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MÓDULO II – Investigações sobre a dinâmica das cidades

Iniciamos nosso segundo módulo da disciplina com uma indagação fundamental: por que as
cidades existem? Para nos auxiliar a desvendar essa questão, selecionei para leitura o texto de
Jan Brueckner (2011), referência internacional no tema. Embora ressalte que a existência das
cidades não é um fenômeno unidimensional – pois elas são o resultados de uma confluência
de fatores tais como militares, sociais, dentre outros – é no domínio econômico que o autor
concentra sua explicação. Para Brueckner, as cidades existem devido à existência de forças
econômicas que levam a oferta de empregos a se concentrar espacialmente, atraindo os
trabalhadores e suas famílias para as proximidades do local de trabalho. Os dois conceitos-
chave para compreender esse processo são: economias de escala e economias de
aglomeração.

Com relação às economias de escala, embora elas colaborem na compreensão do surgimento


de centros urbanos, sua capacidade de explicação é limitada. Vejamos. Em uma grande fábrica,
a divisão do trabalho permite que cada trabalhador se concentre em uma tarefa específica,
elevando a eficiência geral. À medida que as empresas centralizam suas operações para
capitalizar essas economias de escala, elas também acabam concentrando oportunidades de
emprego em uma região específica. Esse agrupamento de empregos, por sua vez, atrai uma
força de trabalho diversificada, reforçando o papel das cidades como centros de atividade
econômica.

Se por um lado esse processo pode explicar por que existem cidades ao redor de grandes
indústrias, ele não é capaz de explicar por si só por que várias grandes empresas se
concentram em uma mesma cidade, criando grandes centros urbanos. Para isso é necessário
recorrer ao conceito de economias de aglomeração – o conjunto de externalidades positivas1
que ocorrem quando há uma concentração significativa de habitantes e empresas em um
determinado lugar, como uma cidade.

As economias de aglomeração surgem devido à proximidade entre atores, que facilita a troca
de informações, a colaboração e o acesso a um mercado de trabalho mais amplo e
especializado. Em outras palavras, a aglomeração permite que as empresas e os trabalhadores
sejam mais produtivos do que seriam isoladamente pelo simples fato de estarem juntos. Um
exemplo destacado por Brueckner é o compartilhamento de insumos. Quando várias empresas
que operam em setores semelhantes ou complementares se localizam em uma área geográfica
próxima, isso permite que elas tenham acesso mais fácil e eficiente a fornecedores e matérias-
primas. O resultado é uma redução significativa nos custos de transporte e um aumento na
eficiência operacional.

Outro exemplo é o transbordamento do conhecimento que ocorre em áreas urbanas


densamente povoadas ou em clusters industriais. A proximidade física entre empresas e
instituições de pesquisa facilita uma troca rápida e eficaz de ideias e inovações. Isso não
apenas acelera o ritmo de desenvolvimento tecnológico, mas também cria um ecossistema

1
Em economia, externalidades são os efeitos não intencionais de uma decisão sobre indivíduos ou
entidades que não participaram da tomada dessa decisão. Esses efeitos podem ser positivos, como
quando o consumo de serviços educacionais por um indivíduo beneficia as pessoas com quem ele se
relaciona, ou negativos, como no caso de poluição ou congestionamento.

1
rico em inovação. Nesse cenário, a aglomeração atua como um catalisador para o avanço
tecnológico, beneficiando todas as partes envolvidas e contribuindo para o crescimento
econômico da região.

Brueckner dá uma atenção especial aos benefícios para os consumidores advindos das
aglomerações de lojas em bairros comerciais e shopping centers. A proximidade das lojas
reduz o tempo e o custo de deslocamento, tornando mais atraente para os consumidores
visitar várias lojas em uma única viagem (além de permitir uma comparação de preços mais
eficiente). O autor termina o capítulo nos sugerindo que os shoppings são construídos e
compostos com um conjunto de lojas com o intuito de maximizar esses benefícios, de modo a
atrair o maior número possível de consumidores.

Um ponto que merece atenção nesse momento é a afirmação que o autor faz de que os donos
dos shoppings podem cobrar aluguéis tanto mais caros quanto maior for a receita de uma loja.
Para nos ajudar a compreender os efeitos econômicos dessa cobrança desigual de aluguéis,
precisamos nos aprofundar em um conjunto de teorias que explicam como que se determina o
pagamento pelo uso do solo urbano. Para tanto, escolhi um artigo de Paul Singer (1980) que
discute os impactos do que se chama de renda diferencial e absoluta da terra (e do solo
urbano) no processo de produção das cidades. Aqui, não se trata apenas de explicar por que as
cidades crescem, mas como elas crescem da forma que o fazem.

No texto, Paul Singer explica que a renda diferencial da terra é paga pelas empresas tendo em
vista o superlucro que cada localização específica proporciona. Isso significa que a renda
diferencial surge da vantagem que determinadas áreas têm em relação a outras, seja devido
ao acesso a serviços urbanos, como transporte, água, escolas, comércio, entre outros, ou ao
prestígio social da vizinhança. A ocupação dessas áreas privilegiadas é geralmente reservada às
camadas de renda mais elevada, que estão dispostas a pagar um preço mais alto pelo direito
de morar nessas localizações.

A teoria da renda diferencial da terra explica o fenômeno de cobranças de aluguéis maiores


em shoppings em comparação com bairros comerciais através da noção de vantagens
locacionais. De acordo com essa teoria, a renda diferencial é determinada pela localização
específica de um imóvel e pelas vantagens que essa localização oferece. No caso dos
shoppings, eles são projetados e construídos em áreas estrategicamente selecionadas,
geralmente em regiões de grande fluxo de pessoas e com fácil acesso. Essas localizações
privilegiadas proporcionam uma série de vantagens para os lojistas, como maior visibilidade,
maior fluxo de clientes e acesso a infraestrutura e serviços compartilhados, permitindo que o
valor mais elevado do aluguel seja compensado pelo aumento do lucro.

A problematização que Singer e outros autores2 trazem para esse debate é que, quando a
produção dos espaços urbanos é dirigida por empresas capitalistas com interesses privados, a
estratégia de maximização dos lucros por meio da maximização da renda diferencial implica

2
Um autor cujo trabalho é fundamental para a compreensão da dinâmica do espaço urbano é Roberto
Lobato Corrêa, geógrafo brasileiro. Ele tem um foco particular na análise da organização espacial das
cidades, especialmente no contexto brasileiro, sendo reconhecido por suas investigações sobre os
processos de segregação e concentração espacial, bem como sobre a influência de fatores sociais e
econômicos na formação e transformação do espaço urbano. Cf. Corrêa, 2004.

2
não em urbanização, mas na construção de desigualdades urbanas significativas. Para que os
aluguéis em um bairro residencial de luxo ou em um shopping centers sejam elevados, é
preciso a existência de amplas áreas com menos acesso a serviços urbanos de qualidade.

Para refletir

Após discutirmos as complexidades econômicas que dão forma às cidades, vamos


refletir sobre como esses conceitos se manifestam em sua própria cidade ou região.
Comece por considerar o papel das economias de escala no fluxo migratório para
centros urbanos: sua cidade é um destino ou origem de migrantes em busca de
emprego? Como isso afeta a dinâmica social e econômica local?

Da mesma forma, observe se há bairros ou distritos onde diversas empresas de


diferentes setores estão agrupadas. Isso pode ser um exemplo de economias de
aglomeração em ação, onde a proximidade facilita a troca de informações e recursos.
Como você acha que essa aglomeração de empresas afeta a comunidade local? Ela
contribui para um aumento na qualidade de vida devido a mais empregos e serviços?
Além disso, caberia também falarmos de “deseconomias de agregação”, ou problemas
gerados como aumento do custo de vida e tráfego?

Pense também sobre a questão da renda diferencial da terra em sua localidade. Você
nota alguma correlação entre os preços dos imóveis e o acesso a serviços urbanos de
qualidade, como transporte público, escolas e hospitais? Essa é uma manifestação direta
da teoria da renda diferencial, onde o valor da terra é inflacionado devido às vantagens
locacionais. Isso também pode lançar luz sobre as desigualdades sociais e econômicas
em sua cidade, já que áreas com maior renda diferencial tendem a ser ocupadas por
grupos de renda mais elevada.

Construtoras, incorporadoras e imobiliárias frequentemente buscam áreas com alta


renda diferencial para desenvolver projetos. Este é um motor potente para a expansão
das cidades, mas também pode contribuir para a gentrificação e a crescente
desigualdade urbana. Em sua cidade, você observa um boom imobiliário em áreas já
dotadas de infraestrutura de qualidade? Como isso está afetando o tecido social e a
acessibilidade a moradias?

Por último, considere como essas teorias podem informar políticas públicas e iniciativas
de planejamento urbano em sua cidade. Estão sendo feitos esforços para diminuir as
desigualdades geradas pela renda diferencial da terra? Existem políticas que incentivam
a aglomeração de indústrias de maneira que beneficie tanto as empresas quanto a
comunidade local? Como as políticas públicas podem mitigar os efeitos negativos das
economias de aglomeração e da renda diferencial da terra?

Referências Bibliográficas

BRUECKNER, Jan K. Lectures on urban economics. Massachusetts: MIT press, 2011.


CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. 4. e. São Paulo: Ática, 2004.

3
SINGER, Paul. O uso do solo urbano na economia capitalista. Boletim paulista de Geografia, n.
57, p. 77-92, 1980.

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