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Planejamento Participativo

por Danilo Gandin | jul 4, 2011 | Sem categoria |


A pedido de Ruthieli, aluna de magistério que estuda em Charqueadas, RS, publico um
texto sobre planejamento em que se indica sua importância para a prática. É longo, mas
acho que o conteúdo vale a pena. O quadro não vai sair, mas o essencial estará claro.
Já estou pensando que é melhor buscar o texto na internet: basta digitar o título abaixo
na busca do Google que o texto aparece, embora eu nem saiiba quem ali o colocou.
O PLANEJAMENTO COMO FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃO DA PRÁTICA
EDUCATIVA[1]

Danilo Gandin[2]

Considerações Gerais
1. É fundamental pensar o planejamento como uma ferramenta para dar mais
eficiência à ação humana. É claro que é uma ferramenta de organização, de decisão. Não
é, por exemplo, uma ferramenta para a execução de alguma tarefa material, como a faca o
é para cortar batatas. Mas o princípio é o mesmo: assim como a faca auxilia a tarefa de
cortar batatas (sem ela seria muito mais difícil) o planejamento facilita as decisões e lhes
dá consistência e auxilia na organização da prática.

2. O planejamento é natural ao ser humano; para qualquer ação que produzimos,


fazemos o que é essencial ao planejamento: motivados por algum problema, acompanhado
de alguma esperança de alcançar mudança, propomos um futuro desejável; fazemos uma
avaliação da realidade para ver a distância a que estamos deste futuro e quais são as
possibilidades de alcançá-lo ou dele nos aproximarmos; finalmente propomos ações,
atitudes, regras e rotinas para realizar esta aproximação. Desde que o ser humano se
constituiu como tal, isto é, desde que se reconheceu como ser humano, distinguiu-se dos
animais por ter esta capacidade de produzir o futuro de forma consciente.

3. Contudo, as pessoas, mesmo em seu trabalho, normalmente não planejam no


sentido comum do termo; em vez de assumirem suas próprias decisões e serem sujeitos da
organização de sua prática, seguem o que já está constituído como problema, como idéia,
como análise da realidade e como solução. Embora planejem, dão outro significado a esta
tarefa: ela passa a ser a escolha entre duas ou mais possibilidades que estão constituídas
como válidas pelo senso comum. Um professor, por exemplo, não pensa o que é a
educação, como ela se produz e a partir daí decide o que ele vai fazer; ele está submetido
a “passar” uma disciplina e não pode perguntar-se se isto é bom ou mau, ele apenas tem
que fazer; seu planejamento vai ser uma prática secundária: vai apenas perguntar-
se como ele fará para “passar” o tal conteúdo, como vai fazer com que os alunos prestem
atenção, como vai dar nota… Se planejar significa[3] atacar um problema com um corpo de
idéias claras, examinar a realidade e a prática para ver a distância entre elas e este conjunto
de idéias e propor um conjunto de ações, regras, rotinas e atitudes para mudar a realidade
e a prática na direção daquele conjunto de idéias, temos que afirmar que o professor não
planeja e que, talvez, nem possa nem deva[4] fazê-lo.

Daí decorre que as pessoas, no dia-a-dia:

1. não descobrem com clareza quais são os problemas; em geral, julgam que
é problema aquilo que o senso comum assim estabelece; se os professores,
por exemplo, tem, em sua sala, um aluno inquieto, que não se contenta com
estas disciplinas sem significado e com este “saber” que não faz as pessoas
crescerem, dizem que este é o problema;
2. não constroem conjuntos de idéias e de ideais bem claros; adotam
elementos teóricos que estão no dia-a-dia, mas que não têm fundamento
real; acreditam, por exemplo, como muita gente diz, que quem se esforça,
consegue; não conseguem compreender coisas tão simples como a relação
entre dinheiro e resultado na escola: se ouvirem que os reprovados são
sempre os pobres e os que vão adiante na escola são os ricos, pensam que
quem diz isto é doido ou subversivo;

3. não conseguem fazer uma avaliação de sua prática pessoal e da do grupo


ao qual pertencem; dizem que encontrar o que vai mal é fazer desanimar as
pessoas ou sentem como culpa o não se alcançar aquilo com o que se
sonha;

4. muito menos conseguem propor mudanças na realidade ou na prática; o que


se tem que fazer, julgam, já está determinado e ninguém pode querer fazer
diferente; no máximo, poderia alguma autoridade mandar que se mudasse
isto ou aquilo; mas, de qualquer modo, se for necessária uma mudança real
no fazer das pessoas, nem aquilo que a autoridade diz será levado a sério.

4. Planejar é, sempre, buscar a transformação da realidade. É, sempre, propor


ações, atitudes, regras e rotinas que possam levar à satisfação de necessidades
descobertas na realidade (ou na prática) através da avaliação que é a comparação do que
se quer com aquilo que existe. Mas há o planejamento que muda para manter (para
conservar) e o planejamento que muda para transformar. Se você conserta uma casa, o que
você quer é conservar, embora esteja, realmente, mudando a realidade. Se você a derruba
para construir outra, você quer transformar. Se você pune um aluno que transgrediu alguma
regra, você quer conservar, se você muda as regras, de modo participativo e baseado em
necessidades descobertas na avaliação que compara uma teoria e um querer com a prática,
você quer transformar. Se você introduz novas tecnologias para tornar menos tormentoso o
conteúdo tradicional que só serve para o vestibular, você mudou para manter as condições
de quem tem dinheiro seguir em frente e os pobres nada conseguirem; se você acaba com
o conteúdo preestabelecido, com o vestibular, você muda pra permitir condições mais
parecidas para todos. Se você faz um viaduto na cidade, você muda para privilegiar os
automóveis; se você cria grandes espaços onde os carros não possam ir, você muda para
permitir vida mais tranqüila às pessoas.

5. Há níveis diferentes de planejamento porque há diferença nas ações humanas.


Se alguém quer ir ao teatro ou a uma pescaria, deve planejar. Mas este planejamento é
diferente daquele que fosse para ajudar a decidir sobre a construção de uma casa e a
organizar o trabalho para construí-la. Bem diferente de um plano global de escola. Se
professores têm que decidir sobre “como” vão “dar” uma aula, este planejamento é diferente
daquele necessário para um grupo de escola que queira dar uma direção democrática,
dialogal ou de justiça social ao seu trabalho[5].

Os Passos para uma Prática Lúcida

Todo o fazer humano está ligado a ser um conjunto de ações, rotinas, regras e
atitudes para transformar idéias em realidades[6].

1. Só pensamos a partir de problemas, isto é, a partir de algo que nos causa mal-
estar. Algumas vezes este mal-estar diz respeito a coisas que diretamente nos afetam, tanto
pessoas ou instituições, e outras vezes a coisas que, infligindo sofrimentos a pessoas e a
grupos longe de nós[7], passam a ser da nossa preocupação ou do nosso interesse.
Poderíamos, talvez, caracterizar os primeiros como internos e os outros como externos.
Assim, os primeiros seriam coisas como uma doença pessoal, uma escola com diminuição
constante de alunos… Os segundos seriam situações como a degradação do planeta, a
violência, o terrorismo… Por isto, há sempre uma dose de esperança, de desejo e de amor
em qualquer pessoa ou grupo que inicia um processo de planejamento.

Abrir a mente ao mundo é extremamente importante[8]. Há, inclusive, uma linha de


pensamento muito consistente que diz: a pessoa ou a instituição que se prende a seus
problemas imediatos, geralmente adoece. É preciso considerar, com cuidado, se o fato de
as escolas ficarem “passando” ao aluno um conteúdo sem significado para não especialistas
não é uma verdadeira doença. Também vale a pena considerar se a síndrome da
desistência não é doença que afeta professoras e professores pelo mesmo motivo: enquanto
o planeta sofre sérias possibilidades de deterioração, a escola lhes pede para serem
repetidores, para não ousarem…

Pode-se chegar a pensar que escolas e professores não planejam, isto é, não
instituem processos novos, porque não têm problemas. Dizendo melhor: não planejam
porque os problemas para os quais abrem os olhos são insignificantes e têm soluções pré-
determinadas. Tais soluções não funcionam, mas são tentadas sempre por dois motivos:
desenvolveu-se todo um discurso de culpabilização que parece explicar os maus resultados
e a escola perdeu a relação entre prática e resultado, de modo que fica mais importante
trabalhar do que conseguir resultados.
2. Não pode haver idéias transformadas em processos se não houver idéias. É
um terrível engano, mais comum do que parece, a prática de partir do problema para
o processo. No caso da mãe com que abri o texto, um problema (desarmonia mãe/filha)
suscitou, sem pensamento e sem análise da realidade, um processo: briga e xingamento.
Existem até correntes de planejamento que se basearam (não tão grosseiramente, é
verdade) nesta relação direta problema-processo. Nada se consegue, evidentemente, desta
maneira; os resultados podem ser desastrosos, como ainda hoje acontece nas escolas: o
menino incomoda muito na sala de aula (problema) e é posto de castigo ou enviado à direção
da escola (processo, solução). Observe-se que não será suficiente analisar o problema sob
vários ângulos; é necessário chegar a ele com um conjunto de idéias e de crenças sobre o
processo educativo, a fim de descobrir qual é a necessidade ou quais são as
necessidades[9] que deve(m) ser satisfeita(s) para solucionar ou diminuir o problema. Agir
com a ligação direta problema/processo seria como se fôssemos ao médico com a mão
doendo e ele nos mandasse cortar a mão para que não doesse mais.

A organização de idéias é, nas circunstâncias atuais, uma das necessidades mais


importantes. Estamos em crise, isto é, naquele momento de nossa História em que as idéias
do senso comum já não resolvem e as idéias novas ainda não demonstraram sua força.

No caso da escola, estas idéias podem organizar-se no instrumento que se chamou


projeto político-pedagógico[10].

A. Situação Existente (problemas e desafios da realidade global e institucional)

B. Marco Político (proposta ideal de sociedade e de ser humano que desejamos


ajudar a construir)

C. Marco Pedagógico (princípios, prioridades e características ideais do processo


educativo que se deseja)

3. Ouso dizer que o ponto mais fraco desta cadeia de construção de novos processos
pedagógicos nas escolas é a falta de análise da prática. Não sabemos o que é um
diagnóstico e temos medo de fazê-lo. É imprescindível avaliar a prática, comparando-a
com o projeto pedagógico que se elaborou, e analisar a realidade para descobrir a
distância que se está daquele ideal proposto e para ver que possibilidade e que limites
temos para a caminhada na direção daquele horizonte.
Já estou eu, de novo, a falar em situações mais complexas! Quero acentuar que esta
necessidade de diagnóstico assim entendido é válida para as práticas simples também. Se
alguém quer ver um filme, examina a realidade (sem, muitas vezes, dar-se conta disto) para
ver a que distância está, de que meios dispõe, quais são as dificuldades, se pode ir ao
cinema ou alugar o filme ou esperar quando passe na televisão…

Na escola esse diagnóstico equivale a uma análise de todos os processos em


andamento a fim de verificar até que ponto eles são adequados para realizar as idéias que
constaram no projeto pedagógico. Talvez este seja o nó da questão: se o projeto pedagógico
tem a idéia de escola democrática, de ligação da escola com a realidade (são apenas
exemplos), ela precisa analisar com atenção e rigor até que pontos os processos (ações,
atitudes, regras e rotinas) estão construindo democracia, até que pontos conteúdos
escolares brotam da realidade e levam a compreendê-la. É essencial esta compreensão dos
processos existentes para poder descobrir necessidades de novos processos e de correção
dos que podem ser mantidos, mas precisam de mudanças.
4. Se fosse possível transformar idéias em processos e fazer isto com utilidade
sem depender dos passos anteriores, poderíamos ter uma economia de tempo, de
trabalho e, até, de recursos. Muitos pensam que isto é possível e trabalham séria e
duramente, por longos períodos, sem ter resultados convincentes. Nem sabem por que,
tendo eles (pessoas ou instituições) se esforçado tanto, com tanta boa vontade, se
encontram na mesma situação (às vezes pior) depois de anos e anos. É proverbial o esforço
de pais, de educadores, de escolas, de igrejas… É também evidente o pouco resultado, a
repetição de processos ineficazes, a manutenção da mesma sociedade que criticam[11].

Os processos, muitas vezes, são predeterminados. Funcionam, por exemplo, na


medicina: quando o diagnóstico, feito a partir de idéias que sustentam uma teoria,
estabelece uma doença ou um mal qualquer, o médico apela para o processo que já foi
estabelecido por estudos anteriores. Isto poderia levar médicos a usarem sanguessugas
para tratar certas doenças. Isto não acontece (coisas similares devem estar acontecendo
com médicos menos atentos ou menos estudiosos) porque estes processos são
continuamente submetidos à prova da eficácia. Se outro mais eficaz é descoberto, ele é logo
adotado e o que é fundamental acontece: um resultado, motivado por um processo
engendrado pela análise da realidade em confronto com uma idéia, tudo isto
deslanchado por um problema. Na escola não é tão simples. (Isto não é sugestão para
que se abandone o trabalho sério; ao contrário, é para que se sigam com mais exatidão os
passos necessários). Não é tão simples porque, além da ciência, as idéias educacionais são
sempre permeadas pelas crenças, pela Filosofia, pela arte, pela ideologia. Há quem queira
fugir disto, como o reitor de quem falei antes, mas isto não é possível

Em educação temos processos preestabelecidos. Eles foram construídos a partir de


problemas velhos, derivados do confronto entre um conjunto de idéias que serviam a
humanidades passadas e uma realidade não mais existente. Não servem mais para os
problemas, para as idéias e para a realidade de hoje, mas se firmaram. Pior: algumas idéias
comerciais, como a do livro didático e a da preparação para o vestibular, superaram a força
das idéias educacionais e pedagógicas e dificultaram significativamente a construção de
processos adequados à realidade, às idéias e aos problemas que são, a cada dia,
apresentados por todos. A inoperância das autoridades (Conselhos de Educação, Ministério,
Congresso…) deixou escolas e professores sufocados num torvelinho de tentativas,
frustrações, enganos, desesperanças…

É preciso desenvolver clareza sobre educação. Mas cada vez é mais necessário
desenvolver ou apropriar-se de ferramentas de planejamento adequadas para construir
processos, permitindo, assim, que educadores sejam sujeitos do seu desenvolvimento.

Para isto é necessária persistência para:


• exigir das autoridades a preocupação não apenas com pôr todo mundo na
escola, mas com saber o que fazer com estas multidões de alunos e de
alunas;

• ir construindo novos processos, mesmo que em quantidade pequena em


relação a todo o tempo que a escola tem [12].

Se representarmos a seqüência e a relação entre eles da forma como penso que


ocorrem, teremos o seguinte quadro:

O Planejamento e as Necessidades Humanas


Há vários tipos de planejamento porque há vários tipos de ação humana. Uma coisa
é, por exemplo, ir a um cinema (precisa de um tipo de planejamento), outra é construir mais
participação numa cidade (outro tipo de planejamento) e uma terceira construir uma ética
planetária (outro tipo).

Vale a pena, por isto, verificar alguns tipos de situação humana[13] e analisar a
especificidade do planejamento por ela exigido. Claro que cada exemplo abaixo é uma
possibilidade entre muitíssimas parecidas ou iguais.

A – O Conserto de um Automóvel

Para consertar máquinas, certamente há necessidade de planejamento. Ele


consistirá de três passos:

• compreensão do padrão da máquina, isto é, da estrutura que lhe permite o funcionamento,


ou seja, do seu estado ideal; deste passo em geral não se fala e as pessoas não se dão
conta de que ele existe porque naturalmente ele é preexistente na mente de quem vai fazer
o conserto e não precisa ser enunciado;
• um diagnóstico – é o que mais aparece – buscando descobrir as diferenças existentes na
máquina real em relação ao padrão ideal desta mesma máquina; o conceito central deste
diagnóstico é o de problema e o seu resultado mais forte é a relação de problemas
detectados; faz parte deste diagnóstico, também, a avaliação de possibilidades e de
recursos;
• decisão do que se vai fazer, incluindo aqui as ações diretas de solução do(s) problema(s)
e/ou as orientações (propostas como estratégias) de uso da máquina.
Com mais complexidade por causa do “humano” nele existente, o trabalho do médico
usa um esquema igual a este.
B – A Administração de um Aeroporto (este tipo inclui, também, quase todas as situações
de planejamento de empresas comerciais e similares, como as de serviços mais simples).

Muito parecido com o caso anterior é a administração de alguns serviços públicos, não
necessariamente governamentais, cujo padrão esteja quase totalmente dado. Há idéias de
segurança, bem-estar, bom atendimento, rapidez, etc. que devem ser realizadas. Estas
idéias dão os critérios – pode-se falar aqui de indicadores – para a prática.

As três etapas do planejamento descritas acima permanecem. O que é diferente são os


conteúdos que se acrescentam em relação ao que se realiza no caso anterior.

• Além da compreensão do padrão básico do serviço que é dado pela cultura dos usuários e
pelo costume que se cria, é necessária aqui a complementação deste padrão, no sentido de
buscar mais contentamento para os que usam o serviço, incluindo ou não maneiras próprias
de servir. O levantamento de sugestões junto ao público é a forma primeira de participação
dos usuários na fixação deste padrão.
• O diagnóstico, além de verificar a existência e a extensão de problemas, incluirá o grau de
satisfação das pessoas que trabalham no serviço e dos que usufruem seus benefícios.
• A decisão sobre o que se vai fazer é mais abrangente em virtude dos acréscimos anteriores.
Além disto, estas decisões insistirão mais em estratégias, visando aos modos de ser e de
se comportar que aumentem a qualidade do serviço, dentro do padrão estabelecido. Pode
contar com mais mudanças, algumas estruturais, que são geradas pela modificação do
padrão referencial estabelecido.

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