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DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE 21300137957 NA PONTA DA LINGUA 1. Estrangeirismos — guerras em torno da lingua Carlos Alberto Faraco [org.] 2. Lingua materna — letramento, variagao & ensino Marcos Bagno, Michael Stubbs & Gilles Gagné 3. Histéria concisa da lingittstica Barbara Weedwood 4. Sociolingitistica: uma introdugio critica 5. Histéria concisa da escrita Charles Higounet 6. Para entender a lingitéstica — epistemol mentar de uma disciplina Robert Martin 7. Introdugao aos estudos culturais Armand Mattelart, Erik Neveu 8. A pragmética Francoise Armengaud 9. Histéria concisa da semiética Anne Hénault 10. Histéria concisa da semantica Irene Tamba-Mecz, Louis-Jean Calvet sor SOCIOLINGUISTICA uma introducao critica Es ( TADUAO, ‘Marcos Marcionilo ‘SBD-FFLCH-USP Wn iN 257932 coe NS TAO 4ie 4 C1684 41d P20 Tituco orieinat LA soc! 4° EDITION M: © PRESSES UNIVERSITAIRES DE FRANCE, PARIS, 1993, TIQUE A JOUR: 2002, JANVIER ISBN: 2-13-052433-8 167s : ma introdugio ert diugio Marcos Mat 176p., 18cm ISBN: 85.88456.05-2 1 Sociolingiistica. 1. Calvet, Lonis-Jean cpp: 410.9 DinEITOs RESERVADOS A PARABOLA EDITORIAL RUA CLEMENTE PEREIRA, 327 | IPIRANGA SEGUNDA EDIgKo: NovEMBRO DE 2004 (© PARABOLA EDITORIAL, Sko PauLo, 2002 SUMARIO. Cariruto I: A LUTA POR UMA CONCEPCAO SOCIAL DA LINGUA .. 1. Saussure / Meillet: a origem do contflito. 2, As posigdes marxistas acerca da lingua Cavtruvo Ti: Linguas Est Contato 1, Empréstimos e interfer‘ cédigo ¢ estratégias _ 4, O laboratério crioulo 4), Atitudes positivas e negativas 13 13 Ww 25 28 31 33 a5: 35 39 43 51 55 59 65 67 69 73 4. A hipercorregio .. 7 5. As atitudes e a variacdo lingiiistica 80 Capirvzo IV: As VARIAVEIS LINGUIsTICAS E AS VARIAVEIS SOCIAIS.... 89 1. Um exemplo de varidveis lingiistica as variaveis fonética 90 2. 98 3. 102 4. Os mereados lingiiistic 105 5. Variagdes diastraticas, diatépicas e diacrénicas: o exemplo da gi 109 6, Comunidade lingiiistica ou comunidade social? us Capiruto V: Sociouintisrica ov soctoLociA DA LINGUAGEM? 1. A abordagem micro 2. A ahordagem macro 3. As redes sociais e as, 4, Sociolingiiistica e Cariruto VI: As pouiticas LinGiisticas . 145 1, Duas gestdes do plurilingiiismo: o in vi eoin vitro... 2. A agao sobre a 146 154 . 161 . 163 . 164 167 Inpice DE NomEs .. 171 6 APRESENTAGAO Marcos Bagno Por ser a primeirissima obra de introdugao & sociolingiiistica que se imprime no Brasil, a publi- cacao deste livro de LouisJean Calvet equivale, na pratica, a denunciar uma situagao injustificavel que 6 pode ser explicada por uma andllise detalhada dos nisteriosos mecanismos que operam em nosso meio editorial, dos ainda mais misteriosos labirintos da nossa vida académica. A situacdo injustificavel ¢ ‘esta: como € possivel, num pais onde se tem desen- volvido uma intensa atividade de pesquisa ‘soclolingiiistica ha pelo menos trés décadas (pesqui- ‘ui de qualidade cientifica reconhecida internacio- ‘Hulmente), nao haver no mercado absolutamente livro que apresente os principios basicos ie de leitores composto pelos estudantes ‘em Letras? Sao intimeros os projetos \damento) de descricdo e iingiiistica do Brasil; ja so cen- We dinertagdes de mestrado e teses de douto- empreendidas a luz das diversas teorias 7 A: UMA INFROBUGHO CRITICA sociolingiiisticas, e mais numerosos ainda os arti- 0s cientificos publicados em revistas especializadas — mas livro introdutério de ampla cireulagao, de acesso facil, no temos nenhi da (por questées de espago) Tarallo em A pesquisa sociolingiifstica (1985). ‘Comegar a preencher essa falta com este livro € um passo importante, sobretudo por se tratar de Louis-Jean Calvet, um sociolingiiista que nao se res- que empreende uma verdadeira militancia politica, de luta assumida contra as atitudes discriminatorias que se servem da lingua como instrumento de do- minagao e de exclusdo social. Com visio critica e engajada, Calvet nao se limita a expor, com “neu- tralidade” e “objetividade”, os conceitos basicos que sustentam as teorias sociolingiiisticas. Ao contré- rio, ele mostra de que modo os mecanismos ideol6- }s atuam nessas teorias, inclusive sob a forma de ‘preconceitos positivos”, como o que ele detecta na atitude de Laboy de extrema valorizagao da “verho- ide” dos falantes do “vernaculo negro-america- no” ede desprezo pelos recursos lingiiisticos do cha- mado “cédigo elaborado” das camadas sociais do- minantes, que para ele sao apenas “as marcas, registradas do falar muito para dizer nada, do dizer |, fecursos que muitas vezes obscure- cem qualquer contribuigao positiva que a educagao pode dar ao nosso uso da lingua” (“The logic of non- standard English”, 1969, traducao minha). 8 pmesenragho De autoria de Calvet, o leitor brasileiro ja nha a seu dispor a obra Saussure: pré.e contra, cujo subtitulo revelador é “rumo a uma lingiifstica social” Ali, demonstrando a insustentabilidade das opcdes epistemolgicas do estruturalismo, em suas vers6es pré- e pés-chomskyanas, Calvet insiste na necessi- dade incontornavel de se construir uma ciéncia da linguagem em que o “social” seja o préprio objeto de estudo, ao qual a chamada “lingitistica interna” tem obrigatoriamente de se subordinar. Essa mes- ma insisténcia aparece aqui, sobretudo na conclu- siio da obra, onde o autor declara que a palavra (socio)lingitéstica s6 pode ser escrita assim, com 0 “socio” entre parénteses, na esperanga de que, um dia, o que esta dentro dos parénteses desaparecerd. ‘Quando este dia vier, sera possivel escrever simples- ‘mente lingitistica e definir esta ciéncia como “o es- tudo da comunidade social em seu aspecto ingiifstico”. Para conferir a esta publicagao um carter temente didatico, os editores oferecem ao ; no final do volume, um guia de lei da (escassa) bibliografia so ite no Brasil, bem como um glossario dos prin- termos técnicos empregados pelo autor. Me- ‘destaque também o cuidado de fazer acompa- exto de Calvet de notas de rodapé que ofere- exemplos tirados da realidade lingtiéstica brasi- ‘vom vistas a tornar mais facilmente reconhe- ‘0 fondmenos abordados na obra. INTRODUGAO ‘A lingiiistica moderna nasceu da vontade de Ferdinand de Saussure de elaborar um modelo abs- 10s atos de fala. Seu SOCIOLINGOTSTICA: UMA WeTRODUGAO ERiticn cordavam em delimitar 0 campo de sua ciéncia de modo restritivo, eliminando de suas preocupagées tudo 0 que nao fosse a estrutura abstrata que eles de- finiam como objeto de seu estudo. Ora, as linguas nao existem sem as pessoas que as falam, e a histria de uma lingua é a historia de seus falantes. O estruturalismo na lingiiistica foi const », portanto, sobre a recusa em levar em con- sideracdo o que existe de social na lingua, e se as teo- Tias € as descrigoes derivadas desses principios sio evidentemente uma contribuigao importante ao estu- do geral das linguas, a sociolingiiistica, a qual se con- sagra este livro, teve de tomar o sentido inverso des- sas posicdes. O conflito entre essas duas abordagens da lingua comega muito cedo, imediatamente depois da publicacao do Curso de lingtitstica geral, e n6s vere. mos que, até bem recentemente, as duas correntes vao se desenvolver de modo independente, De um lado, insistia-se na organizagao dos fonemas de uma lin. gua, em sua sintaxe; de outro, na estratificacdo social das linguas ou nos diferentes pardmetros que na Iin- gua variam, de acordo com as classes sociais. Sera pre- iso na pratica esperar por William Labov para en- contrar a afirmacao de que, se a lingua é um fato so- cial, a lingitistica entao s6 pode ser uma ciéncia social, isto significa dizer que a sociolingiiistica é a lingiifstica’. Hoje a sociolingiiistica floresce, multiplica suas abordagens e terrenos. Este livrinho ocupa-se de trazer um pouco de ordem a essa profusio. CAPITULO | A LUTA POR UMA CONCEPGAO SOCIAL DA LINGUA 1, Saussure/Meillet: a origem do conflito _ O lingitista francés Antoine Meillet (1866- }) insistiu em numerosos textos no cardter so- da lingua, ou a definiu preferentemente como ‘social. E dava um contetido bem preciso a itica. Em seu célebre artigo, “Comment changent de sens” [Como as palavras mu- sentido], ele propunha uma definicao desse ‘social” enfatizando, ao mesmo tempo e sem jade, sua filiagdo ao sociélogo Emile das diversas linguas tendem a coincidir ere ncn noms au- le unidade de Lingua ¢ 0 sinal de um Estado ‘jevenite, como na Bélgica, ou artificialmente consti- ome na Austria”; é eminentemente um fato social. Com “efoltd, elt entra exatamente na definigio proposta B SOCIOLINGUISTICA: UMA txTRODUGKO cRITICA que ela nao tenha nenhuma realidade exterior & soma desses individuos, ela é contudo, por sua generalida- de, exterior a el — “as carateristicas de exterioridade ao individuo e de Antoine Meillet foi quase sempre apresentado como discipulo de Ferdinand de Saussure (1857- 1913). Contudo, com a publicagao (péstuma) do Curso de lingiiistica geral, Meillet tomou distancia e, na resenha que faz. do livro, ele ressalta que “ao separar a variagdo lingtifstica das condicdes exter- nas de que ela depende, Ferdinand de Saussure a priva de realidade; ele a reduz a uma abstragao que € necessariamente inexplicavel”, Portanto, as posi- Ges de Meillet estavam em contradigao com, a0 menos, uma das dicotomias saussurianas, a que di tinguia a sincronia da diacronia, e com a tiltima fra- se do Curso (“a lingiifstica tem por tinico e verda- deiro objeto a lingua considerada em si mesma e por si mesma”). Mesmo que nao seja de Saussure e Tepresente muito mais a conclusio dos editores, ela 106, reimpresso em historique et linguistique générale, Paris, Champion, jo em sua reedigio de 1965, ie Meillet, Compte rend muistique générale de Ferdinand de Saussure, Bulletin de a Societlinguistique de Paris, p. 166. 4 ‘WTA PoR UMA cONCERE RO SOCIAL DA LINGUA resume perfeitamente inamento. Contrac go porque a afirmacai 1ando Saussure opoe li tica interna e lingitistica externa, Meillet as asso- cia; quando Saussure disti sinerOnica de abordagem diacrénica, Meillet busca explicar a estrutura pela historia. Realmente tudo poe os dois hon lingiiistica geral. Enquanto Saussure busca elaborar uum modelo abstrato da lingua, Meillet se vé em con- flito entre 0 fato social e o sistema que tudo contém: para ele ndo se chega a compreender os fatos guagem”? ‘ou que “a lingua é uma instituigdo social” chocam por sua indefinicao te6rica. Para ele 0 fato de ser a Kingua uma instituigdo s¢ € simplesmente um principio geral, uma espécie de exortagao que mui- tos lingiiistas estruturalistas retomarao depois dele, sem nunca prover os meios heuristicos para assu- mir essa afirmagao: dé-se como certo 0 cardter so- cial da lingua e se passa a outra coisa, a uma lin- 4. Ferdinand de Saussure, Cours delinguistique générale, Pa- ts Payot, 1931, p. 4, Idem, ibidem, p. 33. _- IC: UMA WTRODUGO CRITICR siiistica formal, & Kingua “em si mesma e por si mes- ma”. Para Meillet, essa afirmagdo deveria, ao con- trario, ter implicagées metodolégicas, ela deveria estar no centro da te nente tenta dar conta dessa dupla determinagdo, E isso é bem facil para ele quando estuda o léxico (que ele trate de nomes do homem, do vinho, do ou da reli- giao indo-européia) ou quando se ina sobre a expansio das linguas (por exemplo, sobre a histéria da lingua latina). Certamente as coisas se tornam mais dificeis para ele no campo da fonologia ou da sintaxe, mas continua valendo que sua insisténcia constante sobre esses pontos faz dele um precursor. Um exemplo é a passagem seg Por ser a lin- gua um fato social resulta que ciéncia social, e o tini rel ao qual se pode recorrer para dar conta da variacao lingiits- tica é a mudanca social”, posicdio muito proxima da que se encontrard mais tarde na obra de William Labov. Mesmo que Saussure e Meillet utilizem quase a mesma formula, eles nao Ihe dio o mesmo senti- do. Para Saussure, a lingua € elaborada pela comu- nidade, é somente nela que ela é social, enquanto, 16 ‘ALUTA POR UMA CONCEREKO SOCIAL DA LINGUA imos, Meillet dé a nogao de fato social um con- tetido muito mais preciso e muito durkheimiano (alids, ele colaborou regularmente com a revista dirigida por Durkheim, LAnnéesociologique). De fato, enquanto Saussure distingue cuidadosamente estru- tura de histéria, Meillet quer uni-las. Enquanto 0 empreendimento do lingidista suigo essencialmente terminoldgico (ele tenta elaborar 0 vocabulario da lingiiistica para embasar teoricamente esta ciéncia), 0 de Meillet é programitico: ele nao deixa de dese- jar que se leve em conta o carter s Vemos, enti, que o tema da lingua como fat ‘social, central em Meillet, é um tema profundamen- te anti-saussuriano, de modo seguramente incons- iicagao do Curso, mas conscien- estrutural ‘pds-saussuriana se caracteriza por um afastamento constante desse tema. Surge assim, desde o nasci- ‘mento da lingiiistica moderna, em face de um di ‘curso de cardter estrutural e insistindo essencial- mente na forma da lingua, outro discurso que insis- fe em suas fungées sociais. E, durante quase meio séoulo, esses dois discursos vao se desenvolver de ‘modo paralelo, sem nunca se encontrar. 2, Aw posigdes marxistas acerca da lingua Na mesma época, surgia outra abordagem so- ‘olul da Lingua, aquela que nasce na corrente marxis- Ww SOCIOLINGOisTicA: UMA ixTROBUGAD cafrica ta. J4 em 1894, Paul Lafargue, genro de Marx, pu- blicara um estudo sobre o vocabulério francés “an- tes e depois da Revolugao”, mostrando que a lingua mudara consideravelmente nesse periodo e vincu- lando essa mudanga aos fatos politicos. Havia, por certo, um certo mecanicismo em sua visa gua classica caiu com a monarquia feud romantica nascida na tribuna das assembléias par- Jamentares durard enquanto durar 0 governo parla- mentar”®. Mas nao se pode negar que temos aqui a primeira tentativa de aplicar certa andlise sociol6- gica aos fatos da lingua. Posteriormente sera da URSS que virao os tex- tos mais extravagantes ou mais inovadores, segun- do 0 caso. Do lado da extravagincia é preciso ins- crever Nicolai Marr (1864-1934), que, bem antes da ascensiio do comunismo ao poder, elaborara a teoria das linguas jaféticas (do nome do terceiro fi- Iho de Noé, Jafet, nascido depois de Sem e Cam, cujos nomes jé tinham classificado as linguas camiticas ¢ icas), & qual ele vai tentar aplicar o marxismo: Marr postulava uma origem comum para todas as inguas do mundo. Inicialmente a comunicagao te- tia sido gestual, em seguida quatro elementos fonicos teriam aparecido — sal, ber, yon et roh — consti- tuido a linguagem de uma casta que estava no po- der (os feiticeiros). . Paul Lafargue, La langue frangaise avant et aprés la révolution, L’Bre nowselle janeiro-fevereiro de 1894, reed Le. Calvet, Marxisme et linguistique, Paris, Payot, 18 |AUITA Pon UMA conceREKo SOCIAL DA LINGUA epois essas quatro sflabas vio se combinar, se deformar, se multiplicar, para originar as diferentes Tinguas do mundo, que Marr classificava em quatro esté- ios sucessivos, correspondentes a situagdes Socioeconmicas diferentes: —primeiro estgio: chin aguas africanas; — quarto estigio: inguas indo-curopéias e semiticas. Cada um destes estagios correspondia a uni ““progresso”; e, por tras dessa classificagao, ¢ dific Yer tracos de racismo ou, quando menos, de ntrismo, Toda essa construgao inspirada por fi marxismo bem reduzido certamente devia ter visio de futuro: Marr pensaya que 0 advento do socialismo deveria provocar a aparic ‘ma tinica lingua, o que estava em conformida- com a idéia de que as linguas refletem a luta de Mas por pensar, sem duivida, que ninguém Jem servido do que por si mesmo, ele milita- erlagdo de uma lingua internacional artifi- explica por que, durante cerca de quinze waperanto ser bem visto pelo poder e relati- difundido na URSS. As teorias marristas ‘status de teoria oficial. Hoje a aplicagaio do (ue elas pretendiam realizar parece bem ‘nian via-se nelas, sobretudo A época, a justi- ot SOCIOLINGOISTICR: UMA INTRODUGHO ficagao em lingitistica de principios ideolégicos mais rimado da luta de classes sobre a i nagao, lingua como superestrutura, tudo isso entra- va perfeitamente em uma visio internacionalista, sem contar que respondia perfeitamente aos pro- blemas da URSS em face das minorias nacionais, mostrando em particular que a organizacao social estava acima da divisdio em nag6es. Oficializada com 0 nome de nova teoria lingitistica, 0 pensamento de Marr vai ser imposto na URSS até bem depois de sua morte, até bem entrados os anos 1950. Essa situagdo de monopélio, aliada a meios de pressio considerdveis de que dispoe todo Estado forte, dificulta distinguir o que se elaborava teorica- mente fora do pensamento oficial: enquanto alguns ensinavam a nova teria lingtstica nas unive des, os que a criticavam arriscavam-se ai suas anilises a situagao lingi obstante, é preciso destacar o grupo de jovens pes- quisadores, cujo mais célebre representante é hoje Mikhail Bakhtin (1895-1975). Ha também entre cles Valentin Nicolaevitch Volochinov (1895-1930?) do qual conhecemos dois livros: O freudismo — uma critica marxista (1927) e Marxismo e filosofia da lin- guagem (1929). Nestas obras, ele desenvolve simul- taneamente uma critica a Saussure e uma critica a Freud, visto que falta a Freud uma teoria da lingua- a. Referéncia aos campos de trabalho forgados da Sibéria, para onde eram enviados os criticos do regime soviético [n. do. 20 ‘TA Pom UMA concERGKo SoctAt DA LINGUA gem e que Saussure nao soube ver que o signo lingiiistico ¢ o lugar da ideologia. Bakhtin nunca teve problemas efetivos com o regime e continuoua ensinar e a publicar suas obras, particularmente sobre Dostoievski, depois sobre Rabelais, enquanto Volochinov desaparecer nos ‘campos de trabalho forcado, sem diivida exatamen- te depois da publicagao de seu segundo livro. Mas ‘aqui comeca outra histéria: nos anos 1970, espalha- se um rumor segundo 0 qual nem Vol Medvedev (outro membro do grupo) teriam escrito ‘08 livros que tinham assinado; eles teriam empres- fado seu nome a seu “mestre”, para permitir-lhe publicar sem correr riscos... Na origem do rumor, fatos, as declaragoes de um tal Prof. V. V. y, retomadas na introducdo a tradugao francesa “de Marxismo efilosofia da linguagem, publicada sob o ‘Home de Bakhtin (seguido do nome de Volochinov “thle parénteses) e com algumas linhas de Roman mn avalizando a tese sem dar prova alguma’. ou falso, esse enredo é ao mesmo tempo ¢ confuso, Ele comeca por uma hipotese que de Bakhtin um “mestre” com discfpulos de sua idade e permite & URSS esconder a possibili- de que livros importantes e a partir de entio los tenham podido ser escritos por pessoas 7, Mikhail Bakhtine (V. N. Volochinov), Le marsi SOcIOLINGDISTICA: uM iNTRODUGKO eAirica ‘mortas em campos de trabalho forcado. Note-se que Volochinoy, que nada escrevera, segundo esse enre- do, é morto por nada escrever, enquanto Bakhtin, gue trabalhava na sombra, a despeito da imposicao do marrismo, pode depois vir & boca de cena. Nesse interim, a nova teoria li ica seria abandonada em circunstancias muito particulares, No comego do més de maio de 1950, tem no Pravda a publicagao de uma série de interve noes sobre a atualidade do pensamento de Marr e sobre © problema de saber se convinha trabalhar a partir de suas teorias, mesmo que alguns meses antes, ja- neiro para ser preciso, por ocasido do décimo quin- to aniversdrio da morte de Marr, tenha-se evocado a primazia de suas teorias. Em 20 de junho, Stalin em pessoa intervém longamente, na forma de res- Postas a perguntas, ¢ assim se encerra o debate. Suas conclusées podem ser resumidas em dois pontos: — allingua nao é uma superestrutura; — alingua nao tem cardter de classe. Mesmo que seus argumentos ndo sejam lé mui- to cientificos, seu peso politico faz. com que doravan- te a pagina seja virada sobre Nicolai Marr, b, Vera respe Didgrafos de Baht defendem a ateibsi 1998, Para uma exposicdo das teses Weedwood, Histéria concisa da lingitstica, Sto Paulo, Parabola, 2002 [n. do E.) 22 ‘A LUTA POR UMA CONCERGO SOCIAL OA LINGUA Na Franca, Marcel Cohen, especialista em lin- guas semiticas e membro do partido comunista, sat da essa intervengio*, Em seguida, Cohen pi uma obra® que mostra que o marxismo dali por dian- te aborda de modo muito diferente os problemas lingiiisticos: nao se trata mais de enquadrar os fatos da kingua numa moldura teérica preestabelecida, mas de langar sobre eles uma olhar sociolégico marxista. ‘bem verdade que as teorias de Marr nunca tinham ‘sido levadas a sério: A. Sauvageot vinha criticando-as desde 1935, M. Cohen guardara a respeito delas um cio prudente, ¢ os lingiiistas franceses estavam 0 mais marcados por Meillet que por Marr. ‘A intervencao de Stalin, que teria desbloquea- ‘4 sittiacao, era, j4 vimos, muito mais politica que tica. Haverd, porém, um pais no qual seu texto fl considerado uma base tedrica para a pesquisa: 4 China. Para concluir este ponto, e para 0 Wiedotirio hist6rico, é preciso destacar que em ou- © © novembro de 1974, uma delegacdo de americanos (entre os quais estavam Charles ¢ William Laboy) visita a Republica Po- China e encontra numerosos colegas chi- “1h Une legon de marxisme a propos delinguistique, La Pensée, We oh 10 de 1950. Mateel Cohen, Pour une sociologie du langage, Paris, Albin sso, ver Daniel Baggioni, Contribution a'histoire tle Théorie du Langage” en France, in Langages, n. ww? 23 SOcIOLINGDIsrICA: UMA intRoDUGKO eRITICA neses. Desse encontro surgird uma obra coletiva"' na qual se abordam diferentes assuntos: a reforma da lingua, o ensino de linguas estrangeiras, as lin- guas das minorias, a lexicografia etc. O capitulo que deveria ter sido o mais interessante, desde nosso pon- to de vista, refere-se a teoria da sua leitura no nos ensina grand cacao do marxismo-leninismo a lingii NOs nos mostra que a delegacdo americana estava teoricamente desarmada diante de seus interlocu- tores. Realmente ela se contenta em registrar algu- mas provas: que a referencia suprema é 0 texto de Stilin de que falamos acima, que a lingiiistica, como todas as outras ciéncias, deve servir a politica prole- tdria, que 0 vocabulério muda mais rapidamente que asintaxe etc. Por fim, para concluir, ela destaca que se € potico provavel que a China pode contribuir para o progresso da lingiiistica tedrica, da neurolin- giiistica ou da lingiiistica histérica, ela obteve, por outro lado, notiveis resultados no que diz respeito a padronizagao do putonghua (a lingua of i acdo dos caracteres e ao ensino das linguas das minorias. E claro que a auséncia de dimensio critica deve-se em parte & redagdo coletiva da obra (que nao teve um s6 capitulo assinado) e é preciso sem dtivida considerar esse texto como produto de uum compromisso assumido, O fato é que em nenhu- Language and Linguistics 1, University oF Texas Press, ‘htuTa Pom uMa concergKo SociAL DA LINGUA ma parte aparece o minimo embrido de discussao, porque a sociolingiiistica nascente nos Estados Uni- dos nao tem verdadeiramente uma teoria e porque a vaga idéia segundo a qual a sociolingiiistica deve estudar as relagGes entre a lingua ¢ a sociedade nao suficiente o bastante para dar inicio a um debate com um discurso que certamente procede sobretu- lo do dogmatismo, mas diz ao fim e a0 cabo um pouuco a mesma coisa. Em 1974, os lingitistas ame- ricanos estio desarmados diante do dogmatismo ‘marxista-leninista, porque eles nao tém teoria, nao ‘thin bases socioldgicas sobre as quais se apoiar, ¢ “essa Segue sendo a caracteristica da época na qual a lingitistica faz sua aparicao. ‘Mas essas avatares tragicOmicos nao devem mas- ‘principal: nao pode haver sociolingiiistica sem ese a tentativa soviética nao foi em nada da resolugao de Stalin, s6 poderia fazer recuar de vista sociolégico na lingiistica serd nas pesquisas pul e que a sociolingtifstica moderna vai essencial- '#e manifestar. Basil Bernstein, especialista ‘ein Sociologia da educagdo, seré o primeiro a ‘eonsideragiio, ao mesmo tempo, as produ- is reais (0 que era feito em peque- 25 SOCIOLINGOSsICA: UMA WRODUGRO cRicA nissima escala pelos autores inspirados no marxis- mo) ea situagao soci logica dos falantes. Ele parti- 1 da constatagdo de que as criancas da classe ope- réria apresentam uma taxa de fracasso escolar mui- to maior que as criangas das classes abastadas. Ele passa entio a analisar as produgées lingiiisticas das criangas ¢ a definir dois e6digos: o cédigo restrito, 0 tinico que as criangas dos meios desfavorecidos do- minam, ¢ 0 cédigo elahorado, dominado pelas crian- gas das classes favorecidas, que dominam também 0 cédigo restrito. O exemplo mais conhecido, e 0 mais expressivo, destes cédigos é uma experiéncia Que consiste em pedir as criangas que descrevam ‘uma histéria em quadrinhos sem texto, As criancas provindas dos meios desfavorecidos vao produzir um texto quase sem sentido sem 0 suporte das ima- gens: “Eles jogam futebol, ele chuta, quebra a vidra- ga ete.”, enquanto as criangas safdas de meios favo- recidos vao produzir um texto auténomo: “Meni- nos jogam futebol, um deles chuta, a bola atravessa a janela e quebra uma vidraga ete.” Os dois eédigos se distinguem ainda do ponto de vista das formas gramaticais. O codigo restrito se caracteriza por frases breves, sem subordinacao, bem como por um vocabulério limitado, e seus fa- lantes véem-se fortemente defasados em seu apren- dizado e em sua visdo de mundo. Em seus trabalhos, incessantemente retoma- dos ¢ esclarecidos, Bernstein esta especialmente 26 ‘huts POR UMA cONcERGKo SOCIAL DA UincUA de légica e de semanti- yreocurpado com problemas : BR Re eestprincpal 6 dorques aprocdizado’o'e socializacao sio marcados pela famil De uma perspectiva socioldgica, Bernstein est fortemente marcado por Em Durkheim: “Em certo sentido, os conceitos de e6di- f0 restrito ¢ de cédigo elaborado tem origem nas uas formas de solidariedade distinguidas por Durkheim”, Suas primeiras publicagées (essencial- mte artigos) foram inicialmente recebidas de ppositivo, pois era a primeira vez que se tenta- ‘uma descrigdo da diferenca I partindo da ferenga social. Mas, poueo a pouco, passar-se-i a estar primeiramente sta oposigao bindria en- ‘lois cédigos (nao se trataria mais propriamente ‘um continuum?) e depois seus conceitos lin- . Foi sobretudo William Labov, ao pesquisar dos negros americanos, que desenvolveu es- criticas, mostrando que Bernstein nao descre- jramente c6digos, mas sobretudo estilos, -nilo apresentava nenhuma teoria descritiva: se trata de descrever o que realmente se- falantes da middle class dos falantes da lass, somos expostos a uma proliferagao de passivas, de modais ¢ auxiliares, de ‘Wail Bernstein, Langage et classes sociales, Paris, Ed. de p06 SOCIOLINGUIsTICA: UMA weTRODUGKO cRlTICA Pronomes de primeira pessoa, de termos raros etc, Mas do que se trata, senao de limites ..| Prestare- ‘mos a nds mesmos um grande servico quando che- garmos enfim a distinguir no estilo da middle class © que é questao de moda eo que realmente ajuda a exprimir suas idéias com clareza”", Bernstein por certo responders a essas criticas (particularmente no posficio a Linguagem e classes sociais), mas suas teses terdo cada vez menos eco na comunidade dos lingiiistas ¢ hoje ele é bem pouco citado e utilizado, E contudo ele significou uma vi- rada na histéria da sociolingiiistica: Bernstein foi uma espécie de catalisador, de acelerador na lenta Progresso rumo a uma concepgio social da lingua, © 0 fato de suas teses terem sido depois rejeitadas em nada diminui o papel que ele desempenhou', 4. William Bright: uma tentativa de sintese De Ia 13 de maio de 1964, por iniciativa de William Bright, 25 pesquisadores se reuniram em Los Angeles para uma conferéncia sobre a sociolingitistica. 8 eram da UCLA, a universidade que organizava a conferéncia, 15 outros eram ame- ricanos e s6 2 participantes vinham de outro pais (a 13, William Labov, Le parler ordinaive, t. 1, Pati, Ed de 78, p. 136, Minuit, © O leitor brasileiro dispde de uma discussio das teses de Bernstein na obra de Magda Soares, Linguagem eescala: uma pers- pectiva social, Sao Paulo, Atica, 1985 [n. do E.) 28 A.LUTA POR UMA CONCERGKO SOCIAL DA LINGUA Tugoslavia), mas estavam temporariamente na UCLA. 13 dentre eles apresentaram comunicagdes: Henry Hoenigswald, John Gumperz, Einar Haugen, Raven McDavid Jr, William Labov, Dell Hymes, John Fisher, William Samarin, Paul Friedrich, Andrée Sjoberg, José Pedro Rona, Gerald Kelley e Charles Ferguson. Os temas abordados eram variadi ‘etnologia da variagao lingitistica (Gumpers ;), a plani- de variagdo (Labov), as linguas v Gnas Kelley), 0 desenvolvimento de sistemas de (Sjoberg), a equagao de situagoes: sociolingtis- dos Estados (Ferguson)... ¢ os referenciais ted- nio eram menos variados. , 2 William Bright, que se encarregaré da publica- das atas, tenta em sua i Seus estudos, ele acrescenta, dizem res- iis relagdes entre linguagem e sociedade, mas definigao é vaga, c ele entio esclarece que “uma n tarefas da sociolingtiistica é mostrar que ou a diversidade nio ¢ livre, mas que é Ais diferencas sociais sistematicas”*. El ‘entio elaborar uma lista das “dimens6 ica, afirmando que em cada interse- ‘oul mais dessas dimensoes se encontra de estudo para a sociolingiiistica. As trés SOCIOLINGOISTICR: UMA INTRODUGKO ERinicA Primeiras dessas dimensdes aparecem em resposta 4 uma pergunta: quais so os fatores que condicio- nam a diversidade lingiifstica? E ele distingue trés fatores principais: a identidade social do falante, a identidade social do destinatario e o exto, situ- ando-se assim no marco de uma andlise lingiiistica que tomou emprestadas nogdes-chave da teoria da comunicacao (emissor, receptor, contexto). As qua- tro dimensdes seguintes sao para ele: = a oposigio sincronia/diacronia; 08 usoslingii E ele conclufa: “Parece provavel que a sociolin- siifstica entre em uma era de rapido desenvolvimen. to; podemos esperar que a lingiistica, a sociologia e a antropologia venham a sentir seus efeitos”"s. Este texto tem, especialmente hoje, um valor hi torico: 0 encontro de maio de 1964 marca, com efeito, o nas- cimento da so siiistica que se afirma contra outro modo de fazer lingiistica, o modo de Chomsky e da gramética gerativa’®, Mas Bright s6 pode conce- 15. Idem, ibidem, p. 15, 16. Lowis:Jean Calvet, Aux origines dela sociol la conférence de sociolingusitique de !UCLA (196 et societé, n. 88, junho de 1999. 3k ‘WTA POR UMA cONCEREKO SOCIAL DA LINGUA era sociolingiiistica como uma abordagem anexa dos fatos de lingua, que vem complementar a lingiiistica outa sociologia e a antropologia. E essa subordinagao ‘que vai pouco a pouco desaparecer com Labov. Labov: a sociolingiiistica é a lingiiistica _ Vimos Meillet nao demorou a se opor as da lingistica propostas por Ferdinand mou acerca disso e, numa nota, a! ia eccttinicas de seu predecessor e os Tingiiistica saussuriana: “Meillet, contempo- Saussure, pensava que o século XX veria a de um procedimento de explicagai ; sobre 0 exame da variagao lingiiistica ‘inserida nas transformagGes sociais (1921). los de Saussure, como Martinet (1961), essa concepeao, insistindo for- i tica se limitasse ailids, eles estavam seguindo o espirito saussuriano, Com efeito, um exame dlos escritos de Saussure mostra que, ‘social’ significa simplesmente ‘pluri- ‘sugerindo da interagao social sob E adiante, depois de ter apresentado exemplos fonol6gicos da influéncia negra sobre o falar de Nova York, Labov conelui com um retorno a Meillet: “Es- Ses exemplos dio peso ao que Meillet afirmava, quue © preciso buscar a explicagao da irregularidade das Variades lingtifsticas nas flutuagbes da composicao social da comunidade lingiiisti Quando, em 1966, Labov p Sobre a estratificagio social do /t/ nas grandes lojas de departamento nova-iong um manifesto, pode-se ver idéias de Meillet. Encontra-se 0 mo tom desde o titulo do capitulo 8 de Sociolingui: itterns, “Es- tudo da lingua em seu contexto social , € uma pas- sagem mostra claramente o lago que une Labov a Meillet: “Para.nds, nosso objeto de estudo é a estrutu- Tae a evolucao da linguagem no seio do contexto social formado pela comunidade lingiifstica. Os assuntos considerados provém do campo normalmente chama, ica geral’: fonologia, morfologia, sintaxe ¢ Se nao fosse necessirio destacar o con- te trabalho e o estudo da linguagem fora de todo contexto social, eu diria de bom grado que se ‘rata simplesmente de lingitfstica®, Henry Boyer, em tum livro de apresentagao da sociolingitistica, quali- fica esta afirmagao de “polémica™. Contudo nao uma retomada das 425, 19. Idem, ibidem, p. 258. 20. Henry Boyer, Elénents de ociolinguistiqu, Paris, Dunod, 1991, p. 5. 32 ‘A Wura Pon uma coNcengRo SOCIAL DA LINGUA ‘adicaliza Meillet levando a sério até o fim a definicao ‘da lingua como fato social, mas a comparagao para ‘aqui. Meillet, comparatista de alto nfvel, trabalhou so- com linguas mortas, enquanto Labov traba- continuamente com situagdes contemporaneas r enfrenta problemas de metodologia da pes- ‘em suma, constréi um instrumento de deseri- tenta ultrapassar, integrando-os, os mé da lingiistica estrutural (ver cap. ‘pesquisas nascerd a corrente conhecida pelo w de “lingtiistica variacionista’, 70 vio constituir uma virada, Ve- Rares publicadas revistas ou colet- Banos tetris explictamen ire mais e mais - Se Pace consideradas definitivas. ein 1972, Pier Paolo Giglioli que publica ‘ani Social Context, obra na qual encon- os tomes de Joshua Fishman, Erving ‘Volo Giglioli, Language and Social Context, Midld,, Penguin Books, 1972. » William Labov, John Gumperz, Charles Ferguson ete. Os textos seleciona- dos jd tinham sido todos publicados (entre 1963 ¢ 1971) de modo isolado, mas esse Teagrupamento, apés a obra de Bright, é 0 indicador de uma nova corrente na lingiifstica. No mesmo ano, a mesma editora publicava Sociolinguistics, outra seleta de artigos organizados por J. B. Pride e Janet Holmes, na qual encontramos, entre outras, contribuigdes de Joshua Fishman, Einar Haugen, Charles Ferguson, William Laboy, John Gumperz ete. Dois anos mais tarde, era publicado um pequeno livro de Peter ‘Trudgill, Sociolinguistics, an Introduction, que fazia uma avaliagao do estado da ciéncia, dando numero- sos exemplos de pesquisas concretas®. No mesmo ano, na Franga, era publicada uma Introduction a la sociolinguistique que resumia essencialmente diferen- tes teorias e concedia amplo espago a abordagem marxista da lingua’, Para falar das tevistas, indi- quemos Language in Society, que comeca a circular em 1972, depois o International Journal of the Sociology of Language, a partir de 1974... e essa ati- vidade em varias frentes é um indicador irrefutdvel de mudanga: a uta por uma “concepedo social da lingua” esté em vias de se concretizar. 22.J.B, Pride, J. Holmes, Sociolinguistics, Harmondsworth, Midd, Penguin Boo! 23, Peter Trudgill, Sociolingusitics, an Introduction, Harmondsworth, Midd., Penguin Books, 1974, 24. i llesi, Bernard Gardin, Introduction tique, la Linguistique sociale, Paris, Larousse, 1974, CAPITULO II LINGUAS EM CONTATO "Hii na superficie do globo entre 4.000 e 5.000 jas diferentes e cerca de 150 paises, Um cal- continuamente. O plurilingiiismo faz e as linguas estejam constantem © lugar desses contatos pode ser | (ilingie, ou em situacao de aquisieao) ou a ladle, Bo resultado dos contat interferéncia designa um remane- ide estruturas resultante da introdugao de igeiros nos campos mais fortemen- os da lingua, como 0 conjunto do 35 SOCIOLINGUISTICA: UMA IxrRODUGKO enFTiCA sistema fonoldgico, uma grande parte da morfologia € da sintaxe e algumas reas do vocabulério (pa- Tentesco, cor, tempo etc.)”!, Assim Uriel Weinrich definia em 1953 a in- terferéncia, em seu livro, Languages in Contact. Se esta obra marcou ¢ se ainda hoje é lida, mais de quarenta anos depois de sua publicacao, é porque ela foi a primeira a ir direto a0 ponto, com pers- Picdcia e profundidade, dos problemas do bilingiii mo. Mas a definicio que acabamos de citar, que poderia se aplicar ao problema das linguas em con- tato na sociedade, sé ser utilizada por Weinrich em referéncia ao individuo bilingiie, Ele considera- va que as linguas estavam em contato quando eram utilizadas alternadamente pela mesma Pessoa. Podemos distinguir trés tipos de interferén- ia: as interferéncias fonicas, as interferéncias sin- taticas ¢ as interferéncias lexicais. O quadro ao lado, emprestado de Weinrich, apresenta os fonemas de um dialeto alemanico falado na aldeia de Thusis (schwyzertiitsch) e de uma variedade do romanche falada na aldeia de Feldis (essas duas aldeias se encontram nos Grisées, na Suiga)?, 1. Uriel Weinrich, Languages in Contact, New York, 1953, republicado por Mouton, Haia, 1963, 2. Weinrich, Languages in Contact, p. 15, 36 INTERFERENCIA FONICA Romanche Schwyzertiitsch (Felais) (Thasis) osigéio entre vogais breves e vogais lon- ertiitsch levanta problemas, porque s vogais sao longas em certos con- es em outros. Disso resulta, de um es entre algumas palavras ¢, de ou- ptaque” romanche em schwyzertiitsch. os um exemplo semelhante na difi- os brasileiros podem ter para realizar sheet e shit etc. sintéticas consistem em or- de uma frase em determinada 37 Soclouinedstica: uma wtRoDUGKO enirica lingua B segundo a estrutura da primeira lingua A. E como um italianéfono produzir em francés, i modelo corrente de frases como vienne em chuva”) ou swona il telefono (“toca frases como sonne le téléphone!, No campo lexical, as interferéncias mais sim- ples séo as que consistem em cair na armadilha dos falsos cognatos, quando um inglés, por exem- plo, utiliza em francés o termo instance com o sentido de “exemplo” que ele tem em sua lingua, Podem-se também encontrar tradugGes literais: estar direito entre os Portugueses dos Estados Unidos traduzindo diretamente o inglés to he right, “estar certo, ter razo”. Ou ainda criagdes em uma lingua calcadas no modelo de outro: o francés do Quebec esti cheio de exemplos desse tipo, como vivoir para “sala de estar” (ingles: livi Mas a interferéncia lexical é mais freqiiente quan. do as duas linguas nao organizam do mesmo modo 4 experiencia vivida, Encontram-se, por exemplo, no francés da Africa um uso do verbo gagner de sentido muito amplo (“ganhar”, mas também “ter”, si acepeao calcada no modelo de algumas Hinguas africanas que tém apenas um verbo para 4. Ao contrério do portugués ¢ do italiano, o francés nao admite normalmente a inversio da ordem sujeito-verbo, Por isso, ‘sonme le téléphone, com 0 verbo antes do sujeito, causa estrarihers Para um falante nativo de francés [n, do LUncuas eM conraTo Ges. Dessa forma, uma frase como Ma rons octeeaos = filho e no que ganhou em alguma loteria... Levada ao limite de sua légica, a iets lexical yroduzir 0 empréstimo: mais que u" es lingua um equivalente um termo outra lingua dificil de encontrar, utiliza-se direta- nte essa palavra adaptando-a & propria pronin- Contrariamente a interferéncia, fendmeno indi- ‘0 empréstimo é um fendmeno coletivo: todas tomaram empréstimos de linguas prdxi- |, por vezes de forma massiva (é 0 caso do inglés ndo ao francés grande parte de seu vocabu- ‘t1ponto de se poder assistir, em contrapartida, Ges de nacionalismo lingiiistico. Como, por ‘io Quebec ¢, em certa medida na Franca ‘Brasil, onde se desenvolveu um movimento Juta contra os empréstimos. Voltaremos a 0 no tiltimo capitulo deste livro*. smo suscita evidentemente um ite, quando um falante se encon- i" Portugués brasileiro, também se usa 0 font ho Brasil, of, Carlos Alberto Faraco (org), IDFA ra de lage [Catone pone Pardbola Editorial, 2001 [n. do T.) S0cIOLINGOISTICA: UMA WHTRODUGKO ERfricA tra numa comunidade cuja lingua ele nao conhe- ce. Temos aqui dois casos tipicos: pode se tratar de uma pessoa que esti de passagem (um turista, por exemplo), que tentaré entao lancar mao de uma terceira lingua que tanto ele como a comunidade em que se encontra conhegam. Neste caso, ele se vale do que se chama uma lingua veicular, nogio & qual retornaremos adiante. Mas pode se tratar também de uma pessoa que tem a intengéo de Permanecer naquela comunidade, sendo-the, por isso, necessério, para se assimi lar, adquirir a lin- gua da comunidade de acolhida. Esta € a situagao na qual se encontram os trabalhadores migrantes, que chegam a seu pais de acolhida sem conhecer, ou sabendo bem pouco a lingua. Eles so forgados a adquirir essa lingua no ambiente de trabalho, interessante analisar esse tipo de aquisicao, Veja- mos a seguir um curto excerto de conversacao com um imigrante espanhol em Paris que exemplifica claramente o fendmeno: — Vous l'aviez connue avant de venir en France? — Ab non! Mais non, c’est porque yo habia metté une annonce sur un, journal Figaro, y elle me va escrir, Et ma une otra petite qui travaille & Paris va me mener’. ‘Temos aqui uma aproximagdo do francés, cujas caracteristicas mostram bem a origem lin- giiistica da falante: 3, Christine de Heredia, Le francais parlé des migrants, Feause francais, non, Pati, La Découverte, 1983, p. 101 40 — termos espanhdis no texto “francés”: porque em vex le pourquoioira em verde autre; aici produzidos por uma interferén- © cinentre as das kinguas: srr em ve de érire (em cespanhol é escri : rmisturas sintiticas: yo habia metté em vex de j'avai mis, onde encontramos ao mesmo tempo um segmnen- tocespanhol e um mau uso do participio passado ir- regular do verbo mettre etc. i ém pensar que essa situacgao im- cs an individuo, mas um grupo . ‘confrontado com outro grupo cuja lingua ele © que, por sua vez, também niio fala a sua. ha uma terceira lingua disponivel, ; tém necessidade de se comunicar, eles tar para si outra forma de lingua aproxi- geralmente uma lingua mista. Por isso se ‘0 século XIX, nos portos do = a , forma lingitstica basea- i Be aouléio que também imos as outras linguas do contorno |. Moliére, em O burgués Fidel see recriou assagem em Lingua fran- Beenie do sabir tal qual fala- do Mediterraneo, mas podemos ‘seu exemplo as caracteristicas de Ainglifsticas: nelas os pronomes si0 ‘ya 86 forma (ti para “tu” e “ti”) € os todos no infinitivo: SOCIOLINGGisTica: Uma HeTRODUGAO cRiTiCA Texto de Moliére Se ti sabir ‘Ti respondir Tradugao Se sabes Respondas Se nao sabes Cala-te Sou Mufti ‘Tu, quem és? Se nao compreendes Cala-te Estas formas, chamadas de sabirs, slo origi- nalmente utilizadas entre comunidades que nao tem lingua comum, mas que mantém, por exem. plo, relagdes comerciais, Trata-se de uum sistema extremamente restrito: algumas estruturas sintati- case um vocabulario limitado as necessidades de comunicagao imediata. Quando essas formas co- brem necessidades de comunicagao mais amplas seu sistema sintdtico se torna mais desenvolvido, fala-se de pidgins, cujo primeiro exemplo & o in. slés pidgin que se desenvolveu nos contatos co. merciais entre ingleses e chineses ao longo da costa do mar da China, tomando 0 vocabuldrio empres- tado ao inglés € sua sintaxe ao chinés (a origem do termo pidgin seria, alids, a deformagao do termo inglés Iusiness, 0 que indicaria bem a funcdo so. cial dessa forma lingiistica), Essas formas aproxi- mativas, ao contrério das formas individuais que evocamos acima nas situagdes de aquisigao, geral- mente io estéo destinadas a evoluir para uma pratica da lingua melhorada, Elas sdo simplesmen- te auxiliares utilizadas em uma situagao de contato, 42 Misturas de linguas, alternancias de cédigo e estratégias lingiiisticas Quando um individuo se confronta com duas guas que utiliza vez ou outta, pode ocorrer que das se misturem em seu discurso e que ele produ- “bilingiies”, Aqui nao se trata mais mas, podemos dizer, de colagem, e passagem em um ponto do discurso de uma ‘a outra, chamada de mistura de linguas (a do inglés code mixing) ou de alternancia de eéiligo (com base no inglés code switching), segun- ‘a mudanga de lingua se produza durante uma a frase ou se dé na passagem de uma frase a -a, Vejamos um primeiro exemplo, extraido de ‘conversa entre mulheres espanholas vivendo 1a Suiga, em Neuchatel: “Ahora, con cabronas de por ielos en lo alto de la en lo alto de ‘mesa de la oficina; sin explicacién y sin na! Ca pas ou quoi? Por quién se toma este imbecil apesta a vaca, eh? Y subo y digo, dice: bueno, vais voir si je trouve, je monte tout de suite”. ‘A insercao de segmentos em francés (ca vas ‘quoi?, je vais voir si je trouve, je monte tout de suite) em um discurso em espanhol testemunha a situagao de contato de linguas em que se ntra a falante constitui, segundo o autor, 0 bilingiie”, uma mescla de linguas, na verda- 4. Jean-Francois de Pietro, Vers une typologie des situations contacts linguistiques, Langage t Societé n. 43, margo de 1988. 43 SOctoumadisica: una intRoDUGxo eatrica de, que € certamente comum as duas essoas: as duas so espanholas, as duas trabalham em um Contexto franc6fono e a alternancia entre uma lin- do em outra lingua, ou como modo de ancorar 0 discurso na realidade a qual ele se refere: nao ha, aqui, estratégia particular. A alternancia de cédigo ou a mistura d Suas podem responder a estratégias conver: nais, fazer sentido, Vejamos um exemplo de con- versagdo em uma familia de origem italiana viven. do no Canada angléfono. Os pais Nasceram na Ttihia, os quatro filhos nasceram no Canadd ¢ uma dentre eles, uma filha, estd na Franga estudando, Toda a familia the envia uma espécie de carta oral, Sravagdo numa fita cassete de uma conversa cole. tiva dirigida a filha/irma ausente: Irma cacula ~E goes, “oh those Marines, dangero Irmdo ~ Yup; Stay avay from mains tut soldat (rss). Irma cagula — E tut i soldat (risos) Pui ~E mit sendemind nde, Irma cagula ~ Ab! Ok (irmao: rise). Pai - E nen fala Stupet la ma’Em ala fran’g pe faa devend’da kju smart envEc a'pu/,. Anh, ‘Trmé cagula ~ Fa kju Stupet, Pai~ An (kj) kev ala skolekju se devendEm le kos bon’ 5. Elena Silvestri, Choix de langues et ries dscursife dans $000, reation familialeitalo-canadienne, Plurilinguismes,n, 1 1990, pp. 75-90, 44 ee ito, trechos em italiano em itlico) Irma cacula ~ Ble esta dizendo: oh, esses “marines” eermaa - Ve la evita “os marines tds cs soldades” (1). "Temi cagula todos os soldados (rsos) Pai-Sejaesperta, no... a = ! (irmdo: rises). ; ee ene Nésmandamos la pra Fran Hisar nailer des tae a alates vai a escola, mais coisas hoas pode ser. ‘itando, em ‘Vemos que a irma cagula comeca citando, ase que o pai proferiu em italiano In pronuncia a palavea perigosos com 0 so- Htaliano do pai). O irmao encadeia em in- ita a frase do pai em italiano, frase que aa toma, sempre em italiano. Duran- Monversacdo o pai s6 fala italiano, mas fem seu discurso um termo inglés (smart) S ‘comportamento, a alternancia corre ito, a uma estratégia. Ae is outro exemplo de alterancia de o6di ‘ao que se chama de negociagao interagao®. Na cidade de Montreal in Mon tations of Language Choice in Peep Soll eng, Caribe, Press, 1982, pp. 108-118. 45 S0CioLINGUIstICA: UMA ierRODUGKO cnitica (Quebec), majoritariamente franccfona, 0 inglés esta em tal progressio que os francéfonos se de. fendem com uma verdadeira bateria de leis lin. Siisticas. Uma das conseqiiéncias dessas leis é que a administragao deve ser bilingtie, e a situacao 6 ‘0 complexa e tao critica que o autor observa que comprar um par de meias se tornou um ato poli- tico... E imprescindivel escolher a lingua de comu- nicagao sem impor ao outro a lingua que ele nao fala ou nao quer falar, O exemplo abaixo € uma conversa telefonica entre a telefonista do servico de marcagao de con- Sultas de um hospital ¢ uma paciente: Telefonista — Central Booking, may Thelp you? Paciente ~ Oui, allé?! Telefonista - Bureau de renseignement, est-ce que je peux vous aider? Paciente ~ (passa a falar francés) Telefonista ~ (permanece falando francés) Paciente — (passa a falar ingles) Telefonista ~ (em inglés) Paciente (volta ao francés) Telefonista ~ (em francés) Paciente - Btes vous francaise ou anglaise? Telefonista - N’ importe, jsuis ni Pune ni Vautre. Paciente ~ Mais... Telefonista ~ Ga ne fait rien, (A comunicagéo continua em francés), Os comentiitios de Monica Heller a esta con- versagio podem ser assim resumidos: 46 Limeuas ew coxraTo tes do prova = durante toda a See iy a ‘oui, allo”), a paciente id inglés ou Francés” rere sista dria eoponde “Sin” “Um pouguino™ ou peti yciente aa falar deve snd dir para ser subst itn Gut eaene gion copatzet mente atende o telefone falando inglés); res ateefoitaescole sei a pret em francs ecient, ndo satis, pasa a0 ings po fin pergunta telefonita que lingua €a dla, A tee nista se recusa (em frances) a tesponder, ea conver sasegue em francés. Assim termina a nepociacdo,¢a escolha de uma das linguas significa que a paciente fexo xpi pd de flr nel qu sell nist avalia falar um francs suicientemente bom. ‘A conversagio pode entio prosseguir. imo caso, ao contririo, a comunica- ain antes que a negociagio gere um conyersa foi gravada no bar de um Greta. Um héspede (que falava francés ‘no momento em que chega 0 dirige ao gargom em grego: = Kaanottepa (“Boa tarde”). the responde em francés, ¢ as res- valternar grego e fran ~ es pesiar (“Boa tarde, senhor”). ar SOcIOUNGDISTICA: uA INTRODUGKO CRiTiCA Héspede -Exete OuCo? (“O senhor tem ouzo?”). Garcom - De l’ouzo, bien sir monsieur (“Ouzo... temos sim, senhor”). Héspede ~ 81a outa, mapaKado (“dois ouzo, Por favor” com um erro de grego: dia em vez, de dio). Gargom - 510? (“dois?”: 0 garcom repete o adjetivo numeral em sua forma correta). Hospede - Nau, 810 (“sim, doi aceitou a corregao). Garcom ~ Tout de suite monsieur (“Agora mesmo, senhor”) Esta interago pode parecer paradoxal, pois durante seu desenrolar cada um fala, até o fim, a lingua do outro (0 grego s6 intervém em grego uma vez, para corrigir um erro cometido pelo héspede). Temos aqui um exemplo quase caricatural de alternancia de cédigo. A interagao é muito curta para que se possa julgar a capacidade de cada um dos interlocutores de avancar em uma conversagéo em uma ou outra das Iinguas. Mas fica claro que o garcom quer mostrar sua compe- téncia “profissional” em francés e que o hdspede insiste em mostrar que pode falar grego. Por isso, quando ele diz Exete Oufo?, nao esta simples- mente perguntando se ha ouzo (certamente hd; 0 ouzo é simplesmente a bebida nacional da Grécia...), ele mostra ao mesmo tempo que pode fazer essa pergunta em grego (apesar de saber muito bem que em um bar de um hotel internacional o gargom com- preenderd francés ou inglés). Por sua vez, 0 gargom héspede 48 poderia contentar-se com um didlogo em grego: ele compreende perfeitamente 0 que Ihe diz, o héspede, ‘segundo suas respostas. Mas, ao responder & per- gunta citada acima: “De V'ouz0, bien stir monsicur”, ele diz que ha ouzo, certamente (0 que é evidente), ‘mas demonstra ao mesmo tempo que compreendex (© grego do héspede ¢ indica sobretudo que identifi- ‘cou o sotaque francés do héspede e que prefere falar mncés ou se recusa a falar grego. gt! ssa curta seqiiéncia, ocorrem muit i a que 0 aac pedido de duas bebidas: de- ‘um conflito de papéis quanto a escolha da de intercdmbio, ¢ o intercambio chega ao fim que nenhum dos interlocutores recue. Contudo, ninguém vencendo, 0 gargom marcou um 0 simbélico ao corrigir um erro de grego do ao nao cometer nenhum erro se francés. jamos agora uma iiltima situagdo de comu- eee um coléquio sobre a lingua ga, reunido na primavera de 1991 em uma cida- ha da Galiza, do qual participavam, além de ‘cingiienta participantes galegos, quatro convi- los estrangeiros: rimeira Lingua flamenga, mas fakante i eee Miikelc, ages oespiind ‘e praticante de uma “aproximacio do galego”, valen- do-se da forma fonetica de seu espanol e produzindo algo como um espanhol promunciado & portuguesa; ‘um francés 1 que sé falava franeé ‘um francés 2 que falava espanh Jum italiano que falava francés 49 SOCIOLINGDISTICA: DMA INTRODUGAO CRITICA Os quatro convidados falavam francés entre si, No quadro do coléquio, os galegos s6 falavam 0, belga falava sua “aproximacao do gale- 0”, os trés outros falavam francés, Mas fora do coldquio, nos cafés ou restaurantes, as coisas eram ferentes. O francés 1 falava francés, sua lingua, e todo mundo the falava em francés. Os galegos, de acordo com seu dominio do fran. cés, falavam francés ou espanhol com os outros trés convidados estrangeiros, o francés 2 e o italia- no falavam espanhol ou francés com os galegos, francés ou, &s vezes, italiano entre si, 0 belga fa. lava igualmente francés ou espanhol (reservando sua “aproximagao do galego” para as situagdes formais do coléquio). Isto significa que tinhamos ali comportamentos lingiiisticos ditados seja pela necessidade (falar a tinica lingua que se domina: é © caso do francés 1), seja por estratégias mais complexas: para os galegos, recusar-se a falar espa- nhol no colquio configurava uma demonstragao de suas posigdes politicas (todos eles eram mili- tantes de sua lingua), e, para o belga, falar sua aproximacao do galego era uma manifestacao de sett apoio & causa dos galegos (alo a lingua de vocés, estou de seu lado). Misturas de linguas e alterndncias de eédigo podem ter, portanto, fungdes diversas, No exem- inadense, tratava-se de zombar docemen- comum acordo qual seria a lingua da interaga 50 LUoUas eM conTATO ‘exemplo grego, cada um queria provar sua compe- téncia na lingua do outro etc. Mas em todos os ‘casos, 0 contato das linguas produz situacdes nas quais a passagem de uma lingua a outra reveste ignificacdo social. A telefonista e a paciente por fim, a um acordo (implicito), 0 hés- do hotel e 0 gargom nao chegam a acordo n, os participantes galegos do coléquio im- sua lingua aos convi A comunicagao se produz a despeito do ingiiismo, ou sobretudo sob a forma de ad- stracao do plurilingiiismo. Mas o bilingiiismo nem sempre é tao harmonioso. Ele pode ém ser conflituoso. laboratorio crioulo O contato entre Iinguas nio produz apenas neias, alternancias e estratégias. Ele gera do um problema de comunicagao social. Vi- tipo de resposta a esse problema sob a caracteristica nao ser a primeira lingua m, Mas algumas situagdes sociolégicas que as Iinguas primeiras percam a efi- inicacional, quando as populagoes estao ‘misturadas que ninguém fala a lingua por exemplo, o que se produziu nos jontos de escravos da Africa para as ilhas: sl SOCIOLINGOISTICA: UMA iNtRODUGHO enITICA de origens diferentes, misturados nas plantacées, 0s negros néo podiam se comunicar em suas | guas primeiras e tiveram de criar para si um: gua aproximativa, um pidgin, © modo de emergéncia dos crioulos, ligada ao comércio triangular e ao trafico de escravos, é ainda objeto de discussdo na comunidade cientifi- ca, Com efeito, nem todos os lingiiistas estdo de acordo sobre a origem dos pi (@uas hipoteses se opdem, a hipdtese monogenética € a hipotese poligenética) e sobre seus processos de formagao. Para alguns, um crioulo é um pidgin que se tornou lingua veicular (isto é, a lingua primeira de uma comunidade), tendo um léxico muito mais ampliado, uma sintaxe mais elaborada © campos de uso variados. O crioulo se caracteri- zaria entdo por um vocabulério emprestado a uma Iingua dominante, a dos plantadores, e uma sinta- xe fundada sobre a sintaxe das linguas africanas. Outros enfatizam que nenhuma descrigao péde provar verdadeiramente as relagdes entre a gramd- tica dos crioulos e as das linguas africanas e se inclinam especialmente para a hipétese de uma aproximacao de aproximacéo. Ea tese de Robert Chaudenson, Baseando-se especialmente no crioulo da ilha da Reuniao, defende, com argumentos con- vincentes, que num primeiro tempo os escravos, pouco numerosos e vivendo relativamente perto de seus senhores, adquiriram um francés sumério (“uma aproximagao do francés”) e que, num segundo tem- 52 po, com a multiplicagao do mimero de escravos, os recém-chegados aprenderam o “francés” com os ‘esctavos mais antigos (adquirindo assim “uma apro- ‘ximagio da aproximacio”). Baseando-se em uma neticulosa analise da histéria do povoamento da ilha ‘da Reuniao, ele vé trés fases na historia dos criou- ‘Jos. Antes de tudo, uma primeira fase, de instalagdo: importancia numérica, econdmica e social do ipo branco me leva a pensar sempre mais que ‘menos caracterizada edad de um pidgin que pela realizagio de s do francés pelos falantes que, alids, ‘© uso de sua lingua de origem’, A segunda fase “comega com o desenvolvi- ito de culturas coloniais (café ou cana-de-agti- que geram considerdvel necessidade de mao- ¢ de expressivas imigragées, que reduzem jente a porcentagem de brancos da popu- Durante essa fase, os recém-vindos, am nas plantagées, tém pouquissimos 9s com os brancos. Eles se enquadram no to dos primeiros escravos que sio ou do- ou capatazes e lhes transmitem seus ru- de francés. E no decorrer da terceira fase ‘céigo separado do francés’, no seio de gio digléssica (ver abaixo). enseignement du francais, 53 SocloLinaDisrica: uma intRoDUgho caiticn Diante disso, Derek Bickerton avanca outra hip6tese, baseada na existéncia de um “bioprogra- ma” inato a cada individuo, que vai ser ativado e dar nascimento a um crioulo nas situac6es sociais que esbogamos ¢ quando a lingua dominante é imperfeitamente transmitida’. O problema ainda nao acabou de ser debatido, ¢ a relativa juventude das linguas crioulas faz com que seu estudo seja extremamente importante para a compreensio da genese da linguagem. Por isso Claude Hagege fa- lou de “laboratério crioulo”, expresso que reto- mei no titulo deste pardgrafo. Entre os numerosos crioulos falados no mun- do, € preciso destacar os que tém por origem lexical: Guiana, nas ilhas Seychelles, na ilha da Rew — oespanhol (em Porto Rico ete); — © portugués (nas ilhas do Cabo Verde etc.). ‘Nao obstante sua extrema variedade ¢ suas signifi- cativas diferengas, os crioulos as vezes manifestam tracos comuns. Por exemplo, a repetigio enfitica das formas verbais: — sé manjémap manjé (erioulo das Antilhas francesas), — @nyam mia nyam (crioulo da Jamaica), — come mi ta come (papiamento), 8. Detek Bickerton, Roots of Language, Ann Arbor, 1981 com 0 mesmo sentido, “estou comendo”, ¢ li- teralmente “comer estou comendo”. De todo modo, o crioulo é uma lingua como outras, cuja tinica caracteristica especifica est seu modo particular de emergéncia, Por longo lesprezados, considerados como formas in- fe exatamente por isso sem acesso as fun- io promovidos a posigio de lingua « Seychelles € no Cabo Verde) e utilizados em experimental no ensino (nas Antilhas fran- eno Hai linguas veiculares ja qual for a teoria explicativa da origem que venha a ser unanimemente acei- que sua emergéncia implica duas coisas: dominante e minoritdrio (e a lingua Grupo) de um lado, uma maioria de escravos de outro, sem uma lingua comum. hd outras situagdes nas quais o plurilin- ria dificuldades de comunicagao entre gru- os que tém Kinguas proprias ¢ que dificuldades em se comunicar entre si. texemplo urbano de uma situagao desse ital do Senegal. Segundo uma pesqui- 1986 nas escolas dessa cidade*, podem- {nédita de Martine Dreyfus, Dakar, 1986. 55 eA: UMA inrRODUGEO LUncuxs £m conTATO wolof, de peul ¢ de diola se encontram? Em que ingua vao se comunicar? Uma segunda pesquisa, conduzida num mercado central da cidade, o merca- do de Sandaga, nos mostra que apenas trés linguas silo utilizadas no trato comercial, e que ali o wolof ¢ 4 lingua amplamente dominant: Isso significa que as pessoas que tém o wolof eomo primeira lingua o utilizam para se comuni- far com as outras pessoas que nao tém a mesma ee lingua que elas. E a definigao de uma fa veicular: wna ‘ada para a comu- ‘Wleagao entre grupos que néo tém a mesma pri ua. S80 muitos os exemplos: o swahili que atra- a Africa da costa leste africana até o Zaire; cae fehua na Cordilheira dos Andes; 0 sango na Central; 0 bambara/dioula na Africa Oci- etc Em todos os casos, a emergéncia de Jingua veicular é a resposta que a pratica soc 1 iinicativa dos falantes da ao problema posto plurilingiiismo da comunidade. Essa res} © se tradwzir em duas formas diferentes: 18% A cada uma dessas lingtas correspondem fa milias, as vezes bairros, os falantes da linguas ve de regides onde essas linguas sao majoritérias diola em Casamance, o peul na regiao do rio Senegal, na fronteira com a Mauritinia ete), ¢ a comunic co interna é assegurada em peul, em di manjak. Mas 0 que acontece quando os Gf. Louis-Jean Cal 1981 san Calvet, Les langues véhi 56 37 SOCIOLINGUISTICA: UMA InTRODUGKO cRITICA Para ter idéia da importincia da fiungdo veicu- Jar de uma lingua, calcula-se uma taxa de veicularidade, ou seja, a relacao entre os falantes dessa lingua e os que nao a tém como lingua primeira, Desse modo, uma lingua utilizada em uma comunidade de um milhao de habitantes na qual 300.000 a tém como lingua primeira tera uma taxa de veicularidade muito mais expressiva (70%) que uma lingua utilizada em uma comunidade de um milhao de habitantes dos quais 700,000 a tém por lingua primeira (30%). De todo modo, é interessante estudar as rela- des entre forma e funcdo que o fendmeno veict- lar nos revela, Assim, os trabalhos de Paul Nzété no Congo!’ ¢ de Ndiassé Thiam no Senegal"* mos- tram que em funcdo veicular o lingala, no primei- To caso, 0 wolof, no segundo, se simplificam, A nocao de simplificagéo nao é muito cientifica. Nos a utilizamos aqui para designar 0 fato de que a lingua veicular vé seu sistema gramatical se redu- zir, se regularizar. De forma que o sistema de clas- ses dessas duas linguas é¢ mais complexo no meio ural (onde sao sobretudo linguas primeiras) que no meio urbano, onde sao linguas sobretudo vei- culares. E 0 fato de a fungao de uma lingua poder ter influéncia sobre sua forma é uma das desco- bertas fundamentais da sociolingiiistica, 12. Paul Nzété, Le lingala de la chanson zairo-congolaise de varietés, tse de doutorado, Universidade René Descartes, Pati, 13, Ndiassé Thiam, Lévolution du wolof véhiculaire ‘milieu urbain sénégalais; le contexte dakarois, Plurilinguismcs, 2, Paris, 1990. 58 LINGUS £m CONTATO 6. A diglossia e os conflitos lingiiisticos Vimos que para Weinrich o bi ‘um fenémeno individual. Ferguson vai enfrentar " obilingitismo social quando, num artigo de 1959", ¢ ele batiza de “variedade baixa” e “variedade Para esclarecer, ele da quatro exemplos: as agdes arabofonicas (dialeto/érabe clissico), a ia (demético/katharevoussa), 0 Haiti (criou- francés) e a parte germanéfona da Suica (sui do/hochdeutch). E ele caracteriza as situagbes diglossia por um conjunto de tragos relaciona- los a seg uma divisio funcional de usos: a variedade alta é utilizada na igreja, na correspondéncia, sos, na universidade et., enquan xa utilizada nas conversagies fa tura popular ete:; Ei 6 fato de a variedade alta gozar de um presigio s0- cial de que a variedade baixa nao fato de a variedade alta ter sido util duzir uma literatura reconhecida e ‘mente” (64 primeira Kingua dos falantes), enquanto a variedade alta ¢ adquirida na escola; : ‘ofato de a variedade alta ser fortemente padroniza- a (gramsticas, dicionarios ete); “14, Charles Ferguson, Diglossia, Word, 1959, 15, apud Language and Social Contexts, 1972. ‘SOCIOLINGGsTica: UMA wrROBUGAO cRfrica — ofato dea situagio de diglssia ser estvel ede po- der durar virios séculos, — 0 fato de essas duas variedades de uma mesma line ‘gua, ligadas por uma relago genética, terem uma Sramitica, um léxico e uma fonologia relativamente divergentes, ‘Tudo isso Ihe permite definir a diglossia como “uma situagao lingiiistica relativamente estavel, na qual, além das formas dialetais de uma lingua (que Podem incluir um padrdo ou padrdes regionais), existe uma variedade superposta muito divergen- te, altamente codificada (quase sempre gramatical- mente mais complexa), veiculando um conjunto de literatura escrita vasta ¢ respeitada (...), que é estudada sobretudo na educagao formal, utilizada no escrito ou num oral formal, mas nao é utilizada — € acrescenta que pode haver diglossia entre mais de dois cédigos e, sobre. tudo, que esses cédigos nao precisam ter uma ori gem comum, uma relagao genética. Quer dizer que 15, Ferguson, Diglossia, p. 245, 16. Joshua Fish: \gualism wi Diglossia, Diglossia with and without Bilingu: cial Issues, 1967, 32, and without Journal of So- 60 Linens em conraTo quer situagao colonial, por exemplo, tendo em presenga uma lingua européia e uma africana, implica a diglossia. Restam as re- bes entre bilingitismo e diglossia, que Fishman tura num quadro de dupla entrada. Vimos, 0 Fishman, quatro situagoes polares: Diglossia ngitismo e | 2. bilingiiismo sem diglossia Beruinetismo Ta aossia oem [A nem diglossia Dilingtismo {nem bilingiismo ilingii i dos os membros 1, Bilingilismo e diglossia: tov ‘da comunidade conhecem a forma alta e a ca

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