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ORIGINAL PASTA N.* VL 6, Coplas Nf COPIAS IQ O ENGINO DA SOCIOLOGIA NA ESCOLA SECUNDARIA Paulo Meksenas' C artigo destaca algumas quest6es do ensino da Sociologia na escola secundaria brasileira. ‘Abordamos aspectos da sua implementacao e permanéncia tortuosa, enquanto componente curricular, ora obrigatério, ora optativo. Hé uma histéria do ensino da Sociologia a sey Construida, Neste texto, apresentamos apenas uma sintese desta histéria, Outra questdo 6 fa discussaio do livro didético, enquanto documiento que permite o conhecimento de aspectos Go cotidiano de aula, Por titimo, destacarios a questéo do método de ensino, relacionando- ‘©.com a contribuigao da Sociologia na construgao da cidadania. 1. ASPECTOS HISTORICOS ‘As preocupagées em tomo da implementagao da Sociologia, como componente curricular na escola brasileira, so antigas. Em 1890, Benjamin Constant, com forte influéncia nas tomadas de decisdo do entéo Ministério da Instrugic Publica, propés uma reforma do ensino, na qual 6 Sociologia era introduzida como disciplina obrigatéria nos cursos superiores, no secundério fegular e miltar. Devido & sua morte, na época da implantagao desses novos curriculos, @ {questo do ensino da Sociologia foi posta de lado. A excego desse processo estavam aS @scolas miltares, pois a proximidade da intelectualidade do exército ao positivismo, implicou + Prot. do Centro de Ciéncias da Educagdo da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Mostra em Educagao pela Universidade de Sao Paulo - USP. 7 : LEITURAS & IMAGENS no fato desta ciéncia, jé no iniciod. século, constar como disciplina escolarnestas instituigées. Talfatose explicanamedida em quea Sociologia positvistapossibita pensar oprofissionaliemo do exército. Em relagdo a escola secundéria regular, com a Reforma Rocha Vaz (1925) a Sociologia passa a ser definida como disciplina obrigatéria. A Reforma Francisco Campos (1981), somada a criago da Escola de Sociologia ¢ Politica (1933) e ao Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciénciase Letrasda Universidade de Sa0 Paulo (1934), sero fatores que consolidam a permanéncia da Sociologia na escola secundéria do Brasil Nese contexto, podemos afirmar que o periodo que se estende de 1925 a 1942, representa os anos douradios no ensino da Sociologia. Seu prestigio sai do mundo académico e atinge © cotidiano das classes médias ilustradas. Termos sociolégicos se popularizam. Sua Givulgagao ocorre por meio da imprensa escrita edo radio, que cada vezmais passama utilizar © jargo sociolégico em sua linguagem. O uso de termos como classes sociais, capital, alienacao, feminismo, desenvolvimento social, crise moral ¢ proletariado, entre outros, ilustram a popularizagao destaciéncia que vive, ent&o, seumomento de coqueluchedaselites, Autilizagao de termos sociolégicos passa a ser sinal de cultura, indice de consciéncia e de lideranga polftica. Por outro lado, o acirramento das contradigSes de classes e o movimento Social, passam a amedrontar aqueles que viam nos trabalhadores o sindnimo de classes Perigosas. Do modismo intelectual que a Sociologia representava, chega-se ao oposto: 0 medo da ciéncia social, pois poderia incrementar a subversdo. Tal perspectiva é, sobretudo, produzida no interior discursivo da ditadura de Vargas. Com a promulgagao das Leis Organicas do Ensino, em 1942, cofbe-se o ensino da Sociologia na escola secundaria. O Estaco Novo produz um idedrio que define como subversdo a discusso da greve, do movimento social ou do papel da mulher na sociedade de classes, mesmo que tal discussao Se desse sob os parametros do conservadorismo da Sociologia positivista. No petiodo que se estende de 1942 a 1960, declina a importancia desta ciéncia, que passa @ ser ministrada apenas no curso superior ou na escola normal, No curso secundério regular (cientitico ou cléssico), a disciplina s6 retorna em 1961, apés a promulgago da Lei de Diretrizes e Bases da Educagdo - 4.024. Mesmo assim, 0 seu retorno é parcial e se estende até 1971. Este é o momento que a Sociologia na escola secundétia comega a incorporar o arcabougo teérico do marxismo, Tal fato decorre do esforgo de um grupo de intelectuais. Em 1960, alguns docentes da Universidade de Sao Paulo criam o Grupo Sociologia do Trabalho, Pessoas como Roberto Schuartz, Florestan Fernandes, José Arthur Gianotti e Fernando Henrique Cardoso, entre outros, passam a realizar leituras sistematicas da obra de Karl Marx © influenciam parcela dos seus alunos que, posteriormente, seriam os professores de LEITURAS & IMAGENS 68 - a Peas « : - Sociologia da escola secundaria. E dbvio que, com isso, o pensamento académico nao abriu mao da leitura dos autores classicos - discutia-se Emile Durkheim, Max Weber e agora, Karl Marx. OAL-S, promulgado em 1968, representa novo golpe contra o ensino da Sociologia. Com o fim das garantias e direitos civis, ao lado da radicalizagdo da agao de partidos de esquerda, das greves de Osasco/SP e Contagem/MG, 0 Al-S amplia os poderes do Governo Militar inaugura no pais uma onda de prisdes, assassinatos e torturas de lideres estudantis e sindicais. Sob a perseguigao e a censura no havia clima para o debate sociolégico, em qualquer nivel da nossa escolarizagao. Com o Decreto-Lein®5.692/71, os antigos primérioe Gindsio se fundem em ciclo Unico, sob a denominagao de 1° Grau. O 2° Grau se toma profissionalizante. A Sociologia deixa de ser disciplina obrigatéria para figurarnum rol de 104 disciplinas de carater optativo. A Sociologia, que voltara a set ministrada na escola secundaria desde 1960, é novamente coibida, agora em 1971. Em rarissimos casos, continuou a ser ministrada na escola secundaria, depois da reforma do ensino, consubstanciada no Decreto- Lein®5.692/71. Apenas em 1982, no auge da crise do militarismo, é que renasceo movimento social capaz de revitalizar 0 ensino da Sociologia. A Lei Federal n° 7.044 altera dispositivos da legislagao anterior, ao defender que a formagao para o trabalho nao é necessariamente uma formagao tecnoldgica. Com isso se relativiza 0 fato de que a escola de 2° Grau seja apenas profissionalizante. O trabalho passa a ser definido como atividade humana genérica, abrindo espaco para pensé-lo como atividade propiciadora do exercicio consciente da cidadania, dentro da sociedade. ALein® 7.044, de 1982, abre, portanto, um canal legal para que a Associagéio dos Socidlogos de Sao Paulo (ASESP) desencadeie uma luta pelo retornoda Sociologia no 2°Grau, definindo essa ciéncia como estratégica, na formagao da cidadania do aluno. Nesse proceso, entretanto, a Universidade nao se mobiliza, fica a margem do processo. Isso se deve ao fato de que na década de 80, 0 socidiogo que atuava no campo académico jé havia abandonado aeducagao, como objeto de estudo e ago. Ao mesmo tempo que o Regime Militar baniuesta disciplina na escola secundaria, o professor universitério que atuava nessa érea do conhecimento, deixa de pensar a educagao e, conseqiientemente, 0 ensino da Sociologia. Podemos até afirmar que no Brasil contemporaneo, a Sociologia da Educagao foi produzida pelos pedagogos ¢ nao pelos socidlogos. Estes tiltimos, inseridosno mundo académico, viam a escola de 2° Grau com atengo menor e até um certomenosprezo, que implica na omisséo em atuarem no movimento de revitalizagéo da Sociologia, na escola secundaria. Tal movimento é, entdo, liderado pela associagdo dos socidlogos de Sao Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Rio de Janeiro. cy ~~ TEITURAS & IMAGENS 'ocaso do ensino da Filosofia, cuja revitalizacao também ocorre nomesmo| periodo, a histéria 6 um pouco diferente. A Faculdade de Filosofia da Universidade de Sa Paulo, sobretudo por meio da lideranga da professora Marilena Chau, realiza um amplo movimento para o retorno da Filosofia no 2° Grau. Organizam-se seminérios, publicam- se artigos e livros para subsidiar a prética Pedagégica de tal modo que esses atores unificam suas forgas com a Associagio dos Fil6sofos. Processo semelhante ocorre no Rio de Janeiro. Assim, a0 lado da Sociologia, volta a figurar a Filosofia e, num processo semelhante, também, a Psicologia, Em 1982, 0 curso de Sociologia volta a ser ministrado na escola de 2 Grau e a ser definido como fundamental na construgao do direito 4 cidadania, Mas o fato de ter sido mantida fora dos curriculos escolares, por mais de uma década, além de ter causado danos irrepardveis as geragdes que freqlentaram 0 2° Grau nesse periodo, faz com que a reintrodugao da Sociologia seja um tanto problematica. Um dos grandes desafios da politica educacional de hoje, 6 tomar a disciplina obrigatéria na escola de 2° Grau, uma vez que, ainda como optativa, ndo € ministrada em todas as escolas. Com isso, o ntimero de aulas de Sociologia ainda é infinitamente menor que o das outras disciplinas, o que a leva a ser vista por muitos como um Conjunto de aulas complementares para professores com outras habiltacdes que néo Ciéncias Sociais. Além disso, em grande parte das escolas, a Sociologia nfo tem o contetido desenvolvido em sua especificidade, Se éministrada, porexemplo, por licenciadosem Historia ou Pedagogia, ha 0 risco de, no desenvolvimento do contetido, 0 peso maior recair em uma concepedo histérica ou pedagégica das relagées socials. Para garantir sua especificidade é Recessairio que a Sociologia seja ministrada por um especialista da dea - o que requer que ela se tome obrigatéria no curriculo da escola de 2° Grau, entre outras coisas, Quanto a forma com que 0 curso vem sendo ministrado nesses titimos anos, parece que os. professores, em sua quase totalidade, pretendem desenvolver a isciplina de modoa propiciar uma leitura critica da vida social. Por isso e para isso, ressaltam a importancia de partir da realidade e dos interesses vividos pelos alunos. Ao analisarmos a prética docente, além dos problemas é levantados, a grande maioria dos Brofessores de hoje foi formada sob a reforma universitéria (5.540/68), numa época de extrema desvalorizagao da disciplina no cenario educacional. Porisso, falta-thes maior clareza do que seria o conteido © 0 método para 0 ensino de Sociologia no 2° Grau, Assim, a Possibiidade dessa disciplina ser ministrada na perspectiva de formar para a cidadania, meatier que toda nossa escolarizagao seja repensada. Nesse sentido, as discussdese projetos em tomo da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educago sao fundamentais, S6 uma reforma profunda na educaeao escolar pode criar um contexto onde 0 ensino da Sociologia tena seu verdadeiro significado. LEITURAS & IMAGENS 70 _ - 7 Nesse contexto, a década de 90 6 marcada por uma disputa acirrada entre grupos progressistas e conservadores, no sentido de elaborar e promulgar uma nova LDB. Para os primeiros, trata-se da oportunidade de reformar o sentido da educac&o, procurando tomé-la ‘capaz de formar cidadiios conscientes, na luta por seus direitos, em conjunto com a defesa da escola publica e gratuita. Para os segundos, a oportunidade de reproduzir velhos padrées educacionais, que reduzem a escolaamera formadora da forga-de-trabalho, em conjuntocom adetesa da escola privada. O projeto que tramitava no Congressoem 1993/94, com um cunho mais progressista, estd, atualmente, paralisado. No lugar de votar a aprovagao desse projeto, coloca-se a sua frente 0 conhecido Plano Decenal para a Educagao Brasileira. Tal Plano é mais uma estratégia de privatizagao da escola publica. Quando o Plano Decenal coloca que ‘acomunidade deve gerir a escola, temos uma brecha para a privatizagao, pois a comunidade gerira escola significa que grupos empresariais podem financiar e manter a escolarizago no Brasil. um mecanismo que o Estado encontrou para reduzir as verbas para a educagao. Assim, 0 Plano Decenal néo sé viabiliza os interesses dos grupos conservadores, como emperrou as discusses a respeito da nova LDB. Como o desenvolvimento do ensino da Sociologia, na escola secundéria, esta subordinado ao projeto da LDB, se constata que a Sociologia esta num plano secundério, 2. 0 LIVRO DE ACHILLES Vimos que 0 periodo de 1925 a 1942 representa o auge do ensino da Sociologia na escola secundaria do Brasil. Ministrada ininterruptamente como disciplina obrigatéria, oconhecimento da forma como.era ministrada se constituinum campotértilde investigacdo. Talempreendimento 6, entretanto, desafiador. O que se conhece sobre o ensino da Sociologia nesse periodo se festringe ao contetido programético oficial ou aos textos reproduzidos na Revista de ‘Sociologia: Teoria e Didética, destinada aos professores da escola secundaria. O cotidiano em que a disciplina era ministrada ainda ndo foi reconstruido pela pesquisa: como era uma aula de Sociologia? Com qual didética se abordavam os contetidos? De que modo a Sociologia contribuia na formagao do corpo discente? Como eram as relagées aluno-aluno e aluno- professor? Infelizmente, ainda nao dispomos de estudos que contribuam para responder a estas questées. E necesséirio produzir-se teses que lidem com a hist6ria oral; localizar alunos que vivenciaram a discipiina nesse periodo e obter, pelo trabalho de mem

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