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Equilibrio Psiquico . Mudanga Psiquica ARTIGOS SELECIONADOS DE BETTY JOSEPH Go sancgiee por ael Feld: mi: 2 Bo Bott Spillius EQUILIBRIO PSIQUICO E MUDANGA PSIQUICA Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius (orgs.) A obra de Betty Joseph tem-se cons- tituido uma influéncia destacada para o desenvolvimento e para a teoria psica- nalitica dentro da tradigdo kleiniana. Esta coletinea de seus artigos mais im- portantes esclarece o desenvolvimento de seu pensamento e mostra por que uma parte crucial de sua teoria e de sua pratica ocupa-se do exame pormenori- zado e sensivel do processo terapéutico em si, Topicos fundamentais e contro- versos, aqui explorados e discutidos, incluem identificagao projetiva, trans- feréncia e contratransferéncia, fantasia inconsciente e concepgdes kleinianas sobre inveja e pulsio de morte. Mas a 8nfase estd, sobretudo, na mudanga psi- quica e em sua relagao com o equilibrio psiquico. Enquanto os artigos ofetecem uma exposigao pormenorizada de ma- tetial clinico, os comentarios dos orga- nizadores relacionam as idéias de Joseph ao seu contexto Kleiniano geral e mostram sua televancia pata o interes- se de disciplinas afins e de outras tradi- goes psicanaliticas, Betty Joseph é uma reconhecida ana- lista didata da Sociedade Britanica de Psicanalise e membro fundador do Me- lanie Klein Trust. Os organizadores: Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius sao analistas didatas da Sociedade Britanica de Psi- candlise e membros do Melanie Klein Trust. COLECAO NOVA BIBLIOTECA DEPSICANALISE The New Library of Psychoanaly- sis, da qual descende a Nova Biblioteca de Psicandllise da Imago, é publicada na Inglatetra em associagio com o Instituto de Psicanilise. Foi criada pata facilitar uma melhore mais ampla apreciagao do que trata realmente a psicandlise e pto- porcionar um espago de debates que possibilite uma maior compreensio mitua entre psicanalistas e aqueles que trabalham em outras disciplinas, tais como historia, lingiiistica, literatura, medicina, filosofia, psicologia e cién- cias sociais. Visa publicar um nimero limitado de livros, a cada ano, de forma acessivel e selecionar trabalhos que aprofundem e ampliem a técnica ¢ 0 pensamento psicanaliticos, que déem uma contribuigao a psicanalise a partir de uma perspectiva extema ou que aptesentem uma contribuigao a outras disciplinas a partir de um ponto de vista psicanalitico. O Instituto, juntamente com a Socie- dade Psicanalitica Britanica, dirige uma clinica psicanalitiea que cobra pouco de seus pacientes, organiza palestras e eventos cientificos ligados 4 psicandli- se, publica o International Journal of Psycho-Analysis e a International Review of Psycho-Analysis e dirige o tinico curso de formagio psicanalitica no Reino Unido que possibilita o in- gtesso na Associagao Psicanalitica In- ternacional — a entidade que adota os critérios internacionalmente aceitos de formagio, registro profissional tais como foram criados e desenvolvidos pot Sigmund Freud. Alguns dos mem- bros ilustres foram Wilfred Bion, Anna Freud, Emest Jones, Melanie Klein, John Richman e Donald Winnicott. Equilibrio Psiquico e Mudanga Psiquica CIPBrasil, Catalogagio-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Jie 92.0244 Joseph, Betty Equilibrio psiquico ¢ mudanea psiquica: artigos selecionados de Betty Joseph/organizado por Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius; coordenador da ed. brasileira Elias Mallet da Rocha Barros; traducio de Belinda Haber Mandelbaum, Rio de Janeiro: Imago Ed., 1992. 230p. (Série Biblioteca Internacional de Psicandlise) Tradugio de: Psychic equilibrium and psychic change: selected papers of Betty Joseph Bibliografia Indice ISBN 85-312.0195.0 1. Psicanilise. I. Feldman, Michael. IL Spillius, Elizabeth Bott, 1924. IIL. Barros, Elias Mallet da Rocha. IV. Titulo. V. Série. CDD — 616.8917 CDU = 159.964.2 Organizado por Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius Equilibrio Psiquico e Mudanca Psiquica ARTIGOS SELECIONADOS DE BETTY JOSEPH Colegio Nova Biblioteca de Psicanalise Coordenador da Edigao Brasileira: Elias Mallet da Rocha Barros Diregiiode JAYME SALOMAO Tradugio de BELINDA HABER MANDELBAUM IMAGO EDITORA — Rio de Janeiro — Titulo Original PSYCHIC EQUILIBRIUM AND PSYCHIC CHANCE First published in 1989 by Routledge 11 New Fetter Lane, London ECAP 4EE 29 West 35th Street, New York NY 10001 © 1989 in the edited collection as a whole and in the introductory matter, Michael Feldman and Elizabeth Bott Spillius; © in the papers, Betty Joseph Copidesque: Marcos José da Cunha Revisio: Gisele Barreto Sampaio Noemi Catete D'Aurea Direitos adquiridos por IMAGO EDITORA LTDA. Rua Santos Rodrigues, 201-A — Esticio CEP 2050 — Rio de Janeiro — RJ Tel: 293-1092 Todos os direitos de reproducio, divulgacio, ¢ tradugio sio reservados. Nenhuma parte desta obra poderé ser reproduzida por fotocépia, microfilme ou outro processo fotomecinico. Publicado no Bras! Printed in Brazil The New Library of Psychoanalysis, da qual descende a Nova Biblioteca de Psicanalise da Imago, é publicada na Inglaterra em associagao com o Instituto de Psicanalise. Foi criada para facilitar uma melhor e mais ampla apreciagao do que realmente é a psicanélise e proporcionar um espago de debates que possibilite uma maior compreensao miitua entre psicanalistas e aqueles que trabalham em outtas disciplinas, tais como histéria, lingiiistica, literatura, medicina, filosofia, psicologia e ciéncias sociais. Foi planejada para publicar, de forma acessivel, um niimero limitado de livros a cada ano e selecionar trabalhos que aprofundem e ampliem a técnica e o pensamento psicanalitico, que contribuam pata a psicanalise, a partir de uma perspectiva externa, ou pata outras disciplinas, a partir de uma petspectiva psicanalitica, O Instituto, juntamente com a Sociedade Britanica de Psicandlise, dirige uma clinica psicanalitica que cobta pouco de seus pacientes, organiza palestras ¢ eventos cientificos ligados a psicanalise, publica o International Journal of Psycho-Analy- sis e a International Review of Psycho-Analysis e ditige o wnico curso de formagao psicanalitica no Reino Unido, que possibilita o ingresso na Associagao Psicanalitica Internacional — a entidade que preserva os critérios internacionalmente aceitos de formagio, registro ptofissional e ética e pratica da psicansllise tais como foram criados e desenvolvidos pot Sigmund Freud. Alguns dos membros ilustres do Instituto foram Wilfred Bion, Anna Freud, Emest Jones, Melanie Klein, John Rickman e Donald Winnicott. O editor geral da série é David Tuckett. Eglé Laufer e Ronald Britton sao editores associados. ‘Aos patticipantes atuais e passados de meu seminario “— que evoluiu para se tornar um “laboratério” —, com quem as idéias deste livro foram desenvolvidas. Nota da Traducsao Por intermédio do presente volume da Nova Biblioteca de Psicandlise o leitor tera a oportunidade de conhecer 0 trabalho clinico ¢ tedrico de uma das psicanalistas mais originais da atualidade. Betty Joseph é criadora porque, ao mesmo tempo em que se mantém fiel a tradigao da pritica e da teoria iniciada por Frend e desenvol- vida de um modo especifico por Melanie Klein e Bion, entre outros, elaredescobre. e faz emergir compreensées e conceitos a partir do que observa e vivencia em seu contato singular com cada paciente. Seu trabalho leva em consideragao 0 objetivo da psicandlise de tornar consciente o inconsciente, tal como formulado por Freud; a fungio dos mecanismos de projegao e introjesao, a importineia da ansiedade subjacente a esses mecanismos ¢ 0 estatuto da fantasia inconsciente, tal como descrito nos trabalhos de Melanie Klein; o entendimento da identificagao projetiva ‘como mecanismo de defesa e mode de comunicagiio ¢ das oscilagées entre as posigdes esquizoparandide e depressiva, desenvolvido por Bion. *Esses elementos tedricos sio alguns dos que fundamentam a qualidade de sua intervengiio enquanto analista, ao destacar 0 aqui-e-agota do encontro analitico. Em Betty Joseph, 0 aqui-e-agora passa a set 0 proptio eixo do trabalho. E as interpretagdes que ela formula guardam algumas caracteristicas em telagéo a atividade psiquica do paciente: nao se trata de uma reflexdo nem de uma explica- go; pretendem operar nao com a atividade psiquica, mas desde 0 proprio interior dela; e operam no mesmo nivel que o do funeionamento mental do paciente. ‘sso tudo quer dizer que para ela a palavra emitida pelo analista nao é um fim em si mesma, mas um meio de agir diretamente no interior da atividade psiquica do paciente. Ao tradutor cabe, se quiser ser fiel ao método empregado por ela, cuidar de que principalmente seja mantido 0 contexto emocional que envolve © trabalho com o paciente. Nas diversas desctigdes clinicas que compoem este volume, tentamos guatdar ao mesmo tempo a precisio da interprétagao de Betty Joseph e o tom quase que informal com que é emitida. Isso porque no seu texto, para além da compreensio teérica, o que a autora se propée é realizar uma acurada descrigao do funcionamento mental do paciente, destacando meticulosamente o passo-a-passo do suceder psiquico, stuas possibilidades de elaboragao e os diversos mecanismos de defesa em agio. ‘Trés dos artigos que compdem este volume ja circulam entre nds por intermé- dio de diferentes publicagdes. Recotti a essas tradugdes — cujos titulos aparecem aqui ligeiramente modificados — por diversas vezes em busca de sugestdes. Sio eles: “Sobre compreender e no compreender: algumas questdes técnicas”, tradu- zido por Ester Hadassa Sandler e publicado no Jornal de Psicandlise, ano 18, n® 37; “Em diregao a experiéncia de dor psiquica”, traduzido por Cecilia Hitchzon e Maria Emilia L. da Silva e publicado na Revista Brasileira de Psicandlise, 22: 369, 1988; e “Uma contribuigao clinica para a andlise de uma perversao”, traduzido por Cassia Aparecida N. B. Bruno e Stela Maria Van der Klugt (separata, julho de 1988). A tradugio do artigo “Transferencia: a situagio total”, realizada por Viviana S. S. Starzynski e publicada na Revista Brasileira de Psicandlise, 21: 581, 1987, foi aqui incluida em sua totalidade, apenas com modificagées necessérias para pteservar no conjunto da obra sua coeréncia e uniformidade. Gostaria de agradecer a Elias Mallet da Rocha Barros, Elizabeth Lima da Rocha Barros, Enrique Mandelbaum, Liana Pinto Chaves e Maria Elena Salles de Brito as cuidadosas tevisdes dos textos traduzidos. Belinda Haber Mandelbaum Sumario Prefacio por Hanna Segal Agradecimentos Introdugao geral: Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius Primeira Parte: Inicios Introdugdo: Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius 1 (1959) Um aspecto da compulsao a repetigao 2 (1960) Algumas caracteristicas da personalidade psicopatica Segunda Parte: Ruptura e desenvolvimento Introdugo: Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius 3 (1971) Uma contribuigao clinica para a andlise de uma perversio 4 (1989) Sobre passividade e agressividade: sua inter-relagio (escrito em 1971, publicado aqui pela primeira vez) 5 (1975) O paciente de dificil acesso 6 (1981) Em diregio a experiéncia de dor psiquica (escrito em 1976) 16 7 2 AT 59 63 78 85 9o7 Terceira Parte: Consolidagdo Introdugo: Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius 7 (1978) Diferentes tipos de ansiedade e seu manejo na situagao analitica 8 (1981) Mecanismos de defesa e fantasia no processo psicanalitico 9 (1982) O vicio pela quase-morte 10 (1983) Sobre compreender e nao compreender: algumas questdes técnicas Quarta Parte: Desenvolvimentos recentes Introdugao: Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius 11 (1985) Transferéncia: a situagao total (escrito em 1983) 12 (1987) Identificagao projetiva: alguns aspectos clinicos (escrito em 1984) 13 (1986) A inveja na vida cotidiana (escrito em 1985) 14 (1989) Mudanga psiquica e processo psicanalitico (escrito em 1986, publicado aqui pela primeira vez) 15 (1988) Relagdes de objeto na pratica clinica Referéncias bibliograficas Lista completa dos attigos publicados de Betty Joseph Indice onoméstico Indice analitico 114 123 133 159 162 173 185 195 205 217 221 223 224 Prefacio A forga ea vitalidade das idéias cientificas podem ser avaliadas por seu crescimento e pelos desenvolvimentos que surgem a partir delas. As idéias de Freud mudaram, evoluindo até o fim de sua vida. Também deram origem a muitos desenvolvimentos diferentes, as vezes divergentes ou mesmo controversos — ¢ niio estou me referindo adesenvolvimentos “dissidentes”, tais como os de Jung ou de Adler, mas aqueles genuinamente baseados na propria obra de Freud e ei seu trabalho em varias fases de seu préprio desenvolvimento, tendo alguns seguidores se dedicado mais ao seu trabalho inicial, outros ao mais tardio. Entre aqueles que deram seguimento ao trabalho posterior de Freud, Melanie Klein provavelmente é a mais importante. Assim como a obra de Freud, seu trabalho desenvolveu-se, introduzindo novas idéias e mudangas de énfase, até o fim de sua vida. Esse desenvolvimento prosseguiu no trabalho de seus discipulos. ‘Suas idéias centrais sobte a importancia dos estagios iniciais de desenvolvimento 0 papel preeminente do interjogo entre fantasia inconsciente e realidade e das oscilagdes (shifts*) entre as posigdes esquizoparandide e depressiva informam o trabalho de todos os seus dise{pulos. Do ponto de vista técnico, a importancia que atribui a transferéncia é uma constante no trabalho de seus seguidores. Por outro ado, estes prosseguiram suas pesquisas em direcdes diferentes — como, por exemplo, Bion e Rosenfeld na anilise de psicdticos —, e seus varios seguidores desenvolveram diferentes estilos de trabalho com diferentes énfases. ‘Um dos tiltimos conceitos introduzidos por Klein — a identificagio projetiva —, * No decorer do lio, o tern shift é wllizado por Buty Joseph em toda a sun abrangéncia de senidos. No mais das vezes, ee ndo significa mudanga, no sentido de uma modanga mais daradoura do paciente, para © que cla reserva o {como inglés change, amas osilagS0, movimento, rearranj,indicando o aspect dndmico da relagHo do paciente como amalista na sessio, Scampre que 0 termo aparcce, optamos por traduzi-1o no sent que nos parece sais conveniente tara o cotento e pormaner a palavra em inglés ire pariteses que indica umaspecto central do trabalho da autora (eda 7) 14 Preféicio do qual ela fomece apenas umas poucas linhas em seu artigo “Notas sobre alguns mecanismos esquizdides” (1946), gerou uma investigagio que tem resultado em ricas contribuigdes tanto para a teoria como pata a pratica. Contribuiu em particular para a compreensio e os usos da contratransferéncia — uma area inexplorada pela ptoptia Klein. Foi também um de seus conceitos que recebeu aceitagao mundial entre psicanalistas de diversas orientagdes. Dentre o grupo de analistas que investi gou em particular as implicagdes desse conceito para a técnica cotidiana e a abordagem clinica de pacientes, nos tltimos anos 0 trabalho de Betty Joseph é um desenvolvimento particularmente importante. Ele nao é ostentoso, desenvolveu-se passo a passo, e foi somente de forma lenta que comecou a ganhar importancia crescente, sobretudo entre analistas kleinianos, embora aos poucos esteja sendo também aceito de moo mais geral, ndo apenas na Gra-Bretanha, como também no exterior — incluindo os EUA —, onde vem despertando muito interesse. Encontrei Betty Joseph pela primeira vez quando ela veio a Londres como candidata, em 1945, mas comecei a conhecé-la somente em 1949. Ela ja tinha obtido sua qualificagio, tendo iniciado sua andlise com Balint em Manchester e 0 acompanhado a Londres. Apés a qualificagio, ela iniciou sua andlise com Paula Heimann, e foi na época dessa transigao que me procutou (eu acabava de set qualificado como analista didata) para discutir alguns de seus casos. Sempte me surpreende que eu de fato me lembre de um de seus pacientes e de um sonho que ele trouxe. Ele tinha fetiche por sapatos e um interesse particular em saltos altos, em especial os pontiagudos. Esse paciente sonhou ter atirado uma faca debaixo de um armario, e eu me lembro de ter dito a ela que a imagem que ele tinha da mulher félica baseava-se em sua projegao do prdprio pénis para dentro dela, O fato de eu me lembrar desse material até hoje diz algo da vivacidade e da conviegao com que ela o aptesentava. Também o lembro com afetuoso divertimento, considerando-se o quanto aprendi com ela sobre identificagao projetiva nos ultimos anos. Betty Joseph comegou seu traballio do modo kleiniano classico, que entéo prevalecia, mas por volta dos anos 70 tornou-se claro que ela estava desenvolyendo um estilo proprio cada vez mais caracteristico. Esse estilo se distingue pelo modo como escuta seus pacientes, com atengao sempre crescente as mudangas psiquicas que ocotrem de minuto a minuto na mente do paciente, mudangas relacionadas e ligadas ao interjogo constante entre analista e paciente e aos efeitos desse interjogo sobre a transferéncia e a contratransferéncia, Alguns anos apés tornat-se analista didata, em tacados dos anos 50, como muitos de nds, Betty Joseph passou a conduzir um seminario de pés-graduagao. Esse seminsrio também passou por uma evolugio. Tendo-se iniciado como tantos outros semindrios clinicos de graduagao e pés-graduagao conduzidos por um “professor”, passou por uma profunda ttansformagao para tornar-se um verdadeiro “laboratotio”, dando origem a um grupo de trabalho criativo sob sua lideranga. Como seu proprio trabalho, esse “laboratério” ocupa-se em descrever em porme- nores os intercdmbios entre paciente e analista na sessdo e em examinar as implicagdes clinicas de toda intervengio, descrevendo detalhes da técnica na interagdo de momento a momento. Mas, no processo de fazé-lo, os membros do Preficio 15 “Jaboratério” esto também produzindo uma teoria da técnica que, na minha opinifo, tem implicagSes teéricas mais amplas do que eles préprios se dio conta. Também é significativo que esse trabalho conjunto nao produza uma técnica monolitica e que seus membros tenham seus proprios estilos individuais. Trabalhei intimamente com Betty Joseph por quase quarenta anos, e num relacionamento assim ¢ dificil discriminar quem aprendeu o qué com quem. Sei que do trabalho de meus contemporaneos tive a influéncia maior de Bion e, mais tarde, embora talvez nao na mesma extensio, de Betty Joseph. Assim como outros, aptendicom ela, em particular, a prestar uma atengiio muito mais agugada a atuagio continua e mais sutil do paciente na sessio ¢ ao seu efeito sobre a contratransferén- cia. Entretanto, essa é uma area na qual hd diferengas individuais entre os analistas Kleinianos. Essas diferencas referem-se ao problema técnico de como e quando interpretar explicitamente a fantasia inconsciente e a experiéncia infantil que esta sendo atuada no interjogo entre paciente e analista, Teoricamente, ha um acordo geral de que essa ligacdo deve ser feita apenas quando for emocionalmente significativa para o paciente, mas na pritica a avaliagdo de quando chegou o tmomento certo varia de analista para analista. Minha impressao, por exemplo, & que eu mesma ponho muito mais énfase na necessidade de ligar o interjogo na sessio com o contexto infantil do que o faz Betty Joseph. Em seu préptio trabalho, o que mais me impressiona é uma rara combinagao de uma intuigio muito fina e um grande rigor intelectual e téenico, Nao ha comodismo em seu trabalho. A atengao cuidadosa ao detalhe, que também o caracteriza, fornece um quadro muito completo do paciente, do analista e da interagdo exata entre os dois no processo psicanalitico, ¢ ai est4 a razao por que penso que seus artigos, embota densos ¢ dificeis, sejam compreensiveis e atraentes pata analistas que, de outro modo, nao tém familiaridade com a abordagem Kleiniana. Hanna Segal Agradecimentos Gostaria de agradecer aos editores, Dr. Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius, que organizaram estes artigos e, com muita paciéncia e compreensao, buscaram aptesenti-los ao leitor. Entre tantos outros colegas, desejo agtadecer de modo particular 4 Dra. Hanna Segal, que durante anos meditou sobre a maior patte dos artigos deste livro, discutindo-os e criticando-os, sempre de forma construtiva. Quero também agradecer ao International Journal of Psycho-Analysis (capi- tulos 1,2, 3, 7,9, 10, 11), a Jason Aronson Inc. (5), @ Caesura Press (6), a0 Bulletin ofthe European Psychoanalytical Federation (8), 4 International Universities Press (12), ao Psychoanalytic Psychotherapy (13) e a0 The Psychoanalytic Quarterly (15) a gentileza de permitirem a teprodugio de attigos, cujos direitos autorais lhes pertencem. Betty Joseph Introducao geral Michael Feldman e Elizabeth Bott Spillius Até pouco tempo, a obra de Betty Joseph, que representa um desenvolvimento particular no interior da tradigao Kleiniana, era pouco conhecida fora de um efreulo relativamente limitado de psicanalistas ingleses e de psicanalistas kleinianos no exterior. O propdsito deste livro é reunir seus diversos artigos, a fim de tornat suas idéias seminais mais diretamente acessiveis. O objetivo desta Introdugao geral ¢ esbogat os temas principais de sua obta. Os artigos estio divididos em quatro segdes, cada uma delas com uma introdugao préptia, que liga os artigos especificos da sega aos principais temas desctitos na Introdugao geral. Os attigos esto reptoduzidos na ordem em que foram escritos, a qual algumas vezes difere da ‘ordem em que foram publicados. A técnica psicanalitica de Joseph e seu modo de conceituar os processos envolvidos desenvolveram-se no decotter de muitos anos, em particular no tocante as andlises intensivas e prolongadas de uma série de pacientes dificeis e resistentes. Estes pacientes confrontaram-na com problemas técnicos sutis que vieram a set 0 tema do maior interesse pata ela, e aos quais se ditige nos artigos reunidos neste livro. Embora os pacientes com quem ela esteve trabalhando pudessem ser classi- ficados como narcisistas, fronteirigos (borderline) ou pervetsos, as questées técni- cas e tedticas com que Joseph se tem ocupado sio de aplicagao muito ampla dentro da psicandlise. © tipo de paciente em que Joseph estA particularmente interessada nestes_ artigos é o da pessoa que procura andlise porque conscientemente deseja mudar, mas que parece ser relutante ou incapaz de fazé-lo, ainda que seu sentimento em telago a andllise e a seu analista no geral seja basicamente positivo. Joseph vé seus pacientes num setting psicanalitico, que mantém de modo rigoroso, com sessOes cinco vezes pot semana e a expectativa de que se deitem no diva, com excesao, logicamente, das criangas. Dentro da estrutura desse setting ela procura fornecer uma formulagao precisa do modo pelo qual as idéias e os sentimentos do paciente, 18 Introdugao geral conscientes e inconscientes, sobre si mesmo, seu analista e a relago analitica, sio vividos na sesso. Joseph sustenta que o modo pelo qual o paciente consciente e inconscientemente estrutura a telagiio analitica torna aparente a natureza de seu mundo interno, o que em si é 0 produto de sua complexa historia. Cada vez mais ela foi deixando de fazer ao paciente interptetagdes globais e explicativas para desctever, de modo mais limitado e preciso, como, num dado momento, ele vé a analista, a si mesmo e 0 que esta acontecendo entre eles, Ela procuta acompanhat cuidadosamente quaisquer movimentos (shifis) que ocorrem no comportamento, no sentimento e na atmosfera da sessio. Na sua opinido, essas interpretagdes imediatas, ainda que apatentemente tao limitadas, constituem a espetanga maior de trabalharmos em diregao 4 mudanga psiquica. A ptesente Introdugao visa a descte- ver como Joseph chegou a essa concepgao e as conceituagdes que lhe sao subja~ centes e que com ela se desenvolveram. Os artigos de Joseph sio como suas interpretagées: precisos, sensiveis e potmenorizados. Uma experiéncia nao pouco freqtiente ao ler seus artigos pela primeira vez é.a deo leitor ficat assoberbado pela complexidade de detalhes clinicos e achar dificil formular para si mesmno o tema central do artigo, ainda que a escrita em si seja enganosamente clara e simples. Um escrutinio mais minucioso revela diversos temas importantes, temas que se tornam cada vez mais expostos e elaborados, de forma clara e confiante, nos sucessivos artigos. Nestes artigos, inevitavelmente, ha tepetigao, mas cada tepetigao acrescenta algo novo formula- gao anterior. Como Bion, Segal e Rosenfeld, Joseph tem-se envolvido em patticular na exploragio do uso terapéutico dos conceitos de Klein de fantasia inconsciente, identificagao projetiva e identificagao introjetiva. Todos esses quatro autores trabalham com os conceitos de Klein de posigdes esquizoparandide ¢ depressiva (Klein, 1935, 1940, 1946) e de diversos modos desenvolyeram esses conceitos. As ansiedades, as relagées de objeto e as defesas das posigdes esquizoparandide e depressiva sio desctitas e discutidas por Joseph em sua totalidade em muitos dos artigos da presente coletinea. Embora os interesses de Bion, de Segal, de Rosenfeld e de Joseph tivessem diferido em algum gtau, cada um deles adotouuma aborda- gem, na qual uma atengao muito minuciosa é dedicada nao sé aos contetidos verbais das comunicagées dos pacientes, mas também ao uso que fazem das palavras pata levar a cabo agdes que tém efeito sobre o estado mental do analista. Para essa tradigao de trabalho, Joseph particularmente contribuiu e a ampliou. HA trés ou quatro temas principais no trabalho de Joseph, tao entretecidos e intimamente relacionados que é dificil descrevé-los separadamente. O primeito é a 6nfase sobre a necessidade que o paciente tem de manter seu equilibrio psiquico. O segundo é a mudanga psiquica, os fatores que militam contra ela e aqueles que a promovem. O tetceito é 0 modo particular de Joseph enfocar a transferéncia e a contratransferéncia, a atuagao dos pacientes na transferéncia e suas tentativas, em geral inconscientes, de induzir o analista a participar da atuagao. E 0 quarto é sua evitacaio do que se poderia chamar de “saber sobre” em favor do “vivenciar na”. O primeiro tema, a necessidade que o paciente tem de manter seu equilibrio, ja esta presente nos primeiros artigos de Joseph, nos quais ela descreve uma

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