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Análise Psicológica (2008), 4 (XXVI): 615-623

Caracterização psicológica de uma


amostra forense de abusadores sexuais

PEDRO SANTOS PECHORRO (*)


CARLOS POIARES (**)
RUI XAVIER VIEIRA (*)

Pesquisas científicas indicam que cerca de psicótica e não eram nem menos inteligentes
uma em cada quatro mulheres e um em cada oito nem menos escolarizados que a população geral.
homens foram sexualmente abusados na infância O seu estatuto profissional e trabalho também
(e.g., Finkelhor et al., 1990, cit. por Porter, nada tinham de invulgar. Verificou-se sim uma
Fairweather, Drugge, Hervé, Birt, & Boer, tendência ao isolamento do contacto social
2002). Os abusadores sexuais de crianças têm adulto e à presença de perturbação de
sido tradicionalmente retratados perante o personalidade. Investigações recentes baseadas
público em geral como indivíduos psicologica- no DSM-IV (American Psychiatric Association,
mente doentes (geralmente psicóticos, psicopatas 1996; e.g., Raymond, Coleman, Ohlerking,
ou introvertidos) que actuam como predadores Christenson, & Miner, 1999) confirmam que
desenfreados de crianças. Tal estereótipo é raramente é encontrada perturbação psicótica
provavelmente originado pela extensa cobertura nos abusadores de crianças, apesar de lhes serem
mediática dos casos mais aberrantes e chocantes frequentemente diagnosticadas perturbações do
para a opinião pública. Em parte devido a estes humor, perturbações da ansiedade e perturbações
casos, têm sido efectuados uma quantidade de do abuso de substâncias (especialmente álcool).
estudos sobre o perfil psicopatológico dos À medida que a sofisticação da investigação
abusadores sexuais de crianças. em abusos sexuais de crianças foi aumentando
Mohr, Turner, e Jerry (1964, cit. por Quinsey passou-se a recorrer cada vez mais à avaliação
& Lalumière, 2001) efectuaram uma investi- psicológica e psicofisiológica (Seto, 2004).
gação paradigmática na década de 60 na qual Segundo Chantry e Craig (1994) a avaliação
avaliaram 55 abusadores sexuais de crianças psicológica forense em abusadores sexuais de
referenciados pelos tribunais. Estes autores crianças pode ter vários objectivos: (1) avaliar a
evidenciaram que os abusadores sexuais de competência do arguido em ser julgado ou como
crianças raramente sofriam de perturbação auxiliar de uma defesa de alegação de
insanidade; (2) definir as necessidades
específicas do arguido relativamente a serviços
(*) Faculdade de Medicina da Universidade de de saúde mental tanto dentro como fora da
Lisboa.
(**) Universidade Lusófona de Humanidades e instituição penal; (3) prever reincidência futura,
Tecnologias especificamente no que diz respeito a

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recomendações de liberdade condicional; e (4) Bussière, 1998). Hall (1989), por exemplo, não
investigar diferenças básicas entre subgrupos encontrou qualquer diferença nos perfis do
de arguidos. MMPI entre os vários subgrupos de abusadores
O Minnesota Multiphasic Personality de crianças (incestuosos vs. extra-familiares,
Inventory (MMPI; Butcher, Dahlstrom, Graham, agressivos vs. não-agressivos, homossexuais vs.
Tellegen, & Kaemmer, 1999) tem sido o teste heterossexuais, preferência por vítima pré-
psicológico mais utilizado na avaliação -pubere vs. preferência por vítima púbere).
psicológica e investigação de abusadores sexuais Todavia, devido a que uma certa proporção de
de crianças. O MMPI é melhor conceptualizado abusadores de crianças demonstram ter
como uma medida geral de psicopatologia do perturbações psicológicas, o MMPI pode ser
que como uma medida de personalidade. Em útil em certos casos para avaliar como certos
geral, os abusadores de crianças tendem a ter aspectos da psicopatologia podem estar
uma pontuação mais alta na escala de desvio relacionados com as características de abuso de
psicopático, e os indivíduos mais violentos e os certos indivíduos.
abusadores de crianças mais reincidentes tendem A Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R;
a pontuar secundariamente na escala de Hare, 2004) é um instrumento psicométrico
esquizofrenia (Quinsey & Lalumière, 2001). promissor no campo da avaliação de abusadores
Todavia, este padrão de resposta não parece ser sexuais. Porter, Fairweather, Drugge, Hervé,
unicamente específico dos abusadores de Birt, e Boer (2002) utilizaram o PCL-R com uma
crianças, sendo comum entre outros tipos de amostra de 329 reclusos canadianos, dos quais
agressores, e tende efectivamente a desaparecer 228 a cumprir pena por pelo menos um crime
quando se utilizam os controlos adequados sexual. A amostra foi dividida em sub-grupos:
(Okami & Goldberg, 1992; Quinsey & abusador extra-familiar, abusador intra-familiar,
Lalumière, 2001). abusador intra- e extra-familiar, violador,
Langevin et al. (1985, cit. por Okami & abusador-violador, e criminoso não sexual. Os
Goldberg, 1992) utilizaram o MMPI para avaliar resultados demonstraram que os grupos de
abusadores de crianças exclusivamente abusadores de crianças tinham as taxas de
homossexuais e heterossexuais. Os abusadores psicopatia mais baixas, os violadores e os
homossexuais de crianças, quando comparados criminosos não sexuais tinham taxas moderada-
com não-abusadores, apresentavam um perfil mente altas, enquanto que a taxa mais alta de
emocionalmente perturbado, pontuando mais psicopatia foi encontrada no grupo abusador-
alto nas escalas de depressão, esquizofrenia, -violador. Este estudo corroborou o que já outros
desvio psicopático, paranóia, e introversão (e.g., Forth & Kroner, 1995, cit. Porter et al.,
social. Os abusadores heterossexuais de crianças 2002; Serin et al., 1994, cit. Porter et al., 2002)
exibiram um perfil “tenso,” pontuando alto na haviam demonstrado, nomeadamente a presença
escala de hipocondria e nas escalas que mediam de baixas taxas de psicopatia em abusadores
timidez e reserva, mas diferiram dos abusadores exclusivos de crianças quando comparados com
homossexuais de crianças apenas no serem violadores e com a população prisional em geral.
menos conservadores. Também apresentavam Um outro instrumento psicométrico promissor
evidências de perturbação emocional. Os casos na avaliação de abusadores sexuais de crianças é
de incesto, em contraste, pareciam emocional- o Millon Clinical Multiaxial Inventory (MCMI;
mente mais estáveis que os outros grupos, mas Choca & Van Denburg, 1997; Groth-Marnat,
eram menos assertivos. Nenhum dos grupos de 2003; Millon, 1987). O MCMI é um questio-
abusadores de crianças obteve pontuações altas nário de auto-resposta estandardizado que avalia
em feminilidade, o que confirma que os um largo espectro de informação relacionado
abusadores de crianças e os não-abusadores não com a personalidade do indivíduo e o seu
diferem quanto à identidade de género feminina. ajustamento emocional. Tem a vantagem de ser
A validade do MMPI relativamente ao um dos raros testes que se foca simultaneamente
planeamento de tratamento e predição de em perturbações da personalidade e em
reincidência não é encorajante (Hanson & síndromas clínicos, tendo sido demonstrado que

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a sua validade factorial se mantém em amostras concluíram, em consonância com numerosos
forenses (e.g., Ownby et al., 1990, 1991, cit. estudos anteriores (e.g., Kalichman, 1990, cit.
Chantry & Craig, 1994). por Chantry & Craig, 1994), que os violadores
Bard e Knight (1987, cit. por Millon, 1987) de mulheres eram mais semelhantes em termos
utilizaram o MCMI para avaliar 101 sujeitos de estrutura de personalidade aos criminosos
condenados por ofensas sexuais repetitivas, não-sexuais que aos abusadores sexuais de
violentas e/ou compulsivas. Focando-se apenas crianças.
nas escalas de personalidade básicas (1-8), o Pode-se concluir que os abusadores sexuais de
perfil geral para a amostra foi Antisocial- crianças presos demonstram ter níveis
-Narcissico-Histriónico (654). Todavia, relativamente altos de psicopatologia, nomeada-
recorrendo-se a uma análise de clusters surgiram mente uma maior perturbação emocional,
quatro subgrupos distintos. O primeiro subgrupo, dependência, timidez, introversão e tendem a
em que se distinguiu o perfil Evitante- responder de uma forma mais reservada que os
-Esquizóide-Dependente (213), era constituído homens da população normal. A psicopatia, se
por indivíduos de QI tendencialmente baixo presente, é um forte preditor de elevada perigo-
condenados por violação de mulheres e por sidade do indivíduo, embora não seja consensual
abuso de crianças. O segundo subgrupo, que seja preditor forte da reincidência
caracterizado pelo perfil Narcissico-Antisocial- relativamente a crimes sexuais (e.g., Porter et al.,
-Histriónico (564), era principalmente 2002; Quinsey & Lalumière, 2001) dada a
constituído por violadores de mulheres. O relação complexa existente entre psicopatia e
terceiro subgrupo obteve pontuações elevadas crimes sexuais. Não é actualmente claro se estas
nas escalas Antisocial e Passivo-agressivo e era características psicológicas são atribuíveis, pelo
caracterizado pelos actos agressivos e pelo abuso menos em parte, às vicissitudes da reclusão dos
de álcool e drogas. O quarto subgrupo era arguidos dado que raramente os abusadores
caracterizado pela ausência de elevações no sexuais de crianças foram comparados com
MCMI, sendo constituído por indivíduos com grupos controlo adequados, nomeadamente
uma história familiar menos problemática, que criminosos não-sexuais da mesma instituição
aparentavam estar a compensar sentimentos (Okami & Goldberg, 1992; Quinsey &
de inadequação quanto à sua masculinidade, e Lalumière, 2001; Seto, 2004).
que agiam de forma premeditada (não- O objectivo da presente investigação é
impulsiva). identificar diferenças no estilo de personalidade
Chantry e Craig (1994) utilizaram o MCMI de abusadores sexuais de crianças portugueses e
num grupo de 603 reclusos subdivididos em verificar a sua consistência com as caracterís-
abusadores sexuais de crianças (n=201), ticas psicológicas demonstradas nos estudos
violadores de mulheres (n=195) e criminalidade internacionais, recolhendo também informação
não-sexual (n=205). O objectivo do estudo sobre as características do tipo de abuso que
consistiu em determinar se o MCMI seria capaz cometeram.
de distinguir diferenças de personalidade entre
os três grupos. Os resultados demonstraram que
o estilo de personalidade dos abusadores de
crianças era mais dependente e emocionalmente MÉTODO
desligado, mas também era emocionalmente
mais lábil com ansiedade e depressão, que o Participantes
estilo de personalidade dos violadores e os
criminosos não-sexuais. Estes dois últimos A amostra foi obtida em meio prisional
grupos eram mais narcísicos e tinham menos (amostra forense), intencionalmente de
perturbação psicológica que os abusadores de conveniência, e ficou constituída por 41 homens
crianças. Todavia, tanto os abusadores de (N=41) com uma idade média de 43 anos (leque
crianças como os violadores de mulheres eram etário=17-73 anos; M=42.78; DP=14.12). O
mais passivo-agressivos. Estes autores estado civil dos reclusos obtido foi 39%

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solteiros, 7.3% união-de-facto, 31.7% casados, raros testes que se foca simultaneamente em
19.5% separados/divorciados, e 2.4% viúvos. A perturbações da personalidade e em síndromas
raça dos reclusos obtida foi de 92.7% brancos e clínicos, tendo sido demonstrado que a sua
7.3% negros. A escolaridade dos reclusos obtida validade factorial se mantém em amostras
foi de 29.3% com o primeiro ciclo do ensino forenses (e.g., Ownby et al., 1990, 1991, cit.
básico, 31.7% com o segundo ciclo do ensino Chantry & Craig, 1994). As normas utilizadas
básico, 19.5% com o terceiro ciclo do ensino são as da aferição norte-americana, dado que, tal
básico, 9.8% com o ensino secundário, e 9.7% como para a grande maioria dos questionários de
com bacharelato ou licenciatura. A escolaridade personalidade, não existe aferição portuguesa.
média foi de 8 anos (M=7.61; DP=3.88). Foi utilizado o respectivo programa informático
para cotação dos protocolos também elaborado
Instrumentos pela equipa do Prof. Dr. Branco Vasco da
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
O questionário iniciou-se com um termo de da Universidade de Lisboa.
consentimento informado que explica o Adicionalmente, foi elaborada uma ficha de
propósito geral da investigação. recolha de dados que procurou explorar uma
Seguidamente surgia um questionário série de variáveis pertinentes para a classificação
demográfico com as seguintes questões: Idade, dos abusadores e para a caracterização do tipo de
Estado civil actual, Raça ou grupo étnico, Grau abuso. A ficha começa com um item referente ao
de escolaridade, e Profissão. número conhecido de vítimas. Seguidamente
Finalmente surgia o instrumento de avaliação operacionalizam-se os comportamentos sexuais
da personalidade escolhido para esta efectuados com a(s) vítima(s), tendo estes sido
investigação, nomeadamente o Millon Clinical divididos em: Carícias, Frottage (roçar os
Multiaxial Inventory-II (MCMI-II; Choca & Van genitais na vítima), Sexo oral, Sexo vaginal, e
Denburg, 1997; Groth-Marnat, 2003; Millon, Sexo anal.
1987), que, como já foi referido, é um Na operacionalização da variável “Maturidade
questionário de auto-resposta estandardizado da(s) vítima(s) (pré-púbere vs. púbere)” foram
que avalia um largo espectro de informação consideradas pré-púberes vítimas menores de
relacionado com a personalidade do indivíduo e
14 anos, conforme o Art. 172.º do Código Penal,
o seu ajustamento emocional. Na presente
e vítimas púberes menores entre 14 anos e 16
investigação foi utilizada uma tradução
anos, conforme o Art. 174.º do Código Penal
elaborada pela equipa do Prof. Dr. Branco Vasco
(Albuquerque, 2006).
da Faculdade de Psicologia e Ciências da
Na operacionalização da variável “Sexo da(s)
Educação da Universidade de Lisboa.
O MCMI-II é composto por 175 itens que vítima(s) (orientação heterossexual vs. homos-
constituem 26 escalas divididas nas seguintes sexual do abusador)” considerou-se a existência
categorias: Índices Modificadores (Validity de abusadores heterossexuais exclusivos,
Index, Disclosure Index, Desirability Index, homossexuais exclusivos, e bissexuais (vítimas
Debasement Index), Padrões de Personalidade de ambos os sexos).
Clínicos (Schizoid, Avoidant, Dependent, Na operacionalização da variável “Parentesco
Histrionic, Narcissistic, Antisocial, Aggressive- biológico com a(s) vítima(s) (incestuoso vs.
Sadistic, Compulsive, Passive-Aggressive, Self- extra-familiar)” considerou-se incestuoso
Defeating), Patologia de Personalidade Grave quando existia parentesco biológico com a
(Schizotypal, Borderline, Paranoid), Síndromas vítima, extra-familiar quando não existia (e.g.,
Clínicas (Anxiety Disorder, Somatoform padrasto que abusa filha da esposa é considerado
Disorder, Bipolar-Manic Disorder, Dysthymic extra-familiar).
Disorder, Alcohol Disorder, Drug Dependence), Na operacionalização da variável “Utilização
e Síndromas Graves (Thought Disorder, Major de agressão física (agressivo vs. não-agressivo)”
Depression, Delusional Disorder). considerou-se o abusador agressivo quando este
O MCMI-II tem a vantagem de ser um dos utilizou violência física para concretizar o abuso.

618
Procedimentos RESULTADOS

Foi obtida junto da Direcção Geral dos Na Tabela 2 temos a pontuação média e o
Serviços Prisionais a necessária autorização para desvio-padrão para cada das escalas clínicas do
efectuar a presente investigação em vários MCMI-II.
estabelecimentos prisionais da zona da grande
Lisboa. Recolheram-se questionários no Estabele-
cimento Prisional de Lisboa, Estabelecimento TABELA 2
Prisional junto à Polícia Judiciária de Lisboa e Pontuação média e desvio-padrão por escala
Estabelecimento Prisional da Carregueira. Na
Escalas Média Desvio-padrão
Tabela 1 temos dados sobre a participação dos
reclusos por Estabelecimento Prisional (EP): 1 Schizoid 70.78 19.14
2 Avoidant 73.20 26.18
3 Dependent 75.10 25.39
4 Histrionic 61.49 13.33
TABELA 1 5 Narcissistic 69.22 17.15
Aplicação de questionários 6A Antisocial 63.02 23.71
6B Aggressive-Sadistic 59.32 19.23
Não- Questio- Questio- 7 Compulsive 74.73 16.56
partici- Partici- nários nários 8A Passive-Aggressive 55.34 27.76
Local param param inválidos utilizáveis 8B Self-Defeating 69.51 24.41
S Schizotypal 69.27 20.52
EPL 00 03 0 03
C Borderline 63.46 20.92
EPPJL 01 07 1 06
P Paranoid 68.20 10.75
EPC 14 33 1 32
A Anxiety Disorder 69.85 25.14
Total 15 43 2 41
H Somatoform Disorder 57.85 17.45
Legenda: EPL=Estabelecimento Prisional de Lisboa; EPPJL= N Bipolar; Manic Disorder 56.56 10.61
Estabelecimento Prisional Instalado Junto à Polícia Judiciária de D Dysthymic Disorder 64.98 28.80
Lisboa; EPC=Estabelecimento Prisional da Carregueira. B Alcohol Disorder 61.51 23.77
T Drug Dependence 59.90 17.93
SS Thought Disorder 61.88 13.31
CC Major Depression 60.63 13.31
O questionário foi aplicado individualmente a PP Delusional Disorder 63.51 13.35
cada recluso, estando o investigador sempre
presente para esclarecer qualquer dúvida que
pudesse surgir. A taxa total de participação foi de Como se pode verificar, as quatro escalas
74.14%. Os dois motivos alegados pelos reclusos mais elevadas são, respectivamente, a 3
para a não participação foram o desinteresse (10 Dependent (Dependente), 7 Compulsive (Com-
reclusos) e o analfabetismo (5 reclusos). Os dois pulsivo), 2 Avoidant (Evitante), e 1 Schizoid
questionários excluídos foram considerados (Esquizóide), todas elas pertencentes à categoria
inválidos devido aos valores obtidos nos respec- Padrões de Personalidade Clínicos. Dentro da
tivos índices modificadores. categoria Patologia da Personalidade Grave
Da amostra final cerca de 75% dos reclusos já salienta-se a elevação relativa da escala S
haviam sido condenados, e cerca de 25% aguar- Schizotypal (Esquizótipico). Dentro da categoria
davam julgamento em prisão preventiva. Devido à Síndromas Clínicas salienta-se a elevação
existência de presos preventivos nem sempre foi relativa da escala A Anxiety Disorder (Pertur-
possível recolher informação precisa sobre os bação da Ansiedade). Dentro da categoria
factos dos quais os detidos estavam acusados. Síndromas Graves salienta-se a elevação relativa
Recorrendo ao programa informático SPSS for da escala PP Delusional Disorder (Perturbação
Windows V. 14 foram efectuadas as estatísticas Delirante). De notar que apenas a escala 3
descritivas para as variáveis demográficas, para as Dependente, pertencente à categoria Padrões de
escalas do MCMI-II obtidas após cotação Personalidade Clínicos, atingiu o ponto de corte
informática, e para as variáveis de classificação de definido para a validação norte-americana
abusadores sexuais e comportamentos sexuais. (BR≥75).

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FIGURA 1
Pontuação média por escala
80

75

70

65
Média
Média

60

55

50

45

40
1 2 3 4 5 6A 6B 7 8A 8B S C P A H N D B T SS CC PP

Escalas
Escalas

Na Figura 1 temos a representação gráfica da Como se pode verificar, a frequência máxima


pontuação média por escala. encontra-se na escala 3 (Dependent) (26 sujeitos
Na Tabela 3 temos a frequência com que, para ultrapassam BR≥75), e a frequência mínima
toda a amostra, cada escala ultrapassou o ponto encontra-se nas escalas H Somatoform Disorder
de corte definido para a validação norte- (Perturbação Somatoforme) e N Bipolar: Manic
americana (BR≥75). Disorder (Perturbação Bipolar: Mania) (1 sujeito
ultrapassa BR≥75). Todas as escalas e todos os
sujeitos obtiveram pelo menos uma elevação
TABELA 3 BR≥75.
Frequência por escala de ultrapassagem Relativamente às variáveis de classificação de
do ponto de corte BR≥75 abusadores sexuais, os dados obtidos quanto ao
Escalas BR≥75
número conhecido de vítimas de cada abusador
variaram entre um mínimo de 1 vítima e um
1 Schizoid 18 máximo de 8 vítimas (M=2.05; DP=1.80).
2 Avoidant 20
3 Dependent 26
Em termos da variável “Maturidade da(s)
4 Histrionic 06 vítima(s) (pré-púbere vs. púbere)”, verifica-se
5 Narcissistic 16 que a grande maioria dos abusadores dos abusa-
6A Antisocial 08 dores molestaram exclusivamente vítimas pré-
6B Aggressive-Sadistic 09 púberes (vd. Tabela 4).
7 Compulsive 23
8A Passive-Aggressive 10
8B Self-Defeating 15
S Schizotypal 10 TABELA 4
C Borderline 07 Maturidade da(s) vítima(s)
P Paranoid 05
(pré-púbere vs. púbere)
A Anxiety Disorder 22
H Somatoform Disorder 01 Vítimas Vítimas
N Bipolar; Manic Disorder 01 pré-púberes púberes Ambas Omisso
D Dysthymic Disorder 20
Maturidade 71.4% 16.7% 9.5% 2.4%
B Alcohol Disorder 11
T Drug Dependence 04
SS Thought Disorder 02
CC Major Depression 02 Relativamente à variável “Sexo da(s) vítima(s)
PP Delusional Disorder 05 (orientação sexual do abusador)”, verifica-se que a

620
maioria dos abusadores molestaram exclusiva- TABELA 8
mente vítimas do sexo feminino (vd. Tabela 5). Comportamentos sexuais
com vítimas raparigas
TABELA 5 Comportamentos Efectuaram Não efectuaram Omisso

Sexo da(s) vítima(s) Carícias 56.5% 34.8% 8.7%


Frottage 47.8% 43.5% 8.7%
(orientação sexual do abusador)
Sexo oral 26.1% 65.2% 8.7%
Ambos os Sexo vaginal 47.8% 43.5% 8.7%
Feminino Masculino sexos Omisso Sexo anal 04.3% 87%0. 8.7%
Sexo da vítima 54.8% 26.2% 14.3% 4.8%

Relativamente aos comportamentos sexuais


No que diz respeito à variável “Parentesco efectuados pelos abusadores com as vítimas
biológico com a(s) vítima(s) (incestuoso vs. extra- rapazes verifica-se que o mais praticado foi o
-familiar)”, verifica-se que os abusadores que Sexo anal, seguido pelas Carícias (vd. Tabela 9).
molestaram exclusivamente vítimas de tipo extra-
-familiar foram um pouco mais numerosos do que
os que molestaram exclusivamente vítimas de TABELA 9
tipo incestuoso (vd. Tabela 6). No que concerne às Comportamentos sexuais com vítimas rapazes
relações de parentesco biológico encontraram-se Comportamentos Efectuaram Não efectuaram Omisso
relações diversas em que o abusador tinha o papel
Carícias 45.5% 36.4% 18.2%
de pai, avô, tio, primo ou irmão. Frottage 27.3% 54.5% 18.2%
Sexo oral 27.3% 54.5% 18.2%
Sexo vaginal – – –
TABELA 6 Sexo anal 72.7% 09.1% 18.2%
Parentesco biológico com a(s) vítima(s)
(incestuoso vs. extra-familiar)
Utilizou-se o teste exacto de Fisher para
Incestuoso Extra-familiar Ambas Omisso
verificar a existência de diferenças quanto aos
Parentesco 40.5% 47.6% 2.4% 9.5% comportamentos sexuais efectuados pelos
abusadores nas vítimas raparigas e rapazes. Nos
comportamentos Carícias, Frottage, e Sexo oral
Quanto à variável “Utilização de agressão não foram encontrados efeitos estatisticamente
física (agressivo vs. não-agressivo)”, verifica-se significativos. Para o comportamento Sexo
que a maioria foram considerados abusadores vaginal foram encontrados os óbvios e esperados
não-violentos (vd. Tabela 7). efeitos estatisticamente significativos [Fisher
(2-sided), p≤.05] favoráveis ao grupo das
vítimas raparigas. Para o comportamento Sexo
TABELA 7 anal foram encontrados efeitos estatisticamente
Utilização de agressão física significativos [Fisher (2-sided), p<.001]
(agressivo vs. não-agressivo) favoráveis ao grupo das vítimas rapazes.
Agressivo Não-agressivo Omisso
Agressão física 23.8% 61.9% 14.3%
DISCUSSÃO

Relativamente aos comportamentos sexuais No MCMI-II pudemos verificar que as escalas


efectuados pelos abusadores com as vítimas mais elevadas se encontravam na categoria
raparigas verifica-se que o mais praticado foi as Padrões de Personalidade Clínicos. As escalas
Carícias, seguidas pela Frottage e pelo Sexo das restantes categorias – Patologia da Persona-
vaginal (vd. Tabela 8). lidade Grave, Síndromas Clínicas e Síndromas

621
Graves – encontraram-se consideravelmente constituída por crianças pré-púberes e apenas
menos elevadas (BR≥70). Estes dados são uma minoria de abusadores utilizou agressão
compatíveis com os estudos que revelam a física).
predominância de perturbações da personalidade Na questão da tendência a que o abuso fosse
sobre as perturbações de síndromas clínicas maioritariamente intra-familiar não se verificou
(e.g., perturbação psicótica) nas amostras de a tendência descrita por Gomes e Coelho (2003),
abusadores sexuais de crianças. o que pode eventualmente ser explicado por
Dentro da categoria Padrões de Personalidade questões metodológicas (e.g., operacionalizámos
Clínicos verificámos que as escalas mais a variável intra-familiar restringindo-a exclusiva-
elevadas foram respectivamente: 3 Dependente, mente a parentesco biológico).
7 Compulsivo, 2 Evitante, e 1 Esquizóide. Tal é Relativamente à questão dos comportamentos
consistente com os estudos que demonstraram a sexuais praticados pelos abusadores também se
presença de alguns desses estilos de persona- comprovou a tendência descrita por Gomes e
lidade (e.g., Bard & Knight, 1987, cit. Millon, Coelho (2003) de não haver diferenças, tendo em
1987; Chantry & Craig, 1994). A excepção foi consideração o sexo da vítima, quanto a certos
para a escala 7 Compulsivo. De salientar que na comportamentos (e.g., carícias), mas havê-las
generalidade não se encontraram elevações quanto a outros comportamentos (e.g., sexo
proeminentes das escalas relativas aos construtos anal). Efectivamente não encontrámos diferenças
6A Antisocial (Anti-social), D Dysthymic estatisticamente significativas quanto aos
Disorder (Perturbação Distimica), A Anxiety comportamentos sexuais Carícias, Frottage, e
Disorder (Perturbação da Ansiedade), e B Sexo oral, mas encontrámo-las quanto ao sexo
Alcohol Disorder (Perturbação Alcoólica) anal (e obviamente ao sexo vaginal).
relatadas por alguns estudos. Devemos salientar algumas limitações desta
É de salientar a grande diversidade de perfis investigação. A nossa amostra forense não é
obtidos dado que todos os sujeitos obtiveram homogénea dado que 25% dos detidos são
pelo menos uma elevação (BR≥75) numa das preventivos que aguardam julgamento, não tendo
escalas. Os resultados permitem-nos concluir ainda sido juridicamente estabelecida a sua
que, apesar de certos perfis serem mais culpa. Devido à nossa amostra ser exclusiva-
frequentes, não é possível excluir a priori um mente forense se deve ter cautela em generalizar
dado perfil de personalidade como não os resultados aos abusadores sexuais existentes
pertencendo ao grupo dos abusadores sexuais. na população geral.
Tal coloca seriamente em causa o valor da
avaliação psicológica enquanto prova jurídica
nos casos de abuso sexual de crianças. Okami e REFERÊNCIAS
Goldberg (1992), na sua revisão de literatura, já
haviam aliás alertado contra a ideia de existência Albuquerque, A. (2006). Minorias eróticas e agressores
dum perfil de personalidade “típico” relativa- sexuais. Lisboa: Dom Quixote.
mente a abusadores sexuais. American Psychiatric Association. (1996). Manual de
Relativamente às variáveis de classificação diagnóstico e estatística das perturbações mentais
dos abusadores sexuais e do tipo de abuso sexual (4ª ed.). Lisboa: Climepsi Editores.
verificámos que cada abusador da nossa amostra Butcher, J., Dahlstrom, W., Graham, J., Tellegen, A., &
molestou em média duas crianças. Na questão do Kaemmer, B. (1999). Manual del Inventario
sexo e da maturidade das vítimas comprovámos Multifásico de Personalidad de Minnesota-2.
Madrid: TEA Ediciones S.A.
a tendência descrita por Gomes e Coelho (2003)
Chantry, K., & Craig, R. (1994). Psychological screening
de a maioria das vítimas serem meninas e de
of sexually violent offenders with the MCMI.
serem pré-púberes. Na questão da utilização de Journal of Clinical Psychology, 50, 430-435.
agressão física comprovámos (indirectamente) a
Choca, J., & Van Denburg, E. (1997). Interpretative
tendência descrita por Gomes e Coelho (2003) guide to the Millon Clinical Multiaxial Inventory
de haver um menor nível de agressão às crianças (2nd ed.). Washington, DC: American
mais novas (a maioria da nossa amostra foi Psychological Association.

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Gomes, F. A., & Coelho, T. (2003). A sexualidade RESUMO
traída. Porto: AMBAR.
Groth-Marnat, G. (2003). Handbook of psychological Na presente investigação procedeu-se à avaliação
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who have sexually assaulted children: Evidence of Clinical Multiaxial Inventory II (Millon, 1987) e a
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A meta-analysis of sexual offender recidivism psicológicos possíveis, alguns dos quais mais frequentes
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