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Capitulo 9 A MORTE NAS DIFERENTES F ‘ASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Lucélia Elizabeth Paiva NTRODUGAO Ss ste capitulo é uma reflexio sobre o que seria a vida de um indivi- duo ao encontro de sua morte. Afinal, como diz Schopenhauer, o homem é 0 unico animal que tem consciéncia de sua condigao existencial: é 0 tinico animal que sabe por antecipagao da propria morte. Ao contrario de todos os outros animais, o homem busca 0 sentido de sua existéncia, uma vez que sua tinica certeza é estar destinado a morrer. Segundo Heidegger, a morte é uma possibilidade que esta presen- te, determinando a vida, desde o nascimento. Afirma, ainda, que 0 ho- mem é um “ser para a morte”. E a morte é uma possibilidade de nossa existéncia com a qual convivemos cotidianamente. (PENHA, 1996) Apesar de a morte nos rondar ao longo dos dias, continua sendo um temor didrio e, ao mesmo tempo, um tabu. Nao se fala da morte. E ela que nos assalta ¢ nos persegue ‘em nosso cotidiano. Mas dela fu- gimos ¢ fingimos sua nao existéncia. Nio tenho a pretensao, aqui, de me aprofundar em estudos das diferentes fases do desenvolvimento vital, mas sim de levantar algumas consideragdes que possam promover indagacocs, reflexes, criticas ¢, quem sabe, novos olhares para ressignificar a vida ¢ a morte. Capitulo 9 A MORTE NAS DIFERENTES FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Lucélia Elizabeth Paiva NTRODUGAO & ste capitulo é uma reflexdo sobre o que seria a vida de um indivi- duo ao encontro de sua morte. Afinal, como diz Schopenhauer, o homem é 0 tinico animal que tem consciéncia de sua condigao existencial: é o tinico animal que sabe Por antecipagao da prépria morte. Ao contrario de todos os outros animais, 0 homem busca o sentido de sua téncia, uma vez que sua Gnica certeza é estar destinado a morrer. Segundo Heidegger, a morte é uma possibilidade que esta presen- te, determinando a vida, desde o nascimento. Afirma, ainda, que 0 ho- mem é um “ser para a morte”. E a morte é uma possibilidade de nossa existéncia com a qual convivemos cotidianamente. (PENHA, 1996) Apesar de a morte nos rondar ao longo dos dias, continua sendo um temor didrio e, ao mesmo tempo, um tabu. Nio se fala da morte. E ela que nos assalta ¢ nos persegue em nosso cotidiano. Mas dela fu- &iMos ¢ fingimos sua nao cxisténcia. Nao tenho a pretensio, aqui, de me aprofundar em diferentes fases do desenvolvimento vital, mas sim de levantar algumas Consideragdus que possam promover indagaydes, reflexdes, criticas e, Quem sabe, novos olhares para ressignificar a vida ¢ a morte. tudos das ~ 1125] CUIDADOS PALIATIVOS Discutindo a Vida, a Morte © 0 Morrer A CRIANCA Morte: Assunto para Criangas? O senso comum nos mostra que a morte nao faz parte do uni- verso infantil. Vivemos em uma sociedade consumista, que cultua a beleza e a juventude eterna, parecendo deixar a morte de lado, como se nunca féssemos encontra-la. Mas a morte é real e faz parte do cotidiano de todos nés, inclusive de nossas criangas. Estamos expostos 4 morte, a qualquer hora do dia ou da noite, nas ruas (a violéncia, homicidios, aci- dentes etc.), por intermédio dos meios de comunicacio, dentro de nos- sas proprias casas (radios, jornais ¢ nos noticidrios na TV: nas cenas de violéncia fisica e social, nas cenas de acidentes, catastrofes, homicidios, guerras, atentados etc.). Apesar de tao perto, insistimos em manté-la tao longe, com a ilusio de que nao ira nos atingir. Passa a ser um assunto negado, e, por ser desconhecido e trazer angistias ¢ softimento, € comum mantermos as criangas afastadas dele. E como se crianga fosse apenas alegria. Calamos! Engolimos! comum ouvirmos que morte e crianga nao combinam. Mas Ru- bem Alves! nos diz que o mundo das criangas nao é tao risonho como se pensa. E repleto de medos ¢ muitas experiéncias de perdas. Os adultos nio gostam de falar disso, muito provavelmente para escaparem dessa dor. Entretanto, a crianga tem uma curiosidade natural e procura res- postas para suas duvidas ¢ inquictagdes. Ela busca a verdade nao sé sobre a vida, mas também sobre a morte. A crianca pode expressar sua curiosidade ¢ seu softimento por meio de linguagem verbal (falada ou escrita), como também por linguagem nao verbal (jogos, brincadeiras, gestos, desenhos etc.). Nds, os adultos, é que precisamos saber ouvi-la, entendé-la ¢ acolhé-la. Ricardo Azevedo diz: [...] falar sobre a morte com criangas nito significa entrar em altas especulacoes ideoligicas, abstratas e metafisicas. Nem em detalhes assustadores ¢ macabros. Refiro-me a simplesmente colocar 0 assin- 10 em pautn. Que ele esteja presente, através de textos ¢ imagens, simbolicamente, na vida da crianga. Que nto seja mais ignorado. 1:30 nada tem a ver com depressive, morbidez ou falta de esperanga. Ao contriirio, a morte pode ser vista, e é iss0 0 que ela &, como uma referéncia concreta ¢ fundamental para a construcio do significado da vida. (AZEVEDO, 2003, p.58) Mensagem aos contadores de histérias, contida nos livros da colegio “Estérias para Pequenos Grandes”, ‘A MORTE NAS DIFERENTES FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO. No entanto, sentimo-nos embaracados diante desse tema e, mui- tas vezes, optamos pelo siléncio, com a desculpa de querer proteger a crianca de um sofrimento. O que nao percebemos € que, com essa atitude, tiramos a oportunidade de fazer com que a crianga possa olhar para a vida com a realidade de suas perdas. Assim, reforcamos a dificul- dade de lidar com as varias perdas ao longo da vida, forem: um brinquedo quebrado ou perdido, a morte de estimagao, mudancas de casa ou de escola, um amiguinho que se mudou, a professora que saiu da escola, mudangas na familia pela sepa- racao dos pais, perda de emprego, morte de alguém muito querido, ou, até mesmo, a prépria morte. Na verdade, subestimamos a crianga. Afinal, nao é facil falar de morte, principalmente falar de morte Para € com as criangas. Falar com elas e ouvi-las, também. 6 muito comum percebermos que os adultos demonstram dit- vidas em relacio a como falar sobre a morte com a crianga de modo que ela possa entender. Claro que é preciso respeitar a idade e a forma como 0 assunto serd tratado. Por exemplo, quando se fala em morte, a associagao imediata € com perda e softimento, dor ¢ separagio. Embora se use muito a célebre frase “esta é a nica certeza que temos na vida”, nao € comum pensar na morte como parte de um ciclo vital, como algo natural ¢ inerente ao ser vivo e, a partir disso, pensar no significado e na qualidade de vida e das relagdes humanas. Nao estamos acostumados com isso; somos imediatistas e saudo- sistas. Temos uma vida fast ¢ acabamos Por nao a saborearmos como deverfamos, nos prendendo ao tempo que passou, ao que poderfamos ter feito ¢ ao que nao fizemos. sejam elas quais de um bichinho Como Falar de Morte com Criancas? O entendimento do conceito de morte para criangas depende ndo somente da idade, mas de aspectos variados, tais como: questdes Sociais, psicolégicas, intelectuais ¢ experiéncias de vida. Diaz diz que a morte é um tema que deve ser abordado nos livros Para criangas. E como escrever sobre 0 amor, sobre o nascimento ou sobre outro assunto qualquer. Fala, ainda, que nao ha limites de idade nem diferengas de outro tipo para que sc aborde esse tema. O impor- fante é a maneira como é apresentado. (DIAZ, 1996) Quando falar com a crianga, € importante que se utilize uma linguagem simples ¢ direta, bem como uma informagio real acerca da Morte, pois ela tem uma compreensio literal da linguagem. \ 1127| CUIDADOS PALIATIVOS Discutindo a / 1281 Estudos mostram que a compreensao de morte pelas criangas en- volve a compreensio de quatro componentes: © Irreversibilidade: a morte nao é reversivel. © Inevitabilidade: todos os seres vivos (incluindo ela mesma) irdo morrer um dia (e ninguém escaparé da morte). * Nao funcionalidade: reconhecimento que, com a morte, ces- sa todo o funcionamento do corpo, ou seja, no ha mais mo- vimentos, sentimentos, sensagGes, pensamentos. * Causalidade: envolve a compreensio da razio da morte (KO- VACS, 1992; PRISZKULNIK, 1992; NUNES et a/.,1998; TORRES, 1999) Antes dos trés anos, nao hd conceito de morte. A morte é sentida como auséncia ¢ falta. Criangas pequenas (entre os trés ¢ cinco anos) costumam ter uma visio magica ¢ egocéntrica. Sentem como se seus pensamentos ¢ palavras pudessem magicamente solucionar problemas, até mesmo causar a morte de uma pessoa. Acreditam que a morte acon- tecerd aos outros, mas nunca com elas. Também assemelham a pessoa morta a uma pessoa dormindo. Varios estudos mostram que, entre cinco e sete anos, a crianga ja tem condigdes de compreender a ideia de morte no que se refere 4 irreversibilidade, inevitabilidade e nao funcionalidade. Ja existe a com- Preensao de que a morte acontece para qualquer um, mas a causalidade € mais dificil de ser compreendida, pois necesita de um conhecimento de biologia ¢ de pensamentos abstratos. Criangas mais novas tendem a atribuir a morte a causas exter- nas (acidentes ou assassinatos), enquanto as mais velhas j4 reconhecem causas internas, como idade avancada, doencas ou outros fatores bio- l6gicos. Dos 10 ou 11 anos em diante, a crianca j4 tem condigdes de for- mular hipéteses considerando muitas varidveis simultaneamente. Nes- sa fase, ja consegue ter 0 conceito de morte mais abstrato. Entende-a como inevitavel ¢ universal, irreversivel e pessoal. Consegue dar expli- cagdes do ponto de vista natural, fisiolégica e tecer argumentos com hi- poteses teol6gicas. (KOVACS, 1992; PRISZKULNIK, 1992; NUNES et al.,1998; TORRES, 1999) ‘ No entanto, percebe-se certa dificuldade na comunicagao entre os ieee pale Pode resultar num sentimento de solidio. : que as criangas costumam expressar seus sen- timentos de formas pouco elaboradas € que os adultos costumam ter dificuldade Para compreendé-las, As criangas costumam usar a lingua- gem da imagem ¢ da metafora, como em histérias ¢ sonhos. Por essa rao, muitas vezes, as eriancas acabam por ndo receber a ajuda de que [A MORTE NAS DIFERENTES FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO necessitam por nao serem compreendidas pelos adultos (que estao mais habituados com a linguagem cotidiana ~ a linguagem do pensamento), ¢ também porque os adultos, na tentativa de ajudar as criancas, utilizam a linguagem cotidiana, nao conseguindo atingir 0 universo infantil (que emprega a linguagem da imaginacio). (SUNDERLAND, 2005) Desta forma, a literatura infantil pode ser um recurso para con- versar sobre a morte com as criangas. As hist6rias falam de sentimentos com muita riqueza. E como sonhar acordado. Voltando a Rubem Alves’, ele diz que 0 objetivo da histéria é poder dar as criangas simbolos que lhes permitam falar sobre seus me- dos, fazendo de conta que se esta falando sobre bichos, por exemplo. Isso facilita. Porém, ¢ importante que a crianga nao esteja sozinha nessa aventura. E necessario que ela faca essa caminhada com um adulto de sua confianga, que esteja junto com ela, para que se sinta segura. No entanto, deve ser feita uma selegio cuidadosa de livros que abordem © tema a ser trabalhado, que apresentem t6picos € eventos apropriados as necessidades emocionais das criangas e caracteristicas do ambiente. (HEATH et al., 2005) A seguir, algumas sugestdes de livros infantis que abordam o tema morte: ¢ Ahistéria de uma folha (BUSCAGLIA, 1982) Tempos de vida (MELLONIE e INGPEN, 1997) A sementinha medrosa (OLIVEIRA, 2003) O medo da sementinha (ALVES, 1999) A montanha encantada dos gansos selvagens (ALVES, 1999) O dia em que a morte quase morreu (BRANCO, 2006) O teatro de sombras de Ofélia (ENDE, 2005) Os porqués do coragio (SILVA ¢ SILVA, 1995) Ficar triste nao é ruim (MUNDY, 2001) Quando seu animal de estimac3o morre (RYAN, 2004a) Quando seus avés morrem (RYAN, 2004b) Quando os dinossauros morrem (BROWN e BROWN, 1998) Conversando sobre a morte (HISATUGO, 2000) O dia em que o passarinho nao cantou (MAZORRA e¢ TI- NOCO, 2000) Por que vové morreu? (MADLER, 1996) V6 Nana (WILD, 2000) Menina Nina (ZIRALDO, 2002) Morte: o que esta acontecendo? (BRYANT-MOLE, 1997) O decreto da alegria (ALVES, 2004) eo ere erere ee eeee . . . . . 7 aos contadores de histérias, contida nos livros da colegio “Estérias para Pequenos ¢ Grandes”. 1129 CUIDADOS PALIATIVOS Disculindo a Vi Cadé meu avé? (CARVALHO, 2004) © anjo da guarda do vové (BAUER, 2003) Vové foi viajar (VENEZA, 1999) Emmanuela (CARVALHO, 2003) Ahistéria de Pedro ¢ Lia (ADORNO, 1994) Eu vi mamie nascer (EMEDIATO, 2001) Nio € facil, pequeno esquilo (RAMON, 2006) Fica comigo (MARTINS, 2001) Dona Saudade (PESSOA, 2001) Corda bamba (BOJUNGA, 2003) Sadako e os mil passaros de papel (COERR, 2004) Oscar ¢ a Senhora Rosa (SCHMITT, 2002) Através do espelho (GAARDER, 1998) eee ere eres eee O ADOLESCENTE A adolescéncia € uma etapa de aquisigées tanto das operacdes formais, como da internalizacio da moralidade ¢ de um novo modo de consciéncia, Nessa fase, o individuo passa por importantes ¢ signi- ficativas mudangas tanto fisicas € sexuais, como emocionais, sociais € culturais. Consequentemente, a autoimagem ¢ as expectativas pessoais, familiares ¢ sociais também softem alteracdes. © momento da busca pela independéncia e o temor do fracas- So, quando normas ¢ valores passam a ser questionados transgredi- dos. Pode-se perceber, com isso, que a adolescéncia é um momento de contradi¢ao e busca da identidade, na tentativa de encontrar um novo sentido para si, mas carregado de muitas angtistias, A adolescéncia é um momento especial na vida do individuo, por scr © periodo transitério para entrar na vida adulta, quando tera poder € controle sobre si mesmo. Nessa fase, 0 jovem nio aceita orientagées, Pois estd se testando, tem um afastamento natural da familia, aderindo a0 seu grupo de iguais, buscando sua identidade, Nessa fase, de maior vulnerabilidade, nao é raro entrar em contato com as drogas ¢ se expor a muitos riscos, O jovem vive uma fase de novas conquistas e descobertas, so- nhos, na qual a morte passa a ser um desafio. Nessa €poca, acabam por viver em grupos ¢ enfrentam situagdes de risco: a descoberta sexual, experimentagio de drogas (Iicitas¢ ilicitas), prética de esportes radicais, comportamentos de risco ¢ outras situacdes-limite (por exemplo, rachas no transito). Com a busca da “beleza ideal”, podem surgir os disttirbios alimentares. Para se sentirem vivos ¢ donos de suas vidas, Pparecem desa- 130] A-MORTE NAS DIFERENTES FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO_ fiar a propria vida. (ESSLINGER e KOVACS, 2004; KOVACS, 2003; MARIN c QUEIROZ, 2000; MARIN-LEON e VIZOTTO, 2003). A adolescéncia é uma época marcada por mortes inesperadas e, geralmente, violentas. Marques e Cruz demonstraram que é principalmente na passa- gem da infaincia para a adolescéncia que o uso de drogas licitas ¢ ilicitas se inicia. No Brasil, as drogas licitas mais utilizadas por criangas e ado- lescentes sao 0 Alcool e 0 tabaco. O adolescente, por viver em grupo, acaba se envolvendo nessa mentalidade, pois necessita ser aceito pelo grupo. Nessa convivéncia grupal, ele pode se deparar com uma gama de situagSes que podem leva-lo a correr riscos mesmo sem perceber, especialmente se cstiver inserido num grupo que utiliza drogas. (MARQUES; CRUZ, 2000) ‘Uma das drogas mais comuns ¢ mais utilizadas é 0 4lcool, prin- cipalmente por estar inserido na cultura. Esté presente na familia, nas comemoracées, no lazer... Sendo assim, passa a ser “normal” beber. Ou seja, € uma droga socialmente aceita. Na fase da adolescéncia é muito corrente o uso de Alcool por ser visto como indispensavel em festas, no grupo de amigos, como se tivesse um “poder magico” de alegrar 0 ambiente. O alcool também é empregado pelo adolescente como um meio de minimizar momentos de angiistias, o que pode passar a ser incorpo- rado como indispensavel na resolugao de conflitos e como incentivador de enfrentamento de situagoes dificeis (por exemplo, sucesso com 0 sexo oposto, desempenho sexual, aumento de poder e de agressividade, loquacidade, habilidade) e mesmo como uma forma de relaxamento ¢ redugao de tensio. (ARAUJO ¢ GOMES, 1998) Além das alteragdes comportamentais, 0 dlcool provoca lentidao do pensamento, prejuizo da concentragao, do raciocinio, da atengio e do julgamento. E uma droga denominada sedativo-hipnética, pois, em baixas doses, reduz a ansiedade e, em doses médias, seda 0 usudrio. Em altas doses, pode levar 4 anestesia, a0 coma e até mesmo a morte. E uma droga que causa respostas cada vez mais fracas de acordo com o consumo repetitivo, ou seja, causa uma tolerancia no individuo, que necessitara de doses cada vez maiores para atingir a sensa¢ao de prazer, relaxamento e para baixar a ansiedade, efeito da abstinéncia da bebida. O consumo de Alcool esta relacionado com comportamentos de risco, tais como: ativi- dade sexual desprotegida, beber e dirigir, estupro ou abuso de parceiro, ¢ outras formas de agressao ¢ crime. (ORSATI et al, 2002) Por questoes de tolerancia orginica e psicoldgica, 0 Alcool é uma substancia com risco de criar dependéncia que, somado ao seu uso ha- bitual no contexto social, passa a ser uma droga altamente perigosa. S 11311 1321 CUIDADOS PALIATIVOS i Discutindo a Vida, a Morte © 0 Morrer Fora isso, 0 uso abusivo de dlcool associado en ont substancias pode levar a uma dependéncia maior para obtengao de prazer, além de possibilidade de tentativas de suicfdio. (FERREIRA er al., 2000) Qs jovens almejam 8 realizagao pessoal, amorosa e vocacional. E uma fase de construgao de identidade, experimentagao € construgio de um lugar no mundo. A adolescéncia € uma €poca em que o indi- viduo experimenta muitas situagdes de risco, mas nao hi espago para pensar ou falar da morte. (KOVACS, 2003) O adolescente vivencia a morte da infancia - uma fase muito di- ficil: além das mudangas corporais (fisicas ¢ hormonais), ele sai de um lugar conhecido ¢ seguro, protegido e comega a adentrar uma vida de “gente grande”, com outras responsabilidades ¢ com a liberdade para fazer suas proprias escolhas. E esta liberdade de escolhas, proprias do adolescente, que o faz estar mais perto da vida ou da morte. (DOLTO, 1990; TORRES, 1999) O adolescente necessita romper os limites estabelecidos pelos pais ¢ pela sociedade a fim de construir os seus préprios. Nos jovens, a tomada de decisdes é marcada por impulsividade, ousadia, confianga excessiva em sua propria destreza. E muito comum © envolvimento em acidentes de trinsito por causa de velocidade (que oferece ao condutor a oportunidade de experimentar sentimentos de grandeza ¢ fantasia de onipoténcia), pela miisica em alto volume no carro (que favorece a sensagao de isolamento, com maior sensagio de grande independéncia), bem como 0 consumo de dlcool. Este € 0 fator mais associado com acidentes de transito, pois dificulta a tomada de decisdes e entorpece as habilidades Psicomotoras. (MARIN e QUEI- ROZ, 2000; MARIN-LEON e VIZZOTTO, 2003) O adolescente ja tem possibilidade cognitiva de compreender 0 conceito de morte em suas quatro dimensoes (irreversibilidade, universa- lidade, nao funcionalidade € causalidade), como também tem condigées de levantar hipoteses e discutir sobre a morte. Porém, do ponto de vista cmocional, a morte € algo que fica muito distante. (KOVACS, 1992) a Et ote npn pens > (0 € concebivel a propria morte. O ADULTO 7 Os euaesee da psicologia do desenvolvimento costumam di- vidir 0 ciclo de vida adulto em duas fases: 0 adulto jovem (que Vai A MORTE NAS DIFERENTES FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO- aproximadamente, dos 20 aos 40 anos) ¢ 0 adulto na meia-idade (dos 40 aos 60/65 anos). O adulto jovem esta em pleno vigor fisico e em fase produtiva da vida. Porém, nessa fase, geralmente esta saindo da casa dos pais para construir sua propria vida, para morar sozinho ou constituir familia. g, também, a fase que o individuo constréi sua vida profissional. Apesar de ser um momento de construgdo, também sofre mu- dancas que sao vivenciadas como perdas: separagao fisica e emocional dos pais, estilo de vida, rede social, entre outras. Uma mudanga muito importante é a propria maternidade ou paternidade. Ja com o avangar da idade, o adulto comega a perder seu vigor fisico e problemas de satide comegam a surgir. Muitas mudangas ocor- rem nessa etapa da vida: a propria aparéncia fisica, perda da acuidade visual, a menopausa ¢ a perda da capacidade de reprodugao para as mulheres ¢ as taxas de doengas ¢ mortalidade se elevam. Uma grande perda nessa fase é a saida dos filhos de casa (o “ninho vazio”). Porém, surgem os netos, o que pode trazer grande satisfagdo. Nessa fase, entretanto, a perda de emprego e a dificuldade de recolocacio profissional pode ser um agravante na vida do adulto que se encontra na meia-idade. A perda da seguranga econdémica e da au- toestima podem contribuir para deterioragio das relagdes conjugais € para a possibilidade de surgimento de doengas fisicas ¢ perturbagdes emocionais. (BEE, 1997; PAPALIA, 2000) Como € possivel perceber, a concep¢ao de morte para o indivi- duo adulto é algo vivenciado cotidianamente, tanto do ponto de vista concreto como simbélico: doengas, perdas de parentes ¢/ou amigos, perda de emprego, separagées. A forma como lida com as varias perdas que sofre ao longo da vida vai influenciar diretamente na forma como encara a morte em si. O VELHO OU IDOSO A velhice, ou terceira idade (como alguns preferem), € a etapa final do ciclo vital. Na sociedade ocidental, a ideia de morte parece ser mais aceita para o idoso, j4 que tem maior probabilidade bioldgica de ocorréncia. No senso comum, 0 idoso é aquele que ja viveu tudo o que tinha para viver, j4 cumpriu sua jornada de vida e, consequentemente, estaria pronto para morrer. (BOEMER; ZANETTI, VALLE, 1991) Percebe-se que quando a pessoa viveu a sua vida plenamente (chamo aqui de vida plena aquela vivida intensamente, em seus ganhos 11331 [4341 CUIDADOS PALIATIVOS Discutindo a Vida, a Morte © 0 Morrer ¢ suas perdas, nas alegrias ¢ nas tristezas), sente-se realizada, com a sen- sagao de dever cumprido, nao € a morte que a assusta. E mais comum ouvirmos que o velho tem mais medo de perder a satide ¢ depender de outros do que, exatamente, da morte a Falar de vida plena me faz lembrar a letra da musica O Velho, composigio de Chico Buarque de Holanda (1968). O VELHO Chico Buargue de Holanda O velho sem conselhos De joelbos De partida Carrega com certeza Todo 0 peso Dessa vida Entivo, eu the pergunto pelo amor A vida inteira, diz que se guardou Do carnaval, da brincadeira Que ele nao brincon Me diga agora O que é que en igo ao povo O que é que tem de novo Pra deixar Nada S6 a caminhada Longa, pra nenbum lugar O velho de partida Deixa a vida Sem saudades Sem divida, sem saldo Sem rival Ou amizade Entivo, en the pergunto pelo amor Ele me diz que sempre se esconden Niio se comprometen Nem nunca se entregou A MORTE NAS DIFERENTES FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Me diga agora O que é que cu digo a0 povo O que é que tem de novo Pra deixar Nada E cu vejo a triste estrada Onde um dia eu vou parar O velho vai-se agora Vai-se embora Sem bagagem Nio sabe pra que veio Foi passcio Foi passagem Entito eu the pergunto pelo amor Ele me € franco Mostra um verso manco De um caderno em branco Que ja. se fechou Me diga agora O que é que eu digo a0 povo O que é que tem de novo Pra deixar Nao Foi tudo escrito om vito E ex the pego perdao Mas néo vou lnstimar Com base em estudos do desenvolvimento humano (BEE, 1997; PAPALIA, 2000) ¢ da geriatria (CANCADO, 1994), alguns aspectos serao levantados. Com os avangos médicos, tecnolégicos ¢ cientificos, presencia- mos uma realidade na qual as pessoas estio vivendo mais tempo. Che- gar aos 70, 80 ¢ 90 anos em boa forma e hicido é mais comum atual- mente. Parece que a tentativa de empurrar a morte para cada dia mais Jonge esta sendo alcangada. Nessa época, um fator muito importante & a perda de uma fungio social. £ comum o individuo estar aposentado e isso interferir, nao s6 No seu poder aquisitivo, mas também em seu circulo social, 1135] 11361 CUIDADOS PALIATIVOS Vivendo em uma sociedade que cultua a beleza ¢ a juventude, a mudanga do corpo pode ser motivo de vergonha e dificuldades. Con- firmar-se dono de um corpo envelhecido pode ser fonte grande de so- frimento Nessa fase da vida, a sexualidade também fica alterada, Embora 0 desejo possa estar muito presente, o corpo nio responde prontamente €, muitos tém dificuldades para aceitar langar mio dos avangos frma- coldgicos. (BEE, 1997; PAPALIA, 2000; CANGADO, 1994) Podemos falar aqui de uma morte simbolica: daquilo que nio se € mais, ou seja, de um ser potente ¢ em pleno vigor, viril, que ja se sente limitado. As pessoas estio vivendo mais, mas, com que qualidade de vida? A qualidade de vida na velhice depende, também, de alguns cuidados basicos, que incluem a convivéncia familiar. © mundo moderno nio oferece muito espago para os velhos na familia quando estes comegam a necessitar de alguns cuidados especiais, devido as suas limitagdes. Limitagées nio necessariamente de satide, mas limitagdes do proprio avangar da idade. Vivemos no mundo “fist”, no qual tudo tem de ser ripido, nio hi tempo a perder. E 0 velho, que ¢ mais lento, € mais limitado também Com 0 avangar dos anos, deparamo-nos com pessoas que, além de suas limitagdes, ja sofreram muitas perdas. Tiveram que elaborar muitos lutos: aposentadoria, saiide, prestigio, amigos, parentes, muitas vezes o(a) companheiro(a) e até filhos. Nao é facil enterrar pessoas ¢ deparar-se com a possibilidade de ser 0 proximo. Uma grande perda para o velho, além da satide, € a perda da au- tonomia ¢ da independéncia. E muito comum ouvitmos de pessoas que estao entrando na téo famosa terceira idade que a maior preocupacio € perder a saiide ¢ depender de alguém. Poder cuidar-se ¢ realizar tarefas cotidianas ¢ imprescindivel para quem esta nessa etapa da vida Muitas vezes, 0 velho necesita de ajuda para essas tarefas ou até mesmo para se cuidar, mas ao invés de ajuda-lo a executar suas tarefis dentro de suas condigdes, as pessoas tendem a fazé-las por eles. E mais ficil e mais répido para quem esta ajudando, mas ¢ mais humilhante para o velho, que se sente improdutivo, incapaz ¢ dependente, até in- fantilizado pelas pessoas que o cercam. Afinal, existe uma frase famo- sa, que atravessou os tempos: “Quando a gente fica velha, volta a ser crianga”. Outro ponto que fica muito marcante nessa fase € a solidio. Os familiares tém seus afazeres; os amigos, muitos j4 esto doentes ou morreram ¢ 0 velho fica em contato consigo mesmo e sua rede social fica quase nula. A MORTE NAS DIFERENTES FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Para suprir essa necessidade, surgem os Programas da Terceira Idade, com encontros, festas, passcios, atividades de lazer e cultura, viagens. Promove-se um espaco de encontro e compartilhamento, pen- sando no bem-estar € na qualidade de vida do idoso. Mas, apesar de tudo isso, € muito comum ainda verificarmos que muitos sofrem de depressio. Como qualificar a depressio do velho? Com a idade avancada, 0 corpo j4 nao responde da mesma for- ma, 0 metabolismo € mais lento ¢ geralmente se utilizam varios me- dicamentos combinados. Tudo isso pode levar a uma mudanga no funcionamento do organismo, provocando um tipo de depressio. E uma depressio enddégena, diferente daquela que esté relacionada com o comportamento da pessoa. Com a viuvez, por doengas ou pelas restrigdes que vao surgindo com a velhice, é comum o idoso mudar-se para a casa de um familiar (perda de seu espago) ou para um lar de idosos (espago de muitos) ¢ ter sua vida administrada por um cuidador. E, consequentemente, nao € raro, sua solidao tende a se intensificar. Ja sem prestigio, sem uma vida ativa, o velho busca atengdo ¢ aproximagao afetiva, mas € muito comum nao encontrar. Vivemos num mundo em que ninguém tem tempo. Ninguém tem tempo para visitas, para boa conversa ou para contar histérias. E 0 velho é cheio de “No meu tempo...”. O velho adora contar seus feitos, lembrar 0 passado, contar suas histérias, mas é muito dificil encontrar pessoas dispostas a ouvi-las. De seus familiares, é mais comum ouvir: “De novo? Essa o senhor j4 con- tou intimeras vezes... Ah! Agora, nao! Nao tenho tempo! Conta algo mais recente!”. Mais recente? Mas, muitas vezes, est4 tio sem vida, sua vida esta to longe que pode nfo ter nada para contar. Nao tem novidades! Muitas vezes, essas mudangas, somadas 4 idade, fazem com que a pessoa fique mais reflexiva, lembrando de como foi sua vida, suas reali- zagoes e, nessas horas, o velho necessita de um bom ouvinte. Benjamim enfatiza que, numa sociedade onde a arte da narragio esta em extingao, também se perde a capacidade de ouvir no sentido de experimentar 0 outro. Ouvir é trabalhoso e € um constante processo de aprendizagem; exige preparagdo para um desprendimento de si que permite encontrar 0 outro. (BENJAMIN, 1994) Ecléa Bosi afirma que a formagio de um vinculo de amizade € confianga com os recordadores € resultado de um amadurecimento de quem deseja compreender a propria vida revelada do sujeito. A narrati- va, dentre tantas outras fungdes, pode configurar-se como espago para a elaboragio de lutos. (BOST, 1995) ~ 11371 CUIDADOS PALIATIVOS Discitindo a Vida, a Morte eo Morrer 1138] Utilizarei um caso clinico para ilustrar a importancia da memoria do velho diante da morte. A senhora X, com 81 anos, tinha cancer de titero que se espa- lhou, invadindo o reto. Sem prognéstico de cura, ficou aos cuidados da equipe de cuidados paliativos durante seis meses. Depois de trés meses sendo acompanhada em cuidados Paliativos, encontrava-se bastante debilitada fisicamente. Em uma visita médica domiciliar, falou ao médico que nao queria morrer. O médico, sem en- tender o que se passava (afinal, ela nao parecia angustiada e nem referia medo da morte), pediu-me para fazer uma avaliacao psicolégica Em minha primeira visita domiciliar, fui acompanhada do médi- £0, que me apresentou a ela, Do ponto de vista psicolégico, a Sra. X. me pareceu bem e nada angustiada, Encontrei uma senhora mitida, pele corada, cabelos grisalhos, olhos claros muito vivos por trés dos éculos; poucas rugas para a sua idade, coisas que apenas caracterizavam as marcas do tempo. Sra. X. morava com a filha nica e com uma neta. Ambas safam para trabalhar e sé retornavam A noite. Durante o dia, esta ficava em casa, muito sozinha, aos cuidados da empregada, que tinha seus afaze- res domésticos. A senhora era uma mulher cheia de vida de hist6rias. Contou- me, com entusiasmo, sobre suas atividades quando era jovem (¢ muito bonita, segundo ela) em sua terra natal, uma cidade do interior do estado de Sio Paulo. Foi uma mulher muito ativa e dinamica para a sua época. Organizava festas ¢ desfiles, gostava de cantar e dangar, era colunista social de um jornal local Mostrou-me recortes de jornais, jé amarelados em decorréncia do tempo. Falou, também, das miisicas de sua €poca, que alegravam os bailes da cidade. A conversa foi saborosa, um verdadeiro retorno ao tinel do tempo! Diante de uma mulher tio cheia de historias ¢ de energia de vida, atravessando sua fase de final de vida, num proceso de morrer, foi oferecida a paciente a possibilidade de uma escuta a tantos fatos de sua vida, uma escuta a sua historia de vida. Sugeri que deixasse regis- tradas suas lembrangas ¢ memérias, com o intuito de rememorar Sta vida, brinear com suas lembrangas e, assim, fechar seu ciclo. Deiat Sua cternidade registrada ou algo escrito ou gravado, para que ela mesma pudesse se ouvir ¢ outros pudessem tera Jembranga viva de tantas expe- riGncias vividas por essa mulher. Ao nos despedirmos, foi muito gentil convidou-me a voltar para conversarmos mais. Voltei a casa da Sra. X, 15 dias apés esse nosso encontro, nova mente acompanhada do médico, munida de um gravador. Essa visit® A MORTE NAS DIFERENTES FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO- tinha o intuito de recolher histérias de Sra. X., que rememorou nova- mente um passado rico de emoges, de lembrangas alegres de festas, que contracenava com sua realidade de caminhar em diregao 4 morte. Desde o inicio, pedia-nos desculpas, pois dizia sentir-se cansada, por isso nao podia gravar. Falou sem parar, sempre mostrando entusiasmo a cada lembran- sa, mas, de repente interrompeu a fala ¢ pediu desculpas, pois disse estar com a voz fraca, cansada, sem condigdes de dar uma entrevista. Afinal, para quem entrevistou pessoas ilustres, desta vez seria ela a ocu- par o lugar de pessoa ilustre e ser entrevistada. Nesse encontro, falou dos grandes bailes, demonstrou seu imen- So apre¢o por Frank Sinatra e Glenn Miller, 0 quanto era gostoso dan- ¢ar, rosto colado com os rapazcs, em sua mocidade. O entusiasmo foi tanto que, dentro de cada um de nds, bailamos ao som da orquestra da vida, das lembrangas rememoradas de Sra. X. Nossa! Quanta vida foi lembrada quando a morte era seu pr6xi- mo destino. E, cada vez que se empolgava nos perguntava se estavamos can- sados de suas historias ¢ justificava-me o quanto lhe seria dificil dar uma entrevista, pois se sentia sem forgas e sua voz estava fraca. Na verdade, acredito que ela realmente devia estar se sentindo enfra- quecida, pois o cancer estava, cada vez mais, judiando de seu corpo (embo- ra nao estivesse fazendo uso de morfina), porém libertando sua alma. Era dia 23 de junho e a Sra. X. nos contou sobre como era bom pular a fogueira na noite de Sio Jodo. Garantiu-nos que, se pulassemos a fogueira, nossos pés no se queimariam. Ao perguntar-lhe se ela havia feito isso em alguma ocasiio, respondeu-me que nunca se arriscou, mas garantiu que isso era verdade. Nesse encontro, lembrei-me de certa vez em que fui chamada de Morgana por um médico que trabalhava comigo no hospital’, referin- do-se a personagem de As Brumas de Avalon, ora fada, ora bruxa. Era assim que me sentia diante de Sra. X., uma fada que lhe se- gurava a mao durante um precioso passeio pela sua vida, ou seja, uma bruxa que nao Ihe oferecia magia alguma, nenhum encanto para des- viar-lhe do caminho da morte. E assim nos despedimos, com a certeza de ainda nos encontrar- mos, mesmo que nao fosse para uma “entrevista”, como assim enten- deu nossa querida paciente, mas para simplesmente ouvirmos mais um pouco de suas histérias. + Pronto-socorro do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo. _ 1139 |1401 CUIDADOS PALIATIVOS Dascustinde Vid, a Morte «0 Morrer Dias mais tarde, nosso médico foi sozinho a casa da Sra. X. para administrar-Ihe morfina, pois nossa amiga apresentava dores abdomi- nais ¢ diarreia com sangue. O cancer estava agredindo seu corpo de forma mais intensa. Nesse dia, porém, 0 médico ofereceu-Ihe de presente um CD. com miisicas por ela citadas em visitas anteriores. Sugeriu que a filha © colocasse no aparelho de som para que a Sra. X. pudesse desfrutar um pouco das misicas que tanto Ihe agradaram um dia. Na semana seguinte, voltamos a casa da Sra. X. Apesar do seu desconforto fisico, que ja ndo era mais motivo de queixa, ela continuava bonita, de olhos vividos, com a face corada e pele macia. Logo que chegamos, demons- trou contentamento com a visita, ofereceu-nos café e, sentados na sala, conversamos incansavelmente por uma hora ¢ meia. Ela referiu que se sentia cansada ao ouvir o CD. Lembrar, rememorar, reviver, remexer na vida e dangar hoje, no compasso da morte, as mtsicas vivas em suas lembrangas da juventude implacdvel de desafios. Agora, desafiar a morte! Durante nossa conversa, perguntei-lhe sobre as mtisicas ¢ ela dei- xou escapar: “Tenho medo de ouvir! Ser4 que nao vai ser ruim?”. Quando the questionei sobre esse medo, ela negou ter dito isso. Na verdade, ougo esse medo, como que uma stiplica de quem nio sabe muito bem sc, ao ser embalada pela misica, nao cairia no acalanto dos bracos do sonho eterno, De fato, nao € ficil encarar, de frente, o fim da vida, de maneira tao lacida, com tanto humor, calor ¢ vida. Demoramo-nos em nossa despedida. Ela segurou firmemente em minha mao, dizendo que desejava ainda um novo encontro, quando me contaria muitas histérias. Quatro dias mais tarde, a Sra. X. morreu em sua casa, acompa- nhada de sua tinica filha e uma de suas netas. Sua filha disse que, nos Gltimos dias de vida, a velha senhora cantou a miisica: “A saudade mata a gente...”, Pois é, a Sra. X. nos disse, mesmo sem querer, que tinha medo de ouvir suas misicas prediletas ¢ que as lembrangas Ihe traziam certa tristeza. Ela s6 nao se dava conta de que nao se cansava de lembrat. E, daf nos perguntava se jé estavamos cansados de ouvi-la. Dizia que SU vor estava fraca, que nao conseguiria gravar sua “entrevista”, mas falow com muita energia dos bailes e das fogueiras. As lembrangas da vida trazem saudade ¢ a saudade mata. A morte traz a saudade (para quem fica, mas também para quem morre), € 4 saudade mata, A MORTE NAS DIFERENTES FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO A saudade mata a gente, morena... A saudade & dor pungente... A saudade mata a gente Rememorando a letra dessa misica: A SAUDADE MATA A GENTE Jotio de Barro / Antonio Alves Fiz men rancho na beira do rio Meu amor foi comigo morar E na rede nas noites de frio ‘Meu bem me abracava pra me agasalhar Mas agora, me Dens, vou-me embora Vou-me embora ¢ nio sei se vow voltar A sandade nas noites de frio Em meu peito vazio vird se aninhar A saudade é dor pungente, morena A saudade mata a gente, morena A saudnde é dor pungente, morena A saudade mata agente. A senhora do exemplo utilizou, com muita sensibilidade, puxan- do em suas lembrangas, uma miisica de sua época, para anunciar sua despedida. E, assim, morreu a Sra. X., numa noite de frio, aninhada em suas lembrangas, embalada por uma vida muito vivida, levando muito cari- nho ¢ deixando a saudade. Foi assim que me despedi da Sra. X. BIBLIOGRAFIA ARAUJO, L.B.; GOMES, W. B. Adolescéncia e as expectativas em relagio aos efeitos do Alcool. 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