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A REMEDIAÇÃO DAS ÁREAS CONTAMINADAS: UMA

ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL

A REMEDIAÇÃO DAS ÁREAS CONTAMINADAS: UMA ABORDAGEM JURÍDICA


E SOCIAL
Revista de Direito Ambiental | vol. 71/2013 | p. 217 - 244 | Jul - Set / 2013
DTR\2013\3373

Rodrigo Cury Bicalho


Professor de Pós-graduação - MBA da Escola Politécnica da USP. Diretor do Instituto Brasileiro de
Direito de Construção (IBDiC). Advogado.

Nathalia Lima Feitosa Lopes


Advogada.

Área do Direito: Ambiental


Resumo: O trabalho apresenta o debate sobre o tratamento jurídico das áreas contaminadas
localizadas nos espaços urbanos brasileiros, a partir da análise da Lei Estadual Paulista 13.577/2009
e da Res. Conama 420/2009 que estabelecem critérios para o gerenciamento dessas áreas, visando
remediá-las para que possam ser exploradas sem causar prejuízos ao ser humano e ao meio
ambiente. Todavia, recentes teorias, na contramão de tais normas, têm defendido que o parâmetro a
ser adotado seja o da reparação integral de áreas contaminadas, para além dos critérios científicos
definidos pela Cetesb e pelos diplomas acima mencionados. A partir disso, pretende-se demonstrar
que a postura de exigir indiscriminadamente a reparação integral dos solos contaminados por
indústrias ou atividade poluidoras, não se admitindo mitigações e reduções de contaminação
consideradas seguras, constitui medida antijurídica, além de muitas vezes contrária ao interesse
público, uma vez que inviabiliza a implementação de uma política urbana racional, elevando os
custos da remediação a patamares ainda desconhecidos.

Palavras-chave: Contaminação do solo urbano - Resíduos industriais - Reparação do dano


ambiental - Constitucionalidade da Lei Estadual Paulista 13.577/2009 e da Res. Conama 420/2009.
Abstract: This article intends to discuss the legal treatment of contaminated Brazilian urban areas
based on the provisions of Sao Paulo State Law 13.577/2009 and Conama Resolution 420/2009,
which establish criteria for the handling of such areas, aiming its remediation for further exploitation in
a harmlessly condition to the human being and the environment. Nevertheless, in opposition to the
aforementioned rules and going beyond its provisions and the scientific criteria established by
Cetesb, recent studies have argued that the full reparation of the contaminated areas is the proper
measure to be adopted. In light of the above, it is intended to demonstrate that the position of
indiscriminately demanding full reparation of land contaminated by industry or other polluting activity,
refusing to admit contamination reduction and mitigation procedures deemed safe, constitutes and
illegal action, on many occasions contrary to the public interest, as it jeopardizes the implementation
of a rational urban policy, increasing the remediation costs to yet unknown levels.

Keywords: Soil contamination in urban areas - Industrial waste - Remediation of environmental


damage - Constitutionality of Sao Paulo State Law 13.577/2009 and Conama Resolution 420/2009.
Sumário:

1. INTRODUÇÃO - 2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A PROTEÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL - 3. O


DANO E O PASSIVO AMBIENTAL GERADOS PELAS ÁREAS URBANAS CONTAMINADAS - 4.
ASPECTOS DO CENÁRIO INTERNACIONAL QUANTO A ÁREAS CONTAMINADAS - 5. A
LEGISLAÇÃO NACIONAL SOBRE ÁREAS CONTAMINADAS: A LEI PAULISTA 13.577/2009 E A
RES. CONAMA 420/2009 - 6. A IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA E JURÍDICA DE SE APLICAR, AOS
DANOS AMBIENTAIS HISTÓRICOS, OS VALORES PRETENDIDOS PARA UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO - 7. REFLEXOS PRÁTICOS DA EXIGÊNCIA DE REPARAÇÃO INTEGRAL DAS
ÁREAS URBANAS CONTAMINADAS - 8. CONCLUSÕES - 9. BIBLIOGRAFIA

1. INTRODUÇÃO

A preocupação com o meio ambiente vem ocupando substancialmente a agenda de discussões dos
países nas últimas décadas. A consciência de que o meio ambiente natural é finito fez com que os
agentes públicos e privados passassem a se dedicar ao controle das ações humanas sobre a
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natureza para proteger o patrimônio ambiental para as atuais e futuras gerações.

Encontramo-nos em fase transitória: antes o cenário era de desenvolvimento pleno da economia


capitalista e industrial, hoje, é de promoção de uma economia sustentável, na qual se busca o
desenvolvimento econômico e social com a manutenção dos recursos naturais.

A mudança dessa perspectiva trouxe uma série de problemas ambientais de ordem prática, com
destaque, no que interessa ao presente trabalho, para a contaminação do solo urbano decorrente do
armazenamento errôneo e/ou despejo direto de resíduos tóxicos. O período de instalação do parque
industrial ou de depósitos de resíduos, sem controle das atividades potencialmente poluidoras pelo
Poder Público, deixou graves consequências, pois se imaginava que o solo tinha capacidade
ilimitada de absorção dos resíduos nele despejados.

A cidade de São Paulo, adotada aqui apenas como um exemplo, foi o primeiro polo industrial do
País. A partir de 1930, a cidade recebeu incentivos do governo federal para que fábricas se
instalassem na região e impulsionassem a industrialização do Brasil. Uma após outras, indústrias
foram abertas na cidade, sem que houvesse na época qualquer preocupação relacionada aos
cuidados com o meio ambiente. Nas décadas seguintes, outras regiões do Brasil foram recebendo
atividades industriais, diretamente associadas ao progresso e ao desenvolvimento.

Com o crescimento das cidades, as áreas antes ocupadas pelas indústrias passaram a ser utilizadas
para habitação, fenômeno praticamente inevitável. Para retornar ao exemplo de São Paulo, o
aumento do imposto predial e territorial urbano (IPTU), a ausência de espaço para expansão, as
diversas normas restritivas de ruídos e de circulações de caminhões fizeram com que a utilização do
espaço urbano paulistano se tornasse oneroso para manutenção dessas indústrias. Por outro lado, a
supervalorização dos terrenos, onde fábricas estavam instaladas, permitiu - e permite - sua alienação
para empresas do mercado imobiliário, por valores tais que possibilitam a construção de unidades
industriais modernas, fora do perímetro da cidade.

Nesse contexto, o Município de São Paulo e seu entorno deixaram de ser locais atrativos para a
indústria. Com a saída das fábricas e falência de outras, esses terrenos passaram a ser procurados
como alternativa para abrigar a crescente necessidade de construção de moradias e a demanda dos
setores de comércio e serviços, da maior megalópole da América Latina, com mais de onze milhões
de habitantes.1 Todavia, a anterior ocupação fabril, após décadas de exercício de suas atividades
submetidas a pouca ou nenhuma fiscalização, com resíduos industriais de toda sorte despejados
diretamente na água e no solo,2 em uma época em que a sociedade e o Poder Público davam pouca
importância à proteção ambiental, deixou um passivo ambiental considerável à cidade. Grande parte
de tal passivo é invisível, mantendo-se misturado ao solo e subsolo, ou no lençol freático. Há
também uma parte de tal contaminação bastante à mostra, que não passa despercebida por
ninguém: a poluição dos rios Tietê e Pinheiros e de centenas de córregos.

Cabe ressaltar que, ainda que em menor escala, muitas outras cidades brasileiras vivenciam
processos semelhantes: a antiga instalação industrial realizada sem rigores ambientais e sua gradual
mudança para outras áreas, com substituição por moradias e áreas de uso público, em decorrência
da constante urbanização.

Para construir nesses locais, os Poderes Públicos, amparados na atual legislação ambiental, exigem,
dentre outras formalidades, que o solo seja reparado com base nos parâmetros estabelecidos pelos
órgãos ambientais estaduais, tal como a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).
Tais parâmetros estabelecem valores de referência de concentrações de substâncias tanto no solo
quanto na água subterrânea e são baseados em estudos internacionais, desenvolvidos
principalmente na Holanda e nos Estados Unidos. Mais recentemente, a Cetesb tem desenvolvido
pesquisas técnicas, com intuito de criar seus próprios parâmetros de valores de referência, mais bem
compatibilizados com as características naturais do solo e água brasileiros. Por sua vez, no âmbito
federal, a Res. Conama 420/2009 segue os mesmos parâmetros da Cetesb, com algumas variações.
De maneira geral, os diversos Estados da Federação adotam uma ou outra valoração, como Rio de
Janeiro (Inea - Instituto do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro),3 Minas Gerais (Feam -
Fundação Estadual do Meio Ambiente),4 Paraná (IAP - Instituto Ambiental do Paraná),5 dentre
outros.

Independentemente de qual exatamente seja o valor seguido, o fato é que os órgãos ambientais e a
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própria legislação consideram ser necessária a recuperação das áreas urbanas contaminadas, até o
alcance dos limites de concentração de substância que não sejam prejudiciais à saúde humana e o
meio ambiente, considerada sua destinação. Não se exige, até mesmo por dificuldades técnicas e
custos envolvidos, que a área seja recuperada até que não se constatem mais, em nenhum grau,
substâncias contaminantes.

Entretanto, há uma corrente minoritária a defender a tese de que os proprietários ou adquirentes


desses terrenos devem reparar integralmente o solo contaminado pelos resíduos deixados pelas
fábricas ou outras atividades poluidoras, não apenas atingindo os níveis considerados toleráveis
pelos órgãos ambientais, mas promovendo a remediação de forma a remover todas as substâncias
químicas que não estariam presentes no solo ou água em seu estado natural original. A suposta
base legal para tal posicionamento seria a Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza (Snuc), mas, como se demonstrará, tal diploma legal não
embasa exatamente a tese da recuperação integral, nem é aplicável aos ambientes urbanos
industrializados.

De fato, tal tese ignora os padrões estabelecidos pela legislação competente, com base em critérios
científicos, ao mesmo tempo em que visa impor a todas as áreas um regime de proteção pertinente a
ecossistemas pouco modificados pela ação antrópica (como são as unidades de conservação), que
se diferenciam substancialmente das áreas contaminadas por resíduos tóxicos localizadas nos
grandes centros urbanos. Sua adoção indiscriminada, além de estar em desconformidade com a lei
em vigor, ao contrário de favorecer o processo de descontaminação, pode representar um retrocesso
nas medidas despoluidoras, de interesse de toda sociedade.

2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A PROTEÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL

O início da criação de uma consciência universal acerca da necessidade de proteção do meio


ambiente, no âmbito de formação de normas jurídicas protetivas, deu-se, na década de 1970, com a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida em Estocolmo.

Nessa Conferência, os países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil e pela Índia, defenderam a
necessidade de se criar meios, sobretudo jurídicos, que pudessem conciliar desenvolvimento
econômico e proteção ao meio ambiente. Esses países afirmavam que a origem de seus problemas
era a pobreza e o subdesenvolvimento, não havendo, portanto, a possibilidade de se preocuparem
com os problemas ambientais em detrimento de seus empreendimentos desenvolvimentistas.

Essa posição, assumida principalmente pelo Brasil, reflete historicamente o posicionamento do País
acerca das questões ambientais. Os recursos naturais pátrios, desde o período colonial, foram
explorados intensamente pelos ciclos extrativista (pau-brasil) e monocultores (cana-de-açúcar e
café), não havendo qualquer intenção do Poder Público em proteger os recursos e o solo nacionais.
Séculos depois, o País independente continuava a desenvolver o mesmo processo ineficiente e
devastador de exploração econômica do meio ambiente. Embora se tenha criado leis visando coibir a
exploração predatória,6 essas iniciativas mostraram-se totalmente incapazes de cumprir seus
objetivos, na medida em que se evidenciou sua ineficiência para a economia e sua inaplicabilidade
na prática.

Esse cenário demonstra que, para uma real proteção do meio ambiente, faz-se necessário (como
sempre se fez) o interesse político para o cumprimento efetivo da legislação. Somado a isso, é
imprescindível se ter uma visão razoável da realidade, para se buscar o estabelecimento de
mecanismos que alcancem, ao mesmo tempo, o desenvolvimento econômico e social e a proteção
do meio ambiente.

Com base nisso, pode-se dizer que o Brasil passou a interferir política e juridicamente no Direito
Privado, desenvolvendo uma minuciosa regulamentação ambiental, com amparo inicialmente na
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981 - PNMA).

Essa limitação de direitos pelo Estado pressupõe que todos devem ser responsáveis pela proteção
dos recursos naturais, com o fim de minimizar os atos predatórios que põem em risco a
sobrevivência do homem.7 Não se trata, portanto, de uma separação estanque da responsabilidade a
ser imputada a um ente ou outro, a esse ou àquele sistema econômico e social. Trata-se, sim, de
uma evolução complexa, na qual há a necessidade de se somar os interesses público e privado.
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Nesse sentido, a promulgação da Constituição Federal de 1988 instaurou no Brasil a tutela


constitucional do meio ambiente, cujo objetivo é primar pela proteção da qualidade de vida saudável
da população e a preservação dos recursos e do ambiente natural para atuais e futuras gerações.

Os institutos jurídicos protegidos pela tutela contida no art. 2258 da Constituição fundamentam a
proteção do direito ambiental na ética antropocêntrica, na qual seus valores congregam a limitação
dos direitos individuais dos seres humanos em favor da coletividade, a fim de garantir a manutenção
da vida humana saudável na Terra.

Baseada nessa racionalidade, a Política Nacional do Meio Ambiente e a Constituição Federal


(LGL\1988\3) passaram a estabelecer a compatibilização do desenvolvimento econômico e social
com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, concatenando as
atribuições do Poder Público, com a finalidade de orientar a política ambiental brasileira.

Por política ambiental, nos dizeres de Bessa Antunes, “devem ser entendidos todos os movimentos
articulados pelo poder público com vistas a estabelecer os mecanismos capazes de promover a
utilização de recursos ambientais de forma mais eficiente possível, considerando como elementos
primordiais a capacidade de suporte do meio ambiente, a conservação dos recursos naturais
renováveis e não renováveis. (…) A política ambiental não se resume às ações de polícia ambiental,
sendo uma ação do Poder Público com vistas à obtenção de resultados positivos tanto econômicos
como puramente ambientais”.9

Dessa forma, o desenvolvimento da legislação ambiental deve congregar a qualidade do


ecossistema para a manutenção de uma vida sadia e o desenvolvimento socioeconômico do País.
Esse entendimento é reforçado pelo art. 4.º, I, da Lei 6.938/1981, que dispõe que a PNMA visará “à
compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio
ambiente e do equilíbrio ecológico”.

A partir desse cenário legislativo, somado à promulgação posterior da Lei de Crimes Ambientais (Lei
9.605/1998), diploma louvado por sua modernidade, embora com certas incongruências, pode-se
dizer que foi possível criar no País o ambiente político, social e jurídico necessário para modificar a
posição assumida pelo Brasil na década de 1970.

Todavia, a PNMA e a legislação dela decorrente não implementaram nenhuma medida, no âmbito
nacional, apta a identificar e monitorar as áreas contaminadas pela atividade industrial e pelo
descarte de resíduos tóxicos, o que impossibilitou a criação de métodos para a gestão do uso e
ocupação do solo contaminado de forma coerente e de modo a assegurar a saúde da população que
habita esses locais.

A iniciativa de identificar, contabilizar e monitorar as áreas contaminadas se deu, a partir da década


de 1990, mediante os esforços empreendidos pela Cetesb, órgão responsável pelo gerenciamento
dessas áreas no Estado de São Paulo. Como consequência do trabalho desenvolvido pelo órgão,
esse Estado promulgou a Lei Estadual 13.577/2009, primeira Lei que passou a dispor acerca de
medidas de investigação, responsabilização e consequente remediação dos sítios contaminados.

A partir de então, parâmetros objetivos foram estabelecidos com o escopo de proteger a saúde da
população, bem como o meio ambiente, de modo possível técnica e economicamente (ou seja, de
forma sustentável), e tendo em vista a gravidade dos possíveis danos gerados, conforme se passará
a demonstrar.

3. O DANO E O PASSIVO AMBIENTAL GERADOS PELAS ÁREAS URBANAS CONTAMINADAS

Para a compreensão do tema faz-se essencial a definição da natureza do dano ambiental oriundo de
áreas contaminadas, a fim de não se cometer erros pela generalização das atividades antrópicas
causadoras de danos ao meio ambiente natural. O presente trabalho não tem a pretensão de exaurir
o tema, mas apenas demonstrar a gravidade dos danos causados pelo descarte de resíduos tóxicos
no solo e a consequente complexidade de técnicas envolvidas para adoção de possíveis medidas
corretivas.

Como já exposto, a contaminação do solo, e possivelmente de lençóis freáticos subterrâneos, da


cidade de São Paulo e região se iniciou quando da instalação do parque industrial, em um período
que não existiam órgãos como a Cetesb para fiscalizar essas atividades. Logo, quase nada do que
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se referia à poluição10 era coibido, e as questões ambientais como percebidas hoje não integravam a
agenda política e institucional do País e do mundo.

Observa-se que esse parque industrial era formado por fábricas de tintas e pesticidas, peças de
automóveis, indústrias de alumínio, refinarias químicas, de fertilizantes e de combustíveis, entre
outras indústrias cujas atividades manipulavam substâncias altamente tóxicas e, portanto, nocivas à
saúde humana e ao meio ambiente. O mesmo, ao longo do tempo, foi ocorrendo com outras áreas
brasileiras de vocação industrial.

Segundo a Cetesb, área contaminada é conceituada como “uma área, local ou terreno onde há
comprovadamente poluição ou contaminação causada pela introdução de quaisquer substâncias ou
resíduos que nela tenham sido depositados, acumulados, armazenados, enterrados ou infiltrados de
forma planejada, acidental ou até mesmo natural”.11

Ainda, de acordo com o mesmo órgão ambiental, “a origem das áreas contaminadas está
relacionada ao desconhecimento, em épocas passadas, de procedimentos seguros para o manejo
de substâncias perigosas, ao desrespeito a esses procedimentos seguros e à ocorrência de
acidentes ou vazamentos durante o desenvolvimento dos processos produtivos, de transporte ou de
armazenamento de matérias primas e produtos”.12

Como efeito, tem-se, que os poluentes oriundos dessas atividades em contato com o solo podem ser
transportados para diferentes áreas e por diferentes vias, ampliando a área de contaminação e
alterando as características naturais desses sítios e de seu entorno. Essa dispersão dos materiais
tóxicos dificulta a identificação da fonte poluidora original e da totalidade das áreas que foram
atingidas.13

Em razão dessas características, os danos provocados pela contaminação de resíduos tóxicos são
denominados danos ambientais históricos, definidos assim “em virtude da antiguidade da
degradação e de seus efeitos progressivos, de tal sorte que, na atualidade, já não se consegue
distinguir com certeza os fatos iniciais da geração do dano daqueles que tão somente concorreram
para o agravamento da situação”.14

Devido a isso e à dificuldade de reabilitação15 dessas áreas, alguns doutrinadores a caracterizam


como passivo ambiental, podendo este ser conceituado como o resultado de “um conjunto de
infrações e de agressões ao meio ambiente, cuja degradação irá exigir grandes investimentos futuros
para a sua recuperação ou restauração”.16

4. ASPECTOS DO CENÁRIO INTERNACIONAL QUANTO A ÁREAS CONTAMINADAS

O espaço urbano contaminado não está, por óbvio, presente apenas nas cidades brasileiras que
abrigaram o setor secundário da economia. A existência de terrenos urbanos contaminados pela
atividade industrial pretérita e que, por ora, são visados para a construção de moradias, instalação
de parques, hospitais, escolas, áreas comerciais, se encontram espalhados por todo o globo.17

A diferença reside no fato de muitos países do hemisfério norte terem contabilizado suas áreas
contaminadas décadas antes de o Brasil o fazer. A União Europeia aprovou resoluções18 que
estabelecem critérios e valores orientadores referentes à presença de substâncias químicas para a
proteção da qualidade do solo, bem como diretrizes e procedimentos para o gerenciamento dessas
áreas, dotando os países membros19 de instrumentos legais para lidar com o problema. Segundo
estudo publicado pela Fiesp, a União Europeia contabilizou a presença de 300 mil áreas
contaminadas, em 12 países.20

Os Estados Unidos, por sua vez, se debruçaram mais enfaticamente para o problema, quando veio a
público o caso do Love Canal, região próxima a Niagara Falls, no Estado de Nova Iorque, antes
programada para abrigar uma cidade modelo. A Hooker Chemical Company utilizou o canal
legalmente21 para depositar produtos químicos, por um período de seis anos (1947-1953), vendendo
a área depois pelo valor de U$1,00.22 O espaço foi ocupado por centenas de moradias e pela
instalação de escolas, quando, anos depois, uma explosão indicou a contaminação do solo por
substâncias altamente tóxicas.

Esse caso deu origem ao “Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act
of 1980”, conhecido como Cercla, que estabeleceu a “List of Sediment Sites with Substantial
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Contamination”,23 a qual autoriza a agência governamental norte-americana “United States


Environmental Protection Agency” (EPA) a identificar os locais onde ocorreu a deposição de
substâncias tóxicas potencialmente prejudiciais à saúde humana.

A Cercla24 criou um fundo financeiro, mais conhecido como Superfund (Hazardous Substance
Superfund Trust Fund), cuja arrecadação monetária, em sua maioria, é oriunda de tributos pagos
pelas indústrias química e petrolífera responsáveis por lançamentos de substâncias nocivas à saúde
pública e ao meio ambiente. Os valores recolhidos pelo Superfund financiam a remediação dessas
áreas, principalmente nos casos em que não é possível identificar o responsável pela
descontaminação ou nos casos em que o responsável não pode arcar com seus custos.25 O Love
Canal, por exemplo, teve sua área recuperada vinte e um anos depois da descoberta da
contaminação, por aproximadamente 400 milhões de dólares.26

A análise do cenário internacional, quanto às preocupações de recuperação dos solos contaminados


por resíduos tóxicos, demonstra que tanto União Europeia quanto Estados Unidos procuram
estabelecer o manejo sustentável dessas áreas, sem desconsiderar os riscos à saúde humana, os
custos envolvidos na descontaminação do solo, além da necessidade do retorno dessas áreas à
exploração sustentável.

5. A LEGISLAÇÃO NACIONAL SOBRE ÁREAS CONTAMINADAS: A LEI PAULISTA 13.577/2009


E A RES. CONAMA 420/2009

5.1 A Lei Paulista 13.577/2009

O Estado de São Paulo apresenta-se, no contexto nacional, como líder no processo de


industrialização do País. Essa ascendência, embora tenha implicado em um desenvolvimento
intenso de sua economia, deixou como marcas negativas as milhares de áreas contaminadas
contabilizadas até o momento pela Cetesb.

A modificação do perfil econômico, principalmente do Município paulista, decorrente da desativação


de seu parque industrial e ocupação dessas áreas para outras finalidades, fez surgir a necessidade
de identificar os solos maculados pela contaminação e delimitar parâmetros para sua recuperação e
possível reutilização.

O Decreto Municipal 42.319/2002, do Município de São Paulo, contém as definições iniciais de área
contaminada, área suspeita de contaminação e área potencialmente contaminada, bem como as
primeiras considerações acerca da necessidade de se estabelecer políticas públicas destinadas à
criação de instrumentos de intervenção que levem a ações articuladas do Poder Público e da
coletividade para a prevenção de danos à saúde humana e correção da contaminação.

No âmbito estadual, a Cetesb teve a primeira iniciativa do País de, primeiro, contabilizar o passivo
ambiental do Estado de São Paulo, e em seguida, criar medidas de investigação e consequente
remediação das regiões contaminadas, ampliando a área de investigação objeto do Decreto supra.

Esse Projeto iniciou-se também em 2002, com o levantamento de algumas áreas contaminadas e a
disponibilização do “Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas”, acompanhado,
posteriormente, do “Guia para Avaliação do Potencial de Contaminação de Imóveis”. A
operacionalização dos procedimentos foi disciplinada, em 2007, pela Decisão de Diretoria
103/2007/C/E.

De acordo com o último Relatório publicado em dezembro de 2011, o Estado Paulista contabilizou
cerca de 4.131 áreas contaminadas cadastradas, das quais 1.329 na Capital e 708 na Região
Metropolitana. Em maio de 2002, quando o trabalho se iniciou, a Cetesb havia identificado apenas
255 áreas poluídas em todo o Estado. Essa evolução demonstra o esforço do órgão em criar
técnicas para a identificação desses terrenos, aprimorar a fiscalização e as formas de licenciamento
para promover, na medida do possível, a reabilitação das áreas já contabilizadas.

Paralelamente a esses procedimentos, tramitava, na Assembleia Legislativa do Estado de São


Paulo, o PL 368/2005, que visava traçar diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do
solo e gerenciamento de águas contaminadas.

Nos termos da exposição de motivos do Projeto Lei, o escopo da nova Lei Estadual era “implementar
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mecanismos eficazes para promover a proteção do solo contra alterações nocivas decorrentes de
contaminação, tratando, ainda, da definição de responsabilidades e da identificação de áreas
contaminadas, bem como das medidas destinadas à remediação dessas áreas, de modo a tornar
seguro seu uso atual e futuro, em benefício da população e da qualidade ambiental”. E continua: “o
gerenciamento público dessas áreas constitui o mecanismo essencial pelo qual se torna possível
minimizar os riscos a que estão sujeitos a população e o meio ambiente, por meio de um conjunto de
medidas que assegurem o conhecimento das características dessas áreas e dos impactos por elas
causados, proporcionando os instrumentos necessários à tomada de decisão quanto às formas de
intervenção mais adequada”.

Em 08.07.2009, o Projeto de Lei em questão foi aprovado, sendo promulgada a Lei Estadual Paulista
13.577, que dispõe sobre as diretrizes e procedimentos para o gerenciamento de áreas
contaminadas no Estado de São Paulo. Essa lei caminha em direção ao tratamento dado a áreas
contaminadas pela União Europeia e pelos Estados Unidos, conforme visto acima.

Com efeito, a Lei Paulista define área contaminada como “área, terreno, local, instalação, edificação
ou benfeitoria que contenha quantidades ou concentrações de matéria em condições que causem ou
possam causar danos à saúde humana, ao meio ambiente ou a outro bem a proteger”.27 Dessa
forma, essa Lei considera como áreas contaminadas aquelas que apresentam um potencial lesivo
aos bens jurídicos tutelados pelo art. 225 da CF/1988 (LGL\1988\3), quais sejam a qualidade de vida
e o meio ambiente sadios.

Além disso, essa Lei traz o conceito de remediação28 para uso declarado, segundo o qual a
reutilização de certo espaço será dada a partir de valores e de certos padrões de aceitabilidade de
predeterminados componentes químicos presentes no solo. Uma área contaminada será remediada
quando “os valores definidos para risco aceitável à vida, à saúde humana e ao meio ambiente forem
ultrapassados”, sendo que esses valores “serão definidos em conjunto entre a Secretaria do Meio
Ambiente e a Secretaria da Saúde, por meio de ato específico, ouvido o Conselho Estadual de Meio
Ambiente - Consema”.29

Ainda, segundo o texto normativo, área remediada para o uso declarado é definida como “área,
terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria anteriormente contaminada que, depois de
submetida à remediação, tem restabelecido o nível de risco aceitável à saúde humana, considerado
o uso declarado”.30

Por risco, a Lei Paulista entende ser a contaminação passível de ameaçar a qualidade de vida
humana e o meio ambiente.31 Assim, quando os valores orientadores não apresentarem prejuízo à
saúde humana e ao meio ambiente, o risco decorrente da permanência dos componentes poluidores
é aceitável, desde que essa permanência seja compatível com o uso declarado da área.

Dessa forma, a Lei estabelece que, a partir de valores orientadores e de especificação do uso
pretendido da área contaminada, serão estabelecidos critérios para a descontaminação dessa
região, a fim de que a reutilização do espaço por nova atividade não cause prejuízo para a saúde
humana. Isto é, um solo contaminado, ao ser declarado remediado, não estará apto para abrigar
qualquer atividade, mas apenas aquela declarada ao órgão competente.32

A Cetesb não só buscou atender aos ditames da nova legislação, mas também criou um
departamento exclusivo para tratar das áreas contaminadas do Estado, aparelhado com profissionais
especializados na matéria. Ademais, o órgão ambiental disponibiliza, em seu site na Internet,33 a
metodologia adotada para a identificação dessas áreas e o acompanhamento realizado pelo órgão,
fornecendo assim a localização, para fins de proteção da população, e estabelecendo instrumentos
necessários para a tomada de decisão e as formas de intervenção adequadas. Entretanto, é bom
que se observe, falta ao órgão estrutura de pessoal e recursos para atender à demanda exigida pelo
volume e complexidade de tal trabalho, o que torna lento o andamento das iniciativas de remediação.

5.2 A Res. Conama 420, de 28.12.2009

O Conama compõe a estrutura da Política Nacional do Meio Ambiente, por força do disposto no art.
6.º, II, da Lei 6.938/1981. A ele compete, dentre outras atribuições, “estabelecer normas, critérios e
padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso
racional dos recursos ambientais”.34
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O Conama é um órgão colegiado dotado de poder regulamentar limitado, pois compete a ele
estabelecer estritamente normas, critérios e padrões que visem atingir um meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Por meio de resoluções,35 que não podem contrariar a legislação
vigente, o Conama edita normas gerais obrigatórias para todos os órgãos ambientais integrantes do
Sisnama, para que esses possam adotar procedimentos uniformes, no âmbito federal.

É com fundamento nessas atribuições que compete a esse órgão estabelecer os valores
orientadores para determinação dos padrões de qualidade dos solos, por exemplo.

Nesse contexto, o procedimento adotado pela Lei Paulista e os valores orientadores divulgados pela
Cetesb serviram de guia para a elaboração da Res. Conama 420/2009, que, por sua natureza, passa
a estabelecer procedimentos, critérios e valores orientadores uniformes, a serem adotados pelos
órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no tratamento de solos
contaminados.

A Res. Conama 420/2009 aplica-se ao gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por


substâncias químicas depositadas no solo em decorrência das atividades exercidas pelo Homem, e
tem por objetivo a proteção preventiva do solo, para preservar suas funcionalidades, dentre as quais
a Resolução elenca como o meio essencial para a sustentação da vida e do habitat dos seres vivos,
assim como para oferta de práticas recreacionais, ocupação territorial e permissão de uso público e
econômico.

Diferentemente da Lei Estadual Paulista 13.577/2009, essa Resolução não define “áreas
contaminadas”, mas apenas “contaminação”, sendo esta caracterizada pela “presença de
substância(s) química(s) no ar, água ou solo, decorrentes de atividades antrópicas, em
concentrações tais que restrinjam a utilização desse recurso ambiental para os usos atual ou
pretendido, definidos com base em avaliação de risco à saúde humana, assim como aos bens a
proteger, em cenário de exposição padronizado ou específico”.36

Ainda, essa Resolução institui a “reabilitação”, definida como “ações de intervenção realizadas em
uma área contaminada visando atingir um risco tolerável, para o uso declarado ou futuro da área”,37
e trata a “remediação” como espécie de reabilitação, nos seguintes termos: “uma das ações de
intervenção para reabilitação de área contaminada, que consiste em aplicação de técnicas, visando a
remoção, contenção ou redução das concentrações de contaminantes”.38

Quanto ao gerenciamento de áreas contaminadas, a Resolução institui, no art. 21, os princípios que
nortearão o trato dessas áreas:

“Art. 21. São princípios básicos para o gerenciamento de áreas contaminadas:

I - a geração e a disponibilização de informações;

II - a articulação, a cooperação e integração interinstitucional entre os órgãos da União, dos estados,


do Distrito Federal e dos municípios, os proprietários, os usuários e demais beneficiados ou
afetados;

III - a gradualidade na fixação de metas ambientais, como subsídio à definição de ações a serem
cumpridas;

IV - a racionalidade e otimização de ações e custos;

V - a responsabilização do causador pelo dano e suas consequências; e,

VI - a comunicação de risco.”

E no art. 22, determina os objetivos a serem perseguidos pelos entes públicos, privados e pela
coletividade:

“Art. 22. O gerenciamento de áreas contaminadas deverá conter procedimentos e ações voltadas ao
atendimento dos seguintes objetivos:

I - eliminar o perigo ou reduzir o risco à saúde humana;

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A REMEDIAÇÃO DAS ÁREAS CONTAMINADAS: UMA
ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL

II - eliminar ou minimizar os riscos ao meio ambiente;

III - evitar danos aos demais bens a proteger;

IV - evitar danos ao bem estar público durante a execução de ações para reabilitação; e

V - possibilitar o uso declarado ou futuro da área, observando o planejamento de uso e ocupação do


solo.”

A interpretação desses artigos possibilita, a princípio, a compreensão de que é necessário o


conhecimento da localização das áreas contaminadas com a finalidade de se evitar danos à saúde
humana. Além disso, a gestão dessas áreas deve congregar os interesses da coletividade e do
Poder Público, com o objetivo de racionalizar os custos envolvidos e possibilitar a reutilização
econômica dessas regiões, eliminando ou, ao menos, minimizando os riscos à saúde humana e ao
meio ambiente.

Por essas definições, pode-se perceber, em síntese, que o Conama - conquanto adote conceitos
minimamente diversos daqueles adotados pela Lei Paulista -, por meio da Res. 420/2009, tem a
pretensão de orientar a criação de critérios e valores possíveis de adoção por todos os Estados,
uniformizando o tratamento das áreas contaminadas do País, sem afastar a atuação dos órgãos
ambientais estaduais (tal como a Cetesb) e o cumprimento da legislação vigente, seja ela Federal,
Estadual ou Municipal.

Ambos os diplomas aqui tratados contêm critérios objetivos para a reabilitação de áreas cuja
contaminação se deu em razão da instalação de parque industrial. São parâmetros que, embora
possam ser modificados de acordo com o aprimoramento de estudos toxicológicos no País,
representam certa segurança fática e jurídica para aqueles que serão responsabilizados pela
descontaminação desses sítios.

Em síntese, a importância dessas normas reside no fato de elas preverem um meio para tornar as
áreas passíveis de uso pela população, sem, todavia, causar prejuízos à saúde humana e ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado.

6. A IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA E JURÍDICA DE SE APLICAR, AOS DANOS AMBIENTAIS


HISTÓRICOS, OS VALORES PRETENDIDOS PARA UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Apesar dos esforços para criar critérios objetivos ao tratamento dos danos ambientais históricos,
alguns doutrinadores têm defendido a inconstitucionalidade da Lei Estadual Paulista 13.577/2009 e
da Res. Conama 420/2009, porque, de acordo com tal doutrina, afastam a tutela ambiental
instaurada pelo art. 225 da CF/1988 (LGL\1988\3), na medida em que “o objetivo das normas sob
estudo, apesar do teor de várias passagens nelas contidos, não é buscar a reparação integral das
funções ou equilíbrio ecológicos do solo e águas subterrâneas contaminadas pela ação antrópica
humana tal como estabelecido na Constituição Federal (LGL\1988\3) e na PNMA”.39

Como fundamento de sua defesa, argumentam que a PNMA estabelece mecanismos com o escopo
de imputar a reparação integral do dano ambiental aos agentes responsáveis pela descontaminação
dos solos contaminados.

Valem-se, assim, como critério para a denominada reparação integral, dos conceitos de restauração
e recuperação definidos pela Lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (Snuc). Essa Lei determina por restauração a “restituição de um ecossistema ou de
uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original”,40 e por
recuperação a “restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma
condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição original”.41

E concluem defendendo que “as propostas de reabilitação e de remediação de áreas contaminadas,


previstas no art. 6.º, VIII, da Res. Conama 420/2009, e arts. 3.º, V e XVIII, e 21, da Lei Estadual
13.577/2009, padecem de inconstitucionalidade por não exigirem a reparação integral ou
recuperação dos processos ecológicos essenciais à sadia qualidade de vida, possibilitando a
concretização de inadmissível passivo ambiental para as presentes e futuras gerações”.42

A princípio, é necessário considerar que a Lei Estadual Paulista 13.577/2009 e a Res. Conama
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A REMEDIAÇÃO DAS ÁREAS CONTAMINADAS: UMA
ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL

420/2009 tratam exclusivamente de solos contaminados por substâncias tóxicas localizados nos
grandes centros urbanos, cuja contaminação é caracterizada pela sua antiguidade e pela ausência
de parâmetros legais anteriores para o controle do despejo de substâncias poluentes no solo. Em
razão disso, inviável se aplicar os ditames instituídos pelo Sistema Nacional de Unidades de
Conservação, que tem por escopo proteger as unidades de conservação, definidas pela Lei
9.985/2000 como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais,
com características naturais relevantes, legalmente instituída pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias
adequadas de proteção”.43

A instituição de unidades de conservação tem previsão constitucional no inc. III do art. 225 da Lei
Fundamental. O inciso em referência determina ser da atribuição do Estado “definir, em todas as
unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos,
sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.

As unidades de conservação, portanto, são áreas especialmente protegidas em razão do rico


conteúdo ecológico encontrado em um determinado ecossistema brasileiro. Para Milaré, trata-se de
uma configuração jurídico-ecológica, cujo escopo é “assegurar a identidade dos ecossistemas
brasileiros mais significativos” (destaque no original).44 Além disso, “a lista é taxativa, dado que
apenas excepcionalmente e mediante autorização do Conama outras unidades de conservação
poderão vir a integrar o Sistema”.45 Nesse sentido, a Lei 9.985/2000 divide as unidades de
conservação em (a) Unidades de Proteção Integral,46 composta pelas seguintes categorias: Estação
Ecológica, Reseva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre;47 e
(b) Unidades de Uso Sustentável,48 composta pelas Áreas de Proteção Ambiental, Área de
Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva
de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.49

Dessa forma, a hermenêutica do Sistema Nacional de Unidades de Conservação é clara, no sentido


de que restaurar o mais próximo possível da condição original ou recuperar uma unidade de
conservação degradada a uma condição não degradada tem por base a proteção sustentável de
regiões especialmente protegidas pela Lei. Mesmo assim, Milaré ressalta que o retorno ao estado
anterior ou original dessas unidades deve congregar esforços quando for possível alcançá-lo.50

O solo das áreas contaminadas por substâncias químicas industriais apresentam modificações em
sua composição que impedem a verificação exata de sua estrutura original. Somados a isso, a
concentração dessas substâncias se encontra presente no ambiente por tempo considerável, a ponto
de modificar a própria composição do terreno.

Nesse sentido, afirma Morato Leite que “a natureza, ao ter suas composições física e biológica
modificadas por agressões que ela não consegue tolerar, não pode jamais ser verdadeiramente
restabelecida, do ponto de vista ecológico”.51

Milaré, ao tratar das penalidades pecuniárias por ressarcimento ou compensação de danos,


constante da Lei de Crimes Ambientais, também afirma que “é importante relembrar, por mais
custosa que seja a recuperação ou vultosa a compensação, jamais se reconstituirá a integridade
ambiental ou a qualidade plena do meio que foi afetado. Isto se deve à impossibilidade de valorar
financeira ou economicamente os danos, porquanto a estrutura sistêmica do meio ambiente dificulta
ver até onde e até quando se estendem as sequelas do estrago (…)”.52

Em razão da incompatibilidade em exigir a reparação de um dano a um padrão desconhecido ou


dificilmente alcançado, pode-se diferir o dano ambiental, do ponto de vista ecológico e jurídico. O
primeiro “fere as chamadas ‘leis da ecologia’, quais sejam: (i) interdependência; (ii) capacidade de
autorregulação; (iii) a capacidade de autorregeneração; (iv) a capacidade funcional ecológica; (v) a
capacidade de uso dos bens naturais”.53

Portanto, a reparação, sob a ótica da ecologia, deve ser pensada de forma cautelosa, sob pena de
idealizar a restauração in natura, “por meio da recuperação, ou da recomposição do bem ambiental
lesado, além da paralisação das atividades impactantes. Em outras palavras, a remediação não visa
à restauração in natura e nem sempre implica na paralisação das atividades. O ambiente, ao ser
contaminado é, na grande maioria das vezes impossível de ser cem por cento recuperado, sendo
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A REMEDIAÇÃO DAS ÁREAS CONTAMINADAS: UMA
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que, o retorno ao status quo ante é visto de forma utópica”.54

O dano jurídico, por sua vez, “é caracterizado por uma ofensa, ou ameaça de ofensa a bens jurídicos
determinados, no caso, o meio ambiente”.55 O Direito vale-se da previsibilidade e da prerrogativa de
impor regras de conduta para traçar limites claros e critérios razoáveis, garantindo segurança jurídica
àqueles que se submetem a suas normas. Assim, “o direito, ao traçar limites do permitido, se serve
de definições com contornos nítidos e critérios estáveis. Já a ecologia, pressupõe conceitos
englobantes e considera as condições evolutivas”.56

A alegação de que a Lei Estadual Paulista 13.577/2009 e a Res. Conama 420/2009 são
inconstitucionais desconsidera a diferença jurídica atribuída pelo legislador ao valorar de forma
distinta o tratamento, de um lado, de áreas exploradas há décadas e que atualmente apresentam um
passivo ambiental e, de outro, áreas especialmente protegidas em razão de seu valor ecológico
ainda existente. Ainda, ignora os esforços depreendidos pelos órgãos ambientais na implementação
de padrões factíveis de serem alcançados, com base na tecnologia disponível atualmente, e em
conformidade com a tutela ambiental constitucional.

Como se pode perceber, os instrumentos normativos ora em debate apresentaram parâmetros


possíveis de serem alcançados tecnologicamente e com base nos conhecimentos técnicos
disponíveis. Ademais, de acordo com o mecanismo estabelecido pela Lei Paulista somente será
licenciada em definitivo a atividade a ser desenvolvida na região contaminada após a remediação
dessa. Não se tratam, portanto, de normas flexibilizadoras, mas sim do estabelecimento de balizas
legais para um problema ambiental urbano que aflige todas as cidades que abrigam indústrias do
Planeta.57

7. REFLEXOS PRÁTICOS DA EXIGÊNCIA DE REPARAÇÃO INTEGRAL DAS ÁREAS URBANAS


CONTAMINADAS

A postura de exigir a reparação integral das áreas urbanas contaminadas, para além dos critérios
definidos pela Lei Paulista 13.577/2009 e pela Res. Conama 420/2009, implica em sérias
consequências para a sociedade e para o desenvolvimento sustentável.

É necessário relembrar que o solo é um bem natural tutelado pelo direito de propriedade, tendo,
portanto, valor financeiro e comercial. A sua não utilização consciente pode gerar prejuízos sociais,
já que a oferta de espaços físicos determina o crescimento organizado das cidades. O crescimento
populacional, aliado à urgente necessidade de se substituir as moradias precárias por habitações
formais e dignas,58 impõe que novos espaços sejam construídos e disponibilizados, de forma segura
à população.

Quando as cidades restringem novas construções ou dificultam a mudança de uso de seus espaços
obsoletos, suas moradias se tornam mais caras e como consequência passam a exercer maior
pressão nas regiões periféricas, expandindo as fronteiras urbanas sobre áreas ambientalmente muito
mais sensíveis. Ao contrário, a reabilitação da área urbana contaminada, de modo a não causar
prejuízos à saúde humana, possibilita a disponibilização de espaços físicos à moradia regulares e
apropriadas nos grandes centros urbanos.

A expressiva maioria dos casos de recuperação ambiental de áreas contaminadas se deu em


decorrência de nova destinação econômica de uso. Muitas áreas foram contaminadas no passado
por indústrias atualmente falidas, abandonadas ou sem recursos para promover a remediação, bem
como por depósitos de resíduos (lixões) clandestinos. Considerando-se a falta de recursos públicos
disponíveis, as medidas ambientais são praticadas justamente por novas empresas e agentes
econômicos que adquirem as áreas contaminadas, para nelas desenvolver suas atividades ou
empreendimentos. Para tanto, precisam aprovar junto aos órgãos ambientais o plano de
recuperação, de acordo com o uso declarado, que é devidamente monitorado, dentro dos
parâmetros de tolerância estabelecidos.

Nos últimos anos, centenas de terrenos foram remediados ou estão em processo de remediação na
região metropolitana de São Paulo, para desenvolvimento de novas atividades ou empreendimentos
imobiliários. Isso somente foi possível em virtude da legislação, que traz parâmetros sustentáveis e
objetivos, de acordo com o uso declarado, permitindo assim razoável planejamento quanto a prazo e
custo de descontaminação.

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A REMEDIAÇÃO DAS ÁREAS CONTAMINADAS: UMA
ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL

Todavia, a tese apoiada nos padrões estabelecidos pelo Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (Snuc) pode elevar a patamares ainda desconhecidos o custo e prazo da
descontaminação dessas áreas (podendo na verdade nunca se atingir tal patamar), inviabilizando
investimentos da iniciativa privada e, com isso, condenando tais áreas a permaneceram
contaminadas.

De fato, se prevalecesse o entendimento de que toda recuperação ambiental deve ser levada ao
estágio de solo e água in natura, com a recuperação total (aplicável às unidades de conservação), o
procedimento seria extremamente difícil - senão impossível, em alguns casos - além de
economicamente inviável. Em outras palavras, se o novo proprietário tiver de se sujeitar a tal
exigência, muito mais rígida que a prevista na legislação própria, simplesmente deixará de adquirir a
área, que assim permanecerá contaminada por tempo indefinido, com todos os custos sociais daí
decorrentes. A experiência das grandes cidades demonstra, ainda, que áreas não utilizadas
ordenadamente acabam objeto de ocupação irregular por famílias carentes, drama potencializado
quanto tais áreas são contaminadas e, portanto, nocivas à saúde.

Enfim, a visão de que as normas aqui tratadas seriam inconstitucionais, além de equivocada do
ponto de vista jurídico, como supra demonstrado, acabaria, caso implantada, por inibir o
cumprimento da lei pelo seu destinatário, pela simples exigência de padrões que sequer são
conhecidos, inclusive por aquele que pretende exigi-los. A insegurança jurídica, aliada à falta de
parâmetros técnicos, resultaria apenas na ausência de solução para os passivos ambientais.

8. CONCLUSÕES

Como se procurou demonstrar na análise acima empreendida, a contaminação dos solos urbanos
pelo armazenamento errôneo e/ou despejos de resíduos tóxicos deixaram como consequência um
passivo ambiental considerável para as cidades.

Bem por isso, fez-se necessário criar uma legislação na qual constassem regras claras e parâmetros
seguros para a reutilização e exploração dessas áreas de modo a preservar a saúde humana e o
meio ambiente equilibrado, papel esse exercido pela Lei Paulista 13.577/2009 e pela Res. Conama
420/2009. Estes diplomas, ao contrário de serem inconstitucionais, atendem aos ditames do art. 225
da CF/1988 (LGL\1988\3), sobretudo quanto ao estabelecimento de parâmetros objetivos para a
remediação dessas áreas tendo por base a qualidade de vida sadia. Ademais, os valores de
referência trazidos por tais institutos empregam uma metodologia que garante segurança jurídica aos
seus destinatários (proprietários e futuros adquirentes, órgãos públicos ambientais, população), além
de permitirem a reciclagem de tais áreas, destinando-as ao exercício de atividades essenciais do
ponto de vista social, qual seja a disponibilização de espaços habitáveis à população.

Entretanto, há corrente minoritária que tenta sustentar atualmente a inconstitucionalidade dos


critérios constantes de tais normas com base no uso que se dará ao imóvel, defendendo-se que para
a reparação dos danos ambientais históricos causados pela atividade industrial deve-se ter como
fator de descontaminação a reparação integral definida pela Lei 9.985/2000 (Sistema Nacional de
Unidades de Conservação - Snuc).

Vale dizer que as unidades de conservação são ecossistemas especialmente protegidos,


diferenciando-se substancialmente do espaço urbano intensamente explorado. Assim, exigir a
reparação integral acima (e não aquela compatível com a saúde pública e com o uso que se dará o
imóvel) seria o mesmo que desejar que o terreno fosse reconstituído praticamente ao período
anterior a qualquer intervenção humana.

Dessa forma, o tratamento para a reabilitação das áreas contaminadas por resíduos industriais deve
ser rigoroso, mas, evidentemente, obedecer a critérios distintos daqueles que preveem a
recuperação e manutenção de unidades de conservação, a fim de que possam ser adotados critérios
factíveis sob a ótica técnico ambiental e viáveis do ponto de vista econômico.

Ademais, a eventual coexistência de dois possíveis parâmetros para reparação das áreas
contaminadas (um instituído por lei e outro que a questiona sem trazer critérios factíveis e objetivos
de remediação), é fator de insegurança jurídica que desestimula as medidas descontaminantes,
contribuindo para a permanência da contaminação nesses solos.

A importância da questão e o interesse público no sentido de se avançar com a descontaminação


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A REMEDIAÇÃO DAS ÁREAS CONTAMINADAS: UMA
ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL

dos espaços urbanos não permitem que as políticas públicas desenvolvidas sejam paralisadas por
interpretações jurídicas da lei que não se coadunam com as desejadas pelo legislador, por mais bem
intencionadas que sejam, sobretudo quando não calcadas em dados técnicos. Assim, mostra-se
evidente a necessidade de se observar os parâmetros constantes da Lei Paulista 13.577/2009 e da
Res. Conama 420/2009.

9. BIBLIOGRAFIA

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resíduos industriais. Revista de Direito Ambiental. vol. 29. p. 127. São Paulo: Ed. RT, jan. 2003.

1 Fonte: [www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2011/]. Acesso em: 04.02.2013.

2 Não abordamos a poluição atmosférica e outras modalidades, pois não são objeto das formas de
remediação consideradas no presente trabalho.

3 Criado em 2007, pela Lei Estadual 5.101, de 04 de outubro, esse órgão, instalado efetivamente, a
partir de janeiro de 2009, unifica e amplia a atuação dos órgãos ambientais estaduais vinculados à
Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEA), sendo eles a Fundação Estadual de Engenharia e
Meio Ambiente (Feema), o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e a Superintendência Estadual de
Rios e Lagoas (Serla). O tratamento dado aos solos contaminados no Rio de Janeiro não é feito, até
o momento, de forma sistematizada. Todavia, o Dec. 42.159, de 02.02.2009, cria o Sistema de
Licenciamento Ambiental (SLAM), que estabelece a “Licença Ambiental de Recuperação” (art. 2.º, V,
g), “Licença de Operação e Recuperação” (art. 2.º, V, h) e o “Termo de Encerramento” (art. 2.º, VII),
os quais têm, apesar de não indicar os parâmetros de descontaminação, têm por objeto estabelecer
o dever de o proprietário e/ou empreendedor reparar (termo aqui usado genericamente) a
contaminação industrial existente no solo. O caso emblemático deste Estado, quanto ao tema, é o da
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A REMEDIAÇÃO DAS ÁREAS CONTAMINADAS: UMA
ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL

“Cidade dos meninos”, localizado em Duque de Caxias, em uma área de aproximadamente 19,4
milhões de metros quadrados, e com população estimada em mais de 7.000 mil pessoas. Por volta
da década de 1940, parte do local serviu para a fabricação de pesticidas, o qual contaminou o solo
em razão do armazenamento errôneo de produtos organoclorados.

4 A partir da Deliberação Normativa Copam 116, de 27.06.2008, o Estado de Minas Gerais passou a
contabilizar as áreas do Estado contaminadas ou suspeitas de contaminação por substâncias
químicas. No ano de 2012, o Feam publicou o “Inventário de Áreas Contaminadas do Estado de
Minas Gerais”, que contabilizou um total de 365 desde o primeiro inventário realizado em 2009. Além
disso, a Deliberação Normativa Conjunta Copam/CERH-MG 02/2010 dispõe sobre o tratamento das
áreas contaminadas, sendo considerado, inclusive, a “Lista de Valores Orientadores” elaborados
pela Cetesb, conforme disposto no art. 6.º, I, Anexo I, de tal Deliberação.

5 Esse órgão está em fase inicial de elaboração sistemática de gestão de solos contaminados do
Paraná. Esse Estado está se organizando para atender os dispositivos da Res. Conama 420/2009.

6 O Código Penal de 1830, impunha pena ao corte ilegal da madeira, nos arts. 178 e 257. Em 1921,
criou-se o Serviço Florestal do Brasil (Dec. 4.221, de 28 de dezembro). A Constituição de 1934
previa, no art. 118, a restrição à propriedade e ao uso do solo. No mesmo ano (1934), o Dec. 24.643,
de 10 de julho, criou o Código das Águas, e o Dec. 23.793, de 23 de janeiro, criou o Código Florestal.

7 NALINI, José Renato. Ética ambiental. RIASP 14/270-271.

8 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

9 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 119.

10 O art. 3.º, III, da Lei 6.938/1991 (PNMA) define poluição como a “degradação da qualidade
ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança
e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c)
afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.

11 Disponível em:
[www.cetesb.sp.gov.br/areas-contaminadas/O-que-s%EF%BF%BDo-%EF%BF%BDreas-Contaminadas/1-O-que-s%E
Acesso em: 13.02.2013.

12 Disponível em:
[www.cetesb.sp.gov.br/userfiles/file/areas-contaminadas/2011/texto-explicativo.pdf]. Acesso em:
13.02.2013.

13 A dificuldade mencionada nesse parágrafo qualifica o dano ambiental como dano de caráter
progressivo, na medida em que sofrem o efeito acumulativo de diferentes substâncias poluentes e o
concurso de fontes poluidoras concomitantes, com a ressalva de que alguns compostos químicos,
em razão de suas especificidades químicas, ao longo do tempo podem deixar de serem encontrados
no solo, por mudanças de estado físico, como sublimação, evaporação etc.

14 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Aspectos jurídicos da reparação de áreas contaminadas por


resíduos industriais. RDA 29/127 (DTR\2003\29).

15 Reabilitação de áreas significa a revitalização e a reutilização de terrenos para um uso futuro,


sem preocupações para a saúde e o bem-estar da população através de medidas de segurança,
saneamento e remediação.

16 SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. O direito brasileiro, a prevenção de passivo ambiental e seus
efeitos no Mercosul. Scientia Iuris - Revista do Programa de Mestrado em Direito Negocial da UEL
1/132-133.

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A REMEDIAÇÃO DAS ÁREAS CONTAMINADAS: UMA
ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL

17 Na Europa, o debate se mantém atual, tendo sido realizado em novembro de 2012 o “The 2nd
International Conference on Sustainable Remediation 2012”, com o objetivo de debater medidas
sustentáveis de remediação de áreas contaminadas na Europa (“The main themes of the conference
‘Sustainable Remediation’ concerned strategies for the sustainable remediation of contaminated sites
and the environmental policy framework for remediation projects”).

18 Por exemplo, citamos a Diretiva 78/319/CEE, que incumbiu aos Estados-membros da atinga
Comunida Econômica Europeia (CEE) a identificar as regiões contaminadas por resíduos tóxicos e
perigosos, com o fim de alinharem as legislações nacionais quanto às prioridades e à gravidade das
contaminações, nos seguintes termos: “Considerando que toda regulación em materia de gestión de
resíduos tóxicos y peligrosos debe tener como objetivo esencial la protección de la salud humana y
la salvaguardia del médio ambiente contra los efectos perjudiciales causados por la recogida,
transporte, tratamiento, almacenamiento y depósito de dichos resíduos”. Grifamos. Texto integral da
Directiva 78/319/CEE. Disponível em: [http://eur-lex.europa]. Acesso em: out. 2012.

19 Como exemplo do resultado dessa Diretiva, a Alemanha criou uma legislação que contempla o
planejamento urbano e o ordenamento territorial, sob a forma de um Plano de Ocupação Urbana (
Bebauungsplan) e Plano de Utilização do Solo (Flächennutzungsplan), que visam implementar o §
1.º do ROG (Raumordnungsgesetz) (O § 1º do ROG, traduzido como “Lei do Ordenamento do
Território”, delimita normas para que os estados federados alemães possam se desenvolver de
forma sustentável, de forma a garantir as funções ecológicas dos espaços terrestres. Consulta da
norma disponível em: [http://norm.bverwg.de/jur.php?rog,1]. Acesso em: out. 2012. Esse parágrafo
exige que haja uma manutenção das condições de moradia, de forma a garantir o bem estar da
população, bem como a preservação dos bairros tradicionais e o uso do solo de modo econômico e
cuidadoso. Outros países, como Reino Unido e França, adotaram programas específicos para a
descontaminação de suas regiões e a reutilização dessas áreas.

20 In “Informações básicas sobre áreas contaminadas” - Departamento de Meio Ambiente/Fiesp -


junho de 2011. Disponível em: [www.fiesp.com.br/arquivos/2011/publicacao/Cartilha-DMA.pdf].
Acesso em: out. 2012.

21 A empresa conseguiu autorização para depositar seus resíduos no local, pela Niagara Power and
Development Company.

22 “The Love Canal Tragedy”. Disponível em [www.epa.gov]. Acesso em: out. 2012.

23 Disponível em: [www.epa.gov/superfund/health/conmedia/sediment/sites.htm]. Acesso em: out.


2012.

24 Em síntese, o objetivo da Cercla é identificar o agente responsável legalmente pela


descontaminação, a fim de iniciar as medidas cabíveis para tanto, e, ao final do procedimento,
disponibilizar as áreas antes contaminadas para a utilização desses espaços pela população. Os
limites da descontaminação não são estabelecidos taxativamente pela Cercla, mas deve-se sempre
levar em consideração critérios de descontaminação que não provoquem prejuízos à saúde humana
e ao meio ambiente (“The level of cleanup that is required can vary widely from site to site depending
on the contaminants present, the cleanup standards or criteria that apply to those contaminants, and
the response actions selected to attain those standards or criteria. Rather than specify standards or
criteria for individual hazardous substances, Section 121 (d) of Cercla broadly requires that cleanup
comply with applicable relevant, and appropriate requirements (Arars) to protect human health and
the environment”. BEARDEN, David M. Comprehensive Environmental Response, Compensation,
and Liability Act: a Summary of Superfund Cleanup Authorities and Related Provisions of the Act.
Congressional Research Service. jun. 2012. p. 14.

25 Idem, p. 2.

26 “The removal of Love Canal from the Superfund list will be mostly symbolic. The cleanup at the
toxic waste site, the nation’s most notorious, took 21 years and cost close to $400 milllion, but most of
the work was completed a few years ago”. Notícia veiculada, em 18.03.2004, pelo New York Times.

27 Redação dada pelo art. 3.º, I, da Lei Estadual Paulista 13.577/2009.


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ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL

28 Por remediação, pode-se entender como a “aplicação de um conjunto de técnicas em uma área
contaminada, visando à remoção ou contenção das substâncias nocivas introduzidas, de modo a
possibilitar a utilização dessa área com o mínimo de risco para os recursos naturais”. In: KRIEGER,
Maria da Graça e outros. Dicionário de direito ambiental - Terminologia das leis de meio ambiente. 2.
ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. p. 280 apud SILVA, Ana Carolina Corberi Famá Ayoub e.
Remediação de áreas contaminadas no estado de São Paulo sob os aspectos jurídicos, ecológicos e
econômicos. Artigo defendido no 17.º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental. 2012. p. 201.

29 Redação dada pelo art. 23, caput e parágrafo único, da Lei Estadual Paulista 13.577/2009.

30 Redação dada pelo art. 3.º, V, da Lei Estadual Paulista 13.577/2009.

31 Art. 26 da Lei Estadual Paulista 13.577/2009: “A área contaminada será classificada como Área
Remediada para o Uso Declarado quando for restabelecido nível de risco aceitável para o uso
declarado”.

32 A Lei 13.577/2009 foi objeto da ADIn 0210197-50.2011.8.26.0000, na qual se questionava a


legalidade do art. 10, caput e parágrafo único. Por maioria de votos a ADIn foi julgada improcedente,
tendo o acórdão a seguinte ementa: “Ação direta de inconstitucionalidade - Art. io, caput, e parágrafo
único, da Lei Estadual 13.577/2009 - Preliminares afastadas - Valores de prevenção - Inocorrência
de ofensa ao princípio da precaução. 1. Não se vislumbra empecilho para o cotejo da norma atacada
com as regras e princípios constitucionais apontados na inicial. Com efeito, não se faz necessária a
análise da metodologia empregada pela Cetesb para a definição dos Valores de Prevenção. Embora
o Procurador-Geral de Justiça não tenha expressado sua pretensão exatamente nestes termos, o
inconformismo em relação à norma combatida deve ser analisado sob o prisma da possibilidade
abstrata de fixação de Valores de Prevenção a serem utilizados como parâmetros na disciplina da
introdução de substâncias no solo, o que não se confunde com o problema de eventual emprego de
metodologia inadequada ao atendimento do escopo na norma ferir os ditames constitucionais. 2. O
art. 10, caput, da Lei Estadual 13.577/2009, não autoriza que se polua até níveis limítrofes de
alterações prejudiciais à qualidade do solo e da água subterrânea, estabelecendo, em verdade,
critérios de prevenção para o exercício das atividades econômicas. Não cuida, portanto, de hipóteses
de incerteza quanto ao dano ambiental, nas quais incide o princípio da precaução, mas de critérios
de avaliação a serem desenvolvidos com base em conceitos toxicológicos que, além de permitirem o
exercício de atividades relevantes do ponto de vista econômico e social, previnam a ocorrência de
transformações prejudiciais ao ser humano e ao meio ambiente. 3. A alegação de que a Cetesb não
tem se valido de uma metodologia condizente com o postulado da proteção ambiental não afeta a
constitucionalidade da norma, devendo o Ministério Público, caso efetivamente entenda ser este o
caso, voltar-se concretamente contra cada regramento técnico, apontando suas insuficiências ou
deficiências na fixação de valores que atendam aos princípios da prevenção e da precaução. 4. O
parágrafo único do art. 10 da Lei Estadual 13.577/2009 não aponta para qualquer espécie de
insuficiência quanto à proteção ambiental almejada pela Constituição Federal (LGL\1988\3). O
dispositivo não permite sejam ‘ultrapassados’ os Valores de Prevenção (expressão que deve ser
interpretada na acepção de ‘atingidos’) nem resguarda o agente contra a responsabilidade por
eventuais danos causados por sua atividade. Em verdade, impõe para tal hipótese a necessidade de
nova avaliação pelo órgão ambiental, o qual, em consideração às circunstâncias concretas, deverá
tomar as providências necessárias à proteção do meio ambiente. 5. Ação julgada improcedente”.

33 [www.cetesb.sp.gov.br/areas-contaminadas].

34 Art. 8.º, VII, da Lei 6.938/1981.

35 Resoluções são atos do Conama que visam “tratar de deliberação vinculada a diretrizes e normas
técnicas, critérios e padrões relativos à proteção ambiental e ao uso sustentável dos recursos
ambientais”. Esses atos têm por finalidade cumprir os objetivos da Política Nacional do Meio
Ambiente. Fonte: [www.mma.gov.br/port/conama/estr.cfm]. Acesso em: out. 2012.

36 Art. 6.º, V, da Res. Conama 420/2009.

37 Art. 6.º, XVIII, da Res. Conama 420/2009.


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A REMEDIAÇÃO DAS ÁREAS CONTAMINADAS: UMA
ABORDAGEM JURÍDICA E SOCIAL

38 Art. 6.º, XVII, da Res. Conama 420/2009.

39 LUTTI, José Eduardo Ismael. Res. Conama 420/2009 e Lei Estadual 13.577/2009:
inconstitucionalidade da “remediação para uso declarado”. RDA 65/20.

40 Art. 2.º, XIV, da Lei 9.985/2000.

41 Art. 2.º, XIII, da Lei 9.985/2000.

42 LUTTI, José Eduardo Ismael. Op. cit., p. 24.

43 Art. 2.º, I, da Lei 9.985/2000.

44 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência,


glossário. 7. ed. rev., atual. e ref. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 910.

45 Idem, p. 914. E ainda esclarece: “De acordo com o parágrafo único do art. 6.º, excepcionalmente
e a critério do Conama, podem vir a integrar o Snuc as novas unidade de conservação estaduais e
municipais que (i) tenham sido concebidas para atender a peculiaridades regionais ou locais; (ii)
possuam objetivos de manejo que não possam ser satisfatoriamente atendidos por nenhuma
categoria prevista na Lei do Snuc; e (iii) tenham características que permitam uma clara distinção
daquelas categorias integrantes do Snuc”.

46 Art. 7.º, I, da Lei 9.985/2000.

47 Art. 8.º da Lei 9.985/2000.

48 Art. 7.º, II, da Lei 9.985/2000.

49 Art. 14 da Lei 9.985/2000.

50 Nas palavras do autor: “Evidentemente, trata-se de uma identidade ecossistêmica característica


dos respectivos ambientes terrestres e aquáticos, como se encontram no momento. Resta saber da
possibilidade de se procurar, ademais, a recuperação possível do seu estado anterior ou original,
quando for o caso”. MILARÉ, Édis. Op. cit. p. 910.

51 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo
extrapatrimonial. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 209 apud SILVA, Ana Carolina Corberi Famá Ayoub e.
Op. cit., p. 205.

52 MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 419.

53 SILVA, Ana Carolina Corberi Famá Ayoub e. Op. cit., p. 204.

54 Idem, p. 205.

55 Idem, p. 208.

56 Idem, p. 208.

57 A discussão é tão atual e complexa que em novembro de 2012 ocorreu o segundo congresso
mundial para discutir mecanismos sustentáveis e factíveis para a recuperação das áreas
contaminadas pela atividade industrial (The Second International Conference on Sustainable
Remediation 2012: “The Sustainable Remediation Conference 2012 provides a venue for
professionals and interested parties from multiple backgrounds to share experiences and
perspectives on how contaminated sites can be remediated with a lower environmental footprint, and
how their reuse can contribute to a more sustainable development”).

58 De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
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publicada em outubro de 2011, o déficit habitacional no Brasil era de 7,9 milhões.

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