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Fundamentos

Neste a r t i g o a b o r d a -
remos o desenvolvi-
DESCOBRINDO O
m e n t o d o c o n c e i t o de
i n c o n s c i e n t e , tal c o m o ENCOBRIMENTO
este se e n c o n t r a e l a b o -
rado no pensamento
de F r e u d . P r o c e d e r e m o s
DA DESCOBERTA
à e l a b o r a ç ã o d a s for-
mulações presentes no
p e r í o d o relativo aos
FREUDIANA:
" E s t u d o s sobre a H i s t e -
r i a " , na p r i m e i r a e na A PSICANÁLISE E A
segunda tópica freudia-
na. Finalmente, aborda-
r e m o s a p a r t i c u l a r lei-
"EGO PSYCHOLOGY"
t u r a e i n t e r p r e t a ç ã o efe-
t u a d a p e l a "Ego
Psychology" a r e s p e i t o
d a s f o r m u l a ç õ e s freu-
d i a n a s p r e s e n t e s na
"segunda tópica".
A d a p t a ç ã o ; ego; a u t o - Geselda B aratto
nomia; inconsciente;
recalque; id

DISCOVERING THE CO-


VERING OF THE
FREUDIAN DISCOVERY:
PSYCHOANAL YSIS AND
EGO PSYCHOLOGY
Abordaremos neste artigo a descoberta
In this article we
have proceeded towar-
fundamental efetuada por Freud, que se situa na
ds the development of
the concept of uncons-
o r i g e m de u m a tão nova q u a n t o revolucionária
ciousness, as it is spe-
cified in the Freudian
c o n c e p ç ã o do sujeito h u m a n o : o s u j e i t o do in-
thought.
consciente.
We have proceeded to-
wards the elaboration A descoberta do inconsciente pelo mestre aus-
of the current formula- tríaco Freud deu lugar a uma nova abordagem dos
tions over the period
processos psíquicos, do sofrimento m e n t a l , assim
related to the "studies
on history", in the como também inaugurou uma técnica específica de
first and "second to- abordá-los.
pics". In a final step, O conceito de inconsciente tem longa história
we will approach the
reading and interpreta-
na psicanálise, confundindo-se com sua própria his-
tion particle effected by tória, na justa e estrita medida em que se encontra
Ego Psychology regar- na base do seu s u r g i m e n t o . As p r i m e i r a s elabora-
ding the current Freu-
ções concernentes ao inconsciente na obra freudiana
dian formulations in
the second topic. datam do período relativo aos Estudos sobre a his¬
Adaptation; ego; auto- • Psicanalista; Professora/supervisora da Universidade do Vale
nomy; unconscious; do Irajaí - UNIVALI - departamento de psicologia e da
repression. Universidade de Blumenau - FURB. Mestre pela
Universidade Tuiuti em Psicologia Clínica.
teria. O que podemos denominar um segundo período tem lugar
no momento em que o "método hipnótico", enquanto método de
abordagem do inconsciente, é abandonado em favor do método da
"livre associação". Este segundo período é entrevisto pelo próprio
Freud como aquele no qual a psicanálise p r o p r i a m e n t e dita tem
lugar (Freud, 1914, p. 17). De fato, no seu interior Freud procede
à formalização conceituai do inconsciente, conferindo-lhe os con-
tornos teóricos específicos que permitem demarcar a especificidade
de elaboração que o inconsciente tem na psicanálise. Este segundo
período coincide, portanto, com a i n t r o d u ç ã o e a elaboração da
"primeira tópica freudiana". Nesta, Freud concebe o aparelho psí-
q u i c o sendo composto por três sistemas: o i n c o n s c i e n t e , o pré-
consciente e a consciência.
Na década de 20 tem lugar na obra freudiana o terceiro mo-
mento de síntese elaborativa sobre o inconsciente. No desenrolar
deste período, temos a palavra decisiva de Freud no tocante a sua
concepção do aparelho psíquico, fato este que constitui um momen-
to decisivo e fundamental para a história do movimento psicanalíti-
co, e no qual têm lugar às elaborações relativas à "segunda tópica
freudiana". Nesta, Freud introduz as novas instâncias tópicas do id,
e g o e s u p e r e g o , estabelecendo ainda as relações que estas entretêm
com o inconsciente, tal como formulado na primeira tópica.
Entretanto, a década de 20 é marcada por dois grandes even-
tos. O primeiro, a que já nos referimos, diz respeito ao movimen-
to revolucionário interno à própria psicanálise, que deu lugar ao
avanço freudiano que conduziu a elaboração da segunda tópica. O
segundo à particular leitura e interpretação que ela sofreu nos Es-
tados U n i d o s da América, o que deu lugar, por sua vez, a u m a
particular rota de desvio no que tange tanto aos princípios teóri-
cos quanto aos princípios técnicos da psicanálise. E justamente a
partir de uma certa interpretação conferida ao que Freud elabora
na segunda tópica que surge uma n e o - e s c o l a de psicanálise autode-
nominada: Psicologia Psicanalítica do Ego.
Nosso propósito é, por um lado, proceder ao desenvolvimen-
to das teses freudianas fundamentais relativas ao inconsciente. Isto
requer, a nosso ver, o atravessamento tanto da primeira quanto da
segunda tópica. Por outro lado, a r g u m e n t a r que j u s t a m e n t e em
torno do entendimento que a Psicologia Psicanalítica do Ego efe-
tuou a respeito da segunda tópica estabeleceu-se a rota de desvio
por ela traçada e percorrida. Desvio este responsável pelo distanci-
amento que ela guarda com relação à psicanálise.
No i n t u i t o de d e m a r c a r p o n t o s específicos em t o r n o dos
quais esse desvio se operou, procederemos ao desenvolvimento de
alguns conceitos que se revelam fundamentais para a referida escola,
pautando-os por aqueles que se reve- ta e as c o r r e n t e s p s i c o l ó g i c a s que
lam fundamentais no pensamento de dela se derivam.
Freud. Traçam-se, assim os delinea¬ É secular, no pensamento de al-
m e n t o s teóricos que d i s t i n g u e m e gumas tradições filosóficas, a noção
separam uma abordagem psicanalítica r e l a t i v a à e x i s t ê n c i a de p r o c e s s o s
sobre o sujeito de u m a a b o r d a g e m mentais que se desenrolariam à mar-
psicológica sobre o indivíduo. Efeti- gem da consciência. Não poucas cor-
vamente, a Psicologia Psicanalítica do rentes filosóficas postulam que, sob
Ego, ao conferir um valor supremo determinadas circunstâncias contin-
aos processos racionais conscientes e genciais, a própria consciência pode-
à faculdade de síntese sua, oferece- ria submeter-se a u m p r o c e s s o de
nos uma concepção psicológica sobre divisão. Esta noção deu lastro à idéia
o indivíduo. segundo a qual importantes parcelas
da atividade mental poderiam furtar-
se ao controle das atividades consci-
entes racionais, vindo a formar, as-
DESCOBRINDO O sim, a face obscura das paixões da
alma, de todos os modos homologa-
INCONSCIENTE da aos processos irracionais da men-
te. A noção de uma "consciência in-
Neste tópico versaremos sobre consciente", isto é, a idéia segundo
o percurso de evolução histórica do a qual a consciência poderia ser divi-
conceito de inconsciente, o que nos dida em duas partes simetricamente
p e r m i t i r á traçar o percurso teórico opostas, passíveis, em todo caso, de
que vai da i n t r o d u ç ã o da p r i m e i r a i n t e g r a l i z a ç ã o através da ( r e ) u n i ã o
à s e g u n d a tópica, estabelecendo as das partes separadas, porta em seu
relações fundamentais que entre am- bojo a a r g u m e n t a ç ã o , tão c l á s s i c a
bas se opera. q u a n t o c o n t e m p o r â n e a , de q u e o
O c o n c e i t o de i n c o n s c i e n t e próprio e característico da atividade
constitui o ponto em torno do qual mental normal é funcionar de forma
se ordena e sustenta o edifício teó- integrada. A consciência, compreen-
rico e t é c n i c o da p s i c a n á l i s e . Isto d i d a c o m o e i x o c e n t r a l em t o r n o
justifica que nos detenhamos sobre do qual g i r a m e ordenam-se todos
as teses f r e u d i a n a s c e n t r a i s acerca os p r o c e s s o s m e n t a i s , t e r i a c o m o
dele. Sobre a descoberta do inconsci- função p r i m o r d i a l levar a cabo os
ente, pode-se afirmar que ele consti- ditos processos de síntese e integrali-
tui u m divisor de águas, no que à zação da vida mental.
c o n c e p ç ã o de sujeito c o n c e r n e . O Tornou-se assim moeda corrente,
conceito de inconsciente faz função aceita por muitos teóricos, a noção
de b o r d a , d e m a r c a n d o a fronteira s e g u n d o a q u a l a c a r a c t e r í s t i c a da
entre u m a teoria do sujeito e u m a atividade consciente é apreender-se a
teoria do i n d i v í d u o . Isto é, a fron- si mesma através do movimento "re-
teira entre, por um lado, a psicanáli- flexivo". O movimento reflexivo, em
se e, por outro, a filosofia racionalis¬ que a consciência refletiria a si pró¬
pria, refletiria, em ato, o p r ó p r i o
eu. O sujeito racional é aquele ca-
paz n ã o s o m e n t e de pensar, m a s ,
sobretudo, é o que se mostra apto
a apreender-se a si p r ó p r i o c o m o
um ser pensante. Este foi o passo
inaugural dado por Descartes na cé-
lebre formulação "Penso, logo sou".
O passo c a r t e s i a n o c o n d u z i u bem
depressa a h o m o l o g a ç ã o do sujeito
ao ato de pensar e deste à consci-
ê n c i a . O p r ó p r i o da a t i v i d a d e de
pensamento, de acordo com este ra-
ciocínio, é ser consciente, logo, ra-
cional. O princípio segundo o
q u a l o sujeito é u m a " s u b s t â n c i a
pensante" i n t r o d u z , de u m só gol-
pe, a categoria de sujeito psicológi-
co, aquele que tem na consciência,
c o m p r e e n d i d a c o m o sede de co-
nhecimento imediato, sua morada e
na r a c i o n a l i d a d e , i n t e n c i o n a l i d a d e ,
autonomia, seus atributos.
A teoria do i n c o n s c i e n t e , tal
c o m o e l a b o r a d a por F r e u d , n a d a
deve às teorias filosóficas que se cal-
cam na noção de "uma consciência
inconsciente" (Freud, 1912). Freud,
ao subverter, com a descoberta do
inconsciente, a concepção clássica de
sujeito do conhecimento, tal como
i n a u g u r a d a por Descartes, põe em
cena uma dupla revolução. Primeira-
mente, ao afirmar que o inconscien-
te pensa, Freud desaloja a consciên-
cia como sede privilegiada do ato de
pensar, alterando assim o privilégio
c o n c e d i d o aos p e n s a m e n t o s racio-
n a i s . Em s e g u n d o l u g a r , p r o m o v e
uma ruptura tópica ao asseverar que
o ser e o pensar não se situam no
mesmo lugar. A não-convergência
t ó p i c a entre o ser e o p e n s a r faz
com que o sujeito f r e u d i a n o seja
marcado por uma irremediável cisão.
O sujeito é, para Freud, o rachado,
o d i v i d i d o : o que está posto à mar-
gem de um centro ordenador central,
como tal caracterizado por um d e s ¬
centramento radical. Para Freud, os
processos de atividades mentais não
se ordenam em torno da função da
consciência, logo, esta não pode ser
h o m o l o g a d a ao psíquico. É verdade
que a c o n s c i ê n c i a faz parte do psí-
quico, contudo, não o totaliza
(Freud, 1912, p. 327).
Freud i n t r o d u z a concepção de
uma ordem, de um sistema, perfeita-
mente capaz de i n s t i t u i r e elaborar
pensamentos que subsistem à margem
da c o n s c i ê n c i a . Este s i s t e m a n ã o é
outro senão o próprio inconsciente.
Freud infrige ao h o m e m o terceiro
g r a n d e golpe capaz de abalar o seu
n a r c i s i s m o , c o l o c a n d o em p a u t a a
existência de uma ordem psíquica de
estatuto inconsciente. Freud postula a
presença, em cada sujeito, de proces-
sos de pensamentos que, ao se produ-
zirem à margem da consciência, são
regidos por leis lógicas que diferem
daquelas que regem os processos racio-
nais conscientes de pensamento. Con-
seqüência imediata e direta desta pro-
posição segundo a qual o inconscien-
te pensa é o fato de que o estado de
cisão psíquica ao qual o sujeito está
a t r e l a d o não constitui u m a contin-
gência desafortunada. O conceito
freudiano de sujeito remete à impos-
s i b i l i d a d e , desta vez e s t r u t u r a l , de
qualquer forma de síntese harmônica,
supostamente gerada e m a n t i d a pela
c o n s c i ê n c i a . O sujeito f r e u d i a n o é
habitado por pensamentos e desejos
que nele operam à revelia de qualquer
controle racional.
Entretanto, sabemos que essas elaborações relativas ao inconsci-
ente têm, na obra freudiana, u m a longa e laboriosa h i s t ó r i a de
construção. Seu percurso histórico tem início no período relativo
aos Estudos s o b r e a histeria, atravessa todas as elaborações concei-
tuais constituintes da primeira tópica e culmina com a introdução
da segunda. Abordaremos algumas idéias centrais desenvolvidas por
Freud relativas a cada um destes três períodos. Este procedimento
permitirá, na seqüência, estabelecer os pontos precisos em torno
dos quais a Psicologia Psicanalítica do Ego operou u m a rota de
desvio sem precedentes em relação aos postulados freudianos.
No período relativo aos Estudos s o b r e a histeria, a técnica
posta em curso por Freud era a da "sugestão hipnótica". O obje-
tivo desta era conduzir à "catarse" através da "ab-reação". A "suges-
tão h i p n ó t i c a " objetiva tornar consciente os eventos traumáticos
que se encontravam subjacentes aos sintomas. Os acontecimentos
t r a u m á t i c o s não ab-reagidos, deveriam receber expressão verbal,
meio pelo qual se produzir-se-ia a catarse.
A "ab-reação", sabemos hoje, consistia essencialmente em nome-
ar, simbolizar, pelo recurso à palavra, um real vivido não integra-
do ao sistema simbólico do sujeito.
Destacaremos alguns pontos teóricos, sustentáculos do método
hipnótico, no intuito de apontarmos o quanto constituem os ger¬
mens da futura teoria do inconsciente e do método da "livre as-
sociação".
Nesse período, Freud sustentava que, entre os s i n t o m a s e o
fator traumático que os presidia, havia uma relação associativa que
obedecia a uma ordem de "conexão causal s i m b ó l i c a " e que esta
encontrava-se perdida para o sujeito. Havia, por parte do sujeito,
uma "perda de memória" destes laços simbólicos, de forma que ele
era incapaz de relacionar a lembrança do trauma com seus sinto-
mas. Isto conduziu Freud a concluir que "os histéricos sofrem de
reminiscências" (Freud, 1893-5a, p. 48). Consoante ao que se elabo-
rava teoricamente neste período, tornar consciente o fator traumá-
tico consistia precisamente em restabelecer estas conexões simbólicas
perdidas, por meio do recurso à palavra. A despeito das múltiplas
versões psicologizantes que circulam, tornar consciente o inconsci-
ente sempre foi, para Freud, u m t r a b a l h o levado a efeito pela
"função da fala" (Freud, 1940a [1938], p. 187).
Contudo, Freud constata, nesse mesmo período, que para con-
duzir o paciente à verbalização das lembranças traumáticas, fazia-se
necessário u m certo esforço terapêutico. Este fato denotava que
tinha se lutar contra u m a força que se o p u n h a à r e m e m o r a ç ã o .
Freud denominou-a resistência. A resistência era a força que se
o p u n h a aos esforços do tratamento, assim como também era ela
que, desde o início, se havia opos- Ao e l a b o r a r a p r i m e i r a t ó p i c a ,
to à penetração das idéias traumá- Freud procede à rigorosa distinção en-
ticas na consciência, ou seja, que tre duas formas de conteúdos represen¬
se encontrava na base do recalque. t a c i o n a i s latentes: os latentes de mo-
Surge assim a teoria da defesa mento, capazes de se tornar conscien-
implicada no processo de recalque. tes, e aquele outro grupo de representa-
Nesta, Freud desenvolve a concep- ções l a t e n t e s , em q u e o e s f o r ç o de
ção de um conflito psíquico posto "atenção deliberada" em torná-los cons-
entre idéias inconscientes e o ego. cientes revela-se ineficaz e devem, por-
Um determinado grupo de idéias tanto, permanecer latentes e inacessíveis
"antitéticas" ou " i r r e c o n c i l i á v e i s " de forma direta. Freud demarca assim
com aquelas presentes no ego era, a diferença entre o uso descritivo e o
pela defesa envolvida no processo uso d i n â m i c o do termo inconsciente.
de recalque, afastado deste. A in- Razão pela qual ele é levado a designar
c o m p a t i b i l i d a d e do ego com tais o p r i m e i r o g r u p o de p r é - c o n s c i e n t e ,
idéias, e a conseqüente e x p u l s ã o reservando ao segundo grupo, exclusiva-
das mesmas de seu território, con- mente, o termo inconsciente.
duzia ao estado de c i s ã o psíquica. É no recalque que se encontra o ele-
O material expulso passava, desde mento operacional que exerce função di-
e n t ã o , a o r g a n i z a r - s e n u m a "se- ferenciadora entre, por um lado, os pro-
qüência de p e n s a m e n t o s " (Freud, cessos conscientes e pré-conscientes e, por
1893-5, p. 345) regida por uma ló- outro, os inconscientes. A propósito da
gica associativa diversa daquela ope- temática do recalque, no texto metapsico-
rante no ego e dele independente. lógico de 1915 "O recalcamento", Freud
Essas elaborações relativas à introduz uma distinção essencial entre o
teoria do r e c a l q u e c o n d u z e m recalque primário e o secundário.
Freud ao centro das argumentações O recalque p r i m á r i o i n t r o d u z no
presentes no interior da primeira registro da representação a pulsão, ou
tópica. Nesta, o recalque se estabe- seja, a pulsão e n q u a n t o representada,
lece como o mecanismo constituti- pois, "mesmo no inconsciente, um ins-
vo dos processos inconscientes. Na t i n t o n ã o p o d e ser r e p r e s e n t a d o de
primeira tópica o inconsciente se outra forma a não ser por uma idéia"
define inteiramente pelo recalque. (Freud, 1915a, p. 2 0 3 ) . É, p o r t a n t o ,
Ele é o operador necessário e sufi- pelo recalcamento p r i m á r i o que a pul-
c i e n t e pelo fato de que e x i s t a m são "encontra u m a primeira expressão
representações inconscientes; como psíquica" (Freud, 1940 [1938], p. 170).
tal é o r e s p o n s á v e l pela d i v i s ã o Temos de considerar, portanto, que não
psíquica em três sistemas: inconsci- é a pulsão, ela mesma, que ingressa no
ente, pré-consciente e consciência. psíquico, mas sim seus representantes.
"Obtemos assim o nosso con- O psíquico é o lugar que, por acolher
ceito de inconsciente a partir da os representantes da pulsão, i n a u g u r a
teoria da repressão. O r e p r i m i d o os processos inconscientes, instaurando,
é, p a r a nós, o p r o t ó t i p o do in- por seu turno, a divisão do a p a r e l h o
consciente" (Freud, 1923, p. 27). mental em três sistemas.
Lacan (1964, p. 206) assinala que
para Freud: "o recalcamento cai so-
bre algo que é da ordem da repre-
sentação, que ele d e n o m i n a V o r s t e ¬
llungsrepräsen tanz ".
O fato de que é pela represen-
tação que a p u l s ã o ingressa na or-
dem psíquica aponta toda a distância
que separa o inconsciente freudiano
de qualquer concepção que o assimi-
le ao i n a t o , ao o r g â n i c o , ao p ó l o
instintivo da esfera mental. Esta foi
em todo caso, c o m o veremos, a in-
terpretação conferida pela Psicologia
Psicanalítica do Ego ao inconsciente
freudiano.
Lacan, em seu "retorno" magis-
tral à obra freudiana, interpretará o
inconsciente freudiano à luz de sua
teoria do significante. Para ele, o re-
calcamento primário corresponde ao
m o m e n t o de i n s c r i ç ã o de u m pri-
meiro significante - o "significante
mestre" -, assim d e n o m i n a d o pelo
fato de que ele tem função de co-
mandar a cadeia significante, na justa
e estrita medida em que a engendra.
Lacan liga a emergência do inconsci-
ente à inscrição no registro psíquico
deste p r i m e i r o significante. Ele é o
efeito da i n c i d ê n c i a da l i n g u a g e m
sobre o futuro s u j e i t o , a q u e l e que
advém por ser banhado na estrutura
s i m b ó l i c a da l i n g u a g e m . O sujeito
l a c a n i a n o é o que deriva da teoria
do significante. Lacan faz a emergên-
cia do sujeito do inconsciente depen-
der, de u m lado, de u m a a l i e n a ç ã o
do vivente à l i n g u a g e m e, de outro,
do resultado de u m a perda, que ele
denomina o b j e t o a dupla condição
de e m e r g ê n c i a do s u j e i t o . S o b o
peso do significante, o sujeito surge
c o m o d i v i d i d o , m a s ele é a i n d a o
efeito de u m a p e r d a , ela p r ó p r i a
causada pelo signifícante.
Entretanto, o inconsciente, defi-
nido na primeira tópica como puro
sistema d i n â m i c o relacionai, requer
necessariamente a articulação entre o
recalcamento p r i m á r i o e o recalque
propriamente dito. A filiação simbó-
lica do sujeito depende do entrelaça-
mento que entre ambos se opera. O
que se depreende, correlacionando a
p r i m e i r a t ó p i c a com a s e g u n d a , é
que por meio do recalcamento pri-
mário tem origem a instância tópica
do id (es); quanto ao recalque pro-
p r i a m e n t e dito, ele incide sobre os
derivados psíquicos da pulsão primi-
tivamente recalcada, dando assim ori-
gem às instâncias tópicas narcísicas
do ego e do superego.

O inconsciente da primeira tó-


pica é apresentado por Freud como
i n t e i r a m e n t e c o n s t i t u í d o pelo pro-
cesso de recalcamento, ou seja, intei-
ramente constituído por representa-
ções tramadas em cadeia. O desloca-
mento e a condensação, leis que re-
gem os processos inconscientes, de-
terminam o modo de associação des-
tas representações entre si.
Essa n o ç ã o de r e p r e s e n t a ç õ e s
recalcadas, formando uma verdadeira
cadeia de acordo com leis que orde-
nam a forma de laço que elas entre¬
têm-se entre si, isto é, que determi-
n a m que seu m o d o de a r r a n j o e
composição não é obra do acaso, é
a noção mesma de dinâmica incons-
ciente. O inconsciente é puro jogo
combinatório, puro processo de sin-
taxe entre seus elementos representa-
cionais. Sublinhamos, portanto, que
o inconsciente freudiano é um siste-
ma ordenado e organizado de acor¬
do com as leis do deslocamento e da condensação; leis universais
que operam sobre representações singulares. Universalidade das leis
estruturais da sintaxe inconsciente, s i n g u l a r i d a d e dos elementos
sobre os quais elas incidem. Esta concepção do inconsciente presen-
te em Freud conduziu Lacan a afirmar que "O inconsciente é es-
truturado como uma l i n g u a g e m " (Lacan, 1964, p. 25), e que:
"Com Freud faz irrupção uma nova perspectiva que revoluci-
ona o estudo da subjetividade e que mostra j u s t a m e n t e que o
sujeito não se confunde com o indivíduo [...]. Freud nos diz - o
sujeito não é sua inteligência, não está no mesmo eixo, é excêntri-
co. O sujeito como tal, funcionando como um sujeito, é diferente
de um organismo que se adapta. O sujeito está descentrado com
relação ao i n d i v í d u o " (Lacan, 1954-5, p. 16)
Na primeira tópica Freud estabelece que o inconsciente é um
d o m í n i o particular, funcionando à margem da consciência, com-
posto essencialmente por representações de desejo indestrutíveis
originadas na mais tenra infância. Estas representações encontram
no recalque o operador que as promovem, instituem e possuem,
no deslocamento e na condensação, as leis determinantes de seus
sucessivos encadeamentos. Freud introduz, portanto, a noção de
u m sistema o r g a n i z a d o e caracterizado por modos próprios de
expressão, capaz de subsistir de forma a u t ô n o m a em relação à
consciência, fazendo desta mero efeito de superfície, tão fugaz
quanto ilusória.

O I N C O N S C I E N T E E A S E G U N D A TÓPICA
FREUDIANA

Na primeira tópica, inconsciente e recalque são elaborados por


Freud como conceitos correlatos e interdependentes. O inconsciente,
na sua concepção dinâmica, alude exclusivamente ao material recal-
cado. O inconsciente da primeira tópica define-se inteiramente pelo
conjunto de representações submetidas ao processo de recalque.
Ao elaborar a primeira tópica, Freud estabelece a distinção
entre duas formas de uso do termo inconsciente: a descritiva e
a d i n â m i c a . A segunda tópica é o resultado de u m a revisão te-
ó r i c a d a s e l a b o r a ç õ e s e f e t u a d a s até e n t ã o . No seu i n t e r i o r
Freud i n t r o d u z u m a "terceira acepção" do termo i n c o n s c i e n t e ,
aquela que se encontrava esboçada na i n t r o d u ç ã o de seu texto
metapsicológico de 1915, "O inconsciente", definido como não
participante.
Doravante, temos de considerar que o recalcado não totaliza
tudo aquilo que podemos abrigar sob a qualificação de inconsci-
ente. A terceira forma de uso do termo inconsciente, introduzi-
da por Freud leva-nos a concluir que o mesmo vai além do ma-
terial recalcado.
O recalcado constitui-se na borda do que, das pulsões, pode
ser capturado pelo aparelho psíquico. Aquém do inconsciente recal-
cado, lugar da ordem em oposição ao caos p u l s i o n a l , temos as
puras intensidades pulsionais dispersas. Esta forma da pulsão n u m
aquém de toda e qualquer forma de representação e, portanto, de
toda e qualquer forma de organização, Freud denominou "pulsão
de morte". Portanto, o salto revolucionário, desta vez interno à
própria psicanálise, praticado por Freud no tocante à segunda tó-
pica reside na introdução do conceito de "pulsão de morte". De
acordo com Chemama (s.d., p. 180), o avanço efetuado por Freud
em Além do princípio do prazer, com a i n t r o d u ç ã o do conceito
de pulsão de morte, "forneceu a Lacan o melhor ponto de parti-
da possível para introduzir o seu próprio conceito de real."
A partir da segunda tópica, temos de conceber, portanto, que
o inconsciente não coincide mais com o sistema de representações
recalcadas.
As "noções suplementares" introduzidas por Freud nos anos
20, constituem u m marco decisivo para a história do desenvolvi-
mento da psicanálise. No seu interior somos surpreendidos por
u m a série de remanejamentos teóricos e técnicos, como também
por importantes alterações no que tange à concepção freudiana do
aparelho psíquico.
No tocante à concepção sempre dualista de Freud, a suprema-
cia do conflito intersistêmico cede lugar ao conflito da dualidade
de forças opostas entre pulsões de vida e pulsões de morte. A con-
seqüência inevitável desta descoberta conduz Freud a postular que
o "princípio do prazer" não regula mais de forma exclusiva a eco-
n o m i a do aparelho psíquico. Permanece verdadeira a proposição
que assevera que o "princípio do prazer" constitui u m princípio
de regulação psíquica, que visa manter a tensão no aparelho no
nível mais baixo possível. Entretanto, o conceito de "pulsão de
morte" aponta que ele não reina mais de forma absoluta: o "além
do princípio do prazer" com ele concorre e a ele se opõe.
As elaborações da segunda tópica conduzem Freud a asseverar
a i n d a q u e as leis do "processo p r i m á r i o " , leis q u e d e f i n e m o
modo característico de funcionamento do inconsciente na primeira
tópica, passam agora a caracterizar as novas instâncias tópicas do
i s s o , eu e supereu. O inconsciente torna-se, doravante, um atributo
adjetivo capaz de qualificar cada uma destas novas instâncias.
A s e g u n d a t ó p i c a , l o n g e de
c o n s t i t u i r u m a b a n d o n o do q u e
Freud elaborara no tocante à primei-
ra, consiste em uma série de elabora-
ções que reafirmam a supremacia con-
ferida aos processos i n c o n s c i e n t e s .
T u d o o que Freud a f i r m a r a sobre
eles nos anos anteriores se mantém,
acrescido agora do fato de que, ao
lado dos representantes da pulsão pre-
sentes no i s s o , o inconsciente abriga
ainda um conjunto de representações
provenientes de identificações consti-
tutivas das i n s t â n c i a s n a r c í s i c a s . A
descoberta de que o atributo de ser
inconsciente não é mais exclusivo do
pólo p u l s i o n a l c o n d u z Freud a de-
s i g n a r o l u g a r da p u l s ã o c o m o
n o m e de isso ( e s ) . De a c o r d o com
P o m m i e r (1990, p. 24) o isso vem
ocupar o lugar do que na p r i m e i r a
tópica correspondia ao recalcamento
originário.
Pelo recalcamento o r i g i n á r i o a
pulsão ingressa no registro psíquico
sob a forma de um primeiro "repre-
sentante psíquico", dando assim ori-
gem a um primeiro símbolo inconsci-
ente encarregado de celebrar, por sua
presença, a perda do objeto absoluto,
instaurando-o como "objeto perdido".
O "objeto p e r d i d o " não faz re-
ferência a nenhum objeto da realida-
de m u n d a n a . Não é t a m p o u c o u m
objeto de necessidade. Ele não é de
fato um objeto, no sentido de obje-
to comum existente no mundo, deste
m o d o ele jamais foi u m objeto que
participou um dia das posses do su-
jeito. Paradoxalmente, o "objeto per-
dido" é o nome dado a uma "falta",
a um " v a z i o " alojado no centro do
inconsciente e em torno do qual se
tramam as representações.
O preço a ser pago pelo sujeito tica sempre, é o que se produz, por
para ex-sistir é u m a perda r a d i c a l , efeito de identificações narcísicas, no
instituída pela sua dependência e as¬ lugar desta falta. Temos, p o r t a n t o ,
sujeitamento à linguagem. De fato, o que aquilo que denominamos o nos-
que deriva da proposição l a c a n i a n a so ser é o efeito de uma construção,
segundo a qual "o significante repre- que não visa outra coisa senão paliar
senta o sujeito para outro significan¬ nossa irremediável "falta a ser". Toda
te" (Lacan, 1964, p. 150) é que um e q u a l q u e r representação, e n q u a n t o
significante não opera senão pela sua dimensão i m a g i n á r i a , não ocupa se-
relação a outro. O m í n i m o do signi¬ não simbolicamante o lugar desta fal-
ficante s e n d o d o i s , n ã o faz s e n ã o ta o r i g i n á r i a . É, p o r t a n t o , com re-
instituir o sujeito como rachado en- p r e s e n t a n t e s s u b s t i t u t o s do objeto
tre d o i s s i g n i f i c a n t e s , sujeito que, para sempre perdido que o inconsci-
por não constituir n e n h u m a entida- ente engendra-se e tece sua t r a m a .
de substancial, não pode apreender- No lugar do objeto absoluto, que é
se e nem mesmo definir-se a si pró- falta r a d i c a l , um s i g n i f i c a n t e o re-
prio. Pode tão-somente ser represen- presenta, instaurando assim a instân-
tando nesta remetência de um a ou- cia tópica do isso e i n t r o d u z i n d o o
tro s i g n i f i c a n t e . O s u j e i t o do in- sujeito n u m a d i m e n s ã o i n e r c i a l de
consciente está fadado a fazer de seus gozo, cuja característica é ser aberto,
sucessivos deslocamentos ao longo da infinito, isto é, indeterminado quan-
cadeia sua m o r a d a h a b i t u a l , já que to ao objeto, c o m o tal, fadado ao
tem nela adscrita a sua tópica. fracasso de sua c o n s u m a ç ã o , causa,
O sujeito em sua origem, sob o por sua vez, de sua inexorável repe-
peso e c o m o s u p o r t e da e s t r u t u r a t i ç ã o . No que a v i s a d a da p u l s ã o ,
da linguagem, caracteriza-se por sua sob a d o m i n â n c i a do p r i n c í p i o do
p o s i ç ã o objetai i n d e t e r m i n a d a n o prazer, é reencontrar o "objeto per-
fantasma. O fantasma fundamental dido", "o programa de tornar-se fe-
aponta-nos que o corte que separa o liz que o p r i n c í p i o do prazer nos
sujeito de seu objeto tem por efeito i m p õ e n ã o p o d e ser r e a l i z a d o "
i m e d i a t o escavar u m a abertura que (Freud, 1930[1929], p. 102).
ressoa, em cada sujeito, como causa As c a r a c t e r í s t i c a s a t r i b u í d a s à
de seu desejo, e que recebe na álge- pulsão na primeira tópica vêm carac-
bra lacaniana a denominação de "ob- terizar agora a instância do isso na
jeto a causa do desejo" (Lacan, 1964, segunda. O isso remete à noção de
p. 63), a respeito do qual Lacan nos uma instância impessoal, sem sujeito.
adverte que é não especular. Ele é p u r a e x i g ê n c i a de g o z o q u e
O r e c a l c a m e n t o p r i m á r i o tem não pode ser e n u n c i a d o em n o m e
c o m o efeito i m e d i a t o i n t r o d u z i r o próprio. Razão pela qual ele ressoa
sujeito como falta na estrutura, en- no sujeito como o Outro do desejo.
gendrando assim o desejo que é, por Se o isso determina-se pela sua inde-
seu turno, ocasião para o estabeleci- terminação quanto ao objeto, é n u m
mento do fantasma. O que tomamos espaço i m a g i n á r i o que seu objeto se
como nosso ser, de ordem fantasmᬠedifica. Sua construção depende, por¬
tanto, de representações advindas das funcionando de acordo com as leis
identificações narcísicas. É, pois, no que nele i m p e r a m . O estudo da se-
tempo do recalque secundário que se gunda tópica fornece a formalização
constrói u m objeto que se solda à cabal e precisa da indissolúvel rela-
pulsão. É na trama do fantasma que ção da pulsão com o eu, conferindo
o objeto da pulsão se arma e deter- a este seu estatuto de objeto libidi¬
m i n a . É ele, portanto, que impõe a nal na economia psíquica.
esta u m l i m i t e o r d e n a d o r à deriva Se o ego é, c o m Freud, m e r o
de seu percurso. prolongamento do i s s o , constituindo
O objeto do fantasma é um ob- parte integrante do próprio recalca-
jeto metafórico. Ele é construído com do, ele "não é nem unificado e nem
a missão de ocupar o lugar do "obje- u n i f i c a d o r " ( G a r c i a - R o s a , 1990, p.
to perdido", propondo-se em seu lu- 111). O ego é, em ú l t i m a instância,
gar. É no interior das malhas tecidas r e f e r i d o à r e a l i d a d e p s í q u i c a , tal
pelas representações fantasmáticas que como definida por Lacan: entrelaça-
se traça a rota que a pulsão trilhará mento dos registros real, simbólico e
na busca de seu gozo, marcando as- imaginário. É com a realidade fantas-
sim, a rota mesma da repetição. ma que o ego entretém a mais ínti-
O fantasma é, por definição, o ma relação, e não com alguma reali-
lugar em que se edifica para o sujeito dade tida por objetiva. As elabora-
uma certa versão matafórica do "obje- ções referentes ao eu (moi) na se-
to p e r d i d o " . É pois no i n t e r i o r de gunda tópica p e r m i t i r a m u m a saída
sua trama que uma certa imagem de resolutiva em relação às dificuldades
eu (moi) surge. Deste modo compre- de situar sua posição tópica no apa-
endemos que o eu (moi) constitui o relho psíquico.
objeto substituto privilegiado oferta- Com relação ainda à temática da
do ao gozo da pulsão, ocupando de segunda tópica, podemos concluir
fato o lugar deixado vago pelo "obje- que ela assenta a e s t r u t u r a do in-
to p e r d i d o " . Na s e g u n d a t ó p i c a consciente sobre a p u l s ã o , estabele-
Freud faz do processo identificatório cendo de forma precisa a função que
o mecanismo pelo qual opera-se a ins- no inconsciente c u m p r e m as repre-
tauração de representações inconscien- sentações. O inconsciente passa a ser
tes portadoras de um certo ideal de e n t r e v i s t o c o m o o l u g a r que, por
gozo para o sujeito. abrigar as representantes da pulsão,
De maneira cabal as formulações confere à esta sua quota de organiza-
alçadas por Freud na segunda tópica ção. São as representações as respon-
conduziram-no à descoberta de que sáveis por promover a captura e li-
"o ego é idêntico ao id sendo ape- gação das intensidades pulsionais. A
nas uma parte especialmente diferen- pulsão, enquanto pura potência dis-
c i a d a do m e s m o " (Freud, 1926 persa, exige a ação do recalque. O
[1925], p. 119), de sorte que apenas inconsciente recalcado se estabelece
u m a í n f i m a p a r c e l a do eu acha-se a s s i m c o m o l u g a r da o r d e m , em
abrangida pela consciência. O ego é, oposição à p u l s ã o , entrevista como
na sua m a i o r p a r t e , i n c o n s c i e n t e , lugar do caos e do acaso.
A PSICOLOGIA PSICANALÍTICA D O E G O

Muitos foram os autores que pretenderam encontrar na psica-


nálise o suporte e inspiração a partir da qual poderiam alçar suas
próprias teses. Isto deu lugar à proliferação de "escolas" ditas n e o p ¬
sicanalíticas, no interior destas a psicanálise passou a sofrer toda
sorte de ecletismo. Contemporaneamente assiste-se a uma multipli-
cidade de interpretações da obra freudiana. Estas, no mais das ve-
zes, partilham uma mesma marca característica: o desvio praticado
em relação ao conceito originário da psicanálise - o inconsciente.
O inconsciente é o nome dessa ferida produzida no narcisis-
mo do homem. É o nome dado ao sujeito tal como este é formu-
lado no campo psicanalítico originado em Freud - o sujeito divi-
dido. O inconsciente é, para Freud, como vimos, o lugar privile-
giado em que o pensamento se formula e institui enquanto pensa-
m e n t o o r g a n i z a d o e o r g a n i z a d o r do m u n d o e da subjetividade.
Entretanto, um desconhecimento completo desta noção de incons-
ciente c o n d u z i u a u m a verdadeira v u l g a r i z a ç ã o e, até m e s m o , à
mais completa degradação teórica e técnica da psicanálise.
Foi em torno do escamoteamento de todo campo fundado e
sustentado por Freud que teve origem nos Estados U n i d o s , nos
anos 20, período que coincide com a introdução da segunda tó-
pica freudiana, u m a n e o - e s c o l a de p s i c a n á l i s e . A nosso ver, ela
apresenta-se como modelo padrão exemplar dos desvios a que es-
teve sujeita a psicanálise nas mãos de teóricos afeitos ao ecletismo.
A importância desta escola reside, por um lado, no fato de que a
disseminação da psicanálise esteve por longo tempo sob seu co-
m a n d o e, por outro, no fato de que no seu interior praticou-se
uma particular rota de desvio e conseqüente d i s t a n c i a m e n t o em
relação à psicanálise.
Sob o peso dos novos rumos impressos à psicanálise por essa
escola, ela passou a ser apresentada sob novas e múltiplas facetas,
tanto no que tange à teoria quanto no que tange à técnica. A psi-
canálise passou, desde então, a ordenar-se em torno de novos ob-
jetivos, novos métodos de investigação da atividade mental (como,
por exemplo, o empírico), novos conceitos, novas técnicas terapêu-
ticas. Em função desta pluralidade de "inovações", marcadas todas
por uma galopante psicologização da psicanálise, surge uma n e o -
e s c o l a de psicanálise: a Psicologia Psicanalítica do Ego. Como vere-
mos, esta nova denominação faz jus tanto às teorizações quanto ao
arsenal técnico que no seu interior se originaram.
Esclarecemos que o desvio e o distanciamento operados pelos
teóricos do ego em relação à psicanálise ordenaram-se precisamente
em t o r n o do escamoteamento do ricos que, i m b u i n d o - s e do espírito
i n c o n s c i e n t e e do recalque que lhe americano e de suas teses impressas
dá lugar. O desvio posto em prática sobre a psicanálise, até o ponto de
r a d i c a p r e c i s a m e n t e em t o r n o de encobri-la por completo, dão a suas
u m a m i n i m i z a ç ã o do inconsciente, próprias formulações a denominação
em favor de um privilégio conferido de teorias de "base" ou de "inspira-
ao ego. Para essa escola, o ego é, ção" psicanalítica, reivindicando assim
por u m l a d o , c o m p r e e n d i d o c o m o uma filiação ao campo freudiano.
sede dos processos racionais conscien- O fato m a i s notável é que no
tes e, p o r o u t r o , d e f i n i d o c o m o i n t e r i o r da P s i c o l o g i a P s i c a n a l í t i c a
eixo ordenador central dos processos do Ego, assim como na proliferação
psíquicos. Sua função essencial: pro- de teorias m a r g i n a i s a que esta deu
mover a adaptação do i n d i v í d u o ao lugar, o conceito e até mesmo a pró-
seu meio ambiente. p r i a m e n ç ã o do i n c o n s c i e n t e foi,
E n t r e t a n t o , o c o n c e i t o de in- p o u c o a p o u c o , sendo a b o l i d o do
c o n s c i e n t e f r e u d i a n o e de d i v i s ã o seu a r c a b o u ç o t e ó r i c o e t é c n i c o .
psíquica que lhe é correlato respon- Q u a n d o a ele fazem menção, é para
de, em psicanálise, à noção de que homologá-lo aos ditos processos men-
não há centro ordenador central no tais irracionais, opostos, por sua vez,
psiquismo. Responde, portanto, à à r a c i o n a l i d a d e do ego. A rota de
noção de um descentramento radical desvio praticada pela Psicologia Psi-
que afeta o sujeito. canalítica do Ego encontra-se no jus-
Referimo-nos nas páginas prece- to ponto em que o conceito de in-
dentes ao fato de que a noção de su- consciente é a b a n d o n a d o , em favor
jeito inaugurada por Freud tinha por do conceito de ego consciente. Há,
intenção subverter a noção clássica de portanto, um deslocamento e uma
indivíduo, aquela segundo a qual os substituição conceitual.
processos racionais conscientes consti- É no ponto em que u m a certa
t u i r i a m o centro em torno do qual "tradição desviante" da obra e, por-
g r a v i t a r i a a s u b j e t i v i d a d e . Isto é, tanto, do dizer freudiano passou a
Freud subverte a noção de que a per- ser dominante no cenário psicanalíti-
sonalidade seja uma unidade coesa ges¬ co, no justo p o n t o em que a rele-
tada e mantida pelo eu consciente. vância conferida por Freud aos pro-
A recolocação em cena da ho- cessos inconscientes e ao mecanismo
mologação do eu à função de cons- do r e c a l q u e q u e o i n s t i t u i sofre
c i ê n c i a , por toda u m a g e r a ç ã o de u m a m i n i m i z a ç ã o , que tem lugar o
analistas que sucederam Freud, foi o deslocamento do eixo em torno do
maior paradoxo efetuado em relação qual a "nova" psicanálise passa a or-
aos pressupostos psicanalíticos freudi- denar-se. O inconsciente é abandona-
anos, convertendo-se n u m a rota de do, em seu lugar surge a noção de
desvio cujos rumores fazem-se ainda ego forte, consciente, racional, autô-
ouvir em nossos dias, sobremaneira nomo, "esfera livre de conflito".
em não poucos círculos acadêmicos. No interior das elaborações teó-
Efetivamente, não são poucos os teó- ricas c u n h a d a s pela P s i c o l o g i a do
Ego, os ditos " p r o g r e s s o s " por ela ma inconsciente, assim como estabe-
impressos à psicanálise ordenaram-se lecer as relações de dependência que
justamente em torno do m o d o pró- o m e s m o entretém com o isso e o
prio e característico de conceberem superego.
o ego. É isto, aliás, que caracteriza Entretanto, um desconhecimento
esta escola como n e o . Nesta escola, o completo de que em Freud o ego é,
ego, tal como é concebido, está en- precisamente na segunda tópica, tri-
r a i z a d o n a f u n ç ã o c o n s c i ê n c i a e, b u t á r i o do isso na m e d i d a em que
portanto, calcado na função racional. dele deriva, não sendo, portanto, ou-
Essa virada teórica veio refletir- tra coisa que um mero prolongamen-
se de m a n e i r a p o n t u a l no m a n e j o to do mesmo e, como tal, atrelado
técnico, posta a í n t i m a relação que ao sistema inconsciente, conduziu os
os une. A elevação do ego à catego- teóricos do ego a levarem a efeito
ria de ó r g ã o e x e c u t i v o c e n t r a l de u m r e d u c i o n i s m o dos fundamentos
todos os processos psíquicos; sua ele- da psicanálise, que tomou a forma de
vação à função de centro organiza- uma supremacia conferida ao ego.
dor da assim denominada "personali- A c o m u n i d a d e de analistas de-
dade total", resultou na criação de fensores da P s i c o l o g i a do Ego, ao
u m a técnica centrada na função da fazerem do mesmo e das m ú l t i p l a s
consciência, com vistas a promover funções que o i n t e g r a m o n ú c l e o
o f o r t a l e c i m e n t o do ego contra as central de suas teses, alçaram um sis-
"forças instintivas do id". Abriram- t e m a t e ó r i c o v e i c u l a d o r de u m a
se assim as vias por onde a psicaná- crença inabalável conferida aos ditos
lise teve que curvar-se aos novos ob- processos racionais.
jetivos e finalidades terapêuticas: os De acordo com Lacan:
ortopédicos. " F r e u d i n t r o d u z a p a r t i r de
O modo pelo qual todo o arca- 1920 as noções suplementares, então
bouço conceituai e técnico foi forja- necessárias para manter o p r i n c í p i o
do, na referida escola, deveu-se a sua de descentramento do sujeito. M a s ,
p a r t i c u l a r i n t e r p r e t a ç ã o do q u e longe de ser entendido como devia,
Freud elaborara com respeito à se- houve uma abalada geral, verdadeira
gunda tópica. Nesta, como já tivemos libertação dos escolares - há! Ei-lo
o p o r t u n i d a d e de demonstrar, Freud de v o l t a , esse e u z i n h o boa p r a ç a !
introduz as novas categorias conceitu- Ei-nos de n o v o n o r t e a d o s - Volta-
ais relativas às instâncias tópicas do mos p a r a as t r i l h a s da p s i c o l o g i a
i s s o , e g o e s u p e r e g o , cada uma delas geral" (1954-5, p. 19).
atravessada pelo atributo de pertencer No dizer de H a r t m a n n , Rapa¬
ao sistema inconsciente. É fato que, port, Ernest Kris, Loewestein, Franz
ao e l a b o r a r s u a s e g u n d a t ó p i c a , Alexander, principais expoentes e
Freud volta a dedicar uma particular mentores da Ego P s y c h o l o g y , embora
atenção à i n s t â n c i a tópica do ego, na década de 20 Freud tenha intro-
visando estabelecer de forma precisa duzido um impulso inteiramente re-
e s i s t e m á t i c a sobre o l u g a r que o n o v a d o r sobre a teoria do ego, ela
mesmo ocupa relativamente ao siste- teria sofrido de enormes limitações,
sobretudo no que d i r i a respeito às caótico, do sem governo e sem lei.
relações p r i v i l e g i a d a s e s t a b e l e c i d a s Em outras palavras, o i n c o n s c i e n t e
pelo ego com a consciência, a razão ficou reduzido ao patológico, já que
e a realidade. Para estes teóricos, o identificado ao irracional.
ego é entrevisto c o m o c o n s t i t u í d o Para os teóricos adoradores do
por múltiplas funções, entre as quais ego, foi absolutamente inalcançável
destaca-se sua função de adaptação. supor um lugar de ordem e de orga-
Ele é, por excelência, o órgão encar- nização que não fosse levado a cabo
regado de promover a adaptação do pelo ego consciente. Isto os conduziu
organismo ao seu meio ambiente fí- a lançar o inconsciente no campo do
sico e social. A tese central defendi- real o r g â n i c o , na justa m e d i d a em
da p e l o s t e ó r i c o s do ego é que o que, para estes m e s m o s teóricos, o
indivíduo é capaz de estabelecer sóli- id corresponde à parte t a n t o i n a t a
das e dinâmicas relações com o meio quanto irracional da personalidade.
em que está inserido. De acordo com essa concepção
As inúmeras funções integrantes segundo a qual o ego é um órgão de
do s i s t e m a e g ó i c o fazem dele u m adaptação, a escola americana de psi-
aparato de adaptação por excelência. canálise desenvolveu a noção de que
E a este mesmo ego que compete ain- o recalque é uma função que se de-
da a tarefa de, no decurso do pro- senvolve em obediência às determina-
cesso de desenvolvimento e matura- ções sociais, entrevistas como tão im-
ção, submeter as forças " i m p u l s i v a s periosas quanto necessárias. Nesta li-
i n s t i n t i v a s " do id ao seu poder de nha de pensamento, o recalque é defi-
c o m a n d o e controle. Requisito pré- nido como um mecanismo funcional
vio necessário a toda adaptação bem- do ego; u m a entre tantas outras de
sucedida. No dizer de Hartmann: "A suas funções postas em curso contra
submissão social é uma forma especi- as tendências primitivas do id, objeti-
al de obediência ao meio ambiente e vando pôr em marcha as tendências
i m p l i c a o c o n c e i t o de a d a p t a ç ã o " adaptativas requeridas pela relação do
(1962, pp. 47-8). indivíduo com a sociedade.
O conceito de funções autôno- O recalque é, pois, o resultado
mas p r i m á r i a s e secundárias do ego da relação do i n d i v í d u o com o seu
f i g u r a c o m o c e n t r a l na o b r a de meio social, constituindo um fator,
Hartmann, tendo sido retomado por ainda que precário, de adaptação. Ele
t o d o s os t e ó r i c o s a f i l i a d o s a este é, p o r t a n t o , u m a função u t i l i t á r i a
ramo americano de psicanálise, fun- do ego na sua missão de promover
ções estas postas a serviço da adapta- o progressivo ajustamento do indiví-
ção e, portanto, a serviço de contro- duo ao meio.
le do id. À questão de qual é a relação
O i n c o n s c i e n t e , à l u z de u m a que o indivíduo entretém com a so-
primazia conferida aos processos ra- ciedade, a teoria do ego responde:
cionais, ficou convertido em reduto u m a relação, em p r i n c í p i o , de cho-
de tendências instintivas irracionais que e antagonismo, posta a presença
desajustadas. Lugar da des-razão, do no i n d i v í d u o de fortes t e n d ê n c i a s
irracionais ainda não submetidas ao poder de controle e síntese
do ego, portanto, não submetidas, ainda, ao processo de adapta-
ção. Concepção esta que recoloca em cena a velha fórmula de uma
oposição indivíduo e sociedade. Na seqüência, tratou-se de abrir as
vias redentoras resolutivas do conflito, por m e i o de u m a bem
fundada e calcada alienação do indivíduo às regras e imperativos
presentes no imaginário social.
Não resulta demasiado difícil depreender que se trata de u m a
teoria do indivíduo, e não do sujeito! De uma teoria da adapta-
ção, e não do desejo! Enfim, de uma teoria que versa sobre uni-
versais, e não sobre o singular.
A nova teoria posta em marcha pela corrente americana de
psicanálise passou a versar sobre a noção de que o ego, diante do
poderio das ditas forças irracionais do id, encontra-se enfraqueci-
do. O ego, q u a n d o colocado sob o jugo do id, torna o indiví-
duo doente, na medida em que este subjugamento assinala a ruptu-
ra de seus vínculos com a realidade objetiva, a que se torna ina-
daptado. A técnica originada e calcada neste suposto passou a con-
sistir no fortalecimento do ego por meio de sua aliança terapêuti-
ca com o analista, tido na ocasião como representante legítimo da
realidade, como tal, mestre e modelo a ser seguido. O resultado
desta técnica, segundo os defensores desta teoria, c o n d u z i r i a ao
fortalecimento do ego, tornando-o forte perante o id e colocando-
o em posição de exercer seu poder de controle e comando sobre
ele. Modo pelo qual o ego passaria de dominado a dominador, de
servo a senhor soberano na esfera psíquica.
Sob os auspícios dessa nova escola, pareceria que o ego teria
chegado a curar-se da ferida narcísica a ele infligida pelo mestre da
psicanálise. Sua chaga aberta teria se fechado. Sob o enfoque que
lhe confere a Psicologia Psicanalítica, o ego volta, mais uma vez, a
ocupar, como legítimo dono, ao que parece, o lugar de suprema-
cia e de mestre absoluto na atividade mental. A empresa a que os
teóricos do ego dedicaram-se, não poupando nenhum esforço, foi
restabelecer o ego no lugar do qual a descoberta freudiana o havia
desalojado, fazendo-o retornar a seu posto de comando e em per-
feita sintonia com a realidade circundante.
Esses são, em síntese, os postulados teóricos norteadores desta
n e o - e s c o l a de psicanálise. Sua versão impressa sobre a psicanálise teve
por resultado imediato encobrir a descoberta freudiana, cabendo a
Lacan redescobri-la.
Lacan, procedendo à crítica da teoria da a u t o n o m i a do ego,
lembra-nos de que em Freud o inconsciente é uma ordem autôno-
ma em relação ao sistema consciente, sustentando que "a teoria do
ego não passa de u m enorme contra-senso: o retorno ao que a
própria psicologia intuitiva vomitou" gozo, acaba por encontrar u m obje-
(Lacana, 1978, p. 203). to i m a g i n á r i o no q u a l se a n c o r a :
este o b j e t o n ã o é o u t r o s e n ã o o
p r ó p r i o eu (moi).
Somos, portanto, remetidos a
CONCLUSÃO c o n c l u i r que a segunda tópica não
i m p l i c a em absoluto u m a b a n d o n o
Ao longo deste trabalho procu- da primeira. Este foi, em todo caso,
ramos levantar alguns pontos essenci- o posicionamento equivocado toma-
ais à teoria freudiana. Num primeiro do pelos teóricos do ego, o que os
momento, percorremos os caminhos conduziu a um afastamento progressi-
trilhados por Freud e que o condu- vo da psicanálise.
ziram à descoberta do inconsciente. A particular leitura efetuada
Isto nos conduziu ao centro das ela- pela Psicologia do Ego a respeito da
borações presentes na primeira tópi- segunda tópica, c o n d u z i u - o s a pôr
ca. N u m segundo momento, detive¬ no centro do debate teórico e téc-
mo-nos no exame da posição que a n i c o a c a t e g o r i a c o n c e i t u a i de ego
segunda tópica ocupa em relação à consciente, cuja função última consis-
p r i m e i r a , estabelecendo o entrelaça- te em mediar a adaptação do indiví-
m e n t o q u e e n t r e a m b a s se o p e r a . d u o ao m e i o . M o d o p e l o q u a l o
Procuramos ainda estabelecer as rela- ego foi elevado à dignidade de con-
ções do eu (moi) c o m a p u l s ã o e ceito fundamental em torno de que
com o inconsciente. Isto nos condu- passou a se ordenar tanto a transmis-
ziu ao cerne da proposta freudiana são quanto a técnica da psicanálise,
c o n t i d a n a s e g u n d a t ó p i c a e ao que, calcada na aliança identificatória
m o d o como nesta o ego se apresen- do ego do paciente ao ego do ana-
ta. Isto é, procuramos proceder à ela- lista, passou a constituir uma técnica
boração relativa à posição e estatuto instrumental.
do ego no interior da segunda tópi- O "escamoteamento" produzido
ca, pautando-os, posteriormente, pelo pela Psicologia do Ego com relação
m o d o com que este foi vertido na ao inconsciente conduziu a uma reto-
Psicologia Psicanalítica do Ego mada de definições tão clássicas quan-
V i m o s como Freud foi condu- to arcaicas a respeito do ego. Contrá-
zido a tomar u m a posição definida ria e diversamente à versão cunhada
s o b r e o l u g a r e e s t a t u t o do e g o . por essa teoria sobre a p s i c a n á l i s e ,
Sua posição, a nosso ver, não deixa recolocando em cena a célebre noção
margens para dúvidas. Freud reafir- de ego unitário, o cerne da descober-
ma seu caráter de objeto l i b i d i n a l ta freudiana consistiu n u m a subver-
n a r c í s i c o . Em Freud, o ego define- são operada em relação à ordem vi-
se c o m o u m objeto i n v e s t i d o pela gente, situando-se na contramão das
pulsão sexual, constituindo o objeto teorias que faziam da consciência o
p r i v i l e g i a d o ofertado ao seu gozo. centro dos processos subjetivos.
Cremos ter m i n i m a m e n t e estabeleci- Foi no c o n t e x t o h i s t ó r i c o em
do como a pulsão, na busca de seu que uma certa tradição desviante do
dizer freudiano passou a ser domi- (1893-5a). Estudos sobre a histeria.

nante no cenário p s i c a n a l í t i c o , fir- Sobre o m e c a n i s m o p s í q u i c o dos fenô-

mando-se no r e a l o j a m e n t o do ego menos histéricos. C o m u n i c a ç ã o prelimi-

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