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Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar:


cuidando do cuidador profissional
Suffering of the health team in a hospital context: caring for professional carers
Sufrimiento del equipo de salud en el contexto hospitalario:
cuidando del cuidador profesional

Maria Julia Kovács*

Resumo: Este artigo aborda o tema da morte no século XXI, como profissionais de saúde a enfrentam, as consequências na sua saúde física e psíquica.
A morte é vista como inimiga, oculta, vergonhosa, ferindo a onipotência do homem moderno. É tema interdito, provocando entraves na comunicação
entre pacientes, familiares e profissionais. Com o avanço da medicina, a morte ocorre no hospital. O cotidiano dos profissionais de saúde frente à morte
envolve escolhas difíceis de serem realizadas, gerando estresse adicional. Na mentalidade da morte interdita não se autoriza a expressão de emoções e
dor, levando ao adoecimento e aumento dos casos de depressão, aumentando a incidência da Síndrome de Burnout entre profissionais. Os profissionais
de saúde escolhem trabalhar com a morte e o morrer, trazendo sua forma pessoal de lidar com dor e perdas. Não conseguir evitar a morte ou aliviar o
sofrimento traz ao profissional a vivência de sua finitude. Estabelece-se relação entre intenso estresse, colapso e luto não reconhecido. Alguns profissionais
não aceitam e reconhecem seu luto. Os programas de cuidados paliativos procuram modificar esta disfunção ao estimular o trabalho de equipe nos cuidados
ao paciente e à família. Uma proposta de cuidados ao cuidador é apresentada com os seguintes objetivos: a) Aquecimento e sensibilização para abordar
as dificuldades principais; b) Aprofundamento do tema trazido pelo grupo; c)Planejamento dos cuidados ao cuidador pensado pela equipe de trabalho,
tendo em vista suas necessidades; d) A metodologia utilizada durante as diversas fases do trabalho atividades em grupo. Uma modalidade de cuidado é o
plantão psicológico, facilitando o crescimento e o desenvolvimento da pessoa, envolvendo empatia, aceitação e congruência. Oferece espaço de escuta,
contando com pessoas qualificadas no momento em que se busca ajuda, acolhendo a demanda. Outras formas de cuidados são apresentadas: atividades
de lazer, psicoterapia e cuidados psicológicos, cursos e workshops favorecendo a aprendizagem significativa, supervisão individual e grupal para casos
difíceis, refletindo-se sobre cuidados, favorecendo o trabalho de equipe.
Palavras-chave: Cuidadores. Profissionais da saúde. Morte.
Abstract: This paper discusses death in the Twenty-first century such as health professionals face it and the consequences in their physical and
psychological health. Death it is seen as an enemy, hidden, shameful, injuring the omnipotence of modern man. It is a prohibited subject disturbing
communication between patients, relatives and professionals. With the advancement of medicine, death takes place in the hospital setting. The daily life
of health professionals regarding death implies difficult choices to make, producing additional stress. In the mentality of interdicted death there is not an
authorized expression of emotions and pain, leading to diseases and an increase of cases of depression, leading to a greater incidence of Burnout Syndrome
among professionals. They choose to work with death and dying, bringing in their own way of dealing with pain and losses. Fail to avoid death or relieve
suffering brings professionals to be aware of their finitude. A relationship is established between intense stress, collapse and non recognized mourning.
Some professionals do not accept or recognize their own mourning. Palliative care programs try to modify this dysfunction by encouraging group work
in caring for patients and their families. A proposal of care is presented for carers aiming at: a) Training and sensitization to talk about the main diffi-
culties; b) Deepening the subject brought by the group; c) Projecting care for carers according to the work team, having in mind their necessities; d) The
methodology for the several phases of the work was promoting group activities. A kind of care is psychological duty, which facilitates the growth and the
development of the person, implying empathy, acceptance and congruence. It offers a space for listening that uses qualified persons as soon as people
ask for help, welcoming the demand. Other forms of care are presented: leisure activities, psychotherapy and psychological care, courses and workshops
favoring significant apprenticeship, individual supervision and group supervision for difficult cases, always reflecting about care and favoring team work.
Keywords: Caretakers. Health Professionals. Death.
Resumen: Este artículo aborda el tema de la muerte en el siglo XXI, la manera por la cual los profesionales de salud la afrontan, las consecuencias sobre
su salud física y psíquica. La muerte es considerada enemiga, oculta, vergonzosa, algo que afecta la omnipotencia del hombre moderno. Estamos delante
de un tema prohibido, que provoca obstáculos en la comunicación entre pacientes, familiares y profesionales. Con el avanzo de la medicina, la muerte
ocurre en el hospital. El cotidiano de los profesionales de salud delante de la muerte envuelve escojas de difícil realización, generando stress adicional.
En la mentalidad de la muerte prohibida, no es facultada la expresión de emociones y dolor, algo que lleva al adolecimiento y aumento de los casos de
depresión, alargándose también la incidencia del Síndrome de Burnout entre profesionales. Los profesionales de salud escogen trabajar con la muerte y el
morir, ofrecendo su manera personal de pelear con el dolor y las pierdas. No lograr evitar la muerte o aliviar el sufrimiento trae al profesional la vivencia de
su finitud. Hay el establecimiento de una relación entre un intenso stress, colapso y duelo no reconocido. Algunos profesionales no aceptan ni reconocen
su duelo. Los programas de cuidados paliativos procuran cambiar esa disfunción al estimular el trabajo de equipo en los cuidados al paciente y a la fami-
lia. Una propuesta de cuidados al cuidador es presentada con los siguientes objetivos: a) precalentamiento y sensibilización para abordar las principales
dificultades; b) Profundización del tema presentado por el grupo; c) Planeamiento de los cuidados al cuidador pensado por el equipo de trabajo, teniendo
en vista sus necesidades; d) La metodología usada a lo largo de las diferentes fases del trabajo es una actividad de grupo. Una modalidad de cuidado es el
plantón psicológico, que facilita el crecimiento y el desarrollo de la persona, envolviendo empatía, aceptación y congruencia. Ella ofrece espacio de escucha,
contando con personas calificadas en momentos en los que hay la búsqueda de ayuda, acogendo la demanda. Otros modos de cuidados son presentados:
actividades de entretenimiento, psicoterapia y cuidados psicológicos, cursos y workshops que favorecen el aprendizaje significativo, la supervisión personal
y grupal para casos difíciles, algo que se refleja sobre los cuidados, estimulando el trabajo de equipe.
Palabras-llave: Cuidadores. Profesionales de salud. Muerte..

* Professora Livre Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. E-mail: mjkoarag@usp.br

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Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional

A morte e o luto hoje ocultar a verdade. É neces- Na situação da morte roubada


sário esclarecer sobre diag- ao paciente, rouba-se também a
Nos séculos XXI a morte é vista nóstico, prognóstico, efeitos possibilidade de despedidas, térmi-
como inimiga, oculta, vergonhosa, colaterais de tratamentos e no de projetos, pedidos de perdão,
que fere a onipotência do homem medicamentos, o que per- dificulta-se ao paciente e familia-
moderno1. É considerada tema in- mitirá que se faça escolhas res, o luto antecipatório, como de-
terdito, provocando entraves na adequadas. finido por Rando7. Jann8 em sua
comunicação entre pacientes, fa- dissertação de mestrado intitulada:
b) A morte pedida pelo pacien-
miliares e profissionais. Enfrentando o morrer: a experiência de
te. Segundo Hennezel5, o pe-
Oculta-se a morte com estraté- luto(a) do paciente com câncer avança-
dido do paciente para morrer,
gias defensivas. Interditar a morte do e seus familiares apresenta os con-
precisa ser compreendido,
oferece poder ilusório àquele pro- ceitos e controvérsias envolvendo
pois pode não ser desejo de
fissional, que acredita que pode o termo, destacando o valor adap-
morte, e sim, alívio de sinto-
combatê-la, escancarado sua fra- tativo das reações de luto, antes da
mas ou acolhimento de so-
gilidade. morte propriamente dita.
frimento, que pode não estar
A morte pode ser vista como fa- O luto antecipatório segundo
sendo tratado de forma ade-
to natural, parte da vida ou como Pine9 ocorre ao longo de um con-
quada pela equipe de saúde.
inimiga a ser vencida a qualquer tinuum, que vai do momento da
É importante que o sofri-
custo. Os “combatentes” da morte notícia de uma doença grave, até
mento seja entendido em
na atualidade são os profissionais o momento da concretização da
seus aspectos físicos, sociais,
de saúde, principalmente médi- morte. Além dos familiares e do
espirituais e emocionais. A
cos aos quais se atribui (e alguns paciente, os profissionais de saúde
comunicação entre paciente,
se atribuem), o papel de donos da vivem lutos cotidianos em sua
familiares e equipe de saúde
vida e da morte2,3,4. prática profissional. Será que eles
é um dos principais eixos no
Em função do avanço da medi- têm direito de expressar sua dor?
tratamento do paciente.
cina, o local da morte deixa de ser a Em seu processo de formação são
casa para ocorrer no hospital; o do- c) A morte exigida pelo pacien- oferecidas possibilidades teóricas
ente não é mais visto como pessoa, te. É o pedido para morrer e experienciais para lidar com dor,
não tendo mais direito de planejar de fato, uma abreviação da perdas e morte?
seu final de vida e a morte. A famí- vida. Pode se relacionar à Na década de 1950 observa-se
lia que vive seu sofrimento pode ser interrupção de tratamentos contestação da abordagem defen-
considerada presença incômoda3. obstinados e fúteis ou um siva em relação à morte. Elisabe-
O conceito de morte roubada ao pedido de eutanásia. th Kübler-Ross e Cicely Saunders
paciente é de Marie de Hennezel5, Seja qual for a dimensão do pe- propõem a rehumanização da
cujo trabalho durante anos, foi o dido do paciente o que se espera morte10. Cuida-se dos sintomas e
de acompanhar pacientes em Uni- é a escuta e compreensão do que do sofrimento na esfera psicossocial
dades de Cuidados Paliativos. Dife- está sendo comunicado, mesmo e espiritual, o doente é centro dos
rencia três situações: que não se atenda o seu pedido. cuidados, incluindo-se a família
a) A morte roubada ao pacien- Levando em consideração o que no tratamento. Esta mentalidade
te: neste tipo de morte, o pa- Hennezel propõe parece ficar evi- permitiu o desenvolvimento dos
ciente não consegue exercer denciado o cotidiano dos profissio- cuidados paliativos11,12.
seu direito de autonomia, nais de saúde frente às situações Segundo Pessini13 há dois pa-
ter sua vontade respeitada, de morte, que envolvem escolhas radigmas nas ações de saúde: o
ter possibilidade de se auto- nem sempre fáceis e possíveis de curar e o cuidar. No paradigma en-
governar e ter participação serem realizadas (até em termos volvendo a cura o investimento é
ativa no seu processo tera- legais), o que pode gerar na equi- para salvar vidas. No paradigma do
pêutico. Para não ocorrer pe de saúde, um estresse adicional. cuidar a morte é aceita como parte
morte roubada, o diálogo en- Profissionais afirmam que é difícil da condição humana. Qualidade
tre equipe de saúde, paciente efetuarem procedimentos com os de vida em suas várias dimensões é
e familiares é de suma im- quais não concordam, principal- preocupação dos profissionais afi-
portância, e as informações mente quando causam sofrimento nados com este paradigma.
dadas pelo médico devem adicional ao paciente, configuran- Pessoas com doença grave po-
ser claras e acessíveis, sem do a distanásia6. dem sentir medo do fim da vida. O

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Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional

que se tornou tão assustador para treitar laços com pessoas signi- não tendo caráter de patologia. O
que pessoas tenham tanto medo ficativas e ter dignidade no fim paciente debilitado começa a se dis-
do processo de morrer? Observam- da vida. Esperam também que tanciar dos entes queridos. É fun-
-se alterações significativas das for- seu médico não os abandone. damental a tranquilidade, presença
mas de morrer nos últimos anos. Alguns pacientes pedem para acolhedora dos familiares e dos
Há predominância de doenças morrer. Perguntamo-nos o que profissionais, que cuidam do pa-
crônicas: cardiopatias, neoplasias, motiva estes pedidos? Sensação de ciente. Essa presença confortadora
doenças sexualmente transmissí- desamparo, falta de controle e de pode ser perturbada pela rotina nos
veis, enfermidades neurológicas e apoio, não ter a família presente hospitais. Ocorre mais frequente-
demências. O temor de que haja podem ser algumas causas para o mente em programas de cuidados
supertratamento nas Unidades de pedido de morte14. Estes pedidos paliativos pela presença da família
Terapia Intensiva, acompanhado para morrer podem ser entendidos e filosofia destes programas, que
de dor e sofrimento está presente como depressão, ficando difícil o permite o acompanhamento do
na população em geral e também diagnóstico diferencial com outros processo de morrer.
em pacientes gravemente enfer- sintomas. Há duas trajetórias para a morte.
mos. Talvez este seja o motivo Verificamos as seguintes preo- Uma em que se observa o lento
para se falar tanto sobre eutanásia cupações em pacientes gravemen- apagar das funções do corpo até
e suicídio assistido, como forma te enfermos: não poder se despedir o óbito e outra acompanhada de:
de evitar obstinação terapêutica, dos familiares; dúvidas e questiona- delírio, confusão mental, agitação,
o prolongamento do processo de mentos religiosos; não saber o que dor intensa. A “boa morte” envolve
morrer com muito sofrimento13. vai acontecer com os familiares15. a consciência de sua aproximação;
O conceito de paciente termi- Perdas são vividas durante o manutenção do controle da situa-
nal, ainda utilizado, estigmatiza a adoecimento, propiciando que se ção; dignidade e privacidade; alívio
pessoa. Do ponto de vista psicos- trabalhe o luto antecipatório16. Assim de sintomas; escolha do local da
social, o atributo terminal pode é possível a elaboração das perdas morte; acesso à informação e escla-
condenar o paciente ao abandono, entre vivos, favorecendo a preven- recimento; suporte emocional, so-
pela ideia de que “não há mais na- ção de sofrimento posterior. Do pon- cial e espiritual; presença de pessoas
da a fazer”, levando à naturaliza- to de vista pessoal são vivenciadas significativas; direitos preservados;
ção da dor e do sofrimento, já que a perdas de papéis desempenhados ao despedidas; não ter a vida prolonga-
morte está próxima. O termo “fora longo da vida: de profissional, geni- da indefinidamente. Morte difícil é
de possibilidade terapêutica” pode tor, cônjuge, entre outros17. aquela que não é aceita, com revol-
dar ideia de que terapêutico é só o Para realizar o trabalho do luto ta e conflito entre familiares, e sen-
que leva à cura. Alívio e controle de é preciso reconhecer e permitir a timentos de abandono ou solidão.
sintomas nesta compreensão não expressão de sentimentos presen- Pessoas pedem para morrer
estão incluídos como terapia. tes. Na mentalidade da morte inter- com dignidade, por isso é fun-
Pacientes com doença avançada dita presente na época atual, não se damental avaliar se estão so-
sofrem, constituindo o que Saun- autoriza a expressão de emoções e frendo. Este pedido não pode ser
ders11 denominou de dor total. O dor18. Este fato pode levar ao adoe- desqualificado e sim compreen-
agravamento da doença provoca cimento e aumento dos casos de dido. A morte pode ser compre-
vários sintomas físicos, que tornam depressão e aumentar a incidência endida como finalização da vida.
o cuidado difícil. Entre os sintomas da Síndrome de Burnout entre pro- Familiares podem pedir para que
psicossociais estão: medo da soli- fissionais17,19. se apresse a morte do ente queri-
dão, do abandono, da interrupção O processo de luto antecipató- do, por não suportar ver seu sofri-
dos planos da vida, da perda das rio permite elaborar a dor, estimu- mento. As famílias, na atualidade
pessoas próximas, da dependência lar a comunicação entre pacientes, são cada vez menores e dispersas,
e da morte. familiares e profissionais, tendo aumentando a sobrecarrega da-
Pacientes em estágio avan- caráter preventivo. Não é trabalho queles que carregam responsabi-
çado da doença buscam: alívio e somente para psicólogos, podem lidades e providencias. O aumento
controle da dor e de outros sinto- colaborar neste processo, médicos do tempo da doença com sintomas
mas. Gostariam de assumir con- e enfermeiros. incapacitantes tornam o cuidado
trole sobre a própria vida; não Kübler-Ross20,21 se refere ao es- tarefa complicada, o que pode im-
ter o sofrimento prolongado; não tágio da depressão como forma de pedir a permanência em domicilio,
ser sobrecarga para a família; es- lidar com a aproximação da morte, gerando culpa nos familiares.

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Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional

Escutar o pedido para morrer Autonomia é valor impor- dos, ressignificar relações e buscar
não significa atendê-lo. Não se tra- tante para o ser humano e deve sentido da vida29.
ta de eutanásia, ou suicídio Pedir ser mantida até o final da vida, É fundamental que, numa so-
para morrer é diferente de pedir lidando-se com os conflitos pre- ciedade que considera o tema ta-
para matar5. Há uma diferença sig- sentes quando da proximidade bu, se possa conversar a respeito
nificativa entre o pedido de ajuda da morte. Devem ser preservados da morte, lidar com preconceitos,
no processo de morrer com quali- para o paciente o sentido de sua possibilitando o exercício da comu-
dade e dignidade e a eutanásia, esta existência, a história e seu lugar nicação efetiva. Cuidados paliativos
última envolvendo ações efetivas no mundo, qualidade de vida, envolvem uma forma de educação
para provocar a morte. Familiares dignidade no processo de morrer, para a morte para pacientes, fami-
ficam assustados quando ouvem último ato humano 26. Dignida- liares e profissionais de saúde, já que
o pedido para morrer por parte do de significa possibilidade de viver propicia o convívio diário com per-
doente e pensam que têm tomar com o menor sofrimento possível, das do adoecimento e proximidade
atitudes rápidas. O esclarecimento tarefa para profissionais envolvi- da morte. Permite a elaboração do
destas diferenças e o acolhimento dos no cuidado a pacientes numa luto antecipatório com o compar-
podem ajudar familiares, que se abordagem multidimensional. tilhamento de sentimentos e sofri-
encontram, muitas vezes, ansiosos Para que a dignidade seja mento em relação a estas perdas.
e desamparados nesta situação. preser­v ada é preciso garantir A principal tarefa dos profissionais
O cuidador principal está sob com­p etência, esclarecendo-se: é evitar a distanásia, informando e
risco de colapso. Pode esquecer da diagnóstico, opções de tratamen- esclarecendo pacientes, familiares e
própria vida, negligenciando seu to e prognóstico para pacientes e demais profissionais de saúde10.
cuidado. Observa-se, em muitos familiares. A autonomia, tão im- Vê-se em muitas instituições
casos, ambivalência entre desejo e portante em todas as fases da vida, hospitalares a “empurroterapia”,
investimento na sobrevivência do pode ficar prejudicada com o agra- diante de temas difíceis como agra-
paciente ou de sua morte para alí- vamento da doença. É requisito vamento da doença e aproximação
vio de todos22. para se ter dignidade o apropriar-se da morte. Os programas de cuida-
Com a proximidade da morte é do direito de assumir controle da dos paliativos procuram modificar
urgente buscar comunicação efeti- vida, tomar decisões em conjunto esta disfunção ao propor como foco
va, lidar com assuntos inacabados, com a família e a equipe de saúde, o trabalho de equipe nos cuidados
prioridades, escolhas e relações no que se refere a tratamentos ao paciente e à família30.
significativas. É fundamental res- e local de permanência até o fim
gatar desejos, prazeres e os valores da vida. É importante saber como Cuidando do cuidador no
da pessoa. Os problemas na comu- pessoas gostariam de viver até a contexto hospitalar
nicação entre paciente, familiares e morte10,26,27 .
equipe de saúde, levam à conspira- A ortotanásia é a morte no mo- Os profissionais de saúde, ao es-
ção do silêncio. É uma tentativa de mento certo: não apressada como colherem sua profissão, de forma
mútua proteção, que pode ser fa- na eutanásia ou prolongada como mais ou menos consciente, estarão
cilmente desmascarada. A doença na distanásia e é importante tarefa lidando com aspectos relacionados
pode levar à diminuição do poder dos programas de cuidados paliati- à morte e ao morrer, com sua forma
de decisão e escolha do paciente, vos. Segundo Menezes28 os progra- pessoal de lidar com dor e perdas. O
um ataque à sua autonomia e dig- mas de cuidados paliativos criam modo de lidar com essas questões
nidade. Ocultam-se sentimentos, uma nova representação do mor- vai depender de vários fatores:
há esforços para que a verdade não rer. É tarefa dos paliativistas trans- • de sua história pessoal de
seja dita e a comunicação fica su- formar a morte negada e interdita perdas, experiências e elabo-
perficial23,24. em evento socialmente aceito. Não ração dos processos de luto;
Ao se pensar nos cuidados a pa- é tarefa fácil e exige especialização • da cultura em que está in-
cientes e familiares é fundamental de seus profissionais. serido, que influencia: as
favorecer a comunicação efetiva, a Ajudar no processo de morrer representações de morte, a
expressão dos sentimentos, permi- não significa cometer eutanásia. possibilidade de expressão da
tindo seu compartilhamento. Esti- Trata-se de diminuir sofrimento, dor e como o luto é viven-
mula-se o sentimento de pertença, sintomas incapacitantes e permitir: ciado;
coesão, familiaridade, promovendo expressão de sentimentos, despedi- • da sua formação universitá-
qualidade de vida25. das, término de assuntos inacaba- ria e capacitação em serviço.

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Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional

O profissional de saúde, em seu e busca de boa qualidade de vida. sos. É o caso da comunicação do
cotidiano lida com situações de so- Entre os diversos conflitos dentro agravamento da doença e proxi-
frimento e dor, tendo a morte como da instituição hospitalar coexistem: midade da morte.
elemento constante e presente. Sua lidar com vida e morte, bem-estar Por outro lado, a enfermagem
dificuldade para lidar com proble- e ataque à doença, curar e cuidar31. acaba tendo um contato mais
mas durante a convivência diária Ao se priorizar no hospital o constante com os familiares que
junto a pacientes, familiares e co- salvar o paciente a qualquer custo, acompanham o paciente e que es-
legas tem contribuído para gerar a ocorrência da morte ou de uma tão vivendo situações de ansiedade
situações de estresse de difícil re- doença incurável, pode fazer com e desespero diante do sofrimento
solução. O sentimento gerado por que o trabalho da equipe de saúde e da possível perda do ente que-
estas situações, muitas vezes, se seja percebido como frustrante, rido. Buscam respostas, querem
traduz em impotência, frustração sem motivação e significado. Es- confirmação de sua esperança, e
e revolta. ta percepção pode ser agravada em razão destas demandas podem
Trabalhar na área de saúde, quando procedimentos a serem sobrecarregar ainda mais a equi-
como cuidador, apresenta de ime- realizados com pacientes fora de pe, que já conta com uma intensa
diato a seguinte constatação: a dor possibilidade de cura não são com- quantidade de funções a desempe-
e a morte estão presentes no seu partilhados com toda a equipe, fa- nhar. Essa sobrecarga é decorrente
cotidiano. to apontado como uma das razões de vários fatores: complexidade
A maneira de lidar com a morte para o aumento do estresse. das tarefas a serem cumpridas, nú-
e doenças mudou muito a partir Por outro lado, não conseguir mero insuficiente de profissionais
dos grandes avanços científicos e evitar a morte ou aliviar o sofri- disponíveis, alterações nas escalas
tecnológicos da medicina. A ima- mento traz ao profissional a vivên- de plantão, grande número de pa-
gem da morte vem acompanhada cia de sua própria morte e finitude, cientes nas unidades.
da ideia de fracasso do corpo, do o que pode ser extremamente do- Pacientes e familiares podem
sistema de atenção médica, da so- loroso23. nutrir sentimentos ambivalentes
ciedade, das relações com Deus31. O mito de Quíron, ilustra a ideia em relação à equipe de cuidados e
Torres32, referindo-se à obra de do cuidador ferido. O centauro Quí- ao hospital, sendo estes manifestos
Kübler-Ross, apresenta os conflitos ron, mestre dos médicos, foi ferido em primeiro lugar àqueles que se
entre vários sistemas de símbolos: mortalmente pelas flechas de Hér- estão em contato cotidiano com
a) pessoal, subjetivo versus tec- cules e por ser sua ferida incurável eles. Entre os sentimentos mais co-
nológico e racional; sofria grandes dores. Tornou-se o muns podem co-existir o agradeci-
b) uma atitude maternal de cui- grande mestre dos médicos, porque mento pelo cuidado ou raiva pelo
dado versus procedimentos tocado pela sua dor, era capaz de se sofrimento infligido, culpa pelo
técnicos; sensibilizar com a dor dos outros. agravamento da doença. São sen-
É o que acontece também com os timentos possíveis quando a pessoa
c) morte em casa versus morte
profissionais de saúde em contato se vê frente à perda, a aniquilação.
no hospital;
com suas próprias dores e perdas, Profissionais de saúde empe-
d) necessidade de controle ver- tornando-se sensíveis ao sofrimen- nhados em sua tarefa de cuidar dos
sus livre expressão de senti- to das pessoas sob seus cuidados. Os sintomas, realizam exames e inter-
mentos. profissionais de saúde vivem esta venções, alguns invasivos e doloro-
No fogo cruzado entre estas situação, de estarem feridos pela sos. Podem sentir que seu trabalho
ordens antagônicas, encontra-se sua prática profissional19,33. não está sendo reconhecido, e são
a equipe de saúde. Profissionais A equipe de enfermagem tem agredidos pelos sentimentos ex-
de enfermagem precisam exe- alto risco de colapso pela sua fun- pressos por pacientes e familiares.
cutar procedimentos indicados ção de cuidado diário aos pacientes, Não têm tempo para elaboração,
pela equipe médica, cuidar das portanto em contato mais intenso não podem compartilhar seus sen-
demandas feitas pelos pacientes e com dor e sofrimento. São também timentos, por vezes se acreditam
familiares de alívio do sofrimento estes profissionais, que o paciente merecedores deles. Seja qual for o
e atendimento às necessidades bá- busca para falar de suas questões motivo, pode haver sobrecarga afe-
sicas. Surge o conflito entre salvar o mais íntimas, levando a situações tiva, que se manifesta por meio de
paciente, evitar ou adiar a morte a constrangedoras, pelo fato de não sintomas físicos, do adoecimento,
todo custo, e o cuidar, relacionado terem respostas a todas questões e resultando na Síndrome de Bur-
com alívio e controle de sintomas pela eclosão de sentimentos inten- nout. Esta síndrome laboral é uma

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Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional

reação à tensão emocional crônica difíceis, porque há maior preocu- se envolverem com seus pacientes.
de pessoas que tratam diretamente pação com procedimentos envol- Surgem então mecanismos de de-
de outros seres humanos33. vendo cura. A equipe pode se sentir fesa que podem ser inconscientes,
Tamayo34 refere que a Síndro- mais atuante quando vê efeitos de sintomas psicossomáticos, que se
me de Burnout tem três compo- suas ações, por exemplo, o paciente exacerbados culminam em colap-
nentes relacionados: exaustão sobrevive e vai para casa. Torna-se so. Repressão das emoções provoca
emocional, despersonalização e difícil o manejo de pacientes com esgotamento psíquico, diminuin-
diminuição da realização pessoal. múltiplos sintomas, cujo trata- do a concentração, aumentando o
Segundo Carvalho19 esta síndro- mento não leva à melhora, só ao consumo de substâncias químicas,
me envolve profissionais subme- prolongamento da vida com sofri- levando à depressão e tentativas
tidos a estresse emocional crônico, mento. Surgem conflitos sobre o de suicídio. Sem contato com suas
surgindo sintomas psicológicos e que fazer nestas situações, manter emoções e intuição não podendo
comportamentais. Entre os sin- procedimentos ou interrompê-los. acessar recursos criativos e espiri-
tomas somáticos estão: exaustão, Evitar a distanásia é tarefa funda- tuais e sem contato com sua alma
fadiga, cefaleias, distúrbios gas- mental para estes profissionais. o adoecimento pode acontecer36,37.
trintestinais, insônia e dispneia. Os O profissional de saúde, em Estabelece-se relação entre in-
sintomas psíquicos observados são: contato com o sofrimento nas suas tenso estresse, colapso e luto não
humor depressivo, irritabilidade, diversas dimensões, vive conflitos reconhecido. Muitos profissionais
ansiedade, rigidez, negativismo, sobre como se posicionar frente também não aceitam e reconhe-
ceticismo e desinteresse. à dor, que nem sempre consegue cem esta experiência como luto
Pitta31 enumera algumas das aliviar. Precisa elaborar perdas de que deve ser vivido, elaborado e
defesas, que profissionais de saúde pacientes, o que é mais penoso autorizado. Parkes17 afirma que
apresentam quando diante de an- quando morrem aqueles com que profissionais de saúde vivem sim
siedades provocadas pelo trabalho: estabeleceu vínculos mais inten- processos de luto. Experimentam a
fragmentação da relação profissio- sos. Este convívio com dor, perda e ambivalência entre sensibilização,
nal e paciente; despersonalização morte traz ao profissional a vivên- aproximação e empatia e o distan-
e negação da importância da pes- cia de seus processos internos, sua ciamento como defesa. Há confli-
soa, distanciamento e negação de fragilidade, vulnerabilidade, medos tos entre fugir da morte que não
sentimentos, tentativa de eliminar e incertezas, que nem sempre tem se pode vencer com sentimento de
decisões e redução do peso da res- autorização para compartilhar. derrota e aprender acompanhan-
ponsabilidade. Cabe então falar sobre o luto do o processo de morte de seus pa-
O termo cuidado deriva-se do dos profissionais de saúde, pro- cientes.
antigo inglês “carion”, e das pala- cesso desencadeado pela perda de A formação dos profissionais
vras góticas “kara ou carion”. Como pacientes com os quais estabeleceu de saúde, voltada predominante-
substantivo, significa aflição, pesar vínculos mais intensos. Nos casos mente para o aspecto técnico do
ou tristeza. Como verbo significa de luto não reconhecido Doka18 se manejo das doenças não levando
“ter preocupação por”, sentir uma refere aos profissionais de saúde em conta a pessoa, está relacionada
inclinação ou preferência, respeitar, como enlutados não reconhecidos, com a tarefa de salvar vidas. Obser-
considerar, no sentido de ligação de portanto sem direito de expressar va-se neste processo de formação,
afeto, amor, carinho e simpatia35 . seus sentimentos, o que pode levar ausência de disciplinas que discu-
Quando ocorre o agravamento ao colapso. tam aspectos cognitivos e afetivos
dos sintomas e a morte se aproxi- Há um silenciamento da morte relacionados ao processo da morte
ma, o paciente necessita de mais nos hospitais, que coincide com e do morrer. Zimermann38 sugere
cuidados, pois apresenta sintomas a situação em que se vê a morte que durante seu processo de for-
altamente incapacitantes e de difí- como fracasso de profissionais de mação, profissionais de saúde re-
cil manejo requerendo alto grau de saúde. Profissionais de saúde se li- flitam sobre o clima emocional que
especialização da equipe. É nestes gam a alguns pacientes e quando envolve o ato médico, discutindo
momentos que surgem os dilemas ocorre a morte têm que lidar com seus sentimentos e ansiedades. É
entre cuidar do paciente, e a obri- a sensação de fracasso e impotên- essa discussão que envolve o que
gação de salvar ou prolongar sua cia e entram em processo de luto, abordamos acima como cuidado ao
vida a todo custo. que não é reconhecido e autoriza- cuidador profissional.
Para a equipe de saúde no hos- do. Este fato é reforçado pelo que Cavalcante39 e Gutierrez40, ob-
pital estes podem ser momentos aprenderam na sua formação: não servam esta mesma tendência nos

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Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional

cursos de enfermagem, embora ha- ciente, e, por vezes sem autonomia foi realizado com a equipe de en-
ja demanda antiga destes profissio- para tomar uma série de decisões, fermagem para trabalhar com os
nais para que sejam cuidados. o que pode gerar um estresse adi- sentimentos resultantes da tarefa
No Instituto de Psicologia da cional33,39,40. de cuidar dos sofrimentos, dores,
USP a disciplina optativa Psicologia Unidades de Terapia Intensiva, impotência e culpa por não poder
da Morte é oferecida desde 1986, inicialmente pensadas para salvar curar ou amenizar o sofrimento.
com os seguintes objetivos: a) pos- vidas, são, hoje em dia, muitas Na tentativa de trabalhar com
sibilitar a sensibilização e escuta dos vezes utilizadas para o prolon- o sofrimento do cuidador de en-
processos internos perante a morte; gamento de um longo e penoso fermagem, optou-se pela realiza-
b) apresentar teorias psicológicas processo de morte, por isto podem ção de várias dinâmicas de grupo,
sobre a morte; c) refletir sobre a se transformar em “catedrais do visando facilitação da emergência
ação psicológica diante da morte41,42. sofrimento”6,13. Na formação de das dificuldades e conflitos destas
A seguinte pergunta se apre- profissionais de saúde, devem ser equipes e uma intervenção que
senta: será que os profissionais incluídas discussões acerca dos as- buscasse a identificação e alívio
que se dizem não preparados para pectos éticos presentes na termina- destes, quando possível, favore-
enfrentar a questão da morte, que- lidade da vida. cendo melhor qualidade de vida.
rem de fato se preparar? Esslinger3 Diante do sofrimento impos- Este foi o movimento inicial para
aponta para um desejo frequen- desenvolvimento de um projeto
to pelas situações-limite de vida e
temente manifesto por profissio- que pretendeu oferecer cuidado ao
morte, Kovács42 destaca a neces-
nais de saúde, de que suas próprias cuidador profissional no contexto
sidade de discutir os temas abaixo
feridas possam ser cuidadas. Car- hospitalar.
relacionados:
valho 19 referindo-se ao mito de O projeto surgiu após a solicita-
• Como comunicar o agrava-
Chíron aponta que médicos, assim ção das coordenadoras de equipes
mento da doença e proximi-
como o centauro contém em si as de enfermagem a partir da super-
dade da morte para pacientes visão de alguns casos considerados
duas vertentes: a do médico e a do
e seus familiares? como difíceis pelos profissionais.
paciente:
“[…] se nos ativermos, num • Como lidar com pacientes A proposta teve os seguintes pro-
momento de saúde são postos que estejam expressando pósitos:
nesta situação, a de médicos fe- sentimentos como: medo, a) aquecimento e sensibilização
ridos pela própria prática médi- raiva e tristeza? para o tema principal apon-
ca, pelos pacientes, em suma – e • Como tratar pacientes sem tado pela equipe, tendo em
como esta experiência poderá ser possibilidade de cura, a partir vista suas dificuldades prin-
usada para uma compreensão da questão da complementa- cipais;
dos processos internos do próprio ridade entre curar e cuidar? b) aprofundamento do tema
profissional, o que poderá resul- • Como cuidar de sintomas in- trazido pelo grupo;
tar numa melhor compreensão capacitantes, causadores de c) planejamento da ação de
do paciente” (p. 62)19. sofrimento e dor? cuidados ao cuidador pensa-
Cuidar do sofrimento do cui- • Como abordar a família dian- do pela equipe de trabalho,
dador profissional é fundamental. te da aproximação da morte, tendo em vista suas necessi-
Está ferido e ao cuidar de si pode dades.
como acolher os sentimentos
compreender melhor o sofrimen- presentes nessa situação? A metodologia utilizada du-
to de seus pacientes. Afinal, como rante as diversas fases do trabalho
pode cuidar se ele mesmo não é • Como lidar com a expres-
envolveu atividades em grupo,
cuidado? Poder aceitar suas feri- são do desejo de morrer do
intercaladas com atendimento in-
das, favorecer a compreensão da paciente ou da família que
dividual. A seguir é apresentado
condição humana e exercer soli- não suporta ver tanto sofri-
um breve relato de técnicas facili-
dariedade36,37. mento? tadoras para emergência dos temas
No que se refere mais especifi- Foi a partir destes pontos que apontados pela equipe, possibili-
camente à equipe de enfermagem, Esslinger, Kovács e Vaiciunas 43 dade de expressão de sentimentos e
há um fator adicional que merece planejaram um projeto de cuida- planejamento da ação de cuidados:
consideração, é que estes profissio- do ao cuidador profissional em a) Desconexão
nais estão em contato mais direto e um hospital público na cidade de Favorecer o desligamento
contínuo com o sofrimento do pa- São Paulo. O trabalho principal de estímulos externos que

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Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional

possam perturbar o envol- das estão: trabalho com tinta, Outras formas de cuidados po-
vimento na atividade pro- massa de modelar, sucata, dem ser pensadas:
posta, trazendo a pessoa para canetas hidrográficas, dança • atividades de lazer para es-
o contato com a sua expe- entre outras. treitar contatos e estabelecer
riência interior. Uma outra modalidade de relações de amizade;
b) Introspeção cuidado às equipes de saúde é o • psicoterapia e cuidados psi-
Conduzir a pessoa a um plantão psicológico, baseado na cológicos para cuidar da dor
maior contato com suas vi- abordagem centrada na pessoa e sofrimento dos profissio-
vências interiores. Este es- como postulada por Rogers, Kin- nais;
tado é facilitado a partir de get44. Facilita o crescimento e de- • cursos, workshops e vivên­cias
exercícios de relaxamento senvolvimento da pessoa, criando para transmitir conhecimen-
e sugestões de temas re- condições traduzidas numa equa- to, lidar com sen­timentos
lacionados com o que se ção, que envolve empatia, aceita- e formas de manejo favore-
pretende trabalhar. Pelo ção e congruência na relação que cendo a aprendizagem signi-
uso de imagens é possível se estabelece entre facilitadores e ficativa47;
a emergência de aspectos clientes45. Oferecem espaço de es-
• supervisão individual e gru-
ainda não presentes à cons- cuta, que conta com a participação
pal para casos difíceis, refle-
ciência. de pessoas qualificadas no momen-
tindo sobre alternativas de
c) Relatos verbais to em que se busca ajuda, favore-
cuidados, esclarecendo pon-
cendo acolhimento da demanda,
Estimular o relato das expe- tos obscuros, favorecendo o
mesmo que não seja atendida. O
riências vividas no cotidiano trabalho de equipe.
processo de escuta pode ser tera-
ou acessadas pela dinâmica Uma modalidade de supervi-
pêutico. Plantão psicológico impli-
proposta. Tem como objetivo são são os Grupos Balint, que en-
ca em disponibilidade para o que se
que a própria pessoa ouça o volvem reuniões de equipe com
apresentar, sem escolha à priori, o
que está falando, permitindo profissionais de saúde mental,
que requer dos plantonistas flexibi-
o compartilhamento de suas trabalhando-se a relação paciente
lidade e criatividade46. Para pessoas,
experiências com o grupo. e profissional e não a discussão de
em momentos de crise, angústia e
Os facilitadores criaram uma aspectos clínicos. Assim pode se
confusão, este tipo de atendimento
atmosfera para que cada verificar que aspectos podem in-
pode ser ponto de referência, pos-
participante se expressasse terferir nos cuidados, favorecendo
sibilitando o contato com recursos
e que pudesse ser ouvido o auto-conhecimento, trazendo à
internos e externos.
sem críticas ou julgamentos consciência pontos cegos, evitando
Como profissionais de saúde
à priori. o acting-out37.
vivem situações de estresse, frus-
d) Atividades expressivas tração, insatisfação com o seu Seja qual for a modalidade es-
Introduzir nas dinâmicas o trabalho e também passando por colhida o cuidado ao cuidador é
uso de material expressivo situações pessoais de sofrimento uma medida fundamental a ser
que permitisse a manifesta- que precisam de cuidados, o plan- adotada nos hospitais. Afinal cuida
ção de conteúdos desperta- tão psicológico, por suas caracte- bem quem se sente cuidado, res-
dos pela introspecção e não rísticas, abre um espaço para que peitado e acolhido.
manifestos na consciência. estes profissionais possam buscar ...Não, não a morte não é algo que
Estas atividades permitem ajuda no momento em que neces- nos espera no fim. É companheira
a expressão espontânea de sitam. O plantão pode ser terapêu- silenciosa que fala com voz branda,
sentimentos e vivências com tico em si, ou ser porta de entrada sem querer nos aterrorizar, dizendo
menos censura. Entre as ati- para modalidades de cuidados mais sempre a verdade e nos convidando
vidades expressivas utiliza- prolongados. à sabedoria de viver... (p. 69)48.

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Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional

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Recebido em 17 de junho de 2010


Aprovado em 4 de agosto de 2010

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