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ae COiiradigma Ciéncias do comportamento perspectivas vr roviaporparivs or em analise do comportamento ISSN 2177-3848 Entendendo a espiritualidade’ Making sense of spirituality Dando sentido a la espiritualidad Steven C. Hayes 1) Universidad aa Carsina do Nano om Greenbor™ | Tuo abreviag: Miskin snce ceili | Endereg para correspondéni; | Ema hayeeBuno | 1 TOAETEVPAC 20r@.ron201 Resumo: Na linguagem comum, éfeita uma distingSo clara entre o mundo da matéria ¢0 do espirito. Embora o dualismo sejatipicamente pensado como incompativel com o behavioris- ‘mo, uma andlise comportamental da autoconsincia sugere que existem boas razdes para uma conversa dualista. Algumas qualidades bem conhecidas tanto de aspectos espirituais huma- nos quanto de um Deus metafisico parecem fluir naturalmente a partir dessa andlise (com- portamental). Discute-se brevemente a utilizagao de uma faceta espirtual de self em terapia. Palavras-chave: espiritualidade, self, contextualismo, molduras relacionais. Abstract: In ordinary language a clear distinction is made between the world of matter and that of spirit. While dualism is typically thought to be incompatible with behaviorism, a behavioral analysis of self-awareness suggests that there are good reasons for dualistic talk Reputed qualifies of both the spiritual aspect of humans and of a metaphysical God seem to flow naturally from the analysis. The use of the spiritual facet of self in therapy is briefly discussed. Keywords: spirituality self, contextualism, relational frames. Resumen: En el lenguaje ordinario se hace una distincién clara entre el mundo de la materia yel mundo de espirtu. Aunque normalmente se piensa que el dualismo es incompatible con el. conductismo, un andlisis conductual de la autoconciencia sugiere que hay buenas razones para una conversacidn dualista, Algunas cualidades bien conocidas de los aspectos espiitua- les humanos y de un Dios metafisico parecen fluir naturalmente de este andlisis (conductual). Se discute brevemente el uso de una faceta espiritual del slfen la terapia. Palabras clave: espiritualidad, self, contextualismo, marcos relacionales. 1 Tradugao feita por Raul Vaz Manzione (raul.manzione@ gmail.com) com revisio de Roberta Kovac, reproduzido com a permissdo do Cambridge Center for Behavioral Studies. Publicagio original HAYES, S. C, (1984) Making sense of spirituality. Behaviorism, 12, 99-110. 2Na data de publicagdo original deste artigo (1984) o autor estava na universidade apontada. ‘Atualmente, ele é docente na Universidade de Nevada, Reno, nos Estados Unidos. Revista Perspecivas #2019 mvel 10«n*O2m pp 191-202 191 ec tevistaperspectvs org propésito do presente artigo ¢ de tentar analisar a distingZo entre matéria e espirito partindo de uma perspectiva comportamental. Eu tenho trés grandes motivos para tentar tal andlise. Primeiro, é ébvio que preocupagées espirituais exercem enorme in- fluéncia sobre o comportamento de muitos, se no a maioria, dos membros de nossa cultura, Livros famosos sobre religiéo, misticismo, meditagao crescimento espiritual so vendidos consistente- mente. Lideres espirituais sao seguidos ao redor do mundo. Gastamos bilhdes de délares por ano em aprimoramento espiritual, desde terapias orienta- das ao desenvolvimento espiritual até organiza- Ges religiosas. Segundo, apesar de pedidos por mudangas nessa area (Miller, 1984; Schoenfeld, 1979), houveram relativamente poucas tentativas de conduzir andlises comportamentais tedricas so- bre tais assuntos. As que foram realizadas focaram amplamente no desenvolvimento de superstigao ou na influéncia moralizadora da religiéo organizada. (ex. Skinner, 1953). Embora estes sejam tépicos importantes, so relativamente faceis de analisar em termos dos princ{pios do reforgamento ou da sobrevivéncia cultural. A distingao matéria/es- pirito por si s6 é mais dificil de compreender, mas & também de muitas maneiras, mais interessante, Minha intengao é focar na natureza dessa distin- ao como é vista na cultura Ocidental, enquanto evitarei questdes sobre a influéncia moralizadorae reguladora das praticas de organizagées religiosas. Terceiro, eu acredito que uma andlise comporta- mental da espiritualidade traz importantes resulta- dos para uma visio comportamental sobre varios outros assuntos, incluindo autoconsciéncia e pro- cessos terapéuticos. Abordagens comportamentais para termos “nao comportamentais” Existem diversas reagdes possiveis de behavioris- tas quando expostos a termos como “espirito”. Uma dessas é a de rejeiti-los de imediato. Nesta abor- dagem, uma perspectiva comportamental pode- ria ser dita como tendo varias caracteristicas. 0 Behaviorismo poderia ser declarado como deter- minista, materialista ou monista, por exemplo. Jé que termos espirituais ou dualistas literalmente se Revista Perspecivas #2019 mvel 10«n*O2m pp 191-202 Enlonder #eapiiualdade w 191-202 contrapéem ao materialismo, monismo, e simil- ares, eles seriam rejeitados como ilegitimos cien- tifica ou comportamentalmente. Embora seja uma reacdo ldgica, nao é de fato uma reacio analitico- comportamental. De um ponto de vista comportamental, rejeitar termos baseados apenas no seu significado literal apresenta dois problemas. Primeiramente, as pa- lavras faladas ou escritas séo produtos estruturais do comportamento funcional de falar ou escrever. Voce pode “entender” essas frases escritas aqui embora vocé saiba muito pouco ou nada sobre as contingéncias que as fazem ser emitidas. Suas com- preensdes desses produtos do comportamento se devem a uma histéria, provida pela comunidade verbal, de reagir a eles por consenso. Por exemplo, vocé pode procurar palavras em um dicionério e “descobrir o que significam” baseado apenas na for- ‘ma ou estrutura das préprias palavras. Uma anilise estrutural desses produtos do comportamento nao 0 mesmo que uma anilise funcional do compor- tamento de dizé-los ou escrevé-los. A anélise comportamental da linguagem ba- seia-se na compreensao dos comportamentos de fa- lar e de ouvir ao se analisar contingéncias. Termos devem ser entendidos identificando as condigdes sob os quais sao utilizados e os efeitos que seus usos tém, O significado literal é parte desse cendrio (porque a estrutura da linguagem socialmente es- tabelecida deve participar em sua fungi), mas nio 6 sindnimo dele. Portanto, rejeitar termos como ir- relevante por eles serem “nao-comportamentais” baseado em eles serem logica ou literalmente in- consistentes com 0 behaviorismo é por si s6 nao- behaviorista ~ nao porque a légica é incorreta, mas porque esse tipo de andlise ndo é uma andlise com- portamental. Existe um segundo problema relacionado com a rejeigo de termos baseada em seus significados literais. Em uma visio behaviorista radical termos tém significado literal apenas dentro da estrutura da linguagem alcangada por concordancia social. ‘Termos sio reconhecidos por “significar” coisas em parte por suas participagdes em classes de equiv- aléncia (Sidman, 1971; Sidman & Cresson, 1973) estabelecidas pela comunidade verbal. Assim, por exemplo, 0 termo “matéria’, por consenso, nio é equivalente a “espirito’, Vocé nao pode trocar os 192 ec tevistaperspectvs org Stover C. Hayes 191-202 termos e garantir reforcamento da comunidade verbal por fazé-lo. Em uma visio comportamental, no entanto, convengdes publicas nao sao atalhos para a veracidade ou validade dos termos ou de observagées (Skinner, 1945). Todos nés podemos concordar que alguma coi- sa é algo, e mesmo assim pode nao ser. A validade cientifica de observagdes nao depende do consenso sobre elas, mas das contingéncias que controlam as observacées. Existem poucas justificativas para se dizer que consenso pablico dentro de uma comuni- dade verbal comportamental garante contato com as contingéncias reais mais do que 0 consenso da cultura dominante. Por ambas as razdes, o argumento por anilise literal baseia-se em uma visio nao-comportamen- tal da andlise de termos psicoldgicos. Uma anélise comportamental pode ser feita de qualquer termo, mesmo daqueles que sao literalmente incompativeis com o behaviorismo (ex., ver Hayes & Maley, 1977). Essa é minha intengao nesse artigo. ‘Uma segunda reagdo que behavioristas as vezes fazem a termos “ndo-comportamentais” é mais sat- isfatéria, mas nao é, em ultima andlise, adequada. Quando confrontados com ter de explicar 0 uso de termos dificeis ou regras, behavioristas frequent- emente apontam para o condicionamento social imediato que deu origem ao uso de tais termos pelo individuo ou 0 controle por tais regras. Poderiamos, por exemplo, falar de modo geral sobre como uma crianga passou a usar a palavra “espirito” baseado nas contingéncias empregadas pela familia ou pela igreja. De maneira mais abstrata, poderfamos nos perguntar sobre as contingéncias de sobrevivéncia cultural que poderiam ter favorecido 0 uso de tais termos, Ambas as condutas soam comportamen- tais, ¢ em muitos casos podem ser totalmente ad- equadas as demandas analiticas da situagao. Se, no entanto, o termo possuir propriedades de tato, essas duas condutas nao so adequadas porque nés de- vemos, entao, também entender as condigoes fisi- cas reais que deram origem ao termo. ‘Uma caracteristica essencial de muito do com- portamento verbal é a maneira que é controlado por (e de que pode formar equivaléncia de estimu- los com) elementos nos ambientes naturais e so- ciais. Muito do comportamento verbal humano é, até certo ponto, um tato. Sob essas condigdes, com- Revista Perspecivas #2019 mvel 10«n*O2m pp 191-202 preender o contexto' € critico, Para entender o ter- mo “maga” nao é suficiente falar amplamente sobre condicionamento social ou sobrevivencia cultural. ‘Temos também de lidar com mags, Na medida em que é um tato, mags sao pré-requisitos necessérios para a maneira que usamos o termo “magi”, O mesmo pode ser verdadeiro na distingao matéria/espirito. E claro, behavioristas (enquanto se comportando como behavioristas) nao acredi- tariam que o dualismo é literalmente verdadeiro, O perigo é se presumir, baseado apenas no nosso consenso, de que o dualismo é incorreto e que fa- lar sobre espiritualidade pode nao ser um tato. Isso leva de volta para a armadilha da literalidade recém discutida. A distingo matéria/espirito é em partes ora um tato, ora nao. Consenso nao decidira isso para nés. Uma tribo primitiva pode tatear todos 08 avides como “Deus” O fato de que isso esté em desacordo convencional com nosso ponto de vista nao o torna menos tato. Ademais, caso fossemos estudar essa comunidade verbal, nao poderiamos entender “Deus” sem lidar com 0 fendmeno fisico dos avides. Portanto, uma terceira abordagem é tentar identificar de maneira mais abrangente as fontes de controle sobre a origem de tal didlogo para identifi- car as condigdes fisicas reais nas quais tais conceitos e distingdes poderiam surgir e as fungdes as quais poderiam servir. Procurar por eventos que poderi- am primeiro ter sustentado a distincao matéria/es- pirito parece especialmente razoavel a0 se perceber que as distingdes matéria/espirito sao quase univer- sais na cultura moderna. Como foi a primeira vez em que matéria se distinguiu de espirito? Se puder- mos prover estimulos fisicos plausiveis que ocasio- nam a palavra “espirito’, entao pode ser um tato. Se no, entdo esse pode ser mais um termo mentalista devido puramente as convengbes sociais-verbais. A estratégia que pretendo adotar nesse artigo é pro- curar por eventos fisicos reais que ocasionam a dis- tingao matéria/espirito e ao mesmo tempo recon- hecendo plenamente que apenas porque dispomos de um termo para algo nao significa que ele existe literalmente. 1 Nota do tradutor: Stimulus situation, no original, 193 ec tevistaperspectvs org O que é “espirito"? Se vocé quiser entender o que um termo “signifi- ca’, é razoavel (mas nao fundamentalmente satis- fatério) comegar com o que a concordancia social tem a dizer, isso é, procurar no dicionario. Como j4 discutido anteriormente, qualquer explicagio funcional deve envolver uma explicacao estrutural, de forma que definicdes formais possam delinear 0 que deve ser englobado. As seguintes definiges po- dem todas ser encontradas no Dicionério de Inglés Oxford. O Dicionario de Inglés Oxford define “es- pirito” como um “ser imaterial ou incorpéreo” ¢ como um “ser ou inteligéncia distinto de qualquer coisa fisica” *Em sua esséncia, entao, é dito que 0 espirito pode ser conhecivel, mas, ainda assim, dito como nao sendo nem material nem fisico. Se vocé procurar por “matéria” voce ird encontrar que a pa- lavra é relacionada & madeira ou materiais de con- strugdo, Matéria é “a substancia de que algo é feito” Entao matéria é a “coisa-substancia”. Uma “coisa” é definida como “o que é ou pode ser um objeto de percepcao, pensamento ou conhecimento” A pala- vra “objeto” ver de uma palavra que significa “ar- remessar’, £ uma “coisa arremessada aos sentidos ‘ou a mente”, Nao podemos ir mais além, pois essa definigao nos leva de volta & “coisa’. Se voltarmos € pegarmos a palavra “fisico” também nao poder- emos ir mais além. A palavra “fisico” vém de uma palavra para natureza (portanto a ciéncia da Fisica) € € definida como “de ou pertencente ao mundo dos fendmenos dos sentidos; matéria” Juntando todas essas definigdes, caso fOssemos usar as palavras literalmente, nés iremos primeiro buscar por eventos que nao sio publicamente ob- servaveis. “Espirito’, além disso, no poderia ser qualquer evento privado por nao ser experiencisvel como uma coisa ou objeto (como a maior parte dos eventos privados certamente sao) embora deva, de alguma maneira, ser experiencidvel se o termo esti- ver sob controle de qualquer evento que seja. 2 Nota do tradutor: ao procurar no Dicionario Houaiss da lingua portuguesa, a palavra “espirto” apresenta algumas definigdes, como “a parte imaterial do ser humano; alma’, também como “substincia imaterial, incorp6rea, inteligente, consciente de si" e como “principio vital, superior & matéria’ A definicéo transcrita pelo autor do Dicionério de Inglés ‘Oxford foi mantida, Revista Perspecivas #2019 mvel 10«n*O2m pp 191-202 194 Enlonder #eapiiualdade w 191-202 A analise Por onde poderiamos comecar a entender com- portamentalmente um conceito tio estranho como “espirito"? Em primeira vista, este termo parece ilégico e certamente nao se parece em nada com © que conhecemos no mundo do comportamento. Essa é a aparéncia, mas eu quero argumentar que ela nao é verdadeira. Existe um evento comporta- mentalmente razoavel que corresponde muito bem as caracteristicas mencionadas. Para vé-lo nés ter- emos de examinar uma area bem dbvia: 0 compor- tamento verbal. Deixe que a palavra “ver” represente todas as coisas importantes que fazemos em relagao ao mundo (sentir, mover etc.) Para organismos nao- verbais existe apenas o mundo e o ver. Ver é contro- lado totalmente pelas contingéncias diretas (de so- brevivéncia e de reforgamento). Ver é simplesmente uma resposta a essas contingéncias nao-arbitrérias. Isso muda com 0 advento do comportamento verbal. De acordo com a anélise comportamental tradicional se adiciona algo a mais, chamado de autoconsciéncia ou autoconhecimento, Skinner descreveu desta form: “Bxiste uma... diferenga entre se comportar € relatar que alguém esté se comportando ou rela- tar as causas do comportamento de alguém. Ao arranjar condigdes sob as quais a pessoa descre- ‘ve 0 mundo pubblico ou privado em que vive, & gerado uma forma muito especial de comporta~ mento chamado saber. de origem social” (1974, p. 30). O autoconhecimento & Em outras palavras, a comunidade verbal es- tabelece contingéncias arbitrarias adicionais para um comportamento que dificilmente emergiria de alguma outra forma: ndo apenas ver, mas sim o que chamarfamos de “ver 0 ver” ou autoconhecimento. Supostamente isso acontece através de algumas coi- sas como perguntas do tipo “O que aconteceu com vocé ontem? O que voce viu? O que vocé comeu?” e assim por diante. Disso emerge uma tendéncia generalizada de responder discriminativamente a0 proprio comportamento de forma a estabelecer uma correspondéncia a esse comportamento ¢ 0 ec tevistaperspectvs org Steven C. Hayes 191-202 comportamento verbal e, dese modo, fornecer & comunidade verbal acesso ao que vemos. Conforme Skinner diz, “E somente quando 0 mundo privado de uma pessoa se torna importante para as demais é que ele se torna importante para a prdpria pessoa”. (Skinner, 1974, p. 31). ‘Até aqui, nada de fato implica espiritualidade. © mundo dos sentidos (“ver”) é explicitamente 0 que é néo espiritual. £ como uma “coisa” (thing-li- ke) no sentido de que agora nés vemos isso, agora aquilo, entao ha uma distingdo entre isso e nao- isso. Tal distingao é a condigao para coisas serem coisas.’ Ver o ver nao é tao como uma coisa - mas também é experiencidvel como uma coisa. Por ex- emplo, nds dizemos que estamos conscientes, so- nolentos ou hipervigilantes. Nosso ver o ver muda; dle vai e volta. Essa qualidade de distingao dentro do mundo do ver o ver significa que ele é experiencidvel como uma coisa e, portanto (de acordo com o dicionario), nao pode ser aquilo do que o espirito é feito. O que parece que faltou na maioria das expli- cages comportamentais é que ver o ver nao é tudo que explica a autoconsciéncia, £ também critico para a comunidade verbal que esse comportamento ocorra de um certo ponto de vista, Iécus ou per- spectiva consistente. Isso é, nés (a comunidade ver- bal) ndo devemos apenas saber que vocé vé e que vocé vé 0 que voce vé, mas que vocé vé que vocé ve. Relatos de ver (ex., vero ver) devem partir do ponto de vista de vocé. Esse comportamento pode emergir de varias maneiras, Primeiro, palavras como “aqui” ¢ “ali? sio adquiridas e elas nao se referem a algo em especifico, mas a uma relagio ao ponto de vista da crianga. Por exemplo, “la” é qualquer lugar que nao “aqui” e “aqui” é sempre “desse lécus ou ponto de vista”. Segundo, criangas sao ensinadas a dis- tinguir suas perspectivas das dos outros. Criangas pequenas tem grande dificuldade com a questo da perspectiva. Por exemplo, criangas pequenas sen- 3. Hineline (1980) e outros avisaram sobre o perigo em se enxergar 0 comportamento como uma coisa. £ melhor con: siderado como um verbo do que um substantive. Para nossos propésitos, no entanto, coisas s4o eventos que nos permitem ver que eles sio “isso” e “ndo aquilo”: Corter nao é falar, por cexemplo, no sentido de que mesmo verbas sao coisas. No uso comum, no entanto, eu concordo fortemente com a anélise de Hineline Revista Perspectvas #2019 avel 10mn*O2m pp 191-202 195 tadas de frente a um boneco irdo, quando solicita- das, dizer que o boneco vé 0 que elas estdo vendo. Gradualmente, no entanto, um senso de perspectiva emerge. Uma crianga aprende que o que ele ou cla vé é visto de uma perspectiva. Similarmente, uma crianga pequena, quando perguntada sobre 0 que comeu no café da manha, pode vira responder com co quena verdade o irmao dela comeu, mas uma cri- anga mais velha nao faré.o mesmo erro. Através de corregio (“Nao, isso foi o que seu irmio comeu. 0 que vocé comeu?”) a crianga deve aprender a ver vendo de um Iécus consistente. F também possiv- dl, por fim, que um senso de lécus emerja através de um processo de eliminacao ou de extensao metaférica. Suponha que uma crianga possa dar re- spostas corretas & pergunta “o que vocé x?”, onde “x" equivale a ampla variedade de eventos como comer, sentir, assistire assim por diante. Os eventos mudam constantemente. Nos nossos termos, ver € ver o ver muda, $6 0 lécus que nao, Portanto, a con- sisténcia entre a palavra “vocé” em tais perguntas ¢ © comportamento nao é de ver ou ver o ver, mas 0 comportamento de ver que vocé vé a partir de um lécus ou perspectiva particulares. Portanto, em um sentido real, “voce” é perspectiva. O comportamento de ver o ver de uma per- spectiva é um comportamento muito curioso. Para a pessoa se engajando nesse comportamento, nao é verdadeiramente possivel vé-lo como um objeto. E apenas experienciavel em seus efeitos, ds sensacdes associadas 4 ele ou como um tipo de pés-imagem efémera quando tentamos agarrar ¢ observar di- retamente. Caso fdssemos ver nossa prépria per- spectiva (ex., como um objeto), de qual perspectiva veriamos? Uma questo andloga a essa (que nao é dire- tamente a mesma coisa, mas pode servir conveni- entemente como metéfora) pode nos ajudar a visu- alizar essa questo. Considere o evento de observar a partir dos ol- hos de outra pessoa. f de fato impossivel observar a observagao dos olhos de outro onde o objeto é 0 mesmo que olhar para o objeto. Se voc’ pudesse dar um salto ao seu lado, mais répido que a veloci- dade da luz, voc® poderia ver a si mesmo olhando (como se vocé tirasse uma foto), mas vocé estaria fazendo-o de uma perspectiva diferente. Seus olhos estariam em outro lugar. Se vocé olhar em um espe- ec tevistaperspectvs org Iho vocé vé a si mesmo-vocé esta, essencialmente, othando de volta a si mesmo ~ mas 0 que vocé est vendo nao é a mesma perspectiva que olhando de seus olhos. Nao importa aonde vocé estiver, seus olhos estarao Id. Vocé de fato nao pode ver sua per- spectiva e ao mesmo tempo ver a partir dessa per- spectiva, Para ver a perspectiva, a perspectiva deve mudar, (Essa mesma questo bésica ja foi ampla- mente discutida na literatura de filosofia da ciéncia aonde filésofos apontaram para o fato de que prem- issas de uma teoria ndo podem ser explicadas pela propria teoria). senso de perspectiva ou Iécus como um evento comportamental é igual ao do olho como um evento estrutural. Sem duivida a maior parte de vocés jé experienciou o fendmeno de estarem falan- do e de repente verem que voc’ esta falando e entao perceber que em certo sentido vocé esta vendo a si mesmo falando, Nese mesmo instante, vocé per- cebe que vocé esté um passo atras do vocé que viu a si mesmo falando. Esse tipo de corrida atras do rabo é por fim sem éxito tanto quanto é fascinante, Simplesmente parece nao existir maneira de ver sua propria visdo-a-partir-da-perspectiva sem fazé-lo de uma perspectiva agora-alterada. Isso significa que voct-como-perspectiva no & experiencivel Por inteiro como uma coisa ou objeto pela pessoa observando dessa perspectiva. ‘A comunidade verbal utiliza a palavra “vocé" de diversas maneiras, ¢ claro. As vezes pode sig- nificar “vocé" como um sistema fisico, como “eu vi ‘vocé dormindo ontem. ” Mais frequentemente, no entanto, parece se referir explicitamente a vocé-co- ‘mo-perspectiva. Considere a seguinte questao: “Se vocé perdesse seus bragos e pernas, voce ainda seria vocé? " Dada a natureza da pergunta (“Vocé como estrutura fisica’) a questéo poderia ser razoavel- mente respondida com um “nao”, Se a natureza da pergunta, no entanto, se refere ao vocé-como- perspectiva verbalmente estabelecido, entio a res- posta ébvia é sim. De fato, nossos corpos mudam constantemente, mas ainda somos ditos sermos a ‘mesma pessoa, O mesmo principio se aplica a qualquer as- pecto de nds que possa ser tido como um objeto, tal como nossos pensamentos, emogdes, predis- posigdes comportamentais ¢ assim por diante. Se Ihe pedirem para lembrar sobre como era ter Revista Perspecivas #2019 mvel 10«n*O2m pp 191-202 196 Enlonder #eapiiualdade w 191-202 10 anos de idade ~ para lembrar sobre explorar 0 mundo nessa idade ~ e lhe perguntarem “Esse era vocé entao?” ou “La no fundo, vocé que esta aqui agora é 0 mesmo vocé que estava ld entdo?” e de novo a dbvia resposta é sim. Logicamente, isso nao Ede todo verdade em termos de vocé-como-objeto. Seus pensamentos sao diferentes, seu comporta- mento € diferente, seus sentimentos sio diferentes e assim por diante. Mas agora observe a sentenga anterior. Embora soe normal, perceba que o “voce” nessa frase se refere a algum tipo de agente inde- pendente de todas as coisas sobre vocé. Quando eu digo “seu corpo” & como se vocé possnisse um corpo ~ nao que vocé é seu corpo. Para um behav- iorista (ou qualquer materialista) isso parece lit- eralmente impossivel. No entanto, a comunidade verbal nao esté fazendo declaragdes cientificas em tais frases. Em ver disso, o “voce” referido 4 comu- nidade verbal esta realizando o ver o ver a partir de um dado contexto. Enquanto esse proprio com- portamento nao mudar, vocé ainda é vocé. O que vocé vé iré mudar drasticamente — seu corpo vai envelhecer, seus pensamentos irio mudar — mas © lécus ou contexto de autoconhecimento nao iré nem poderd (mudar). ‘Vocé nunca se viu vendo de uma perspectiva diferente da sua prépria. Vocé pode até imaginar como é fazé-Io (isso pode até ser importante de for- maa adquirir um senso de perspectiva), mas mes- mo se vocé imaginar isso tudo, vocé imagina tudo isso da sua perspectiva de eu. Portanto, embora 0 conteiido da sua vida possa mudar, vocé-como-pers- pectiva nao pode.* Se fssemos capazes de fazé-lo, 1nés nao poderiamos ter respostas geralmente con- fiveis & perguntas como “o que vocé fez ontem?” Se vocé pudesse ver eventos de um lécus diferente, ‘vocé nao poderia mais ser vocé. Uma comunidade verbal que permitisse qualquer outra coisa iria des- moronar ao caos. 4 Essa distincSo € crucial para o procedimento conhecido como “treinamento est” (Erhard Seminars Training). Pessoas {que passaram por esse treino reconhecerdo a divida intelec- tual que o presente argumento deve a ela e eu gostaria de formalmente reconhecer tal divida. ec tevistaperspectvs org Stover C. Hayes 191-202 ImplicagGes para a espiritualidade Espirito é definido como um ser “imaterial”; ma- téria é a substancia das coisas. Espirito é, portan- to, um ser nao-experienciével como uma coisa Vocé-como-perspectiva parece se encaixar nessa definigo razoavelmente bem. Como discutido an- teriormente, a esséncia de uma coisa ou objeto & “isso-ndo aquilo”. Para vermos uma coisa nés te- mos também de ver “ndo-coisa’. Portanto, todas as coisas devem ser finitas-elas devem ter bordas ou limites. Sao as bordas ou limites que nos permitem ver a coisa, Se uma coisa estivesse absolutamente em qualquer lugar néo poderiamos vé-la como uma coisa, Para a pessoa que a experiencia, voct- como-perspectiva nao possui extremidades estaveis ou limites ~ nao é totalmente experienciavel como uma coisa. A perspectiva é precisamente 0 aspecto em que as coisas so contidas. Assim que a perspec- tiva é vista como contetido, de qual perspectiva ela é vista? A perspectiva deve dar um passo atras, Parece, entao, plausivel que a distingao matéria/es- pirito tenha em sua origem a distingao contetido/ perspectiva estabelecida como um necessirio efeito colateral da linguagem. Bem literalmente, pode ser que 0 comportamento verbal deu humanidade uma alma. A distingao matéria/espirito é antiga e se origi- nou bem antes da perspectiva cientifica emergir. Ao invés de rejeitar essa distincao, a presente andlise sugere que essa é uma distingdo bastante razodvel € sofisticada ~ permitindo-nos usar a linguagem aonde o uso comum da linguagem (tatear eventos que sao experienciveis como coisas) nao se aplica prontamente. Obviamente, a presente anilise sug- ere que a perspectiva é de fato uma coisa - é um comportamento socialmente estabelecido de im- portancia para a comunidade verbal, Nés podemos rapidamente examinar outras pessoas ¢ ver seus “comportamentos-de-vocé-como-perspectiva” como uma coisa. Mesmo ao fazer isso, no entan- to, nds estamos observando isso de nosso proprio comportamento de “vocé-como-perspectiva’ ¢ esse contexto ou perspectiva nao é por nés mesmos experiencidvel como uma coisa por nés mesmos. Portanto, o comportamento de vocé-como-per- spectiva pode ser uma coisa estavel somente quan- Revista Perspecivas #2019 mvel 10«n*O2m pp 191-202 197 do € outro alguém sendo observado. Para a pessoa que 0 esté fazendo ele nao pode ser observavel e descrito da mesma forma como todos os outros eventos sao observaveis e descritos. Falar dessa forma nos ajuda a compreender al- gumas das caracteristicas que dizem ser parte do mundo do espirito. Considere as caracteristicas da imortalidade temporal ou infinitude fisica. Isso sig- nifica eterno; sem limite ou fim; sem fronteiras. Até onde vocé sabe vocé nunca esteve em outro lugar sendo 0 que vocé-como-perspectiva também nao esteve, Nao hé nada que vocé jé fez ou sentiu, que saiba sobre que nio estivesse dentro do contexto chamado vocé. No campo da experiéncia (ndo da logica), tanto quanto vocé sabe, vocé nao tem lim- ites e nao tem fim. Pelo menos vocé nunca experi- enciou quaisquer limites, ou barreiras ou fins que vocé conhega por definicio. Se voce sabe sobre isso, vocé estava lé para saber sobre isso. Da mesma maneira também ficam claros outros aspectos da espiritualidade. Comumente se acredita que o lado espiritual da humanidade participa no divino. Por exemplo, diz-se que humanos sio feitos “imagem e semelhanga de Deus’: Vamos agora ex- aminar as caracteristicas de um Deus metafisico e ver como isso se relaciona ao voct-como-perspec- tiva. Considere os seguintes termos que ja foram usados para descrever a Deus. a, Absoluto, Unico, Identidade Perfeita, Unido. Vocé pode experienciar diretamente a nao-divisio em sua prépria perspectiva. Reconhecemos, no entanto, que outras pessoas existem, ento enquanto participamos de ou modelamos uma uniio irrevogivel, nds geral- mente ndo a reivindicamos a nés mesmos. A “Identidade Perfeita” de Deus é, em certo sen- tido, uma extensio légica de nossa experiéncia de nés mesmos como contexto ou pura per- spectiva. b. Nada/Tudo Essa visio de Deus mais Ocidental é facil- mente compreendida da mesma forma. Vocé nao é experiencidvel como uma coisa. Portanto vocé é uma “nao coisa” (a palavra “nada” era ec tevistaperspectvs org

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