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4s Supreme Gribunal Federal 06/09/2001 ‘TRIBUNAL PLENO MED. _CAUT. ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2. 21: DISTRITO FEDERAL RELATOR: MIN, CELSO DE MELLO REQUERENTE: PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT ADVOGADOS: MARCIO LUIZ SILVA E OUTROS REQUERENTE: CONFEDERACAO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA - CONTAG ADVOGADOS: IVANECK PEREZ ALVES E OUTROS REQUERIDO: PRESIDENTE DA REPUBLICA RELATORIO O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Trata-se de acg&o direta, com pedido de medida cautelar, em que se objetiva a Geclaragio de inconstitucionalidade de ‘dispositivos da Medida Proviséria n* 2.027-38, de 04 de maio de 2000, publicada no Diario Oficial da Unia&o de 05 de maio de 2000, que promoveram a inclusdo do artigo 95-A e paraégrafo unico na Lei 4.504/64, e dos §§ 6%, 7%, 88 e@ 92, no artigo 2° da Lei 8.629/93” (fs. 2). As regras ora impugnadas tém o seguinte contetdo normativo: “MEDIDA PROVISORIA N® 2.027-38, DE 4 DE MAIO DE 2000. Acresce e altera dispositivos do Decreto-Lei n* 3.365, de 21 de junho de 1941, da Leis n*s 4.504, de 30 de novembro de 1964, 8.177, de 1* de marco de 1991, e 8.629, DE 25 de fevereiro de 1993, e d& outras providéncias. feet } wy 498 Supreme Tribunal Federal ADI 2.213-MC / DF O Presidente da Republica, no uso da atribuicdo que e Ihe confere o art. 62 da Constituicao, adota a seguinte Medida Proviséria, com forga de le: art. 1° (...) art. 22 A Lei n® 4.504, de 30 de novembro de 1964, passa a vigorar com as seguintes alteragées: ‘Ge ‘art. 95-A. Fica institufdo o Programa de Arrendamento Rural, destinado ao atendimento complementar de acesso 4 terra por parte dos trabalhadores rurais qualificados para participar do Programa Nacional de Reforma Agréria, na forma estabelecida em regulamento. Pardgrafo unico. Os iméveis que integrarem © Programa de Arrendamento Rural néo seréo e objeto de desapropriacdéo para fins de reforma agréria enquanto se mantiverem arrendados, desde que atendam aos requisitos estabelecidos em regulamento.’ (NR) Gd Art, 4* A Lei n* 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, passa a vigorar com as seguintes alteragées: tart. 28 (...) 5 6* 0 imével rural objeto de esbulho possessério ou invaséo motivada por conflito agrério ou fundidrio de cardter coletivo nao seré vistoriado nos dois anos seguintes a desocupacao do imével. § 7% Na hipdtese de reincidéncia da invasdo, computar-se-4 em dobro 0 prazo a que e se refere o pardgrafo anterior. § 82 A entidade, a organizag&o, a pessoa juridica, o movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ow indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invaséo de iméveis rurais ou de bens ptblicos, ou em conflito agrério ou fundidrio de cardter coletivo, n&o receberé, a qualquer titulo, recursos ptiblicos. § 9% Se, na hipétese do pardgrafo anterior, a transferéncia ou repasse dos recursos publicos j4 tiverem sido autorizados, assistird 2 Acree, STF se2002 fae 453 Sepwome Fpibunal Federal ADI 2.213-MC / DF ao Poder Piblico o direito de retenc&o, bem assim o de rescisdo do contrato, convénio ou instrumento similar.’ (NR)” Impde-se registrar, neste ponto, que o diploma normativo ora questionado (MP 2.027) foi reeditado sob nova designaco numérica (MP 2.109), em 26 de abril de 2001 (MP 2.109-51), em 24 de maio de 2001 (MP 2.109-52) e em 21 de junho de 2001 (MP 2.109-53), mantendo, quanto as normas impugnadas, ainda que reagrupadas algumas (fusdo dos antigos §§ 6* e 7%, agora reunidos no § 6*), © mesmo contetido material: ‘art. 2 A Lei n* 4.504, de 30 de novembro de 1964, passa a vigorar com as seguintes alteracées: ) ‘Art. 95-A. Fica instituido o Programa de Arrendamento Rural, destinado ao atendimento complementar de acesso a terra por parte dos trabalhadores rurais qualificados para participar do Programa Nacional de Reforma Agréria, na forma estabelecida em regulamento. Parégrafo unico. Os iméveis que integrarem o Programa de Arrendamento Rural no seréo objeto de desapropriagéo para fins de reforma agrdria enguanto se mantiverem arrendados, desde que atendam aos requisitos — estabelecidos = em regulamento.’ (NR) (.--) Art. @* A Lei n* 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, Passa a vigorar com as seguintes alteracées: tart. 2# (...) § 6% O imével rural de dominio piblico ou particular objeto de esbulho possessério ou invasdo motivada por conflito agrério ou fundidrio de cardter coletivo nfo sera vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes 4 sua 3 Caaaaseee 462 Sispromo Tribunal Federal ADI 2.213-MC / DF desocupacdo, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidéncia; e deveré ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedagées. S 82 A entidade, a organizacdo, a pessoa juridica, 0 movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasfo de iméveis rurais ou de bens ptblicos, ou em conflito agrério ou fundidrio de cardter coletivo, nao receberd, a qualquer titulo, recursos ptiblicos. § 9% Se, na hipétese do pardgrafo anterior, a transferéncia ou repasse dos recursos ptblicos jd tiverem sido autorizados, assistiré ao Poder Piblico o direito de retencdo, bem assim o de resciséo do contrato, convénio ou instrumento similar.’ (NR)” A MP 2.109 em questdo, agora com uma nova designacdo numérica (MP 2.183), veio a ser reeditada, por sua vez, em 28/06/2001 (MP 2.163-54), em 27/07/2001 (MP 2.183-55) e, finalmente, em 24/08/2001 (MP 2.183-56), com idéntico conteido material: ‘art. 2% A Lei n® 4.504, de 30 de novembro de 1964, Passa a vigorar com as seguintes altera¢ées: “Gad ‘art. 95-A. Fica institufdo o Programa de Arrendamento Rural, destinado ao atendimento complementar de acesso a terra por parte dos trabalhadores rurais qualificados para participar do Programa Nacional de Reforma Agréria, na forma estabelecida em regulamento. Pardgrafo tnico. Os iméveis que integrarem o Programa de Arrendamento Rural no serao objeto de desapropriacdo para fins de reforma agréria enquanto se mantiverem arrendados, desde que 4 wn Stettler yeh ADI 2.213-MC / DF Sijromo Tribunal Federal atendam aos requisitos estabelecidos em regulamento.’ (NR) GC Art. 4 A Lei n* 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, passa a vigorar com as seguintes alteragées: ‘art. 22 (...) § 6% © imével rural de dominio publico ou particular objeto de esbulho possessério ou invasdo motivada por conflito agrdrio ou fundidrio de cardter coletivo ndo serd vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes & sua desocupacdo, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidéncia; e deverd ser apureda Yesponsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedacées. § 8 A entidade, a organizacdo, a pessoa juridica, 0 movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invaséo de iméveis rurais ou de bens piblicos, ou em conflito agrdrio ou fundidrio de cardter coletivo, nado receberdé, a qualquer titulo, recursos publicos. 5 94 Se, na hipétese do § 8, a transferéncia ou o repasse dos recursos publicos j4 tiverem sido autorizados, assistird ao Poder Publico o direito de reten¢gdo, bem assim o de rescis&o do contrato, convénio ou instrumento similar.’ (NR)* sustent: ma presente sede de controle normativo que a medida proviséria em questdo revela-se formalmente inconstitucional, porque editada com inobservéncia dos pressupostos da urgéncia e da relevéncia, referidos no art. 62 da Constituicéo da a STF 302002 i G62 Sepromo Tribunal Federal ADI 2,213-MC / DF Alega de outro lado, que as normas inscritas na medida proviséria em causa, objeto da presente agdo direta, apresentam-se em situacdo de conflito material com o texto da Carta Politica, eis que teriam desrespeitado o art. 5*, incisos VIII, IX, XVII, XVIII, XIX, XXIII, XXXV, XXXVI, LIII, Liv, LV e LVII; o art. 6%; os arts. 184, 185, incisos I e II, 186, incisos I, II, III e IV eo art. 193, todos da Constituig&o Federal. Os autores afirmam, no que se refere as inovacdes introduzidas pela medida proviséria ora questionada, que o parégrafo Yinico do art. 95-A do Estatuto da Terra teria vulnerado o art. 185 da Carta da Repiblica, por supostamente haver criado "um novo tipo de propriedade insuscetivel de desapropriacdo” (fls. 06), de todo incompativel com o cardéter taxativo de que se revestiria, alegadamente, o preceito constitucional mencionado. A presente acdo direta também impugna o § 6* (que resultou da fusio dos antigos §§ 6% e 7*) do art. 2° da Lei n° 8.629/93, ma redac&o dada pelo art. 4* da medida proviséria em causa, eis que tal preceito normativo teria criado obstaculos juridicos que nfo se legitimariam em face dos arts. 184 e 185 da Coa Constituicado da Republica. 6 Slopremo Frabunal Faderal os ADI 2.213-MC / DF # que - segundo sustentado pelos autores - as normas em questéo frustrariam a efetiva concretizacio da funcdo social da propriedade rural, pois o Presidente da Repiblica, ao editd4-las, n&o teria tido a percep¢io de que as ocupagées de terras, quando promovidas com 0 objetivo de agilizar o processo de reforma agréria @ de viabilizar a expropriacao do imével rural, ndo se qualificariam como atos caracterizadores de esbulho possessério, mas traduziriam instrumento legitimo e eficaz de luta polftica para compelir o Governo a proceder na forma indicada no art. 184 da Constituicdo. Questiona-se, ainda, a validade constitucional dos SS 8 e 9% do art. 2° da Lei n* 8.629/93, ma redag&éo dada pelo art. 4° da medida proviséria ora impugnada, porque supostamente conflitantes com os postulados constitucionais das liberdades do pensamento (CF, art. 5%, VIII e IX), de associacéo (CF, art. 5%, XVII, XVIII e XIX), da intangibilidade do ato juridico perfeito (cr, art. 5%, XXXVI), do juiz natural (cF, art. 5%, LIII), do devido processo legal (CF, art. 5%, LIV), da amplitude de defesa e do contraditério (cF, art. 5*, LV) e da presuncdo juris tantum de n&o-culpabilidade (CF, art. 5%, LVII). Cabe também destacar que os autores sustentam que todos os preceitos ora impugnados vulnerariam 0 principio da proporcionalidade e o postulado que veda o retrocesso social. Pete 2 ace deters Sipvomo Frbanal Fedaral ues ADI 2.213-Mc / DF © Presidente da Repiblica, nas informagdes que prestou a esta Suprema Corte, suscitou quest&o preliminar de n&o-conhecimento da presente ac&o direta, por auséncia e por insuficiéncia de fundamentacéo, no que se refere ao art. 95-A, caput da Lei n* 4.504/64 e aos §§ 8* e@ 9* do art. 2* da Lei n* 8.629/93, todos na redacio que Ihes deu a medida proviséria em exame, bem assim quanto & alegada violac&o ao principio da proporcionalidade e ao postulado constitucional que veda o retrocesso social. © Chefe do Poder Executivo da Uni&o, nas informagdes que submeteu ao exame do Supremo Tribunal Federal, também defendeu a plena validade constitucional do diploma em questéo (fls. 60/86), enfatizando, no que concerne A alegac&o de inconstitucionalidade formal, que “a interveng&o judicial no controle dos pressupostos de urgéncia e relevaéncia, quando admissivel, afigura-se rigorosamente excepcional” (£1s. 80), sustentando, ainda, quanto a tal aspecto, que a medida proviséria em causa atendeu, integralmente, os requisitos mencionados. © Presidente da Repiblica, de outro lado, nos pontos que se referem A alegac&o de inconstitucionalidade material, acentuou que nfo procedem as impugnacdes deduzidas contra a medida proviséria em causa, cujo teor revela-se plenamente compativel com o » Ca oo foe 465 Sispromo Tribunal Federal ADI 2.213-MC / DF texto da Constituicéo da Reptblica, destacando, por relevantes, os seguintes aspectos: (a) que constitui “erro bésico considerar taxativo © rol de hipdteses insuscetiveis de desapropriacdo para reforma agréria, pois a regra & a protecéo da propriedade nos termos das garantias da cldusula dominial e do devido processo legal" (f1s. 64); {b) que ‘a jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo distintas hipéteses em que se veda a desapropriacao de iméveis rurais, absolutamente ausentes nas hipéteses do art. 185" (£1s. 66); (ce) que “somente a constatagao especifica e tépica de que determinado imével nao realiza a sua funcéo social permitiria sua desapropriacéo” (fls. 65); (@) que *o imével rural invadido ndo se encontra em condigées de submeter-se a vistoria para configurar o nao-atingimento dos indices minimos de produtividade* (18. 69); (e) que *é o préprio principio da legalidade que impde & Administracéo Publica a oposicéo ao financiamento ptblico de entidades envolvidas com a prdética ou a promogao de atos ilicitos’, pois ‘os atos juridicos celebrados pela Administrac&o Publica ostentam um regime juridico especifico, o que decorre exatamente da afetagdo especifica do patriménio e do interesse piblicos. e da vinculacéo da atuacdo administrativa ao principio da legalidade” (f1s. 74); (€) que a medida proviséria ora questionada - considerado o préprio contetdo material que veicula - revela-se diploma impregnado de evidente razoabilidade, néo ofendendo, por isso mesmo, o principio da proporcionalidade; (g) que os preceitos inscritos na medida proviséria em exame, precisamente por objetivaren neutralizar situacdes de abuso causadas por determinadas organizacdes e movimentos sociais, buscam inibir atos de esbulho possessério contra a propriedade privada e contra bens piblicos, n&o ofendendo, desse modo, o principio que veda o retrocesso social, pois ‘a violéncia direta, imediata e contréria as instituigdes dificilmente pode ser percebida como um avango social’ (£1s. 85). 9 —_— yee Sspromo Tribunal Federal ADI 2.213-MC / DF Cabe assinalar, finalmente, que os autores promoveram, com regularidade, de maneira tempestiva, o pertinente aditamento da peticéo inicial, motivado pelas sucessivas reedicées da medida proviséria ora questionada (fls. 428/430 e 442/445). Tendo em vista a relevéncia do tema versado na presente agado direta, e por entender indispensével a audiéncia prévia da douta Procuradoria-Geral da Repiblica, determinei, nos termos do art. 10, § 1%, da Lei n* 9.868, de 10/11/99, © pronunciamento do e Ministério Publico Federal (fls. 359). © eminente Procurador-Geral da Repiblica, Dr. GERALDO BRINDEIRO, ao opinar pelo indeferimento do pedido de medida cautelar, im fundamentou o seu parecer (£18. 361/365): “Trata-se de aco direta, com pedido de medida liminar, proposta pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), objetivando a declaracdéo de inconstitucionalidade de dispositivos da Medida Proviséria n* 2.027-38, de 04 de maio de 2000, publicada no Didrio Oficial da Unido de e 05 de maio de 2000 (reeditada em 26 de outubro), que promoveu a incluséo do art. 95-A e parégrafo unico na Lei n* 4,504/64, e dos §§ 6%, 7%, 8* e 9%, no art. 2° na Lei n* 8,629/93. # o teor dos dispositivos ora impugnados : ‘art. 2°. - A Lei n* 4.504, de 30 de novembro de 1964, passa a vigorar com as seguintes alteragées: ‘art. 95-A - Fica instituido o Programa Nacional de Arrendamento Rural, destinado ao atendimento complementar de acesso a terra, por 10 On. e.. __ Sprome Tebunad Federal 469 ADI 2.213-Mc / DF parte dos trabalhadores rurais qualificados para participar do Programa Nacional de Reforma Agréria, na forma estabelecida em regulamento. Pardgzafo unico - Os iméveis que integrarem © Programa de Arrendamento Rural néo seréo objeto de desapropriacéo para fins de reforma agréria enquanto se mantiverem arrendados, desde que atendam aos requisitos estabelecidos em regulamento.’ feed ‘art. 4°. - A Lei n* 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, passa a vigorar com as seguintes alteragées: tart. 2. (...) 5 6°. - © imével rural objeto de esbulho possessério ou invasdo motivada por conflito agrério ou fundidrio de cardter coletivo n&o seré vistoriado nos dois anos seguintes a desocupacéo do imével. 5 7. - Na hipétese de reincidéncia da invasdo, computar-se-& em dobro o prazo a que se refere o parégrafo anterior. § 8. - A entidade, a organizacao, a pessoa juridica, o movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasdo de iméveis rurais ou de bens publicos, ou em conflito agrério ou fundidrio de cardter coletivo, ndo receberé, a qualquer titulo, recursos ptiblicos. 5 9°. - Se, na hipétese do pardgrafo anterior, a transferéncia ou repasse dos recursos ptblicos j4 tiverem sido autorizados, assistiré ao Poder Piblico o direito de retencéo, bem assim o de rescisdo do contrato, convénio ou instrumento similar’. ’ Alega o autor ofensa aos incisos VIII, IX, XVII, XVIII, XIX, XXIII, XXXV, XXXVI, LIII, LIV, LV, e LVII do art. 5°, e aos arts. 6%, 184, 185, 186 e 193, todos da Constituic&o Federal. Vossa Exceléncia, em despacho exarado a fls. 359, ao examinar a concessé0 da medida liminar, entendeu ser indispensdvel, para os fins e efeitos a que se refere o a UM HII _ Sispromo Tribunal Federal yes ADI 2,213-MC / DF art. 10, § 1%, da Lei n* 9.868, de 10/11/99, a audiéncia prévia do Procurador-Geral da Republica, tendo em vista a relevancia do tema versado na presente acéo direta. Apresentadas as informagées pelo Excelentissimo Senhor Presidente da Republica a fls. 60/332, vieram os autos com vista a esta Procuradoria Geral da Republica para manifestar-se sobre a medida cautelar. Requer o autor a concesséo da medida liminar para suspender a eficdcia dos dispositivos da medida proviséria ora impugnados, por entender estarem os mesmos violando dispositivos da Constituigéo Federal, bem como principios nela inseridos. gm sintese, alega o requerente as seguintes ofensas: a) violagéo ao art. 185 da Carta Magna pelo parégrafo nico do impugnado art. 95-A da Medida Proviséria n® 2.027/00, por ter aquele criado um novo tipo de propriedade insuscetivel de desapropria¢ao; b) ofensa dos §§ 6° e 7° do art. 28 da referida medida ao disposto no at. 184 da Carta Magna por obstar a vistoria, dificultando, conseqientemente, a desapropriac&o; c) ofensa ao § 8% do referido artigo aos direitos e garantias fundamentais por sufocar um movimento social legitimo; d) afronta ao inciso XXXVI do art. 5* da Constituigéo Federal pelo § 9%, também do ja mencionado art. 2%, pela criac&o da possibilidade de inovacdo unilateral da relacéo contratual, tendo em vista a figura da retengéo de recursos orcamentarios destinados a partido politico; e) violacéo ao principio da proporcionalidade ante a desproporcao entre o objetivo perseguido e o énus imposto ao atingido, isto por serem as restricgées descabidas, | desproporcionais e desarrazoadas em relacdo ao que a Constitui¢do Federal e 0 proprio Governo divulgam, para tratamento da questéo agréria e fundidria no pais; e £) ofensa a proibic&o constitucional do retrocesso social tendo em vista a agressdo, pela norma ora impugnada, aos direitos sociais garantidos pela Carta Constitucional. Cate ttetitttet Se ere eee 12 Sipwono Trdoanal Fedovat 463 ADI 2.213-MC / DF Preliminarmente, cabe aqui ressaltar que, no que se refere 4 alegada inconstitucionalidade do caput do art. 95-A, do § 68% do art. 2%, ambos da MP n* 2.027/2000, bem como da alegada ofensa a proibi¢&o constitucional do retrocesso social, nao merece ser conhecida a presente acdo direta tendo em vista a auséncia de qualquer argumentacdo especifica sobre sua ofensa as normas constitucionais, n&o sendo cabivel aqui, uma alegacaéo genérica de inconstitucionalidade pelo requerente, como jd entendeu esse colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIN n* 1.811/DF, cuja ementa abaixo transcrevo: ‘(...) 7. Inguficiéncia de fundamentagao da inicial dado o ntimero de dispositivos legais alterados pela Medida Proviséria, sem que se particularize, pontualmente, como convém, a motivacéo a justificar a declaracéo de sua invalidade. 8. Acdo direta de inconstitucionalidade n&o conhecida, por falta de motivagdo especifica quanto a pretendida declaragao de inconstitucionalidade’ (Adin no. 1.811/DF, REL. MIN. NERI DA SILVEIRA, DJ 25/02/00, pag. 116). Quanto a concessdo da liminar ora requerida, nfo assiste razdo ao autor. Sustenta o requerente estar o fumus boni duris devidamente demonstrado pelos argumentos de fato e de direito aduzidos; contudo, no que se refere ao periculum in mora, ndo demonstra o autor de que forma seria prejudicial a ndo concessdo da medida liminar. Prevé o supostamente ofendido art. 185 da Constitui¢gaéo Federal: ‘art. 185 - Sdo insuscetiveis de desapropriacao para fins de reforma agréria: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietéario nao possua outra; II - a propriedade produtiva. Parégrafo unico - A lei garantird tratamento especial a propriedade produtiva e fixaré normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua fungao social.’ 13 , q yr Sspremo Tribunal Federal ADI 2.213-MC / DF Nao hd falar na hipétese de criacao de novo tipo de propriedade insuscetivel de desapropriagdéo. 0 que a norma impugnada faz, na verdade, atendendo plenamente a fun¢&o social da propriedade preconizada no art. 186, e seus incisos, da Constitui¢éo Federal e no Estatuto da Terra, & assegurar que, enquanto houver arrendamento rural (o que beneficia a produtividade e o bem-estar de proprietérios e trabalhadores), nfo seré decretada a desapropriacao do imével rural. Quanto as demais alegacdes, ndo merecem igualmente guarida, a nosso ver, por néo vislumbrarmos nas normas impugnadas sendo garantias para que a reforma agréria seja realizada dentro da legalidade e respeitados os principios do Estado de Direito. Além disso, é evidente © prejuizo resultante de invasées para as vistorias visando apurar a produtividade do imével rural para fins de desapropriacdo por interesse social, segundo o disposto no art. 184, caput, e 186, incisos I a IV, da Constitui¢déo Federal. Ante o exposto, ausentes os pressupostos que justifiquem a concesséo da medida cautelar, opinamos pelo indeferimento do pedido.* (grifei) Havendo pedido de medida cautelar, submeto esse pleito & apreciagado do Egrégio Plendrio do Supremo Tribunal Federal. # o relatério. ———— ee 14 Sepreme Tribunal Federal 06/09/2001 cAUT. EM voro (8/ inconstitucionalidade formal: controle jurisdicional dos pressupostos da medida proviséria) © SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO (Relator): Os autores sustentam que a medida proviséria questionada na presente sede processual revela-se formalmente inconstitucional, eis que desatendidos, na espécie, os pressupostos concernentes @ urgéncia e a relevancia. Para fundamentar essa pretensio de inconstitucionalidade formal, o Partido dos Trabalhadores assim expés as razdes de sua argiligéo (fls. 24/25): “... em que pese a importancia e a relevancia da questéo fundidria, resgate-se que o tema & objeto de intenso debate no Congresso Nacional hd anos, ndo sendo admissivel que o Governo, ‘na calada da noite’, edite uma Medida Proviséria para tratar do tema que poderia e deveria ser objeto de debate com a _ sociedade brasileira, posto que néo se caracteriza a urgéncia requerida pela Constituicdo Federal.” enho registrado, em diversas decisdes proferidas nesta Suprema Corte (RE 239.286/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), a minha extrema preocupac&o com o excesso de medidas provisérias que CO ee _ s yaé Shipvome Tribunal Federal ADI 2.213-MC / DF os sucessivos Presidentes da Reptblica tém editado, transformando, essa prética extraordinéria de sua competéncia normativa, em exercicio ordindério do poder de legislar, com grave comprometimento do postulado constitucional da separag&o de poderes. W&o se pode desconhecer que o postulado da separac&o de poderes - além de qualificar-se como um dos nticleos temdticos irreform4veis do ordenamento constitucional positivo brasileiro - reflete, na concrecéo do seu alcance, um significativo dogma de preservagéo do equilibrio de nosso sistema politico e de intangibilidade do modelo normativo das liberdades publicas, dmpedindo - a partir da estrita subordinac&io estatal aos limites impostos ao Ambito de atuacéo dos poderes constituidos - que o regime democrético venha a ser conspurcado pelo exercicio ilegitimo das prerrogativas estatais. Torna-se necessério enfatizar que 0 coeficiente de liberdade dos povos expde-se a sensivel e perigosa reduc&o, quando as instituigdes do Estado, ao usurparem atribuicdes que lhes n&o s&o préprias, transgridem o postulado da separacdo de poderes, dando indevida expansio as suas prerrogativas politicas e juridicas, e, com esse comportamento revestido de ilicitude constitucional, culminam por desrespeitar a Constituicéo e por lesar, de maneira inaceitdével, as liberdades civis, as franquias democraéticas e os » A—— ee @ cee Sipromo Sodbunal Federal 9 ADI 2.213-MC / DF paraémetros cuja estrita observaéncia deve condicionar o exercicio do poder estatal. © fato é que processos de continua e indevida expansao de competéncias constitucionais - como aqueles que derivam da utilizag&o excessiva de medidas provisérias - acabam por gerar, no 4mbito da comunidade estatal, situagdes instauradoras de concreto desrespeito ao sistema de poderes limitados consagrado no texto da Constituicao da Republica, circunsténcia esta que confere preocupante atualidade a adverténcia feita, j4 no final do século XVIII (1787/1788), por JAMES MADISON, quando, em texto lapidar, buscou ressaltar a necessidade politica de estabelecer um modelo institucional que evitasse a concentracéo de poderes e que se revelasse apto a ‘deter o espirito usurpador do poder* (*O Federalista”, p. 394/399 e 401/405, 401, arts. n*s 47 e 48, 1984, Editora UnB). Essa mesma preccupacdo revela-se evidente nas reflexdes feitas por JOHN LOCKE ("Segundo Tratado sobre o Governo”, p. 89/92, itens ns. 141/144, 1963, Ibrasa), em obra, que, escrita em pleno século XVII (1690), apresenta relevantissima contribuicio a propésito da questéo pertinente aos limites do governo e a imprescindibilidade de ‘equilibrar o poder do Governo pela colocagao de diversas partes dele em diferentes m4os". Cees _ Sprome Tribunal Federal 434 ADI 2.213-MC / DF & preciso advertir, neste ponto, que o regime de governo e as liberdades das pessoas, muitas vezes, expdem-se a un processo de quase imperceptivel erosao, destruindo-se, lenta e progressivamente, pela aco usurpadora dos poderes estatais, impulsionados pela busca autoritdéria de maior dominio e controle hegeménico sobre o aparelho de Estado e sobre os direitos e garantias do cidadao. Quando os Cursos Juridicos foram instituidos em Sao Paulo e em Olinda, pela Lei imperial de 11/08/1827, vigorava, j4 hd quase trés (3) anos e meio, a Carta Politica do Império do Brasil, cujo artigo 9%, refletindo o verdadeiro significado que ainda hoje anima e orienta o principio da divisdéo funcional do poder, proclamava que “A divisdo e harmonia dos Poderes Politicos é¢ 0 principio conservador dos direitos dos cidad&os e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constitui¢do oferece”. Essa 6 a razéo pela qual JOSE ANTONIO PIMENTA BUENO, Marqués de Sao Vicente (*Diredto Publico Brasileiro e Andélise da Constituicio do Império”, p. 32/33, item ns. 27/28, 1958, reedic&o do Ministério da Justiga, Rio de Janeiro), em magistério que se reveste de permanente atualidade, destacou o cardéter fundamental e essencialmente limitador do postulado da divis&o funcional do poder, . _ Sepromo Tribunal Fadoval 4s ADI 2.213-MC / DF tecendo consideracées, a propésito desse tema, numa fase de nosso processo histérico, em que nem mesmo o Imperador - que era titular do Poder Executivo e do Poder Moderador - dispunha da prerrogativa excepcional de legislar A revelia da Assembléia Geral do Império, pois a Carta Politica de 1824, sob tal aspecto, nfo transigia em torno do principio da separacéo de poderes e, em conseqiiéncia, sequer previa, em favor do monarca, a possibilidade de legislar mediante instrumentos extraordindrios como a medida proviséria, o decreto-lei ou qualquer outro equivalente constitucional. Cabe relembrar, bem por isso, a precisa adverténcia, sobre a necessidade de impor limitacdes ao Poder Politico, feita pelo Marqués de S&o Vicente, que, sem divida, como o atesta MIGUEL REALE (*Figuras da Inteligéncia Brasileira”, p. 45/50, 2* ed., 1994, Siciliano), foi o maior constitucionalista do Impérit “Dai se manifesta claramente a necessidade essencial da diviséo do poder, necessidade que uma civilizacéo adulta trata logo de satisfazer. Essa diviséo & quem verdadeiramente distingue e classifica as diversas formas dos governos, quem estrema os que s&0 absolutos dos que sdo livres, quem enfim opera a disting&o real dos diferentes interesses e servicos da sociedade. Sem ela o despotismo necessariamente deverd prevalecer, pois que para o poder ndo abusar é preciso que seja dividido e limitado, é preciso que o poder contenha o poder. Entretanto, para que a divisdo dos poderes ministre seus benéficos resultados, 6 de mister que seja real, que prevaleca nao sé de direito como de fato, que seja uma realidade e ndo somente nominal, que seja efetiva e Cee Sopoomo Tribunal Fedoval Wye ADI 2.213-MC / DF n&o uma idealidade apenas escrita. B essencial que seja respeitada, e fielmente observada, que cada poder efetivamente se contenha em sua rbita, que reciprocamente zelem de suas atribuicées, no tolerando a invaso e 0 despojo de sua competéncia constitucional. Observer praticamente a sabia disposicdo do art. 9° da lei fundamental é o grande desideratum, 6 a vida real do sistema constitucional. Quanto mais exata for essa observancia, mais seguras e amplas seréo as liberdades brasileiras, e mais regular e bem ordenada a administracdo nacional, marcharemos entéo para prosperidade; haveré crencas, espirito nacional e entusiasmo.” (grifei) Esse magistério notdével, licido e extremamente atual, ministrado por um dos mais extraordindrios constitucionalistas do Império, aluno da primeira turma da Faculdade de Direito do Largo de $80 Francisco, autoriza proclamar a asser¢do de que a construcdo da ordem democrética no Brasil ou em qualquer outro Pais, para ser plena, h4 de neutralizar os impulsos gerados no interior do préprio aparelho de Estado que incompreensivelmente estimulam a desconsideracéo do valor e do significado que uma ordem constitucional legitima deve representar para a consciéncia de pessoas livres e para as formagées sociais organizadas de acordo com © principio da liberdade. Uma viséo do processo politico-institucional, que se recuse a compreender a supremacia da Constituig&o e que hesite em submeter-se & autoridade normativa de seus preceitos, notadamente daqueles que consubstanciam as cldusulas pétreas - que protegem o Ca Sipreme Frbunal Faderal Wt ADI 2,213-MC / DF nucleo irreformdvel e a esséncia mesma do pacto constitucional - é censurdvel e 6 preocupante, pois torna evidente que ainda h4, na intimidade do Poder, um residuo de indisfarcével autoritarismo, despojado de qualquer coeficiente de legitimidade ético-juridica. Todas essas consideracées justificam-se ante a maneira prédiga com que Chefes do Poder Executivo da Unido, em tema de medidas provisérias, tém exercido a competéncia extraordinéria que lhes foi outorgada pelo art. 62 da Carta Politica. N&o podemos ignorar que a crescente apropriago institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivos Presidentes da Republica, tem despertado graves preocupacées de orden juridica, em razio do fato de a utilizacio excessiva das medidas provisérias causar profundas distorgSes que se projetam no plano das relacSes politicas entre os Poderes Executivo e Legislativo. ° exercicio dessa excepcional prerrogativa presidencial, precisamente porque transformado inaceitével prdética ordindria de Governo, torna necessério - em funcdo dos paradigmas constitucionais, que, de um lado, consagram a separacdo de poderes e o principio da liberdade e que, de outro, repelem a formacéo de ordens normativas fundadas em processo legislativo de > AR ee Sipromo Tibunal Federal we ADI 2.213-MC / DF caréter autocrético - que se imponha moderacio no uso da extraordinéria competénmcia de editar atos com forga de lei, outorgada, ao Chefe do Poder Executivo da Unido, pelo art. 62 da Constitui¢do da Republica. & natural - considerando-se a crescente complexidade que qualifica as atribuigées do Estado contemporineo - que se lhe concedam meios institucionais destinados a viabilizar produc&o normativa 4gil que permita, ao Poder Publico, em casos de efetiva necessidade e de real urgéncia, neutralizar situacées de grave risco para a ordem publica e para o interesse social. Reconhego, por isso mesmo, que a outorga de competéncia normativa priméria, ao Poder Executivo (ou ao Governo), traduz, ainda que excepcionalmente, medida incorporada ao processo legislativo contemporaneo e adotada, no plano do direito constitucional comparado, por diversos sistemas politicos, em ordem a legitimar respostas normativas imediatas em face de situacdes de crise que possam afetar a ordem estatal ou o interesse social. Desse modo, e mesmo que o exercicio sempre excepcional) da atividade normativa prim4ria pelo Poder Executivo possa justificar-se em situacdes absolutamente emergenciais, abrandando, em tais hipdteses, “o monopdlio Jegislativo dos s CG —— __ @ sce Slipromo Tribunal Federal tas ADI 2,213-Mc / DF Parlamentos” (RAUL MACHADO HORTA, “Medidas Provisdrii , in Revista de Informagéo Legislativa, vol. 107/5), ainda assim revela-se profundamente inquietante - na perspectiva da experiéncia institucional brasileira - o progressivo controle hegeménico do aparelho de Estado, decorrente da superposicéo da vontade unipessoal do Presidente da Reptblica, em fungdo do exercicio imoderado da competéncia extraordinéria que lhe conferiu o art. 62 da Constituicao. Cumpre ter presente, bem por isso, no que se refere ao poder de editar medidas provisérias, a aéverténcia exposta em autorizado magistério doutrindrio (MANOEL GONCALVES FERREIRA FILHO, “Do Processo Legislativo", p. 235, item n. 152, 3* ed., 1995, Saraiva): “Trata-se de um grave abuso. Ele importa no mesmo mal que se condenava no decreto-lei, isto é, importa em concentracéo do poder de administrar com o poder de legislar, uma violagdéo frontal a separagéo dos poderes.” Esse comportamento governamental faz instaurar, no plano do sistema politico-institucional brasileiro, uma perigosa préxis descaracterizadora da natureza mesma do regime de governo consagrado na Constituicdo da Reptblica, como pude enfatizar, em voto vencido, no Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento, em fa (Gp auassaamarse _ 1997, da ADI 1.687/DF. Sipromo Tribunal Federal a ADI 2.213-MC / DF Eventuais dificuldades de ordem politica - exceto quando verdadeiramente presentes razées constitucionais de urgéncia, necessidade e relevancia material - no podem justificar a utilizac&o de medidas provisérias, sob pema de o Executivo, além de apropriar-se ilegitimamente da mais relevante funcdo institucional que pertence ao Congresso Nacional, converter-se em instancia hhegemonica de poder no 4mbito da comunidade estatal, afetando, desse modo, com grave prejuizo para o regime das liberdades plblicas e sérios reflexos sobre o sistema de checks and balances, a relacdo de equilibrio que necessariamente deve existir entre os Poderes da Republica. Os dados pertinentes ao ntimero de medidas provisérias editadas e reeditadas pelo Presidente da Repiblica, desde 05 de outubro de 1988 até a presente data, evidenciam que o exercicio compulsive da competéncia extraordindéria de editar medida proviséria culminou por introduzir, no processo institucional brasileiro, verdadeiro cesarismo governamental em matéria legislativa, provocando graves distorg3es no modelo politico e gerando sérias disfungdes comprometedoras da integridade do principio constitucional da separagio de poderes, como tive o ensejo de enfatizar, quando do julgamento do RE 239.286/PR, Rel. Min. CELSO DE oe sagas MELLO (RDA 219/323-329) SKepwemo Trdunal Federal 48s ADI 2.213-MC / DF N&o se pode ignorar que os diversos Presidentes da Repiblica - no periodo compreendido entre 05/10/88 (data da promulgacdéo e vigéncia da Constituicéo Federal) e 03/09/2001 (data da Ultima atualizaga’o) -, valendo- do instrumento excepcional da medida proviséria, legislaram mais de duas (2) vezes que o préprio Congresso Nacional, em igual perfodo. ImpSe-se enfatizar que, nesse lapso de tempo (quase 13 anos), © Parlamento brasileiro, com estrita observancia dos principios democréticos que regem o processo de elaborac&o das leis, aprovou proposicées de que resultou a edicio de 2.591 leis ordinérias. Apenas quatro (4) Chefes do Poder Executivo da Unido, no entanto, foram responsdveis, somente eles, em idéntico periodo (05/10/88 a 03/09/2001), pela edic&o origindéria ou por reedicées sucessivas de 6.088 medidas provisérias (média de 470 medidas provisérias por ano), circunsténcia esta que - além de concentrar, Andevidamente, na Presidéncia da Reptiblica, o foco e o eixo das decisées legislativas - tornou inst&vel o ordenamento normativo do Estado brasileiro, que passou, em conseqiéncia, a viver sob o signo = do efémero. lt Spoomo Tribunal Federal 82 ADI 2.213-MC / DF De outro lado, e tendo presente esse anémalo quadro de e @isfungao dos poderes governamentais - de que deriva, em desfavor do Congresso Nacional, o comprometimento do relevantissimo poder de agenda, por acarretar a perda da capacidade de o Parlamento condicionar e influir, mediante regular atividade legislativa, na definic&éo e no estabelecimento de politicas piblicas -, cumpre ressaltar que, somente no periodo compreendido entre 1995 e a presente data, o Presidente da Repiblica - entre edigdes e reedicdes - promulgou, sozinho, um total de medidas provisérias (em torno de e 5.276), total esse equivalente a mais do que o dobro de decretos-leis (precisamente 2.272 decretos-leis) editados pelos generais-Presidentes, ao longo de todo o regime de excecéo, que, no Brasil, vigorou entre 18 de abril de 1964 e 15 de marco de 1985. vale dizer, no periodo assinalado (1964/1985), os curadores do regime autoritdrio editaram, ao longo de vinte e um (21) anos, 2.272 decretos-leis, © que corresponde, aproximadamente, e a 43% do total de medidas provisérias, que, em apenas sete (7) anos, foram editadas/reeditadas, pelo atual Presidente da Reptblica, numa evidente atestacéo de que o Chefe do Poder Executivo da Uniao transformou-se, definitivamente, em verdadeiro legislador solitério CA 12 Be eee reer da Republica. Sipromo Tribanal Fedoval 463 ADI 2.213-MC / DF Cabe advertir, por isso mesmo, que a_ utilizac&o excessiva das medidas provisérias minimiza, perigosamente, a importaéncia politico-institucional do Poder Legislativo, pois suprime a possibilidade de prévia discussdéo parlamentar de matérias que, ordinariamente, esto sujeitas ao poder decisério do Congresso Nacional. Na realidade, a expans&o do poder presidencial, em tema de desempenho da funcdo normativa prim4ria, além de viabilizar a possibilidade de uma preocupante ingeréncia do Chefe do Poder Executivo da Unido mo tratamento unilateral de questées, que, historicamente, sempre pertenceram A esfera de atuacdo institucional dos corpos legislativos, introduz fator de desequilibrio sistémico que atinge, afeta e desconsidera a esséncia da ordem democratica, cujos fundamentos - apoiados em razées de garantia politica e de seguranca juridica dos cidadéos - conferem justificac&o teérica ao principio da reserva de Parlamento e ao postulado da separacéo de poderes. Cumpre no desconhecer, neste ponto, que 6 0 Parlamento, no regime da separacdo de poderes, o tinico érgdo estatal investido de = legitimidade constitucional para = elaborar, On____ 13 _ democraticamente, as leis do Estado. Sipwono ribunal Fedival 46h ADI 2.213-MC / DF Interpretagdes regalistas da Constitui¢ao - que visem a produzir exegeses servilmente ajustadas a visdo e a conveniéncia exclusivas dos governantes e de estamentos dominantes no aparelho social - representariam clara subversdo da vontade inscrita no texto de nossa Lei Fundamental e ensejariam, a partir da temerdria aceitacdo da soberania interpretativa manifestada pelos dirigentes do Estado, a deformacéo do sistema de discriminagdo de poderes, fixado, de modo legitimo e incontrastdvel, pela Assembléia Nacional Constituinte. Impde-se relembrar - e relembrar a todo momento - que os poderes do Estado, em nosso sistema constitucional, sao essencialmente definidos e precisamente limitados. *E a Constituigéo foi feita" - adverte a doutrina (HUGO L. BLACK, “Crenga na Constitui¢géo", p. 39, 1970, Forense) - “para que esses limites nao sejam mal interpretados ou esquecidos”. Tenho sempre enfatizado, bem por isso, que uma Constituigio escrita nfo configura mera peca juridica subalterna, que possa sujeitar-se a vontade discriciondria e irresponsdvel dos governantes, nem representa simples estrutura formal de normatividade, nem pode caracterizar ou ser interpretada como um irrelevante acidente histérico na vida dos povos e das Nagées (RPI 146/707-708, Rel. Min. CELSO DE MELLO). A Constituig&éo - cujo Goa Beer EHEC ree oe Shiprome Tribunal Federal 465 ADI 2.213-MC / DF sentido de permanéncia, estabilidade e transcendéncia deve sobrepor- se A irrupgdo de crises meramente episéddicas ou a ocorréncia de dificuldades de natureza conjuntural, que, eventualmente, afetem o aparelho de Estado ou, até mesmo, a prépria sociedade civil - reflete, ante a magnitude de seu significado politico-juridico, um documento solene revestido de jimportaéncia essencial, sob cujo império protegem-se as liberdades, impede. a opress&éo do poder e repudii @ © abuso governamental. © exercicio das fungdes estatais sofre os rigidos condicionamentos impostos pela ordem —constitucional. ° extravasamento dos limites de sua atuacgdo pée, gravemente, em causa, a supremacia, formal e material, da Constituicdo e gera situacées de conflituosidade juridico-institucional, na medida em que os atos de usurpagdo qualificam-se como fatores de ruptura do equilibrio entre os Poderes do Estado. © constituinte brasileiro, ao elaborar a Constitui¢ao que nos rege, mostrou-se atento e sensivel A experiéncia histérica de outros Povos e fez consagrar, na Carta Politica que promulgou, fiel a nossa prépria tradig&o constitucional, um principio cuja essencialidade é marcante no plano das relacdes institucionais entre os 45 ee rece os érgéos da soberania nacional. Sispromo Tribunal Fadeval 466 ADI 2.213-MC / DF Esse principio - 0 da separag&o de poderes -, a que é insito um sentido de fundamentalidade, foi proclamado, na Constitui¢go brasileira de 1988, como um dos seus ntcleos irreform4veis, insuscetivel, até mesmo, de alteracéo por via de emenda constitucional (art. 60, § 4%, III). £ indubitdével que nenhum dos poderes do Estado detém o monopélio de suas préprias atribuicdes (fungées tipicas). Cada qual exerce, em caréter secund4rio, atipicamente, atribuicées juridicas que, no plano constitucional, s&o preponderentemente deferidas, em razdo de sua especializag&o funcional, aos demais poderes estatais. © sistema de checks and balances, de freios e contrapesos, possibilita, pelo exercicio de controles interorganicos reciprocos, a harmonia e a interdependéncia entre os poderes do Estado, com o que se preserva o regime das liberdades piblicas e se mantém, no piano da sociedade politica, o equil{fbrio institucional entre esses mesmos poderes. As reciprocas interferéncias dos poderes do Estado, uns nos outros, desde que ocorram nas hipéteses constitucionalmente autorizadas, no provocam a ruptura do sistema, precisamente porque por este previstas e disciplinadas de modo expresso. Cn __— 16 Sere eee rere Supreme Tribunal Federal aia ADI 2.213-MC / DF Essa ruptura, no entanto, ocorrerd sempre que qualquer dos Poderes exercer, com empansic desordenada, atribuicées que lhe n&o so préprias, ou, ent&éo, impedir, por atos que se desviem da ortodoxia constitucional, o normal desempenho, pelos demais Poderes do Estado, de funcdes que lhes s&o inerentes. por tais razdes, e, notadamente, para evitar que o texto de nossa Lei Fundamental se exponha a manipulagdes exegéticas, e seja submetido, por razdes de simples interesse politico ou de mera conveniéncia administrativa, ao império dos fatos e das circunstaéncias, degradando- em sua autoridade normativa, que entendo possivel o exame, por parte do Poder Judicidério, dos Ppressupostos da relevancia e da urgéncia, os quais, referidos no art. 62 da Constituigéo da Reptiblica, qualificam-se como requisitos legitimadores e essenciais ao exercicio, pelo Presidente da Repiblica, da competéncia normativa que lhe foi extraordinariamente outorgada para editar medidas provisérias. 0s pressupostos em questao - urgéncia da prestacdo legislativa e relevancia da matéria a ser disciplinada - configuram elementos que compéem a prépria estrutura constitucional da regra de competéncia que habilita o Chefe do Executivo, excepcionalmente. Cs editar medidas provisérias. a7 Seiprome Tribunal Fedoral 488 ADI 2.213-MC / DF Tais pressupostos, precisamente porque s&o requisitos de indole constitucional, expSem-se, enquanto categorias de natureza juridica, @ possibilidade de controle jurisdicional. & que a carga de discricionariedade politica, subjacente A formlacdo inicial, pelo Chefe do Executivo, do juizo concernente aos requisitos da urgéncia e da relevancia, n&o pode legitimar o exercicio abusivo da prerrogativa extraordindria de legislar. vé-se, pois, que a relevancia e a urgéncia - que se xevelam nogdes redutiveis A categoria de conceitos relativamente indeterminados - qualificam-se como pressupostos constitucionais legitimadores da edi¢io das medidas provisérias. Constituem requisitos condicionantes do exercicio desse poder extraordindrio de legislar que a Carta Politica outorgou ao Presidente da Reptblica. Tratando-se de requisitos de indole constitucional, cabe, ao Supremo Tribunal Federal, em cada caso ocorrente, analisar a configuragéo desses pressupostos, cuja existéncia se revela essencial ao processo de legitimac&o do exercicic, pelo Presidente da Repiblica, do seu poder de editar medidas provisérias. Ce a. 18 SKpromo Tribunal Federal 482 ADI 2.213-MC / DF & certo, ante a fluidez e a relativa indeterminacdo conceitual da nogdo de tais pressupostos, que a auséncia desses requisitos constitucionais nem sempre revelar-se-4 objetivamente clara. Dai a necessidade de proceder-se A andlise de tais requisitos, em cada situac&o ocorrente. © poder excepcional que assiste, ao Presidente da Repiblica, de legislar, mediante medida oproviséria, esté necessariamente subordinado A concreta satisfagéo dos requisitos impostos pela Constituic&o, que, ao referir-se aos pressupostos de urgéncia e de relevancia, torna judicialmente apreciéveis tais fatores de legitimagéo da prdética dessa competéncia normativa prim4ria atribuida ao Presidente da Reptblica. A discricionariedade governamental, em casos anémalos de excesso de poder ou em situacées inaceitdveis de manifesto abuso institucional, no pode ignorar o principio da supremacia da Constituicéo, nem desconsiderar os postulados que derivam do sistema consagrado por nosso ordenamento constitucional. raz&o que o Supremo Tribunal Federal vem proferindo decisdes nas quais em reconhecido, = embora excepcionalmente, a possibilidade de controle jurisdicional sobre a configuracao desses pressupostos de indole constitucional, sempre em 19 A 7 eee &, a oe 490 lipremo Tribunal Federal ADI 2.213-MC / DF ordem a impedir que se concretizem situagées tipificadoras de abuso do poder de legislar (ADI 162/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES) ou que se caracterizem, ent&o, hipéteses reveladoras de evidente auséncia desses mesmos requisitos de indole juridica (RIV 165/173-174, Rel. Min. CARLOS VELLOSO) . © exame da jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal revela-se bastante expressivo no ponto em que admite a possibilidade de fiscalizac&o, pelo Poder Judicidrio, de eventuais excessos, que, gerados pelo reconhecimento arbitrério, por parte do Chefe do Executivo, da ocorréncia dos pressupostos da urgéncia e da relevancia, culminem por viabilizar a prdética abusiva da competéncia de legislar: "Os conceitos de relevancia e de urgéncia a que se refere o artigo 62 da Constituicdo, como pressupostos para a edicéo de Medidas Provisérias, decorrem, em principio, do Juizo discriciondrio de oportunidade e de valor do Presidente da Reptblica, mas admitem o controle judiciério quanto ao excesso do poder de legislar, 0 que, no caso, ndo se evidencia de pronto.* (ADI 162/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei) "Medida proviséria: controle jurisdicional dos Pressupostos de relevéncia e urgéncia (possibilidade e limites); recusa, em principio, da plausibilidade da tese que nega, de logo, a ocorréncia daqueles Pressupostos, dado 0 curso paralelo de projeto de lei, ao tempo da edicao da medida proviséria questionada.* (RZ 145/101, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE - grifei) "II - Requisitos de urgéncia e relevancia: cardter politico: em principio, a sua apreciac&o fica por conta dos Poderes Executivo e Legislativo, a menos que a foo ee Shpvremo Frdbanal Federal 433 ADI 2.213-MC / DF relevancia ou a urgéncia evidencie-se improcedente Gade? (RTI 165/174, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifed) “Medida proviséria: excepcionalidade da censura jurisdicional da auséncia dos pressupostos de relevancia e urgéncia 4 sua edigao (...).” (ADI 1.753/DF, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE - grifei) *Requisitos de relevaéncia e urgéncia: cardter politico: em principio, a sua apreciac&o fica por conta do Chefe do Executivo e do Congresso Nacional. Todavia, ge uma ou outra, relevancia ou urgéncia, evidenciar. improcedente, no controle judicial, o Tribunal deveré decidir pela ilegitimidade constitucional da medida proviséria. Precedente: ADIn 162-DF (medida liminar), Moreira Alves, Plendrio, 14.12.89; ADIn 1.397-DF, Velloso. RDA 210/294.” (RE 217.162/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei) Esse entendimento jurisprudencial - que identifica, na medida proviséria, uma categoria normativa que traduz derrogag&o excepcional ao principio constitucional da separagio de poderes e que admite, por isso mesmo, a possibilidade, ainda que extraordinéria, do controle jurisdicional sobre os pressupostos da relevancia e da urgéncia - encontra apoio no magistério da doutrina (CARMEN LUCIA ANTUNES ROCHA, “Medidas Provisérias e Principio da Separacio de Poderes’, p. 44/69, 62, in “Direito Contemporéneo - Estudos em Homenagem a Oscar Dias Corréa”, coordenacdo de Ives Gandra Martins, 2001, Forense Universitaria; CLEMERSON MERLIN CLEVE, “Medidas Provisérias", p. 143/147, 2% ed., 1999, Max Limonad; José AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 533/534, itemn. 13.3, 19* ed., 2001, Malheiros; ALEXANDRE DE 2 aes 21 Sepoomo Sribunal Fedral 432 ADI 2.213-MC / DF MORAES, “Direito Constitucional”, p. 539/541, item n. 4.3.8, 9* ed., 2001, Atlas; = ZENO. ~—- VELOSO, “Controle = gurisdicional de Constitucionalidade”, p. 168/171, itens ns. 181/182, 1* ed., 1999, Cejup; PINTO FERREIRA, “Comentérios a Constituigéo Brasileira’, p. 288, vol. 3, 1992, Saraiva; UADI LAMMEBGO BULOS, ‘“Constitui¢&o Federal anotada”, p. 769/770, item n. 10, 1* ed., 2000, Saraiva; LUiS ROBERTO BARROSO, “Constituig&o da Repiblica Federativa do Brasil", p. 207, 2* ed., 1999, Saraiva; HUMBERTO BERGMANN AVILA, ‘Medida Proviséria na Constituigio de 1988", p. 84/86, 1997, Fabris Editor, v.g.), cabendo destacar, ante a precisa abordagem que faz do tema, a lig&o, sempre autorizada, de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO ("Curso de Direito Administrativo’, p. 100/101, itens ns. 56/57, 13* ed., 2001, Malheiros): "oO Judicidrio néo sai de seu campo préprio nem invade discrigdo administrativa quando verifica se pressupostos normativamente = estabelecidos — para delimitar uma dada competéncia existem ou nao existem. Uma vez que a Constituicéo sé admite medidas provisérias em face de situacéo relevante e urgente, segue-se que ambos sdo, cumulativamente, requisitos indispensdveis para irrup¢do da aludida competéncia. & dizer: sem eles inexistiré poder para editd-las. Se a Carta Magna tolerasse edico de medidas de emergéncia fora destas hipéteses, ndo haveria condicionado sua expedi¢do 4 pré-ocorréncia destes supostos normativos. Segue-se que tém de ser judicialmente controlados, sob pena de ignorar-se o balizamento constitucional da competéncia para editar medidas provisérias. Com efeito, se ‘'relevéncia e urgéncia’ fossem nogdes sé aferiveis concretamente pelo Presidente da Reptblica, em juizo discricionério incontrastével, o delineamento @ a extensdo da competéncia para produzir tais medidas n&o decorreriam da Constituicéo, mas da vontade do oo ee eee eo Sopromo Tribunal Fedoval 433 ADI 2.213-MC / DF Presidente, pois teriam o Ambito que o Chefe do Executivo lhes quisesse dar. Assim, ao invés de estar limitado por um circulo de poderes estabelecido pelo Direito, ele & quem decidiria sua propria esfera competencial na matéria, idéia antinédmica a tudo que resulta do Estado de Direito. A circunsténcia de relevancia e urgéncia serem - como efetivamente o sdo - conceitos ‘vagos’, ‘fluidos’, imprecisos’, nd&o implica que lhes faleca densidade significativa. Se dela carecessem ndo seriam conceitos e as expressdes com que séo designados ndo passariam de ruidos ininteligiveis, sons ocos, vazios de qualquer contetdo, faltando-lhes o cardter de palavras, isto 6, de signos que se remetem a um significado. Do fato de ‘relevancia’ e ‘urgéncia’ exprimirem nogSes vagas, de contornos indeterminados, resulta apenas que, efetivamente, muitas vezes pér-se-do situagdes duvidosas nas quais ndo se poderé dizer, com certeza, se retratam ou ndo hipéteses correspondentes a previsdo abstrata do art. 62. De par com elas, entretanto, ocorreréo outras tantas em que serd induvidoso inexistir relevaéncia e urgéncia ou, pelo contrério, induvidoso que existem. Logo, o Judicidrio sempre poder& se pronunciar conclusivamente ante os casos de ‘certeza negativa’ ou ‘positiva’, tanto como reconhecer que o Presidente néo excedeu os limites possiveis dos aludidos conceitos naquelas situagdes de irremissivel divida, em que mais de uma inteng&o seria razodvel, plausivel. Assim, fulminaré as medidas provisérias, por extravazamento dos pressupostos que as autorizariam, nos casos de ‘certeza negativa’ e reconhecer-lhes-& condi¢gées de v4lida irrupcéo nos demais. (...)." Assentadas essas premissas, resta verificar se se registra, no caso ora exame, a ocorréncia, ou n&o, dos Pressupostos da relevancia e da urgéncia. Cabe acentuar, desde logo, que a impugnacéo reconhece configurada a ocorréncia, na hipdtese, do requisito 23 ee“ Sipoomo Sritunal Fedoral “54 ADE 2.213-MC / DF pertinente a relevancia politica, econémica, social e juridica do tema versado na medida proviséria em questéo, tanto que - apés destacar a existéncia de intenso debate sobre a matéria, no &mbito parlamentar - a parte ora requerente nfo hesitou em atribuir relevo A questdo fundidria, consoante se dessume de expressiva passagem constante da petic&o inicial (fle. 24): "... em que pese a importaéncia e a relevancia da questéo fundidria, resgate-se que o tema é objeto de intenso debate no Congresso Nacional hd anos, ndo sendo adnissivel que o Governo, ‘na calada da noite’, edite uma Medida Proviséria para tratar do tema que poderia e deveria ser objeto de debate com a sociedade brasileira, posto que néo se caracteriza a urgéncia requerida pela Constituic&o Federal.” Na verdade, a relevancia da questdo fundidria, que assume indisputd4vel cardéter histérico, evidencia-se por si propria, em virtude, até mesmo, das miltiplas implicacdes que lhe sao inerentes. N&o se pode deixar de reconhecer, sob a perspectiva da questéo fundidria, a importéncia que - em drea socialmente tao sensivel - assumem a formulacéo e a implementac&o de uma politica publica que viabilize o acesso dos despossuidos 4 propriedade da terra, em ordem a permitir a participacéo de todos na justa distribuicdo da riqueza nacional, para que, erradicadas a pobreza e (Gs sana 24 Se Slipromo Sribunal Federal 438 ADI 2.213-MC / DF a marginalizacéo, seja possivel construir uma sociedade justa e livre, fundada em bases solidérias. Indiscutivel, pois, a relevancia da matéria objeto de xegulac&o normativa na medida proviséria ora questionada na presente sede processual. De outro lado, cumpre indagar da caracterizacdo, no caso ora em exame, de hipétese reveladora de urgéncia, que justificasse - ante o caréter inadidvel da prestacdo legislativa, ora questionada - a utilizacéo pelo Presidente da Reptblica, do instrumento excepcional da medida proviséria. © Senhor Presidente da Reptblica, ao prestar as informagées, que lhe foram requisitadas, instruiu-as com cépia da Exposic&o de Motivos Interministerial n* 002/2000, em cujo texto - subscrito pelos Ministros de Estado do Desenvolvimento Agrério, da Fazenda, da Justica e do Planejamento - assim se justificou a indispensabilidade, fundada em razdes emergenciais, da imediata edic&o da medida proviséria, ora impugnada (£1s. 154/155): “submetemos a elevada consideracéo de vossa Exceléncia, a proposta de alteragdéo da Medida Proviséria n* 1.997-37, de 11 de abril de 2000, anexa, que altera dispositivos do Decreto-lei n* 3.365, de 21 de junho de 1941, e das Leis n*s 4.504, de 30 de novembro de 1964, 8.177, de 1* de marco de 1991 e 25 Cn Sa eo Spveme Tribunal Federal 136 ADI 2.213-MC / DF 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, objetivando a sua reedicao. Esclarecemos, por oportuno, que o texto original consubstanciado na _mencionada = Medida Proviséria n® 1.997-37, de 2000, deverd sofrer modificagdes de modo a adequar-se, entre outras medidas, 4 politica nacional de desenvolvimento rural com base na expanséo da agricultura familiar e a sua insercdo no mercado, no contexto do novo mundo rural constante das diretrizes bdsicas do programa desse Governo. Nesse sentido, com objetivo de conformar a legislacdéo de regéncia a recentes decisdes judiciais predominantes que emergem do Egrégio Superior Tribunal de Justica, propde-se a insercdéo no art. 15-A do Decreto-lei n® 3.365, de 21 de junho de 1941 de dispositivo que proiba o pagamento de juros compensatérios quando o proprietério do imével rural desapropriado nfo houver auferido renda, em virtude de possuir graus de utilizagéo da terra e eficiéncia na exploracéo iguais a zero. Outra modificagéo da maior relevancia consiste na instituic&o do programa de arrendamento rural, com a finalidade de atender, em cardter complementar, o acesso a terra de trabalhadores rurais integrantes do programa de reforma agréria, acrescentando-se, desse modo, & Lei n® 4,504, de 30 de novembro de 1964, o art. 95-A, e seu pardgrafo tnico. De outro modo, a proposta inclui altera¢do no art. 5° da Lei n® 8.177, de 1* de marco de 1991, visando fixar novas regras de remuneragées dos titulos da divida agréria, fixando-se novo periodo. Essa medida, vale ressaltar, implicou na insercdo, também, ao art. 5%, § 3*, dos incisos I a III, da Lei n* 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, fixando-se novo escalonamento quando do resgate destes. No sentido de coibir os excessos praticados pelos movimentos dos trabalhadores rurais sem terra seja com relagdo & invasio de iméveis rurais como a de bens publicos acrescentou-se ao art. 2% da referida Lei n* 8,629, de 1993, os §§ 6% a 9% e o art. 2%-A, que, ao mesmo tempo, profbe a realizacdo de vistoria de iméveis rurais que venham a ser invadidos, venda a transferéncia de recursos para entidade, organizacao social ou movimento e sociedade de fato que direta ou indiretamente concorram para a prdética dos referidos atos delituosos. « CO ee ee Sepromo Tribunal Federal ae ADI 2.213-MC / DF Por fim, no intuito de aprimorar os instrumentos de defesa do patriménio publico federal em relacéo a situagdes que possam vir afetd-lo injustificadamente, bem como assegurar a eficdcia das agées da Policia Federal em relag&o aos conflitos agrérios e fundidrios, propée-se a insergéo dos artigos 7* e 8%, respectivamente, atribuindo competéncia a referida corporacéo para coibir a turbacfo e o esbulho possessérios dos bens e dos préprios da Unido e das suas entidades integrantes da Administracdo Publica Federal, ao mesmo tempo em que cria a Divisdo de Conflitos Agrérios e Fundidrios, com a incumbéncia de coordenar e acompanhar a instauracéo dos inquéritos policiais correspondentes, nos casos de crime de competéncia federal. $8 estas, Senhor Presidente, as razées que justificam a proposicdo da presente Medida Proviséria, afigurando-se oportuna e necesséria a sua reedicdo, tendo-a, assim, como urgente e inadidvel.* Note: neste ponto, que um dos motivos justificadores do cardter emergencial da medida proviséria em questéo prende-se ao declarado objetivo de neutralizar, de modo eficaz, os alegados excessos cometidos por movimentos de trabalhadores rurais que transformaram, o esbulho possessério, praticado contra bens ptblicos ou contra a propriedade privada, em instrumento de pressdo - nem sempre legitima - sobre o Poder Publico, com grave ofensa a postulados e a valores essenciais resguardados pela ordem constitucional vigente em nosso pais. Dai o outro fundamento - igualmente revelador da urgéncia da prestacdo legislativa ora questionada - consistente na necessidade inadidvel de aperfeicoar, em sede normativa prim4ria, os 27 Cn ——— Sees

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