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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Aluna: Thainá Norberto Junior


Disciplina: História da América I
Professor: Marcelo da Rocha Wanderley
Manhã
2021.1

Primeira avaliação

É incontrovertível a importância da comunidade nos mundos andino e


mesoamericano. Em seu texto “La cultura incaica”, o antropólogo espanhol Pedro
Carrasco Pizana descreve a organização política, econômica e social do império
Inca, mostrando como era articulada a maior entidade política do continente
americano no século XVI. Segundo o autor, os incas eram bem desenvolvidos no
quesito técnico, possuindo uma agricultura intensiva e lidando com diversos tipos de
materiais, desde arte têxtil a itens usados na construção de fortalezas. A agricultura
andina também apresentava uma diversidade notável de plantas cultivadas, muitas
destas com significado religioso e de grande importância cerimonial, como a coca.
As técnicas de cultivo variavam de uma região para outra e essa variação regional
influenciava na diversidade de materiais usados nas construções, sendo mais
comum o uso de pedras. O manuseio, a qualidade e a variedade de matéria prima
para tecidos também é colocado como uma característica marcante do mundo
andino, característica essa que se reflete na vestimenta de homens e mulheres. A
forma como trabalhavam os mais diversos tipos de metais, com técnicas que
diferiam no manuseio de metais comuns e preciosos também era notável.

O centro político, militar e religioso do império Inca era a cidade de Cuzco. A capital
abrigava, em grande parte, a nobreza governante. Essa nobreza era composta pela
etnia inca e pelos curacas, que governavam as subdivisões territoriais e descendiam
de soberanos de locais conquistados pelos incas ou oficiais nomeados pelo
governo, encarregados por determinados números de governo. Dentre esses nobres
estavam os panacas, descendentes diretos dos imperadores incas. Entre eles eram
escolhidos os próximos imperadores, enquanto os demais formavam uma linhagem
real da qual saiam os principais funcionários do império. Os nobres estavam livres
do pagamento de impostos e da prestação de serviços ao imperador, o que os
diferenciava das pessoas comuns. Os impostos eram extremamente importantes no
mundo andino. Eram pagos através da prestação de serviços e por meio da
cobrança deles o governo organizava e controlava os recursos fundamentais para a
subsistência da estrutura imperial, ou seja, o trabalho e a terra.
Os pagadores de impostos eram as pessoas comuns, que formavam comunidades
chamadas ayllus. Eles pagavam um imposto chamado mita, que consistia numa
prestação de serviços ao império dividida por famílias. Cada ayllu estava sob o
governo de uma autoridade local, tendo seus próprios cultos e festas. Podendo ser
formado por famílias com várias etnias, o que unia a comunidade normalmente era
a crença em um antecessor comum. Os casamentos eram endogâmicos, ou seja,
ocorriam dentro do ayllu, reforçando os laços parentescos. Era comum diversos
parentes formarem uma grande família ao redor de um pátio, normalmente
fundamentada na adoração de algum antecessor. Cada pessoa tinha suas
obrigações dentro do núcleo comunitário e familiar, variando as obrigações pelo
sexo e pela idade do indivíduo. Normalmente os jovens de 16 a 25 anos ajudavam
seus parentes nas tarefas, os homens de 25 a 50 trabalhavam no cultivo, nas obras
públicas e serviam de guerreiros, os de 50 a 60 trabalhavam nas hortas e os de 60
eram conselheiros dos chefes locais. Esse trabalho acontecia nas terras recebidas
pelas famílias para uso próprio e nas terras da comunidade. Essa terra era
redistribuída de tempos em tempos e essas divisões parentais estavam sujeitas a
variações regionais.

Era uma sociedade estratificada, cujo poder supremo pertencia ao imperador, o


chamado Inca e as leis giravam em torno de sua pessoa e da manutenção do poder
imperial. O imperador escolhia o filho mais qualificado para assumir o governo e
essa escolha deveria se tornar pública. Abaixo do imperador estavam os
governadores incas dos suyus, nome dado às quatro partes nas quais o império era
dividido. Os cargos dos governadores não eram hereditários e eles possuíam o
título de apu. Dentro dos suyus haviam várias províncias anexadas ao império,
normalmente governadas pelos antigos senhores locais ou por senhores
designados pelo imperador, sendo estes chamados de curacas. Abaixo dos
governadores e dos curacas haviam outros funcionários, os camayocs, que eram
funcionários do estado e atuavam como fiscais das províncias. A administração
judicial das províncias era feita pelos governadores, pelos curacas e, em última
instância, pelo imperador. Um nível social importante era a das acllas e a dos
yanas. As acllas consistiam em mulheres escolhidas por sua perfeição física, com
aproximadamente 10 anos, que tinha vários destinos possíveis posteriormente,
como serem dadas como esposas pelo imperador, se tornarem concubinas dele,
serem dedicadas a preparação dos rituais e a castidade ou até mesmo se tornarem
o sacrifício humano de algum ritual. Os yanas consistiam em funcionários imperiais
que estavam a pleno serviço do estado e de funcionários superiores a eles.

O uso de um sistema decimal era frequente nas burocracias administrativas do


império e as províncias eram subdivididas numericamente, coesas normalmente
por identificação étnica, correspondendo às unidades políticas e étnicas anteriores,
categorizadas a fim de organizar o recrutamento de homens para obras públicas,
serviços militares etc. Os três princípios organizativos do império se baseavam na
organização político territorial e consistiam na esquematização das entidades
territoriais em esquemas numéricos com base em divisões do trabalho
administrativo, cerimonial e religioso, na classificação das províncias com base no
tamanho da sua população e por fim a transferência da população de uma área a
outra, a fim de ocupar novas províncias, trabalhar na terra e transmitir a cultura
imperial, ou seja, domínio político e militar.

O exército era essencial para a manutenção do sistema inca, visto que a guerra foi o
principal meio para expansão imperial. As fronteiras eram protegidas, o exército
ajudava a submeter os povos e eram usados para dominar o interior das províncias.
A expansão do império se deu pela ação militar direta e pela diplomacia: o império
dialogava com os senhores das províncias menores e incitava uma submissão
voluntária. Quando adquiriram uma nova província esta era reorganizada aos
moldes do império, sendo construída uma nova capital, colocando os chefes locais
como curacas e incorporando a província ao império de fato. A interferência direta
do estado nas províncias é um marco do império inca.

Um pouco menos estratificada que a sociedade inca era o império Mexica, descrito
pelo historiador mexicano Pablo Escalante Gonzalbo, doutor em História pela UNAM
e estudioso da cultura e arte indígena no México central nos períodos pós clássicos
antes e depois da Conquista. Segundo Gonzalbo, o conhecido império Mexica surge
após séculos de realocação populacional no território americano. Abarcando muitas
etnias mas descendendo principalmente dos toltecas, México-Tenochtitlan se tornou
a maior potência do Vale do México ao derrotar a cidade que lhe impunha inúmeros
impostos, Azcapotzalco. É perceptível a importância dos tributos tanto no mundo
andino quanto no mundo mesoamericano, visto que era uma expressão de poder e
possibilitava o crescimento das cidades e a expansão dos impérios. Os mexicas se
colocaram em um lugar privilegiado politicamente e depois de submeter alguns
reinos que pagavam tributos aos tepanecas eles formaram uma tríplice aliança,
formada por Texcoco, Tlacopan e por México-Tenochtitlan.

A tríplice aliança foi uma forma de garantir estabilidade nas três cidades cabeceiras
e garantir a elas um domínio duradouro. Isso implicava em uma ajuda mútua entre
os membros. As conquistas e as rotas de mercado se somavam na aliança. Os
muitos senhorios do Vale do Mexico foram subordinados a uma das cabeceiras e
tinham que pagar tributos, além de sofrerem interferência política dos tlatoanis
aliados. A riqueza da tríplice aliança se dava devido a tributação dos súditos diretos
a tributação dos reinos dependentes e de todos os reinos conquistados no resto da
mesoamérica. A tributação dos reinos não era dividida entre as três cabeceiras e
cada reino enviava seu tributo às cabeceiras correspondentes. Poderia acontecer de
um mesmo reino tributar a duas cabeceiras, um pouco para cada uma. Três
circunstâncias influenciavam na tributação do reino a uma cabeceira: quando um
dos três membros prestava apoio em um campanha militar de modo que poderia
atribuir-se a conquista da localidade a ele o tributo da localidade era dele, quando
um reino era conquistado pela aliança na área de influência de uma das cabeceiras
o tributo era da cabeceira local e quando a aliança, a fim de equilibrar as suas
forças políticas, designava para onde iriam os tributos daquele reino. Vale ressaltar
que Mexico é possuía um exército forte e suas campanhas militares normalmente
eram bem sucedidas, sendo planejada no palácio do huey tlatoani mexica, Texcoco
possuía prestígio na organização e construção de obras pública e Tlacopan
organizava com mais perícia o comércio. Quando deixaram de estar subordinados
aos tepanecas e entraram na tríplice aliança, os mexicas se tornaram o Estado mais
poderoso. Moctezuma Ilhuicamina consolidou o Estado, fortaleceu as alianças e
iniciou a grande expansão territorial. Através da guerra eles conseguiam novos
tributários e prisioneiros para sacrifícios. Dirigiu obras para o crescimento da cidade
e o controle da água. Organizou, com a ajuda do aliado Nezahualcóyotl, escolas e
tribunais, promovendo o engrandecimento da côrte.

Cada província conquistada no império Mexica funcionava como um unidade


territorial, com templos, praças, tribunais, áreas residenciais e áreas de produção e
uma estrutura administrativa. Essas unidades territoriais chamavam-se altépetl. O
governante do altépetl era chamado de tlatoani.Os nobres ocupavam os cargos
mais altos do governo e do sacerdócio, viviam com riqueza e privilégios e eram
chamados de pipiltins. As pessoas comuns tinham que pagar tributo ao governo do
altepetl, combater as guerras e trabalhar em obras públicas. Eram chamados de
macehuales. Haviam três tipos de trabalhadores entre os macehuales, os locatários
ou renteros, que trabalhavam em terras estrangeiras mas não eram obrigados a
permanecer nas terras, tomando um parte da produção e entregando a outra como
imposto e podendo ter terras em seu calpulli de origem, os terrazgueros, que não
tinham uma terra própria, trabalhavam nas terras dos nobres, eram obrigados a
permanecer sempre ali e sua descendência também e prestavam serviços pessoais
aos nobres e os escravos, que poderiam ser domésticos ou usados para sacrifícios
e eram adquiridos por ordem judicial devido a alguma dívida ou comprado no
mercado para sacrifício. Os bairros mesoamericanos eram subdivididos em
comunidades fortemente coesas, que reuniam várias famílias que se identificavam
como unidades sociais básicas. Esses bairros eram chamados de calpulli ou
tlaxilacalli. Calpullis se referindo mais propriamente a um conjunto de comunidades.
Quando integrados aos altépetl, os calpullis se transformavam em tlaxilacallis. Os
laços que uniam um calpulli eram parentais. As pessoas de um calpulli possuíam
uma terra em comum para viver e realizar trabalhos, como cultivo e outros. Os
calpulli agrícolas eram divididos em dois tipos, os familiares, que poderiam ser
herdados e caso não fossem trabalhos eram devolvidos ao calpulli, e os
comunitários, onde trabalhavam coletivamente para pagar o tributo ao governo.
Cada calpulli tinha seus próprios templos, costumes e festas e uma autoridade local,
que resolvia os problemas internos e os levava ao governo do altépetl. Os tributos
não eram cobrados por cada família e sim por cada bairro, portanto, as
comunidades eram unidades tributárias. Esse tributo era extraído a partir das terras
comunitárias e só se cobravam tributos em forma de trabalho. Os bairros não
possuíam estratificação interna e o único que se destacava era o chefe local. Os
demais eram cidadãos comuns e pagavam tributos aos nobres através do trabalho
nas terras comunitárias. O tributo era, então, a forma de estratificação do mundo
mesoamericano e poderiam ser arrecadados a partir do que as províncias enviavam
a tríplice aliança e sobre as mercadorias que os pochtecas e outros grupos de
mercadores colocavam em circulação.

As trocas de mercadorias eram realizadas em praças e redes de mercado e as


manobras militares e guerras dos mexicas e seus aliados davam forma e
consolidavam as rotas comerciais e impunham os tributos. As guerras eram
regulamentadas e no final havia sempre prisioneiros que eram conduzidos para as
grandes capitais , a fim de serem sacrificados. Todas as guerras contribuiam para a
realização de um importante rito mesoamericano: o sacrifício humano.

Ambos impérios sofreram duras mudanças com a chegada dos espanhóis. Vindos
da Europa objetivando uma ascensão socialmente que dificilmente se realizaria no
mundo ibérico, os espanhóis fizeram inúmeras alianças com povos andinos e
mesoamericanos a fim de enfraquecer e consequentemente destruir os impérios
Inca e Mexica. No caso inca, encontraram parceria com grupos étnicos que estavam
sobre o domínio inca, principalmente com as elites que buscavam privilégios. Já na
mesoamérica, foram apoiados por povos que queriam se ver livres das tributações.
Em ambos os casos foram oferecidos apoio militar e privilégios em troca de lealdade
aos espanhóis, privilégios esses que incluíam a isenção de impostos. Os
colonizadores se aproveitaram dos conflitos internos para conseguir alianças,
principalmente no império Inca. Os curacas se tornaram caciques e mantiveram o
seu papel de mediadores locais. A evangelização também foi uma grande mudança,
implicando na reorganização política e religiosa da época, fazendo, por exemplo,
com que as artes incaica e tolteca fossem misturadas ao cânone artístico europeu,
que era de cunho extremamente religioso. Segundo o historiador inglês John Elliot,
após a Conquista as leis e disposições práticas criadas em Castela foram
adaptadas a América Espanhola, de modo a reconhecer as subdivisões nativas
preexistentes, conciliando-a com as necessidades da Coroa. A colonização,
segundo Elliot, foi um processo conjunto entre o Estado e a igreja. O Estado
oferecia as ferramentas econômicas e militares enquanto a Igreja cumpria o seu
papel missionário. Neste processo, a Coroa espanhola participou ativamente do
processo de cristianização na América Espanhol, nomeando inclusive eclesiásticos
a partir das recomendações do chamado Conselho das Índias.

Tendo como bases a tributação e a submissão forçada ou voluntária de povos


vizinhos, os dois maiores impérios pós-clássico ergueram-se. As instabilidades
internas causadas pela tributação e pela submissão forçada foram uma das causas
de suas derrocadas. Após séculos de uma visão eurocêntrica sobre o fenômeno,
faz-se necessário um olhar historiográfico mais aprofundado sobre o assunto.
REFERÊNCIAS:
CARRASCO, Pedro. La Cultura Incaica. In: Pedro Carrasco; Guillermo Céspedes.
História da América Latina 1. América Indígena. La Conquista. pp.123-174

GONZALBO, Pablo Escalante. “El Posclásico en Mesoamérica” In: Nueva


Historia general de México. México: COLMEX, 2010. pp.119-166

ELLIOTT, John H. “La Corona y los Colonizadores”. In: Imperios del Mundo
Atlántico. España y Gran Bretaña en América (1492-1830). pp.189-238

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