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Análise Psicológica (2007), 4 (XXV): 571-583

Promover a mudança em personalidades


anti-sociais: Punir, tratar e controlar

RUI ABRUNHOSA GONÇALVES (*)

1. INTRODUÇÃO um destes conceitos é um composto de vários


factores ou índices, uns mais objectivos que outros,
Em 1982, Witheley e Hosford afirmavam, a uns mais estáticos (no sentido de que a sua modi-
propósito do trabalho dos psicólogos em contextos ficação é impossível ou muito difícil), outros mais
penitenciários, que não existia nenhuma outra área dinâmicos (porque mais facilmente modificáveis).
de trabalho da psicologia capaz de representar Finalmente, e aquando da aplicação de tais noções
tanto desafio tanta versatilidade e tanto risco físico. ao indivíduo concreto, esperamos poder contribuir
Talvez por isso, não só a investigação nesta área de forma pragmática para que a intervenção junto
sempre pecou por algum defeito como, sobretudo, de sujeitos anti-sociais seja mais útil e mais eficaz.
o desenho e implementação de intervenções junto
dos indivíduos recluídos ou a cumprir qualquer
medida alternativa à pena de prisão, teve que 2. PROMOVER A MUDANÇA: O QUE É
esperar pelos anos noventa do século passado, PRECISO PARA QUE AS COISAS RESULTEM
para obter um pleno reconhecimento e aceitação.
Este texto procura evidenciar, em primeiro lugar, Em 1987, vários anos depois de ter surgido, a
as dificuldades da intervenção com sujeitos anti- propósito da intervenção com delinquentes, a célebre
-sociais, considerando igualmente as especifici- expressão “nada funciona” (nothing works) (Martinson,
dades dos psicopatas. Duas noções atravessam toda 1974), Sechrest e Rosenblatt (1987) após terem
a problemática em causa: o risco e a tratabilidade. compulsado a literatura disponível sobre a inter-
Assume-se que se trata de duas dimensões que venção em delinquentes juvenis, chegaram à conclusão
caminham em sentidos opostos mas nem por isso de que ou “não existe, de facto, nenhuma maneira
indissociáveis. Assim, em abstracto, quanto maior de reabilitar os delinquentes” ou “é possível que
o risco menor o grau de tratabilidade e, consequen- exista alguma maneira só que ainda não foi encon-
temente, qualquer factor que aumente as hipó- trada” e que, finalmente, “devido a problemas meto-
teses de tratabilidade terá um efeito em termos de dológicos nas investigações até agora produzidas,
redução do risco. Veremos igualmente que qualquer não se sabe realmente muita coisa acerca das abor-
dagens que resultam ou das que não resultam”
(*) Instituto de Educação e Psicologia da Universidade
(p. 417). Porém, se só mais tarde se teve a certeza
do Minho, Braga, Portugal. E-mail: rabrunhosa@iep. acerca dos procedimentos mais eficazes com delin-
uminho.pt quentes (e.g., Redondo, Garrido & Sanchez-Meca,

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1997; Redondo, Sanchez-Meca & Garrido, 1999), é diminuta, pelo que deve proceder-se a uma cuida-
no que toca às questões metodológicas, foi evidente, dosa apreciação das variáveis independentes para
desde logo (e.g., Gonçalves & Vieira, 1992; Sechrest se avaliar quais devem ser manipuladas tendo em
& Rosenblatt, 1987), o cortejo de insuficiências vista a probabilidade de produzirem efeitos fortes
e erros detectados em muitos estudos. Porque tais na variável dependente. Pode ajudar bastante a
erros continuam muitas vezes a serem cometidos, esclarecer esta questão o facto de existir uma
por distracção ou impreparação, vale a pena determo- conceptualização teórica capaz de poder explicar
-nos um pouco sobre as questões metodológicas. os resultados da intervenção que vá além de um
enunciado demasiado amplo e generalista, do tipo
2.1. Procedimentos “a psicoterapia faz diminuir a reincidência”. O
que faz sentido é ligar, por exemplo, o controlo
da raiva com a redução de ofensas corporais vio-
2.1.1. Avaliação do processo e avaliação do lentas e, no caso dos resultados não darem suporte
resultado à teoria enunciada, o investigador tem a possibi-
lidade de procurar hipóteses alternativas no mesmo
Uma primeira questão, está relacionada com a quadro teórico (por exemplo, verificar se os delitos
distinção entre avaliação do processo (a que se cometidos se enquadravam num registo de vio-
preocupa com as várias fases de desenvolvimento lência instrumental ou reactiva, já que será neste
de um programa permitindo assim introduzir as último caso – violência reactiva – que uma inter-
correcções ou as modificações necessárias) e ava- venção desse tipo poderá fazer mais sentido). Se
liação do resultado (que se preocupa com as diferenças assim for, então o programa deverá controlar essa
que se verificam entre um ponto inicial – pré-teste, variável e assinalar quais as situações para que
e outro final da intervenção – pós-teste). está vocacionada a sua aplicação.
Em muitos casos, avaliam-se apenas os resul- Do mesmo modo, importa saber se um programa
tados de um determinado programa ou intervenção de intervenção oferece integridade suficiente, isto
e se não houver diferenças de médias estatistica- é, se a forma como foi planeado, proposto e final-
mente significativas entre o início e o fim, conclui-se mente implementado não apresenta discrepância,
que o mesmo não funcionou. Porém, tal pode resultar para que princípio, meio e fim do tratamento tenham
apenas dos efeitos de amalgamização que as medidas ligação entre si. Na realidade, embora muitas vezes
de tendência central potenciam, isto é, embora bem estruturados, certos programas sofrem desvios
em termos de grupo possa não surgir um efeito de orientação, quer ao nível dos objectivos a que
significativo global, alguns sujeitos poderão ter são destinados quer dos meios postos ao seu dispor
efectivamente beneficiado com o programa, só o
para a respectiva realização.
que o seu resultado positivo é ofuscado pelos resul-
A duração do tratamento também deve ser cuida-
tados mais negativos que outros elementos do grupo
dosamente avaliada. Obviamente, que tratamentos
possam evidenciar. Uma avaliação do processo
mais longos e eventualmente mais intensos – a
poderia, atempadamente, excluir os indivíduos
que não deveriam estar nesse programa, porque intensidade refere-se à quantidade de tratamento
as suas características pessoais a tal aconselhariam. ministrada por unidade de tempo (e.g., número de
Em grupos pequenos, basta às vezes um elemento sessões p/semana) – poderão ser mais benéficos
para inquinar o resultado global transformando para os ofensores, atendendo à sua crónica dificul-
resultados liminarmente positivos em resultados dade em modificarem comportamentos e atitudes,
francamente negativos. mas também aqui a avaliação de processo permitirá
perceber quando se atinge um ponto de benefício
máximo a partir do qual os ganhos tendem a estabilizar.
2.1.2. Robustez, integridade e duração da inter-
venção Deste modo, e consoante o tipo de programa, deve
ser possível prever um ponto de equilíbrio entre
Outros programas são postos em marcha sem a intensidade e a duração da sua aplicação.
um prévio questionamento acerca da sua robustez
conceptual. Assim, devemo-nos interrogar sobre 2.1.3. Qualificação do staff
se uma intervenção merece a pena ser levada a
cabo quando a magnitude do efeito que se prevê Se noutros contextos é já importante a existência

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de profissionais altamente treinados para levar a intervenção. Por exemplo, se ao aumentar a capa-
cabo intervenções, no âmbito da anti-socialidade cidade de uma prisão apenas se pretende resolver
esta questão é de uma extrema acuidade. Assim, um problema de sobrelotação ou se procura também
qualquer elemento que lide com sujeitos anti-sociais melhorar o seu clima social ou baixar as agressões
deve ser previamente objecto de formação específica entre reclusos.
em que sejam adquiridos conhecimentos teóricos e
práticos sobre as características dos sujeitos e insti- As questões que temos vindo a desenvolver
tuições em que vai intervir, treinadas competências pressupõem que, em conjunto, seja elaborado um
de interacção com os mesmos e simuladas situações- protocolo claro da intervenção, que não ofereça dúvidas
-problemas típicas do ambiente em que vai estar aos seus utilizadores sobre a sua implementação
envolvido posteriormente e os questionamentos e modo de avaliação. Tal protocolo deverá resultar,
éticos que obrigatoriamente irá enfrentar (e.g., Bersoff, assim, de uma coerente conceptualização teórica
1999; Committee on Ethical Guidelines for Forensic e de uma discussão prévia entre os seus mentores
Psychologists, 1991; Ogloff, 1999). Será também neste e outros técnicos e os responsáveis pela sua imple-
período probatório que se testam, por exemplo, as mentação e avaliação posteriores. Aí deverá ficar
capacidades para ser confrontativo com os delin- desenhado o procedimento, os sujeitos-alvo e os
quentes, as competências para evitar cair nas arma- objectivos, a programação em termos de intensi-
dilhas que estes frequentemente colocam, as oportu- dade e duração das sessões, para que o plano de
nidades em que faz sentido ser-se também empático tratamento seja isento de ambiguidades e natural-
e a habilidade para extrair pistas de diagnóstico impor- mente mais pragmático.
tantes.
Por outro lado, é fundamental que se envolva 2.2. Sujeitos
ao máximo a instituição e os seus profissionais na
conceptualização, execução e avaliação da inter-
venção, para obstar a que surjam resistências à 2.2.1. Classificação diferencial
sua aplicação por força da inércia ou da descon-
fiança que é apanágio das instituições da Justiça. Este ponto continua a merecer uma importância
Além do mais, sabe-se que o treino de guardas muito especial. Na realidade, é necessário que se
prisionais para funções de apoio a programas tera- procure eleger para programas de intervenção os
pêuticos, despiste de ocorrências perturbadoras indivíduos que reúnem maiores probabilidades
(e.g., reclusos com comportamentos pré-suici- de sucesso. Por exemplo, deverá haver um cuidado
dários) e programas educacionais, é útil e eficaz especial com os psicopatas, dada a sua maior resis-
(cf. De Waele & Depreeuw, 1985; Redondo 1993). tência à mudança e mesmo a possibilidade de utili-
zarem os recursos postos à sua disposição pelo
2.1.4. Focalização e clareza do plano de trata- programa para se tornarem ainda mais hábeis na
mento vitimização dos seus alvos (e.g., Gonçalves, 1999a).
Outras situações revelam ainda a ingenuidade
Escolher alvos específicos para intervir e elaborar e a forma intuitiva como por vezes são tomadas
programas claros e acessíveis à compreensão, em as decisões neste âmbito e os efeitos que daí podem
termos de objectivos e procedimentos, deverá ser advir. Por exemplo, a “protecção” dada aos crimi-
outra das preocupações metodológicas fundamen- nosos sexuais, para que não sejam vitimados por
tais. Assim, um programa será mais eficaz se devotar outros reclusos, pode contribuir para que, mais
os seus esforços para uma determinada área ao tarde, os mesmos usufruam de medidas flexibili-
invés de tentar cobrir uma gama variada de aspectos zadoras do cumprimento da pena, tomando apenas
que, embora relacionados entre si, poderão não como critérios índices de adaptação à prisão (bom
produzir ganhos práticos ou significativos. Por comportamento, colaboração com a vigilância, …) e
exemplo, programas intencionalizados para a melhoria esquecendo as questões da génese do comporta-
da auto-estima ou o controlo da agressividade são mento sexual criminoso, que se sabe particular-
mais eficazes do que aqueles que almejam mudanças mente atreito à reincidência (e.g., Gonçalves, 2004;
da personalidade (cf. Redondo, 1993). E, do mesmo Sjostedt, 2002). Outros critérios como o tipo de
modo, deverá ficar claro o que se pretende com a crime cometido ou a ausência de antecedentes

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criminais, continuam também a ser fonte de engano 2.2.3. Quando os sujeitos são psicopatas
e controvérsia pelo que deve ser repensada a sua
utilidade como elementos preditivos (e.g., Gonçalves, Variantes da frase “... não foi encontrado nenhum
1999b). tratamento eficaz ...”, já de si comuns na apre-
ciação das intervenções junto de delinquentes,
Em suma, só uma avaliação criteriosa dos sujeitos
ganham no quadro da psicopatia um estatuto
que faça apelo a factores estáticos (que existem
maior, generalizando a atitude pessimista junto
na história do sujeito e que não são modificáveis)
dos terapeutas em relação a esta desordem e à
ou dinâmicos (actuais e capazes de serem alte-
delinquência no seu todo. Por outro lado, também
rados), com recurso a instrumentos forenses ou a aqui se reconhecem os problemas de origem meto-
provas adaptadas a sujeitos anti-sociais e recor- dológica já referidos, começando desde logo pela
rendo a vários informantes para além do próprio, correcta identificação dos sujeitos como sendo
poderão prever intervenções eficazes. ou não psicopatas e em que grau o são1. Em boa
verdade, pode-se afirmar que o único ponto em
2.2.2. Características da personalidade que os investigadores estão de acordo é o de que
os psicopatas representam o grupo de delinquentes
As personalidades anti-sociais e os psicopatas, menos tratáveis e onde a esperança de modificação
caracterizam-se essencialmente pela sua insin- é mais débil (e.g., Blackburn, 1993; Doren, 1987;
ceridade, um estilo interpessoal manipulativo e Garrido, 1993; Hare, 1986; Losel, 1998).
utilitário e o frequente uso da agressividade para Ainda assim, Losel (1998) concorda que, não
resolver a generalidade dos problemas que lhes obstante o aumento do conhecimento sobre a etiologia
surgem. Estas características, aliadas a traços de da psicopatia e o progressivo crescimento das inter-
egocentrismo, à ausência de sentimentos de culpa venções em psicopatas ao longo dos últimos anos,
ou remorsos pelo impacto dos seus comportamentos continua a pairar um espectro de cepticismo quanto
e atitudes nas outras pessoas, contribuem para à validade e eventualmente necessidade das mesmas.
que se instale aquilo que Walters (1990) descreveu Contudo, não deixa de ser curioso que este autor
como um “estilo de vida criminal”. Ora, subja- prefere a expressão “tratamento e gestão dos psico-
cente à adopção de um estilo de vida criminal, patas” (e.g., Losel, 1996, 1998), à simples utili-
está a ideia que não se quer mudar porque, não zação do termo “tratamento”, introduzindo desta
se vêem quaisquer vantagens na mudança antes maneira a importância de uma vertente de controlo
no processo de intervenção. No seguimento disso,
pelo contrário (e.g., Feldman, 1977) e/ou não é
o autor emite um conjunto de vinte indicações ou
possível mudar porque a sociedade já “rotulou”
princípios, considerados imprescindíveis na con-
o indivíduo como criminoso ou delinquente e portanto,
cepção de programas destinados a psicopatas (e.g.,
por mais que o próprio faça, esse “estigma” jamais Losel, 1996, 1998), que podemos agrupar em questões
se desvanecerá (e.g., Becker, 1963; Goffman, 1963). relacionadas 1) directamente com o ofensor (e.g.,
Tendo em conta o que acabámos de dizer, é “melhoria do auto-controlo”); 2) com o seu meio
possível extrair duas conclusões. Assim, por um ambiente (e.g., “neutralização de redes sociais crimi-
lado, provavelmente, de pouco servirá o trabalho nogénicas”); 3) com o staff (e.g., “selecção, treino
que se possa fazer em termos de dotar o indiví- e supervisão cuidadosas do staff”); 4) com a insti-
duo de competências educacionais, laborais ou tuição (e.g., “contextos de intervenção institucionais
profissionais se não houver modificação dos padrões claramente estruturados”); 5) com as características
de pensamento e relacionamento interpessoal. do programa (e.g., “integridade do programa”);
Por outro, e sendo certo que parece faltar aos delin- ou ainda focalizando-se 6) na necessidade das
quentes uma motivação intrínseca no sentido de intervenções de carácter preventivo (e.g., “inter-
se quererem modificar, então é possível que tal venções precoces no desenvolvimento”) ou 7) no
modificação só possa ser obtida a partir de processos
ditos mais “coercivos” (e.g., Criminal Justice and
Behavior, 2002, special issue), em detrimento de
outros que apelam ao consensualismo (e.g., Rodri- 1
Estes problemas foram praticamente ultrapassados
gues, 2002). depois do aparecimento da PCL-R (Hare, 1991).

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despiste das situações de maior risco e pior prognóstico isso corresponderá apenas a uma percentagem limitada.
de tratamento (e.g., “avaliação aprofundada e cuida- Na restante maioria, prevalecerá a desordem da
dosa do risco e da tratabilidade”). personalidade anti-social (DSM-IV; American Psy-
Por outro lado, autores como Doren (1987) e chiatry Association, 1994).
Meloy (1995) centram a sua análise nas caracte- Um outro mito, é o do penitenciarista ingénuo.
rísticas da relação terapêutica chamando a atenção Este mito pode ter duas formas de expressão. A
para a constante necessidade de alerta que o terapeuta primeira baseia-se na crença da sociedade crimi-
tem de manter para não cair nas armadilhas de sedução, nogénica e o delinquente como vítima-produto da
desafio e controlo, que o psicopata tenta geral- mesma, donde resulta a ilusão de que só transfor-
mente lançar, para minar o processo terapêutico mando aquela poderemos esperar bons resultados
e atacar a auto-estima do terapeuta. na prevenção do crime. A segunda é visível na
atitude de alguns agentes penitenciários, que imbuídos
Não obstante as dificuldades apontadas, é possível de um certo espírito samaritano, propõem ao recluso
contudo partilharmos algum optimismo nesta área, mudanças que este não está capaz ou não quer, de
partindo aliás do princípio já reiterado de que a todo, assimilar. São heranças de uma certa pers-
intervenção com personalidades anti-sociais e psico- pectiva assistencial e caritativa, a que não será
patas é possível e pode ser eficaz se, tal como estranho o peso que a vertente religiosa e o filantro-
defendem Howells et al. (1997), sejam preenchidos pismo humanista tiveram nos primórdios do trata-
alguns pré-requisitos essenciais (bases teóricas mento penitenciário, que é importante reformular
adequadas; formulação individual; análise das e reorganizar, analisando os reclusos de um ponto
necessidades dos sujeitos; abordagem extensiva; de vista desenvolvimental e identificando, como
relevância dos aspectos culturais; integração sistémica; já se disse, os factores de risco e as hipóteses de
identificação dos ofensores de alto risco; e ava- tratabilidade.
liação dos resultados). Ainda no âmbito das contingências institucionais,
o espaço de intervenção e a privacidade são os
2.3. Contextos possíveis, tudo o resto é programado pelo staff e
a não adesão a um programa de tratamento quando
Nas instituições penitenciárias abundam os mitos, este é disponibilizado funciona, por si só, como
as ilusões e as crenças irracionais (e.g., Garrido uma nota negativa na apreciação do recluso. Final-
et al., 1991; Redondo, 1993), que promovem a mente, o próprio ambiente institucional é resistente
resistência à mudança. De facto, muitos dos (se não mesmo hostil) à mudança, por se entender
insucessos havidos nas intervenções levadas a que esta só representa problemas acrescidos e,
cabo nesta área também podem ser devidos à falta eventualmente, maior risco para o staff.
de investigação específica neste domínio, que possi-
bilite uma elaboração conceptual e metodológica 2.4. Resultados
consequente e não a tentativa de “colagem” de
procedimentos que, não obstante se terem revelado Uma inadequada apreciação dos reais efeitos
eficazes noutras áreas (e.g., psicologia clínica), dos programas, constituiu finalmente outra das
podem aqui soçobrar, em parte, por causa dos razões pelas quais se tem posto em causa a neces-
contextos em que se desenrolam. sidade de intervenção nos comportamentos anti-
Assim, não raro, muitas das intervenções com -sociais.
sujeitos anti-sociais partem de um mito bastante Passada a “euforia” em torno da recusa de inves-
antigo que é o da visão do delinquente como um timento em programas reabilitativos para reclusos,
doente a tratar e o tratamento penitenciário como desencadeada pela vaga do ‘nothing works’, começou
um procedimento de tipo médico. Este mito tem a assistir-se a uma progressiva revitalização do
alimentado muita da polémica desenvolvida em ideal do tratamento penitenciário e da sua eficácia,
torno da criminalização dos doentes mentais e da testemunhada em vários estudos que utilizaram o
sua (in)imputabilidade. Se é certo que alguns ofensores método da meta-análise (e.g., Gendreau & Andrews,
são portadores de distúrbios mentais ou desen- 1990; Gendreau & Ross, 1987; Rowson & McGuire,
volvem sintomatologia psicopatológica durante o 1992).
cumprimento da pena de prisão, a realidade é que A vantagem deste método por oposição às tradi-

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cionais revisões de literatura, é que ele permite rejeitarem as suas conclusões, mas sim a encará-las
reduzir a influência de critérios subjectivos na segundo o ponto de vista de que, se mesmo em
selecção e avaliação dos estudos, detecta tendên- condições metodológicas sub-optimais o efeito
cias gerais através de resultados diferenciais e surge, então é porque este é mesmo importante,
sobretudo permite contabilizar a magnitude dos pois resistiu ao teste mais duro que lhe poderiam
efeitos e não apenas o seu grau de significância. ter feito. Há pois que não confundir importância
Assim é que Losel (1993), ao rever um total de com magnitude.
onze meta-análises que abarcaram quase um milhar Finalmente, pode-se ainda argumentar no sentido
de estudos, encontra um efeito global de .10, o de uma análise aos custos da intervenção. Assim,
que significa que se, por exemplo, o grupo de Farrington et al. (2001) puseram em evidência
controlo exibe uma taxa de reincidência de 55%, através de uma análise de custos/benefícios de
a do grupo de tratamento será de 45%. Deste modo, várias intervenções com criminosos, que os bene-
pode-se dizer que o grau de eficácia do tratamento fícios obtidos através dos programas para a prevenção
penitenciário se situa em torno dos 10% de redução da reincidência, são superiores aos custos da sua
da reincidência. Numa outra revisão de meta-análises implementação, num intervalo situado entre 1.13
em países europeus sobre o tratamento de jovens e 7.14 dólares. Isto significa que por cada dólar
e adultos delinquentes Redondo, Garrido e Sanchez- gasto no programa, o retorno obtido para o governo,
Meca (1997), encontraram um efeito global posi- contribuintes em geral e vítimas em particular, se
tivo de .15. Os mesmos autores (e.g., Redondo, situava no intervalo já referido.
Sanchez-Meca & Garrido, 1999), verificaram poste-
riormente, através de uma meta-análise efectuada
sobre 32 estudos europeus após um período de 3. CONSOLIDAR A MUDANÇA: PUNIR,
follow-up médio de dois anos, um efeito global TRATAR E CONTROLAR
positivo de .12 na redução da taxa de reincidência.
Outras análises têm vindo a cimentar estes resul- Se como vimos no ponto anterior, é já hoje
tados (cf. Cullen & Gendreau, 2001). possível perceber o que é que pode com maior
É possível todavia argumentar que um tal probabilidade resultar ou falhar na intervenção
resultado, ainda que positivo, é baixo, mas aí com sujeitos anti-sociais e psicopatas, importa
basta ter em conta o tipo de população-alvo em agora desenvolver procedimentos que assegurem
que foi obtido (indivíduos na maior parte dos casos uma consolidação da mudança ou que, pelo menos,
com uma larga história de marginalização e pri- ofereçam um conjunto de garantias no sentido de
vações socio-económicas), o contexto institucional que essa mudança seja continuamente alvo de
em que é levado a cabo e os perigos da estigma- escrutínio e reavaliação. Assim sendo, julgamos
tização e etiquetagem social que pendem sobre os ser útil trabalhar a partir de um modelo integrado de
ex-reclusos, para que a ideia da aposta no tratamento intervenção sobre os ofensores, quaisquer que eles
de ofensores saia, afinal, reforçada. Em boa verdade, sejam, que contemple aquilo que consideramos
qualquer efeito positivo é bom, independentemente os três vértices ou ângulos da questão: a punição,
da sua magnitude, quando até ao momento ainda o tratamento e o controlo (cf. Figura 1).
não se encontrou um processo melhor (mais eficaz Este modelo assenta sobretudo na necessidade
e mais barato) de debelar o problema. Por exemplo, de uma correcta avaliação de cada ofensor, no
o efeito médio da quimioterapia no cancro da mama risco actual que ele representa e no estabeleci-
é de .05, mas a ninguém ocorre dizer que ela deverá mento de um prognóstico para o seu tratamento.
ser posta de parte só porque a sua taxa de sucesso é São relevantes para esta análise, consoante os casos,
baixa. Também foi referido que o efeito positivo variáveis de carácter socio-demográfico (e.g., idade,
na redução de acidentes, das campanhas educa- estado civil, nível educacional, enquadramento
tivas para a utilização do cinto de segurança no profissional, rede de apoio social e familiar ...),
Canadá, se cifrou “apenas” em .06, mas ninguém juridico-penal (e.g., delito/crime cometido; passado
põe em causa a necessidade do seu uso (e.g., Lipsey criminal, percurso adaptativo ao cumprimento da
& Wilson, 1993). Tal como referem Prentice e Miller pena de prisão ...) e clínicas (e.g., presença/ausência
(1992), um efeito baixo não deve necessariamente de psicopatia, de parafilias, de abuso de drogas
conduzir os investigadores a questionarem ou mesmo ou álcool ou outras psicopatologias).

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FIGURA 1
Esquema geral da intervenção com ofensores

PUNIR

TRATAR CONTROLAR

Esta avaliação pressupõe o recurso a uma o “recuo” à instância punitiva como estratégia de
gama variada de instrumentos, quer de auto-relato rememoração do que deve ser a finalidade da inter-
quer de aquilo que é comum denominar-se de venção com agressores: o bem-estar social, que
“instrumentos de avaliação forense”, isto é, instru- se deve sobrepor ao bem-estar individual. Assim,
mentos que não são suficientemente estruturados é fundamental que fique claro para o sujeito que
como os testes nem possuem normas, critérios se trata de um processo que, a todo o momento
ou pontos de corte claros, que sirvam de padrões pode ser interrompido sempre que o terapeuta tenha
de referência. Na realidade, trata-se sobretudo de indícios seguros que o agressor ameaça envolver-se
métodos ou procedimentos de avaliação, apresen- de novo nos comportamentos abusivos que o
tados geralmente sob a forma de checklists, que conduziram ao processo (ou noutros, igualmente
provêm de uma sólida tradição de investigação reprováveis), com a consequente reactivação do
com populações forenses aliada aos ensinamentos procedimento punitivo.
da prática clínica (e.g., Douglas & Webster, 1999; Mas a aposta no tratamento é igualmente
Grisso, 1986). inequívoca. Não há reabilitação sem intervenção
O instrumento base de avaliação para ofensores ou tratamento. A lei defende que a prisão deverá
que propomos é a PCL-R (Hare, 1991), dado que ser punitiva mas sobretudo ressocializadora. Assim
não só permite identificar a psicopatia como, através a prisão tem que oferecer condições de oferta de
da sua entrevista semi-estruturada, é possível colher trabalho, educação, formação profissional e lazer,
a história pessoal do sujeito e testar posterior- que contribuem para a aquisição de competências
mente a veracidade dos seus relatos. Parte-se de por parte dos reclusos, mas tem igualmente que
seguida para a avaliação do risco que pode ser promover, através de programas de competências
feita através do HCR-20 (Webster et al., 1997) – relacionais e interpessoais, a mudança de atitudes,
que identifica o risco de violência em geral – ou de cognições, de comportamentos e de estilos de
através do SVR-20 (Boer et al., 1997), que se destina vida. Tal pode ser feito com a anuência do recluso
ao risco de violência sexual. Outros instrumentos, mas também pelo recurso a meios mais coercivos,
com o propósito de proceder a uma análise com- já que não é pelo facto de os indivíduos não mostrarem
preensiva do sujeito, poderão ainda ser aplicados. motivação ou interesse pela mudança, que eles
Face a essa análise, é possível defender um plano não são modificáveis. Sabe-se que muitos toxico-
de intervenção que, partindo do momento punitivo, dependentes e mesmo criminosos sexuais só adquirem
incida de forma equilibrada na vertente do tratamento motivação quando coagidos a frequentarem programas
ou na do controlo ou em ambas simultaneamente, (e.g., Criminal Justice and Behavior, 2002). Defen-
produzindo, sempre que necessário e conveniente, demos assim um modelo em que, embora o consen-

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sualismo (e.g., Rodrigues, 2002) seja desejável de raiva e hostilidade, ...) e consciencializa-se o
não terá que ser obrigatório. indivíduo das consequências do problema, para
E finalmente o controlo. Já dissemos que as si e para terceiros (e.g., impacto nos filhos, impacto
dificuldades de reinserção são muitas e não raro no seu funcionamento laboral), ensaiando-se depois
esta pode falhar porque a sociedade estigmatiza estratégias de aprendizagem para o treino de reso-
e aliena o sujeito que passou anteriormente por lução de problemas, a aquisição de competências
um processo de exclusão. Mas também pode uni- sociais e as vantagens da utilização do pensamento
camente falhar porque o controlo exercido sobre alternativo e do pensamento consequente. Este
ele foi débil ou mesmo inexistente. Daí a neces- plano global pode ser comprometido caso a avaliação
sidade de os programas integrarem sempre um anterior tenha detectado a presença de factores de
módulo de prevenção da recaída. Mas o controlo risco particularmente graves, como é por exemplo
deve igualmente passar por instâncias externas ao o caso da psicopatia, doenças mentais graves ou
sujeito, quer sejam a família, os amigos, os vizinhos, abuso de substâncias. Assim, no caso da psicopatia
instituições da Justiça ou a monitorização electró- há que rever a estratégia segundo aquilo que se
nica. É a partir do controlo que a eficácia da inter- sabe acerca das intervenções com psicopatas. Quanto
venção é melhor testada, tendo em atenção que o à presença de doenças mentais graves ou do
sujeito já não está em meio protegido. Vejamos diagnóstico de abuso de substâncias, a intervenção
agora três situações distintas. só poderá iniciar-se desde que o indivíduo se encontre
clinicamente compensado, no primeiro caso, e tenha
3.1. Agressores conjugais procedido à respectiva desintoxicação, no segundo.
Nos determinantes causais da agressão conjugal,
Para além de um modelo de intervenção baseado existem factores conjunturais e de certa maneira
no paradigma cognitivo-comportamental, importa “predisponentes” para a sua ocorrência, que devem
referir que, no caso dos agressores conjugais, elen- ser objecto de uma acção preventiva de ordem
camos algumas prioridades essenciais. mais global, ao nível das políticas sociais e econó-
Assim, em primeiro lugar, é absolutamente micas (e.g., melhoria das condições socio-econó-
necessário que cessem de imediato os comporta- micas, investimento na educação, apoio a famílias
mentos abusivos sobre a vítima, quer através da carenciadas), privilegiando também a intervenção
separação dos elementos do casal quer mesmo em crianças e jovens. Outros aspectos como o pla-
através da apresentação de queixa às entidades com- neamento familiar, programas de prevenção do
petentes. O medo de ser preso ou a revogação da abuso de substâncias e a formação profissional,
medida alternativa ou suspensiva em que o agressor contribuem a montante para que muitos índices
foi colocado, são métodos eficazes para o dissuadir anti-sociais – e entre eles o maltrato conjugal –
de prosseguir nos seus comportamentos abusivos, não tenham expressão futura.
promovendo-se a protecção da vítima. Por outro Finalmente, as estratégias de intervenção apon-
lado, o agressor tem que perceber desde logo que, tadas terão maior impacto se desenvolvidas em
enquanto a credibilidade do discurso da vítima é sujeitos mais jovens e não em agressores já com
reforçada, as suas palavras, intenções e actos, estão um percurso abusivo mais longo onde tendem a
sujeitos a um aturado escrutínio para determinar co-existir, naturalmente, maior número de factores
se correspondem ou não a um prenúncio efectivo de risco. Nestes, a eficácia da intervenção sairá
de mudança do seu padrão abusivo. reforçada através de uma maior aposta no controlo
Requer-se também ao terapeuta que seja con- pós-tratamento, devendo funcionar em primeira
frontativo, desafiando as crenças e as distorções instância a aprendizagem dos sinais de prevenção
cognitivas que usualmente constituem o cerne do da recaída (controlo interno) e, em segundo lugar,
funcionamento dos agressores conjugais, mas não mecanismos de controlo mais formal (externo)
sem ser capaz de experienciar alguma empatia, (e.g., vítima/família, forças de segurança, vigilância
para que se possa criar uma aliança terapêutica a electrónica, ...). Entende-se assim que no caso dos
partir da qual se desencadeie a mudança. Simul- agressores conjugais adultos e desde que não estejam
taneamente, e mercê da avaliação previamente feita, presentes os factores de risco mais problemáticos,
identificam-se áreas específicas a intervir (e.g., depois de um programa de intervenção adaptado
controlo da agressividade, controlo dos sentimentos em intensidade e duração às necessidades do agressor,

578
FIGURA 2
Esquema da intervenção em agressores conjugais

PUNIR

CONTROLAR
TRATAR

deve consignar-se um período relativamente longo (sedução ou violência). Por exemplo, não é acon-
destinado ao controlo (cf. Figura 2), que permita selhável a promoção de intervenções em grupo
efectivamente prevenir a repetição de actos abusivos, que “misturem” agressores sexuais de diferentes
quer para com a vítima já conhecida quer com outras tipologias. Assim, os abusadores intra-familiares
que eventualmente venham a constituir-se como (e.g., pais incestuosos) apresentam geralmente um
parceiras de relacionamento com o indivíduo. Propõe- padrão de preferências sexuais menos desviante
-se assim um equilíbrio entre as vertentes puniti- (no sentido em que geralmente podem ter igualmente
vas e do tratamento, para acentuar as necessidades relacionamentos sexuais normais com parceiras
de controlo, atendendo a que muitos agressores conju- adequadas), do que os abusadores sexuais de menores
gais tendem, após o período de consumação da ruptura, extra-familiares, que tendem a exibir um padrão
a exibir comportamentos de “stalking”2. abusivo mais preferencial, limitando os seus contactos
sexuais quase exclusivamente a crianças. Por seu
3.2. Agressores sexuais lado, os violadores exibem geralmente um padrão
de maior violência na abordagem da vítima do
A intervenção com agressores sexuais está que os abusadores sexuais de crianças, que privi-
também dependente de uma correcta avaliação legiam estratégias mais sedutoras, pelo menos
dos alvos a que se destina, quer no que diz respeito inicialmente. Assim, importa prevenir que das
à conduta actual dos indivíduos, à sua história intervenções em grupo não resultem narrativas ou
pessoal/criminal, às características do abuso, ao mecanismos de reforço da conduta sexual abusiva,
padrão de preferências sexuais (exclusivo ou não) das fantasias ou das distorções cognitivas destes
ou ainda à forma como abordam as suas vítimas abusadores.
Mais uma vez, a identificação e avaliação atempada
dos factores de risco é fundamental, nomeada-
mente, saber se se trata de um psicopata, como
2
Não havendo uma palavra específica na nossa língua
para o termo – talvez a junção de perseguição com assédio
se modela a sua agressividade (reactiva, instru-
e ameaça seja a mais próxima da ideia original – trans- mental, hostilidade, ...), se é abusador de substâncias
crevemos a definição por extenso mais difundida na e se os crimes cometidos foram-no com o concurso
literatura em que “stalking” é definido como “a repe- das mesmas ou não, e se é portador de parafilias
tição (duas ou mais vezes) de situações ou ocasiões de e/ou de outras desordens mentais ou orgânicas.
proximidade física ou visual, comunicação não-consensual,
verbal ou escrita, ou ameaças implícitas que causariam Tudo isto concorre para uma estimativa da trata-
medo numa pessoa razoável” (cf. McFarlane et al., 1999, bilidade do sujeito e das estratégias de intervenção
pp. 300-301). a empregar.

579
FIGURA 3
Esquema da intervenção em agressores sexuais

PUNIR

TRATAR CONTROLAR

FIGURA 4
Esquema da intervenção em agressores psicopatas

PUNIR

TRATAR CONTROLAR

Quanto ao tratamento, Marshall e Barbaree (1990), pondente necessidade de controlo posterior, tendo
destacam como pontos chave da intervenção e do em conta a elevada percentagem de reincidência dos
sucesso na mesma, 1) a análise detalhada da conduta criminosos sexuais (e.g., Sjostedt, 2002) (cf. Figura 3).
sexual do indivíduo, incluindo as preferências sexuais
desviantes e o funcionamento sexual geral; 2) o 3.3. Psicopatas
funcionamento social, isto é, o repertório de compe-
tências sociais de que o sujeito dispõe; e 3) as dis- Reportando-nos ao que já foi dito atrás acerca
torções cognitivas. Assim, quanto ao primeiro aspecto, das principais dificuldades para lidar com psico-
os autores enfatizam como factor positivo, a impor- patas e no quadro do modelo que temos vindo a
tância e necessidade de uma relação sexual satisfatória desenvolver, a representação esquemática da inter-
com a parceira, enquanto que um maior repertório venção nestes assume agora os contornos da
de competências (empatia, assertividade, ...) e contactos Figura 4. Pesam nesta configuração os aspectos
sociais, facilitará o distanciamento em relação a relacionados com o risco que estes indivíduos apre-
parceiros e comportamentos sexuais inapropriados. sentam e as dificuldades que demonstram ao nível
Finalmente, o maior ou menor grau de enraizamento do tratamento (e.g., Losel, 1998).
de distorções cognitivas está ligado, respectivamente, De facto, neste caso, e atendendo à gravidade
a uma resposta negativa ou positiva ao tratamento. e violência dos crimes cometidos pelos psicopatas
Atentas todas estas considerações, percebe-se assim e ao risco que representam quando em liberdade,
que deve prevalecer uma maior aposta no trata- é possível desde logo que a sua condenação seja
mento em detrimento da punição, com a corres- elevada. Ou quando não o é, ela tende a agravar-se

580
por força do envolvimento em comportamentos Logan, Walker & Leukfeld, 2001; White, Gondolf,
violentos durante o cumprimento da pena (e.g., Robertson, Goodwin & Caraveo, 2002).
Gonçalves, 1999a). Por outro lado, são os indiví- No que toca ao tratamento dos agressores sexuais,
duos que menos hipóteses apresentam de sucesso importa referir a sua versatilidade, que poderão
terapêutico e por isso deverão ser cuidadosamente conduzir a expectativas de tratabilidade ou de
planeadas as intervenções que os tenham por alvo sucesso terapêutico diferentes. Em regra, são os
(cf. Losel, 1996, 1998). É imperioso que neste sujeitos mais jovens e com melhor inserção social
contexto, onde se sabe que os recursos técnicos e e maior número de recursos educacionais, profis-
materiais tendem a ser minguados, não haja des- sionais ou sociais e com ressonância afectiva face
perdício dos mesmos em programas de duvidosa aos actos cometidos, que têm tido mais sucesso.
exequibilidade e de ganhos ainda menos perceptí- Entre os adultos, aqueles cujo delito teve caracte-
veis, porque destinados a indivíduos em que as rísticas de menor intrusividade e teve uma causa
hipóteses de sucesso sejam particularmente reduzidas. próxima circunstancial, em que existia uma relação
A aposta no tratamento dos psicopatas deve pois estável com um parceiro sexual apropriado e onde
existir mas sempre mediante uma análise rigorosa havia igualmente uma inserção social e laboral
de benefícios, custos e prioridades. Finalmente, e satisfatória e a mesma componente positiva de resso-
atendendo à sua alta taxa de reincidência, é essencial nância afectiva, têm constituído também as situações
uma forte aposta no controlo destes indivíduos, de maior sucesso (Gonçalves, 2004; Marshall &
sobretudo através dos meios formais que a Justiça Redondo, 2002; Sjostedtd, 2002).
permite. Nos psicopatas, as modificações, ainda que ténues
e com menor probabilidade de manutenção e gene-
ralização a outros contextos de vida, situam-se na
aprendizagem de processos básicos de relaciona-
4. CONCLUSÃO
mento interpessoal, no controlo de impulsos, no
controlo da raiva e da agressividade (e.g., Gonçalves,
Pretendemos assinalar com este texto a impor-
1999a; Losel, 1996, 1998).
tância de que se reveste o estudo e a intervenção
O esquema apresentado e a configuração tridi-
sobre uma gama alargada de ofensores, com um
mensional pressupõem uma dinâmica e uma malea-
enfoque predominante nos agressores conjugais
bilidade que deverá ajustar-se ao sujeito em cada
e nos sexuais, em que a psicopatia pode estar (ou
momento de avaliação e considerando os vários
não) presente.
factores de risco encontrados, na sua importância
A detecção atempada dos agressores conjugais e na sua eventual modificação por força do trata-
e dos ‘stalkers’ e a avaliação do seu potencial de mento. Assim, se um agressor sexual for simultanea-
risco permite a identificação clara do problema e mente psicopata a configuração deverá respeitar
cria condições para que se efective a intervenção. simultaneamente estas duas condições. Em qualquer
Esta deve ocorrer, de preferência, num ambiente caso, devem-se considerar sempre os factores está-
estruturado, sob a alçada de qualquer medida de ticos e os factores dinâmicos, sendo a intervenção
controlo penal, para que o agressor sinta que, se o produto de um compromisso possível destas duas
não aderir ao projecto de mudança que lhe é pro- vertentes de explicação do indivíduo.
posto, as consequências de tal atitude serão tidas Finalmente, e no que toca ao terapeuta, importa
em conta na avaliação dessa medida (e.g., Gordon consciencializar-se que, em muitos casos, a inter-
& Moriarty, 2003; Stroshine & Robinson, 2003). venção não é possível porque as condições do
A investigação disponível sugere ainda que, tal ofensor ou do contexto não a aconselham e de que,
como no caso de outros agressores, os ofensores noutros, o sucesso não surge tal como prevíramos
conjugais revelam comportamentos anti-sociais mas apenas ocorrem modificações mais débeis.
noutras áreas, nomeadamente abuso de substâncias Por via disso, deve-se proceder a um aturado debate
e perturbações emocionais, pelo que se justifica ético sobre o valor e alcance previsível daquilo
uma preocupação de rastreio de comportamentos que se pretende implementar, em confronto com
familiares abusivos nas populações de toxicode- o potencial de resultados negativos que possa daí
pendentes para que o tratamento destes não con- advir. Ainda assim, devemos recordar-nos que é
temple apenas a vertente da desintoxicação (e.g., sobretudo a importância do efeito e não a sua magni-

581
tude que deve prevalecer. Enfim, entendemos que Feldman, M. (1977). Criminal behavior: A psychological
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