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A Tocha Dos Puritanos - Evangel - Joel R. Beeke
A Tocha Dos Puritanos - Evangel - Joel R. Beeke
Joel R. Beeke
PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS
Caixa Postal 1287 10159-970-São Paulo-SP
Prefácio
1
A Tocha da Evangelização Acesa no Novo Testamento
Introdução
Evangelização Reformada é um tema bastante vasto. Muitas pessoas chegam a
negar a sua existência, pois não crêem que exista tal coisa. Nossa esperança é, por um
lado, não exagerar a força da evangelização reformada, e por outro, não diminuir as suas
fraquezas. Este assunto pode melhor ser apresentado através de uma ilustração. Na
América existiu um pastor que era um homem de Deus, mas tinha um problema terrível.
Gostava de constantemente exagerar nas sua afirmações. Seu conselho se reuniu, e
procurou conversar com ele sobre o problema. O pastor estava consciente desta sua
falha e via que precisava de ajuda. Após conversarem, chegaram ao seguinte acordo:
quando o pastor, do púlpito, exagerasse em alguma coisa, um dos presbíteros daria uma
leve tossida. Então o pastor saberia que deveria "maneirar" um pouco nas suas
afirmações, pois estaria além dos limites da realidade. Quando chegou o domingo ele
teve a sua chance de ser testado com este sistema. O pastor começou a pregar sobre
Sansão. Descrevia como ele pegara trezentas raposas e como amarrou suas caudas.
Estava muito envolvido na descrição desta cena e disse que quando Sansão tomou as
caudas das raposas para amarrá-las, estas caudas eram do tamanho dos braços abertos
de um homem (ele fez este gesto). Nesta hora o presbítero deu uma tossidinha. O pastor,
então diminuiu o gesto na tentativa de dizer que as caudas eram menores, mas mesmo
assim ainda exagerava. O presbítero novamente tossiu. Ele diminuiu o tamanho, porém
ainda estava exagerando. Nova tossidinha. O pastor, então, não se contendo, perguntou:
"Irmão, afinal de contas qual era o tamanho das caudas das raposas?".
Algumas pessoas dizem que a evangelização reformada não tem "cauda" e outros
dizem que sua "cauda" é imensa. Queremos lidar de uma forma bem realista com os
pontos fortes e os pontos fracos da evangelização reformada. Focalizaremos alguns
princípios neo-testamentários de evangelização. Eles estão de fato no Novo Testamento.
Como foi que Calvino construiu em cima destes princípios a sua própria evangelização,
sendo pai da sistematização da verdade reformada e também da sistematização da
evangelização reformada? O que os puritanos têm a nos dizer sobre a evangelização
reformada? Como podemos tomar esta tocha da evangelização reformada, hoje, e passá-
la adiante às nossas comunidades e à nação?
Definindo a evangelização
O que é a evangelização? Há muitas definições que são dadas. Poderíamos
passar muito tempo só definindo-a. Mas quero dizer algumas coisas. Em primeiro lugar
não devemos definir a evangelização nos termos daqueles que vão receber a mensagem.
Isso pode nos levar a comprometer a mensagem e a mudá-la. Em segundo lugar, também
não devemos definir a evangelização em termos dos seus resultados. Pois dessa forma,
você diria que William Carey não estava fazendo evangelização nos primeiros anos em
que ele esteve na índia, porque por muitos anos ele não viu nenhum convertido. Em
terceiro lugar, não devemos definir a evangelização em termos dos métodos usados.
Dessa forma, se pensarmos assim, os fins vão justificar os meios e nós vamos terminar
naquilo que é tão comum hoje, a chamada "evangelização pragmática". Essa
"evangelização" está mais preocupada com os números do que com a verdade. Nós
precisamos definir a evangelização em termos do significado da própria palavra.
Evangelização vem de uma palavra grega que significa "boas novas". Assim,
poderíamos definir a evangelização como sendo a proclamação das boas novas, a
proclamação do evangelho. Nele buscamos, pela graça de Deus, a conversão de
pecadores. Num sentido mais amplo podemos dizer que inclui a edificação dos filhos de
Deus. Inicialmente, a evangelização procura a conversão de pecadores e no sentido
mais amplo, procura o discipulado daqueles que já nasceram de novo. Esta palavra
grega aqui referida, euaggélion, está registrada 124 vezes no Novo Testamento. Portanto,
a Bíblia é um livro evangelístico. Nosso Deus é um Deus evangelístico.
A quem evangelizar?
A grande comissão responde a uma segunda pergunta. A quem devemos
evangelizar? Mateus nos diz que devemos ir a todas as nações. Ide e ensinai a todas as
nações. Há algo maravilhoso neste mandamento para a evangelização reformada, porque
o evangelista reformado não fica apenas vendo a soberania de Deus no ato de eleger,
pois este ato não é algo que impede o sucesso da evangelização, e sim, algo que o
confirma. Quando Cristo nos envia a todas as nações, Ele vai reunir delas, aqueles que
vão servi-lo e temê-lo na Sua própria Palavra. Ele vai usar a loucura da pregação para
salvar aqueles que devem e precisam crer. Que encorajamento maravilhoso para nós
evangelizarmos, pois onde formos passando no meio desta torrente de depravação
humana, não há nenhuma expectativa em nós ou na semente em si. Algumas sementes
vão cair em solo rochoso ou à beira do caminho, e a nossa única esperança de que Deus
Se agrade é que Ele venha a usar-nos como barro em Suas mãos para cumprir o Seu
propósito de amor e soberania em termos da eleição. Dessa forma, Deus vai atrair
pecadores a Si mesmo.
Em Marcos 16:15 ("Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura") a
grande comissão diz algo um pouco diferente. Pregar o evangelho a toda criatura! Mateus
disse, "a todas as nações". Marcos particulariza a grande comissão. A ênfase é que o
evangelho deve, não só ser levado a todas as nações, mas a todo homem, mulher, moço
e moça que habitam nelas. O evangelho é o oferecimento de Deus aos pecadores. São
as boas novas de Cristo e está disponível para todos. São boas novas de que Cristo os
está convidando a virem a Ele como estão. As boas novas, entretanto, não consideram
que cada pessoa tem força em si mesma para ir a Deus. As boas novas não afirmam que
a pessoa é salva meramente por uma "decisão" por Cristo. A mensagem das boas novas
não é que você vai declarar a cada um que ele está salvo. Não significa contar a cada um,
que definitivamente Cristo morreu por você, não é simplesmente levar as pessoas a
saberem que Cristo morreu por elas. Muitos pregadores pregam assim. Eles dizem:
"Jesus morreu por todos e tudo que você tem de saber é crer que Ele morreu por você ".
O que está errado com isso? No momento em que eu creio que Cristo morreu por cada
um, então, eu posso concluir que há uma espécie de acordo que afirma: se Ele morreu
por todos, então, morreu também por mim. Os pregadores que pregam assim, persuadem
as pessoas a pensarem que estão salvas, mesmo sem ter recebido nenhum toque do
Senhor. Contudo, apenas um assentimento intelectual sem essa bênção da fé salvadora,
não salva.
Uma fé salvadora pessoal, um arrependimento pessoal, uma convicção pessoal
dos pecados e uma rendição diante de Deus de todas as suas justiças que são trapos
diante de Deus, são ingredientes necessários para que você encontre a real salvação. Se
você não compreende o que é ser um pecador perdido e condenado perante Deus, como
pode apreciar a riqueza do evangelho? Dessa forma, a grande comissão nos encoraja a
levar o evangelho a todas as nações, ao homem como um ser integral. Não leve o
evangelho a pressionar apenas a vontade do homem, pois o evangelho afeta a vontade,
as afeições, a totalidade do ser humano. Posteriormente veremos como os reformadores
e puritanos praticaram esse tipo de evangelização. Quando eles apresentavam a Cristo
de uma forma integral para um ser integral, acabavam proclamando todo o conselho de
Deus.
Onde iniciar?
Finalmente, a grande comissão certamente inclui que o evangelho precisa ser
levado de preferência às ovelhas perdidas da casa de Israel, como lemos em Mateus
10:6. Assim, quando Jesus deu a ordem de evangelizar aos Seus discípulos, Ele
começou com Jerusalém e de lá deviam levar o evangelho a Samaria, Judéia e até os
confins da terra. Traduzindo a idéia para os dias de hoje, esta ordem diz que nós não
devemos apenas evangelizar os judeus mas devemos começar em nossos lares, em
nossas igrejas. Dentro do ministério pastoral devemos enfrentar o fato de que dentro da
Igreja de Deus há muitas pessoas que não São verdadeiramente salvas. Talvez tenham
até sido batizadas, talvez sejam membros comungantes, vivam uma vida decente, todavia
não foram salvas. Podem até ter um bom conhecimento bíblico e até serem professores
de Seminários, pastores, ou presbíteros, mas não são diferentes de Nicodemus que foi
um mestre em Israel e no entanto não havia nascido de novo. Jesus diz ainda hoje a cada
um de nós e a nossas igrejas: "vocês precisam nascer de novo". É possível que nossa a
evangelização, às vezes, seja muito fraca porque há pouca experiência do que significa
nascer de novo.
Jesus passou a Sua tocha da evangelização para Seus apóstolos e discípulos e a
acendeu de forma maravilhosa no dia de Pentecoste e nas semanas que se seguiram. O
mundo precisa ser colocado em chamas por esta tocha da evangelização. No dia de
Pentecoste Deus vindicou a Sua própria Palavra conforme lemos em João 3:16: "Porque
Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito para que todo aquele que
nele crê não pereça mas tenha a vida eterna". Milhares de pessoas foram feridas nas
suas consciências e foram levadas a um arrependimento autêntico naquele dia,
depositando sua fé em Cristo. Mas a novidade que começou no dia de Pentecoste foi
disseminada e começou a usar de uma forma poderosa o apóstolo Paulo para levar
avante a tocha da evangelização.
Paulo, o evangelista
Paulo foi de modo peculiar qualificado para esta tarefa, talvez mais do que
qualquer pessoa da sua época. Ele entendia tanto a — mentalidade hebraica, quanto a
mentalidade helênica. Ele teve um "seminário" de três anos na Arábia, durante o qual
Deus o treinou e o moldou para ser o apóstolo dos gentios. A atividade evangelística de
Paulo, levando a tocha da evangelização, foi e ainda é amplamente expandida hoje. Ele
levou o evangelho aos seus irmãos na carne, levou-o até a Ásia, Europa, e pela
inspiração do Espírito Santo, trouxe a tocha até nós em suas Epístolas. É muito
importante tomarmos um pouco da evangelização de Paulo. A evangelização é algo muito
importante no ministério de Paulo e precisamos nos "agarrar" ao seu padrão de
evangelizar. De uma coisa nós não podemos fugir, quando lemos suas cartas: Paulo
evangelizava de uma forma doutrinária e teológica. Não evangelizava contando anedotas
ou pequenas histórias. Há, hoje, pessoas que afirmam que temos de colocar a doutrina de
lado para podermos evangelizar. Pensam que quando evangelizamos não devemos ser
didáticos. Paulo rejeitou isso de forma prática. Grandes porções de suas Epístolas estão
preocupadas, por exemplo, com a lei. Ele faz com que uma apresentação da lei seja
seguida pela apresentação do evangelho e então aplica esta realidade à vida dos seus
leitores com ensinamentos éticos e experimentais. Esse é o padrão da evangelização de
Paulo.
Queremos apresentar aqui algumas ramificações deste padrão de evangelização
que Paulo usava.
Consciência teísta
O primeiro resultado do seu padrão evangelístico é: Paulo pressupõe, em todas as
suas cartas, uma consciência teista em cada pessoa. Na tradição reformada, somos
profundamente devedores a João Calvino e a Cornelius Van Til porque eles
estabeleceram o que nós hoje chamamos de teologia préssuposicional. Calvino afirma
que a semente da religião está em cada homem. Dessa forma, o pensamento reformado
sempre entendeu que cada pessoa no mundo tem certo sentimento de Deus. Este
conhecimento nato pode ser muito distorcido, misturado com pecado, mas aquela
semente, no entanto, está lá. Tanto Calvino quanto Van Til tiram estes pressupostos
teológicos de Paulo. Paulo argumenta de forma muito clara, por exemplo, na sua carta
aos Romanos e ele parte de uma posição de pressuposição que afirma que, mesmo os
pagãos têm alguma consciência de um ser supremo. O que aprendemos disso é o
seguinte: nós não devemos gastar muito tempo discutindo com uma pessoa sobre a
existência de Deus. Antes, enquanto evangelizamos, pressupomos que, no fundo do
coração, eles têm consciência da existência de Deus. Os reformados afirmam que não
existe a condição do ateu genuíno. Um ateu é alguém que deseja se convencer que não
existe Deus. Já tive duas vezes oportunidade de conversar com duas pessoas que
afirmavam que eram atéias. No entanto, o que era estranho é que exatamente os dois
queriam conversar sobre Deus. Dessa forma estavam querendo se convencer de que
Deus não existia.
O que Paulo está dizendo é o seguinte: quando você estiver lidando com uma
pessoa que não crê e fala do seu relacionamento com Deus, o que você precisa fazer é
apresentar a Deus, como está em Romanos, capítulo primeiro. Você não deve colocar
como alvo provar filosoficamente que Deus existe. O que deve ser feito é apelar para a
consciência da pessoa. Paulo diz em Romanos, capítulo 1, que esta consciência está
apertando, fazendo desaparecer o conhecimento de Deus. Quando nós pregamos o
evangelho, evangelizamos pessoas que têm uma consciência teista como seres
humanos.
Mensagem de despertamento
Em segundo lugar, Paulo ensina que nossa mensagem evangelística
precisa ser uma mensagem de despertamento. Quando Paulo dirige-se a alguém que
está evangelizando, ele começa a falar a respeito do pecado e da grande necessidade do
ser humano. Ele sempre procura construir um sentimento de necessidade por parte da
pessoa. Então, seu alvo é a consciência. Esta não é uma tarefa fácil e sem o Espírito
Santo é uma tarefa impossível, porque é necessário o poder divino, o Todo-poderoso,
para quebrar um homem e reduzi -lo a nada. Assim o homem vê o seu pecado e enxerga
que não é outra coisa senão um grande pecador e não pode dizer outra coisa senão:
"Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!". Isso é exatamente o que Paulo
procura fazer em Romanos, capítulos 1, 2 e 3, trazendo, tanto judeu como gentio, a um
sentimento de culpa diante de Deus, para que toda boca seja fechada e todo o mundo
seja considerado culpado perante Deus. Por isso, Paulo pregava a lei a fim de trazer o
evangelho. Com a evangelização eficaz nós vamos levar pecadores, pelo Espírito, a
serem confrontados face a face com a realidade de um Deus vivo e santo, que Se ira e
que executa julgamento; na realidade da maldição da lei que vem contra todos que a
transgridem. Precisamos levar pecadores ao Deus do Sinai, ao Deus de Isaías, capítulo 6,
para podermos levá-los ao Deus do Calvário. Nosso alvo, portanto, é levá-los a Cristo e a
única maneira de levá-los a Cristo é mostrar a maneira como Cristo Se torna apreciado e
válido no coração daqueles que dEle precisam.
2
A Tocha da Evangelização Reacesa pela Reforma
O destaque de Calvino
Entre os reformadores, João Calvino teve um destaque especial. No primeiro
capítulo, falamos daquele pregador que exagerava no tamanho da "cauda da raposa", na
história de Sansão. No caso de Calvino, muitas pessoas acham que ele não teve
nenhuma "cauda de raposa", no que diz respeito à pregação do evangelho. Com isso
querem dizer que ele não teve destaque algum em evangelização. Outros estudiosos,
entretanto, dizem que Calvino tinha uma "cauda de raposa" muito grande, falando de sua
evangelização. Chegam a dizer que ele foi o pai teológico de todo o movimento
missionário moderno. O ponto de vista de Calvino quanto à evangelização tem sido
obscurecido, especialmente por três tipos de estudiosos:
O primeiro grupo falha porque, ao invés de ler os escritos de Calvino, lê o que
outros escreveram sobre ele. O segundo grupo, quando analisa Calvino, não
compreende o contexto no qual Calvino exerceu sua evangelização. O terceiro grupo,
que joga também uma luz negativa na evangelização de Calvino, traz seus próprios
pressupostos negativos ao ler Calvino e conclui que ele não deu ênfase à evangelização.
Estes estudiosos, partem da doutrina da eleição e concluem desta doutrina, que é um ato
soberano de Deus, que Calvino negou qualquer ênfase à evangelização, a qualquer
esforço evangelístico. Desse modo, para avaliar o verdadeiro calvinismo em relação à
evangelização, queremos fazer três coisas. Ao fazer estas três coisas, espero ter o
quadro completo da posição de João Calvino quanto à evangelização.
Primeiro vamos dar uma "olhada" rápida na vida de João Calvino. Em segundo
lugar vamos olhar seus ensinamentos quanto à evangelização, nos seus próprios escritos
(as Institutas, seus comentários, seus sermões, e suas cartas). Em terceiro lugar
olharemos Calvino como um praticante da evangelização reformada. Vamos analisar isso
em quatro círculos concêntricos: no seu próprio pensamento, na cidade de Genebra, na
França e no Brasil. Espero que, quando chegarmos ao fim, tenhamos uma visão mais
correta do pensamento de Calvino sobre a evangelização.
Sua vida
Primeiramente iniciemos com uma visão rápida da sua vida. Lutero tinha 25 anos
de idade quando Calvino nasceu. Em certo sentido, Calvino representa quase que uma
segunda geração de reformadores. Ele teve a vantagem de poder usar os escritos de
Lutero e de outros pensadores reformados antes de escrever o seu próprio pensamento.
Calvino foi além de Lutero pelo menos em quatro áreas. Em primeiro lugar, em relação à
Ceia do Senhor. Calvino negou a presença corporal de Jesus na ordenança, nos
elementos da Ceia. Em relação à vida da Igreja, Calvino concluiu que aquilo que não
estiver na Bíblia, não deve estar na vida de adoração da Igreja. Lutero admitia que, o
que não fosse expressamente condenado na Bíblia, podia ser usado no culto. Calvino
esteve também à frente de Lutero, na maior interrogação que todos eles fizeram. A
grande pergunta de Martinho Lutero era esta: como pode um homem ser feito justo
perante Deus? Calvino também fez essa pergunta, mas foi além e fez a seguinte
indagação: como pode, aquele que já foi declarado justo pela graça, viver agora uma vida
para a glória de Deus? Finalmente, Calvino foi além de Lutero porque ele começou a
olhar como seria possível evangelizar todos os povos, em toda a terra.
Calvino viu um exemplar da Bíblia pela primeira vez em sua vida quando tinha 14
anos de idade. Era seu desejo, como adolescente, tornar-se um padre, um sacerdote.
Ele ficou muito interessado, enquanto ainda jovem, no debate que estava em andamento
entre católicos e protestantes. Seu pai, no entanto, interrompeu os seus planos, pois teve
uma discussão muito séria com um padre na escola onde Calvino estudava. Isso motivou
a retirada dele daquela escola e o seu pai o colocou para estudar direito. Aos vinte anos
de idade Calvino já tinha se formado em advocacia. Na Sua providência, Deus usou
esse treinamento para que ele pudesse ter um pensamento claro e lógico em sua
teologia. Quando Calvino tinha 21 anos seu pai morreu e ele matriculou-se novamente
numa escola de teologia.
Calvino foi convertido quando tinha entre 24 e 25 anos de idade. Diferentemente de
Lutero ele falou muito pouco a respeito de si próprio. Em mais de cem volumes escritos,
Calvino fala a respeito de si uma ou duas vezes. O lugar onde ele fala com maior detalhe
a seu respeito é no prefácio aos seus comentários dos Salmos. Ali ele escreve o seguinte,
lembrando os dias de sua conversão: "Eu comecei a entender como se alguém me
houvesse trazido uma luz, revelando em que tipo de erro eu tinha estado laborando até
então. Eu me tornava cada vez mais sujo, e percebi que estava num estado deplorável,
mas Deus, por uma conversão súbita, me elevou e me colocou dentro de um paradigma
no qual eu me tornava ensinavel, educável. Eu tive de desistir de mim mesmo e entregar-
me aos caminhos de Deus". A vida de Calvino mudou completamente de uma forma
imediata. Um ano ou dois mais tarde, ele escreveu a primeira edição da sua famosa obra,
As Institutas. Esse foi o livro mais famoso em termos de teologia reformada que jamais
havia sido publicado. Calvino desenvolveu sua teologia bíblica durante toda a sua vida. A
primeira edição das Institutas tinha apenas 6 capítulos, com cerca de 120 páginas. A
última edição tinha 80 capítulos e 1200 páginas.
Calvino deixou a França por causa de uma perseguição em potencial e foi para
Basiléia na Suíça. No seu caminho a Basiléia, ele foi interceptado por Guilherme Farei.
Farei persuadiu Calvmo a ficar com ele em Genebra para que juntos pudessem reformar
a cidade. Eles trabalharam arduamente por três anos e foram rejeitados pelo povo de
Genebra, pelo menos pela maioria do povo e a maioria dos que compunham o Conselho
da cidade. Assim, em 1538 ele foi banido da cidade de Genebra por decisão do Conselho
daquela cidade. Foi para Estrasburgo onde passou os quatro anos mais silenciosos e
quietos de toda sua vida. Lá foi pastor de uma igreja reformada. Em 1541 foi chamado de
volta a Genebra pela primeira vez. Naturalmente ele rejeitou esse chamado - mas
insistiram. Ele escreveu dizendo que jamais voltaria a um lugar de tanta perseguição.
Eles o chamaram pela terceira vez. Depois de muita luta Calvino aceitou e escreveu o
seguinte: "Quando considero que não estou debaixo da minha própria autoridade, eu
quero oferecer o meu coração como uma vítima a ser morta em sacrifício para o Senhor".
Nos últimos 24 anos de sua vida Calvino trabalhou em Genebra. Os primeiros 15
anos de seu trabalho foram uma batalha contra seus inimigos. Lutou como quem luta
contra um inimigo que vem colina abaixo, e ele lutava de baixo para cima. Somente nos
últimos nove anos do seu ministério a maioria do Conselho da cidade e o povo, estava ao
seu lado. Calvino suportou muita perseguição. As pessoas jogavam armas e objetos
dentro de sua casa e até colocavam o nome Calvino em seus cachorros. Todavia ele
perseverou com a graça de Deus. Foi nos últimos nove anos que a Reforma progrediu de
uma forma notável. A Academia de Genebra foi estabelecida por Calvino com a ajuda de
seu sucessor, Teodoro de Beza. Nos últimos nove anos da vida de Calvino, 1600 jovens
foram treinados para o ministério reformado. Muitos deles foram queimados vivos na
França, mas outros foram espalhados pela Europa divulgando a fé reformada. Alguns
deles, como John Knox e Gasper Oliviana, se tornaram famosos.
Calvino trabalhou de forma dedicada e formou um movimento em Genebra que
veio a influenciar toda a Europa. Ele trabalhou até o último dia da sua vida e com 55 anos
de idade morreu. Certo estudioso e pesquisador analisou que 83 diferentes enfermidades
estavam "minando" seu corpo. Esta afirmação é uma "cauda de raposa" muito comprida,
deste pesquisador. Contudo, o ponto é que Calvino, mesmo sofrendo grandes dores,
perseverou até o fim. Ele disse àqueles que estavam ao redor do seu leito de morte:
"Senhor, eu retenho a minha língua porque sei que isto vem de Ti. Eu estou chorando
como um cão. Tu tens me moído e me transformado em pó, mas isto me basta porque
compreendo que é a Tua vontade. Quero oferecer-Te meu corpo e minha alma de forma
pronta e sincera". Calvino fez apenas um pedido ao morrer: não colocarem nenhuma na
sua sepulura, porque dizia que não era digno e merecedor de nenhuma honra, de
nenhuma glória. Assim viveu, assim morreu defendendo as doutrinas da graça soberana
de Deus. Ele teve suas falhas como qualquer um de nós. Teve seus erros, mas foi um
homem de Deus, salvo pela graça de Cristo
Seu ensino
Vejamos, em segundo lugar, seus ensinos sobre a evangelização. Façamos esta
pergunta: será que seus ensinos trazem aquela dinâmica interna que leva os seus
leitores e seguidores à evangelização? Nossa resposta é "sim", e bastante. Em todos os
seus ensinos Calvino enfatiza a universalidade do reino de Cristo e a responsabilidade
dos crentes em colocarem como alvo a expansão deste reino. Calvino ensinou que a
motivação para isso está no próprio Deus triúno. Todas as três pessoas da santíssima
Trindade estão envolvidas na expansão do reino, assim ensinou Calvino. Ele disse: "O
Pai, não apenas mandou a Sua vontade para uma parte da terra, mas também para a
outra extensão da terra". Sobre Jesus, escreveu que Jesus estende Sua graça sobre
todos. Em um sermão sobre o Espírito Santo ele disse que este Espírito deseja alcançar
até às extremidades da terra. Ele escreveu: "O triunfo de Cristo será manifesto em todos
os lugares da terra". Como pode Deus estender o Seu reino maravilhoso em toda a
extensão da terra? A resposta de Calvino conjuga a soberania de Deus e a
responsabilidade humana. O trabalho de um evangelista, disse Calvino, é o trabalho de
Deus e não do homem. Mas Deus derrama sobre Seu povo a honra e o privilégio de
serem usados como o barro na mão do Oleiro. Dessa forma, Calvino chama o povo de
Deus de cooperadores com Ele. Calvino inclui no seu ensino sobre a soberania de Deus,
os meios pelos quais Ele cumpre essa soberania. Esses meios seriam aqueles que crêem
e que são usados para expansão do reino de Deus. Assim, no ensino de Calvino sobre a
evangelização, o esforço humano nunca tem a última palavra, mas Deus Se agrada em
usar seres humanos, simples, para levar o Seu reino. Esta inter-relação entre soberania e
a participação da responsabilidade humana tem pelo menos quatro inferências.
Em primeiro lugar, dizia Calvino, isso nos chama à oração. Ele disse que o cristão
deve orar e desejar que Deus reúna, em torno de Si mesmo, igrejas em toda a face da
terra. Em segundo lugar, não devemos ficar desanimados pela falta de sinais visíveis de
sucesso. Calvino escreve: "O nosso Senhor exercita a fé dos Seus filhos quando Ele não
realiza imediatamente as coisas que prometeu. Se Deus passa um dia ou um ano sem
proporcionar frutos, não devemos desistir, porém devemos orar mais e não duvidar que
Ele está ouvindo a nossa voz, mesmo quando não vemos os frutos" . Em terceiro lugar,
Calvino ensinava que devíamos trabalhar diligentemente pela extensão do reino de Cristo
sabendo que, no Senhor, nosso trabalho não é vão. Podemos colocar isso de outra forma.
A nossa salvação nos obriga a evangelizar. Calvino disse: "Não é suficiente, para
qualquer homem ocupar-se consigo mesmo. O nosso zelo deve ir além de nós mesmos e
atrair outras pessoas a Cristo. Precisamos atrair todos os homens à Pessoa de Jesus
Cristo com todo nosso esforço". Será que isso não é uma indicação do tamanho da
"cauda de raposa" do evangelista que era Calvino? Para Calvino, a evangelização não
era uma coisa opcional, era parte de sermos cristãos. Em quarto lugar, nesse
relacionamento entre soberania e responsabilidade humana, Calvino mostra muitos
motivos pelos quais devemos evangelizar. Já consideramos algumas motivações no
capítulo anterior, e vou, portanto, apenas relacionar estas sem fazer referência a todas as
citações de Calvino, para sermos sucintos.
Nos seus sermões e comentários, Calvino apresenta sete motivos diferentes para
evangelizar:
1. Jesus nos mandou evangelizar.
2. Devemos estar motivados pelo exemplo do próprio Deus como evangelista.
3. O nosso desejo de manifestar a glória de Deus deve nos motivar a evangelizar.
4. Já que o cristão valoriza aquilo que agrada a Deus, e evangelizar agrada a
Deus, então devemos evangelizar.
5. É nossa responsabilidade e nosso dever evangelizar.
6. Uma forte compaixão pela condição dos pecadores deve motivar-nos a
evangelizar.
7. Profundamente gratos a Deus pela alegria da nossa própria salvação, nós
devemos evangelizar em amor ao próximo.
O cristão, diz Calvino, é aquele que diz assim: "Já que Deus pôde me salvar Ele
pode salvar a qualquer um na face da terra". Calvino disse: "Nada é mais incoerente com
a natureza da fé do que aquela mortificação que leva a pessoa a desconsiderar seus
semelhantes, e assim, de uma forma errônea, guardar a luz e a graça de Cristo somente
no seu peito". Portanto, Calvino ensinou que a evangelização é a tarefa de todo cristão.
Assim, cada cristão deve trabalhar e buscar pecadores para Cristo; essa é a sua tarefa
sacerdotal. Cada cristão deve instruir outros no caminho da salvação; essa é a sua tarefa
profética. Cada cristão é chamado a discipular outros; essa é a sua tarefa real. Calvino,
no entanto, pensou e ensinou que essa tarefa, que é sacerdotal, profética e real, é
preferencialmente ligada àqueles que foram chamados e ordenados por Deus para o
ministério. Calvino sempre desejou ligar a evangelização com a Igreja. Dessa forma,
cristãos que ainda não tinham conhecimento próprio, completo, não iriam evangelizar de
forma correta, agindo como se não devessem prestar contas a ninguém e acabariam
ensinando coisas erradas ao povo. O que Calvino jamais fez, foi pegar o novo convertido
e dizer que ele estava por "conta própria", e que devia partir para evangelizar. Esta alerta
de Calvino tem feito com que ele receba um "rótulo", da parte de alguns, como se ele
fosse contrário à evangelização. Calvino não era contra à evangelização, mas era contra
à evangelização errada. Era contrário, por exemplo, à evangelização individualista que
pudesse levar a um caminho errôneo.
Aspectos práticos
Vejamos em terceiro lugar, os aspectos práticos de Calvino quanto à
evangelização reformada. Calvino operava a partir do seguinte princípio básico: onde quer
que o Senhor abra uma porta, ainda que seja uma pequena brecha, precisamos ver a
necessidade de atravessarmos esta abertura para levar a mensagem do Seu reino. Ele
diz que não devemos rejeitar qualquer convite que Deus nos faça. Se porventura Deus
nos lança lá fora e fecha a porta, não devemos resistir a Sua soberania tentando abrir
uma porta que foi trancada por Deus. Calvino não ensinaria, todavia, que deveríamos
simplesmente deixar de olhar as diferentes oportunidades e seguir aquelas que nós
julgamos ser as melhores. Ele estava simplesmente falando de situações, quando as
portas estão completamente trancadas. Sem dúvida ele estava pensando, no fundo da
sua mente, na sua experiência em Genebra, quando foi expulso da cidade. Vejamos os
quatro círculos onde Calvino exercitou a sua evangelização. Assim como quando você
joga uma pedra dentro de um rio e as pequenas ondas formam aqueles círculos
concêntricos, da mesma forma Calvino operou em quatro círculos concêntricos diferentes.
Conclusões
Qero fazer algumas observações:
É muito claro que Calvino tinha o coração abundantemente voltado para a
evangelização. A idéia de que Calvino e o calvinismo não estão voltado para a
evangelização e para a expansão do reino de Deus é um pensamento totalmente falso.
De fato, percebemos que Calvino se tornou exatamente o oposto disso. A Doutrina da
eleição leva à evangelização. Deus, soberanamente, liga a eleição aos meios da graça.
Sendo assim, a eleição não é um estímulo à passividade, mas para a atividade.
2. A vida e ministério de Calvino precisam nos encorajar a manter as nossas mãos
no arado e a pensar menos no que os outros pensam a nosso respeito. Calvino
trabalhava vinte horas por dia por causa da evangelização. Todavia não é isso o que as
pessoas falam sobre ele. Afirmam que ele não era um evangelista. Se ele fosse vivo
hoje certamente diria : "Não importa o que os homens pensam de mim, e sim, o que
Deus pensa a meu respeito. Um dia eu comparecerei na presença de Deus, não na
presença de homens". Isso não quer dizer que devemos passar por cima do sentimento
das pessoas, pois devemos trabalhar para que tenhamos uma consciência boa e clara
diante dos homens e diante de Deus. Mas nós não vamos cair nessa idéia de evangelizar
pensando no que as pessoas pensam sobre a nossa evangelização. O que devemos
fazer é olhar para Deus e perguntar o que Ele pensa sobre o que estamos fazendo.
Não conheço bem o que os brasileiros fazem em termos de evangelização, porém
sei que vocês não são responsáveis pelos resultados da sua evangelização. Vocês são
responsáveis pela mensagem e pelos métodos que usam. Esperem em Deus e em Sua
graça soberana na produção dos frutos, dos resultados. Na China há um bambuzeiro que
não cresce nos primeiros quatro anos, mesmo que você cuide bem dele. Contudo,
quando no quinto ano ele começa a brotar, em noventa dias fica com cinco a seis metros
de altura. Você diria que esta árvore cresceu em noventa dias ou que ela cresceu
potencialmente nos cinco anos? Trabalhem, esperem em Deus, lancem a semente e
esperem no Senhor. Os tempos hoje são às vezes desencoraj adores, mas houve tempos
mais desencorajadores antes. Às vezes ficamos prevendo a ruína da Igreja, no entanto o
que devemos fazer é planejar a renovação da Igreja. John Flavel, um grande puritano,
disse: "Não sepultem a Igreja antes que ela esteja morta". Espero que vocês possam
suportar firmes como bons soldados de Cristo, estando prontos para serem chamados de
loucos por amor a Cristo. Deixem que as suas vidas falem mais alto do que dizem ou
pregam. Que Deus nos ajude a sermos verdadeiros evangelistas.
3
A Tocha da Evangelização Levada pelos Puritanos
Convicção de pecado
Hoje há muito pouca convicção de pecado entre os não salvos. A maioria dos
chamados "cristãos" contemporâneos, vive de maneira tão descuidada em sua vida, que
é muito difícil alguém diferenciá -los de homens não convertidos. O problema é que
freqüentemente o pecado não é pregado como pecado para as pessoas; o horror do
pecado não é enfatizado às pessoas. Isso nos leva a uma pergunta ainda mais profunda:
por que as épocas de avivamento realizado pelo Espírito Santo foram períodos de
profunda convicção de pecado? A resposta é que o Espírito Santo, como Jesus nos diz,
vem para convencer do pecado, da justiça e do juízo. Assim, o convencimento do pecado
é o caminho pelo qual Deus age para abrir espaço no coração do pecador. Quando o
homem vê a realidade de Deus e a realidade do pecado contra Deus, ele se humilha até o
pó. Só então, ele vai apreciar o que aquele Deus-homem, Jesus Cristo, fez por nós
pecadores. Foi o que aconteceu com Isaías quando ele chegou à presença de Deus: "Ai
de mim porque sou um homem de lábios impuros..." O mesmo aconteceu com Jó ao
chegar à presença de Deus. Por cerca de quarenta capítulos no livro de Jó ele estava
mais ou menos se defendendo, estava lutando para entender o que Deus havia feito com
ele. Mas ao se sentir na presença de Deus, o Senhor Se tornou tão grande e Jó tornou-se
tão pequeno, que perdeu todas as suas defesas. Então Jó falou: "Eu te conhecia só de
ouvir, mas agora os meus olhos te vêem. Por isso me abomino, e me arrependo no pó e
na cinza" (Jó 42:5-6). Ele já havia ouvido falar de Deus antes, porém agora ele "viu a
Deus", pela fé e perdeu tudo que estava do seu lado e se lançou como um pobre pecador,
tão somente na misericórdia de Deus. É isso que está faltando na evangelização
moderna. Não se vêem pecadores chegando até a cruz e clamando como aquele
publicano que disse em sua oração: "Ó Deus, tem misericórdia de mim pecador".
Vocês vêem o que é realmente o pecado, e quem é Deus? Se assim acontecer
seremos levados à cruz e, quando experimentarmos pela fé a beleza e plenitude de Cristo
na cruz, não precisaremos de nenhuma explicação da parte de Deus por aquilo que Ele
está fazendo em nossa vida. Nós nos inclinamos diante dEle e dizemos que seja feita a
Sua vontade. Deus nunca explicou a Jó por que Ele fez tudo aquilo com sua vida.
Entretanto, veio de Deus o poder para que Jó fosse justo aos Seus olhos.
Avivamento
Isso nos leva a outra questão. Se a falta de convicção de pecado é um problema
tão sério, como pode esse tipo de convicção ser restaurado à Igreja hoje? Novamente
aqui a história da Igreja nos dá uma resposta muito clara. O Espírito Santo encontra um
homem caído, quebrantado; este homem chega diante da cruz e encontra a plenitude da
salvação em Cristo Jesus, e o Espírito envia esse tipo de homem para pregar o pecado e
a conversão aos outros. Em outras palavras, Deus está levantando homens que sejam
santos, que sejam humildes, homens de oração para usá-los; homens que odeiam o
pecado e que amem a Deus; homens que estejam tremendamente convictos da
necessidade da salvação de almas; homens que estejam orando sempre por um
avivamento bíblico, um avivamento do Espírito Santo. Deus usa este tipo de homem para
trazer avivamento. Lembrem-se que o avivamento começa com uma convicção
experimental de pecado.
Arrependimento
Isso nos leva a outra questão. Quando Deus Se agrada em levantar esse tipo de
homem, será que alguma coisa específica em sua pregação tem conexão com a
convicção de pecado? Creio que a resposta é sim! É esse tipo de homem, que de forma
incisiva, se dirige à convicção da consciência, de uma forma bem aguçada. Eles mostram
aos pecadores de forma clara a necessidade de arrependimento e o Espírito Santo Se
agrada em honrar e abençoar a Sua Palavra quando este homem prega de forma
convincente. O que aconteceu com João Batista quando ele começou a pregar com
convicção? Os homens começaram a fugir da ira vindoura. O que aconteceu quando
Pedro pregou com profunda convicção no dia de Pentecoste? O Espírito Santo desceu
sobre os que ouviam a sua palavra.
Evangelização moderna
Por isso minha tese é: a evangelização moderna está se levantando como um
obstáculo frontal, com raras exceções, à verdadeira convicção de pecado, ao
arrependimento e ao verdadeiro avivamento. A evangelização moderna tem uma visão
superficial de pecado; fala tão pouco de um assunto que a Bíblia tanto menciona. Por que
a evangelização moderna fala tão pouco a respeito do pecado? A evangelização moderna
tem medo de falar às pessoas as verdades a respeito delas mesmas; tem medo de perdê-
las. Ensina que nós não devemos ofender as pessoas, e sim, sempre conquistá -las. A
razão humana diz que não vamos ganhar as pessoas se lhes falarmos do pecado. A
evangelização moderna não nega que o homem esteja morto nos seus delitos e pecados;
não nega que a Bíblia diz em Romanos 8:7, que a mente carnal está em inimizade contra
Deus; não nega que está escrito em 1 Coríntios, capítulo 2, que o homem natural não
aceita, não compreende as coisas de Deus, mas a evangelização moderna diz que textos
assim são apenas afirmações doutrinárias. Diz que esses textos são relevantes para os
crentes, todavia não seriam relevantes para os não salvos. Dizem: "Como podemos
ganhar as pessoas se dissermos que elas não podem se salvar a si próprias?" Concluem,
assim, que qualquer ensino que retira da mente dos ouvintes a capacidade de responder
imediatamente ao evangelho, na verdade é alguma coisa que impede a evangelização.
Dessa forma fazem do cristianismo alguma coisa bem simples e fácil. Dizem:
"aceite a Jesus hoje, é simples, não precisa se preocupar com seus pecados, Ele já lhe
perdoou. " Mas eles não somam aí o que é que significa realmente ser perdoado e quais
os frutos de uma vida verdadeiramente perdoada. Por isso, a evangelização moderna
produz cristãos muito superficiais, com uma religiosidade de apenas "12 centímetros" de
profundidade. O pastor batista, Erroll Hulse, trabalhou certa vez em uma cruzada
evangelística de massa com o Dr. Billy Graham e logo após, teve de escrever um livro
intitulado, O Dilema do Pastor, onde esclarece que menos de cinco por cento dos que
vinham à frente, no apelo, mostravam frutos subseqüentes em suas vidas. Se formos
comparar por um momento, tudo isso, com o ministério do puritano Richard Baxter, que
teve 600 pessoas convertidas na pequenina cidade de Kidderminster onde foi pastor,
fazendo-o dizer no fim de sua vida que ele não sabia de nenhum que tivesse caído ao
longo do caminho, perceberemos que há uma grande diferença. Há uma diferença entre
uma pregação superficial a respeito de Jesus e que ignora o pecado, e uma pregação que
diz ao pecador que ele não vai saber valorizar a Jesus enquanto não souber claramente o
que é pecado. A evangelização moderna põe toda a pressão em cima da vontade do
pecador e o pecador precisa tomar uma decisão imediata. Um ato de decisão feito pelo
homem usurpa o papel do Espírito Santo em salvar pecadores.
Evangelização puritana
A evangelização puritana tem uma mensagem bem mais ampla sobre o que é o
evangelho. O dever da fé é enfatizado, mas outros deveres também são ressaltados. Os
evangelistas puritanos vão dizer aos seus ouvintes, não salvos, que eles precisam se
arrepender, precisam parar de fazer o mal, precisam ser santos como Deus é santo,
precisam amar a Deus de todo o coração e precisam entrar pela porta estreita. Tudo isso
é enfatizado na evangelização puritana. Noutras palavras,a evangelização puritana
apresenta a Bíblia como um todo para confrontar o incrédulo. Contudo, sejamos
cuidadosos aqui. Eles não pregavam que o incrédulo tinha capacidade de fazer estas
coisas, mas pregavam a seus ouvintes as exigências das Escrituras, sabendo que o
Espírito Santo é quem faz tudo isso para mostrar aos pecadores que eles não podem
cumpri-las por sua própria força.
O alvo do puritano era levar a alma não sal va a uma encruzilhada, quando duas
estradas se cruzam. Uma dessas estradas poderia ser chamada a estrada da
necessidade e o pecador realmente convencido diria: "Eu preciso ser salvo, salvação é
minha necessidade!" A outra estrada poderia ser chamada a estrada da impossibilidade.
O pecador diria: "Eu não posso ser salvo; eu não consigo ser santo como Deus é santo;
não posso ir a Jesus e me dobrar diante dEle por minha própria força". Qual era o alvo do
puritano? Era o de levar o pecador a esta encruzilhada e ao chegar lá descobrir que
precisa ser salvo mas não pode. Dessa forma ele vai clamar ao Deus todo-poderoso:
"Faze por mim ó Senhor, o que eu não posso fazer por mim mesmo!". É isso que Paulo
faz nos capítulos 1,2 e 3 de Romanos; o mesmo fez João Batista quando pregava assim:
"Arrependei-vos porque o reino de Deus está próximo". João Batista não começou
dizendo: "Eis o Cordeiro de Deus...", porém começou dizendo "arrependei-vos". Quando
Jesus começou Seu ministério pastoral, Ele não disse "tome uma decisão por mim", mas
também começou dizendo "arrependei-vos porque o reino de Deus é chegado". Como foi
que Jesus evangelizou Nicodemus?Ele disse: "você precisa nascer de novo". Como
Jesus evangelizou o jovem rico? Ele disse: "Guarde os mandamentos". Por que Jesus lhe
disse isso? Ele sabia que o jovem não podia guardar todos os mandamentos no seu
coração. Jesus estava colocando como alvo a convicção de pecado.
Os puritanos não faziam na sua evangelização nada que os apóstolos e o próprio
Senhor Jesus não fizesse. Eles pregavam a lei para que os pecadores se sentissem
culpados perante Deus e aí pregavam Cristo, não um Cristo de 12 centímetros de
profundidade, e sim, Cristo completo na Sua altitude, na Sua amplitude e na Sua
profundidade. Pregavam Cristo destacando Seus ofícios, Seus nomes e Seus títulos.
Pregavam Sua natureza e Sua Pessoa,pregavam-no plenamente. Isso nos leva a uma
conclusão: o que nós estamos precisando desesperadamente é de uma evangelização
centralizada em Deus; uma evangelização centralizada na mensagem; centralizada na
Bíblia; não uma evangelização feita pelo homem, mas uma evangelização onde o Espírito
Santo está agindo na Palavra e por meio dela. Para este fim você e eu, como
evangelistas, nós mesmos fomos restaurados para um relacionamento mais vital e íntimo
com Deus por Jesus Cristo. O que nós precisamos desesperadamente é de carregadores
da tocha, homens e mulheres que estejam em chamas por Deus. Não de homens que
estejam em fogo por ensinos não bíblicos, mas de homens inflamados pelo ensino da
Palavra de Deus - sim, de homens cheios daquele temor filial a Deus. Você já percebeu
que todas as vezes que Paulo fala a pastores e presbíteros para dar-lhes algum conselho
ele sempre diz, "Tem cuidado de ti mesmo e depois do rebanho"?
Conclusão
Querido irmão, se você não odiar o pecado, se você não amar a Deus, se não
estiver cheio do poder de Cristo, não deve ficar surpreso de seu ministério ser tão
infrutífero. Se as pessoas perceberem que viver religiosamente não é viver a realidade da
nossa vida, elas vão ser levadas a desobedecer as nossas mensagens. Um dos nossos
grandes problemas hoje é que a nossa própria casa não está em ordem. Que Deus nos
leve a conhecê-lo de uma forma íntima e pessoal, seguindo-0 de forma incondicional e
pregando todo o conselho de Deus.
Queridos amigos, o tempo está curto, muito cedo vamos pregar nosso último
sermão, fazer a nossa última oração, participar da nossa última conferência, e a única
coisa que realmente vai contar é a seguinte: conhecemos realmente a Deus e a Jesus
Cristo a quem Ele levou assunto aos céus? Que Deus nos faça portadores da tocha da
evangelização puritana em nossa geração.
4
A Tocha da Evangelização Levada pelos Puritanos
2. Tinham uma pregação afetuosa, apaixonada. É uma coisa rara nos nossos
dias encontrar um pregador que tanto alimenta a mente dos ouvintes com substância
bíblica sólida, quanto também mova os seus corações, com um calor afetivo. Mas, esta
combinação era coisa comum aos pregadores puritanos. Falavam com amor e com
convicção. Pregavam com uma chamada clara à fé e ao arrependimento. Pregavam com
paixão o terror do pecado. Pregavam com calor a respeito de Jesus Cristo. Derramavam
do púlpito suas próprias almas em seus sermões. Eles praticamente davam suas vidas
pelo seu povo. Suplicavam aos seus ouvintes que se reconciliassem com Deus, não
porque pensassem que eles podiam se reconciliar com um Deus santo, mas porque eles
sabiam que o Deus todo-poderoso usa a loucura da pregação para salvar aqueles que
realmente vão crer. Sabiam, pelas Escrituras, que somente o Cristo onipotente podia
vivificar um pecador espiritualmente morto e mortificar a sua pecaminosidade, separá-lo
dele mesmo, fazendo -o desejoso de abandonar o seu pecado e voltar-se para Deus e
para a salvação completa por Ele oferecida. A pregação puritana apresentava todas estas
verdades com paixão.
Vida coerente
Os puritanos buscavam uma vida coerente com a Palavra de Deus em qualquer
lugar que estivessem. Um pastor puritano escreveu o seguinte: "A minha oração diária é
que eu possa ser tão santo na minha família, e nos momentos que eu passo sozinho com
Deus, como eu pareço ser quando eu estou em frente ao meu povo, no púlpito da minha
igreja". Os puritanos buscavam santidade em todas as áreas da sua vida, todavia uma
santidade que não era baseada em méritos pessoais. Eles sabiam que não possuíam tais
méritos. Eles buscavam, uma santidade que era fruto daquilo que Deus fizera por eles.
Por isso se destacaram na história da Igreja como inigualáveis na vida particular de
oração, na perseverança em manter o culto doméstico, nas orações em público, e na
pregação.
Perguntamos: será que costumamos orar individualmente como McCheyne e os
puritanos? Será que nós, de forma zelosa, até ciumenta, cuidamos de nossa vida de
comunhão com Deus? Será que estamos convictos que parar de vigiar e de orar é estar
esperando um desastre espiritual na nossa vida? Será que estamos submissos com
nosso coração e mente à disciplina da Palavra de Deus? Será que temos em nossa vida
diária aquele mesmo espírito dos puritanos que os tirou do mundo, colocando seus
corações nas coisas eternas, especialmente no próprio Deus? Será que estamos
movidos, como os puritanos, com aquela paixão que eles tinham de glorificar a Deus e
magnificar o nome de Jesus Cristo, falando contra o pecado e buscando a santidade?
Será que temos sede da glória de Deus? Não é suficiente ter livros puritanos nas nossas
prateleiras, nem mesmo é suficiente lê-los. Espero que sejam lidos, pois são amigos
maravilhosos e grandes mentores espirituais. São aquilo que Lutero disse: "Alguns dos
meus melhores amigos já morreram há muito tempo, mas eles ainda falam comigo
através da página impressa".
Eu sei pessoalmente o que isso significa, pois comecei a ler os puritanos quando
tinha nove anos de idade. Costumava ficar até tarde da noite lendo-os. Freqüentemente
minha mãe determinava que eu parasse de ler para dormir. Eu desligava a luz do meu
quarto, porém ia para a escada para observar a luz que saia por baixo da porta do quarto
dos meus pais. Quando ela se apagava, eu voltava ao meu quarto e continuava a ler! Lia
com um livro dos puritanos aberto diante de mim e a Bíblia aberta, ao lado. Lia devagar,
fazendo cinco ou seis orações por cada página que lia. Conferia nas Escrituras cada
texto que eles citavam. Os puritanos acabavam me levando sempre de volta à Bíblia - e
ela sempre me levava aos puritanos. Muitas vezes estava chorando enquanto lia, um
choro de alegria pela salvação plena que se acha em Jesus, mesmo um pecador como eu
era e ainda sou. Eu chorava com aquele desejo imenso de ser mais santo, de ser mais
parecido com Cristo e de ter mais daquela disposição interna dos puritanos. Precisamos
desta religião vivenciada por eles. Eles tinham suas falhas, e seus escritos não são a
Bíblia, mas eles nos ajudam a entender a Bíblia, e a sua piedade vital é um grande
exemplo para nós.
Conclusão
Dessa forma vamos nos desafiar uns aos outros para crermos no Deus dos
puritanos. Quem tem a coragem de ir além de uma simples leitura dos escritos dos
puritanos? De ir além de uma apreciação das idéias dos puritanos e viver uma vida como
eles viveram, levando avante a obediência e a santidade a Deus? Embora amemos a
Cristo, como os puritanos O amaram, será que estamos servindo a Deus como eles O
serviram? O Senhor nos fala em Jeremias 6:16: "Assim diz o Senhor: ponde-vos à
margem no caminho e vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho;
andai por ele e achareis descanso para as vossas almas".
5
A Tocha da Evangelização Passada para Nós
"Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou
os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque não temos sumo sacerdote que
não possa compadecer-se das nossas fraquezas, antes foi ele tentado em todas as
coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto,
confiadamente, junto ao trono da graça, afim de recebermos misericórdia e acharmos
graça para socorro em
ocasião oportuna. " - Hebreus 4:14-16