de contra fluxo, Oliveira e Senna (2018), ao se debruçarem


sobre algumas reflexões acerca do ENEM e de questões atinentes ao letramento e à exclusão
escolar, serviram-se de estudos produzidos nacionalmente e no exterior para comprovar a
existência do chamado efeito retroativo ou the washback effect, que consistiria, via de regra,
na capacidade de influência das avaliações, principalmente aquelas de alta relevância, a
exemplo do ENEM, sobre o processo de ensino-aprendizagem. Para os pesquisadores,
apesar de haver uma predominância bibliográfica que vincula o efeito retroativo a uma
percepção de desdobramentos negativos, há que se considerar, sob um espectro mais
alargado, a possibilidade de se obter também desdobramentos positivos que sirvam para
cumprir finalidades específicas, a exemplo de difundir e/ou consolidar políticas públicas
educacionais que possuam natureza estratégica para o país, a exemplo da política nacional
de Educação em Direitos Humanos.

Este texto, que tem como pretensão central auxiliar no processo de formação de pessoal
para avaliação dos Direitos Humanos – DDHH nas redações do ENEM, socorrendo-se
para tal das ideias previamente apresentadas por Abreu (2017a) e Abreu (2017b), e tendo
o privilégio de dispor, para tal finalidade, da expertise acumulada pelo INEP a partir da
série histórica de 25 anos de aplicação da prova do ENEM, toma como pressuposto o fato
de que o Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH serviu-se (ou
anda serve-se), em algum momento, do efeito retroativo da prova de redação do exame,
de tal modo que se torna praticamente impossível formular uma história da Educação em
Direitos Humanos no Brasil sem necessariamente implicá-la com o sucesso que o respeito
aos Direitos Humanos atingiu a partir da Competência V da matriz de competências da
prova de redação do ENEM.

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1. BREVE PERCURSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO


EM DIREITOS HUMANOS
Segundo Piovesan e Fachin (2017), pensar os Direitos Humanos e a sua proteção implica,
necessariamente, em concebermos um sistema composto por duas esferas, uma repressiva
— que se ocupa de remediar violações já ocorridas — e uma esfera preventiva, que tem
como finalidade coibir e prevenir futuras violações. É nessa última esfera que podemos
encontrar as origens e a própria epistemologia da Educação em Direitos Humanos, que
nasce a partir das propostas contidas no Programa Mundial para a Educação em Direitos
Humanos.

De acordo com a UNESCO, o Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos,


a ser desenvolvido em uma série de fases, teve início em 2005, com a adoção, por
unanimidade, de todos os Estados-membros das Nações Unidas, em 14 de julho daquele
ano, da Resolução nº 59/113-B da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Atualmente em sua terceira fase, o PMEDH, previa que, em um primeiro momento2, a


ser materializado entre os anos de 2005 a 2007, os Ministérios da Educação dos estados-
membros, bem como outros agentes dos sistemas educacionais e da sociedade civil,
deveriam adotar ações com a finalidade de materializar a cultura dos Direitos Humanos na
Educação Básica. Já na segunda fase3, ocorrida entre os anos de 2010 a 2014, o foco deveria
estar voltado para a educação superior — nos cursos de formação inicial e continuada de
docentes — para o corpo de funcionários públicos do Estado, além de policiais e militares
de todos os níveis; tendo em sua terceira etapa4, entre os anos de 2015 a 2019, o desafio
de fortalecer a implementação das fases anteriores e promover a formação de direitos
humanos para profissionais de mídia e jornalistas.

No Brasil, conforme nos aponta Abreu (2017b), o percurso da Educação em Direitos


Humanos tem seu nascedouro a partir da formulação dos três Programas Nacionais de
Direitos Humanos (PNDH-1)5, de 1996, o (PNDH-2)6, de 2002 e o (PNDH-3)7, de 2009, os quais

2 Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos – primeira fase: https://unesdoc.unesco.


org/ark:/48223/pf0000147853_por
3 Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos – segunda fase: https://unesdoc.unesco.
org/ark:/48223/pf0000217350_por
4 Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos – terceira fase: https://unesdoc.unesco.
org/ark:/48223/pf0000232922?posInSet=7&queryId=N-EXPLORE-1bb615b1-5f2b-450d-8889-32a0d0585f37
5 Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-1: http://www.dhnet.org.br/dados/pp/pndh/
textointegral.html
6 Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-2: http://www.dhnet.org.br/dados/pp/edh/ 199
pndh_2_integral.pdf
7 Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2009/Decreto/D7037.htm#art7

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contribuíram para o fomento de um ambiente propício ao lançamento, em 2003, do Plano


Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)8.

O PNDH-1 de 1996 tinha o foco voltado para os direitos civis e políticos, a saber: 1)
Políticas públicas para a proteção e promoção dos Direitos Humanos (incluindo
a proteção do direito à vida, liberdade e igualdade perante a lei); 2) Educação e
cidadania: bases para uma cultura dos Direitos Humanos; 3) Políticas internacionais
para a promoção dos Direitos Humanos; e 4) Implementação e monitoramento do
Programa Nacional de Direitos Humanos. O PNDH-2, de 2002, incorporou alguns temas
destinados à conscientização da sociedade brasileira com o fito de consolidar uma
cultura de respeito aos direitos humanos, tais como cultura, lazer, saúde, educação,
previdência social, trabalho, moradia, alimentação, um meio ambiente saudável. O
PNDH-3 é lançado em 2009 e é importante ferramenta para consolidação dos direitos
humanos como política pública. O Brasil avançou na materialização das orientações que
possibilitaram a concretização e a promoção dos Direitos Humanos. Configura-se como
avanço a interministerialidade de suas diretrizes, de seus objetivos estratégicos e de suas
ações programáticas (BRASIL, 2013, p. 23).
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, como uma política pública nacional,
baseia-se na justiça social, na democracia e na cidadania, e tem, no Comitê Nacional de
Educação em Direitos Humanos — (CNEDH) — o seu braço de fomento operacional,
articulando, para a consecução dos seus resultados, os ministérios da Educação, da Justiça,
e dos Direitos Humanos e da Cidadania.

É a partir de 2003 que a Educação em Direitos Humanos ganhará um Plano Nacional


(PNEDH), revisto em 2006, aprofundando questões do Programa Nacional de Direitos
Humanos e incorporando aspectos dos principais documentos internacionais de
Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário. Esse plano se configura como uma
política educacional do Estado voltada para cinco áreas: educação básica, educação
superior, educação não-formal, mídia e formação de profissionais dos sistemas
de segurança e justiça. Em linhas gerais, pode-se dizer que o PNEDH ressalta os
valores de tolerância, respeito, solidariedade, fraternidade, justiça social, inclusão,
pluralidade e sustentabilidade (BRASIL, 2013, p. 519).
Esse percurso acima descrito culmina, então, com o protagonismo do Conselho Nacional
de Educação que, em maio de 2012, publica a Resolução CNE/CP n° 1, que estabelece as
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (DNEDH)9, de observação
obrigatória para todos os sistemas de ensino e suas instituições.

No âmbito da Educação Básica, quando realizamos o cotejamento entre o percurso histórico


da Educação em Direitos Humanos no Brasil e a série histórica dos temas das provas de
redação do ENEM, percebemos que é a partir de 2013 (ano seguinte à publicação das
DNEDH) que o respeito aos direitos humanos passa a ser compulsoriamente exigido tanto
no edital que regula o exame quanto na própria proposta de redação contida na prova.
Esse fato reforça então a tese de que o PNEDH e, principalmente, as DNEDH se constituem
como os marcos normativos da EDH no Brasil e que ambos se serviram retroativamente
da envergadura e da importância que o ENEM possui perante a sociedade brasileira para

200 8 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-


temas/educacao-em-direitos-humanos/DIAGRMAOPNEDH.pdf
9 Resolução Nº 1, de 30 de maio de 2012: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rcp001_12.pdf

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serem absorvidos pelas instituições de ensino, em especial por aquelas ofertantes da etapa
do Ensino Médio.

2. OS MARCOS NORMATIVOS DA EDUCAÇÃO EM


DIREITOS HUMANOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
No âmbito do processo de avaliação do respeito aos direitos humanos nas redações do
ENEM, torna-se extremamente importante que todos os envolvidos tenham conhecimento
do conteúdo dos dois documentos que são considerados os marcos normativos da
Educação em Direitos Humanos na Educação Básica, quais sejam: o Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos (PNEDH) e as Diretrizes Nacionais para a Educação em
Direitos Humanos (DNEDH).

Estando atualmente sob a gestão direta do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania,
o PNEDH, primeiro marco normativo da EDH na Educação Básica brasileira, concebe, em seu
texto, a Educação em Direitos Humanos como um processo sistemático e multidimensional
que deve ocorrer em múltiplos espaços, mas que tem, na Educação Básica, um lócus
privilegiado para se desenvolver, uma vez que:

Não é apenas na escola que se produz e reproduz o conhecimento, mas é nela que
esse saber aparece sistematizado e codificado. Ela é um espaço social privilegiado
onde se definem a ação institucional pedagógica e a prática e vivência dos direitos
humanos. Nas sociedades contemporâneas, a escola é local de estruturação de
concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação de
valores, de promoção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de
constituição de sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas.
O processo formativo pressupõe o reconhecimento da pluralidade e da alteridade,
condições básicas da liberdade para o exercício da crítica, da criatividade e do debate de
ideias, e para o reconhecimento, o respeito, a promoção e a valorização da diversidade
(BRASIL, 2018, p. 18).

Além disso, nos termos do PNEDH, plenamente integrada ao currículo escolar da Educação
Básica, a Educação em Direitos Humanos deve ser promovida a partir das seguintes
dimensões:

a) a dimensão dos conhecimentos e das habilidades: compreender os direitos humanos


e os mecanismos existentes para a sua proteção, assim como incentivar o exercício de
habilidades na vida cotidiana;

b) a dimensão dos valores, das atitudes e dos comportamentos: desenvolver valores e


fortalecer atitudes e comportamentos que respeitem os direitos humanos;
201

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c) a dimensão das ações: desencadear atividades para promoção, defesa e reparação das
violações aos direitos humanos.

Já as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, segundo e mais importante


marco normativo da EDH para a Educação Básica, concebida pelo Pleno do Conselho
Nacional de Educação e publicada sob a forma da Resolução CNE/CP n° 1, de 30 de maio de
2012, de observação obrigatória para todas etapas, níveis e modalidades operadas pelos
sistemas de ensino, prevê sua materialização tanto pela transversalidade, por meio de
temas relacionados aos Direitos Humanos tratados interdisciplinarmente, como também
pela disciplinaridade, como conteúdo de uma das disciplinas já existentes no currículo
escolar, ou ainda, de maneira mista, combinando transversalidade com disciplinaridade.

Na resolução do CNE, podemos encontrar as diferenças e definições entre as noções de


Educação em Direitos Humanos e Direitos Humanos, sendo a primeira vinculada ao uso de
concepções e práticas educativas fundadas nos Direitos Humanos e em seus processos de
promoção, proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana e cidadã de sujeitos de direitos
e de responsabilidades individuais e coletivas (Brasil, 2012), enquanto, no segundo caso,
os Direitos Humanos, internacionalmente reconhecidos como um conjunto de direitos
civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sejam eles individuais, coletivos,
transindividuais ou difusos, referem-se à necessidade de igualdade e de defesa da
dignidade humana (Brasil, 2012).

O Art. 3° das DNEDH pode ser considerado como o núcleo preceitual da EDH para a educação
nacional e contém, em um rol de sete incisos, os princípios que apontam para a mudança
e a transformação social como grandes finalidades da EDH no Brasil. São eles: I - dignidade
humana; II - igualdade de direitos; III - reconhecimento e valorização das diferenças e das
diversidades; IV - laicidade do Estado; V - democracia na educação; VI - transversalidade,
vivência e globalidade; e VII - sustentabilidade socioambiental.

É imperioso que todos aqueles que estejam diretamente envolvidos com a avaliação das
redações do ENEM possuam conhecimento da existência desses sete princípios de suas
respectivas conceituações e nuances próprias, pois, em última análise, o desrespeito
a um direito humano stricto-sensu materializado no texto do participante significará,
necessariamente, a propositura de uma violação de uma ou mais normas principiológicas
contidas no rol de incisos do artigo 3º das DNEDH.

Em um esforço de elucidação dos significados de cada um dos princípios contidos no art.


3° das DNEDH, o Conselho Nacional de Educação, por meio do Parecer n° 8/2012, apresenta
seus conceitos e suas características atinentes, os quais listamos abaixo:

• Dignidade humana
O princípio da dignidade humana coloca o ser humano e seus direitos como centro
202
das ações para a educação. Qualquer iniciativa deve obedecer, ou pelo menos levar

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em consideração, a promoção dos direitos humanos e da valorização da dignidade do


homem.

Relacionada a uma concepção de existência humana fundada em direitos. A ideia de


dignidade humana assume diferentes conotações em contextos históricos, sociais,
políticos e culturais diversos. É, portanto, um princípio em que se devem levar em
consideração os diálogos interculturais na efetiva promoção de direitos que garantam
às pessoas e aos grupos viverem de acordo com os seus pressupostos de dignidade.

• Igualdade de direitos
A respeito do princípio de igualdade de direitos, orienta a realizar a justiça social,
que é muito além de tratar a todos como iguais, é dar a cada indivíduo a atenção e a
importância que merece, percebendo as necessidades individuais.

O respeito à dignidade humana, devendo existir em qualquer tempo e lugar, diz


respeito à necessária condição de igualdade na orientação das relações entre os seres
humanos. O princípio da igualdade de direitos está ligado, portanto, à ampliação de
direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais a todos os cidadãos
e cidadãs, com vistas a sua universalidade, sem distinção de cor, credo, nacionalidade,
orientação sexual, biopsicossocial e local de moradia.

• Reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades


Já o princípio do reconhecimento e da valorização das diferenças e das diversidades
fala da existência da pluralidade de sujeitos, em que podem nascer os preconceitos
e as discriminações. Esse norte aconselha como honrar as diferenças de cada um e,
assim, construir um ambiente de valores igualitários.

Esse princípio se refere ao enfrentamento dos preconceitos e das discriminações,


garantindo que diferenças não sejam transformadas em desigualdades. O princípio
jurídico-liberal de igualdade de direitos do indivíduo deve ser complementado, então,
com os princípios dos direitos humanos da garantia da alteridade entre as pessoas,
grupos e coletivos. Dessa forma, igualdade e diferença são valores indissociáveis que
podem impulsionar a equidade social.

• Laicidade do Estado
A laicidade do Estado é o princípio que propõe a liberdade religiosa no contexto
educacional, mantendo a imparcialidade da pedagogia ao disseminar os saberes,
garantindo a diversidade das crenças.

Esse princípio se constitui em pré-condição para a liberdade de crença garantida pela


Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e pela Constituição Federal
Brasileira de 1988. Respeitando todas as crenças religiosas, assim como as não crenças, o
Estado deve manter-se imparcial diante dos conflitos e das disputas do campo religioso, 203
desde que não atentem contra os direitos fundamentais da pessoa humana, fazendo

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valer a soberania popular em matéria de política e de cultura. O Estado, portanto, deve


assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do país, sem praticar qualquer
forma de proselitismo.

• Democracia na educação
O princípio da democracia na educação tangencia os preceitos de liberdade, igualdade,
solidariedade e, principalmente, dos direitos humanos, que embasam a construção das
condições de acesso e permanência ao direito educacional.

Direitos humanos e democracia alicerçam-se sobre a mesma base — liberdade,


igualdade e solidariedade —, expressando-se no reconhecimento e na promoção dos
direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais. Não há democracia
sem respeito aos direitos humanos, da mesma forma que a democracia é a garantia de
tais direitos. Ambos são processos que se desenvolvem continuamente por meio da
participação. No ambiente educacional, a democracia implica a participação de todos
os envolvidos no processo educativo.

• Transversalidade, vivência e globalidade


O princípio da transversalidade, vivência e globalidade levanta a questão da
interdisciplinaridade dos direitos humanos na edificação das metodologias para
educação em direitos humanos. Refere-se, também, à globalidade, que quer dizer o
envolvimento completo dos atores da educação.

Os direitos humanos se caracterizam por seu caráter transversal e, por isso, devem
ser trabalhados a partir do diálogo interdisciplinar. Como se trata da construção de
valores éticos, a educação em direitos humanos é, também, fundamentalmente
vivencial, sendo-lhe necessária a adoção de estratégias metodológicas que privilegiem
a construção prática desses valores. Tendo uma perspectiva de globalidade, deve
envolver toda a comunidade escolar: alunos, professores, funcionários, direção, pais,
mães e comunidade local. Além disso, no mundo de circulações e comunicações
globais, a EDH deve estimular e fortalecer os diálogos entre as perspectivas locais,
regionais, nacionais e mundiais das experiências dos estudantes.

• Sustentabilidade socioambiental
Por fim, o princípio da sustentabilidade socioambiental informa que a educação em
direitos humanos deve incentivar o desenvolvimento sustentável, visando ao respeito
ao meio ambiente e preservando-o para as gerações vindouras.

A EDH deve estimular o respeito ao espaço público como bem coletivo e de utilização
democrática de todos. Nesse sentido, colabora para o entendimento de que a
convivência na esfera pública se constitui numa forma de educação para a cidadania,
estendendo a dimensão política da educação ao cuidado com o meio ambiente
204
local, regional e global. A EDH, então, deve estar comprometida com o incentivo e a
promoção de um desenvolvimento sustentável que preserve a diversidade da vida

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e das culturas, condição para a sobrevivência da humanidade de hoje e das futuras


gerações.

Entendemos, pois, que, como forma de garantia da segurança jurídica ao processo de


avaliação de possíveis desrespeitos aos direitos humanos contidos nas redações dos
participantes do ENEM, todo e qualquer modelo de valoração dessa especificidade deve
imperiosamente partir das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos
e, em especial, dos princípios contidos nos incisos do art. 3º da Resolução do Conselho
Nacional de Educação.

3. OS DIREITOS HUMANOS NA REDAÇÃO DO


ENEM
Atualizando a tabela proposta por Abreu (2017b), percebemos que o respeito aos Direitos
Humanos na redação do ENEM passou a gozar de um estatuto de regularidade a partir da
edição da prova aplicada no ano de 2013, logo após a publicação das DNEDH, do Conselho
Nacional de Educação.

QUADRO 1 EXIGÊNCIA DE RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS NO EDITAL E NA PROPOSTA DE


REDAÇÃO DO ENEM

Respeito Respeito
aos direitos aos direitos
Ano de
humanos na humanos no
realização do Proposta de redação
proposta de edital do
Enem
redação do Enem
Enem

1998 Viver e aprender Não Não


1999 Cidadania e participação social Não Não
Direitos da criança e do adolescente: como
2000 Não Não
enfrentar esse desafio nacional
Desenvolvimento e preservação ambiental:
2001 Sim Não
como conciliar os interesses em conflito?
O direito de votar: como fazer dessa
conquista um meio para promover as
2002 Não Não
transformações sociais de que
o Brasil necessita?
A violência na sociedade brasileira: como
2003 Sim Não
mudar as regras desse jogo?
Como garantir a liberdade de informação e
2004 Não Não
evitar abusos nos meios de comunicação
2005 O trabalho infantil na sociedade brasileira Sim Não
2006 O poder de transformação da leitura Sim Não
205

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2007 O desafio de conviver com as diferenças Sim Não


Foram três os temas, que versavam sobre a
2008 Sim Não
proteção da Floresta Amazônica
2009 O indivíduo frente à etica nacional Sim Não
O trabalho na construção da dignidade
2010 Sim Não
humana
Viver em rede no século XXI:
2011 Sim Não
os limites entre o público e o privado
Movimento imigratório para o Brasil no
2012 Sim Não
século XXI
2013 Efeitos na implantação da lei seca no Brasil Sim Não
2014 Publicidade infantil em questão no Brasil Sim Sim
A persistência da violência contra a mulher
2015 Sim Sim
na sociedade brasileira
Caminhos para combater a intolerância
religiosa no Brasil (1ª aplicação)
2016 Sim Sim
Caminhos para combater o racismo no
Brasil (2ª aplicação)
Desafios para a formação educacional de
2017 Sim Sim
surdos no Brasil
Manipulação do comportamento do usuário
2018 Sim Sim
pelo controle de dados na internet
Democratização do acesso ao cinema no
2019 Sim Sim
Brasil
O estigma associado às doenças mentais na
sociedade brasileira (ENEM impresso)
2020 Sim Sim
O desafio de reduzir as desigualdades entre
as regiões do Brasil (ENEM digital)
Invisibilidade e registro civil: garantia de
2021 Sim Sim
acesso à cidadania no Brasil
Os desafios para a valorização das
comunidades e povos tradicionais do Brasil
(aplicação regular)
2022 Sim Sim
Medidas para o enfrentamento da
recorrência da insegurança alimentar no
Brasil (reaplicação e PPL)
Fonte: INEP

206

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O desrespeito aos Direitos Humanos (DDH), por sua natureza agentiva, está associado à
proposta de intervenção, materializando-se como uma das possibilidades de atribuição do
nível 0 para a Competência V, no texto do participante que nele incorrer.

Por conta da pluralidade de possibilidades do tratamento da questão dos Direitos Humanos


na prova de redação do ENEM, as orientações específicas acerca do processamento da
questão do (des)respeito aos direitos humanos somente poderão ser apresentadas a partir
do desvelamento do tema da redação, que é tratado em regime de sigilo até o momento
de aplicação da prova.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um conjunto significativo dos capítulos de uma história da Educação em Direitos Humanos
na Educação Básica brasileira confunde-se com a evolução da aplicação de um dos maiores
exames admissionais ao ensino superior do globo terrestre.

Contando com cifras superlativas, o ENEM impulsionou, como um dos seus vários efeitos
retroativos, a difusão da EDH no currículo básico nacional, em especial no Ensino Médio,
por meio de componentes curriculares a exemplo da língua portuguesa, da sociologia, da
filosofia e da história (somente para citar alguns).

Os processos anuais de formação de profissionais para atuar nas avaliações das redações
do ENEM, que têm ocorrido nos últimos 25 anos, operam como verdadeiros cursos de
formação continuada dos licenciados em língua portuguesa que, no bojo das suas atuações
profissionais, têm ajudado a consolidar essa cultura dos Direitos Humanos nas escolas.

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e as Diretrizes Nacionais para a


Educação em Direitos Humanos são documentos basilares e imprescindíveis para a garantia
da segurança jurídica do processo e da atuação de todos os profissionais diretamente
envolvidos com a avaliação do (des)respeito aos Direitos Humanos na prova de redação do
Exame Nacional do Ensino Médio.

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ENEM 2023 ● A alegria dos reencontros


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REFERÊNCIAS
ABREU, R. N. Exercício da cidadania e direitos humanos – as funções da Competência
V na redação do Enem. In: GARCEZ, L. H. C.; CORRÊA, V. R. (Orgs.) Textos dissertativo
argumentativos: subsídios para qualificação de avaliadores. Brasília: Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2017a.

ABREU, R. N. Um olhar teórico, normativo e metodológico sobre a Educação em Direitos


Humanos. In: GARCEZ, L. H. C.; CORRÊA, V. R. (Orgs.) Textos dissertativo argumentativos:
subsídios para qualificação de avaliadores. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira, 2017b.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação


Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Diretrizes Nacionais Gerais da Educação
Básica. Brasília: MEC, 2013.

BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.
Brasília, 2018.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP Nº 8/2012, sobre a proposição das
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Relatores: Antônio Carlos Caruso
Ronca; Rita Gomes do Nascimento; Raimundo Moacir Feitosa e Reynaldo Fernandes.

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução Nº 1, de 30 de maio de 2012. Estabelece as


Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Diário Oficial da União. Brasília,
DF, 31 mai. 2012. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rcp001_12.pdf.
Acesso em: 12 jun. 2023.

OLIVEIRA, Helen Vieira; SENNA, Luiz Antônio Gomes. Algumas reflexões sobre o ENEM,
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Extensão e Cultura do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-UERJ),
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view/36885. Acesso em: 15 jun 2023.

PIOVESAN, Flávia; FACHIN, Melina Girardi. Educação em Direitos Humanos no Brasil:


desafios e perspectivas. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 19, n 117, 2017. Disponível
em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/1528. Acesso em:
20 jun 2023.

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LEITURAS DE APOIO
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ENEM 2023 ● A alegria dos reencontros

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