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Frade Frade
Vem um Frade com ũa Moça pela mão, e um Frade (F.) – personagem-tipo que representa os
broquel1 e ũa espada na outra, e um casco2 elementos do clero que não viviam de acordo
debaixo do capelo3; e, ele mesmo fazendo a baixa4, com a doutrina e os preceitos da Igreja.
Mais tarde na obra (v. 824), percebemos que
começou de dançar, dizendo:
esta personagem se chama Frei Babriel (Gabriel).
Apesar de nomeado, o F. continua a ser uma
FRADE Tai-rai-rai-ra-rão, ta-ri-ri-rão, personagem-tipo.
Ta-rai-rai-rai-rão, tai-ri-ri-rão, O F., apesar de se apresentar com o hábito de
370 tão-tão; ta-ri-rim-rim-rão Huha! dominicano, traz consigo objetos inusitados e
DIABO Que é isso, padre? Que vai lá? que o fazem parecer um fidalgo de corte, como o
“broquel”, “espada” e “casco”. Estranhamente,
FRADE Deo gratias!5 Sou cortesão.
traz consigo uma “Moça” (símbolo de depravação)
DIABO Sabês também o tordião6? com quem vem, de forma inconveniente, a assobiar
FRADE Porque não? Como ora sei! e, depois, a dançar a “baixa” (dança do século XVI
375 DIABO Pois, entrai! Eu tangerei7 muito divulgada na corte). As personagens-tipo
da obra são apresentadas sob a forma de uma
e faremos um serão. caricatura. Neste caso, o F. representa o clero,
de forma exagerada, mas fazendo uma crítica
Essa dama, é ela vossa? séria aos costumes e à postura totalmente
desadequada de alguns dos seus elementos.
FRADE Por minha la tenho eu,
e sempre a tive de meu.
Percurso da personagem:
1. broquel: pequeno escudo antigo. 2. casco: capacete. com orgulho, que a Moça é sua amante. O D. não
3. capelo: capuz. 4. fazendo a baixa: assobiando ou tem de fazer acusações. É o F. que, com o seu
trauteando a música de uma “dança baixa”. 5. Deo gratias!: comportamento inconsciente e pecaminoso,
Graças a Deus! 6. tordião: dança cantada. 7. tangerei:
se autocondena
tocarei.
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Auto da Barca do Inferno à lupa
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Frade
FRADE Mantenha Deos esta coroa18! v. 417 – cómico de situação e cómico de carácter:
DIABO Ó padre Frei Capacete! de repente, o F. tira o capuz, referindo a sua
“coroa” (penteado tradicional dos frades),
Cuidei que tínheis barrete!
revelando, todavia, um capacete. Para além
420 FRADE Sabê que fui da pessoa!19 do comportamento libertino, acentuado pelo
Esta espada é roloa20 comportamento do F. e pela presença da Moça,
e este broquel rolão. os restantes adereços cénicos, como o “casco”, o
“broquel” e a espada, destacam o comportamento
DIABO Dê Vossa Reverência lição destes elementos da Igreja que se mostram
d’esgrima, que é cousa boa! libertinos e mundanos
v. 418 – apóstrofe
vv. 420-422 – cómico de carácter: arrogância do F.
Começou o Frade a dar lição d’esgrima com a
vv. 421-422 – “roloa”/”rolão” – adjetivos inicialmente
espada e broquel, que eram d’esgrimir, e diz desta referentes ao herói Roland das histórias medievais
maneira: de cavalaria, Chanson de Roland, que tinha uma
espada inquebrável, mas que também podem
significar de reles qualidade
425 FRADE Deo gratias! Dêmos caçada!21
vv. 425-451 – cómico de situação: depois de
Pera sempre contra sus!22 instigado pelo D., o F. dá uma lição de esgrima;
Um fendente!23 Ora sus! gíria da esgrima
Esta é a primeira levada24.
Alto! Levantai a espada!
430 Talho25 largo, e um revés26!
E logo colher os pés27,
que todo o al28 no é nada.
16. v. 414: Mais bem aviado estás tu! 17. pingado: torturado
com pingos de azeite ou de gordura a ferver. 18. esta
coroa: corte de cabelo em forma de coroa. 19. v. 420: Fui
uma pessoa importante. 20. roloa: reles, ordinária (palavra
com sentido duvidoso). 21. Dêmos caçada!: Vamos à
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