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A Escola Superior de Educação orgulha-se de apresentar a sua

primeira revista dedicada à temática educativa, que intitulámos


Director da Escola Superior de Educação João de Deus “Educação para o Desenvolvimento”.
Esta Escola de Ensino Superior, sucedânea do curso de Didáctica
Pré-Primária pelo Método João de deus, criado em 1920, foi a
DR. PONCES DE CARVALHO

primeira e durante muitos anos a única a formar educadores de


infância em Portugal.
Demos um contributo decisivo para o nascimento da Educação

EDITORIAL
Pré-Escolar no nosso País. Em 1943, quando aquele curso passou
a ter periodicidade anual, só existiam 872 alunos em idade pré-
escolar, 602 dos quais frequentavam os sete Jardins-Escola João
de Deus. Em 1954, quando da criação de uma segunda escola
de formação de educadores de infância, Portugal já dispunha de
128 escolas, frequentadas por 5258 crianças dos três aos cinco
anos, orientadas pelos nossos diplomados. Recordo que a Escola
Púbica só criou cursos análogos.
A nossa Escola foi pioneira e inovadora em muitos aspectos. Por isso nos orgulhamos do passado, em que se alicerçam os nossos
valores e as nossas tradições, para melhor cuidarmos do presente, mas com a vontade virada para o futuro.
Inovámos, mas pensamos sempre em continuar a inovar. Inovar para melhorar, para nos adaptarmos às novas realidades e para en-
frentarmos os desafios, e não simplesmente por moda ou por alguém achar que é diferente, que é moderno. Continuaremos a fazer
aquilo que fazemos bem, procedendo a pequenos ajustes para melhor nos adaptarmos às novas realidades.
Pertencemos a uma Instituição constituída em 1882 – a Associação de Jardins-Escola João de Deus, em que esta filosofia e este
ideário estão bem patentes.
Muitos foram os aspectos ligados à educação infantil, à cultura, à assistência aos mais carenciados - quer crianças, quer as comu-
nidades em que estão inseridas onde esta Associação foi pioneira e inovadora. Recordo, a título de exemplo, que, dia 2 de Abril de
2011, celebramos os 100 anos sobre a data de inauguração da mais antiga escola infantil de Portugal – o Jardim-Escola João de Deus
de Coimbra.
Esta revista será distribuída gratuitamente aos pais dos nossos alunos nos jardins-escola e centros infantis, aos docentes, aos alu-
nos da Escola Superior de Educação João de Deus, aos responsáveis ministeriais – Educação; Ciência, Tecnologia e Ensino Superior;
Trabalho e Solidariedade Social (CDSS) -, às direcções regionais de Educação, (DRE) aos centros distritais da Segurança Social, aos
presidentes das câmaras municipais e juntas de freguesia em que se localizam os 50 centros educativos João de Deus, bem como às
instituições com as quais mantemos protocolos.
Pretendemos com esta publicação contribuir para a reflexão em torno da Educação, de modo a incrementar a sua melhoria quanti-
tativa, mas sobretudo qualitativa, e a desempenhar, verdadeiramente, um papel relevante no Desenvolvimento de cada pessoa, de
cada comunidade e, acima de tudo, do nosso querido Portugal.
Não chega as escolas entregarem um certificado de conclusão de ciclos de estudo, de aparentemente uns alunos disporem de suces-
so escolar, se este não garantir que os alunos desenvolveram as capacidades, destrezas, habilidades, conhecimentos, valores e atitu-
des, que garantam uma adequada integração na sociedade e na vida activa. Este certificado de sucesso na vida é que é indispensável
para que a Educação esteja ao serviço do Desenvolvimento.
Para esta revista, convidaremos e aceitaremos textos de personalidades de todos os quadrantes políticos/partidários, de todas as
religiões e credos, seguindo o plasmado na escritura de constituição da nossa Associação, no Artº 1.º, ponto único -, “A Associação
não se envolverá em assuntos políticos, nem em quaisquer outros alheios ao seu fim”, bem como no Artº 24.º, ao referir que, “ Os
professores abster-se-ão absolutamente, nas horas do ensino, de tratar de matérias políticas ou religiosas” .
O único critério de selecção será a qualidade científica dos trabalhos propostos. Só aceitamos o que tem qualidade e contribua,
efectivamente, para a melhoria da Educação, do funcionamento das instituições educativas e do incremento do Desenvolvimento.
A dar corpo a este princípio contámos com a participação de personalidades de reconhecido valor científico/pedagógico, que desde
o primeiro momento de dispuseram a colaborar nesta edição. Aproveito para agradecer a todos que colaboraram neste primeiro
número, não esquecendo o empenho e qualidade desse apoio.
Esta revista é de todos e para todos, que, como nós, acreditam que a Educação tem um papel decisivo no Desenvolvimento e que
vale a pena trabalhar em equipa, cada qual com as suas ideias, porém todos contribuindo para o mesmo objectivo.
Nesta União Europeia, neste mundo global, não podemos nem queremos ficar para trás e oferecer aos nossos alunos uma educação
de menor qualidade que a dos nossos parceiros.
Esta revista científica, que muitos nos honra, procurará, sempre, contribuir para garantir uma informação e reflexão sobre questões
ligadas à Educação e ao Desenvolvimento, pedra de toque deste projecto.
Contamos com todos, sabem que podem contar connosco.
ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010
3
ED

SUMÁRIO
{ OUTUBRO 2010

3 Editorial
António Ponces de Carvalho

6 Educação Cívica: aprendizagem do ser


Guilherme d’Oliveira Martins 25

8 Educação Pré-escolar e o Direito à Educação: o combate pelo


desenvolvimento e pela igualdade de oportunidades
Jorge M. Pedreira

11 Presidente da República homenageia João de Deus

14 Da liberdade da Educação e das Liberdades da Escola


Ruben de Freitas Cabral
49
24 Educação Inclusiva: uma questão de direitos humanos
Filomena Pereira

32 Liberdade de Escolha
Luís Miguel Larcher

36 Notícias
Geração “nem-nem” / Histórias de mal-dizer / Castigar as Crianças /
Mercado Negro do Ensino / Lei das Academias / Estudo Internacional /
Lei de Debré / Nova Filosofia Educativa / Violência Escolar e Saúde /
Apoio às Crianças e Famílias

46 A Escola Superior de Educação João de Deus em África e na


Ásia
Isabel Ruivo

52 A Dimensão Económica da (falta) de Literacia em Portugal


Luís Miguel Larcher
70

4
FICHA TÉCNICA

DIRECTOR
António Ponces de Carvalho

DIRECTOR ADJUNTO
Luís Miguel Larcher

ARTE E PAGINAÇÃO
Ana de Sousa

56 A Mentira Infantil
COORDENAÇÃO FOTOGRÁFICA
Natália Ferreira e Francisco Raposo Filipe Neves Branco

63 Teses de Doutoramento CONSELHO EDITORIAL


Um novo olhar sobre o Método de Leitura João de Deus Britaldo Rodrigues, Henrique Monteiro, José de Almeida,
José Manuel Canavarro, Maria de Lourdes Levy, Malaca
Isabel Ruivo Casteleiro, Mariana Cortez, Maria Paula Pinho Branco
A relação entre pais e professores: uma construção de proximidade
para uma Escola de Sucesso COLABORADORES DESTE NÚMERO
Paula Colares Pereira Filomena Pereira, Francisco Raposo, Guilherme
d’Oliveira Martins, Isabel Ruivo, Jorge M. Pedreira, Maria
As Tecnologias de informação e comunicação na formação inicial de Paula Pinho Branco, Natália Ferreira, Paula Colares
professores em Portugal: uma prática educativa na Escola Superior Pereira, Rúben de Freitas Cabral, Teresa Silveira Botelho
de Educação João de Deus
Teresa Silveira Botelho PROPRIETÉRIO E EDITOR
Escola Superior de Educação João de Deus

66 Educação Infantil e Intervenção Psicopedagógica “ A relação MORADA


entre pais e professores: uma construção de proximidade Av. Álvares Cabral, 69
1269-094 Lisboa
para uma Escola de sucesso”
Paula Colares Pereira SEDE DA REDACÇÃO
Escola Superior de Educação João de Deus
77 Menções Honoríficas recebidas pela Associação Jardins-Escola Av. Álvares Cabral, 69 . 1269-094 Lisboa
Tel. 213968154 . Fax. 213967183
João de Deus nas últimas duas décadas Email: ese@escolasjoaodeus.pt

80 Paul Patorek dá conferência na ESE João de Deus Nº REGISTO NA ERC


xxxxxx
Luís Miguel Larcher
ISSN 1647/7707
82 Centenário do 1º Jardim-Escola João de Deus de Coimbra: A
mais antiga Escola Infantil de Portugal DEPÓSITO LEGAL
Maria Paula Pinho Branco xxxxxx

86 Prémios atribuidos aos Jardins-Escola João de Deus em con- Tiragem: 10000 exemplares

cursos e eventos diversos


PERIODICIDADE QUADRIMESTRAL
Distribuição Gratuita
90 A ingenuidade da infância no percurso profissional
Emília Tomás TIPOGRAFIA E MORADA
Ideias Virtuais
94 Centro de Investigação João de Deus Imagem e Comunicação Gráfica, Lda.
Rua Acácio de Paiva, 16 - 2º Esq.
Luís Larcher 1700-006 Lisboa
Tel. 218451390 . Fax. 218451391
Email: ideiasvirtuais@ideiasvirtuais.pt
97 Centro de Formação da Escola Superior de Educação João de
Deus NÚMERO 1
OUTUBRO 2010
98 O Síndrome de Peter Pan

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


5
PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS
EX-MINISTRO DA EDUCAÇÃO

GUILHERME D’ OLIVEIRA MARTINS

Habilitações Literárias
Licenciado e Mestre em Direito;

Profissão
Advogado e Jurisconsulto;
EDUCAÇÃO CÍVICA:
Cargos que desempenha
APRENDIZAGEM DO SER
Presidente do Tribunal de Contas
Presidente do Centro Nacional de Cul-
tura
Professor Catedrático Convidado da
Universidade Lusíada
Professor Catedrático Convidado do “Educação para todos” é um objectivo que a UNESCO
Instituto Superior de Ciências Sociais assumiu, e que exige um empenhamento dos cidadãos,
e Políticas da Universidade Técnica de da sociedade e dos Estados, a começar na educação de
Lisboa (ISCSP) infância e a continuar da formação ao longo da vida, a
Auditor Geral da Assembleia da UEO - fim de que o desenvolvimento humano corresponda a
União Europeia Ocidental (designado
em 5 de Maio de 2008 por um mandato
um desígnio partilhado e cada vez mais efectivo. E cum-
de 3 anos) pre afirmar que a Educação terá de ser sempre Educação
Primeiro Vice-Presidente da EUROSAI para a cidadania e para a construção de uma sociedade
(desde 5 de Junho de 2008) melhor. “A educação cívica deve dar à criança todas as
Presidente do Conselho de Prevenção possibilidades de viver fortemente, completamente, no
da Corrupção (desde 4 de Setembro de
seu meio, de desenvolver a sua personalidade em harmo-
2008)
nia consigo própria e com esse meio – entendendo por
Cargos exercidos meio o conjunto de condições naturais e sociais entre as
Ministro da Presidência (2000-2002) quais ela se encontra”. Quem o afirmou foi João de Bar-
Ministro das Finanças (2001-2002) ros (1881-1960), político e pedagogo marcante no século
Ministro da Educação (1999-2000) XX português (cf. “Educação e Democracia”, 1916), ao
Secretário de Estado da Administra-
lado de João de Deus Ramos, grandes dinamizadores da
ção Educativa (1995-1999)
Deputado à Assembleia da Repúbli- Educação entre nós.
ca (II, III, VI, VII, IX, X e XI Legislaturas)
Vice-Presidente do Grupo Parlamen- Falar da Educação e da ligação desta ao meio social é
tar do PS (X e XI Legislaturas) pôr a tónica no valor da aprendizagem e na compreen-
Vice-Presidente da Comissão Nacio- são de que o sentimento de pertença permite favorecer
nal da UNESCO (1988-1994)
Presidente da SEDES - Associação
a participação cidadã e a defesa do bem comum. Neste
para o Desenvolvimento Económico sentido, a Educação é um “factor de desenvolvimento
e Social (1985-1995) e de aperfeiçoamento moral, intelectual e cívico”; uma
Assessor Político da Casa Civil do aprendizagem do carácter e da energia; um apelo à acção;
Presidente da República (1985-1991) uma exigência de respeito da lei e de amor da igualdade;
Secretário-Geral da Comissão Por-
um modo de motivação profissional, no sentido da “liber-
tuguesa da Fundação Europeia da
Cultura dade pelo trabalho digno e pelo esforço consciente”; um
Membro da Convenção sobre o Fu- exercício de amor de toda a arte e de toda a beleza – uma
turo da Europa vez que “não há sociedade democrática que possa viver,

6
progredindo, sem o culto da Arte”. E sua pátria, que represente e constitua
João de Barros afirmava ainda, “não uma força de acção, de pensamento,
se estranhe (…) que eu preconize, para de dedicação – é um produto com-
completar esta educação baseada no plexo, resultante de mil esforços e de
meio moral, uma forte educação patri- mil influências benéficas. Para traba-
ótica”. O pedagogo sonhava com uma lhar – ele precisa de ter desenvolvido
“República heróica” em que “Povo, as suas faculdades, de ter adestrado
Pátria e República” seriam sinónimos. a sua inteligência, de ter fortificado o
Educar seria, antes de tudo, formar o seu corpo”.
cidadão, dando-lhe consciência dos
seus direitos e deveres. Mas o pedago- O aperfeiçoamento moral, intelectual
go perguntava: “E como pode ter ele e cívico exige acção. Daí que, como
essa consciência? Aprendendo de cor ensinou António Sérgio, referência
um certo número de regras e normas? também fundamental na reflexão pe-
Ensinando-lhe, já depois de adulto, dagógica, interesse sobretudo educar
as noções mais correntes da moral, o verdadeiros cidadãos, autónomos e li-
respeito pelas leis, as obrigações que vres. Educar exige, por isso, a um tem-
lhe incumbem? De modo algum. Um po, formar e agir.
cidadão que verdadeiramente o seja,
que trabalhe pelo seu país, que ame a

urge pôr a educação do cidadão livre e autónomo em pri-


meiro lugar. Só assim poderemos assumir com todas as
suas consequências que o valor da aprendizagem é o que
distingue as sociedades desenvolvidas e atrasadas.

De João de Barros e João de Deus Ra- mento e de responsabilidade pessoal. haveria pois de fazer sentir e compre-
mos a António Sérgio encontramos o Para isso, não negligenciar na educa- ender, pelo facto, (…) as necessidades
alerta – urge pôr a educação do cida- ção nenhuma das potencialidades de fundamentais da sã existência social;
dão livre e autónomo em primeiro lu- cada indivíduo: memória, raciocínio, teria de reproduzir o condicionamento
gar. Só assim poderemos assumir com sentido estético, capacidades físicas, económico e os postulados de ordem
todas as suas consequências que o va- aptidão para comunicar-se”. Eis o que ética de uma justa e fecunda socie-
lor da aprendizagem é o que distingue tem estar em causa quando falamos dade adulta, justa, ponderada, mas
as sociedades desenvolvidas e atrasa- de prioridade educativa na sociedade também tonificante, porque lhe cabe-
das. Como diz o relatório da UNESCO, contemporânea. ria disciplinar, mas ao mesmo tempo
coordenada por Jacques Delors, sobre impulsionar, a iniciativa, a indepen-
a Educação no Século XXI, do que se Se relermos António Sérgio, sob a in- dência, a expansão do indivíduo”. Edu-
trata é de aprender a conhecer, apren- fluência de John Dewey, poderemos car cidadãos, pôr a aprendizagem no
der a fazer, aprender a conviver com perceber que a Educação Cívica deve centro do desenvolvimento, despertar
os outros e com a diferença e apren- basear-se no exemplo e na experiên- a liberdade e a responsabilidade, cons-
der a ser. No fundo, torna-se neces- cia, na autonomia, no auto-governo, truir uma sociedade mais humana e
sário “aprender a ser, para melhor de- no município escolar e na educação mais justa, incentivar a liberdade igual
senvolver a sua personalidade e estar de verdadeiros cidadãos, autónomos e a igualdade livre, favorecer as iden-
à altura de agir com cada vez maior e livres: “a escola propulsora da refor- tidades e as diferenças, salvaguardar a
capacidade de autonomia, de discerni- ma, a escola modelar, a escola tipo, dignidade humana! Eis o que tem de
estar em causa!
ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010
7
PROFESSOR DA FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO E DA EDUCAÇÃO DO XVII GOVERNO CONSTITUCIONAL

JORGE M. PEDREIRA

A EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR E O
DIREITO À EDUCAÇÃO: O COMBATE PELO
DESENVOLVIMENTO E PELA IGUALDADE DE
OPORTUNIDADES

A
A Educação constitui um di- tempo que vivemos, de mu-
reito individual fundamental dança vertiginosa e permanente
e inalienável, como tal expressa- incerteza, em que é fácil desvane-
mente proclamada no artigo 26.° da cer-se num ápice o que tínhamos por
Declaração Universal dos Direitos do certo e seguro, é quase impossível ser-se
Homem, e ao mesmo tempo unanimemen- senhor do próprio destino. Porém, se há re-
te reconhecida uma alavanca insubstituível do curso que apesar de tudo permite que não se
desenvolvimento económico, social e cultural fique inteiramente à mercê das circunstâncias e
dos Estados. se mantenha algum domínio sobre a situação,
esse recurso são as aprendizagens adquiridas
A Educação é, ademais, um direito com carac- pela educação e a formação. Na civilização da
terísticas singulares, pois dele depende o exer- tecnologia, da informação e do conhecimento,
cício efectivo de outros direitos civis, políticos, é delas que dependem uma integração favorável
sociais, culturais. Podem tais direitos estar con- nos mercados de trabalho e o desenvolvimento
sagrados na ordem jurídica e podem até ser res- de uma vida profissional activa e compensadora.
peitados e promovidos pelos governos e pelas
autoridades públicas em geral, mas quando o A educação e a formação são, também por isso,
respectivo exercício não esteja fundado na aqui- insubstituíveis ao desenvolvimento económi-
sição de conhecimentos e competências que só co e social dos nossos tempos. A globalização,
a educação e a formação propiciam dificilmente que constitui um rumo inelutável para o mundo,
terão verdadeiro significado para os seus deten- submete todas as actividades à pressão de uma
tores. O papel desempenhado pela educação competição à escala planetária. Os produtos e
para o desenvolvimento e a realização pessoal as formas de os produzir mudam radicalmente
de cada indivíduo, para que possa levar as suas a um ritmo difícil de acompanhar. A inovação,
capacidades tão longe quanto possível e cumpra em especial na tecnologia, institucionalizou-se e
desse modo o seu potencial, não encontra hoje permeou cada vez mais sectores de actividade.
paralelo em qualquer área da vida social. No Ao mesmo tempo que se destroem milhares de

8
empregos em sectores ou profissões seriam atraídos incidência da re-
tradicionais (que ainda ontem po- por empregos des- tenção (repetência
diam ser modernas), outros surgem, qualificados e se ve- ou reprovação) dos
cada vez mais exigentes, em conhe- riam compelidos a con- alunos são altíssimos. E,
cimentos e competências. Sem tra- tribuir o mais cedo possível no entanto, os jovens que
balhadores altamente qualificados, para o sustento familiar. saem da escola, mesmo que
as economias encontram dificulda- precocemente, atingem em geral
de em competir no mercado global A escolaridade obrigatória prestou o nível de escolaridade mais elevado
e não alcançam as taxas de cresci- um contributo essencial à elevação que a sua família alguma vez atin-
mento necessárias à criação de pos- da qualificação das populações e giu.
tos de trabalho para as novas gera- deu a muitos, que de outra forma a
ções e ao progresso do bem-estar não teriam, a oportunidade de mu- Depois de décadas de rápido avanço,
das populações. Por isso, por toda dar, e melhorar, a sua vida. Hoje, ainda que com grandes dificuldades,
a parte os governos adoptam provi- a escolaridade obrigatória mais é cada vez mais difícil vencer o peso
dências para conservar os jovens na extensa constitui um instrumen- das heranças sociais. As escolas e os
escola durante mais e não poucos to insubstituível de políticas que professores não estão em geral pre-
decretam mesmo o largamento da procuram promover a igualdade de parados para a diversidade — social,
escolaridade obrigatória. oportunidades para todos. É uma cultural, étnica — dos alunos. Será
ambição ainda longe de ter sido al- certamente possível fazer mais e
Assim, a cidadania moderna consa- cançada, por efeito da disparidade melhor do que se faz. A gestão e or-
gra não apenas o direito elementar das heranças sociais e culturais que ganização dos estabelecimentos de
à educação — entendido como o se vão transmitindo de geração em ensino, o apoio mais próximo da ad-
acesso gratuito à escola primária geração e de novas formas de desi- ministração educativa e das institui-
—, mas o direito a uma educação de gualdade que se vão criando. Mas, ções de ensino superior, a formação
duradoura e de qualidade, que pos- apesar da legítima frustração, são inicial e contínua do pessoal docente
sibilite a realização do potencial de inegáveis os progressos realizados. e de outros profissionais, tudo pode
cada indivíduo e lhe propicie apren- concorrer para o melhor desem-
dizagens relevantes, isto é, apren- Hoje, um baixo nível de qualificação penho das nossas escolas, às quais
dizagens que lhe permitam dar um da população constitui uma insufici- os cidadãos têm o direito de exigir
contributo válido enquanto cida- ência estrutural das sociedades para que prestem contas e assumam as
dão activo para o progresso da co- enfrentarem com sucesso os desa- suas responsabilidades. Sabemos
munidade. Além disso, a cidadania fios do nosso tempo. Desse ponto bem que tem sido difícil melhorar.
moderna consagra a educação não de vista, o nosso país apresenta ín- A impreparação e as resistências
apenas como um direito, mas tam- dices muito desfavoráveis. Pode até de vários interesses instalados têm
bém como um dever. Há muito, há dizer-se que, para tão baixo grau de sido um obstáculo. As próprias famí-
mais de um século, se percebeu que qualificação — medido pelo nível lias não assumem também o papel
não bastava assegurar condições de das habilitações escolares formais que seria desejável que pudessem
acesso e oferecer a frequência gra- atingido pela população —, é sur- assumir. Muitas vezes porque, nas
tuita da escola para garantir que to- preendente o patamar de desenvol- condições sociais e culturais da sua
dos efectivamente a frequentavam. vimento económico e social a que vida e da sua formação, é difícil que
Compreendeu-se que não se podia Portugal se elevou e que o colocam o assumam.
deixar tudo à liberdade e à iniciativa entre os trinta países mais desen-
das famílias. De início, a imposição volvidos do mundo. Não há, para Exactamente porque as heranças so-
da escolaridade obrigatória respon- patamar semelhante, país com tão ciais e culturais continuam a pesar, e
deu principalmente aos interesses e baixo nível de qualificação da popu- muito, sobre o percurso escolar e as
às necessidades do Estado e da eco- lação. A taxa de abandono escolar possibilidades de sucesso das nossas
nomia industrial: formar cidadãos precoce (a percentagem de jovens crianças e jovens e porque as famí-
leais aos Estados nacionais, disci- entre os 18 e os 24 anos que não se lias estão longe de poderem acom-
plinados, com os conhecimentos encontram em educação ou forma- panhar esse percurso, é necessária
elementares para serem recrutados ção profissional) é a mais elevada da uma resposta da escola e do sistema
pelas novas indústrias. Mas, desde União Europeia e a proporção dos educativo. Da escola, procurando
cedo, essa medida procurou tam- que concluem o ensino secundário é um relacionamento mais próximo
bém proteger os mais desfavore- a mais baixa (ambas com excepção e permanente com as famílias, in-
cidos, aqueles que mais facilmente de Malta). O insucesso escolar e a tegrando-as sempre que necessário

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


9
JORGE M. PEDREIRA A Educação Pré-escolar e o direito à educação: o combate pelo desenvolvimento e pela igualdade de oportunidades

na vida escolar, te a adequada jam insuficien-


constituindo-se comparticipação tes, é uma área de
até como lugar de e nos limites da sua eleição para o inves-
formação dos pais e en- capacidade, pudesse timento público. Con-
carregados de educação. estar aberto a todos). Um tudo, uma vez mais sem
Do sistema educativo, criando serviço, também, que devia complexos, e também porque
condições para o alargamento da promover o desenvolvimento é necessário responder o mais
escolaridade, recorrendo-se, quando motor e cognitivo das crianças. Exis- rapidamente possível ao desafio da
necessário à aprovação de medidas tem hoje, como se sabe, meios para universalização, o Estado devia lan-
de prolongamento da escolaridade estimular de forma apropriada o seu çar mão de todos os recursos exis-
obrigatória e de acção social que desenvolvimento precoce. tentes, designadamente dos equipa-
assegurem o seu cumprimento. Em mentos da rede solidária, tanto os
boa hora se aprovou o alargamento Por outro lado, seria necessário uni- que já existam, como aqueles que,
da escolaridade obrigatória para 12 versalizar a educação pré-escolar como o auxílio adequado, as insti-
anos, até aos 18 anos de idade, em a partir dos três anos de idade e, tuições estejam dispostas a edificar.
conjunto com um programa de bol- provavelmente, determinar a sua O Estado não tem de prover directa-
sas de estudo para apoiar a frequên- frequência obrigatória a partir dos mente, até porque não o pode fazer,
cia escolar dos mais desfavorecidos. quatro anos. Do mesmo modo, se- a todas as necessidades, devendo
Assim se reúnam todas as condições ria conveniente reforçar sem com- recorrer aos meios disponíveis e à
para que o novo patamar de quali- plexos a dimensão pedagógica da gestão criteriosos dos recursos, que
ficação seja efectivamente atingido. educação pré-escolar. Os recursos são sempre escassos. Tem, isso sim,
didácticos disponíveis, muitas vezes de apoiar as famílias e reservar-se a
Contudo, sabendo, como sabe- com carácter lúdico, possibilitam a função de assegurar, através de um
mos, que o problema do insucesso aquisição de competências pelas sistema de fiscalização e avaliação
e abandono escolar em Portugal é crianças que facilitarão o seu per- rigoroso, a qualidade, designada-
também um problema social, pelo curso escolar posterior. O último mente pedagógica, do serviço pres-
efeito que produzem as heranças ano da educação pré-escolar deveria tado. É esta tarefa que se nos impõe
sociais e culturais e pelo deficien- ser entendido como um ano prepa- com carácter de urgência. É o míni-
te papel educativo desempenhado ratório da educação pré-escolar, no mo que podemos fazer pelas novas
pelas famílias; sabendo como sabe- domínio da linguagem (incluindo gerações e pelo futuro do país.
mos, por estudos internacionais e a iniciação à escrita) e do conheci-
pelo conhecimento da experiência mento dos números e da aritmética
nacional, que quanto mais cedo as elementar. As orientações deviam
crianças forem integradas no am- ser claras nesta matéria. Seria tam-
biente escolar, menos serão preju- bém o primeiro lugar para a identi-
dicadas por um meio familiar desfa- ficação de situações familiares di-
vorável, é indispensável promover a fíceis e para a detecção precoce de
educação pré-escolar, em particular eventuais dificuldades de aprendiza-
nas condições económicas e sociais gem e para a preparação das estra-
do nosso país. tégias para a sua superação. Seria,
enfim, um lugar para a promoção da
igualdade de oportunidades.
Por um lado, seria necessário dispor
de equipamentos de qualidade que
O desenvolvimento da educação
prestassem um serviço público de
para a primeira infância devia ser
guarda e socialização das crianças
tomado como uma das primeiras
até aos três anos de idade. Um servi-
prioridades do país. A construção de
ço que devia responder, em primeiro
creches e jardins-de-infância, quan-
lugar, às necessidades das famílias
do os equipamentos faltem ou se-
desfavorecidas (embora, median-

10
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
homenageia João de Deus

No dia 10 de Junho, o Presidente da República quis


homenagear o poeta João de Deus, além de ter de-
posto um ramo de flores junto da sua estátua, em
Faro, ofereceu a todos os homenageados e convi-
dados da cerimónia oficial da comemoração do dia Dedicatória à
de Portugal, de Camões e das Comunidades Portu-
guesas, um exemplar da sua “Cartilha Maternal”, Cartilha Maternal
com esta mensagem pessoal:
“Este sistema funda-se na língua viva: não apresenta os
seis ou oito abecedários do costume, senão um, do tipo
mais frequente, e não todo, mas por partes, indo logo
Esta edição da Cartilha Maternal representa uma
combinando esses elementos conhecidos em palavras
homenagem da Presidência da República à me-
que se digam, que se ouçam, que se entendam, que se
mória do poeta João de Deus, que teve a ventura
expliquem; de modo que, em vez do principiante apurar
de ver concretizado o sonho de qualquer pedago-
a paciência numa repetição néscia, se familiarize com
go: escrever uma obra a partir da qual milhares de
as letras e os seus valores na leitura animada de pala-
crianças se iniciaram nas primeiras letras.
vras inteligíveis.
É maternal a cartilha porque é puro o ideal que
Assim ficamos também livres do silabário, em cuja in-
a anima. O livro de João de Deus evoca o ideário
terminável série de combinações mecânicas não há a
republicano naquilo que este tem de mais nobre
penetrar uma única ideia! Esses longos exercícios de
e elevado: a preocupação pelo outro através do
pura intuição visual constituem uma violência, uma
exercício de uma cidadania livre e esclarecida. A
amputação moral, contrária à natureza: seis meses, um
República é, tem de ser, uma república de letras,
ano, e mais, de vozes sem sentido, basta para imprimir
feita de cidadãos com oportunidades iguais. Não
num espírito nascente o selo do idiotismo. Por que ra-
por acaso, a alfabetização e a escolarização foram
zão observamos a cada passo nos filhos da indigência,
duas das grandes metas do regime cujo centená-
meramente abandonados à escola da vida, uma irra-
rio comemoramos este ano.
diação moral, uma viveza rara nos mártires do ensino
primário?
Gerações inteiras aprenderam a ler pela obra que
tendes na mão. Este livro abriu a porta a muitos
Às mães, que do coração professam a religião da adorá-
livros, a todos os livros, a todas as letras que vie-
vel inocência, e até por instinto sabem que em cérebros
ram depois dele – e que com ele se aprenderam.
tão tenros e mimosos todo o cansaço e violência pode
Singela e terna, a Cartilha de João de Deus ensina
deixar vestígios indeléveis, oferecemos, neste sistema
mesmo os que já sabem ler. Dá-nos uma lição de
profundamente prático, o meio de evitar a seus filhos o
vida: é com simplicidade que se educa, para ser
flagelo da cartilha tradicional”
com naturalidade que se aprende.

Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva João de Deus

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


11
Congresso da OMEP - “ Ser Criança no Séc. XXI” - Fórum Lisboa 2009. Da esquerda para a direita e de cima para baixo,
Guilherme D’ Oliveira Martins, Ruben de Freitas Cabral, António Ponces de Carvalho, João Formosinho.

II Congresso Internacional de Gerontologia - “ Mitos Envelhecidos do Envelhecimento: do culto do corpo ao embele-


zamento da alma” - Museu João de Deus 1010.

12
Conferência ...

Actuação de crianças dos Jardim-Escola João de Deus, no Congresso da OMEP - “ Ser Criança no Séc. XXI”, realizado
no Fórum Lisboa em 2009.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


13
REITOR . UNIVERSIDADE DE SÃO JOSÉ . MACAU

RUBEN DE FREITAS CABRAL

DA LIBERDADE DA EDUCAÇÃO
E DAS LIBERDADES DA ESCOLA

E Em Janeiro deste ano (2010) um


juiz dos Estados Unidos da América
concedeu asilo político a uma famí-
lia alemã, da República Federal da
Alemanha, considerando que havia
grandes possibilidades de persegui-
ção caso regressassem ao seu país
natal1 . O caso parece insólito, mas
aconteceu. Em causa está a liberdade
dos cidadãos de prover à educação
dos seus filhos e a autoproclamação
as primeiras letras. Ora a afirmação
dos “supostos” direitos de paternida-
de (perdoe-se-me o sexismo da lin-
guagem) renderam aos Romeike uma
multa de €12,000 e remoção forçada
das crianças de casa pela polícia para
a escola local. A convicção de que o
Estado se poderia arrogar o direito de
paternidade em definitivo não parece
descabida. Antes que isso acontecesse
os Romeike pegaram nas economias
que lhes restavam depois da multa,
e rumaram aos Estados Unidos, onde
o Estado é bem menos visível na vida
dos cidadãos.

Quando o meu filho atingiu a idade


escolar, consoante definida pelo Go-

do (chamado) Estado em se conside-


rar como o único fornecedor desse
bem/produto social.

A família Romeike (sigo, claro, a notí-


cia como foi publicada) tinha resolvi-
do educar os seus cinco filhos em casa.
Não deveria faltar educação musical,
uma vez que o pai era professor de
piano e decerto bem sucedido. Nada
se diz da mãe, mas a dar crédito à qua-
lidade da educação na Alemanha con-
forme defendido pelo Governo Ale-
mão, deveria saber bem mais do que

14
verno de Macau e pela legislação por- da vida medieval está hoje tão distan- cada vez mais define o nosso quotidia-
tuguesa pré-1999 por que se rege, fui ciado de nós, como a inaceitabilidade no (se é que não foi sempre a norma)
também ameaçado de que não estava dum Estado todo-poderoso e provi- a noção de indivíduo dissolve-se na de
a cumprir a lei de Macau, de que po- denciador universal. pessoa, e a de sociedade, julgada como
deria ser multado, e sei lá que mais. o conjunto de indivíduos social e mo-
Recuso-me a pensar, em nome dos Já tenho falado e escrito em outras ralmente separados uns dos outros,
resquícios de bom senso, de que me partes da superfluidade crescente da perde sentido na vivência crescente
meteriam na prisão. Apesar dos bons noção de Estado e da carência cres- da experiência de comunidade, que se
ares de Coloane, não me parece que cente da presença de Governos demo- define como um sistema adaptativo
a cadeia se recomende. É evidente cráticos, fortes, capazes e eficazes. A complexo (complex adaptative sys-
que desobedeci. O meu filho estuda- democracia é isso mesmo: a escolha tem). Se as noções de indivíduo e de
va piano, tinha lições em casa em três dum modelo de decisão dinâmico, e sociedade se enquadram perfeitamen-
línguas, era possuidor duma pequena jamais dependeu da necessidade axio- te na perspectiva analítica da ciência,
biblioteca com mais de cem livros, lógica da noção de Estado, aqui defini- as de pessoa e de comunidade só po-
estava a aprender Mandarim e mui- do como algo sobreposto à comunida- dem ser compreendidas no panorama
to bem integrado socialmente, dado de de cidadãos. Aliás tenho proposto, das novas ciências da complexidade, o
que passava três a quatro horas por juntamente como muitos outros, que que quer que elas sejam.
dia com amigos e amigas de várias no contexto de interdependência que

a escola, ocidental e supostamente republicana, que


todos nós conhecemos, assume-se como a guardiã da
igualização dos indivíduos e das sociedades.
etnias num clube local, brincando ao De outro modo, como enquadrar a noção de Estado num mundo globalizado, ou
ar livre, com computadores, e, o mais a de indivíduo no contexto da interdependência. Contradictio in terminis. Ora
importante, sendo feliz. Não acredi- a escola, ocidental e supostamente republicana, que todos nós conhecemos,
to que nenhuma escola lhe pudesse assume-se como a guardiã da igualização dos indivíduos e das sociedades. Ou
providenciar a mesma experiência de como informa o artigo já citado2:
socialização, ou de melhores aprendi-
zagens. Parece-me também que, dada
a minha profissão e experiência, estou Em Setembro de 2006 o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que a
em condições de poder julgar. Alemanha estava nos seus direitos de seguir esta abordagem. As escolas rep-
resentam a sociedade, disse o acórdão, e era no interesse das crianças fazerem
Estamos a enfrentar nas últimas dé- parte dessa sociedade. O direito dos pais de criarem os seus filhos não ia tão
cadas uma intromissão cada vez mais longe ao ponto de os privar da experiência social da escola. >
insidiosa e moralmente questionável
das instâncias públicas e estatais nas
esferas do privado, pessoal e colectivo.
Tal não me parece aceitável. A ideia do
Estado como pessoa de bem, guardião
das virtudes e dispensador dos bens
comuns, é recente e ganhou expressão 1
The Economist (February 6th 2010). Home schooling. Classes apart. p. 59.
maior com a filosofia/ideologia do in- 2
The Economist (February 6th 2010). Home schooling. Classes apart. p. 59.
dividualismo, que desde o século XVIII
tem informado a nossa escolarização
e a nossa vida colectiva. Se é certo que
o individualismo constituiu uma vitó-
ria maior sobre o sincretismo medie-
val e a arbitrariedade do direito divino
do poder real, o certo é também que
já deu o que tinha a dar. O sincretismo

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


15
RUBEN DE FREITAS CABRAL Da liberdade da educação e das liberdade das escolas

É evidente que o acórdão do Tribunal e dum mesmo conhecimento. O ar-


Europeu, se alinha perfeitamente pe- tigo3 já citado termina por afirmar:
los códigos saídos do liberalismo do
século XIX, perde coerência nos códi- Mas isto (os resultados do homes-
gos, talvez incodificáveis, da vida con- chooling) não vai convencer todos
temporânea. Senão vejamos: aqueles que acreditam que o esta-
do tem o direito de assegurar que 3
Se fosse verdade que as escolas The Economist (February 6th 2010). Home schooling.
as crianças se misturem umas com Classes apart. p. 59.
(presumo que o acórdão se refere às
as outras, e aprendam o que todos
escolas estatais) representam a so-
os outros aprendem acerca de tópi-
ciedade, urge perguntar que socie-
cos espinhosos como a evolução e
dade? A alta sociedade que sempre,
o sexo.
ou quase sempre educou os seus fi-
lhos através de tutores ou em colé-
gios particulares que pouco tiveram
ou continuam a ter com as escolas, Seria ridículo pensar que o valor maior da chamada escola pública seria o
chamadas públicas na Europa conti- de assegurar o ensino (não propriamente a aprendizagem) da evolução e do
nental? E que dizer de outros tantos sexo. Quanto à mistura social, temos dito. Se é certo que nos Estados Unidos
sectores da sociedade que optou e grande parte do crescimento da homeschooling (escolaridade doméstica) se
continua a optar pelas escolas parti- deve à afirmação de um certo fundamentalismo religioso que sobrepõe o cria-
culares? É igualmente evidente que, cionismo, e os seus derivados mais camuflados, ao evolucionismo darwinista,
se por um lado, o Estado procurou não é menos evidente que problemas relacionados com a violência, sobretudo
e procura estandardizar toda e qual- nas chamadas inner city schools, outros relacionados com racismos latentes
quer espécie de escolaridade pública de toda a espécie, ou outros ainda derivados duma classe professoral em mu-
e privada, por outro as classes mais dança e que se comporta, quantas vezes, segundo agendas mais próximas das
privilegiadas sempre encontraram dos ofícios tradicionais do século XIX (esses mesmos em profunda alteração)
maneiras de subverter o sistema do que como profissionais e académicos do século XXI.
e de educar os seus filhos, e cada
vez mais as suas filhas, em escolas
que pouco têm a ver com as esta-
o espaço educativo, e mesmo o das
tais. Infelizmente, muitas das esco-
las particulares, sobretudo as com
aprendizagens, não se define só no es-
afirmações confessionais e geral- paço da escola, mas expande-se por
mente mais dirigidas às classes mé-
dias, acabam quase sempre por se toda a vida familiar e pelas necessárias
adaptar ao modelo estatal, quer por
motivos financeiros, quer porque os extensões sociais e de lazer. Aprende-
seus quadros se filiam, ideológica e/
ou socialmente, nas camadas socio-
se por vezes mais numa viagem que
económicas que constituem a base
da escola pública.
num semestre escolar.
É também evidente que a escola Estas questões, todavia, não cons- extensões sociais e de lazer. Aprende-
pública, mesmo quando obrigatória tituem problemas de maior para as se por vezes mais numa viagem que
para todos (o que já sabemos nem escolas particulares que sempre exis- num semestre escolar. Não quero de
sempre acontece), nunca poderia tiram para educar os filhos das classes modo algum menosprezar as apren-
estandardizar os cidadãos de acor- privilegiadas. A lógica aí é outra e os dizagens vividas nos contextos rurais,
do com um modelo considerado contextos mais abertos. Por um lado ou dos adquiridos em famílias menos
condição sine qua non para o esta- o espaço educativo, e mesmo o das privilegiadas. Não é aí que reside o
belecimento duma democracia de aprendizagens, não se define só no problema. Essas aprendizagens, infe-
republicanos, perfeitamente laicos espaço da escola, mas expande-se por lizmente, pesam pouco no cômputo
e partilhadores dum mesmo ideário toda a vida familiar e pelas necessárias curricular ou avaliativo das escolas.

16
A escola de e para todos deveria ser
capaz de catalisar a promoção huma-
na a todos os níveis. O que acontece
é, todavia, muito diferente. O me-
canicismo inerente às burocracias,
não resiste a enquadrar cada crian-
ça numa determinada caixa. Assim,
um sistema de triagem tende quase
sempre a meter aqueles alunos que
prometem academicamente (o que
quer que isso signifique) em caixas
que os canalizam para escolas consi-
deradas de maior qualidade, enquan-
to muitos dos outros são enfiados
em caixotes (dado o seu número) e
remetidos para as real ou fahrschüle
(no caso da Alemanha) deste mundo.
A uma parte significativa nem isso
acontece: entra automaticamente
na vida activa sem os instrumentos
e saberes adequados, a não ser aque-
les que lhes são inerentes e que lhes
permitem sobreviver num mundo
codificado, mas cujas regras muitas
vezes desconhecem.

A escola de e para todos deveria ser capaz de catalisar


a promoção humana a todos os níveis.
É evidente que todos podem aprender,
como é evidente que cada um de nós
é único e que essa diversidade (não
necessariamente diferença) tem de
ser reconhecida. É evidente também
que todos nós arrancamos de grelhas
de partida diferentes. A esmagadora
maioria das escolas, no entanto, fa-
zem tabula rasa de tudo isso, possi-
velmente em nome duma igualdade
qualquer. O grande embuste/tragédia
dos chamados sistemas de oportuni-
dade igual é esse mesmo: num siste-
ma desenhado para altas velocidades,
espera-se que um Mini compita com
um Ferrari. A pista pode ser a mesma,
mas os condicionalismos muito dife-
rentes. Ou como escreviam os rapazes
de Barbiana4: Nada é mais injusto do 4
The Schoolboys of Barbiana (1970). Letter to a
que a partilha igual entre desiguais. teacher. New Tork: Vintage Books, p. 48.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


17
RUBEN DE FREITAS CABRAL Da liberdade da educação e das liberdade das escolas

a classe (casta)
professoral trans-
formou-se através
das suas associa-
ções profissionais
num poder político
de vulto. As agen-
Se é certo que poucos discutirão a li-
berdade de educar, é fácil reconhecer
das políticas rodo- Parece-me que o apaziguamento (não
a resolução) da situação política pas-
as muitas liberdades dadas ao sistema piam mais à volta sa pela devolução de poderes de ges-
escolar. Muitas dessas liberdades não tão às escolas e às comunidades. Isso
são legítimas e mesmo incongruentes
das questões que acontece de algum modo com o papel
num sistema democrático. A escola descontentam os crescente das autarquias nas institui-
transformada numa mera extensão ções escolares, mas não é suficiente.
duma noção qualquer de Estado, difí- professores e que Primeiro, a devolução de poderes não
cil de defender no nosso mundo de in-
terdependências, tenta estandardizar
os opõem às estru- tem sido acompanhada pela redução
das estruturas centrais o que faz que
o que é naturalmente diversidade. Se turas governamen- quase tudo permaneça na mesma. As-
bem que muitos professores tentem sim, se há mais gente a discutir estes
responder aos muitos condicionalis-
tais, do que duma assuntos, a agenda raramente é a que
mos dos alunos, a gestão centrali- discussão franca so- mais importa. Devolvem-se responsa-
zada das escolas transforma muitas bilidades, mas nem sempre a liberdade
dessas tentativas em estados estéreis bre a natureza, fina- de agir. E neste braço de ferro entre
de frustração. A existência de super-
ministérios das escolas constitui um
lidade e desenvolvi- o Big Brother e os Smaller Brothers a
escola sobrevive, tentando muitas o
entrave tremendo à emergência e ao mento das escolas. seu melhor, mas sem existência, leia-
desenvolvimento de verdadeiras ins- se liberdade, própria.
tituições de aprendizagem. Reinam o
ensino e o compêndio. los, processos de avaliação e rankings O desenvolvimento dos povos de-
que nada significam. Circunstâncias, pende da vivência democrática, mo-
Por seu lado, a classe (casta) profes- como o decréscimo da população es- ralizada pela justiça e afirmada num
soral transformou-se através das suas tudantil, que ameaça directamente o contexto de liberdade. Infelizmente,
associações profissionais num poder número de postos de trabalhos dis- a vivência democrática resume-se a
político de vulto. As agendas políticas poníveis a professores, ou o desapare- decretos-leis de governos democrati-
rodopiam mais à volta das questões cimento gradativo da escola rural, não camente eleitos; o sentido da justiça
que descontentam os professores facilitam a resolução dum fenómeno não é, quantas vezes, nada mais do
e que os opõem às estruturas gov- explosivo, como a educação, indispen- que adesão a regulamentos; a liberda-
ernamentais, do que duma discussão sável ao desenvolvimento das pessoas de, essa é subvertida não menos vezes
franca sobre a natureza, finalidade e e povos. Os pais, por seu turno, se bem por um conjunto de liberdades que
desenvolvimento das escolas. Já nem que preocupados com a escolarização roubam a grande número de crianças
falo das políticas da educação vistas na dos seus filhos, vêem muitas vezes a a possibilidade de se educarem.
sua globalidade. E assim, a discussão escola de hoje como um prolonga-
sobre a suposta educação que deve- mento natural daquela que conhecer- Se muitos são os que intervêm na for-
ria acontecer nas escolas e em todo o am. É evidente, também, que em tem- mação duma criança, é preciso não
lado resume-se à gestão do quotidi- pos de vacas magras, como aquele que esquecer que é essa mesma criança
ano, a discussões fúteis sobre currícu- vivemos, tudo isto se agudiza. o verdadeiro agente da sua própria

18
O desenvolvimento
dos povos depende
da vivência demo-
crática, moralizada
pela justiça e afir-
mada num contex-
to de liberdade.
educação. Sendo assim, o que deveria
constituir hoje a educação duma crian-
ça? Qual o melhor contexto e proces-
so em que essa educação/aprendiza-
gem deveria ocorrer? Parece-me claro
que o sistema de ensino, marcado
pelo que é conhecido e, portanto, pas-
sado, não serve, quando o tempo das
crianças é o futuro. Da mesma manei-
ra que a maioria das ferramentas que
nós adquirimos de pouco nos servem
hoje, aquilo que estamos a forçá-las
a encaixar agora de pouco lhes servi-
rá amanhã. A própria ideia do tempo
como uma coordenada determinista
>
– um dos fundamentos da ciência que
ainda se ensina e que modela a escola
está ultrapassada. Popper5, para citar
só um dos grandes filósofos da ciência
do século passado escreve:

A velha imagem do mundo como um mecanismo funcionando por impulsos ou por causas mais
abstractas que estão todas no passado – o passado empurrando-nos e levando-nos para o fu-
turo, o passado que passou – já não se adapta ao nosso mundo indeterminista de propensões.
(...) Não são os empurrões de trás, do passado que nos impelem, mas sim a atracção, o apelo
do futuro e das suas possibilidades concorrentes, que nos atraem e nos seduzem. É isto que
mantém a vida e na realidade o mundo em desenvolvimento. >

5
Popper, Karl R. (1991). Um mundo propensões. Lisboa: Editorial Fragmentos, Lda, p. 33

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


19
RUBEN DE FREITAS CABRAL Da liberdade da educação e das liberdade das escolas

Há aqui um paradoxo contextual que


urge resolver: o de uma escola que
vive do passado formando crianças
e jovens que vivem no futuro. Se é o
futuro que condiciona fundamental-
mente o presente – e isso é mais do
que lógico – toda a vida da escola de-
veria revolver em torno das questões
do futuro, das ansiedades e expectati-
vas dos alunos, duma visão teleológica
do mundo, mas liberta de mecanicis-
mos deterministas e estéreis. E quais
são as ansiedades e expectativas dos
alunos? Duvido que muitos dos nos-
sos professores usem tempo nes-
sa pesquisa. Todavia, uma simples
busca num Google qualquer fornece
enormes quantidades de informação e
de pistas: violência, insegurança famil-
iar, desemprego, ensino imobilista, a
visão quase apocalíptica dum mundo
que parece desintegrar-se em viragens
climáticas, guerras sem nexo e políti-
cas amorais. E por aí fora.

20
Há aqui um paradoxo contextual que urge resolver: o de uma escola
que vive do passado formando crianças e jovens que vivem no futuro.

>

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


21
RUBEN DE FREITAS CABRAL Da liberdade da educação e das liberdade das escolas

É manifesto que muitos professores


incluem muitas dessas preocupações
nas suas conversas com os alunos, mas
não chega. Conversas despidas dum
contexto anunciador e de esperança,
pouco mais são que as denúncias re-
petidas até à exaustão pelos telejor- 6
Popper, Karl R. (1991). Um mundo propensões. Lisboa: Editorial Fragmentos, Lda, p. 49, 63.
nais. Quantas vezes a relevância dessa
troca de experiências, saberes e pers-
pectivas entre professores e alunos
não é seguida pelo dogmatismo do
compêndio e do programa curricular.
Ora Popper6, que tenho aqui mesmo à
mão, dizia o seguinte há bem mais do
que meio século:
Entendo que a ciência devia procurar a verdade objectiva, a verdade que depen-
de apenas dos factos, a verdade que está acima da autoridade humana e acima
da arbitragem, e sobretudo acima das modas científicas. (...) Além disso, mesmo
as respostas de tipo “sim ou não” que os sentidos dão Têm de ser interpretadas
por nós, e interpretadas à luz das nossas ideias preconcebidas, a priori. E, é claro,
essas respostas são muitas vezes mal interpretadas.
Por isso, todo o nosso conhecimento é hipotético.

É exactamente essa consciência da in-


certeza, a maneira de viver com ela e
de a gerir que poderia servir de base
a experiências educativas verdadei-
ramente relevantes. Muito mais do
que a suposta transmissão de pseu-
do-saberes, a escola de professores-
aprendentes e de alunos-aprendentes
deveria aprofundar a audácia de per-
guntar argutamente, de equacionar
problemas reflectidamente, de inves-
tigar com perícia e sem preconceitos.
Há escolas que funcionam assim e os
seus alunos tanto dominam os saberes
herdados e relevantes como a formu-
lação de mundos-advento possíveis
porque imaginados.

22
ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010
23
DIRECTORA DE SERVIÇOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E APOIO SÓCIO-EDUCATIVO DIRECÇÃO-GERAL
DE INOVAÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO CURRICULAR

FILOMENA PEREIRA

EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
uma questão de direitos humanos

MODELOS ECOLÓGICO-SISTÉMICOS E TRANSACIONAIS

Os modelos ecológico-sistémicos e tamento das crianças muda em


transacionais vieram evidenciar que função das expectativas das pes-
A história recente dos pa- o desenvolvimento humano só se soas que cuidam delas e, também,
íses ocidentais revela-nos entende e evolui de forma contex- quando elas próprias interagem
que, até há bem pouco tualizada, princípio que sustenta a com pares a quem, por sua vez,
tempo, as crianças com fundamentação do modelo inclusivo vão modificar o comportamento.
necessidades educativas de educação. As crianças aprendem, A criança influencia o meio que a
especiais estavam privadas sobretudo quando se actua sobre o cerca como este influencia o seu
dos mais elementares di- meio ambiente de modo a encontra- desenvolvimento (Bairrão, 2004).
reitos de cidadania. O aces- rem oportunidades de aprendizagem
so à educação pública era- ricas, adultos envolventes e pares
lhes recusado bem como a estimulantes e organizadores. É ao
participação activa na vida que Odom e Wolery (2003) chamam
da comunidade. Progressi- “aprendizagem em meios ambientes
vamente, embora de forma activos”.
mais lenta do que seria de-
sejável, a consciência acer-
ca dos direitos das crianças Estas concepções devem-se, so-
com incapacidades foi-se bretudo, aos estudos de Samero-
tornando uma prioridade e ff (1975) e Sameroff & Mackenzie
passou a constituir a base (2003), melhoradas com o princípio
para as políticas, para a da bidireccionalidade do modelo
correspondente legislação transaccional do desenvolvimento
e para a organização de re- que veio reafirmar que o compor-
cursos (Simeonsson, Björk-
Akesson & Bairrão, 2004).

24
Uma outra noção a extrair dos dados
da investigação recente (Zipper, ci-
os comportamentos das crianças com ne-
tado por Bairrão, 2004), é a de que cessidades especiais melhoram sensivel-
os comportamentos das crianças
com necessidades especiais melho-
mente se os recursos da escola, da família
ram sensivelmente se os recursos da e da comunidade actuarem de forma orga-
escola, da família e da comunidade
actuarem de forma organizada na nizada na solução dos problemas.
solução dos problemas.

MODELOS MULTIDIMEN- to versus alterado”, as dimensões da


interacção “completo versus restri-
SIONAL DA INTERACÇÃO to” e o ambiente “adequado versus
MEIO-AMBIENTE inadequado”, é o exemplo da relati-
vidade das incapacidades e das cate-
Um outro núcleo da investigação é gorizações muitas vezes limitadoras
o que se centra nos trabalhos de Si- e erróneas. Este modelo constitui,
meonsson sobre a operacionalização também, um contributo do estado
do comportamento infantil e das in- actual da ciência para a educação,
capacidades: o modelo multidimen- nomeadamente nos aspectos da ele-
sional da interacção meio-ambiente, gibilidade e da caracterização para a
que engloba o estatuto de saúde e disponibilização de meios e recursos
desenvolvimento da criança “intac- especializados (Bairrão, 2004).

o comportamento das crianças muda em função das expectativas


das pessoas que cuidam delas e, também, quando elas próprias
interagem com pares a quem, por sua vez, vão modificar o com-
portamento.

>

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


25
FILOMENA PEREIRA Educação Inclusiva: uma questão de direitos humanos

A NÍVEL DAS POLÍTICAS SOCIAIS


Vários documentos da União Europeia termos do Artigo 135.º, alínea b) da Ora, a importância da ratificação da
e de outras organizações internacio- Constituição, a ratificação daquela Convenção por parte de Portugal acon-
nais advogam a educação inclusiva Convenção, entretanto aprovada pela selha a que reflictamos sobre algumas
como um meio para a coesão social. Assembleia da República4, bem como questões que a mesma suscita e que
São disso exemplos: a Declaração de do Protocolo Opciona5. Portugal as- pela sua actualidade e pertinência po-
Salamanca da Unesco, o documento sume, assim, através dos mais altos derão permitir a identificação de for-
Educação e Formação na Europa: sis- órgãos de soberania o compromisso mas possíveis de dar um sentido coe-
temas diferentes, objectivos comuns de orientar as suas políticas sectoriais rente às políticas e práticas nacionais.
para 2010 (2002) da Comissão Eu- de acordo com o estabelecido na Con-
ropeia, a Definição de uma Agenda venção. Grande e nobre desígnio este!
para a Educação Inclusiva da UNESCO
(2008) e as Conclusões sobre a Dimen- A ratificação da Convenção constituiu
são Social da Educação e da Formação um elemento mais no já complexo
(2010) do Conselho da União Europeia. conjunto de políticas, de disposições
legais e de práticas que fazem da edu-
Estes documentos de referência cação de alunos com diversos tipos 1
Unesco Policy Guidelines on Inclusion in Education (2008)
afirmam a importância da educa- de necessidades educativas especiais 2
United Nations, Convention on the Rights of Persons with Di-
ção para garantir sociedades de- uma temática da maior importância sabilities, 2006. 76ª. Sessão Plenária da Assembleia Geral, 13
mocráticas com igual acesso a gru- para o sistema educativo. Com efeito, Dezembro, 2006.

pos e indivíduos vulneráveis, para o grande desafio que se coloca aos sis- 3
Decreto do Presidente da República nº 71/2009 e 72/2009

alterar atitudes discriminatórias, temas educativos dos diversos países, 4


Resolução da Assembleia da República nº 56/2009
para criar comunidades acolhedoras a partir da ratificação da Convenção, 5
Resolução da Assembleia da República nº 57/2009
e para desenvolver um sistema in- é o de assegurarem o estabelecido no
clusivo e uma sociedade mais justa. Artigo 24º, criando condições para
uma educação “apropriada” e “inclu-
Recentemente, a Convenção dos Di- siva” dos alunos com incapacidades.
reitos das Pessoas com Deficiência
vem advogar que a educação inclu-
siva proporciona um melhor con- UM PRIMEIRO CONJUNTO DE QUESTÕES É, FUNDAMENTALMENTE,
texto para todos os alunos, derruba DE NATUREZA POLÍTICA:
barreiras e desafia estereótipos, cria > Queremos nós, portugueses, a coesão social?
uma sociedade que aceita a diferen-
ça. Por seu lado, as orientações da > Acreditamos que a coesão social é benéfica para a sociedade?
UNESCO sobre inclusão na educação
(2008)1 defendem que a educação é > Quais as vantagens que encontramos?
um direito humano e o alicerce para > Qual esperamos ser o resultado da coesão social?
uma sociedade mais justa e igual.
> Acreditamos que a educação inclusiva conduz à coesão social?
É, assim, claramente reconhecida, do
ponto de vista político a importância
da educação inclusiva como uma con- UM SEGUNDO CONJUNTO DE QUESTÕES RELACIONA-SE COM O
dição fundamental para a coesão social PAPEL DOS INTERVENIENTES, OU SEJA, DAS VOZES QUE OUVIMOS.
> Quem são os intervenientes no debate sobre a educação inclusiva?
Há três anos em Nova York, a 30 de
Março de 2007, 80 países, entre os > Será que todos eles estão em pé de igualdade ou, pelo contrário,
quais Portugal, assinaram a Con- alguns dos intervenientes são mais importantes do que outros?
venção dos Direitos das Pessoas com
Deficiência2. Em Julho de 2009, o > O que pensamos sobre o empowerment das pessoas com incapa-
Presidente da República decreta3, nos cidades?

26
A propósito deste último conjunto de
questões importa sublinhar, pela sua
importância, a Audição de jovens com
necessidades especiais em “Young
Voices, Meeting Diversity in Educa-
tion”, que teve lugar no Parlamento
português, em 2007, no âmbito da
presidência portuguesa da União Eu-
ropeia, organizada pelo Ministério da
Educação e a European Agency for
Development in Special Needs Edu-
cation. Esta Audição culminou com a
aprovação pelos jovens da Declaração
de Lisboa, que veio colocar num novo
patamar o objectivo da escola inclu-
siva, constituindo hoje uma referência
em vários documentos da União Euro-
peia e de diversas organizações inter-
nacionais.
São muitos os discursos in-
DO QUE DISSERAM OS 80 JOVENS AOS QUATRO ARGUMENTOS APRE- flamados sobre a educação
COM NECESSIDADES ESPECIAIS DE SENTADOS PELOS JOVENS NO inclusiva assentes na assun-
29 PAÍSES EUROPEUS, DESTACA- EVENTO ATRÁS REFERIDO ACRES- ção simplista e romântica da
MOS QUATRO IDEIAS CENTRAIS: CENTAREMOS UM QUINTO: pretensa igualdade de todos
face aos objectivos escola-
res. Mas a inclusão escolar,
> A escola especial, local onde ape- > A participação das crianças com enquanto orientação que
nas se encontram crianças e jovens necessidades educativas especiais
respeita as diferenças indivi-
com deficiência, inibe o desenvolvi- nas escolas regulares é melhor para
duais, pressupõe diversidade
mento, protege demasiado, segre- todos porque uma escola capaz de
curricular e estratégias de
ga e, por vezes, estigmatiza; ensinar e fazer progredir os alunos
ensino/aprendizagem que
com maiores dificuldades, mais ca-
tardam a instituir-se de ma-
> Pelo contrário, o contacto dos pacitada estará para melhor ensi-
neira efectiva nas nossas es-
jovens com deficiência com os co- nar qualquer outro aluno (Capucha,
colas. Refere Carneiro (2001)
legas da sua idade nas escolas re- 2009).
que “mais importante para
gulares estimula a aprendizagem,
uma cultura do que onde e
permite a aquisição de competên-
como se aprende, é, sobretu-
cias não formais de grande relevo e
O conhecimento que temos do sis- do, como gerar processos de aprendi-
prepara as crianças e os jovens para
tema, o contacto frequente com zagem inclusivos em que a exclusão
a vida real que hão-de encontrar ao
profissionais e pais, bem como a de conhecimentos – novos ou velhos
sair da escola;
constatação dos avanços e recuos - não se constitua como um anátema
nas políticas educativas, aconse- sistematicamente lançado sobre gru-
> Além disso, promove a tolerância lham uma reflexão aprofundada e pos da respectiva comunidade”.
e a compreensão da diferença por um debate sério sobre as questões
parte dos outros colegas, comba- que colocámos acima. Constatamos, porém, que existem
tendo precocemente o preconceito ainda muitos profissionais, pais, po-
e promovendo, assim, os princípios Reconhecemos que, nos últimos líticos e especialistas, críticos em re-
democráticos e a coesão social; anos, tem ganho terreno o princípio lação à ideia de educação inclusiva.
da escola inclusiva (Unesco, 1994), São frequentes as vozes que recla-
> A transição dos jovens com de- capaz de acolher e reter no seu seio mam provas claras de que a inclusão
ficiência das escolas especiais para grupos de crianças e jovens tradicio- é eficaz, também para os alunos sem
as escolas regulares deve assegurar, nalmente “excluídos” do ensino re- necessidades. É comum a ideia de que
contudo, que nestas últimas estão gular. Este princípio, dada a sua di- a educação inclusiva faz baixar os
de facto reunidas as condições ne- mensão eminentemente social, tem resultados escolares. Pais há que se
cessárias a uma efectiva melhoria merecido o apoio de profissionais, questionam se, e como, as necessida-
do serviço prestado. da comunidade científica e de pais. des dos seus filhos são respondidas na >

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


27
FILOMENA PEREIRA Educação Inclusiva: uma questão de direitos humanos

escola regular, pois acreditam que


a educação inclusiva poderá amea-
Como podemos, então, tornar as
escolas portuguesas mais inclusi-
A questão da edu-
çar a qualidade da educação pres- vas? Antes de mais, precisamos de cação inclusiva é,
tada. São frequentes os casos em definir claramente que o objecti-
que os pais querem uma coisa e a vo é ter “comunidades educativas
ainda, uma questão
escola oferece outra; umas vezes inclusivas e eficazes”, simultanea- envolta em criticis-
exigem mais serviços de educação mente comprometidas com a in-
especial, outras querem mais aces- clusão e capazes de a implementar. mo no nosso país e,
so à turma regular. Trata-se de um desafio que exige
um investimento significativo nas
por isso, é necessá-
Ora, se não existirem consensos e lideranças a todos os níveis: a ní- rio um esforço sério
pontos de vista claros em relação vel político, a nível dos serviços da
a este conjunto de questões es- administração educativa, a nível da
para mudar o status
senciais, permanecerá a incerteza escola e da sala de aula. quo.
sobre para onde se caminha e os
avanços e recuos nas políticas edu-
cativas serão uma constante.

A questão da educação inclusiva


é, ainda, uma questão envolta em
criticismo no nosso país e, por isso,
é necessário um esforço sério para
mudar o status quo. Esta situação
é alimentada pela forte percep-
ção, por parte do cidadão comum
e de profissionais, de que alguns ESTE PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO EXIGE UMA VISÃO ESTRATÉGI-
tipos de necessidades educativas CA, UM CRITERIOSO PLANEAMENTO E A DEFINIÇÃO DOS PASSOS FUN-
especiais não beneficiam com o DAMENTAIS A PROSSEGUIR, IMPLICANDO:
que acontece na turma regular, es-
pecialmente nos níveis de ensino
mais elevados onde são mais no- > A existência de um plano para a transição e a mudança com a consciên-
tadas as diferenças nos desempe- cia de que o tempo para o pôr em prática adequadamente será de 4-5 anos;
nhos escolares dos alunos.
> Um forte investimento na formação contínua dos professores e direc-
Esta crença resulta, na nossa opi- tores de escola e na formação inicial dos futuros professores, uma vez que
nião, duma falta de conhecimento as escolas e as equipas educativas precisam de saber como responder efi-
sobre o que é a educação inclusiva cazmente a todos os alunos na sala de aula;
e sobre as formas como os alunos
com diferentes tipos de neces- > A criação de redes de apoio, já que importa reconhecer que os professo-
sidades podem ser ensinados no res precisam de ajuda para aceitarem a mudança;
mesmo contexto. Pode também
reflectir o medo de que a educação
inclusiva diminua ou enfraqueça
> A disseminação de práticas de sucesso – de escolas e salas de aula – e a
partilha de estratégias eficazes com as comunidades educativas das áreas
os resultados escolares. Reconhe-
geográficas próximas;
cemos que existe também ainda
uma forte desvalorização dos alu-
nos com necessidades especiais, > A identificação e a divulgação de “boas práticas” de investigação que
especialmente quando estas resul- possam ser utilizadas pelas comunidades educativas.
tam de problemas cognitivos.

28
Em Portugal, está em curso um plano
para o desenvolvimento da inclusão na
educação. A operacionalização deste pro-
cesso envolveu a produção de legislação
e de orientações normativas.

Um elemento nuclear na concepção des-


te plano foi a tomada de decisão sobre
a afectação de recursos, orientada pelos
seguintes objectivos:

> Garantir justiça social na sua dis-


tribuição e utilização, corrigindo as-
simetrias;

> Possibilitar uma comparação entre


o existente e o teoricamente neces-
sário;

> Diferenciar tipos de problemas,


concomitantes necessidades, servi-
ços e recursos específicos necessá-
rios;

> Garantir um equilíbrio entre a


qualidade e a quantidade das respos-
tas oferecidas.

Para satisfazer estes objectivos, aceitou-


se que os recursos deviam ser: escola e pelos professores
como deficitário em algum
Sabemos que os recursos huma-
> O mais possível diversificados aspecto do desenvolvimento
para, por sua vez, corresponderem à ou da aprendizagem (Leite &
nos são uma componente óbvia
diversidade de necessidades que ha- Madureira, 2004).
do sistema de ensino e, natural-
bitualmente surgem;
mente, também dos serviços das
Na verdade, uma das compo-
necessidades especiais de educa-
ção. Reconhece-se, contudo, que > O mais possível qualificados para nentes fundamentais das po-
garantirem uma resposta adequada líticas de inclusão consiste na
tem sido difícil definir com pre-
às necessidades; orientação dos recursos para
cisão o que é que os serviços das
as escolas do ensino regular e
necessidades especiais de educa-
ção exigem de diferente, tanto > Geridos o melhor possível para que não para os indivíduos, de for-
se encontrem no lugar e no momen- ma a apoiar os seus processos
na composição como nas carac-
to certos em que são necessários. de desenvolvimento para uma
terísticas desses recursos, ou seja,
efectiva universalização do
até que ponto o “grupo” de pro-
acesso à educação (Capucha,
fissionais de educação especial
2009).
se diferencia do “grupo” de pro-
fissionais que trabalha na educa- Um processo desta natureza,
ção regular ou nela se dilui. Esta nente representacional que está sub-
e rompendo com uma tradi-
questão encontra-se relacionada jacente ao conceito de necessidades
ção tão velha quanto nociva,
com as dificuldades em se esta- educativas especiais. O conceito de
não se pode, porém, limitar a
belecerem fronteiras nos “gru- necessidades educativas especiais
produzir legislação sem cuidar
pos” ou alunos individualmente, tornou-se uma categoria referente
da implementação e da ma-
com os quais esses profissionais a um grupo homogéneo, grupo que
nutenção sobre o sistema de
trabalham, dada a forte compo- continuou a ser percepcionado pela
uma apertada vigilância para >

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


29
FILOMENA PEREIRA Educação Inclusiva: uma questão de direitos humanos

Conclusão
{ O horizonte está definido, a direcção
apontada. Todos sabemos que o caminho
faz-se caminhando. Como disse Einstein
“é mais fácil desintegrar um átomo do
que um preconceito”: mudar atitudes e
padrões de pensamento, matrizes con-
ceptuais, interpretação da realidade e
subsequentes práticas é um dos maiores
desafios da natureza humana e os profis-
sionais da educação não lhe escapam.

Este processo não é simples nem tran-


responder aos problemas e lacu- quilo. Compreendemos a intranquilidade
RECENTEMENTE, O CONSELHO legítima das famílias naturalmente an-
nas que vão surgindo, para corri-
DA UNIÃO EUROPEIA (2010), NA siosas e inseguras bem como as perple-
gir aspectos menos conseguidos
REUNIÃO SOBRE “EDUCAÇÃO, xidades de alguns dos profissionais do
e para proporcionar a cada crian-
JUVENTUDE E CULTURA”, DE 11 ensino e da reabilitação que investiram
ça e família a melhor resposta
possível. DE MAIO, CONSIDEROU QUE: muito da sua vida profissional e pessoal
neste campo e a cujas mudanças terão de
UMA ANÁLISE APROFUNDADA se adaptar.
> A criação das condições ne-
DAS MEDIDAS RECENTEMEN- cessárias para uma inclusão Com os pais e os profissionais há que
TE TOMADAS PARECE PERMITIR com sucesso dos alunos com estabelecer um diálogo permanente, no
IDENTIFICAR UMA SÉRIE DE FAC- necessidades educativas espe- qual o Ministério da Educação e os seus
TORES ESSENCIAIS DOS QUAIS ciais beneficia todos os alunos; parceiros têm por missão ajudar a encon-
SE DESTACAM, PELA SUA RELE-
trar as melhores soluções para as crianças
VÂNCIA:
> Incrementar o recurso a abor- e para o seu futuro, bem como formar, in-
dagens de diferenciação peda- formar e preparar todos os agentes para
> Uma armadura conceptu- gógica, incluindo a concepção a criação de ambientes inclusivos neces-
al sólida, fundamentada nos de planos individualizados de sários ao sucesso educativo e à transição
modelos de interacção pes- trabalho e a utilização da ava- para a vida pós-escolar.
soa/meio-ambiente; liação como suporte ao proces-
Podemos dizer que em Portugal têm sido
so de aprendizagem;
feitos alguns bons progressos desde os
> Uma articulação das várias anos 90 mas temos de reconhecer tam-
fases do sistema educativo, > Qualificar os profissionais do- bém que muitas barreiras ainda subsis-
desde a intervenção precoce tando-os de competências para tem.
à transição para a vida pós- gerir e utilizar a diversidade
escolar; a participação da como factor de enriquecimento, A nenhum interesse particular podemos
família e da comunidade nas agora ceder, porque a Educação Inclusiva
diferentes fases do processo; é, antes de mais, uma questão de Direi-
> Promover o acesso e a parti- tos Humanos. Na essência da educação
cipação dos alunos, constituem
> Uma perspectiva interdis- vias imprescindíveis para a me-
inclusiva está o direito à educação es-
ciplinar para a avaliação e a tabelecido na Declaração Universal dos
lhoria da qualidade da educação
intervenção; Direitos do Homem, sendo igualmente
para todos.
importante o direito à não discrimina-
ção, definido na Convenção dos Direitos
> A litigação, sempre que os Estas orientações que o Conselho da Criança (ONU, 1989). O direito a re-
serviços não garantam a res- da Europa dirige aos países mem- ceber uma educação que não discrimine
posta às necessidades; bros constituem referentes que com base na incapacidade, na religião, na
importa ter presentes no desen- etnia, na língua, no género, nas capacida-
> Uma proposta de aborda- volvimento do processo de inclu- des, ou em quaisquer outras característi-
gem inclusiva dos recursos são em curso no nosso país. cas, inscreve-se no conjunto de direitos
especializados. inalienáveis de todas as crianças.

30
LEITE, T; MADUREIRA, I (2004). Novas Pers-
pectivas na Educação Especial – implicações
na Formação de Professores. Comunicação
Bibliografia apresentada nos Seminários de Discussão Pú-
blica do Ante Projecto de Decreto-Lei da Edu-
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ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


31
LIBERDADE DE ESCOLHA

{ DOCENTE . ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO JOÃO DE DEUS

LUÍS MIGUEL LARCHER

32
orçamento do Ministério da Educação, a verdade é que o
investimento que estes colégios fazem na qualidade não
deve ser superior ao que o Estado faz nas diversas escolas
públicas, só que com resultados diferentes. O que permi-
te inferir que a qualidade do projecto educativo não de-
pende do nível do investimento financeiro feito. Mas das
características do projecto e do empenhamento humano.

O que fazer, nivelar a obrigação do Estado em oferecer


uma preparação e um ensino de qualidade por baixo,
ao nível do que, maioritariamente e não exclusivamen-
te, o actual ensino público oferece, ou ter a coragem de
pegar em projectos educativos sustentados e qualifica-
dos e utilizá-los como referência para a avaliação dos
projectos educativos existentes e projecção de novos?

O nível do País de futuro será reflexo dos actuais projec-


tos educativos. A sua capacidade produtiva, a qualidade

H
da democracia vivida, o valor da nossa história, a ima-
gem de tolerância e miscigenação e encontro de culturas
Hoje, como ontem, a única coisa que conhecemos é de que nos orgulhamos de ser, só servirão de exemplo
o peso da corrente que reduz a obrigação do Estado para o mundo e representarão a qualidade de vida em
à criação e sustentação do ensino público. No entan- Portugal, dependendo da educação que agora for dada.
to, continuam por conhecer o valor despendido com
esta obrigação, o custo por cada aluno e até os cri- Não é de hoje o debate sobre a liberdade de ensino. Re-
térios de aferição da qualidade do ensino praticado. corrente na história portuguesa, vem-nos à memória o
debate sobre a possibilidade das congregações religiosas
Aliás, criticáveis ou não, os únicos dados conhecidos poderem ser proprietárias de escolas de ensino e de o Es-
sobre a qualidade de ensino são os “ranking” dos es- tado reconhecer aos alunos o direito de as frequentarem.
tabelecimentos de ensino em Portugal, que colocam
nos primeiros lugares, em todos os parâmetros, as Se o debate ideológico era sobre a liberdade de fre-
escolas de ensino privado. O que, no limite, permi- quentar as escolas “religiosas”, hoje é sobre a li-
te concluir que os projectos educativos destas esco- berdade, de facto, de frequentar o ensino privado.
las até não são maus e preparam bem os seus alunos
do ponto de vista científico e pedagógico. Acrescento Então como hoje o problema está nos patamares da sua
que nalguns casos até do ponto de vista “humano”. abordagem: enquanto uns ficam ao nível do enunciado
constitucional e da teoria das liberdades, outros procu-
No entanto, todo o ensino privado será igual? Todos ram a sua tradução prática na liberdade de escolher de
conhecemos instituições do ensino superior privado acordo com a diferenciação dos projectos educativos
que fecharam por falta de credibilidade e qualidade escolares e na sua sustentação financeira pelo Estado.
científica, o que se estendeu a outros níveis de ensino.
Só que aqui, se o critério não for a ausência de alter- É, como se pode reconhecer, um problema intrincado,
nativas, a lei do mercado leva ao seu encerramento e porque a interpretação dos preceitos constitucionais deu
a falta de qualidade e incompetência não são recom- lugar a uma visão dominante e asfixiadora do Estado so-
pensados. Será o mesmo quanto ao ensino público? bre a exclusividade das escolas públicas e da implementa-
ção de um modelo único de gestão e projecto educativo.
Elitistas, ou não, e recordo que o termo elitista se reduz
à capacidade de prover ao pagamento de propinas ele- O que na prática se traduz para Sousa Franco (Gul-
vadas, a verdade é que sabemos de colégios com qua- benkian, 2003), na sua intervenção no debate sobre as
lidade científico-pedagógica e listas de espera de anos. responsabilidades públicas do Estado e os direitos in-
O que transfere a questão para o campo da discrimina- dividuais dos cidadãos em matéria da educação, que a
ção económica. Ou seja, o termo elite está associado liberdade de escolha em Portugal está limitada pela di-
à capacidade financeira e não à capacidade intelec- mensão económica e a liberdade de ensino está limitada
tual dos alunos, o que impede que a qualidade esteja pela existência de um modelo único de gestão: “nem o
ao dispor de todos, não por opção mas por imposição. Estado cumpriu o dever de criar uma rede pública de en-
Apesar de não saber quanto custa ao Estado cada alu- sino nem reconheceu o princípio de liberdade de ensino.
no do ensino público, dando para ter uma ideia através A possibilidade de escolha das famílias é uma possibili-

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


33
LUÍS MIGUEL LARCHER Liberdade de escolha

dade com um limite prático efectivo possa discutir se o ensino é, ou não,


que é o da discriminação económica.” um bem de mercado – se a intenção
do Estado é atribuir ao ensino a natu-
Recentemente, ao abordar o caso de reza de um bem público, exclui a sua
alunos pretendiam ser abrangidos natureza como um bem mercantil”.
pelo contrato de associação assinado
entre o ME e um colégio, de forma a Do ponto de vista constitucional,
frequentarem a escola em condições há duas leituras sobre a interpreta-
de gratuidade, o Pleno da 1ª Secção ção e os limites do art. 43º, com a
do Supremo Tribunal Administrativo epígrafe “Liberdade de aprender e
(24/5/05) concluiu que não decorre ensinar” e que, na prática, represen-
da Constituição “a obrigatoriedade tam as grandes correntes em con-
de a frequência das escolas particu- fronto sobre a liberdade de ensino.
lares se processar nas mesmas condi-
ções de gratuidade do ensino público. Para Gomes Canotilho e Vital Morei-
Coisa bem diversa, essa sim garantida ra (CRP Anotada, 2007) “A liberdade
pelo texto constitucional, é o direito de aprender e de ensinar em conexão
que assiste aos pais de escolherem o com o direito de criação de escolas
ensino particular para os seus filhos”. particulares e cooperativas aponta
para um direito à liberdade de ensino,
Será bem assim? Julgo que não, no
entanto este acórdão, representativo
de uma corrente que reduz a liberda-
de de escolha dos pais à escolha dos
pais poderem inscrever os seus filhos
O nível do País de futuro será reflexo
no ensino particular, mas a suas ex-
pensas, permite, pelo menos, alterar o
paradigma da abordagem da liberda-
de de ensino para uma questão mais o qual, por sua vez, é densificado por
incisiva: até onde deve ir o Estado uma série de direitos: (1) liberdade
nesta sua obrigação de assegurar o dos pais na escolha de educação dos
direito ao ensino e o direito da famí- filhos”. E para Vital Moreira (A Aba da
lia a orientar a educação dos filhos? Causa, 23/4/06) “No nosso sistema
constitucional, a escola pública é um
Este paradigma foi formalizado direito de todos e uma obrigação do
num debate organizado pela AEEP Estado; e a escola privada é uma liber-
(21/11/06), sobre a “Liberdade de Es- dade de todos, que o Estado assegura e
colha e Autonomia”, que retomou a respeita. A liberdade de criação de es-
leitura de Sousa Franco, ao concluir colas particulares, bem como liberda-
que o mais forte constrangimento à de de as frequentar, está inteiramente
livre escolha dos pais do projecto edu- garantido a todos os interessados”.
cativo que desejam para os seus filhos
é o financeiro. Para Jorge Carvalhal “a Noutra linha, Jorge Miranda e Rui Me-
liberdade de ensino não se esgota no deiros (CP Anotada, 2005) defendem
EPC, deve enformar o ensino público que “A liberdade de escola compreen-
e o privado. Existe discriminação no de: a) O direito de acesso a qualquer
acesso às diferentes ofertas de en- escola, verificados os requisitos gerais
sino por factores financeiros. A me- prescritos na lei, sem impedimentos,
lhoria da qualidade do ensino é um nem discriminações; b) O direito de
imperativo que decorre da liberdade escolha da escola mais adequada ao
de ensinar e aprender, ainda que se projecto educativo ou cultural que

34
se pretenda realizar designadamente, Um estudo feito por investigado-
da escola mais adequada à formação res das universidades de Harvard,
moral, religiosa, filosófica, intelectual Duke e Michigan, e financiado pela
ou cívica dos filhos… Para que haja Boston Foundation, concluiu que os
liberdade de escolha, tem de ser as- alunos progridem mais nas charter
segurada, portanto, em tensão dialé- schools em relação a outras esco-
tica, a existência quer de escolas pri- las públicas e que os alunos negros
vadas e cooperativas quer de escolas reduzem, em muito, a sua desvan-
públicas. E, para que essa liberdade tagem em relação aos brancos.
de escolha seja efectiva, têm de ser
assegurados a quem deseja frequen- Gostaria de terminar com outra me-
tar um ou outro tipo de escola os mória histórica, sobre a essência de
indispensáveis meios económicos”. serviço público do ensino privado, e
que vem transcrita nas Actas do VII
A discussão sobre a liberdade de ensi- Congresso Lusobrasileiro de História
no deve ser feita a dois níveis: o finan- da Educação (6/2008), ao descrever
ciamento dos alunos - versus o finan- o ensino particular na 1ª república:
ciamento das escolas – e a diversidade “… o ensino particular cresceu graças
de projectos educativos – versus um ao esforço da sociedade civil e de ci-
modelo único de projecto educativo. dadãos e fora do âmbito de Igreja.
Eram cidadãos que individualmente
ou em grupo, organizavam os colé-
gios tentando responder aos anseios
dos actuais projectos educativos. regionais e às dificuldades das famí-
lias em poder manter filhos a estu-
dar fora do local da sua residência”.

Esta discussão tem tido imenso peso


no debate político-ideológico recen-
te nos Estados Unidos. Sendo ini-
cialmente uma bandeira do partido
republicano, há, cada vez mais, uma
convergência política com o partido
democrata quanto à pertinência do
programa “cheque escolar” –o exem-
plo da Florida em que as empresas
privadas descontam nos impostos o
dinheiro que investem nesses che-
ques - e à implementação de “char-
ter schools”, escolas que, apesar de
gratuitas e públicas, têm autonomia
para aplicarem os seus próprio pro-
jectos e métodos. Aliás, o governo
norte-americano tem incentivado,
através da Secretária da Educação,
Arne Duncan, os estados a aumen-
tarem a sua oferta de “charter scho-
ols”, garantindo o seu financiamento
e considerando esta medida essencial
para melhorar o nível geral de ensino.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


35
GERAÇÃO “nem-nem”

Há milhões de jovens, pelo mundo bilidade social nos diversos países


fora, entre os 20 e os 29 anos, que e demonstra que a falta de igual-
não estudam, não trabalham nem dade de oportunidades, ao impedir
procuram emprego. A essa geração a escolha dos mais capazes e dos
de jovens os sociólogos chamam melhores da geração, pode limi-
geração “nem-nem” e caracteriza- tar a produtividade e abrandar o
se pela atitude adolescente e jo- desenvolvimento económico. “As-
vem da dupla recusa em estudar e cender na escala social depende
em trabalhar. de uma série de factores como a
capacidade individual, familiar e
Esta geração é constituída, sobre- as relações sociais, redes e atitu-
tudo, por menores de 34 anos e des. No entanto, a acção pública
apresenta-se como a manifesta- – em particular a educação – pode
ção mais radical da nascida entre desempenhar um papel chave em
1993 e 2000, como a recusa de ajudar as pessoas a alcançarem
formação académica e de qualquer melhores resultados e o estatuto
aprendizagem que não esteja ao social dos seus pais”.
serviço das suas vontades e inte-
resses do momento.

Nascidos no apogeu do merca- Para Paulino Castells, professor


do de consumo, estes jovens têm de psicologia, os “nem-nem” são
> uma nítida inclinação para o mun- as sequelas de uma década prodi-
do virtual. A sua sociedade está giosa a nível económico: “Os seus
na internet, onde exprimem as pais centraram-se neles, deram-
suas opiniões, criam redes sociais lhes tudo e livraram-nos de qual-
e procuram a informação de que quer esforço ou sacrifício” (ABC,
precisam. Não gostam de normas 17/01/10). “O pai e a mãe traba-
sociais e consideram que a edu- lhavam, muitos foram criados pe-
cação e o trabalho têm um papel los avós e não lhes faltou qualquer
inferior na sua vida, e na do mun- capricho: foram e continuam a ser
do, em detrimento da importância as autênticas jóias da casa”, conti-
e da utilidade da inteligência e do nua, concluindo com uma pergun-
domínio da tecnologia. ta: “o que acontecerá quando os
pais destes jovens, que vivem em
Segundo o estudo da OCDE Going casa deles, se reformarem?”
for Growth (2010) esta postura
está a criar um fosso entre a situ-
ação sócio-económica dos pais e
dos filhos quando alcançam a vida
adulta. Este estudo aborda a mo-

36
HISTÓRIAS de mal dizer

O que causa perplexidade é perceber


porque é que os jovens querem saber

>
o que de desagradável se diz sobre
A última moda entre os adolescen- eles. E que impacto isso tem sobre
tes norte-americanos, e que está a eles? A resposta que alguns deram é
deixar os pais e os educadores per- que consideram que essa é uma in-
plexos e alarmados, é a febre com a formação que reverte a favor deles.
rede social, na internet, Formspring. Por um lado ficam a saber o que se
me, em que, sob anonimato, publi- diz sobre os outros, amigos ou inimi-

X cam os seus comentários sobre os gos, por outro, ao publicarem o que


outros. É de imaginar as críticas e as se diz sobre eles, matam os boatos
obscenidades que abundam nesses e os mexericos e tiram os trunfos a
comentários. As consequências são quem os pretenda utilizar para fazer
tais, na vida e na auto-estima des- chantagem ou pressionar. É, em con-
tes jovens, que o jornal International clusão, tornar transparente um pro-
Herald Tribune (7/5/10) lhe deu des- cesso de informação potencialmente
taque e voz às angústia «É tremendo, destrutivo.
diz o pai de um adolescente, que as
crianças tenham acesso a todas es- Apesar da administração da rede
sas coisas na internet e nós nem se- afirmar que tem vindo a advertir os
quer nos apercebemos. Como é que utilizadores sobre a proibição de pu-
se bloqueia? Como é que vigiamos?» blicarem material pornográfico ou
obsceno, ou calunioso e difamatório,
Para os especialistas, esta rede nem e daí não se considerar legalmente
sequer é nova e limita-se a ampliar responsável pela publicação desses
a necessidade que os jovens têm de conteúdos, a questão que levanta é
serem aceites pelos outros e pelo se este fenómeno é exclusivo da ado-
grupo, e que desde sempre utiliza- lescência e se não é antes uma imi-
ram a arma das informações dos tação do “mundo dos adultos”? E até
amigos para saberem o que se pen- acrescenta: a verdadeira indústria da
sa sobre eles e que críticas lhes são coscuvilhice está na televisão e nas
feitas. No caso da Formspring.me (a várias revistas “cor-de-rosa”, onde se
fala, de forma impune e para milhões
X
que só podem aderir maiores de 13
anos) os adolescentes enviam per- de pessoas, dos boatos sobre a vida
guntas anónimas para o grupo, res- das pessoas e se fazem comentários
pondem às recebidas e ficam a saber assassinos sobre elas e os possíveis
o que os outros pensam e respon- “pecados” da vida.
dem. Cada utilizador tem uma caixa
onde recebe as mensagens dos ou-
tros, e sobretudo as anónimas, a que
pode responder, ou não. Se o fizer, as
perguntas e respostas são publicadas
na sua página da Formspring.me, e
tornam-se públicas.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


37
CASTIGAR as crianças

A Suécia é apontada como a pre- à violência e o da violência gerada


>

cursora deste projecto, já que foi o nas famílias que se transfere para
primeiro país, há 30 anos, a proi- as escolas.
No passado dia 27 de Abril, e a bir totalmente os castigos físicos
culminar uma semana dedicada às crianças. Em 2004, a Assem- No entanto, apesar da bondade
à comemoração da adesão de 20 bleia Parlamentar do Conselho da do seu objectivo final, a verdade é
países à sua interdição total e le- Europa aprovou uma resolução a que as leis têm vindo a ser contes-
gal, realizou-se, em Estrasburgo, pedir a extensão desta medida a tadas. Caso do referendo realizado
no âmbito do Conselho da Euro- todos os Estados membros. E em na Nova Zelândia, onde está em
pa, um debate público sobre os 2008 iniciou uma campanha com vigor, desde 2007, uma lei que pro-
castigos físicos às crianças. Este o mesmo objectivo e subordinada íbe os castigos físicos dos filhos,
debate insere-se numa campanha ao lema: “Bater numa adulto con- em que 90% dos eleitores pedem
desenvolvida pelo Conselho da sidera-se uma agressão. Bater num a revogação da lei e a inclusão, no
Europa, destinada à eliminação de animal é crueldade. Bater numa Código Penal, da cláusula que per-
qualquer tipo de castigo físico às criança é para o seu próprio bem”. mitia a utilização da força modera-
crianças no espaço europeu, seja da, por parte dos pais, para corrigir
nas escolas seja no seu ambiente O objectivo final, segundo o Con- os comportamentos dos filhos. O
familiar. selho da Europa, não é o de incidir debate continua em aberto entre
a sua reflexão sobre a legislação os pedagogos, havendo quem con-
Partindo do pressuposto que os penal dos diversos países, mas tinue a defender a necessidades de
maus tratos propriamente ditos e promover o “exercício positivo da regras –fortes- que impeçam a vio-
os açoites ou tabefes dados pelos parentalidade”, incentivando a in- lência doméstica contra as crian-
pais são colocados no mesmo pa- tervenção de todos, sobretudo dos ças e que incentivem a utilização
tamar formal, o debate centrou-se pais, no processo de educação das de outro tipo de castigos, em que o
na definição do limite do casti- crianças. Sem violência, mas com castigo ombreie com o afecto.
go tolerável e pedagógico e se a tolerância e exemplo. No entan-
proibição de qualquer castigo por to, também há a consciência que,
parte dos pais pode ser conside- nos tempos que correm, a violên-
rada uma intromissão inaceitável cia das escolas só muito residual-
do Estado na vida das famílias. mente é exercida pelos professores
Maud de Bóer-Buquicchio, vice- sobre os alunos, e cada vez mais é
secretária geral do Conselho da exercida por alunos contra alunos
Europa, defendeu a posição que os e por alunos contra professores, o
direitos humanos, nos quais inclui que vem levantar a pertinência de
a imunidade das crianças aos casti- novos debates como o da defini-
gos físicos, não admitem quaisquer ção dos parâmetros do uso da for-
excepções. ça para impedir ou colocar cobro

38
MERCADO NEGRO do ensino

>
Na maioria dos ca- Na sua descrição, estas são experi-
sos, as famílias pagam ências educativas que surgem nas
uma mensalidade de zonas mais pobres dos países e das
um ou dois dólares por próprias cidades e que não reconhe-
criança, soma insufi- cidas pelas autoridades nem contam
ciente para fazer face para as estatísticas. No entanto, es-
aos custos do ensino tão a proliferar a alcançar resultados
mas um investimento muito promissores, seja quanto ao
considerável para os ensino básico das populações seja
escassos recursos dos na preparação de base para os que
pais, tendo em conta conseguem chegar à universidade e
o nível do custo de obterem bons resultados. Oferecem
vista daquelas terras. às famílias a oportunidade de educa-
No entanto, segun- ção séria e ao alcance da sua capa-
do o que vários pais cidade económica. Para além disso,
confessaram a Too- assumindo a obrigação moral de pro-
ley, apesar das escolas porcionar a todas as crianças a edu-
James Tooley, professor da Universi- públicas serem gratuitas e terem cação, oferecem bolsas de estudo e
dade de Newcastle, foi enviado pelo melhores condições, os professores subsídios aos órfãos e famílias que
Banco Mundial à Índia para elaborar são completamente desplicentes não possuem qualquer tipo de recur-
um relatório sobre o nível do ensino porque além de não ensinarem nada sos, chegando a apoiar um em cada
privado nos países em desenvolvi- ainda faltam constantemente às au- cinco estudantes destas escolas.
mento. E a conclusão a que chegou las.
é de todo inesperada: não só existem Sobre os resultados apresentados
escolas privadas, criadas pelos po- Tal como na Índia, este fenómeno neste estudo, realizaram um exame
bres e dirigidas a estudantes pobres, das escolas privadas repete-se um a cerca de 24.000 alunos: de escolas
nas zonas mais pobres e marginais pouco por todo mundo: Nigéria, públicas, de escolas privadas reco-
nestes países, como até são as esco- Quénia, China, formando, nas pa- nhecidas e destas escolas privadas
las favoritas dos pobres. Apesar de lavras de James Tooley, quase que não reconhecidas, para aquilatar so-
não serem gratuitas e de terem me- um “mercado negro do ensino”, ig- bre o seu nível de conhecimentos. Em
nos recursos que as escolas públicas, noradas pelas autoridades mas sus- Nova-Deli os alunos das escolas pú-
têm um melhor ensino e dão uma tentáculo da qualidade de ensino blicas tiveram, em matemática, um
melhor preparação. dos pobres. Depois de viajar durante resultado médio de 24,4, enquanto
dez anos, por diversos países, para os das escolas privadas reconhecidas
As escolas privadas que descobriu conhecer e avaliar o trabalho desta alcançaram um resultado médio de
estavam instaladas em lugares de- rede escolar alternativa, o professor 43,9 e os das escolas privadas não re-
gradados e, nalguns casos, quase em utilizou o manancial da informação conhecidas obtiveram um resultado
ruína. No entanto, ao que constatou, recolhida e escreveu um livro: The médio quase igual com 42,1.
isso só veio valorizar o mérito dos Beautiful Tree: A Personal Journey
professores que, com o seu empenho Into How the World’s Poorest Peo-
e dedicação, conseguiram ultrapas- ple are Educating Themselves (Cato
sar essas deficiências e darem aulas Institute, 268pp.).
plenas de motivação e conteúdo.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


39
LEI das academias

>
tro da educação, cortar a depen- das seis academias inspeccionadas,
dência das autoridades educativas até agora, pela Ofsted (organismo
locais (LEA), os órgãos adminis- oficial que avalia a qualidade do
trativos que até agora punham e ensino das escolas) foram avalia-
dispunham sobre o ensino público, das como excepcionais”.
retirando-lhes o poder de veto so-
bre novas escolas, o que permitirá Outro exemplo é o da “Havelock
diminuir a intervenção do estado e Academy”, com sede na cidade
aumentar a iniciativa dos cidadãos. portuária de Grimsby, em que nos
dois anos que tem de existência,
As “City Academies” são colégios conseguiu reduzir o absentismo
financiados pelo Estado, com en- escolar da zona entre 5% e 10%
sino gratuito e que, apesar de se e melhorou substancialmente os
manterem no sector público, são resultados dos exames finais da
geridos por privados como associa- secundária, passando de 23% para
ções de pais, igrejas ou empresas. 41%.
Para além disso, estas academias
têm autonomia para desenvolver
os seus próprios métodos pedagó-
gicos, seleccionar o seu corpo do-
O novo governo britânico anunciou cente e escolherem – com limites
que uma suas prioridades legisla- – os planos de estudos.
tivas, nos próximos 18 meses, no
âmbito educativo, será um projecto David Ross, um dos promoto-
lei que permitirá às escolas públicas res destas academias, deu como
converterem-se em academias inde- exemplo, numa entrevista ao Ti-
pendentes geridas por privados. Com mes (26/5/10), a rede escolar
a implementação desta medida, a “Harris Academies”, cujas escolas
ideia do governo é estimular a di- recebem alunos de algumas das
versidade e a autonomia das escolas, zonas mais problemáticas do sul
com o objectivo de aumentar a qua- de Londres: “Nestas academias po-
lidade no ensino público. dem encontrar-se todos os sinais
clássicos da excelência académi-
Tendo como referência o êxito de ca: cortesia no trato, uniformes
iniciativas como as “charter schools” limpos, ensino rigoroso em disci-
nos Estados Unidos e as escolas in- plinas difíceis como matemática,
dependentes na Suécia, com a apos- ciências, línguas ou latim… Nestes
ta na liberdade e na qualidade do últimos três anos, os resultados da
ensino, a transformação das escolas Harris Academies melhorou, em
estatais em academias permitirá, se- média, 3 ou 4 vezes mais que a mé-
gundo Michael Gove, o novo minis- dia do país. Para além disso, quatro

40
ESTUDO Internacional

anos. Em média, participaram cer- vénia, a Holanda e o Kazaquistão.


ca de 4000 alunos de 150 escolas.
Quanto a pistas apontadas para o
O TIMMS não é só um exame, já sucesso do ensino/aprendizagem,
que também avalia as condições o estudo aponta o facto de os
de ensino nos diversos países e exames serem feitos na língua em
>

escolas, o que permite, ao consta- que os alunos falam em casa, de as


tar que há correspondência entre melhores notas serem de alunos
os resultados e os factores sociais de escolas com pouco absentismo
Tal como vem acontecendo desde e pedagógicos, apresentar pistas e onde os professores se sentem
1995, de quatro em quatro anos, e propostas sobre a chave para o satisfeitos e os pais se empenham
em 2007 foi feito um estudo in- êxito na transmissão de conheci- mais. O nível cultural parece ter
ternacional sobre o rendimento mentos e na aprendizagem. influência só no grupo dos 13-14
em matemática e em ciências, de anos e o factor primordial é o das
crianças de todo o mundo, de dois Sobre os resultados obtidos, nas escolas terem disciplina e os pais
grupos distintos: 9-10 anos e 13- tabelas dos resultados dos países estimularem os seus filhos e exi-
14 anos. E o resultado obtido vem nas duas áreas e nos dois grupos, girem resultados das escolas e dos
confirmar dados anteriores: Nos observa-se que Singapura, Taiwan filhos.
primeiros lugares estão Singapu- e Japão aparecem sempre nos cin-
ra, Taiwan e Japão, seguidos por co primeiros lugares. Singapura
outros países asiáticos. A longa é o primeiro nos dois exames de
distância vem o pelotão encabeça- ciências, seguido por Taiwan, que
do por países do leste e centro da assegura o primeiro lugar no exa-
Europa, acompanhados pela Ingla- me de matemática do grupo 13-14
terra. anos. Os outros primeiros lugares
são partilhados por Hong Kong e
O TIMMS (Trends in International Coreia do Sul, em matemática no
Mathematics and Science Study) é grupo 9-10 anos. No entanto, há
uma iniciativa da IEA (Internatio- que realçar que a Finlândia não
nal Association for the Evaluation participa nestes exames, e ela tem
of Educational Achievement), com ocupado o primeiro lugar no estu-
sede em Amsterdão. A IEA organi- do PISA, da OCDE.
za também um estudo semelhante
sobre leitura, o PIRLS. A seguir vêem, a longa distância,
depois dos países asiáticos orien-
Esta última edição do TIMMS, de tais, a Rússia, Inglaterra e Letónia,
2007, abrangeu 425.000 alunos de e bem depois, e só nalgumas tabe-
mais de 60 países: 44 países par- las, aparecem os Estados Unidos, a
ticiparem no grupo dos 9-10 anos Hungria, a República Checa, a Eslo-
e 57 países no grupo dos 13-14

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


41
LEI Debré
>

A França celebrou, no passado dia


31 de Dezembro, os 50 anos da
chamada “Lei Debré”, que regula a
relação entre o Estado francês e as
escolas privadas de ensino. Esta lei
veio estabelecer contratos de as-
sociação entre o Estado e as diver-
sas escolas privadas, nas mesmas
condições do apoio financeiro que
dá às escolas públicas, o que per- a inserção do sector privado no
mite que os alunos as frequentem sector público do ensino. No en-
pagando uma mensalidade aces- tanto, as reacções públicas foram
sível, salvaguardando a especifici- tantas que o presidente François
dade e os projectos educativos de Mitterand não a promulgou e Alain
cada escola. Savary viu-se obrigado a pedir a
demissão das suas funções gover-
Deste modo, e na linha do ideal da nativas.
“escola republicana”, a escolarida-
de torna-se gratuita para todos os Nestes últimos anos, sobretudo
estudantes, dando-lhes liberdade a partir dos conflitos laborais nas
de escolha pela escola e projecto escolas públicas em 2003, as esco-
educativo preferidos. Apesar desta las privadas têm visto aumentar as revela que se conseguiu ultrapas-
gratuidade do ensino, a lei permite listas de espera para a admissão de sar o conflito entre ensino privado
que as escolas cobrem pelos servi- novos alunos, situando-se, actual- e ensino público e permite uma co-
ços extra prestados aos seus alu- mente, à volta dos 35.000 inscri- existência competitiva entre am-
nos, como o preço pelo transporte tos. bos os sistemas. O que permite a
e as refeições, já que os subsídios transferência pacífica de alunos de
das Câmaras Municipais a estes Uma sondagem realizada por oca- um para o outro sistema, à procu-
serviços se restringem às escolas sião da comemoração desta lei ra dos melhores professores e dos
públicas. Debré, 83% dos franceses reve- melhores resultados académicos.
lam-se favoráveis à lei e 55% dos
Esta liberdade de ensino esteve pais com filhos em idade escolar
quase a desaparecer com a lei Sa- confessam o seu desejo em que os
vary, aprovada pela Assembleia filhos frequentem uma escola pri-
Nacional em 1983, que dispunha vada. O que, para os especialistas,

42
NOVA FILOSOFIA educativa
>

Em 1996, em Chicago, os Realça-se, igualmente, que


jesuítas criaram a primeira os alunos para disporem de
escola em rede, modelo que um dia por semana para o
hoje já conta com 24 escolas trabalho, têm uma carga
e cerca de 6000 alunos no horária superior nos outros
total. É tal o seu sucesso nos quatro dias de aulas – das
Estados Unidos que 99% dos 7.25h às 17h, com tempo de
alunos daquelas escolas che- estudo das 17h às 19h -, têm
gam à universidade. aulas aos sábados de manhã
e ocupam com o estudo três
Os alunos destas escolas semanas de Julho.
são seleccionados de acordo
com um único critério: serem Como resultado, este tempo
oriundos de famílias de baixo suplementar de estudo dá
nível social e poder económi- oportunidade a uma assimi-
co. De acordo com o The Wall lação da matéria lectiva de
Street Journal (20/05/10) forma mais consistente e es-
55% dos alunos são latinos, truturada, o que permite que
34% são afroamericanos e 84% dos estudantes, no final
todos são oriundos de famí- do 8º grau, sejam notados
lias remediadas ou mesmo e trabalho, o que lhe garante parte do seu acima da média e obtenham
que vivem abaixo do nível financiamento. Os alunos do secundário tra- resultados equiparáveis aos
de pobreza. Outra caracterís- balham um dia por semana numa empresa, alunos das classes favoreci-
tica destes alunos é a de os com trabalho efectivo e horário completo. A das e dos colégios de elite.
seus resultados académicos, empresa paga à escola por esse trabalho en- Acresce que o hábito de tra-
aquando do seu ingresso, tre 20.000 e 30.000 dólares anuais por gru- balhar “no duro” motiva es-
serem muito baixos. Nestas pos de cinco estudantes financiando, deste tes jovens para o objectivo de
escolas o seu rendimento modo, os seus estudos. Os alunos, por seu ingressarem na universidade
aumenta exponencialmente lado, abdicam de parte das suas férias para e para colocar um ponto final
fazendo da universidade o dedicarem mais horas ao estudo e obterem a um ciclo de pobreza.
horizonte dos seus alunos. um bom aproveitamento escolar.

Qual é o segredo do suces- É de realçar que as empresas que oferecem


so? Muito simples: os alunos emprego e apoiam as escolas encontram-se
participam no financiamento no ranking das 500 mais da Fortune nelas
dos seus estudos. Esta rede se incluindo organismos do governo, uni-
escolar, privada, aplica um versidades, órgãos de comunicação social,
modelo que concilia estudo ONG’s, por exemplo.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


43
VIOLÊNCIA escolar e saúde

>

Sónia Raquel Seixas apresentou,


recentemente, na Escola Superior
de Educação João de Deus, o rela-
tório da sua investigação – e que
sustentou a elaboração da tese de
doutoramento, intitulado: “Violên-
cia Escolar e Saúde. Do estabeleci-
mento de perfis de alunos às estra-
tégias de investigação”.

Sobre o objectivo e o objecto des-


ta investigação, a autora explica,
resumidamente, que o projecto se
debruça sobre o estudo da relação
entre violência escolar e saúde dos
jovens, com o objectivo de estabe-
lecer um perfil de saúde dos jovens
que permita identificar um tipo de
saúde específico aos agressores e
um outro específico às vítimas.

A amostra utilizada no estudo, é consumo de substâncias e a práti- A autora, no capítulo dedicado às


constituída por 665 alunos a fre- ca de exercício físico); Bem-estar conclusões, apresenta estratégias
quentar os 7º, 8º e 9º anos de es- (avaliando os sentimentos de so- concretas sobre como trabalhar com-
colaridade na área metropolitana lidão, felicidade. confiança em si, portamentos e fazer aprendizagens
de Lisboa e com idades compreen- auto-conceito e auto-estima); Fa- que evitem as agressões e, caso estas
didas entre os 12 e os 16 anos de miliar (descrevendo a qualidade aconteçam, sobre o desenvolvimento
idade. da relação percepcionada pelos de competências de resolução de con-
sujeitos); e Escolar (descreven- flitos.
Os instrumentos utilizados para do os sentimentos face à escola,
a recolha de dados passaram pela a relação com o professor e com
Escala de Auto-conceito para ado- os colegas, e a violência escolar),
lescentes, de Susan Harter, e o os resultados do estudo permitem
Questionário Comportamentos de estabelecer um perfil diferenciado,
Saúde em Jovens em Idade Escolar, ao nível da saúde e bem estar e ao
da Organização Mundial da Saúde. nível da integração escolar, conso-
ante se tratem de alunos agresso-
Centralizando a sua atenção em res ou vítimas. No entanto, no que
quatro domínios: Saúde (avalian- respeita à relação familiar, não se
do a existência de sintomas de observam diferenças significativas
mal estar físico e / ou psicológico, entre os grupos.

44
APOIO às crianças e famílias
missão do governo criar famílias fe- nham impacto e tragam benefícios à
lizes. No entanto, vamos remover os vida concreta das famílias. A comissão
>

obstáculos que impedem as famílias terá cinco grandes áreas principais de


de oferecerem aos seus filhos o me- trabalho. A primeira são as dispensas
Apesar de preocupado com o sanea- lhor começo. Vamos dar-vos poder. parentais. De forma a tornar possível
mento da economia do País, o novo Este governo vai tornar possíveis os o envolvimento de ambos os pais na
governo britânico criou uma comissão vossos desejos”. vida das crianças e uma real divisão
de especialistas para estudar medidas de tarefas, o governo quer promover
concretas de apoio às crianças e às fa- Para Nick Clegg, a crescente despro- estas dispensas desde os primeiros
mílias. tecção da infância é resultado de di- momentos da gravidez. Nesta linha, a
versas tendências e opções políticas comissão procurará, assessorada por
Nos últimos anos, diversos organismos que moldaram a sociedade britânica diversas empresas, encontrar fórmu-
internacionais, como a UNICEF e a nas últimas décadas. E destaca, en- las flexíveis de trabalho para todos os
OCDE, vinham considerando, nos seus tre outros factores, a dificuldade em trabalhadores, e não só para as mães,
relatórios anuais, que Grã-Bretanha é conciliar família e trabalho, a perca do de forma que nenhum pai se sinta
dos países ricos que menos se preo- sentido de comunidade e o impacto estigmatizado por desejar conciliar a
cupam com a infância. “Actualmente, tremendo da publicidade nas crian- família com o trabalho.
uma em cada cinco crianças –neste ças, que as tornou, desde muito cedo,
país- vive na pobreza. Dois milhões consumidores acríticos e obsessivos. A segunda área está orientada para
têm casas pobres: excesso de residen- Para inverter esta situação, bem como melhorar a ajuda às crianças com in-
tes, condições miseráveis e até edifí- a tendência de tornar as famílias cada capacidades. Para aliviar as famílias
cios perigosos. Estes começos podem vez mais dependentes do Estado, o com filhos nestas condições, o gover-
ser o lastre para as crianças durante o novo governo apresenta uma fórmula: no vai potenciar a figura dos cuida-
resto das suas vidas”, descreveu Nick “Famílias independentes, mas apoia- dores e os serviços comunitários de
Clegg, vice primeiro-ministro. A que se das”. assistência social. A terceira centra-
pode acrescentar que muitas crianças se na protecção das crianças em caso
são vítimas de agressão na escola, que David Cameron e e Nick Clegg criaram de ruptura familiar. O governo quer
a obesidade aumenta nos adolescen- a Childhood and Families Task Force, “prevenir as rupturas quando seja
tes e que numa em cada dez crianças é um grupo de trabalho em que parti- possível e, quando não o seja, torná-
diagnosticado um transtorno mental. cipam especialistas e os respectivos las menos traumáticas”. Entre outras
ministros de cada área. O objectivo medidas, os serviços de terapia fami-
A solução, segundo Clegg, passa por desta comissão, presidida pelo pró- liar receberão apoio económico de
uma pergunta pessoal, por cada um de prio primeiro-ministro, Cameron, é forma a tornarem-se também acessí-
nós, e por uma redescoberta. “Temos o de identificar as necessidades mais veis aos pobres.
de nos perguntar como vão viver os prementes das famílias. Depois, os
que vêm a seguir, e no mínimo com especialistas elaborarão um conjunto A quarta área irá dedicar-se à reabili-
o mesmo interesse – se não maior – de propostas, que entregarão já nes- tação e reciclagem de espaços aber-
com que nos preocupamos com as te Outono, que ajudarão a resolver os tos, onde as crianças possam brincar
nossas condições de vida. A nossa problemas e aliviar as famílias de algu- e as diversas gerações se possam
geração esqueceu-se desta responsa- mas dificuldades. encontrar. Por fim, a última área pre-
bilidade. Nós convertemos a Grã-Bre- tende proteger as crianças “das pres-
tanha num país que não é apropriado A ideia não é a de que desta comissão sões dos adultos para que cresçam
para que as crianças cresçam”. Para saia um esboço ou uma proposta de mais rapidamente do que devem”.
inverter esta situação, a ideia é “ re- política familiar, baseada em grandes Em concreto, a existência de anún-
descobrir o espírito da infância, para ideias e princípios, mas que tenha um cios com conteúdos eróticos e os
que cada criança tenha oportunidades enfoque pragmático, com propostas criam nas crianças a obsessão com a
para prosperar. Somos realistas: não é inovadoras e concretizáveis que te- sua imagem e aspecto atraente.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


45
DOCENTE . ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO JOÃO DE DEUS

ISABEL MARIA SILVA RUIVO

A ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO JOÃO DE DEUS

em África e na Ásia

46
A
REPÚBLICA POPULAR DA
CABO VERDE (1998-2010) GUINÉ-BISSAU (2002)
África é o terceiro continente mais
extenso do planeta. Com cerca de A parceria com o Ministério da A docente Maria Paula Branco, sen-
900 milhões de pessoas, representa Educação de Cabo Verde já tem do de ascendência guineense, esta-
um sétimo da população do mundo! alguns anos e torna-se cada vez beleceu com este e outros países
Nele existe grande diversidade ét- mais estreita a relação de amizade africanos, uma relação de proximi-
nica, cultural e política. Sendo que e cumplicidade com este país que dade e afecto que facilitou, desde
cinco dos países de África são ex- nos acolheu, desde sempre, com sempre, as relações protocolares
colónias portuguesas que utilizam muito profissionalismo e sentido entre África e a ESEJD. Esteve pre-
o português como língua oficial1, a de responsabilidade. Desde que foi sente na Guiné-Bissau a ministrar
nossa ligação a este continente é assinado o Protocolo entre a ESEJD um curso de formação na área da
extremamente forte e carismática. e o Instituto Pedagógico, em 1998, Gestão e Administração Escolar,
Todo o trabalho desenvolvido no âm- o intercâmbio de alunos estagiários direccionada para 87 quadros su-
bito da cooperação traz à nossa me- tem sido recíproco. Os nossos alu- periores da administração pública e
mória uma nostalgia imensurável. nos vão absorver conhecimentos professores de vários graus de ensi-
Esta relação está carregada do sen- e saberes da cultura africana e ao no. Esta viagem contou com a co-
tido de dever cumprido e ao mesmo mesmo tempo levar experiências laboração da UCCLA4 e previa pos-
tempo de uma vontade imensa de novas de expressão plástica, dra- teriores Acções de Formação em
partilha e de aprendizagem mútuas. mática e outras, para partilhar com Moçambique e S. Tomé e Príncipe.
as educadoras e as crianças cabo-
Foi com este espírito altruísta e aberto verdianas.
que partimos além fronteiras, rumo a
África2, hasteando a bandeira da Esco-
la Superior de Educação João de Deus
(ESEJD). O nosso lema é a divulgação
e a preservação da língua portugue-
sa, levando a Cartilha Maternal João
de Deus como elemento de ligação e
aproximação dos falantes às regras,
respeitando os traços linguísticos do
português nos diferentes continentes3.
Neste artigo pretendemos viajar
além-mar, fazendo uma abordagem
cronológica das Acções de Formação
desenvolvidas nos diferentes países.

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE (2002/2008)


A viagem a São Tomé e Príncipe em 2002 foi a que mais nos marcou pela
sua extraordinária carga afectiva e profissional. Era a primeira experiên-
1
A saber: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Prín-
cia em África e tornava-se realidade um sonho de criança. Foi com muita
cipe e Moçambique. Nos quatro primeiros países são falados dedicação que durante meses preparámos todo o programa, recolhendo
também crioulos de base portuguesa.
2
donativos em material escolar, contactando editoras para oferta de livros
A África e também à Ásia, onde, desde 1997, se trabalha no
sentido de dar corpo a uma nova experiência pedagógica em e, posteriormente, embalando e carregando tudo de aeroporto em aero-
Goa, com base na Cartilha Maternal João de Deus. Este projecto porto, levando ainda, junto da bagagem pessoal, uma enorme Cartilha!
conta com a colaboração de um grupo de professores goeses,
empenhados na preservação e no ensino da língua e da cultura
portuguesas na Índia.
Toda esta aventura começou quando, pela mão da docente Maria Paula Bran-
3
Está no prelo a edição de uma Cartilha Maternal Africana, com
co se deslocou à ESEJD, o então ministro da Educação de São Tomé e Prínci-
vocábulos específicos dos vários países e textos da cultura po- pe, Dr. Peregrino Costa, a fim de se celebrar um protocolo bilateral, ficando
pular africana.
4
acordada a realização de Acções de Formação no âmbito da Língua Portu-
UCCLA – União das Cidades Capitais Luso-Afro-Américo-
Asiáticas. guesa/Método de Leitura João de Deus e da Gestão e Administração Escolar. >

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


47
ISABEL MARIA SILVA RUIVO Escola Superior de Educação joão de Deus em África e na Ásia

Neste sentido, formámos com a re- santomenses, perfazendo um total de


ferida professora5 uma dupla de tra- duzentos e vinte e sete participantes,
balho polivalente e multifacetada, nestes dois momentos de formação.
preparada para darmos formação
Estiveram também connosco, en-
oito horas por dia, satisfazendo ao
tre os formandos, a directora da
máximo as necessidades pedagógicas
escola, a professora Uriginita An-
dos professores da Ilha do Príncipe,
drade da Silva, a inspectora, Leonil-
sempre tão esquecida e tão carente
de d’Apresentação, a subdirectora,
de formação para actualização dos
Lídia da Silva Barbosa e o delegado
conhecimentos dos seus docentes.
da educação, Miguel dos Prazeres.

5
Maria Paula Branco tinha previamente efectuado
uma visita de trabalho, também a convite da Minis-
tra da Educação, com o objectivo de proceder ao
levantamento, diagnóstico e avaliação das condi-
ções existentes no país, com vista à adaptação de
instalações existentes para a possível construção de
um Jardim-Escola João de Deus naquele país.
6
Ler mais em: Henri Campagnolo (1979). João de
Deus – Pedagogo Moderno. Ana Maria Mira (1995).
João de Deus e a Actualidade do seu Método ou
Arte de Leitura; Fernanda Leopoldina (2002). “ As
propostas pedagógicas de João de Deus” (pp. 110-
119 ) in: Aprender a Ler – da aprendizagem infor-
mal à aprendizagem formal; e Isabel Ruivo (2009).
Um Novo Olhar Sobre o Método de Leitura João de
Deus. Dissertação de doutoramento.

Assim, de nove a treze de Maio de


2002, assistiram à formação na Es-
cola Primária Paula Lavres (escola
central do Príncipe), situada na Baía
de Santo António, cerca de 80 profes- > O desafio em S. Tomé
sores e educadores das sete escolas
e jardins-de-infância de toda a ilha.
Em Dezembro do mesmo ano, voltá- O nosso desafio foi transmitir àqueles professores, não só conhe-
mos ao lugar onde tínhamos sido tão cimentos linguísticos, mas também estratégias de aprendizagem
bem acolhidos e onde a nossa presen- que passaram pela construção de materiais para consolidar e de-
ça e acção pedagógica tinha deixado senvolver competências ao nível da criatividade, motricidade fina
marcas profundas! Este é um país que e lateralidade. A descoberta do Método de Leitura João de Deus
quer conhecer, divulgar e aprender (MLJD) foi para aqueles professores uma revelação pedagógica de
melhor a língua de Camões. Porém incontáveis benefícios, segundo nos revelaram ao longo da sema-
agora, além da língua portuguesa foi na de formação. A sua motivação e expectativa era grande e to-
contemplada outra área de eleição dos os momentos de aprendizagem e partilha foram vividos com
dos professores locais: a matemática. intensidade. Os professores que estiveram connosco perceberam a
Acompanhou-nos o director da ESEJD, estrutura lógica do Método e investiram numa formação que, acre-
António Ponces de Carvalho, que de ditavam, lhes traria grandes benefícios pedagógicos. Os professores
uma forma entusiástica acedeu a este ali presentes aprenderam em oito dias uma metodologia de ensino
desafio e, ao nosso lado, dia após dia, extremamente actual6 e pedagogicamente peculiar. Podemos des-
leccionou apaixonadamente esta dis- tacar nomeadamente o facto de esta metodologia respeitar o ritmo
ciplina. Desta vez participaram cento e
quarenta e três professores e directores

48
Objectivo da Formação ANGOLA (2003)

A experiência em Angola (dois me- desportivo “O Jango” para receberem


A nossa formação naquele país afri- ses após o final da guerra civil), não formação que o Ministério da Educa-
cano levava objectivos muito de- foi menos extraordinária que as an- ção levava a cabo com a colaboração
finidos. Pretendíamos apetrechar teriores. Neste país, sentimo-nos de professores portugueses. Era de
os professores de conhecimentos igualmente acolhidos com afecto e forma esfusiante que nos recebiam,
científicos, pedagógicos e metodo- grande profissionalismo. No Huam- dia após dia, partilhando saberes,
lógicos no domínio da leitura e da bo tudo se transformou com a nossa praticando mais a língua portuguesa,
escrita e mostrar-lhes metodologias
e estratégias diversificadas. Cremos
que isso é absolutamente necessá-
rio para um qualificado desempe-
nho profissional.
Esta parceria ainda se mantém e foi
recentemente reforçada pela co-
operação da ESEJD com a Câmara
Municipal de Odivelas, ao abrigo da
qual uma nova comitiva se deslo-
cou, em 2008, àquele país. Gosta-
ríamos ainda de referir que, desde
a assinatura do protocolo, muitos
têm sido os professores e educado-
res de infância que tem feito na ESE
João de Deus Cursos de Licenciatura
e Mestrado. presença e o jardim principal ficou questionando, reflectindo, trabalhan-
transformado numa escola gigante! do, consolidando conhecimentos,
Eram diariamente mais de 700 pro- aperfeiçoando técnicas, aprendendo
fessores que se dirigiam ao pavilhão estratégias novas e inovadoras que >

individual do aluno, explicar as regras de uma forma lúdica e aprender a ler Muitas dessas escolas encontravam-
da língua portuguesa através do racio- com conhecimento de causa. se, à data, super-lotadas uma vez que
cínio e do pensamento lógico e usar a população escolar até à 2.ª classe
No âmbito deste projecto fomos vi-
temporariamente mnemónicas para o é numerosa. A partir desta altura au-
sitar algumas escolas e jardins-de-
estudo das letras, as quais permitem menta o absentismo, havendo mesmo
infância.
ao aluno aceder ao código linguístico abandono escolar.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


49
ISABEL MARIA SILVA RUIVO Escola Superior de Educação joão de Deus em África e na Ásia

aceitaram, desde o primeiro momen-


to, como uma mais-valia para o seu
desempenho profissional.

Tudo teve início em 2002 quando se


deslocou à ESEJD o então Governador
da Província de Huambo, Eng.º Paulo
Kassoma, e posteriormente o Direc-
tor e Sub-Director Regional de Edu-
cação daquela província, a saber, Dr.
Damião Salvador, o Dr. Avelino Julai.
Desse encontro formal saiu o convite
para que se deslocassem àquela pro-
víncia angolana docentes da ESEJD
para ministrar uma série de Acções,
no âmbito da Língua Portuguesa/
Método de Leitura João de Deus, da
Matemática e da Gestão e Adminis-
tração Escolar. Assim, em Janeiro de
2003 e durante duas semanas, foi
dada formação a 1083 professores.

Como as necessidades eram mui-


tas e o Ministério quis proporcionar
a todos os professores primários a
oportunidade de participarem nestas
Acções, estivemos não só diariamen-
te no centro do Huambo, como tam-
bém nos deslocávamos todas as tar-
des para uma localidade a 30Km da
capital da província, Quissala, onde
nos aguardavam cerca de 300 outros
professores, especialmente instala-
dos neste local para o efeito.

Durante a estada do director, foi for-


malmente assinado um Protocolo de
Colaboração entre o Governo Regio-
nal e a Escola Superior de Educação
João de Deus.

Esta parceria tem-se mantido ao lon-


go do tempo, deslocando-se, neste
âmbito, a docente Maria Paula Bran-
co duas vezes por ano a esta provín-
cia angolana. Para 2010 está prevista
uma nova missão7.

7
De 5 a 10 de Abril de 2010 está prevista uma nova formação no Huambo. Desta vez privilegia-se, além da Língua
Portuguesa e da Gestão a área do Desporto Escolar. Desta vez, as docentes Isabel Ruivo e Maria Paula Branco irão acom-
panhadas com o professor de Educação Física, José Serrano.

50
> Uma visita inesquecível!
Em 2004, no âmbito do Protocolo Bacharelato de Liquiçá. A viagem de
de Acordo de Colaboração entre os Díli a Liquiçá é mágica: quase todo
Ministérios da Educação timorense o percurso é feito à beira mar e os
e português e a ESE João de Deus caminhos que nos levam à escola
deslocou-se àquele país, de 19 de são ladeados de acácias rubras e pal-
Novembro a 6 de Dezembro, uma meiras.
TIMOR (2004-2007)
missão de trabalho composta por
A posição geográfica de Timor- Angélica Ribeiro, do Gabinete de
Leste, entre duas grandes potências Assuntos Europeus e Relações In-
territoriais, Indonésia e Austrália, ternacionais (GAERI), Luísa Nunes,
obriga o país a empenhar-se e a da Direcção Geral de Inovação e De-
preparar melhor os seus recursos senvolvimento Curricular (DGIDC),
humanos, sendo um dos maiores Vítor Pedroso, da Direcção do Ensi-
problemas que enfrenta presen- no Secundário (DES) e nós próprios,
temente, a falta de profissionais como representantes da ESEJD.
qualificados para desenvolverem e
prepararem a nova geração de cida- O programa desta missão foi previa-
Tivemos, ao longo desta missão, dias
dãos. Conscientes desta realidade, mente estabelecido pela Coopera-
de intenso trabalho, de desgaste fí-
o Ministério da Educação, Cultu- ção Portuguesa e prendia-se, em pri-
sico e emocional. Contactámos com
ra, Juventude e Desporto (MECJD) meiro lugar, com a implementação
uma realidade diferente mas onde se
de Timor implementou o Curso de do ensino técnico-profissional no
sentia o pulsar do coração de uma
Bacharelato para os professores de sistema regular de ensino timorense
nação jovem cheia de vitalidade e
todos os níveis de ensino, destina- e, em segundo, com a supervisão do
esperança.
do à formação e qualificação dos desempenho dos professores por-
docentes, com a duração de dois tugueses que estavam no território,
Em 2007 o director da ESEJD este-
anos para a educação Pré-Escolar e nomeadamente dos recém-licencia-
ve novamente no território, numa
Ensino Primário e de três anos para dos da ESEJD e que estavam a leccio-
intenção clara de estreitar os laços
os ensinos Pré-Secundário e Secun- nar nos Cursos de Bacharelato.
que nos unem e nos ligam, no dese-
dário e com o qual se pretende vir a
jo maior de divulgar e reintroduzir a
intensificar o Ensino da língua por- Entre muitas reuniões de trabalho e
língua lusa em território timorense.
tuguesa, como língua de instrução. visitas, tivemos o privilégio de con-
tactar com uma realidade muito ani-
No ano 2000, a Câmara Municipal As diferentes experiências e vivên-
madora no que concerne ao uso da
de Lisboa (CML) editou e enviou cias narradas neste artigo, revelam
língua portuguesa. Todos os forman-
para o território timorense, uma uma dinâmica de intercâmbio cul-
dos manifestaram grande satisfação
Cartilha Maternal João de Deus, tural, pedagógico e científico que
na “re-aprendizagem” da língua. Em
com tiragem de 25 000 exemplares. nos tem permitido crescer pessoal e
várias situações eles fizeram uso da
Os portugueses estavam sensíveis profissionalmente, enquanto docen-
palavra, em português, para dizerem
aos apelos do povo timorense sobre tes numa Escola de Formação com o
o quanto estavam satisfeitos com a
a preservação da língua portuguesa prestígio e a história da ESE João de
implementação dos Cursos de Ba-
no território. O presidente da CML, Deus. Acreditamos que este trabalho
charelato, que lhes permitia aperfei-
à data, João Soares, escrevia no pre- de divulgação e preservação da Lín-
çoar a “língua do coração”.
fácio desta edição o seguinte: gua Portuguesa é fundamental para
a identidade destes países com os
“A Cartilha, que há gerações acom- Tivemos também oportunidade de
quais estabelecemos, desde sempre,
panha os portugueses na aprendi- sair de Díli ao encontro dos nossos
laços estreitos de amizade e coope-
zagem das primeiras letras, man- professores que leccionavam nos
ração.
tém-se perfeitamente actual como outros distritos do país. De Baucau,
método de ensino, e representa 2.ª cidade mais importante de Ti-
a vontade de um homem, João de mor, partimos para Gleno e depois
Deus, para quem a alfabetização era para Ermera. Visitámos, por fim, a
condição de cidadania.” casa dos professores e os Cursos de

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


51
DOCENTE . ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO JOÃO DE DEUS

LUÍS MIGUEL LARCHER

DIMENSÃO ECONÓMICA
DA (falta) LITERACIA EM PORTUGAL

Em 2006, o Governo português lançou o Plano Nacional de Leitura, destinado a melhorar a oferta de compe-
tências de literacia no País e a promover a leitura nas escolas e nas bibliotecas públicas. Plano que assume dois
objectivos: melhorar a qualidade do ensino inicial e desenvolver um sistema eficaz de educação e formação de
adultos, e melhorar a procura de competências de literacia na economia e no mercado de trabalho em Portugal.

Para isso, o Plano Nacional de Leitura encomendou e publicou, em Novembro de 2009, um relatório sobre
“A dimensão económica da literacia em Portugal”, onde apresenta dados relativos à dimensão económica
da literacia e o modo como esta pode influenciar a capacidade de Portugal construir a ambicionada socie-
dade de conhecimento e para se adaptar, com sucesso, às alterações que afectam a economia mundial.

A análise destes elementos recolhidos na investigação, não só se repercutirá na reorientação e ava-


liação da reforma educativa em curso, como permitirá aumentar a oferta de competências de lite-
racia para o mercado de trabalho e a sua respectiva procura pela economia, necessárias para im-
plementar e desenvolver a capacidade do País para competir nos mercados europeu e mundial.

Este relatório, editado pelo Gabinete onde são sintetizados os elementos do ensino superior. Como resultado
de Estatística e Planeamento de Edu- principais da tese e apresentadas as desta situação, os níveis de literacia de
cação, está dividido em sete capítulos, suas implicações nas políticas ge- adultos encontram-se entre os mais
para além do dedicado à introdução, rais e no Plano Nacional de Leitura. reduzidos da área da OCDE e Portugal
com a apresentação do objecto e tem as percentagens mais elevadas de
definição de conceitos, aborda, nos E este último capítulo do relatório adultos com baixas competências de
capítulos sequentes “A economia pinta um quadro muito negro sobre todos os países europeus”. Em con-
da literacia: perspectivas teóricas”, a literacia da população portuguesa e sequência disso: “… o país pagou um
“Indicadores sobre os resultados da a influência negativa que isso tem na preço significativo por não ter au-
literacia a nível individual”, “Dados qualidade de vida e na baixa produti- mentado a oferta de competências
sobre os efeitos macroeconómicos da vidade da nossa economia: “Portugal de literacia ao dispor da economia.
literacia”, “Portugal em comparação: tem estado entre os países da Europa A estimativa do PIB per capita perdi-
os resultados do ensino e a qualidade que apresenta menos avanços no que do representa uma enorme redução
dos recursos humanos”, “O papel das respeita ao aumento da oferta e da nos padrões de vida para a grande
competências de literacia na econo- qualidade da educação pré-escolar, do maioria dos cidadãos portugueses”.
mia”, terminando com a conclusão, ensino básico, do ensino secundário e

52
Como corrigir esta situação?
“… será necessário um esforço concertado
e coordenado que: associe políticas educa-
tivas, sociais e económicas de uma forma Que estratégia deve então adop-
que aumente a oferta de competências de
literacia à saída do sistema escolar; redu-
tar o Plano Nacional de Leitura,
za o número de adultos com baixas com- perante uma conjuntura que se
petências através da disponibilização de
formação de qualificação; intensifique as reflecte no facto de que “as co-
necessidades de conhecimentos e de com-
petências para o emprego, bem como a ortes recentes de jovens saídos
aplicação da literacia no trabalho; melho-
re a eficiência dos mercados que atribuem do sistema de ensino básico apre-
competências de literacia; aumente a pro-
cura social e económica para a aquisição e sentam dos níveis mais baixos de
a utilização das competências de literacia”.
competências de literacia e das
Na prática o que fazer? percentagens mais elevadas de ní-
“Envolver 100% das crianças de quatro e veis mais baixos de competências
cinco anos em actividades ricas em litera-
cia no ensino pré-primário deve ser uma
de todos os países europeus” ?
prioridade, reforçando significativamente a
qualidade da educação básica”. No entan-
to, até porque as taxas de natalidade por-
tuguesas estão entre as mais reduzidas da
Europa, o que limita o seu impacto no futu-
ro, é preciso ir mais além e reforçar a litera- A resposta parte da constatação da ne-
cia dos adultos: “Alargar a participação em cessidade de melhorar e focalizar melhor
aulas de reforço de literacia de adultos e o actual plano que, apesar da sua bonda-
em programas do ensino secundário gerais de, apresenta algumas lacunas estrutu-
e profissionais, especialmente concebidos rais. E que abrangerá quatro iniciativas:
para adultos com baixo nível de escolari-
zação…O reconhecimento, a validação e a
certificação de aptidões e competências ad- “Em primeiro lugar, as iniciativas visam pri-
quiridas será o novo ponto de partida para mordialmente aumentar a procura social
toda a educação e formação de adultos”. de competências de literacia e as oportu-
nidades de participação dos alunos em prá-
Caso isto não seja feito, as consequências ticas de literacia… Portugal já lançou um
serão inevitáveis: “… o país terá inevitavel- programa nacional para promover as com-
mente taxas de crescimento económico e petências pedagógicas dos professores de
padrões de vida abaixo do seu potencial. línguas nas escolas do ensino básico… pode
Nesse caso, as indústrias portuguesas vão ser ainda mais reforçado se for possível
ter cada vez mais dificuldades em compe- melhorar as capacidades de diagnóstico e a
tir com os seus concorrentes europeus e de prática pedagógica dos professores no que
outros países estrangeiros. O desemprego respeita à literacia. É também provável que
vai aumentar, os salários e os benefícios os professores do ensino básico necessitem
vão diminuir e a desigualdade social nas de aceder a um conjunto mais amplo de
questões que os portugueses mais valori- instrumentos para a avaliação e o diagnós-
zam – saúde, riqueza e sentido de pertença tico precoces de dificuldades de leitura e a
– vai aumentar”. E este cenário não é conse- estratégias de intervenção conexas para
quência da crise internacional que vivemos. lidar com as deficiências identificadas.” >

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


53
LUÍS MIGUEL LARCHER A dimensão económica da (falta) de literacia em Portugal

“Em segundo lugar, os objectivos fixados


em matéria de quantidade de horas a de-
dicar à leitura na educação pré-escolar e
nos primeiros anos de escolaridade está
abaixo do que a bibliografia científica
sugere ser necessário para reduzir desi-
gualdades na preparação para aprender
em turmas de crianças de diferentes gru-
pos sociais e para assegurar que todas as
crianças estejam prontas para fazerem
com êxito a transição de “aprender a ler”
para “ler para aprender” até ao 4º ano.”

Em conclusão, “… as ambiciosas reformas


“Em terceiro lugar, e porventura mais educativas em curso em Portugal são pro-
importante, existe falta de investimen- fundamente necessárias. Em particular, o
to complementar para o aumento do ní- Plano Nacional de Leitura deve, progressi-
vel da procura económica de literacia e, vamente, aumentar tanto a procura social
consequentemente, da intensidade na de leitura como a utilização de competên-
participação em literacia no local de tra- cias de literacia no mercado de trabalho”.
balho… o mercado de trabalho português O investimento que nelas é feito, e que
não parece recompensar as competên- significará uma opção política muito cla-
cias de literacia na medida esperada. Face ra e a médio prazo, com o que significa de
a esta realidade, os alunos portugueses, afectação de recursos financeiros, reflectir-
com excepção dos melhores, têm poucos se-à, a médio prazo, na melhoria da qua-
incentivos para investirem tempo e esfor- lidade de vida dos portugueses, da pro-
ço no aumento do seu nível de literacia.” dutividade das suas empresas e do tecido
económico e, sobretudo, da sua participa-
ção democrática e dos órgãos de soberania.

“Em quarto lugar… Portugal tem das taxas


mais baixas de persistência para a conclu-
são do ensino secundário, o que limita a
eficácia das intervenções realizadas na Es-
cola junto destes alunos. Os dados compa-
rativos internacionais sugerem que a con-
clusão do ensino secundário superior é um
indicador crítico, que maximiza a probabi-
lidade de os estudantes atingirem o nível 3
das escalas de aptidão. O nível 3 foi con-
siderado o nível necessário para sustentar
a participação no ensino superior, a apren-
dizagem ao longo da vida, a produtividade
do trabalho e a participação democrática.”

54
ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010
55
NATÁLIA FERREIRA e FRANCISCO RAPOSO

A MENTIRA INFANTIL

56
ALGUMAS QUESTÕES SO- AS IDADES DA MENTIRA
BRE A MENTIRA INFANTIL
Conforme a idade da criança, a mentira pode
> O que é a mentira infantil? assumir diferentes formas. Ao longo da pré-es-
cola, a criança não consegue distinguir comple-
Alguns estudiosos definem-na como “a
tamente a fantasia da realidade e neste sentido.
acção de alterar, de um modo conscien-
Assim, mentir pode ser resultado da sua ima-
te, a verdade”. Para uma criança, mentir
ginação e imaturidade, traduzindo-se também
constitui a possibilidade de dizer aqui-
em histórias sobre acontecimentos que não se
lo que não é e inventar uma história,
passaram efectivamente. Perante estes casos, os
ou seja, a possibilidade de adquirir aos
pais devem tentar mostrar-lhes, tão somente, a
poucos a certeza de que o seu mundo
diferença entre a sua imaginação e a realidade,
imaginário corresponde ao mundo real.
ou quando se trata de uma situação menos im-
portante, simplesmente ouvir.
> Será que a fantasia é prejudicial?
De modo algum. A fantasia é importan- À medida que vai crescendo, compreende me-
te para o desenvolvimento da criança. lhor o que é a mentira e quando apanhado, usa
a expressão “estava a brincar” para tentar sair
Os pais devem estimulá-la nos seus
ileso da situação.
filhos de forma saudável e criativa.
É importante mostrar às crianças Ao entrar para a escola, entenda-se 1º ciclo, a
o que é verdadeiramente real, ao mentira assume um papel utilitário e pode sur-
mesmo tempo que se lhes deve in- gir após uma asneira, porque a criança já tem
cutir a noção de responsabilidade. capacidade para perceber que errou, mas está
Segundo Piaget, a criança não faz dis- em conflito entre a vontade de aderir às regras
tinção entre mentira, o que é a activi- sociais e o não desagradar ao adulto. Assim,
dade lúdica ou simplesmente fantasia, mente para evitar o embaraço. É preciso que
antes dos 6 anos. Até essa idade, não os pais mostrem à criança que sabem que ela
é possível definir as fronteiras entre está a mentir. Deve-se falar abertamente com
a fantasia e a realidade, entre o dese- ela, mostrando a verdade dos factos e a sua de-
jo e o factual, entre o eu e o não-eu. saprovação perante a sua atitude, apresentando
Deste modo, é possível inventar histó- as vantagens da verdade, em detrimento dos in-
rias com muita imaginação e animação. convenientes da mentira.

Quando mais velhas, as crianças geralmente


> Qual a idade da mentira?
mentem para negar algo errado que fizeram e
A fase das invenções começa a diminuir evitar a crítica e a punição que daí poderá advir
depois dos 6 anos, embora ainda “brin- ou ainda para serem solidários e fiéis aos ami-
quem com a realidade” e criem situa- gos.
ções que gostariam de viver.
Após os 7-8 anos, a mentira torna-se in- Enquanto adolescentes, descobrem que a men-
tencional. tira pode ser aceite em certas ocasiões e até
ilibá-los de responsabilidades e que pode ser um
Nesta altura já têm noção dos valores
factor de aceitação e de integração na comuni-
morais e sociais.
dade estudantil. Também é comum mentirem
Conseguem e sabem diferenciar o que é para saciar a curiosidade dos pais.
a verdade e a mentira.
Mesmo assim, quando o fazem é por- A mentira pode surgir por várias razões: receio
que: das consequências (quando tememos que a ver-
Querem fugir às suas responsabilidades; dade traga consequência negativas), insegurança
ou baixa auto-estima (quando pretendemos fa-
Têm medo de serem castigados;
zer passar uma imagem de nós próprios, melhor
Para elevar e melhorar a sua auto-esti- do que a que verdadeiramente acreditamos),
ma, ou ainda, por razões externas (quando o exterior nos pres-
Para conquistar o carinho dos pais ou siona ou por motivos de autoridade superior ou
chamar a atenção. por co-acção), por ganhos e regalias (de acordo >

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


57
NATÁLIA FERREIRA e FRANCISCO RAPOSO A Mentira Infantil

TIPOS DE MENTIRA INFANTIL


com a tragédia dos comuns, se mentir
No plano clínico, é habitual distinguir
trás ganhos vale a pena mentir já que
na criança três tipos de mentira:
ficamos em vantagem em relação aos
que dizem a verdade) ou por razões
A mentira utilitária;
patológicas.
A mentira de compensação;
Na infância mentimos para nos isen- A mitomania.
tarmos das culpas. Muitas vezes os
adolescentes descobrem que a menti-
ra pode ser aceite em certas ocasiões
e até ilibá-los de responsabilidade e
ajudar a sua aceitação pelos colegas.
Algumas crianças e adolescentes que
geralmente agem de forma responsá- > A Mentira Utilitária
vel, podem cair no vício de mentir re-
petidamente ao descobrir que as suas
mentiras saciam a curiosidade dos A mentira utilitária corresponde à mentira do adul-
pais. Para alguns investigadores, as to: mentir para daí retirar uma vantagem ou para
crianças aprendem a necessidade de evitar um desagrado.
mentir (p. ex. não demonstrar descon- Os pais têm um papel fundamental; se são muito
tentamento com as prendas recebidas rigorosos e moralizadores, podem provocar o agra-
sob pena de não receberem mais tão vamento numa conduta ainda mais mentirosa, ou
cedo quão mais inteligentes forem. seja, uma segunda mentira para explicar a primeira.
Face à sua frequência, existe uma Deve-se, sim, chamar à atenção e explicar com cal-
certa tendência para banalizar ou até ma as consequências negativas da mentira, e como
catalogar a mentira como positiva - a a mentira pode prejudicar alguém (com exemplos
“mentira branca” é considerada como do quotidiano).
uma forma de facilitar a integração na Castigar a criança duramente por ter mentido não
sociedade, e muitas vezes os que não resolve a situação, nem evita que a situação se re-
a utilizam são catalogados como ingé- pita.
nuos -, mas há que não esquecer que É preferível perceber o que levou a criança a men-
durante toda a história da humanidade tir; se a mentira está relacionada com os assuntos
a mentira causou muitos sofrimentos escolares, provavelmente ela está angustiada com
e fez derramar muitas lágrimas sobre- alguma coisa em relação à escola.
tudo quando projectada sob a forma Veja o que de facto a preocupa.
de difamação e calúnia. Quando as
crianças ou adolescentes mentem, os A atitude da criança perante a mentira, vai depen-
pais devem conseguir distinguir entre der muito do comportamento do adulto, em par-
a realidade e a mentira e falar aber- ticular, dos pais, pois devem ajudar a reconstruir
tamente com eles sobre os efeitos os factos e contribuir para acentuar o sentido de
negativos da mentira e das vantagens responsabilidade.
que a verdade lhes trará, nomeada- Muito frequentemente, os pais mentem aos filhos
mente o respeito, a referência, o mo- e desvalorizam a sua palavra, encobrem a mentira
delo enquanto pessoa de carácter... dos outros e os filhos tendem a imitar esse mesmo
comportamento.

58
> A Mentira de Compensação
A mentira de compensação traduz-se não na busca Em determinados momentos inventa um “duplo”,
de um benefício concreto, mas na procura de uma que pode ser um irmão, uma irmã ou um amigo,
imagem que a criança vê como inacessível ou per- com o qual confidencia a sua vida e com quem
dida. brinca.
Por vezes a criança imagina-se a viver numa fa- Se até aos 6 anos tudo isto é considerado normal,
mília mais rica, mais nobre ou mais importante, pois inscrevem-se no espaço do sonho transicional
ou atribui para si façanhas escolares, desportivas, que permite à criança a elaboração da sua identi-
guerreiras, amorosas, etc. dade, a sua persistência, a partir dessa idade, já se
A fantasia é normal e vezeira na tenra infância e pode tornar preocupante e sinal de alguma pato-
ocupa um lugar razoável no imaginário da criança. logia. >
Às vezes, a criança constrói para si toda uma famí-
lia e dialoga com os seus diversos membros.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


59
NATÁLIA FERREIRA e FRANCISCO RAPOSO A Mentira Infantil

RAZÕES PARA A
MENTIRA
> A Mitomania Receio das consequências (quando
a pessoa teme que a verdade traga
consequência negativas);
A mitomania é a tendência patológica mais ou menos Insegurança, baixa auto-estima ou
voluntária e consciente da mentira ou seja, a mentira compensação (quando a pessoa pre-
compulsiva. tende fazer passar uma imagem de si
Esta situação surge quando a criança transforma a men- própria melhor do que a que verda-
tira em verdade e passa a viver num mundo irreal, o que deiramente acredita ou quando ten-
já pode ser considerado patológico. ta fingir que tem ou é algo diferente
À criança mitomaníaca, que tem uma tendência doentia da realidade. Ex. Inventa uma família
para mentir, associa-se normalmente a ausência total mais afectuosa do que aquela que
ou parcial de afectos e também ao nível da identidade realmente tem);
(pai e/ou mãe desconhecido(a) ou ainda conhecido por Razões externas (quando a pressão
alguns membros da família, mas mantido em segredo. vem do exterior, por motivos de au-
toridade ou por co-acção);
O tratamento da mitomania deverá ser feito por especia-
Por ganhos e regalias (se a pessoa
listas, que procurarão fazer a separação entre o mundo
percebe que mentir trás ganhos, já
real e o reino da imaginação, algo difícil de compreender
que fica em vantagem em relação
para a criança que desenvolveu esta patologia.
aos que dizem a verdade);
Muito próximo da mitomania, encontra-se o delírio de Por razões patológicas.
devaneio, que caracteriza as crianças que vivem perma- A mentira aparece frequentemente
nentemente num mundo de fantasia e de sonhos com devido à falta de barreiras externas
temática megalómana. que limitam o comportamento. Esta
Todas estas situações com crianças que mentem desme- situação surge frequentemente em
suradamente, desenvolvem um “falso eu”. Muitas vezes filhos de pais muito repressivos ou
é necessário apoio psicológico para saber qual o motivo demasiadamente permissivos.
que as leva a fugirem da sua própria realidade, pelo que a É importante que os pais avaliem
actuação de técnicos especialistas deve ser feito o mais sobre a persistência da mentira na
rapidamente possível. criança. Ao repreender a criança de-
A criança ou jovem que persiste na mentira transforma- vem evitar exageros. O sentimento
se num adulto inseguro e doente. de culpa em grandes doses, quando
O delírio do devaneio das crianças corresponde nos os pais são muito severos, pode di-
adultos à parafernia (uma das perturbações psicóticas), ficultar a segurança da criança para
termo proposto por Kraepelin para designar perturbação dizer a verdade e sentir necessidade
delirante, ou seja, uma doença cuja característica funda- de mentir para não ser castigada ou
mental é a manutenção da clareza e da ordem do pensa- para não desagradar os pais.
mento, da vontade e da acção. A maioria dos pacientes Num estado mais grave, a mentira
pode permanecer normal nos seus papéis; noutros casos, pode surgir com base num problema
o isolamento , a ausência ao trabalho, pode ser significa- de auto-estima e auto-imagem que
tivo. Uma das características é a presença de um ou mais despoletam a necessidade de querer
delírios organizados, que podem ser tipo megalómano passar uma imagem melhor do que
(grandeza), amoroso (erotomania), infidelidade (ciúme) aquela que acreditamos ter ou que
e outros. Este tipo de patologia requer um acompanha- gostaríamos de ter.
mento técnico especializado. Por outro lado, a mentira pode sur-
gir para a criança defender-se de sua
difícil realidade, criando uma versão

60
Se tem dúvidas em relação à de- demasiadamente permissivos.
scrição dos factos peça-lhe para Nas psicoses, a mentira surge na
repetir a história umas horas depois, forma de delírio, uma descrição que
esteja atento a estes sinais e “des- as próprias pessoas admitem como
monte” a história contada. verdadeira, apesar do seu aspecto
Filtre a verdade e isso pressupõe frequentemente bizarro, devido a
calma, tempo e habilidade para falar uma quebra de contacto com a re-
que gostaria de estar a viver. com a criança. alidade, a mentira pode ainda surgir
Quando dita de uma forma com- Muitas vezes, as crianças mentem como uma dependência, quando dita
pulsiva, a mentira pode ainda surgir quando afirmam que são inocentes de uma forma compulsiva. Os de-
como uma dependência. Os depend- perante o quebrar de determinado pendentes da mentira sabem que es-
entes da mentira sabem que estão a objecto, ou quando declaram que tão a mentir mas não se conseguem
mentir mas não se conseguem con- estão muito doentes e não podem controlar, num processo que surge
trolar. ir à escola, ou que ainda não comer- de uma forma muito semelhante ao
De uma forma geral, a mentira com- am nada para poderem comer mais do vício do jogo ou à dependência de
pulsiva vem acompanhada de outros guloseimas, ou quando inventam álcool ou de drogas.
comportamentos anti-sociais, como histórias, espalham mentiras e afir- Esta incapacidade em controlar os
o roubo, a tendência a enganar e di- mam que tudo não passa da mais impulsos é causadora de um sofri-
ficuldades nos relacionamentos so- pura verdade... mento nítido, razão pela qual deve
ciais. Ainda assim a criança é “esperta”,pois ser alvo de tratamento.
Geralmente, são crianças que apre- que, quando se lhes sugere que a Para os dependentes da mentira,
sentam dificuldades na relação com “história” poderá ser outra, refere o primeiro passo a dar consiste em
figuras de autoridade, são impulsivas que tudo não passa de uma brinca- assumir que existe um problema e
e apresentam um grave desequilíbrio deira. de seguida procurar ajuda para esse
emocional, necessitando de ajuda Quando mentir se torna um hábito, mesmo problema. A nível da abord-
profissional. os pais devem ficar preocupados, ao agem terapêutica o tratamento
Nos casos extremos a mentira surge verificar que o seu filho tem o objec- passa geralmente pela realização de
sob a forma de delírio, uma descrição tivo claro de fugir sistematicamente uma terapia psicológica.
que as próprias pessoas admitem à realidade e não enfrentar determi- Ao nível das provas psicológicas a
como verdadeira, apesar do seu as- nadas situações. mentira pode obviamente influenci-
pecto frequentemente bizarro, devi- Nessa altura, deverão recorrer a ar a validade dos resultados ou pela
do a uma quebra de contacto com a apoio psicológico. tendência do sujeito em simular um
realidade. A mentira existe ao longo de toda desempenho superior (faking good)
a escala patológica. A saúde mental ou inferior (faking bad) ao da reali-
COMPORTAMENTO DOS só é compatível com a verdade. De dade.
nada serve querer acreditar que o Por estas razões grande parte das
PAIS E EDUCADORES nosso familiar não faleceu quando provas psicológicas apresentam for-
na realidade isso não é a verdade, de mas de controlar a veracidade das
Os pais devem combater as mentiras nada serve acreditarmos que somos respostas quer a partir da própria
deliberadas da criança para se livrar capazes de voar se na realidade não atitude do sujeito a analisar, quer
da sua responsabilidade ou levar out- temos asas. mesmo através de índices de con-
ro tipo de vantagem. Nos estados neuróticos, a mentira sistência interna, teste-reteste ou
Deve ser em casa que a criança de- pode surgir com base numa incapaci- confrontação com familiares e ami-
verá encontrar exemplos de verdade dade da consciência aceder a factos gos próximos.
e honestidade que fomentem a sua recalcados e que se encontram no Entre estas formas de dissimulação,
atitude de sinceridade. Durante os nosso inconsciente, ou por proble- revela-se necessário saber se as
primeiros anos as crianças não dis- mas de auto-estima e auto-imagem simulações surgem de forma con-
tinguem a realidade da fantasia, mas que despoletam a necessidade de sciente ou inconsciente relativa-
cedo começam a utilizar a mentira fazer passar uma auto-imagem mel- mente ao sujeito. >
por proveito próprio. Sensivelmente hor do que a que acreditamos ter.
por volta dos 7 anos as crianças já Nos estados limite, a mentira
têm capacidade para distinguir clara- aparece frequentemente devido
mente o verdadeiro do falso, e os ad- à falta de barreiras externas que
olescentes passam a conseguir dis- balizem o comportamento. Esta
cernir com relativa facilidade quem situação surge frequentemente em
está a mentir ou a ser sincero. filhos de pais muito repressivos ou

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


61
NATÁLIA FERREIRA e FRANCISCO RAPOSO A Mentira Infantil

>

RESPONSABILIZAÇÃO
Cada situação exige uma actuação indivíduo faz construções fantasio-
diferente, tendo em conta a gravida- sas e extravagantes, centradas sobre
de e a frequência das mentiras. si próprio , impossíveis, geralmente
extensas, que não correspondem à
Os pais devem ajudar a criança a dis- verdade, mas não são absurdas, nas
tinguir entre a realidade e a mentira quais só acredita momentaneamen-
e falar abertamente com eles sobre te, abandonando-as rapidamente
os aspectos negativos da mentira, assim que é confrontado com a re-
bem como as vantagens que a ver- alidade.
dade lhes trará. O adulto deve ajudar
a criança a reconstituir os factos e Não há finalidade aparente e é pro-
contribuir para acentuar o sentido da veniente da imaginação, e de uma
responsabilidade. Se necessário deve certa instabilidade no campo do sen-
ser aplicada uma consequência. timento e da vontade. A pseudologia
(algo que é lógico apenas aparente-
Não esquecer que em casa a criança mente) estará no meio do caminho
deve encontrar exemplos de verdade entre a mentira simples e o delírio,
e honestidade que fomentem a sua e encontra-se frequentemente em
atitude de sinceridade. indivíduos mais imaturos, teatrais.

Fundamental é que a relação da


criança com os pais promova segu-
rança para que esta diga sempre a
verdade, sem ameaças. Assim, é mais
fácil para os pais ajudá-la a explorar
outras formas de atingir o seu objec-
tivo, sem mentiras.

A “pseudologia fantástica” é uma


tentativa de impor as próprias fan-
tasias aos demais para despertar ad-
miração.

A Pseudologia Fantástica é uma ten-


tativa de impor as próprias fantasias
aos demais, para despertar admira-
ção.

É uma forma de comportamentos


que produz atenção e valorização. O

62
TESES

UNIVERSIDADE DE MÁLAGA . 2009

ISABEL MARIA SILVA RUIVO

{ Abstract
UM NOVO OLHAR
SOBRE O MÉTODO DE
LEITURA JOÃO DE DEUS

This research work wishes to broach the theme of Este trabalho de investigação abordou a temática da litera-
reading, through the deep study of the João de Deus cia através do estudo profundo do Método de Leitura João
Reading Method. de Deus.
We have done of the reading of its lessons and of the A análise feita aos dados extraídos dos questionários aplica-
indications established by its author, a linguistic ap- dos aos oitenta e sete participantes permite concluir que a
proaching which revealed itself, in the past, as a pro- metodologia protagonizada por João de Deus apresenta as-
moter of a phonological coscience, essential to the
pectos linguísticos e metodológicos de grande valor pedagó-
development of the reading competence in a rational
and logical way, becoming this learning into a game gico, que os inquiridos identificaram como fundamentais e
that satisfies the child’s curiosity. por isso imutáveis.

In order to identify the essential characteristics of


Confirmámos que o Método promove a consciência fonológi-
this, we applied a questionnaire to all the educators ca essencial para o desenvolvimento da competência da leitu-
and teachers of the thirty five kindergarten of the ra, de uma forma lógica e racional transformando a aprendi-
whole country. zagem num jogo que satisfaz a curiosidade da criança.

From the analysis of the results, we can conclude Palavras-chave: Competência da leitura; literacia; Método
that the methodology led by João de Deus shows
João de Deus; língua portuguesa; formação de professores.
effectively linguistic and methodological aspects of
great pedagogic value, which were identified by the
inquired as fundamental and, because of this, immu-
table.

Key words: reading competence; literacy; João de


Deus Reading Method; portuguese language; teach-
er’s formation.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


63
TESES

UNIVERSIDADE DE MÁLAGA . 2009

PAULA COLARES PEREIRA

{ Abstract
> A RELAÇÃO ENTRE
PAIS E PROFESSORES:
UMA CONSTRUÇÃO
DE PROXIMIDADE
PARA UMA ESCOLA DE
Social/economical status has been pointed out in the
literature has one of the best tools to predict paren-
SUCESSO
tal involvement in school.

The present work intends to identify in Portuguese O nível sócio-económico (nse) tem sido apontado na literatu-
schools the factors that promote parental involve- ra como um dos melhores preditores do envolvim DE PROXI-
ment in school for low income families and to pro- MIDADEento parental (EP) na escola.
pose strategies for schools and staff. To evaluate
that two questionnaires were applied, to a sample of São objectivos do presente trabalho identificar os factores
591 subjects. que promovem o EP das famílias de nse baixo na escola, e
propor estratégias de EP junto das escolas e dos professores
The analysis of the results allowed for the
em formação.
identification of a group of 24 low income families
, exhibiting, against all odds, a high level of paren- De forma a avaliar o EP em escolas portuguesas, aplicaram-se
tal involvement in school and at home. Using direct
591questionários a pais e professores. A análise dos resulta-
interviews to families of this group an identification
was made of the factors associated to the high pa-
dos permitiu identificar um grupo de 24 famílias de nse baixo,
rental involvement observed. The most significant que apresentava um nível alto de EP na escola e em casa.
were seen to be: the model of proximity to the par- Através de entrevistas, procedeu-se à identificação de facto-
ents established by the teacher, based on real knowl- res que estavam associados a um alto EP tendo-se apurado:
edge of each student and respective family;sharing
o modelo de proximidade que o professor estabelece com os
information and the way communication occurs, al-
lowing the parents to minimize their angst, worries pais, baseado num conhecimento real de cada aluno e famí-
and difficulties, as well as a more active participation lia; a partilha de informação, a forma como a comunicação se
in school, given the larger pedagogical support; and processa, e uma participação mais activa na escola, face a um
lastly; a more effective follow up of the learning ac- maior apoio pedagógico; e, por último, um acompanhamento
tivities at home and during free times. mais efectivo das actividades de aprendizagem em casa e nos
tempos livres. Confirmou-se ainda, que na transição para o
Under these circumstances it is totally justified to
2º ciclo o afastamento acontecia e que a partilha se tornava
provide from the start to educators and to teachers
an awareness of this topic and tools for an adequate mais complicada a todos os níveis.
approach with special emphasis in the areas of com-
Justifica-se na formação de professores uma sensibilização e
munication and pedagogy.
abordagem mais adequadas dando especial atenção às áre-
Key Words: Parental involvement, low income fami- as comunicacionais e pedagógicas, assentes em boas práticas
lies; educational practices and partnerships, commu- educativas.
nication, teachers education and training.
Palavras chave: Envolvimento parental; parcerias; famílias
desfavorecidas; práticas criativas; comunicação; formação de
professores.

64
UNIVERSIDADE DE MÁLAGA . 2009

TERESA SILVEIRA BOTELHO

> AS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO NA
Abstract FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES EM
The major objective of this study were to identifying
the factors that promote the use and/or integration PORTUGAL: UMA
of Information and Communication Technologies in
to the initial training of first cycle teachers of Primary PRÁTICA EDUCATIVA
School, in the Superior Education School of João de
Deus ,as well as the proposal of strategies that are NA ESCOLA SUPERIOR
able to contribute to their integration in schools and
in their teachers. In order to see that we carried out
an across the board study, in four stages. The analy-
DE EDUCAÇÃO JOÃO
sis of the results established that the students use
ICT but do not integrate them in their educational
DE DEUS
practice. The work was initiated with by the applica-
tion of questionnaires about the use and integration
of the ICT in students and professors of the Initial O estudo que esteve na base deste doutoramento teve como
Training for the First Cycle Teachers License of the principal objectivo identificar os factores que promovem a
João de Deus School and 15 teachers, ex-students, utilização e/ou integração das Tecnologias de Informação e
formed by our school and already teaching, as well Comunicação (TIC) na formação inicial de professores do 1º
as interviews. ciclo do Ensino Básico, na Escola Superior de Educação João
Thus it was possible to confirm that it becomes nec- de Deus e propor estratégias para contribuir para a integração
essary to change the pedagogical discourse as well to das mesmas junto da escola e dos professores.
improve the communication and the correct forma- Realizámos um estudo longitudinal desenvolvido em quatro
tion of all. fases, iniciando este trabalho com a aplicação de questioná-
Key words: communication, ICT, Initial formation rios e entrevistas, sobre a utilização e/ou integração das Tec-
and education , (in)formation, on-line communities. nologias a todos os alunos da Licenciatura de Professores do
1º Ciclo da Escola, todos os seus Docentes e a 15 professores
titulares, ex-alunos desta escola.
Foi assim possível concluir que existe uma diferença entre
informação e conhecimento, entre utilização e integração e
que se torna necessário alterar o discurso pedagógico bem
como implementar plataformas de comunicação e reforçar a
formação nesta área.

Palavras-chave: comunicação, comunidades online, formação


inicial de professores, (in)formação ,TIC.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


65
DOCENTE . ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO JOÃO DE DEUS

PAULA COLARES PEREIRA

{ EDUCAÇÃO INFANTIL
E INTERVENÇÃO
PSICOPEDAGÓGICA
“ A RELAÇÃO ENTRE PAIS E
PROFESSORES: UMA CONSTRUÇÃO
DE PROXIMIDADE PARA UMA
ESCOLA DE SUCESSO”

Este artigo decorre do estudo realiza- dos filhos. O nível sócio-económico


do no âmbito do Doutoramento em tem sido apontado na literatura como
educação infantil e intervenção psi- um dos melhores preditores do envol-
copedagógica realizado com a Univer- vimento parental na escola. É nosso
sidade de Málaga em parceria com a propósito, identificar e propor estraté-
Escola Superior de Educação João de gias de envolvimento tendo em vista
Deus, intitulado: “ A relação entre Pais minorar as dificuldades e os insuces-
e Professores: uma construção de pro- sos que as crianças manifestam, e por
ximidade para uma escola de sucesso”. consequência, promover o sucesso.

Introdução Do projecto de investigação que in-


tegrou vários investigadores da E.S.E.
João de Deus, da Faculdade de Psicolo-
gia e de Ciências da Educação da Uni-
versidade de Coimbra e do Instituto
de Ciências Biomédicas Abel Salazar,
intitulado: “Envolvimento Parental
na escola e ajustamento emocional e
académico na infância – um estudo
longitudinal com crianças do 1º ciclo
destacámos 24 famílias de nível só-
cio económico baixo que revelaram
um alto envolvimento parental quer
na percepção dos pais (dos próprios)
quer na percepção dos professores

66
Metodologia
A participação parental foi analisada através de
três instrumentos em duas fases:
Numa primeira fase procedeu-se à análise dos

Problemas e Objectivos dados obtidos nos questionários de Envolvimen-


to Parental (Pereira, 2003) aplicados no projecto
de investigação atrás referido realizados pelas
famílias e pelos professores; e, numa segunda
Entender o que fazia estes pais mani- fase fez-se a análise do conteúdo das entrevistas
festarem um alto envolvimento pa- às seis famílias de nível sócio económico baixo,
rental ao contrário do que a literatu- e procedeu-se à análise do conteúdo obtido na
ra apontava levou-nos a realizar esta aplicação de cinquenta entrevistas por telefone
investigação, tentando responder às aos 26 educadores e 24 professores (que foram
seguintes questões: alunos da autora) com experiência de dois anos
de docência.
Por que razão estas famílias revela-
ram um alto envolvimento parental? Tendo em conta a natureza do seu objecto e os
Qual a opinião que tinham da escola objectivos a atingir, o presente estudo é de natu-
e do professor? Como é que as fa- reza qualitativa, centrando-se em procedimentos
mílias podem contribuir para uma interpretativos e heurísticos de análise e interpre-
relação mais efectiva com o profes- tação de dados.
sor? De que forma o professor pode
ajudar na construção de uma maior As questões a investigar não se estabeleceram
proximidade? mediante a operacionalização de variáveis, foram
formuladas com a intenção de investigar os fe-
Os principais objectivos deste tra- nómenos em toda a sua complexidade e em con-
balho foram: analisar a realidade texto natural. Na metodologia de análise fez-se
da participação dos pais em três a transcrição integral dos registos magnéticos;
modalidades defendidas por Joyce determinaram-se as categorias, sua análise, infe-
Epstein: Comunicação escola/ pais rências e interpretação. A análise de conteúdo é a
- Participação dos pais na escola - técnica de investigação que segundo Krippendorf
Participação dos pais em actividades (citado in Vala 1990, p.103) permite “fazer infe-
de aprendizagem em casa; explorar rências válidas e replicáveis, dos dados para o seu
e caracterizar a percepção dos pais, contexto”.
e conhecer a percepção dos profes-
sores em relação à participação dos As entrevistas realizadas quer às famílias quer
pais. aos educadores e professores foram semi-estru-
turadas, a sua organização foi feita em catego-
rias, unidades manipuláveis, onde se procurou
padrões, descoberta dos aspectos importantes
como nos diz (Bardin 1995).

No entanto, por vezes tornou-se pertinente e a


partir da contabilização das frequências assumir
por vezes uma postura que opta pela tese do con-
tinum entre qualitativo e quantitativo como nos
diz Alasuutari (2000) dando lugar ao que ao An-
tónio Neto (s/d) denomina harmonia e comple-
mentaridade paradigmáticas. >

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


67
PAULA COLARES PEREIRA Educação infantil e intervenção psicopedagógica
A relação entre pais e professores: uma construção de proximidade para uma escola de sucesso

Análise dos Dados


A informação recolhida através dos questionários
e das entrevistas foi submetida a diferentes téc-
nicas de análise. No nosso estudo obtivemos dois
tipos de dados: numéricos e textuais. Na análise

Amostra dos questionários e das entrevistas aos profes-


sores utilizámos o programa estatístico SPSS-
versão 15, e a partir das informações recolhidas
nestes questionários elaborámos as entrevistas
Das 24 famílias de nível sócio eco- às famílias que posteriormente foram analisadas
nómico baixo que manifestaram um em função das categorias e sub categorias que
alto envolvimento parental seleccio- estabelecemos.
námos seis do estudo longitudinal,
que tinham em comum o professor Da análise realizada surgiram 281 questionários
do 1º ciclo, e iam frequentar a mes- em que havia classificações concordantes refe-
ma escola no 2º ciclo. rentes ao envolvimento parental quer na percep-
ção dos pais quer na percepção dos professores
No que diz respeito aos educadores com maior ou igual a 70 nos pais e a 67 nos pro-
e professores, seleccionámos 50 que fessores.
durante a formação inicial revela-
ram interesse em participar no nosso Na análise efectuada aos questionários podemos
trabalho e, que durante o 1º ano de referir que as percepções de pais e de professo-
exercício docente fomos acompa- res de envolvimento parental na escola apresen-
nhando de forma atenta e sistema- tam diferenças estatisticamente significativas, no
tizada. sentido dos pais perceberem níveis mais elevados
de envolvimento parental que os professores.
Reynolds (1992) encontrou os mesmos resulta-
dos, referindo que tais resultados devem-se ao
facto de pais e professores apresentarem concep-
ções distintas de envolvimento parental na escola
e ao facto dos contextos em que operam serem
também diferentes.

Os resultados sugerem que ter frequentado o


pré-escolar e ser do sexo masculino e estão asso-
ciados a um maior nível de envolvimento paren-
tal em famílias de nível sócio económico baixo.

68
Interpretação e análise dos resultados
De uma forma sistematizada iremos apresentar as principais categorias resultantes da análise e interpretação
dos resultados das entrevistas às famílias e aos educadores e professores: A relação da família com a escola; a
comunicação entre a família e a escola; o papel do professor, as práticas educativas, e as opiniões dos educa-
dores/professores.

A) A relação da família com a escola


Os pais consideram ser muito importante par- O envolvimento parental na escola nos 3º, 4º e 5º anos
ticiparem na vida escolar dos filhos, e precisam de escolaridade é percebido como moderado a elevado
de sentir que a escola e os professores os envol- nas práticas relacionadas com a comunicação escola
vem; Sentem que é uma obrigação natural esta- família e nas práticas relacionadas com o envolvimento
rem informados e participarem nas actividades nas actividades de aprendizagem em casa.
que a escola promove; Valorizam e acreditam
na escola e reconhecem que o
professor tem um papel funda-
mental; A participação destes
pais foi maior no 1º ciclo do
que no segundo. Estão atentos
à comunicação da escola com a
família (caderneta, reuniões…);
Existe uma maior dificuldade
de acesso aos professores no 2º
ciclo, o que não permite a esta-
belecer uma relação de proximi-
dade; Gostariam que houvesse
uma melhor organização entre
os professores e as diferentes
disciplinas (trabalhos de casa e
testes) e, melhor horário das au-
las; Os pais precisam de ajuda e
de apoio e não têm.

B) A comunicação entre a escola e a família


Os pais sentem-se inibidos por não terem formação académica; A escola apenas os informa mais dos aspectos
negativos dos seus filhos e sentem medo de ouvir que eles não são bons alunos e que a culpa é deles por não
os ajudarem; Os filhos transmitem as informações positivas e algumas situações que não consideram correc-
tas; Os pais estão atentos à comunicação transmitida nas cadernetas e acompanham diariamente os trabalhos
de casa (apesar de não saberem ajudar;
À medida que aumenta o ano de escolaridade, a comunicação tende a diminuir quer da parte dos pais que se
sentem naturalmente afastados pela escola e pelos filhos que sentem algum embaraço com a sua presença
quer da parte dos professores que não facilitam nem promovem essa aproximação; >

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


69
PAULA COLARES PEREIRA Educação infantil e intervenção psicopedagógica
A relação entre pais e professores: uma construção de proximidade para uma escola de sucesso

C) O papel do professor
O educador e o professor do 1º ciclo do
ensino básico têm um papel primordial
para a promoção da participação dos pais
na escola quer pela forma como comuni-
cam quer pela relação que estabelecem;
Os professores devem: ter dinamismo e
criatividade para superar os conflitos que
possam surgir; criar horários flexíveis de
atendimento aos pais, e utilizar uma lin-
guagem clara e acessível a todas as famí-
lias; ser um bom exemplo para os seus alu-
nos; A formação inicial deve prepará-los e
ajudá-los a promoverem novas estratégias,
pois não existe um só modelo para a parti-
cipação dos pais.

O maior ou menor envolvimento dos pais


passa pelo perfil do professor, sendo de-
terminante a sua capacidade e vontade em
facilitar e promover o mesmo, superando
os conflitos que possam surgir na relação
estabelecida entre os pais e eles.

D) Práticas educativas
A vida em família é muito valorizada em
todos os momentos; Dão importância aos
afectos e acompanham de perto as brin-
cadeiras dos filhos; As regras estão muito
bem definidas e são para cumprir; O nú-
mero de filhos e as experiências escolares
dos filhos mais velhos contribuem para
uma atitude mais atenta; Acompanham
os filhos nos trabalhos de casa e criam as
condições necessárias para a sua realiza-
ção; As classificações dos testes e as notas
têm influência na participação dos pais; As
carências económicas favorecem a coesão
destas famílias.

70
E) Opinião dos educadores/professores O professor é um adulto importante na vida da
criança e constitui também uma importante fonte
Os educadores consideram que é muito fácil esta- de informação e do funcionamento adaptativo das
belecerem relações com os pais; que um bom pai é crianças, pois é na escola que: podem ocorrer certos
aquele que se envolve, se preocupa com a escola, e problemas que não se manifestam noutro ambiente;
que valoriza o seu papel; Os professores referem que e, as aptidões escolares e académicas são importan-
a relação com os pais é mais próxima quando há su- tes requisitos para um desenvolvimento bem sucedi-
cesso escolar; que o número excessivo de alunos não do na nossa sociedade.
lhes permite desenvolver uma relação de proximida-
de entre eles e os alunos, e tratá-los de forma indivi- Como nos refere Knallinsky (2005) existem obstácu-
dualizada e diferenciada; Os professores não sabem los e inconvenientes que podem impedir que exista
como ultrapassar a dificuldade sentida na gestão do uma participação efectiva e serem fonte de conflitos:
tempo versus conteúdos; e, não conseguem adoptar a linguagem e a formação dos pais e dos professores
estratégias mais criativas; que se traduzem em falta de preparação e incom-
petência. No entanto, a presença de conflitos pode
Vários educadores (9), e mais de metade dos profes- não constituir obstáculo e resolver-se positivamente
sores (17) referiram ainda que a maioria dos colegas quando se tem dinamismo e criatividade. O mais im-
de trabalho, com mais anos de experiência, lhes dava portante é encontrar a forma de se realizar um tra-
a entender que não se pode dar muita confiança aos balho conjunto em que todos sejam implicados no
encarregados de educação, o que por vezes limitava projecto comum e que também envolva a comuni-
as atitudes destes recém chegados profissionais. dade educativa.
O nosso primeiro olhar deve focar as famílias mais
Os factores que promovem a participação dos
desfavorecidas, sem preconceitos e sem as margina-
pais na escola são: a comunicação; a motivação; os
lizar, desenvolvendo esforços conjuntos de diálogo
afectos; a relação de proximidade com o professor; a
e de cooperação, e valorizando os pequenos gestos
disciplina; a justiça; atenção e conhecimento de cada
de participação. Numa segunda fase, deve também
aluno; reconhecimento dos esforços e progressos;
valorizar e quantificar esta participação, na carreira
avaliações mais justas; menos faltas dos professores;
profissional de todos os pais.
horários escolares mais adequados; a correcção dos
trabalhos de casa; entrevistas individuais ao longo do Cabe à escola e à sociedade apoiarem devidamente,
ano; reuniões mais interessantes; livros e materiais permitindo que mais alunos cheguem ao fim da esco-
mais baratos. laridade obrigatória. Reconhecer a diferença como um
valor e integrá-lo na nossa conduta no dia a dia, de
Os factores que promovem a participação dos pais
forma a conseguir transformar a sociedade onde vive-
em casa são: um ambiente acolhedor e próximo; va-
mos numa sociedade melhor, com pessoas cada vez
lores sempre presentes; regras muito bem definidas;
melhores nas diferentes dimensões, pessoal, afectiva
espírito de entreajuda; divisão das tarefas em casa e
e cognitiva.
hábitos de trabalho; reforços e expectativas positi-
vos; diálogo permanente com os filhos; trabalhos es- A escola tem feito um esforço na promoção do diálo-
colares mais personalizados e motivadores; conhece- go e na proximidade junto das famílias, em diferen-
rem os amigos dos filhos e os seus pais; estabilidade tes experiências levadas a cabo por pessoas bastante
financeira e saúde do agregado familiar; e, emprego preocupadas com esta problemática, tendo sido con-
estável. seguidos excelentes resultados, fruto do esforço, do
envolvimento e do empenho de muitos profissionais.
Os pais são fundamentais na avaliação dos pro-
fessores, pois percepcionam através do comporta-
mento e da avaliação que os seus educandos fazem
da escola e dos professores. >

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


71
PAULA COLARES PEREIRA Educação infantil e intervenção psicopedagógica
A relação entre pais e professores: uma construção de proximidade para uma escola de sucesso

Conclusões

Os estudos já realizados em diferentes áre- um mito. Pais e professores não são vis-
as e os resultados obtidos, quer através das tos como tendo o mesmo estatuto nem
entrevistas realizadas quer da revisão bi- sequer no caso dos pais culturalmente
bliográfica, são unânimes na sua afirmação mais versáteis e interessados.
de que a família nuclear é a instituição
que, à partida, mais vantagens apresenta Para que os pais/mães se interessem pela
quer para os indivíduos quer para a socie- educação dos filhos/filhas não basta olha-
dade, e sugerem que é preciso incremen- rem apenas para a parte académica, isto é,
tar projectos que assentem em realidades o sucesso escolar, pois a educação do pon-
concretas e que os mesmos sejam envol- to de vista da família comporta aspectos
ventes. e dimensões que não estão incluídos no
respectivo currículo. Os programas a im-
É necessário co-responsabilizar todos os plementar devem ser pensados de uma
intervenientes e ajudá-los a ultrapassar os forma mais humana e directa para que
preconceitos e os obstáculos. Não é pos- atinjam um maior número de famílias e,
sível dar receitas para o sucesso mas sim por consequência, de crianças.
acreditar no sucesso.
A família deve ocupar o espaço a que tem
Os professores serão a chave para esta direito e os professores devem não só re-
mudança funcionando como o elo de li- conhecer essa importância como terem
gação entre todos os agentes educativos. um motivo que os aproxime e conhecerem
os padrões culturais e valores familiares de
Existe, na literatura sobre a relação escola- cada família não podendo estes ficarem à
família, uma tendência para contrabalan- porta da escola.
çar as exigências dos pais com os interes-
ses profissionais dos professores. A escola Construir relações de proximidade entre a
deve responder melhor às necessidades e família e a escola é eliminar, em primeiro
interesses dos pais. No entanto, os pais/ lugar, as barreiras da desconfiança recípro-
encarregados de educação também de- ca, na certeza de que cada um é insubsti-
vem ter um papel mais significativo. Neste tuível no papel que desempenha.
sentido também devemos querer ter pais
mais responsáveis e informados. Vilas Boas (2001), Davies (2002), Vascon-
celos (2003), entre outros autores, referem
Os pais e os professores estão a desen- de um modo geral que as relações escola-
volver formas de participação parental família não podem ser vistas em termos
condizentes com os papéis que desejam de poder/competência, mas apenas numa
desempenhar. Naturalmente, valorizam perspectiva de colaboração mais profunda,
um ambiente baseado na comunicação, a parceria. O envolvimento dos pais con-
na informalidade e na rotina. A vantagem verte-se, assim, numa variável importante
parece pender para o lado dos professo- na melhoria da qualidade de ensino. Deve
res e o envolvimento dos pais parece ser haver continuidade entre o mundo da es-

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cola e o da família, sem ruptura cultural papel do professor na sociedade, apostan-
e dos seus valores. O diálogo entre todos do numa formação mais exigente, rigorosa
os agentes e parceiros educativos envolve e completa a todos os níveis e, onde, só
persistência e espírito de missão. aqueles que tivessem vocação podiam ser
professores.
É na área da política educativa que é fun-
damental a ocorrência de mudanças con- Há que incrementar projectos que se ba-
cretas e eficazes. A colaboração dos pais seiam em realidades concretas, e que os
com a escola não é só um meio para co- mesmos sejam participativos, inovadores
nhecer e ajudar a criança, é também um e criativos, cabendo às escolas de forma-
avanço no saber pedagógico. ção inicial assegurar a realização de pro-
jectos com a colaboração do poder local e
As práticas parentais deverão ser pensa- da comunidade.
das em função do nível de escolaridade Apesar do empenho e esforço que as As-
das crianças e das diferentes variáveis sociações de Pais têm feito nas Escolas
contextuais: familiares (estrutura e nível Portuguesas, algumas não conseguiram
sócio-económico), da escola e da comuni- ter a eficácia que se pretendia, pelo facto
dade onde a escola está inserida, para que de não terem envolvido, na sua origem, os
possam resultar implicações práticas rele- pais e os professores, evidenciando, em re-
vantes para o sucesso escolar e pessoal das gra, uma atitude contra os profissionais de
crianças. ensino e a própria escola.
Quando existe participação e colabora-
Acreditamos que a aposta está na família,
ção o trabalho dos professores fica faci-
ambiente onde as pessoas aprendem a vi-
litado bem como a relação entre ambos.
ver e a ser, e em cada um de nós enquanto
A educação está no meio caminho entre
cidadão. Se cada ser humano, no seu “can-
a competitividade e os afectos.
tinho”, aprender a tomar a atitude correc-
Os pais deviam ser alunos ao longo da ta aos diferentes níveis, estará a contribuir
sua vida e carreira profissional, não para para melhorar a escola e, por consequên-
aprenderem a ser pais, mas sim para re- cia, a sociedade onde está inserido.
ceberem a formação académica a que
muitos não tiveram acesso por diferentes Guerra (2006) elaborou algumas reflexões
motivos que agora não importa explicar. sobre a rede de relações que se estabele-
Outros ainda, para recordarem aprendi- cem na escola, em que afirmou: “O currí-
zagens esquecidas, evitando não só o re- culo é uma teia afectiva de fios, sobre a
conhecimento de que não conseguem aju- qual se vai tecendo o tecido das relações.
dar os filhos “pois não aprenderam assim”, Para nos darmos conta dessa espessa rede
como a expressão “a mãe/pai não sabe de relações, é necessário ter em conta
nada, quem sabe é o meu professor/a”, duas realidades que configuram a sua cul-
que tanto os incomoda quando pretendem tura peculiar: primeira, todas as escolas
ajudar. são iguais – são instituições, de recruta-
mento obrigatório, com uma fraca articu-
Urge pois, dotar-se os futuros profissio- lação, com uma tecnologia problemática
nais com as ferramentas necessárias, ca- com fins ambíguos sujeitas a intensa pres-
pacidades e competências para o exercício são social; segunda realidade, cada escola
de uma docência mais realista e eficaz. Só é única em si mesma.
assim será possível voltar a credibilizar o >

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


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PAULA COLARES PEREIRA Educação infantil e intervenção psicopedagógica
A relação entre pais e professores: uma construção de proximidade para uma escola de sucesso

Para Zabalza (2005) a escola tem que ter e se houver uma convergência positiva do
diversidade, e é nessa diversidade que de- aproveitamento individual e da eficácia es-
vem assentar os modelos, deve ainda ser colar ela trará benefícios para todos.
bem organizada e fazer uma boa formação.
Esta, a formação, não se faz de conceitos Pensamos ser interessante referir, apesar
faz-se de boas práticas. de à primeira vista parecer uma simples
troca de palavras, que se deve começar a
Para Canavarro (2007: p.66-68) falar de uma relação família-escola e não
e, apesar dos esforços que já foram feitos, escola-família. A relação família-escola
é necessário apoiar o desenvolvimento será afectada pela satisfação ou insatisfa-
da formação de professores (…); o envol- ção dos professores e das mães/pais, e pelo
vimento dos pais na escola deve ser mais sucesso ou fracasso do/a estudante.
efectivo (…); a generalização da educa-
ção pré-escolar deve constituir objectivo Para Pereira (2007) existem alguns facto-
prioritário (…); a existência de figuras de res familiares generalizados de risco para a
vinculação ao longo do ciclo, onde o sis- inadaptação de crianças em idade escolar,
tema tutorial pode ser uma solução (…); a entre eles: o baixo nível socioeconómico,
diminuição do número de professores por o divórcio ou separação dos pais, a maior
ciclo de escolaridade, a estabilidade do dimensão da fratria e a existência de um
corpo docente bem como a possibilidade maior número de acontecimentos de vida
de acompanhamento pelos pares, desig- na família. Para esta autora algumas destas
nadamente por alunos mais velhos e bem circunstâncias familiares mostraram um
sucedidos, quando estivermos a lidar com efeito de maior dimensão após a mudança
população estudantil oriunda de meios de escolas, o que sugere que deve ser pres-
adversos; a Escola deverá proporcionar tada uma particular atenção a famílias que
espaços de valorização de outros saberes, já reúnem condições de desvantagem em
reforçar as actividades e diversificar as for- determinado período de transição. Ainda
mas de informação e orientação escolar e para a autora, atrás referida, o professor
profissional, torna-se imperioso revitalizar apresenta o perfil de maior especialização,
a autonomia das Escolas para compreen- uma vez que é percebido como uma fonte
der e combater o abandono escolar. satisfatória de apoio informativo, apesar
de ser uma fonte pouco satisfatória relati-
Para nos aproximarmos das famílias é ne- vamente aos restantes domínios. A relação
cessário sensibilizar e preparar os futuros professor aluno, principalmente na infantil
profissionais. As famílias precisam de mais e no 1º ciclo, não pode ter apenas como
incentivos a todos os níveis (natalidade, finalidade a aquisição de competências
fiscais, laborais…). As famílias sejam elas específicas relacionadas apenas com os
quais forem, necessitam de apoio e preci- conteúdos, deve atender às dificuldades e
sam de voltar a ter o papel importante e coordenar as diferentes necessidades indi-
estruturante que tinham. viduais. Essa atenção deve ser promovida
por todos os intervenientes no processo
Em suma, pensamos que se existir harmo- educativo, cabendo ao professor o papel de
nia nas relações entre a escola e a família, minimizar esses mesmos riscos através da

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ajuda de técnicos especializados, de apoios neste mundo demasiado sério e compe-
específicos e de uma actuação directa de titivo onde os afectos, a brincadeira, e a
apoio a essas crianças. criatividade façam parte da formação pes-
soal e social, alimentando e iluminando a
Segundo Pereira (2007, p: 485): “Em crian- nossa vida.
ças em idade escolar o contexto das rela-
ções pais-filhos é, de entre os contextos
relacionais mais próximos, o que contribui
mais para os problemas de externalização.
Assim sendo, a intervenção nesta etapa
torna-se mais simples, por implicar con-
textos relacionais que são mais circunscri- Bibliografia
tos.”

A integração da informação de diferentes Alasuutari, P. (2000). Qualitative method and cultural stu-
informadores permite a identificação das dies. London: SAGE Publications.
crianças que necessitam de mais apoio
quer a nível académico quer a nível emo- Canavarro, J.M. (2007). Para a Compreensão do Abandono
cional. O conhecimento por parte da esco- Escolar. Lisboa: Texto Editores.
la e do professor destes contextos relacio- Davies, D. (2002). “The Tenth School Revisited: Are Scho-
nais sugere uma maior proximidade, e, por ol/Family/Community Partnerships on the Reform Agenda
consequência, a promoção do envolvimen- Now?”. Phi Delta Kappan, 83.5, Janeiro, 388-392.
to parental. Uma colaboração activa entre
Pais e Professores tem reflexos directos na Diogo, J.M.L. (1998). Parceria Escola-Família. A caminho de
integração e no aproveitamento dos filhos. uma educação participada. Porto: Porto Editora.

Para vários autores, não cabe à escola ter Epstein, J. (1992). School and family partnerships.In M.C.
como principal papel, a responsabilidade Alkin(Ed.). Encyclopedia of educational research (6ª ed.,
da educação dos jovens. Este papel caberá 1089-1151). New York: Mcmillan.
à família e aos pais em particular. O papel
Epstein, J. (1994). High schools gear up to create effective
da escola será o de completar e comple-
school and family partnerships. Center on Families. Com-
mentar o processo educativo que se de-
munities. Schools & Children’s Learning Research and De-
senrola no seio da família. E este ainda é
velopment, Report, 5 (June).
mais marcante quando as famílias não têm
condições para o desempenhar ou quando Epstein. J. (1995). School/Family/Community partnerships:
os pais “abdicam” das suas responsabilida- Carring for the children we share. Ohi Delta Kappan. May,
des como tantas vezes ocorre no seio das 701-712.
famílias estruturadas.
Epstein, J. et al. (1997b). School, family and community
A criação de uma associação ou grupo que partnerships: Your handbook for action. Thousand Oaks.
ligue as duas instituições – família e escola CA: Corwin Press.
– articulada com as escolas de formação
inicial pode ser a resposta possível e de- Garcia, C. M. (1995). Formação de Professores – para uma
sejada para envolver toda a comunidade formação educativa. Colecção Ciências da Educação, 2.
quer a educativa quer a social quer a polí- Porto: Porto Editora.
tica ou económica.
Gervilla, A. (2000). Didáctica y formacion del profesorado
– Hacia un nuevo paradigma? , 213-228.Málaga: Editorial
Em face do exposto, talvez seja necessário
reinventarmos uma nova forma de estar
Dykinson. >

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


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PAULA COLARES PEREIRA Educação infantil e intervenção psicopedagógica
A relação entre pais e professores: uma construção de proximidade para uma escola de sucesso

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76
DOCENTE . ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO JOÃO DE DEUS

LUÍS MIGUEL LARCHER

GERONTOLOGIA NA ESEJD?
{
N Numa sociedade economicista como a nossa, em
que tudo é traduzido em valor, há uma pergun-
ta que faz todo o sentido: que valor tem, hoje,
para as pessoas o serviço dos outros? Será que é
mensurável o seu sacrifício, ou o seu empenho,
ou a sua generosidade, ou até o seu humanismo?

E a resposta é dada por Arlie Hochschild, na sua


obra A Mercantilização da Vida Íntima, com a uti-
lização de uma metáfora: o valor é o de um trans-
plante de coração global. Não há valor maior do
que o da doação de um coração, e muita gente em-
penha no seu serviço todo o seu amor e bondade.

Talvez a mesma pergunta faça sentido, agora


em concreto, em relação aos idosos: que va-
lor tem, hoje, para as pessoas o serviço dos
idosos? Como avô/avó disponível para ser su-
porte dos filhos e ter uma relação de cumpli-
cidade e pedagógica com os netos? Ou o seu
conselho, privilegiando o pragmatismo à mo-
ralidade? Um serviço que associa sabedoria e
experiência acumulada com amor e dedicação?

E a resposta, já que é impossível dar valor a um


serviço único, é a de que o seu valor é o de um
transplante de coração global. Com a consciên-
cia de que só nos apercebemos disto quando
perdemos este serviço prestado pelos idosos.

Foi esta razão que me levou a escolher esta


metáfora para título deste artigo. O valor,
nulo ou reduzido, dado ao trabalho do ido-
so é inverso ao valor inestimável que têm
para a sociedade hodierna a sua experiência
e disponibilidade e a sua intervenção na for-
mação e estruturação das novas gerações.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


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LUÍS MIGUEL LARCHER Gerontologia na ESEJD?

Esta questão do valor dado ao serviço meçar seremos mais velhos. A socie-
dos idosos, entronca com uma outra dade que criámos retira tudo a quem
questão: e que valor dão os idosos à envelhece: a confiança em si mesmo,
sua própria vida e ao serviço que pres- o posto de trabalho, a biografia. Te-
tam aos outros? Talvez esta questão mos que actuar agora, porque já falta
de auto-estima, ou falta dela, seja o pouco tempo para a estigmatização.
principal desafio dos idosos. De tal Temos então de fazer evoluir para o
modo é assim que para Frank Schirr- futuro as ideias sobre a velhice, que
macher, um dos directores do jornal estão sustentadas na idade da pedra”.
alemão Frankfurter Allgemeine Zei-
tung “temos de resolver o problema da A guerra entre gerações só será um
nossa própria velhice para resolvermos problema se se continuar na sen-
o problema do mundo”, subtítulo do da da negação do valor das pessoas
seu livro A conspiração de Matusalém. idosas e a sobrestimar a importân-
cia da juventude. Esta guerra nasce
Nos próximos 10 anos, a geração de
68 vai atingir a idade da reforma. Ge-
ração que tem responsabilidade pelo
tipo de valores e de cultura que vi-
vemos nos dias de hoje. E o parado-
Num estudo com idosos de Berlim, en-
xal é que a mesma geração que criou
a exaltação da juventude e do belo,
tre os 70 e os 100 anos, Baltes chegou
como referência para o tipo de vida à conclusão que mais de dois terços
ideal e exclusão de todos os não be-
los e novos, é a mesma que vai ter de defendem que podem decidir sobre a
inverter a situação e dar valor e sen-
tido à velhice. À sua própria velhice sua própria vida e se sentem autóno-
Irónico, não é. É preciso ser-se ido-
mos e independentes. E que cerca de 9
so para se ter consciência que a ida-
de não é limite aos projectos de vida
em 10 ainda têm metas e objectivos a
e à utilidade à vida dos outros. A atingir na vida.
mudança é que onde tem estado o
«eu» como centro da mundo, pas-
sa a estar o «outro». Pode ser sa-
bedoria ou simples sobrevivência.
de um mito, e como qualquer mito
Por isso, Schirrmacher, faz este convi- adapta-se aos preconceitos e às fra-
te irónico aos idosos, no início do seu quezas das pessoas, tornando ideolo-
livro: “ainda não sabe, mas é um dos gias em verdades pseudo-científicas.
nossos. A mobilização geral chegou.
Está implicado na guerra das gerações. O mito nasceu em 1905, quando o
Alegre-se: está do lado dos homens a médico William Osler fez este discur-
quem encomendaram que levassem a so a jovens na Universidade de Bal-
cabo uma revolução. No entanto, no timore: “Previno, frente aos perigos
horizonte levanta-se contra os ido- de uma sociedade envelhecida, que
sos uma força temível. Avança contra seria melhor que os que têm mais
nós, os que agora temos 20, 30 ou de 60 anos se retirem por completo,
60 anos, e que quando a guerra co- voluntariamente, da vida profissio-

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nal e política. Até os que têm mais Baltes chegou à conclusão que mais safio que é feito a todas as pessoas,
de 40 anos são inúteis… A história de dois terços defendem que podem independentemente da idade: ser feliz.
mundial, se a lermos correctamen- decidir sobre a sua própria vida e se É um desafio até ao último suspiro, em
te, confirma esta afirmação. Há uma sentem autónomos e independentes. que o todo da vida conta, o que valori-
evolução na política, ciência, arte, li- E que cerca de 9 em 10 ainda têm za os sonhos e o sentir interior de cada
teratura; se ficarmos só com as obras metas e objectivos a atingir na vida. um. Será que alguém se sente velho,
dos que têm mais de 40 anos, arrisca- ou aos nossos olhos somos incapazes
mo-nos a que fique tudo na mesma.” O que permite concluir que os anciãos de nos vermos velhos, apesar das ru-
exigem ser parte interessada na procu- gas e do visual esbranquiçado? Julgo
Imagino que grande parte dos que ra de soluções para os seus problemas. que essa é a grande ironia da nossa
aqui nos encontramos nos sintamos Isto é óbvio. Complicado é dizer quais natureza: aos nossos olhos somos os
incomodados. No entanto, escanda- são os problemas concretos da vel- jovens de sempre. Tal como os ra-
loso é este discurso anacrónico que hice. O que a sociedade define como pazes e as raparigas do nosso tempo.
ressoa aos nossos ouvidos quando dificuldades e limitações da velhice,
vemos a facilidade com que os go- isso sei, até porque são enquadradas
vernos reformam ou pré-reformam
as pessoas com estas idades, a favor
da putativa recuperação das empresas
ou do próprio estado. O que dirão da
vida de Einstein, o tal “homem do sé-
culo XX” para a revista Time: aos 26
anos formulou a teoria da relativida-
de especial, aos 37 completou a teo-
ria da relatividade, aos 43 recebeu o
prémio Nobel, aos 54 abandonou a
Alemanha nazi e aos 60 anos propôs a
Roosevelt fabricar a bomba atómica?

Um exemplo, entre muitos outros,


que nega a evidência mítica de que
há idades pré-determinadas para o
fim da criatividade humana, ou da
produtividade e espírito de iniciativa.
Quantos génios idosos produziram
até ao final da sua vida? Alguns, de
relance: Tiziano, que morreu com 99
anos; Bernard Shaw, 94; Miguel Ânge-
lo, 89, Verdi, 88, Monet, 86, Richard
Strauss, 85, Goethe, Victor Hugo e os anciãos exigem ser parte interessa-
Degas, 83; Tolstoi e Goya, 82. Talvez
a regra seja que cada pessoa é um da na procura de soluções para os seus
caso, mas, no geral, a criatividade e a
produtividade das pessoas idosas não
problemas.
são uma excepção, mas uma regra,
e que o avanço da medicina permite
prolongar, quase indefinidamente, o pelo sistema legislativo português
exercício das faculdades humanas. sobre a sua produtividade e direi-
tos. Agora, o que os idosos definem
O problema, de qualquer ser hu- como dificuldades exclusivas, con-
mano, é a sua capacidade de resistir, fesso que tenho dificuldade em dizer.
e dos idosos em particular é o de re-
sistirem a serem enterrados ainda Não sendo a felicidade e a qualidade
em vida. Num estudo com idosos de de vida imutáveis, dá para perceber
Berlim, entre os 70 e os 100 anos, que o desafio feito aos idosos é o de-

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


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PRESIDENTE DO CONSELHO ESTATAL PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA E SECUNDÁRIA (BESE)

PAUL PASTOREK

Paul Pastorek foi, em Março de 2007,


nomeado pelo Conselho Estatal para a
Educação Básica e Secundária (BESE), Su-
perintendente da Educação para o Estado
de Louisiana (EUA). Tendo sido reconduzi-
do em Janeiro de 2008.
PAUL PASTOREK
Fez parte, entre 1994 e 2004, desse mes-
mo Conselho Estatal para a Educação Bá-
sica e Secundária, tendo desempenhado,
DÁ CONFERÊNCIA NA
nos últimos 3 desses anos, as funções de
seu Presidente. À sua saída do BESE, o ESE JOÃO DE DEUS
Estado de Louisiana foi referido como
tendo o melhor resultado no Programa de
Responsabilização de prestação de con-
tas implementado nos Estados Unidos. Por: LUÍS LARCHER

Nos últimos 20 anos Pastorek tem traba-


lhado no sentido de melhorar o sistema
público de educação no Estado de Lou-
O problema da qualidade do ensino não é de hoje, é de
isiana, o que levou a que o governador
Mike Foster o tenha nomeado para a sempre. Com maior acuidade hoje porque há consciên-
BESE. Após a sua saída deste conselho cia que o nível de educação de um povo corresponde
em 2004, Pastorek criou a Next Horizon, ao seu nível de qualidade de vida e de responsabilida-
organização não-governamental que liga de social. Para não falar que nesta economia global, a
toda a liderança de Louisiana – educação, competência técnico-científica e a literacia tornam o
governação, negócios e comunidade – e
que serve como se fosse um reservatório
país competitivo e com capacidade de influenciar.
de pensamento de todo o Estado como
força de suporte para a melhoria da es- No entanto, a pergunta continua a ser a mesma:
cola.

Advogado desde 1979, Pastorek foi no-


> Como podemos melhorar a qualida-
meado, em Fevereiro de 2002, pelo Presi- de do ensino em Portugal?
dente George W. Bush como Conselheiro
Geral da NASA. Serviu como chefe legal A resposta talvez não seja uma única e com resultados
oficial para a agência e também como imediatos e assegurados, mas talvez deva fazer o per-
conselheiro próximo do administrador curso que o tecido empresarial já fez e com resultados
Sean O’Keefe. Conjuntamente, serviu ou
dirigiu alguns comités seniores de ges-
palpáveis: avaliar-se, adaptar-se às exigências do mun-
tão e liderança, incluindo a liderança da do moderno e mudar comportamentos e vícios.
equipa que desenvolveu o plano de re-
organização “transformacional” da NASA Só que o termo avaliação cria mal-estar, frenesim, na
em 2004. Ao serviço da NASA, recebeu a desconfiança que seja um instrumento para respon-
Medalha de Reconhecimento Excepcional sabilizar os professores pelo insucesso, em detrimen-
e a de Serviços Destintos. Após 2 anos e
meio de serviço Pastorek saiu da NASA
to das faltas de condições estruturais e materiais que
e voltou à firma de advogados Adams & condicionam, e nalguns casos impedem, alcançar bons
Reese. resultados.

80
> Como ultrapassar, en- o projecto para os objectivos detrimento das outras cuja formação
não tem sucesso”.
tão, o melindre e as reti- pretendidos.
cências dos professores “Em 1999 foi feita a primeira medi-

>>
e sindicatos e encontrar ção sobre o nível da aprendizagem
formas de avaliar, diag- dos alunos e da qualidade do ensino O sucesso do projecto de
nosticar e remover os ministrado pelas escolas. Foi muito reforma do sistema de
negativa. No entanto e simultanea-
obstáculos à qualidade mente, 99% dos professores tiveram
educação passa por uma
do ensino? avaliação positiva”. Só que, pela pri-
meira vez, esta medição foi feita já avaliação eficaz e a infor-
Paul Pastorek, coordenador dos de- de acordo com um novo paradigma mação atempada aos pro-
partamentos de educação elementar de abordagem: “A medição foi dos re-
e secundária do estado americano do sultados académicos dos alunos e não
fessores dos resultados.
Louisiana, apresentou, na Escola Supe- sobre as formas de ensino dos profes-

>>
rior de Educação João de Deus, uma sores. O necessário não era avaliar o
solução, através de um projecto que tipo de ensino ministrado, mas se esse
tem obtido resultados muito promis- ensino tinha resultados nos alunos, ou
“Um dos problemas com que nos
sores. E que tem todas as característi- seja, verificar se os resultados dos alu-
debatemos foi o de sabermos como
ca para ser um “case study”. nos significavam aprendizagem efec-
fazermos chegar aos professores os
tiva”.
dados disponíveis sobre os resultados
O Estado de Louisina, um dos mais
do seu ensino. E a resposta passa pela
pobres dos Estados Unidos, também > Esta foi a primeira fase:
utilização da tecnologia de informa-
passou pelo mesmo dilema e pelos
Avaliar a aprendizagem dos ção. Assim, os professores podem re-
mesmos obstáculos por parte dos pro-
avaliar as suas estratégias a partir das
fessores e dos sindicatos. No entanto, alunos nas escolas.
informações sobre a aprendizagem
como havia consciência que elevar a
> A segunda fase: em tempo útil, e, caso seja necessário,
qualidade do ensino reflectia-se na
adoptarem estratégias alternativas”.
melhoria da qualidade de vida da po-
pulação, por haver melhores empre-
Avançou para a avaliação da
gos, a implantação de novas empresas aprendizagem dos professo- Apesar de ainda não estar concluído,
e uma maior consciência comunitária, res na sua formação nas esco- este é um projecto que está a ter re-
resolveu investir na procura de um sultados muito promissores. Ao nível
las superiores de educação.
projecto educativo que elevasse o ní- da qualidade de ensino praticado nas
vel do ensino. escolas do estado como até nas pró-
Esta avaliação passou por interligar a
prias escolas superiores de educação.
formação dos professores nas escolas
No entanto, a sua bondade passa por
Projecto educativo que fosse superiores de educação com os resul-
estar a ser constantemente medido e,
pragmático, exigente, respon- tados de aprendizagem obtidos pelos
consequentemente, adaptado à reali-
seus alunos nas escolas, nos primeiros
sabilizador e distinguisse as dade e necessidades no campo, bem
dois anos da sua vida profissional.
escolas e os professores bons e como a procurar soluções para os pro-
empenhados, dos outros. blemas em tempo real: “ Este projecto
“ A ideia foi acrescentar um elemento
adoptou três estratégias: medição da
na avaliação dos professores: o valor
aprendizagem dos alunos, medição
O ponto de partida foi mui- acrescentado. Que passa por medir o
em tempo real das aprendizagens e
to importante, constatou Paul que os alunos sabem no início do ano
medição das escolas superiores de
e no final do ano. O conhecimento e as
Pastorek, porque a equipa que educação”.
competências que adquirirem é o va-
impulsionou e dirigiu a refor- lor acrescentado”. E basta somar o va-
ma tinha os objectivos a alcan- lor acrescentado dos professores por
çar muito bem definidos: “criar escolas de educação onde estudaram
um sistema educativo de altos para se ter um ranking da qualidade
das escolas de educação. “ Isto signi-
padrões e criar instrumentos
fica um método realista de avaliação
para medir, ao longo do pro- das escolas superiores de educação, o
cesso, esses padrões”, de forma que nos permite premiar as melhoras
a ir avaliando e reorientando escolas com apoios e subsídios, em

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


81
DOCENTE . ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO JOÃO DE DEUS

MARIA PAULA PINHO BRANCO

CENTENÁRIO DO 1º JARDIM-ESCOLA
JOÃO DE DEUS DE COIMBRA:
A mais antiga Escola Infantil em Portugal
No século XIX deu-se, no mundo
ocidental, a grande rotura entre a
ordem estabelecida e os anseios de
justiça manifestados pelas classes
trabalhadoras.

Em Portugal, a expectativa de uma


“(…) porque eu posso ser homem sem saber retórica: o grande mudança tornou-se sensível
que não posso é ser verdadeiro homem sem saber ler…” a partir dos finais da década de 70.
Nessa época, ganhou forma uma
espécie de máxima particularmente
In Resposta de João de Deus ao Abade de Arcozelo vigorosa - é preciso instruir o povo.

A situação educativa do País herdada


pela República era grave. A educação
e o ensino viriam a ser indelevelmen-
te marcados pela República, procla-
mada a 5 de Outubro de 1910.

Preocupados com a decadência do


sistema escolar português, com o seu
desfasamento relativamente à maio-
ria dos países europeus, com o seu
atraso endémico e as elevadas taxas
de analfabetismo – a abranger cerca
de 70% da população –, os primeiros
governos da República iniciam a pro-
mulgação faseada de grandes refor-
mas para os vários graus de ensino,
num dos períodos mais criativos no
campo da educação e do ensino em
Portugal.

82
A reforma do ensino primário, data- ciação Promotora de Asilos, Creches neiro Franco e Júlio Dias Costa,
da de 1911, engloba o ensino infan- e Escolas, que mantinham a seu cui- tendo a Câmara Municipal de
til e o ensino normal primário. Dois dado um elevado número de crian-
conhecidos escritores e pedagogos ças.
Coimbra facultado um terreno
estão por detrás desta reforma, João com uma superfície de 4800
de Barros e João de Deus Ramos, este Defendiam, que“não mais a Ca- metros quadrados.
último filho do autor da famosa “Car- ridade, mas um germe novo,
tilha Maternal”, método de ensinar a
mais próximo da igualdade, Considera-se, hoje, que o
ler que foi utilizado até aos anos 30. maior contributo veio do Or-
Por ele é igualmente fundado o ensi- presidiria a realizações como
as que testemunhava”. Definia feão da Universidade de Coim-
no infantil particular, com a criação
dos primeiros “Jardins-Escola”, ainda essa novidade “como coisa do bra, dirigido por António Joyce,
hoje existentes, com métodos peda- mundo: prática e secular. A sua que reuniu 1480$000 réis com
gógicos inovadores e onde as primei-
irmã não é a Poesia, é a Justi- a realização de espectáculos
ras noções de liberdade, civismo e um pouco por todo o País,
solidariedade eram ministradas. ça”.2
conseguindo, com o produto
“A situação educativa do País Toda esta polémica serviu para cons- dos bilhetes e de ofertas cobrir
ciencializar o País e contribuir para a maior parte das despesas da
era grave. A taxa de analfa- a aceitação da importância da edu-
betismo da população atingia construção do edifício”.3
cação infantil, muito antes da pro-
valores elevados. As escolas clamação da República, o que vem O projecto ganhou corpo pelo traba-
normais primárias eram em consubstanciar a ideia de que João lho conjunto de João de Deus Ramos
de Deus era um homem “à frente do
número insuficiente. O ensi- e do arquitecto Raul Lino.
seu tempo”.
no liceal era frequentado ape-
Da autoria do primeiro são as bases
nas por 8691 alunos. O País Como resultado destas questões de- pedagógicas, exigências funcionais e
dispunha de uma única uni- batidas pela sociedade e pela inte- de programação de alguns conceitos
versidade, a de Coimbra, com lectualidade da época e fruto de pro- de estética e inserção urbanística; a
jectos que se desenvolviam há anos Raul Lino pertence a concepção ar-
1262 alunos. Entre esta elite em Portugal, foi inaugurada a 2 de
instruída e culta figurava João quitectónica, o desenvolvimento do
Abril de 1911, sob proposta de seu projecto e o desenho do mobiliário.
de Deus, estudante de Direito, filho João de Deus Ramos, a primeira
que logo se dispôs a clamar escola-infantil do País denominada Desta forma, João de Deus Ramos,
pela educação das classes mais “associação de escolas móveis pelo que nesse ano foi nomeado director-
método de João de Deus, bibliotecas geral da Instrução Pública, manteria
baixas”. ambulantes e jardins-escola”. o ensino infantil de acordo com os
A reforma de João Franco, em 1894, princípios legados pelo notável pe-
viera dar corpo à abertura de esta- “Esta iniciativa visava atribuir dagogo, seu pai, “mantendo viva a
belecimentos de ensino às classes à obra do poeta-pedagogo um imagem do grande educador que fi-
infantis em Lisboa, no Porto e em carácter fixo, amplo e dura- cou como símbolo do amor às crian-
“outras povoações importantes” ças e do apego à educação”.4
douro. Um grupo de persona-
(Decreto de 22 de Dezembro de
1894, Diário do Governo, n.º 292, 24
lidades solicita, então, ao pre- Estavam assim lançados os alicerces
de Dezembro de 1894).1 sidente da Câmara Municipal da obra João de Deus, iniciada em
da cidade, o professor univer- 1882.
Esta decisão esteve, em certa me- sitário Marnoco e Sousa, um
dida, ligada às críticas que João de Mais do que quaisquer palavras, o
terreno para a sua edificação. texto abaixo transcrito, de João de
Deus e Antero de Quental proferiam
sobre o fundamento “caritativo” de
A proposta foi assinada pelo Barros, ilustra o entusiasmo com que
algumas instituições da época. Essas poeta Eugénio de Castro, pe- o Jardim-Escola de Coimbra foi inau-
críticas não deixavam de salientar los professores universitários gurado.
o louvável trabalho nelas desenvol- Mendes dos Remédios e Sobral “No dia 2 de abril inaugurou-se
vido, nomeadamente por Guiomar Cid, pelo pedagogo António em Coimbra o primeiro Jardim-
Torrezão e Ana de Castro Osório, no
que diz respeito às creches e à Asso-
Leitão e pelos estudantes Car- Escola João de Deus. Foi uma festa

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


83
MARIA PAULA BRANCO Centenário do 1º Jardim-Escola João de Deus
A mais antiga Escola Infantil de Portugal

lindíssima, carinhosa e commo- do Jardim-Escola. E, para quem assistisse á festa, esse aspecto melhor
vedora, apezar da chuva incerta se definirá, ao recordar o interesse infatigável que se lia nos olhos da
da Primavera, que tudo alargava, multidão anonyma que enchia as salas, um pouco pasmada, é certo,
mas que não conseguia emude- mas sobretudo attraída, seduzida, – e talvez grata...
cer a voz fremente, a voz alegre,
da seiva nova, como não afastou Como disse ha pouco, a obra pedagógica que o Jardim-Escola represen-
d’aquella ceremonia, onde o ele- ta e concretisa mão pode ser ainda completamente comprehendida.
mento official estava largamen- Para admirar seria que a comprehendessem, visto que ella é uma tenta-
te representado, a curiosidade tiva absolutamente nova, absolutamente original; e o seu nome, inédito
sympathica da multidão. Houve na terminologia pedagógica, logo o indica. Já não são simplesmente as
discursos, recitaram-se versos, e velhas salas de asylo, que nos faz esquecer a escola de Coimbra; mas os
as mais latas personalidades de próprios Jardins de Infância, de Suissa, onde a educação, no entanto, é
Coimbra, e os melhores represen- tão bem orientada, tão apropriada ao espirito infantil. Aqui, uma inno-
tantes das ultimas gerações, vie- vação se fez, e capital: - o jardim que cerca o edifício é escola. Nelle se
ram ali prestar, João de Deus Ra- aprende, porque nelle se passa uma grande parte da vida do educando.
mos e á sua obra, a homenagem
da sua admiração e do seu respei- E, na phase do desenvolvimento rápido e assimilador que é a infân-
to. Nem sequer faltou a elegân- cia, viver é aprender. Aprender sem esforço, aprende porque a creança
cia das senhoras, colleante e fina, vê, sente, ouve e apalpa o mundo exterior. Aprende como ella respi-
n’aquelle recinto de conforto e ra, como brinca, como dança, como se alimenta, como de dia para dia
de paz, que Raul Lino planeou cresce e se modifica o seu organismo. Aprender - mas não ser moldada
com a ternura sempre vibran- a uma fôrma estreita e preconcebida, preparada d’antemao pelos mes-
te da sua alma de poeta. Mas, o tres na solitária indifferença d’um gabinete...
que sobretudo me impressionou
n’esse dia, foi o acolhimento de Pelo que vi, em Inglanterra e em frança, e pelo que tenho lido, sei que
enthusiasmo que o Jardim-Escola nunca os jardins das Escolas Maternaes tiveram outro fim que não fosse
teve por parte do povo, do povo o de logar para recreio; a sua funcção pedagógica era apenas dependen-
para quem elle se construiu, do te da hygiène. Nada mais. Na Escola de Coimbra o jardim accumula as
povo que sabe, ou sente, que a duas funcções: - a educativa e a hygienica. E não só tem canteiros para
ideia fundamental que presidira á as creanças cultivarem, como mil outras coisas de intuito pedagógico:
fundação d’aquella casa fora sim- - assim, um lago que permite a explicação da vida dos peixes e dos ma-
plesmente esta: - dar ás classes chinismos dos navios; assim uma planta da cidade de Coimbra, para o
populares, as únicas ainda sadias estudo da geographia local, etc. Isto, é claro, sem prejuízo de um campo
e fortes no paiz, educando-lhes de jogos, e da belleza das arvores e das flores, ensinamento também
os filhos, mais uma possibilidade indispensável para os olhos das creanças.
de resurgimento e de progresso.
Tem esta escola o nome de João de Deus.
Assim, João de Deus ramos deve
Ter tido, ao verificar este facto, João de Deus Ramos dando-lhe o nome do Pae cumpriu o seu dever de
uma das mais profundas satisfa- educador e de portuguez. São os princípios pedagógicos que João de
ções da sua existência de lucta e Deus defendeu sempre os que inspiram a obra realisada, é a sua com-
de trabalho, porque viu a sua obra prehensão do que seja a educação e o ensino da creança que ali se vae
senão totalmente comprehendi- encontrar: o carinho da família, o respeito pela espontaneidade infantil,
da, – e era impossível que o fos- o desenvolvimento gradual do raciocínio, apoiado sempre em noções
se – pelo menos, sentida, amada, concretas, Ha quarenta annos que João de Deus os formolou e os de-
venerada. Eu creio que foi o que fendeu - estes princípios. Ha vinte annos que elles vão sendo justifica-
melhor caracterisou o aspecto dos pelos pedagogistas extrangeiros, que decerto ainda ignoram que
moral que revestiu a inauguração

84
foi seu percursor um grande poeta portuguez. Não é, portanto muito mais em voga lá fora. E nenhum
cedo que elles triumpham n’uma escola que se fundou sob a sua inspi- elogio maior lhe pode caber. Por-
ração. Nem tão cedo triumphariam se não fosse o esforço persistente, que estamos n’uma hora grave
intelligente, - audaz, mesmo, n’um meio de perguiçosos e de covardes, em que a máxima utilidade e
- que João de Deus Ramos psz ao serviço da sua ideia. Este rapaz foi, belleza das tentativas feitas ou
verdadeiramente, um creador ; e pela primeira vez, em Portugal, temos a fazer em matéria social deriva
uma escola infantil, digna d’esse nome, e melhor, pela orientação que só e essencialmente d’esta quali-
exemplifica e réalisa, do que as escolas extrangeiras do mesmo grau. Do dade suprema: - ser um factor de
mesmo typo, não direi, porque o Jardim-Escola João de Deus constitue renascimento das forças intrín-
um typo inteiramente aparte, e inteiramente portuguez - pois n’ella se secas, e ha tanto despresadas, da
procurarão desenvolver as qualidades da raça por meio de processos raça admirável que é a nossa”.
novos e nossos, e não transportar para Portugal quaesquer systemas

ALTO PATROCÍNIO DO PRE- momento tão marcante para a nossa


SIDENTE DA REPÚBLICA AO Instituição
PROGRAMA DO CENTENÁ- O programa culminará com a atri-
RIO DO JARDIM-ESCOLA buição da Medalha de Ouro da Cida-
JOÃO DE DEUS DE COIMBRA de à Instituição titular deste centro
educativo, um dos 49 que se encon-
A Associação de Jardins-Escola or- tram distribuídos pelo Continente e
gulha-se de poder contar com o Alto Regiões Autónomas, num claro com-
Patrocínio do Presidente da Repúbli- prometimento com a obra dos seus
ca ao programa de comemorações mentores, continuada na pessoa do
do Centenário do 1.º Jardim Escola bisneto do poeta-pedagogo, António
de Coimbra. A comemoração teve de Deus Ramos Ponces de Carvalho,
o seu início a 8 de Março de 2010, e neto de João de Deus Ramos, que
data do aniversário de nascimento tem sabido honrar e ampliar o le-
de João de Deus, e encerrará a 15 de gado de tão importante património
Novembro de 2011, data do faleci- cultural e intelectual, reconhecido e
mento de João de Deus Ramos. admirado dentro e fora do País.

Para marcar as comemorações, estão


agendadas numerosas iniciativas. En-
tre elas, no passado dia 27 de Maio,
teve lugar no teatro da edilidade, Gil
Vicente, o “Concerto Prestígio”, no
âmbito do 1.º Centenário do Jardim-
Escola João de Deus de Coimbra,
organizado pela Câmara Municipal
de Coimbra, com a participação da
Orquestra Clássica do Centro e sob a
direcção de Virgílio Caseiro.

A 2 de Abril de 2011, terá lugar um


jantar, em Lisboa, em participarão
para além de Sua Excelência o Senhor
1
Presidente da República, todos os Patrício, Ferreira Manuel (1990). “A Instrução Pública: os li-
mites de uma reforma”, Portugal Contemporâneo, 3.º Volume.
docentes da Associação de Jardins- 2
Muitos Anos de Escolas (1999). Edição Montepio Geral.
Escola João de Deus JEJD. Procura- 3
Carvalho, António de Deus Ramos Ponces (1991). Éléments
remos, ainda, através de anúncios a pour l’histoire d’une école de formation des instituteurs de
publicar nos meios de comunicação maternelle, Lisboa: Edição Associação de Jardins-Escola João
de Deus.
social convidar todos os antigos alu- 4
Barros, João de (1911). Boletim de Propaganda, ano I, n.º 4,
nos a fim de se juntarem a nós neste Imprensa Nacional de Lisboa.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


85
2009/2010

Foto JEJD
{ PRÉMIOS ATRIBUIDOS
AOS JARDINS-ESCOLA
JOÃO DE DEUS
EM CONCURSOS E EVENTOS
Braga DIVERSOS

Foto JEJD ALCOBAÇA FIGUEIRA DA FOZ - 1º


Concurso “Cartaz para a festa da crian- 10º Concurso Internacional de Dese-
Faro
ça e do ambiente”. Prémio para a escola nhos Infantis sobre o Ambiente. 2º Pré-
no valor de €37. mio;

BRAGA 6º Torneio de Kenpo, no Quiaios Clube.


2º Lugar, Equipas;
Concurso “Uma aventura literária”, pro-
movido pela Editora Caminho. 1º Pré- 1º Torneio Kenpo no Karate Ginásio Fi-
mio para os alunos do 4º ano. gueirense. 2º Lugar, Equipas.
Foto JEJD FARO ESTARREJA
Castelo Branco I Campeonato Nacional Super T matik Concurso “Correntes d’Escrita”, promo-
de Cálculo Mental; I Campeonato Na- vido pela Porto Editora. 1º Prémio para
cional Super T matik de Língua Portu- os alunos do 4º ano com a publicação
guesa. Diploma de mérito para aluna do do conto infantil “A Casa Misteriosa”.
4º ano, Leonor Alexandre Lourenço.

CASTELO BRANCO COIMBRA - 1º


Concurso “Postais de Natal”, promovi- Concurso “Uma Aventura Literária
do pela Biblioteca Municipal de Caste- 2009” . 1º Prémio, na modalidade de
lo Branco. 2º Prémio para os alunos do Crítica, para o aluno Diogo Manaia; 3º
Bibe Azul. Prémio na modalidade de Desenho,
para o aluno João Bernardo do 2º ano.

86
Foto JEJD
Estarreja
COIMBRA - 2º
Concurso ”Junta-te ao clube”, promo-
vido pela Gaia Livro. 1º Prémio, com a
atribuição de um computador portátil FUNCHAL
para o aluno e uma Menção Honrosa Concurso “Chapéu de Carnaval”, no
atribuída a uma aluna. A escola recebeu Museu Etnográfico da Ribeira Brava. 1º
um projector multimédia; a aluna e sua Prémio.
professora receberam livros; Foto JEJD
Concurso Internacional “Alterações cli-
LEIRIA Coimbra - 1º
máticas, novo desafio”, promovido pela Concurso “Uma Aventura Literária
Bayer. A aluna recebeu um DVD; 2009”, promovido pela Editora Cami-
nho. Prémio de Texto Literário na mo-
Concurso “Minimat 2009”, promovido dalidade de Teatro, com posterior dra-
pela Universidade de Aveiro. 1º Prémio matização do texto e apresentação da
na categoria Escola, com a atribuição de mesma no Teatro Aberto, em Lisboa.
um telescópio para o Jardim-Escola; Nesta apresentação ganhámos os pré-
mios de “Melhores Cenários”, “Melho-
Concurso “Minibio 2009”, promovido res Adereços” e “Melhor Dança Colec-
pela Universidade de Aveiro. 1º Prémio tiva”. Ganhámos o valor de €200 em
na categoria Escola, com a atribuição de livros Caminho;
um telescópio para o Jardim-Escola e
prémios individuais para os alunos; Concurso “O Mundo é a nossa Casa”,
promovido pelo Instituto das Águas
Concurso “Descobre o teu céu””, pro- Livres. O Jardim-Escola recebeu uma
movido pelo Museu da Ciência. Menção Menção Honrosa;
Honrosa;
Concurso “Nori e o SpongeBob e a Pro-
Concurso “Uma aventura – olimpíadas teção do Ambiente”, de pintura e de-
da História”. Medalha de Bronze para senho. O Jardim-Escola alcançou o 1.º
uma aluna; lugar no escalão do 1.º Ciclo com um
Passatempo “Um livro, uma frase”, pro- trabalho do 4.º ano e o 1.º lugar no
movido pela Direcção Geral do Livro e escalão da Infantil, com três trabalhos
das Bibliotecas. O aluno vencedor rece- (um do Bibe Azul e dois do Bibe Ama-
beu livros e uma colecção “Na crista da relo). Como prémio, muito material de
onda”. desenho e pintura, em ofertas individu-
ais para todos os alunos e todos os do-
“Escola com pinta”, promovido pela centes envolvidos;
Direcção Geral de Inovação Curricular,
com o patrocínio das tintas CIN. A tela Concurso “Público na Escola 2009”,
pintada esteve em exposição na Gare concurso nacional de jornais escolares.
Oriente e os alunos receberam como O jornal “Psssst!!”, mensário do Jardim-
prémio vales de desconto em tintas Escola obteve o 1.º prémio na categoria
CIN. do 1.º Ciclo.

Concurso nacional de desenho da Petit


TOMAR - 2º Patapon. 1.º prémio na categoria de
Concurso “Uma aventura literária”, pro- Jardim de Infância, com o desenho de
movido pela Editora Caminho. Premia- uma aluna do Bibe Azul. A aluna rece-
dos os alunos com trabalhos de ilustra- beu um cheque de €100, um diploma e
ção para livros propostos pela Editora. uma t-shirt com o seu desenho estam-
pado.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


87
PRÉMIOS ATRIBUIDOS AOS JARDINS-ESCOLA JOÃO DE DEUS
Em concursos e eventos diversos - 2009/2010

2009/2010
LISBOA - ESTRELA TORRES VEDRAS
Concurso “Nemo” . O prémio para os Concurso “Uma Aventura Literária –
melhores classificados, foram bilhetes 2009”. 1º Prémio na categoria de Texto
Foto JEJD para o espectáculo “O Nemo no Gelo”; Livre, Inês Alcântara e Carolina Antu-
nes ; Menção Honrosa na categoria de
Lisboa - Estrela Concurso “Uma Aventura”. 2º prémio História. Todos foram premiados com
na Modalidade de Critica – Laura Pon- 50,00 em livros;
ces de Carvalho; 3º prémio na Modali-
dade de Crítica – Catarina Pinheiro. “Eco-Escolas – Bandeira Verde”. O Jar-
dim-Escola foi premiado e recebeu a
Torneio de xadrez Inter- Escolas nas bandeira verde;
Oficinas de S. José. 1º e 2º prémios.
André Carmona (Aluno do 2º Ano) foi Concurso “Águas do Oeste – histórias
Foto JEJD Campeão absoluto de Xadrez no Cam- colectivas”. 3º Prémio para Guilherme
Lisboa - Olivais peonato Distrital de Jovens; Francisco Malveiro, do 3º ano, com um
troféu e um jogo didáctico;
Concurso “Leopoldina, vamos Crescer”.
O prémio atribuído foi um leitor de Concurso Internacional “Alterações cli-
DVD’s e 192 DVD’s. máticas, novo desafio”, promovido pela
Bayer. Premiado o aluno Bernardo Ma-
Concurso Campanha Modelo. Prémios chado, do 3º ano, com um DVD portátil;
atribuídos: 1 computador portátil, 2
pares de colunas Mitsai 680BL, 3 ratos Concurso Escolar “À procura de Nemo”,
Foto JEJD laser, 1 videoprojector viewsonic, 3 te- promovido pelo Disney Channel. Pre-
Penafiel clados com fio. miada a aluna Cassandra Vicente Fran-
co, do bibe encarnado, com 1 bilhete
LISBOA - OLIVAIS para 2 pessoas a Isla Mágica;
Concurso “Uma aventura”. 1º Prémio
para a aluna Maria Leonor Veloso na Concurso de desenho “Nemo”. Prémio
modalidade de desenho. atribuído aos alunos, um bilhete para o
espectáculo “O Nemo no gelo”;
PENAFIEL Concurso “Contos de Natal 2009”,
Foto JEJD Concurso “Pmate – Projecto Matemá- promovido pelo jornal Badaladas. 1º e
Torres Vedras tica”, promovido pela Universidade de 2º Prémios para os alunos, Guilherme
Aveiro e Câmara Municipal de Penafiel Francisco Malveiro e Sofia Ferreira, 4º
. 1º Prémio com uma equipa de 2 alu- ano e 3º Prémio para Bianca Maria Sal-
nos do 4ºAno. O prémio atribuído foi danha Veloso, do 2º ano. Os prémios
uma PSP portátil e uma medalha a cada recebidos em dinheiro, foram comple-
criança; o Jardim Escola recebeu uma mentados com uma anuidade gratuita
medalha de participação. do Jornal Badaladas;

Foto JEJD Concurso “Minimat 2009”, promovido Concurso interno de máscaras de Car-
Santo Tirso pela Universidade de Aveiro. 3º Prémio naval, com a atribuição de um prémio
com uma equipa de 2 alunos do 4º Ano. por faixa etária.
O prémio atribuído foi um alarme elec-
trónico a cada criança.

88
SANTO TIRSO
Concurso literário António Mota;

Concurso de obstáculos para o torneio


2009/2010
de mini-golfe. 1º Prémio;

Concurso “Escola Modelo”. 1º Prémio; COIMBRA - 2º TORRES VEDRAS


Concurso “Onde te leva a imaginação”, Concurso “Uma aventura literária
Prémio por participação no desfile de
promovido pelo Plano Nacional de Leitu- 2010”. 1º. Prémio “Clube Caminho Fan-
Carnaval.
ra, na modalidade de desenho e leitura. 1º tástico” atribuído aos alunos do 4º ano,
Prémio para 2 alunos do 4º ano. na modalidade de texto original. Para
SANTARÉM além da publicação do trabalho, o pré-
II Concurso Escolar Rick e Rok “Amigos 6º. Concurso Poético do Cancioneiro In- mio recebido foi de €50 .
da Terra”. 1º Prémio. O Jardim-Escola fanto-Juvenil. Os trabalhos dos alunos se-
recebeu como prémio um “Ecorobot”; leccionados foram publicados no XV Can-
cioneiro do Instituto Piaget e receberam LISBOA - ESTRELA
Concurso “Uma Aventura”. Duas Men- como prémio o referido livro; O Jardim-Escola João de Deus da Estrela
ções Honrosas nas modalidades de De- ganhou o prémio de Teatro do Concur-
senho e Crítica. Competições Nacionais de Matemática so “Uma Aventura” com a peça Mamma
e Biologia, promovidas pela Universida- Mia na História de Portugal. Além disso,
de de Aveiro. 1º. Prémio para os alunos foram-lhe atribuídos outros três pré-
TORRES NOVAS do 3º. e 4º. Anos. Os alunos receberam mios: Actor Principal, Actor Secundário
Concurso “Uma Aventura Literária – prémios individuais e o Jardim-Escola re- e Melhor Espectáculo.
2009”. 2º Prémio; cebeu material didáctico para o 1º Ciclo.
Concurso “Se eu fosse um micróbio”,
promovido pelo IQTB. Prémio atribuído LEIRIA
aos alunos, um Kit de Laboratório e ain- Concurso de Ideias “Ciência na Escola”
da uma visita e participação nas activi- promovido pelo Banco Espírito Santo e
dades do laboratório de microbiologia; Fundação Ilídio Pinho. Prémio Ciência na
Escola;
Concurso “Natureza Brincalhona – Pla-
neta Verdinho : vamos proteger a Natu- Concurso de Fotografia/Vídeo “Contra
reza”. 1º e 3º Prémios. a Discriminação Racial”, promovido pela
Comissão para a Igualdade e o Alto Co-
missariado para a Imigração e Diálogo In-
tercultural. Menção Honrosa atribuída à
VISEU turma B do 1º ano do ensino básico;
Concurso “Marchas infantis – Prémio
Futuro”. 2º Prémio de melhor arranjo Concurso “Uma Aventura… Literária
musical e 3º Prémio de melhores ade- 2010”. 1º. Prémio na modalidade de Te-
reços; atro, com a peça “A Raposa Azul”, repre-
sentada no Teatro Aberto. Pela represen-
Campeonato Nacional “Karaté Shukokai tação, obteve o prémio “melhor cenário/
– Pré-infantil/Juvenil Penacova 2009”. figurinação” e “melhor actriz principal”;
2º Prémio;
Concurso “Ambiente e Biodiversidade no
Campeonato Nacional “Karaté Shukokai rio Tejo”, promovido pelo Museu da Água.
– Pré-infantil/Juvenil Penacova 2009”. Menção Honrosa.
3º Prémio Kum. Eq. Pré-Infantil Mascu-
lino. Concurso “Factos Históricos e Monumen-
tos Portugueses”, promovido por “Portu-
gal dos Pequeninos”. 1º. Prémio;

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


89
DOCENTE . ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO JOÃO DE DEUS

EMÍLIA TOMÁS

A INGENUIDADE
DA INFÂNCIA
NO PERCURSO
Formar implica troca, interacções. Citando Paulo Freire,
“quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é for-
mado forma-se e forma ao ser formado” (1997:25). Esta
PROFISSIONAL
{
frase descreve bem o que a singularidade de uma história de
vida pode revelar: um percurso, um processo de formação.

Neste mundo pós-moderno, globalizado, complexo e incer-


to, onde se questiona o papel do professor e dos alunos, a
crise está lactente e urge mudanças a nível educativo. Essas
mudanças podem até ser proclamadas através de políticas
oficiais ou escritas autoritariamente em papéis, mas serão
sempre desprovidas de sentido se não forem ao cerne da
1) As Biografias como prática de investi- questão: como é que as crianças aprendem e como é que os
professores ensinam. Não são simplesmente inovações em
gação em educação edifícios, em materiais, em tecnologia ou mesmo na forma
de agrupamento dos alunos, que irão dar frutos. É preciso
Todos somos provavelmente potenciais contadores de his- prestar atenção ao processo de desenvolvimento profissio-
tórias. nal dos docentes. Para que o nosso envolvimento no proces-
so de mudança seja efectivo, deve representar mais do que
Quantos de nós educadores e professores não fazemos dia- a aquisição de conhecimentos sobre conteúdos curriculares
riamente a catarse dos acontecimentos vividos no nosso ou técnicas de ensino.
quotidiano, factos que nos marcaram de forma positiva ou A construção da identidade pessoal e social, é um processo
não, incidentes, cómicos ou dramáticos, mas na maioria complexo, impregnado de lutas, tensões, conflitos, através
das vezes pequenos minutos que foram retidos na memó- do qual nos apropriamos da nossa história pessoal e profis-
ria. sional. Esta construção implica tempo para acomodar ino-
vações e assimilar mudanças. A nossa “segunda pele pro-
São os nossos entes mais próximos, família, amigos, aque- fissional” é o nosso modo próprio de organizar as aulas, de
les que convivem connosco diariamente, que ouvem os nos movimentarmos; são gestos, rotinas, comportamentos,
nossos episódios e que, connosco através de perguntas, gostos, etc. (Nóvoa, 1992:16).
partilham emoções e nos ajudam a repensar as nossas prá- Por que agimos de uma certa maneira como docentes? A
ticas. Sem o saberem, são já parte do nosso percurso pes- esta pergunta é fundamental que haja uma resposta equi-
soal e profissional. librada entre uma rigidez e uma plasticidade, apropriando-
nos dos saberes de que somos portadores e teorizando-os.
Os dados das vidas dos educadores/professores, embora
considerados por alguns investigadores como pessoais, O constante dilema que os docentes enfrentam, entre as
idiossincráticos ou flexíveis, são, sem sombra de dúvida, in- necessidades pessoais e os seus valores profissionais, fa-
vestigação educacional qualitativa. É, assim, uma perfeita zem-nos debater muitas vezes entre o sentimento e a ra-
injustiça considerá-los irrelevantes pois o ambiente socio- zão, o equilíbrio pessoal e a auto-estima. Balançamos entre
cultural, as experiências e o estilo de vida são componentes o técnico e o profissional. Ao docente exige-se flexibilidade,
do sentido do Eu. Esta construção de nós próprios é um maturidade, criatividade, complexidade cognitiva, na me-
processo de formação que atravessa várias pluralidades: dida em que atende a inúmeras diferenças individuais de
sincrónica (entre componentes internas e externas) e dia- cada criança, às suas próprias histórias de vida, culturas e
crónica (de diferentes momentos, fases de transformação contextos sociais, para que a aprendizagem se traduza em
do ser). algo efectivo e dinâmico.

90
Dewey, citado por Zeichner (1993) concordava com o fac- va. Para apressar um pouco as respostas, caí na armadi-
to de que o pensamento reflexivo é crucial para um de- lha de avançar a primeira sílaba:
senvolvimento pessoal, dividindo o pensamento em ideias,
- Então chama-se fa....
incidentes ou preconceitos adquiridos. Em educação ser
reflexivo será uma forma de estar, sem arrogâncias nem Uma criança, com ar já saturado e pesando-lhe a fome
servilismos. Será o primeiro passo para quebrar o acto de que a hora marcava, responde:
rotina, tornando-nos seres críticos e autónomos face ao
- Favas!
pensamento dominante num contexto, apostando então
numa educação problematizadora, reconhecendo a pessoa Toda a classe riu e descontraiu, mesmo a própria crian-
como ser inacabado num contínuo desenvolvimento. ça que respondeu! Restava-me apenas dar a resposta
certa e terminar a actividade.
Pretende-se nesta reflexão fazer emergir da nossa prática o
subjectivo, o afectivo, os encontros, as solidões, os medos, É claro que nem a minha postura era a mais correcta, nem
as alegrias, as convicções, as contradições, os valores, os o momento. A sensibilidade deveria ter ditado a regra de
saberes e as dúvidas. Pretende-se, ainda, aflorar discussões que o momento, não sendo propício, qualquer fuga torne-
que contribuam para melhorar as práticas educativas. ando esse aspecto se revelaria forçada.

2) Reflexões sobre a Acção Educativa A aprendizagem não se processa sem motivação e inte-
resse; isso foi algo que passou a perdurar na minha men-
Quando em 1984, iniciei verdadeiramente a minha carreira te em variadíssimas circunstâncias. A estratégia silábica
docente, os educadores tinham deixado para trás toda uma não se mostrou a mais eficaz, visto que o conhecimento
fase de instabilidade pós 25 de Abril, própria da época em se funda naquilo que experimentamos e desejamos, to-
toda a sociedade portuguesa. Estávamos, como educado- mando-o então sem esforço. Certamente que a partir daí
res, a afirmar a passos curtos a nossa posição como docen- passei a repensar com outro cuidado a coordenação das
tes. A panorâmica, segundo estudos de Ball e Goodson e de matérias em relação ao horário disponível. Eram anos de
Woods, citados por Nóvoa (1996), era de que realmente os crescimento profissional em que as horas em casa não
professores passaram, nos últimos 30 anos, momentos di- chegavam para todas as planificações e trabalhos que ha-
fíceis. Também na distinção entre educadores e professo- via a pensar.
res ainda os últimos continuariam a ser (e são) frequente-
mente vistos como “guardadores de crianças”. Várias vezes O desenvolvimento das minhas competências ligava-se,
perguntam, com alguma malícia, se é preciso curso para se também, ao aumento da confiança. Com ela vinha ain-
ser educador. da algum conforto profissional em parte devido à melhor
gestão da relação afectiva com as crianças. No entanto,
As dificuldades inerentes aos primeiros anos de trabalho havia sempre a necessidade de ir mais além. Conversava
foram colmatadas pela proximidade, confiança e afectivi- com colegas mais íntimos sobre o que seria um ensino
dade que consegui estabelecer com as crianças. ideal, ou como poderia obter os mesmos resultados de
forma a tornar todas as crianças felizes e entusiastas do
Tendo presente a teoria dos estádios por que passam os que faziam.
docentes (Katz, 1972), penso encontrar-me nestes primei-
ros anos no estádio da sobrevivência. As minhas primeiras Havia momentos em que me sentia particularmente di-
experiências levavam-me, sobretudo, a tentar ultrapassar vidida. Nunca deixei de criar um certo ambiente de li-
diariamente as dificuldades e nutria um sentimento de de- berdade às crianças. Nos momentos das expressões, por
sadaptação. exemplo, podiam expandir a sua criatividade. Nestas al-
turas julgo que no meu inconsciente prevalecia a memó-
Alguns episódios que definiam a imprevisibilidade do tra- ria de infância que ainda hoje tenho presente: a criança
balho marcaram estes primeiros anos de prática lectiva. despreocupada de tranças arrebitadas que muitas vezes
não entendia porque tinham de ser, para certos adultos,
as folhas das árvores verdes.., ainda que se não bastasse
Certo dia, perto da hora do almoço, estando já todos outro argumento, até haveria por aí umas tantas árvores
com alguma fome, conversávamos sobre as constru- com folhas avermelhadas, amarelas ou acastanhadas...
ções feitas com os Dons de Froebel e explorávamos as Mas isso já era algo que nem eu provavelmente sabia,
características das peças. Então perguntei apontando mas também não seria facto que importasse, pois o que
para a face de um cubo: eu queria mesmo, era pintar aquelas folhas de vermelho.
- Como se chama esta parte do cubo? Apenas… porque sim! Porque o vermelho era bonito. E
porque não?...
Era visível no rosto das crianças o cansaço do final da
manhã, segurando o queixo na mão. Todas as crianças
se mantiveram silenciosas. O meu desespero aumenta-
ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010
91
EMÍLIA TOMÁS A ingenuidade da infência no percurso profissional

A atitude que sempre tentei impor a mim própria era a Como ser expressivo e individual único, todos somos cons-
de respeito, sensibilidade e compreensão pelas diferentes trutores da nossa identidade, susceptíveis de fazermos es-
personalidades das crianças e os seus diferentes saberes. colhas e de termos o livre arbítrio de criarmos uma relação
Por vezes surgem situações que nos tocam e nos fazem dinâmica com o mundo que filtramos através dos nossos
pensar que vale a pena o que fazemos... sentidos. Esta é mensagem que temos de ter presentes
quando recebemos as crianças logo pela manhã.
Certo dia uma criança, ouvia atenta e comovia-se com
a história do patinho feio. Dias depois foi gratificante A expressão própria de cada ser é, então, uma manifes-
aperceber-me que a mãe passou a disponibilizar em tação de espírito criativo e expressivo e depende de, pelo
casa, momentos para contar histórias. menos, 3 condições: motivação interna, clima de comuni-
cação e liberdade. Cada ser humano torna-se, assim, um
Muitos outros episódios diários foram pesando na forma projecto que se vai edificando pela influência de escolhas
de desenvolver as minhas práticas, nomeadamente aten- baseadas em experiências pessoais e sociais. Nelas exis-
der as especificidades de compreensão de cada criança. tem dois pilares importantes que se interligam: a emoção
e a imaginação. São conceitos tantas vezes proibidos na
Recordo que um dia tínhamos estado a conversar sobre educação que tivemos. Era vulgar ouvir-se dizer “um ho-
o corpo humano e pedi-lhes que o desenhassem. Um mem não chora...” ou mesmo “pára mas é de sonhar...”
dos rapazes desenhou uma menina com saias, cabelo Porquê? Por que não podemos chorar ou sonhar? Ou sen-
comprido e laçarotes no cabelo. Ora eu fiquei a olhar tir, cheirar, tocar, agarrar, embalar, ouvir, desabafar, gritar,
para o trabalho sem saber o que pensar… Claro que lhe ter o direito a não estar; de sim, de não e de tanta coisa…
perguntei:
A emoção - acto necessário de relacionamento com o
- Então, Pedro, desenhaste uma menina? Ao que a mundo - revela-se todos os dias perante nós, educadores
criança respondeu: atentos.
- Sim! Tu pediste para desenhar o corpo do mano. Mas
como eu tenho só uma mana… Não me esquece o caso daquela criança de 5 anos que
havia já alguns dias calava consigo uma grande mágoa.
É evidente que o irónico da situação é que o meu empe- Não a desabafou de imediato e um dia, à hora de almoço
nho em elucidá-los sobre este assunto revelou-se, ainda numa cantina repleta de crianças ruidosas, chamou-me
que só para um, infrutífero. e tão simplesmente me disse:

Todos os dias, na nossa tarefa de educar, temos o prazer - Sabes, a minha mãe morreu!
de “sentir” as crianças com quem trabalhamos. Por ve-
zes, na pressa de atendermos às normas e regulamentos
Aquela verdade que ambas sabíamos e repartíamos em si-
lêncio com a cumplicidade de adulto para criança, revelou-
assola-nos a consciência de nos “esquecermos” de lhes
se de repente ali, no meio da confusão.
dar a liberdade de que necessitam para exercitarem a
imaginação e o seu poder criativo. Nós, os adultos que
Quem sabe se aquela revelação se deu ali por a dor ser
as oprimimos tantas vezes sem darmos conta de tal acto,
mais aliviada onde o nó na garganta e as nossas lágrimas
teremos de ter presentes as nossas limitações para to-
furtivas passam mais despercebidas, no meio da multidão.
marmos consciência do respeito que a criança nos merece
Quem sabe se aquele foi o momento e o local por, apenas,
na conquista do seu espaço e da sua formação.
já termos ouvido dizer que é feio chorar... E lá ficou ainda
aquele abraço que sinto todos os dias, com o mesmo calor,
O educador, apresentando-se de forma indirecta como
por ter partilhado aquela dor de gente ainda pequena mas
modelo, não pode ‘formatar’ à sua imagem as experiên-
de sinceridade tão aberta.
cias vividas; se modelo for que o seja pela sua autentici-
dade e simplicidade de levar um mundo variado de expe-
Olhamos depois à nossa volta e vemos nestas crianças que
riências para os seus pequenos alunos e deixar que sejam
se revelam todos os dias aqueles gestos aparentemen-
eles a escolher, a optar por modelos que lhes abram o
te estranhos, mas que representam as suas emoções, ou
mundo real que, por vezes, oniricamente se lhes apresen-
mesmo o seu quotidiano: ralhar com a boneca, fazer-se de
ta em forma de arte.
adulto (de professora, de mãe/pai, etc.); enfim: representar
o mundo que, de certa forma, ainda lhes é proibido viver. E,

92
na ponta de um lápis que faz brilhar um sol “amarelinho”
lá vem, também, a escolha de outras cores a revelarem
outros sentimentos nos desenhos da mãe/pai ou profes-
sor, porque, em nós, representamos o que nos é familiar.

Questiono-me muitas vezes e julgo que o meu papel, tem


que ser cada vez mais o de uma luz que está presente mas
difusa, sem apontar um foco que cegue.

Em tudo o que me surge e aprendo, tento escolher e


seguir a atitude que julgo mais coerente para um edu-
cador que orienta as suas práticas de modo a conciliar
os saberes das crianças e das suas famílias, o desejo das
instituições e da comunidade. Esta coerência deve ser
harmonizada sem deixar de reconhecer na criança um ser
único e, assim, respeitar as suas características individuais
como parte integrante do processo educativo (ME/DEB,
1997:15).

A utopia continua a ser atingir uma coerência entre o


meu discurso e a minha prática. Se em educação tudo é
susceptível de reflexão, análise e avaliação, julgo que é a
constante procura da verdade que, humildemente, me faz
achar o sentido da vida.

Bibliografia consultada e de referência


Torrado, António (2002). Da escola sem sentido à escola
Alarcão, Isabel (1996). Formação Reflexiva de Professores dos sentidos (3.ª edição). Lisboa: Caminho.
- Estratégias de Supervisão. Porto: Porto Editora.
Zeichner, Kenneth M. (1993) A formação reflexiva de pro-
Freire, Paulo (1997). Pedagogia da Autonomia - Saberes fessores: ideias e práticas. Lisboa: Educa.
necessários à prática educativa (5.ª Edição). São Paulo
(Brasil): Edições Paz e Terra.

Gama, Sebastião (1967) Diário. Lisboa: Ática.

Katz, Lilian G. (1972). “Development Stages of Preschool


Teachers”, In Elementary School Journal (73, #1). Colum-
bia (USA): Univ. Missouri, pp. 50-54.

ME/DEB (1997). Orientações Curriculares para a Educa-


ção Pré-Escolar. Lisboa: Núcleo de Educação Pré-Escolar,
DEB/Ministério da Educação.

Nóvoa, António (org.) (1992). Vidas de Professores. Porto:


Porto Editora.

Nóvoa, António (org.) (1996). Os professores e as his-


tórias da sua vida. (2.ª edição). Porto: Porto Editora, pp.
11-30.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


93
{
DIRECTOR EXECUTIVO DO CENTRO DE INVESTIGAÇÃO JOÃO DE DEUS

LUÍS MIGUEL LARCHER

CENTRO DE INVESTIGAÇÃO JOÃO DE DEUS


No passado dia 16 de Setembro, o director da Escola Superior de Educação João de Deus, Dr. António Ponces de Carva-
lho, assinou, nos termos do art. 5º do DL 125/99, a constituição e promulgação dos estatutos do Centro de Investigação
João de Deus, como núcleo autónomo da ESE João de Deus. Também no mesmo dia foi nomeada a primeira direcção.

O Centro de Investigação desenvol- 5. Resultados:


Preâmbulo verá seis tipos de apoio aos investi- garantirá a publicação regular de re-
gadores e aos projectos: latórios sobre os projectos em curso,
O Centro de Investigação João de bem como a concretização de rela-
Deus é um serviço da Escola Superior 1. Investigação Científica: tórios finais de todos os projectos de
de Educação João de Deus, onde se a partir do estabelecimento de con- investigação desenvolvidos, os quais
desenvolverá o apoio e o acompanha- tactos internos entre as diversas áreas serão enviados e ficarão à disposição
mento aos projectos e à investigação de saber que compõem a Escola Supe- da Direcção da Escola Superior de Edu-
levados a efeito pelas suas diversas rior de Educação João de Deus, com os cação João de Deus, para depois, mer-
áreas de saber e leccionação. A ideia seus Conselho Científico e Gabinete cê de apoios ou via Internet, serem
base deste serviço é a de que a quali- de Comunicação e com a Associação editados ou divulgados;
dade académica da ESEJD, obviamente João de Deus, de modo a tornar o mais
correspondente à capacidade de exe- 6. Divulgação:
abrangentes, qualificados e eficazes os
cução científica de projectos por parte resultados dos projectos de investiga- compromete-se a organizar e a divul-
do seu corpo docente, deverá fundar- ção que acompanha; gar a apresentação dos resultados dos
se em intervenções cientificamente seus estudos e projectos científicos.
qualificadas na sociedade portuguesa, 2. Contactos Externos:
a partir de estudos e ideias que per- promoverá e estabelecerá contactos
mitam experimentar as soluções en-
contradas nas diversas áreas de saber,
com universidades, instituições e ins-
titutos, fundações, centros de estudo
Estatutos
promovendo, ao mesmo tempo, uma e investigação, escolas, empresas e CAPÍTULO I
intervenção concertada de nível pro- autarquias, em Portugal e no estran-
fissional. geiro, que possam contribuir, a partir NATUREZA E CONSTITUIÇÃO
da sua experiência ou da sua activi- Artigo 1º
Este Centro de Investigação pressu-
dade científica, para a qualidade dos
põe o desenvolvimento de contactos Definição
resultados obtidos;
que facilitem a concretização dos pro-
O Centro de Investigação João de
jectos a dois níveis: Interno, dentro 3. Acompanhamento
Deus, adiante designado por CIJD, é
da ESEJD, a partir do estabelecimen- dos Projectos:
o Centro de Investigação da Escola
to de uma ponte interdisciplinar que
promoverá os contactos que garan- Superior de Educação João de Deus
garanta a rentabilização do potencial
tam a funcionalidade física dos pro- que tem por função a coordenação e
científico das diversas áreas de saber
jectos de investigação, bem como a a promoção de estudos e projectos de
aqui desenvolvidas; e Externo, através
correspondência entre as expectativas investigação nos diversos domínios de
do estabelecimento de contactos e de
criadas pela sua criação e a qualidade conhecimento em educação.
estratégias que facilitem o assegurar
dos resultados;
dos meios logísticos, financeiros e hu- Artigo 2º
manos, para a concretização dos pro- 4. Formação: Objectivos gerais
jectos. O que pressupõe a sua integra- promoverá conferências, seminários,
ção em projectos de âmbito nacional e São objectivos gerais do CIJD:
debates e palestras nas áreas de in-
internacional, especialmente da União vestigação ou sobre os projectos em 1. Promover, desencadear e apoiar
Europeia. investigação; estudos e projectos de investigação

94
nas diversas áreas da educação, assim nos Domínios de Conhecimento do 18. Ecologia e Educação Ambiental
como colaborar e promover progra- Centro.
19. Biologia Marítima e Cultivos Aquá-
mas de investigação científica, com
5. Publicação de uma Revista Trimes- ticos
vista à obtenção de graus académicos.
tral Temática e de uma Revista com
2. Apoiar a dinâmica científica dos ci- Publicação de Teses e Trabalhos de In- Artigo 5º
clos de estudo na Escola Superior de vestigação do Centro. Membros
Educação João de Deus. Poderão ser membros do CIJD:
6. Continuação do Projecto Editorial
3. Promover a disseminação, divul- da Escola Superior de Educação João 1. Todos os professores da Escola Su-
gação e visibilidade da investigação de Deus, com a publicação de estudos perior de Educação João de Deus, de-
desenvolvida, ou em curso, na Escola do Centro, de Docentes e sobre a iden- vendo, no entanto e preferencialmen-
Superior de Educação João de Deus, tidade, objecto e objectivos da Asso- te, os projectos de investigação serem
apoiando os projectos científicos. ciação de Jardins Escola João de Deus. dirigidos por um doutorado.
4. Estimular a actividade científica dos 7. Organização e Preparação de Coló- 2. Professores doutorados de outras
docentes da Escola Superior de Educa- quios, Conferências e Congressos no Instituições de ensino superior, assim
ção João de Deus, promovendo a sua âmbito da Escola Superior de Educa- como outros investigadores, nas áreas
participação em actividades de carác- ção João de Deus. acima referidas.
ter científico e a realização de confe-
8. Estabelecer Protocolos, Contratos- 3. Personalidades de reconhecido mé-
rências, seminários e debates.
programa e Contratos de prestação de rito nas áreas de investigação do CIJD.
5. A associação e colaboração com serviços.
instituições ou organizações nacionais 4. Em todos os casos, tal qualidade
e estrangeiras que prossigam objecti-
Artigo 4º adquire-se por convite da Direcção ou
vos semelhantes, de natureza pública Áreas de Investigação por proposta do interessado que ve-
ou privada. nha a ser aprovada pela Direcção.
São áreas de Investigação do CIJD:
6. Assegurar a prestação de serviços 5. Perde esta qualidade quem o solici-
1. Desenvolvimento Curricular e Cog-
ao exterior, incluindo-se neste âmbito tar ou quem violar as regras deontoló-
nitivo
estudos e serviços de consultadoria, gicas, a missão e os fins da actividade
nomeadamente às instituições com 2. Projecto Educativo e Didáctico do CIJD, sob proposta da Direcção.
quem a Escola Superior de Educação 3. Organização e Coordenação Escolar
João de Deus mantém relações de na-
4. Avaliação
tureza pedagógica e profissional, de CAPÍTULO II
forma privilegiada à Associação de 5. Pedagogias e Metodologias
ÓRGÃOS
Jardins Escola João de Deus.
6. Metodologia João de Deus e Carti-
7. Participação em projectos e progra- lha Artigo 6º
mas de I&D nacionais e internacionais, Enunciado
7. Matemática e Materiais
promovendo o intercâmbio científico. São Órgãos do CIJD a Direcção, o
8. Metodologia da Aprendizagem das Conselho Científico e a Comissão de
Artigo 3º Ciências Acompanhamento Científico.
Objectivos Específicos
9. Bioética, Ética e Deontologia Artigo 7º
São objectivos específicos do CIJD:
10. Desenvolvimento e Espiritualidade Direcção
1. Sustentação e adaptação do Pro- Infantil
jecto Educativo da Escola Superior 1. O CIJD é administrado por uma Di-
de Educação João de Deus, com a sua 11. Relação Escola-Família-Comuni- recção constituída por um Director e
sustentação teórica e resposta aos dade um Director Executivo.
desafios e às questões que vão sendo 12. Educação da Infância 2. O Director do CIJD será conco-
colocadas pela Sociedade Contempo- mitantemente o Director da Escola
rânea. 13. Supervisão Pedagógica
Superior de Educação João de Deus,
2. Elaboração de um Projecto Educati- 14. Promoção e Mediação da Leitura terminando o seu mandato quando
vo e Didáctico para o Século XXI. deixar estas funções.
15. Educação Especial
3. Elaboração de Modelos de Aprendi- 3. O Director Executivo será indicado
16. Educação e Projectos Educativos
zagem, de Projectos Curriculares e de pelo Director do CIJD, tendo de ser
nos PALOP
Metodologias. doutorado, sendo o seu mandato de
17. Projectos e Intervenção Comuni- quatro anos, prorrogáveis por igual
4. Elaboração de Estudos e Pareceres tária período.

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


95
LUÍS MIGUEL LARCHER Centro de Investigação João de Deus

Artigo 8º 2. Estabelecer linhas gerais da política Artigo 14º


Competências da Direcção de investigação do CIJD. Projectos de Investigação
Compete à Direcção do CIJD: 3. Dar parecer sobre a admissão de no- Definição dos Projectos de Investigação:
vos elementos.
1. A este órgão compete a gestão admi- 1. Consideram-se projectos de investi-
nistrativa e financeira do CIJD. 4. Dar parecer sobre a proposta do Pla- gação as actividades de investigação que
no de Actividades. visem objectivos bem definidos, de dura-
2. Elaborar o Plano e o Relatório anual
5. Apreciar o Relatório de Actividades ção limitada e de execução programada no
de Actividades.
bem como o respectivo Orçamento. tempo.
3. Elaborar a proposta de Orçamento e
6. A pedido da Direcção dar parecer so- 2. Os projectos de investigação correspon-
o relatório de Contas.
bre as propostas de Projectos de Inves- dem às áreas de investigação e aos objec-
4. Representar o CIJD. tigação. tivos do CIJD.
5. Coordenar as actividades do CIJD. Artigo 11º 3. São projectos do CIJD todos os que fo-
6. Deliberar sobre os projectos de inves- Comissão de Acompanhamento rem devidamente aprovados pela Direc-
tigação que lhe sejam propostos. Científico ção.
7. Fazer o acompanhamento e a avalia- 4. Findo o período previsto de execução
A Comissão de Acompanhamento Cien-
ção do desenvolvimento dos projectos do projecto de investigação, excepto nos
tífico será constituída por personalida-
de investigação em curso. casos em que a Direcção decidir prolongar
des de reconhecido mérito nos domí-
esse período, o investigador coordenador
8. Promover as candidaturas dos projec- nios de conhecimento do CIJD, devendo
do projecto terá de apresentar o respecti-
tos do CIJD a financiamentos externos. sempre que possível incluir investiga-
vo relatório científico e financeiro.
9. Estabelecer Protocolos, Contratos- dores estrangeiros, sendo os seus mem-
bros propostos pela Direcção, ouvido o Artigo 15º
programa e Contratos de prestação de
serviços. Conselho Científico. Omissões
10. Colaborar nos Projectos Editoriais Artigo 12º As omissões aos presentes Estatutos serão
da Escola Superior de Educação João de supridas mediante recurso aos Estatutos
Competências da Comissão de da Escola Superior de Educação João de
Deus.
Acompanhamento Científico Deus.
11. Organizar e divulgar a apresentação
dos resultados dos estudos e projectos Compete à Comissão de Acompanha- Artigo 16º
de investigação do CIJD. mento Científico analisar o funciona- Entrada em Vigor
mento do CIJD, emitir pareceres anuais
12. Organizar conferências, seminários sobre os respectivos Planos e Relatórios Este regulamento entra em vigor no dia se-
e debates. de actividade científica, assim como guinte ao da sua homologação.
Artigo 9º avaliar os resultados do trabalho desen-
Conselho Científico volvido. Está a realizar-se, no âmbito de Centro de In-
vestigação João de Deus, um estudo sobre a
1. O Conselho Científico é constituído incidência comparativa de doenças nas crian-
por todos os membros doutorados do CAPÍTULO III ças que frequentam as creches e os jardins-de-
CIJD. infância, da Associação de Jardins-Escola João
FUNCIONAMENTO de Deus.
2. O Presidente do Conselho Científico
será sempre um professor doutorado, Tendo como objectivo comparar a incidência
nomeado pelo Director do CIJD. Artigo 13º de doenças em crianças que frequentaram, ou
não, no seu percurso académico a creche ou
Artigo 10º Actividades jardim-de-infância, e ter, assim, uma partici-
Competências do Conselho Todas as actividades do CIJD pautar- pação qualificada no debate hodierno sobre a
Científico se-ão pelas regras e procedimentos es- bondade e a aquisição de imunidade a deter-
minadas doenças de infância, o estudo conta já
tatuídos pela Fundação para a Ciência
Compete ao Conselho Científico do com cerca de 4500 resultados de crianças que
e Tecnologia nomeadamente, Regula-
CIJD: frequentam as creches e os jardim-de-infância
mento do Programa de Financiamento do universo João de Deus, espalhados pelo país.
1. Assegurar a articulação com o Con- Plurianual de Unidades de I&D, Normas
Os resultados estão a ser trabalhados, com a
selho Científico da Escola Superior de de Execução Financeira e Instruções re- elaboração da sua interpretação e a respectiva
Educação João de Deus, bem como com lativas ao Relatório de Actividades, Re- fundamentação teórico-científica, e serão apre-
a Comissão de Acompanhamento Cien- latório Financeiro, Plano de Actividades sentados na Escola Superior de Educação João
tífico do CIJD. e Orçamento. de Deus.

96
CENTRO DE FORMAÇÃO DA ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO
JOÃO DE DEUS CENTRO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES

Acções de Formação (AF) acreditadas (CCPFC/Univ. Minho)


ORD.
APROV. IDENTIFICAÇÃO DA ACÇÃO
NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS - INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA
19 Destinatários: Educadores de Infância, Professores dos Ensinos Básico e Secundário e Professores de Educação Especial
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-63230/10 Validade: seg, 2013-05-20

EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E CIDADANIA


18 Destinatários: Educadores de Infância e Professores do Ensino Básico
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-63166/10 Validade: seg, 2013-05-20

A EDUCAÇÃO FÍSICA COMO PRÁTICA FACILITADORA DE APRENDIZAGEM NO JARDIM DE INFÂNCIA E NOS 1º E 2º CICLOS DO ENSINO BÁSICO
17 Destinatários: Professores dos Grupos 100, 110 e 260
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-63232/10 Validade: seg, 2013-05-20
O JOGO COMO FACTOR FACILITADOR DA APRENDIZAGEM NO JARDIM DE INFÂNCIA E NOS 1º E 2º CICLOS DO ENSINO BÁSICO
16 Destinatários: Educadores de Infância e Professores dos 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-63161/10 Validade: seg, 2013-05-20
CERÂMICA - NOVAS TÉCNICAS DE DECORAÇÃO E REVESTIMENTO
15 Destinatários: Professores dos Grupos 100, 110, 240, 530 e 600
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-62925/10 Validade: sáb, 2013-05-04
AVALIAÇÃO COMPREENSIVA, PLANIFICAÇÃO E INTERVENÇÃO COM ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS
14 Destinatários: Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-63115/10 Validade: sex, 2013-04-26
RESPONDER À DIVERSIDADE: ESTRATÉGIAS PARA SALAS DE AULA INCLUSIVAS
13 Destinatários: Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-63114/10 Validade: sex, 2013-04-26
DANÇAS HISTÓRICAS E TRADICIONAIS
12 Destinatários: Educadores de Infância e Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-63088/10 Validade: sex, 2013-04-26
LITERATURA INFANTIL - ESCRITA CRIATIVA
11 Destinatários: Professores dos Grupos 110, 200, 210 e 220
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-63089/10 Validade: sex, 2013-04-26
PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO/PERIGO
10 Destinatários: Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-63113/10 Validade: sex, 2013-04-26
COMPORTAMENTOS PROBLEMÁTICOS - OUTROS OLHARES, NOVAS INTERVENÇÕES
9 Destinatários: Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-63112/10 Validade: sex, 2013-04-26
UM LABORATÓRIO NATURAL: A ZONA ENTRE MARÉS
8 Destinatários: Professores dos Grupos 230 e 520
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-62724/1 Validade: sáb, 2013-04-20
FANTOCHES - EDUCAR PARA A CIDADANIA
7 Destinatários: Professores dos Grupos 100, 110 e 240
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-62840/10 Validade: sáb, 2013-04-20
DOCUMENTOS DIGITAIS NA SALA DE AULA
6 Destinatários: Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário
Nº de créditos: 1,2 Registo nº CCPFC/ACC-59335/09 Validade: dom, 2012-10-14
INICIAÇÃO À LEITURA: O MÉTODO JOÃO DE DEUS
5 Destinatários: Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário
Nº de créditos: 1,2 Registo nº CCPFC/ACC-59334/09 Validade: dom, 2012-10-14
PAPEL DO TRABALHO PRÁTICO E EXPERIMENTAL NO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS PARA A LITERACIA CIENTÍFICA
4 Destinatários: Professores dos Grupos 100, 110, 230, 510 e 520
Nº de créditos: 2 Registo nº CCPFC/ACC-59337/09 Validade: dom, 2012-10-14
CONSTRUÇÃO DE ACTIVIDADES INTERACTIVAS DE SUPORTE À INICIAÇÃO DO INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA
3 Destinatários: Professores dos Ensinos Básico e Secundário
Nº de créditos: 2 Registo nº CCPFC/ACC-59336/09 Validade: dom, 2012-10-14
AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA GESTÃO E MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
2 Destinatários: Educadores de Infância, Professores dos Ensinos Básico e Secundário e Professores de Ensino à Distância
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-53085/08 Validade: qui, 2011-06-16
METODOLOGIA E DIDÁCTICA DA MATEMÁTICA - I
1 Destinatários: Educadores de Infância e Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico
Nº de créditos: 1 Registo nº CCPFC/ACC-53153/08 Validade: qui, 2011-05-26

ESE JOÃO DE DEUS EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO OUT. 2010


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Em declarações ao jornal International Herald Tribu-
ne (14/6/10), Frank Furstenberg, director da MacArthur
O SÍNDROME DE Foundation, defendeu que “Apareceu uma nova eta-
pa da vida onde os jovens já não são adolescentes, mas
também não são adultos”. O colunista David Brooks
PETER PAN baptizou esta etapa com o nome de “odisseia”, num ar-
tigo publicado no The New York Times (9/10/07). Du-
rante este tempo “estudam e interrompem estudos.
Vivem com amigos e em casa. Enamoram-se e desena-
moram-se. Experimentam um trabalho e depois outro”.
Uma das características que definem esta nova etapa
é a tendência a permanecer no ninho paterno. Nos Es-
tados Unidos, um quarto dos jovens brancos de 25 anos
viviam com os seus pais em 2007, em comparação com
um quinto que o fazia em 2000 e menos de um oitavo
em 1970. O prolongamento do tempo dedicado aos es-
tudos alarga também a dependência económica em rela-
ção aos pais. “Nos finais dos anos 90, os pais começaram
a gastar mais com os seus filhos na casa dos 20 anos do
que com os adolescentes”, explica Furstenberg. De acor-
do com um estudo da Universidade de Princeton e do
Brookings Institutution: “Cada vez mais, os empresários
são avessos a contratarem jovens sem uma boa prepara-
ção académica. Como alguns não chegam a completar os
seus estudos universitários, são relegados para uma vida
de permanente penúria; o mesmo pode acontecer aos que
obtêm um título universitário com classificações baixas”.
Outro dado significativo é que agora os jovens casam-se
mais tarde. Segundo um relatório recente do Pew Resear-
Desde há vários anos, alguns especialistas têm vindo ch Center, nos Estados Unidos a idade média para contrair
a avisar sobre o síndrome dos jovens que não que- matrimónio passou dos 23 anos, em 1980, para os 27 anos
rem crescer: atrasam as decisões importantes para dos rapazes e 26 das raparigas actualmente. Em 2007, os in-
evitarem as responsabilidades dos adultos. De acor- vestigadores da MacArthur Foundation investigaram sobre
do com estudos recentes, o auge desta tendência os motivos que levam os jovens a retardarem o casamen-
situa-se entre os 20 e os 34 anos. Em 1983, o psicó- to, e concluíram, depois de terem realizado 500 entrevistas
logo norte-americano utilizou a expressão síndrome em 4 cidades diferentes, que os jovens vêem o matrimó-
de Peter Pan para se referir aos jovens que se recusa- nio como a entrada na idade adulta. “Para esta geração, o
vam a dar o passo para a idade adulta. O seu sonho matrimónio é o culminar de um processo de crescimento
era permanecerem no “País do Nunca”, na expectati- através do qual os jovens vão adquirindo maturidade, segu-
va que os outros satisfizessem as suas necessidades. rança económica e, sobretudo, convicção de que encontra-
ram a pessoa com quem vão partilhar o resto da sua vida”.
Uma fonte com os dados sobre esta tendência entre
os jovens é o site da MacArthur Foundation Resarch Apesar de tudo, as entrevistas revelam uma mudança na
Network on Transitions to Adulthood, onde são pu- visão do matrimónio. “Em vez de o considerarem como a
blicados os resultados dos estudos efectuados por união de duas pessoas para formar um “nós” , agora casam-
investigadores que desde há vários anos se têm dedi- se sem deixarem de ser individuais. A nova lógica matrimo-
cado a esta temática. Segundo os inquéritos que têm nial é tu, eu e nós. Quase todos procuram uma pessoa que
feito entre os jovens norte-americanos (18-34 anos), a se encaixe no seu estilo de vida”. Esta concepção reflecte
maioria deles defendeu que um jovem se deveria con- bem a tese de Gary Cross, professor de história na Univer-
siderar emancipado e a trabalhar entre os 20 e os 22 sidade da Pensilvânia, no seu livro Men to Boys: The Making
anos, depois de terminados os estudos. Mas, na reali- of Modern Immaturity: “A cultura das crianças-adultos res-
dade, os mesmos que defendem esta ideia são os que ponde mais a um estilo de vida do que a uma etapa da vida”.
só tomam estas decisões muito depois dos 30 anos.

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MONTEPIO

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