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InTRODUGAG a Warhol e Morrissey, Reflexo do underground no cinema brasileiro, adentramos tam- bém nas representacées do homoerotismo em diferentes frentes, tendo em vista 0 cinema marginal e 0 circuito independente contemporaneo, como lécus privilegiado de experimentago do desejo e novas estéticas do sexo. ‘Todo esse cinema experimental projetou um outro cinema, nos termos de Luiz Nazario, em que a seualidade explodia em libido e repressao (a exemplo de Genet io da vida (Anger, Warhol e Paul Morrissey), sacraliza ¢ Bufuel), erotiza io do sexo (Pasolini ¢ Alejandro Jodorowsky) e, fundamentalmente, 0 homoerotismo como pul- ainda de acordo com Nazario, "somente no cinema marginal e no cinema underground a homossexualidade pode ser expressa e celebrada sem véus nem méscaras™™, quinto capitulo, cio possibilitou o intercambio dos géneros cinematogrificos, expandindo a sexuali- dade e colocando o prazer sextial como epicentto politico. Politica representante dos anseios sociais de liberago e autonomia; politica do préprio corpo diante do desejo No bojo da revolucao sexual, no fim dos anos de 1g6s € inicio dos de 1976, a contra- cultura concentrou nos filmes a libérdade sexttal em/nomee da dessiblintagio, redi- mensionando mais uiiia Vez'0s limites do obsceno para desmoralizat.o pomogrifico, que aparecia em filmes de todos os tipos, dé modo hiibridey dramaitieo, associado ao terror ou aos thrillers ep fundamentalmente, aos filmes hard-core’e sofi-core “com his- toria’, representados de um lado por! Deep! Throat (Gargainta, Profunda, 1972)*, de Gerard Damiano,e.de outro Ai no korida (O Império dos Sentidos, 1576), de Nagisa Oshima. Gargaiita Profitida hibridizou ridi¢almente a @strutura consolidada da nar- rativa pornogrifica tradicional, levando fiegao, drama, mdsica ¢ comédia para 0 centro da trama nonsense (uma mulher cujo elitéris ¢ localizado na gargunta), tornando-se ao mesmo tempo "unt filme hard-cére, pomogrifico ¢ trush, satirico e cult pela novi- sii transgressora, Ne: a perspectiv ‘O Império do Erotismo", demarca como essa experimenta- dade “inusitada”’ho momento, Mais que isso: o filme representou a abertura sexual da época por meio do sexo falando de si mesmo: pornografia versando sobre os pro- blemas sexuais (como também Mona: ‘The Virgin Nymph (1970), de Michael Benve- niste e Howard Ziehm), filmes de contetido gay falando sobre o desejo, produ es feministas engajadas pensando na condigao da mulher sua busca pelo orgasmo sexual, cuja metifora ia além do desejo, versava sobre o sexo como aspecto social. O Império dos Sentidos, que trouxe cenas de sexo explicito para o cireuito mainstream, mas nie foi pioneiro nisso, projetou uma trama sobre a alienago sexual. Na verdade, 6 desejo no filme foi pensado, digamos, pela Iégica da ars erotica fundamentada por Foucault, em oposicao a scientia sexualis praticada no Ocidente, que desenvolveu, no decorrer dos séculos, proc por meio da conlissao, ¢ ndo pela arte das iniciagBes ¢ do segredo magistral: iimentos que se ordenam para dizer a verdade do sexo Naarte erética, a verdade é extraida do préprio prazer, encarado como pritica e recalhido como experiéncia; nao é por referéncia a uma lei 2 absoluta do permitido e do proibido, nem a um critério de utilidade, que o prarer é levado em consideracdo, mas, ao contrério, em relagao ser conhecide como prazer e, portanto, segundo sua intensidade, sua qualidade especifica, sua duragdo, suas reverbe- rages no corpo ¢ na alma.” a si mesmo: ele deve Apesar disso, o contexto emotivo da personagem nao a libertava da propria alie- na¢do do desejo: o filme baseava-se em um caso real de citimes e possessio em uma fadada relagao monogimica em que a amante castra e mata o marido e perambula saciada por Téquio com o penis ensanguentado nas maos. O capitulo ainda reflete sobre como as formas de obscenidade foram revistas ¢ flexibilizadas com a explo- so comercial da inddstria pornogrdfica nos anos de 1970, que liberou o imaginério pomografico de todos os cinemas: do mainstream ao underground, todos passaram a incorporar imagens do pomogeifico em producées artisticas, cujo marco, em mea- dos dos anos de 1976, foi fincado por O Império dos Sentidos e Caligola (Caligula, 1979), de Tinto Brass. Ou seja, os filmes adequavam em suas narrativas imagens da liberagao sexual de médo explicitd, corn cerias realistas da excitacdo sexual (pene- tracao vaginaly$ex0 Oral, felagao, cunilmgua’e masturbacao): Essa manifestacao do pomogrifico significou 8 épocd uma forma dé transgresstiovestétice por deslocar a imagem pornogrifica de seu nicho do tabu ao grande publico. E, ainda que estivesse mergulhada nos niveis morais de"obscenidade daquela sociedade onde foi produ- zida, cla incorporou o pornogrsfico para explicitar radicalmente mais uma forma de expressid, em nOVas roupagens & lipropriagoes paliticas. No sexto capitulo, “Cinema Explicito Gontemporaneo”, verificaremos como, na década de 1980 € meados de 1990, 0 advento da Aids embaralhou varios discursos conservadores dante do sexo, espevialmente nos Estados Unidos governados por Ronald Réagan e Georgé Bush, yovemos de difeita, que, lo combate a epidemia, enfatizavam 0 preconceito aos homossexuais num discurso reaciondrio que buscava normatizar e culpabilizar 0 sexo gay. Mas, se muito do cinema mainstreant incor- porou este discurso moralista da doenga como metéfora do medo numa sociedade tolerante e conciliadora com a “dilerenga’, um outro cinema, nomeado New Queer Cinema por B. Ruby Rich®, surgia como resposta e militancia politica de enfrenta- mento a este conservadorismo. Veremos adiante que, nesse periode, alguns cineastas moralizaram um cinema carregado de metiforas de temor; outros produzitam um cinema de celebrag’io do desejo de modo hedonista; outros criaram esteredtipos que condenav: me limitavam 6 desejo das personagens dentro de uma légica normativa da tolerdncia que somente assimilava um lado da diferenga. Outros pensaram, por meio de suas personagens, 0s discursos sexuais marginais justamente como resistencia politica de nao-adesao a normatividade burguesa da tolerincia. “E nesse sentido que podemos entender a qualidade queer do New Queer Cinema. Sio filmes que |... rejeitam as demandas InTRODUGAG B por representagdes positivas, abragando, pelo contririo, esterestipos considerados incémodos e insuflando-os com agéncia e empoderamento.” No campo tecnolégico, o lancamento do home video (tv a cabo, filmadoras, videocassetes e fitas vs) transformou a indistria cinematogréfica em seu modo de produgao e reprodugao do sexo, O advento do videocassete, nova tecnologia de reprodutibilidade da imagem do sexo, popularizou a gravacio/teproducao do sexo no ambito privado, ao passo que a reprodugao ¢ exibigdio da pornografia no ambito puiblico (nos cinemas) enfraqueceu-se, conforme percepedo de Abreu No contexto da indtist fa cultural, a producdo hard-core internacional entrava numa forma muito especial de decadéncia: enquanto decres- ciao consumo de filmes em cinema, aumentava o consumo doméstico de filmes em video. [...] Com a banalizagao da proje¢ao nos cinemas ea entrada em cena dos videocassetes, a frequéncia as salas de exi- Digdo — jé estigmatizadas ~ ficou restrita a um publico mais popular (ou de classes de baixa renda), ao mesmo tempo em_que [sic] um outro publico passa a consumir em'edsa o}filme pond, através do videocassete: Em meados dos ano’ 86)/0)cinema pornd) comega @ dail sinais de cansagdyembora virios filmes chegassem a ser-¢onsiderados “bom cinema” até pelos menos entusiastas. Pode-se dizer que 0 porné entra em decadéncia (na exibicao) sem chegar ao auge de stas possibili- dades, O/piblica acomoddii-se com a pleco de sexo EXplicito no cinema, € passada a onda da novidade, as salas ji néo recebiam a mesma quantidade de espectadores “normais’,limitando-se a aficiona- dos)cinéfilos do portiG— uma espécie de “nova brigada encapotada” * A partir dos anos de 1999, 0 cinema de autor adota com maior frequéncia 0 explicito como uma possivel variacéo de representacao do sexo em suas obras. Nao apenas 0 curopeu, que foi o mais representativo nesse aspecto, mas também grande parte do cinema norte-americano, seguido do latino e do oriental, com excegao dos muitos paises do Oriente Médio ~ embora o Egito tenha produzido recentemente tum primero filme sobre a seduciio gay — onde a pomnografia e a representacaio visual do sexo no cinema e na televisio so proibidas, levando até mesmo & condenagdo por crime e A punig&o com morte*. O pornogrifico passou a ser estilizado, com maior evidéncia, em narrativas artisticas inseridas em uma nova tendéncia contempora- nea, oriunda do cinema independente, chamada de new explicitness*, como a Tim Ditks, ou novo cinema extrem, na Franga, termo cunhado pelo critico James Quandt, Para ele, 0 termo abrange parte da cinematografia do final do século x e inicio do xx1, identificada como transgressora e politica por explicitar novos padrées visuais de representaco do sexo e da violéncia com propésitos narrativos. Quandt

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