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Diseño en Palermo. Encuentro Latinoamericano de Diseño.

Crochê e Richelieu: Traços Culturais no Design Brasileiro

Emanuelle Kelly R. S. Veras

O artesanato possui valores simbólicos e de identidade cultural que a moda


vem resgatando e inserindo na sociedade de como elementos de diferenciação,
gerando, assim, uma crescente demanda por produtos artesanais.

Além disso, o desenvolvimento do artesanato é uma forma de suprir a


demanda gerada pela moda e de garantir aos artesãos um meio de subsistência. Por
outro lado, a implementação do trabalho artesanal através de iniciativas estatais e
privadas que vêm ocorrendo nas regiões rurais do Nordeste do Brasil priorizam a
essencialmente a sua valorização econômica. Diante de tal fato, é exatamente nas
transformações que estão ocorrendo no processo de criação e produção do artesanato
no Nordeste brasileiro que este texto pretende se deter. A pretensão é provocar a
reflexão sobre as ações dos de designers a fim de ajustar o produto artesanal às
necessidades capitalistas de consumo, levando em consideração as conseqüências
das transformações simbólicas que esta realidade infere ao trabalho cotidiano dos
artesãos.
Em suma, o presente texto busca fazer uma breve reflexão sobre o uso de
elementos artesanais como itens agregadores de valor aos produtos de design.
Tomando como referência o viés da cultura, a principal intenção é refletir sobre as
questões cotidianas e os modos de vida que estão embutidos no processo de
obtenção de artigos feitos manualmente, e, para tanto, são tomados como exemplos
duas tipologias específicas de artesanato: o crochê e o richelieu.

Expressão da cultura cearense, o artesanato dá um colorido a mais às


paisagens do Estado. Através de suas mãos hábeis, artesãos de diversas regiões
transformam elementos simples em obras de arte apreciadas por nativos e
estrangeiros. Em diferentes tipologias e estilos, a variedade que surge da criatividade
dos artesãos associada ao seu modo de vida e visão de mundo, define o artesanato
produzido no Ceará.

Os trabalhos feitos com linhas são tradicionalmente realizados por


mulheres. Herança da colonização Portuguesa, os bordados, as rendas e os crochês
fazem parte da nossa história e também do nosso cotidiano, seja na moda, na
decoração ou mesmo como principal atividade econômica de milhares de mulheres
que vivem no interior ou na capital.

Em todo Estado encontramos artigos concebidos com perfeição e


inteiramente feitos à mão; é o caso do richelieu produzido por artesãs no município de
Quixeramobim*, bem como as belezas que surgem da criatividade das crocheteiras de
Nova Russas*. Podemos citar, ainda, a excelência das peças realizadas pelos grupos
e cooperativas de Itapajé* e, também, a variedade e riqueza do richelieu produzido à
máquina pelas bordadeiras distribuídas nos vários distritos de Maranguape*, de onde
podemos citar o grupo dirigido pela artesã César do distrito da Jubaia*.

Com características tradicionais que remontam à Antiguidade, os bordados


sempre foram muito utilizados por diferentes povos na ornamentação da indumentária.
Diferentemente do bordado à mão comum, o richelieu é um bordado vazado e o que
se sabe sobre sua denominação é que foi um tipo de bordado muito utilizado como
adorno pelo Sr. Cardeal de Richelieu que fazia parte da corte do Rei Luís XIII na

Actas de Diseño. Facultad de Diseño y Comunicación. Universidad de Palermo. ISSN 1850-2032


Diseño en Palermo. Encuentro Latinoamericano de Diseño.

França, daí a designação de Bordado de Richelieu. A base para a elaboração do


richelieu são, principalmente, os tecidos de linho fino, por suas características que
cooperam para a perfeição do acabamento. Atualmente, por ser muito apreciado, o
richelieu pode ser aplicado em artigos de cama e mesa e em peças de vestuário,
como é muito utilizado no acabamento de vestidos de noivas.

O crochê, assim como o richelieu, não possui uma origem definida, mas há
indícios de que ele tenha surgido na China como um tipo peculiar de costura e se
difundido pelo Oriente Médio até chegar à Europa por volta de 1700. O nome crochê
tem origem na palavra francesa croc, que em português significa gancho. No final da
Idade Média foi usado como uma imitação de renda, mas por ser muito apreciado pela
rainha Vitória, foi difundido por toda a Europa, se tornando mais elaborado em textura
e em dificuldade de trançado, sendo, também, misturado a bordados e a apliques com
pedrarias.

Hoje, para a maioria das artesãs, a arte de bordar ou fazer crochê é


vivenciada desde a infância. Entre linhas, bastidores e bonecas, o aprendizado inicia-
se cedo, quando elas se envolvem com a atividade observando o fazer de suas mães,
avós, tias e irmãs. Desse modo, a brincadeira logo se mistura com o ofício, deixando
de ser um passatempo infantil, para se tornar em meio de vida.
Mesmo quando o artesanato assume uma função econômica, sua
execução geralmente ocorre durante o “tempo livre”, em casa, sendo as próprias
artesãs responsáveis pela quantidade de trabalho que podem realizar. Para dar conta
da produção e garantir a provisão de seus lares, elas partilham de uma rotina intensa,
pois além de bordadeiras ou crocheteiras elas também são mães e donas de casa.
Desse modo, a atividade acaba se confundindo com o cotidiano, a vida familiar e os
momentos de lazer das artesãs, servindo não só como trabalho e fonte de renda, mas
também como atividade lúdica e meio para a consolidação dos laços sociais e
afetivos.

Assim, expressando e sustentando suas vidas através dos desenhos


percorridos pelas linhas do bordado e do crochê, as artesãs vão remodelando seu
cotidiano com criatividade e esperança na vida e no artesanato.

Referências

AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes médicas,
1990.
BABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Difel, 1989.
CALDAS, Artemísia . Design têxtil: valorização no produto de moda. In: II
ENCUENTRO LATINOAMERICANO DE DISEÑO, 2007, BUENOS AIRES. ACTAS DE
DISEÑO 3. Buenos Aires - Argentina: Universidade de Palermo, 2007. p. 11-255.
CALDAS, Dário. Observatório de Sinais: Teoria e prática da pesquisa de tendências.
Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2003.
CANCLINI, Nestor Garcia. As culturas populares no capitalismo. São Paulo:
Brasiliense, 1983.
______. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2008.
FERREIRA, Kennedy Piau. Políticas públicas e sistemas das artes. Londrina:
Eduel, 2005.
KELLY, Emanuelle. Quando a cultura entra na moda. 2009. Dissertação (Mestrado
em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia – Universidade Federal
do Ceará. Fortaleza.

Actas de Diseño. Facultad de Diseño y Comunicación. Universidad de Palermo. ISSN 1850-2032


Diseño en Palermo. Encuentro Latinoamericano de Diseño.

______ . Design e artesanato : um diferencial cultural na indústria do consumo.


ACTAS DE DISEÑO, v. 1, p. 01-15, 2007
HALL, Stuart. Identidade cultural e diáspora. Revista do patrimônio histórico e
artístico nacional. Rio de Janeiro, n.24, p.68-64. 1996.

Nota
*
Cidades tipicamente rurais próximas á capital do estado do Ceará – Brasil.

Emanuelle Kelly R. S. Veras. Graduada em Design de Moda e mestre em Sociologia pela Universidade
Federal do Ceará - UFC, atualmente é professora do Departamento de Artes Visuais da Universidade
Federal do Piauí - UFPI.
E-mail: emanukelly@gmail.com.

Actas de Diseño. Facultad de Diseño y Comunicación. Universidad de Palermo. ISSN 1850-2032

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