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Introdução

Na Colômbia, assim como em diversos outros países da América-Latina,


o ensino de história é tema de intensa disputa. Seja para manutenção de uma
hegemonia previamente imposta ou pela problematização e rompimento com a
mesma. Nas palavras de Núbia Astríd (2012), o ensino de História e das
Ciências Sociais ajudam a perpetuar uma narrativa que transforme ou
solidifique uma linha ideológica dentro do meio social e fortaleça uma
identidade nacional. Seguindo na mesma linha, retomo ao conceito de currículo
de Ivor Goodson (1991), onde afirma que o currículo é a invenção ou a
problematização de tradições há muito colocadas e concretizadas dentro do
âmbito acadêmico-social, que apresenta sujeitos, demandas e uma narrativa
produzida de acordo com a linha de raciocínio vigente, ou seja, de acordo com
a tradição em vigor. A partir disso, recorro sobre a construção do ensino de
História na proposta curricular apresentada pelo Ministério da Educação
Nacional (MEN) em 2002, o qual apresentava significantes mudanças e
implementações perante um currículo há muito a mercê da colonialidade, de
raízes positivistas e da produção e valorização de uma narrativa que “deixava
de lado” a pluriculturalidade (MARTÍN, 2016) como processo de formação
identitário, apesar das diversas tentativas de reverter este cenário.
Como afirma Núbia Astríd (2012), houve duas grandes reformas
curriculares em território nacional colombiano: a primeira em meados dos anos
70 até a publicação do decreto 1002 de 1984 e a segunda em 2002. A primeira
proposta tinha como objetivo entender a identidade nacional como prelúdio
para o respeito pelas diferenças, o apreço pelo meio ambiente e a construção
de noções temporais e espaciais. De acordo com Gonzaléz (2011), esta
proposta foi o primeiro esforço em formalizar discursos e práticas sobre as
Ciências Sociais ao colocar em jogo um campo em construção e, com isso, seu
aparato conceitual e metodológico. Com esta proposta, se iniciavam os planos
de emancipação do currículo tradicional com raízes provindas do positivismo. O
objetivo central do programa curricular era de “formar homens conscientes que
conheciam a realidade colombiana e nela situavam-se criticamente ao
participarem de sua transformação ou aperfeiçoamento” (SANCHÉZ, 2012).
Neste sentido, o “homem ideal” não era o formado pela “história pátria” e para a
pátria, como em programas anteriores. O “homem ideal” era um sujeito crítico,
ativo e capaz de compreender a realidade e transformá-la. Apesar de
apresentar um tranco inicial na problematização da identidade nacional
formalizada dentro dos programas anteriores a este e um caráter progressista,
houve diversas críticas a esta proposta nos anos 80 que levaram ao desuso a
partir do decreto 1002 publicado em 1984.
Assim, em 2002, é publicada a segunda grande reforma curricular,
conhecida simplesmente como “Los Lineamientos Curriculares”. Esta proposta
apontou uma diferença substancial da primeira ao apresentar um
balanceamento do ensino das ciências sociais nos últimos vinte anos do país e
ao retomar o caráter interdisciplinar, que ajudou a sustentar, a viabilizar a
mesma a partir do ensino de problemas sociais relevantes. Esta segunda
proposta tinha como objetivos centrais ajudar a compreender a realidade
nacional para fomentar o desenvolvimento de uma consciência crítica. Com
isso, novas demandas sociais foram introduzidas, em contraponto à narrativa
de “a história dos valores pátrios”, há muito encrustada nos planos curriculares
nacionais.
“A primeira disciplina social a surgir foi, e não poderia ser diferente, a
História, com fim de justificar reformas ou reforçar ideologias” (MEN, 2002).
Com a promulgação da Constituição de 1991 e o consequente reconhecimento
da multiculturalidade e pluridiversidade como princípios identitários, surgiram
diversas transformações que buscaram englobar temas antes nunca citados e
“invisíveis” ao ensino de história. A proposta de 2002 emergiu da necessidade
de incorporar novas dimensões da vida dos cidadãos e estudantes. Dessa
forma, busca-se uma integração de saberes e de uma interdisciplinaridade que
dão respostas contextualizadas aos problemas e exigências da sociedade.
Assim, uma “nova” narrativa estruturada surge, baseada em “novas” demandas
sociais, em sujeitos antes excluídos (ou apresentados de forma tímida) na
realidade colombiana, diferindo-se de propostas anteriores que “invisibilizavam”
certos temas a serem ensinados e propunham uma valorização da identidade
nacional construída ao longo dos anos, desde a independência: a do “cidadão
pátrio”.

Invisibilidades e controvérsias na proposta curricular: um exemplo


Como afirma Nilson Javier (2016), ao utilizar como exemplo o ensino das
matrizes socioculturais africanas, a proposta, apesar de apresentar um caráter
interdisciplinar e buscar abarcar sujeitos datados como o “outro” dentro de um
contexto narrativo eurocêntrico vigente, possui diversas controvérsias quanto a
inserção de temas como as matrizes africanas, os indígenas e sua cultura (que
são essenciais para entender a relação passado-presente no qual o cidadão a
ser formado está inserido) e a problematização uma identidade nacional
baseada na construção de um “nacionalismo pátrio”, que conta com as
histórias de “grandes heróis” e “grandes acontecimentos”, estes todos situados
dentro de uma narrativa-mestra, cujo contexto é apresentado em um cenário de
presente colonialidade.
Dessa forma, mesmo com o claro objetivo de “multiculturalizar” o
currículo, sujeitos como os negros, nativos e suas trajetórias ainda são
ensinados a partir do marco cronológico da chegada dos espanhóis e da
escravidão. Com isso, toda a história das populações negras antes da
escravidão é deixada de lado como objeto de estudo analítico. Nas palavras de
Nilson, mesmo com uma reforma que propunha a “defensa de la condición
humana y el respeto por su diversidade: multicultural, étnica de géneros y
opción personal de vida como recreación de la identidade colombiana”
(MARTÍN, 2016), o tema “afro” ainda se encontrava de forma abstrata e
generalizada, além de contemplar apenas as grades do quarto e sétimo ano (9
a 13 anos). A proposta dos Lineamientos Curriculares demonstrava uma
organização cronológico-temática com um forte acento eurocêntrico em relação
ao tema, explicitando que, apesar da tentativa, o currículo ainda estava fadado
a uma narrativa predominantemente colonial. Não se busca superar o discurso
racista, mas sim camuflar. Isso joga a proposta e o objetivo do programa
curricular em uma controvérsia, pois “esta não aborda a multietnicidade e a
multiculturalidade ao projetarem um falso reconhecimento das populações
negras como parte constitutiva da identidade colombiana, e não reconhecem
suas matrizes a partir da negação sistemática de sua condição histórica”
(MARTÍN, 2016). Para concluir este pensamento, o historiador afirma:
En este sentido, aunque se pueden apreciar a lo largo de la
primera década del siglo XXI algunas modificaciones en los
textos escolares sobre la forma en la que se registra la
“presencia” de lo(s) negro(s) en la historia de Colombia,
transformaciones que se han venido “amplificando” de la mano
de la emisión de leyes, decretos y orientaciones educativas que
plantean la dignificación y reconocimiento de las comunidades
afrocolombianas, estos cambios no han sido tan profundos y,
en muchos casos han establecido por el contrario las bases
para la ampliación y reconfiguración de explicaciones
reduccionistas, esencialistas y estereotipadas, que se oponen
al ideal de respeto y valoración de la matriz sociocultural negra
como parte de la identidad colombiana (Martín, 2016).

A disputa pelo saber histórico no currículo

Assim como já citado anteriormente, de acordo com Ivor Goodson, o


currículo trata-se da invenção de uma tradição e apresenta caráter conflitivo.
Este caráter conflitivo desta tradição implica no reconhecimento de metas e
valores derrotados, invisibilizados. Há de ter uma noção sobre quem “controla”
o currículo, a quais grupos atendem os interesses da narrativa apresentada.
Perante esta noção de currículo, o historiador Diego Hernán Arias
Goméz (2015) explicita que o saber histórico estava limitado a reproduzir o
conhecimento produzido como uma verdade inquestionável, que não exigia do
estudante sua compreensão, mas sim a memorização para aplicação em
exames. Percebe-se, desde o início da construção do conhecimento histórico,
que este tinha como objetivo forjar uma identidade de valores pátrios (GOMÉZ,
2015).
Para Diego, o grande inconveniente da proposta de 2002, entre outros,
foi a de que, apesar de “disfarçar” um caráter progressista, retomava valores
tradicionais antes impostos aos currículos ao apresentar um enfoque temático-
cronológico ao ensino tradicional, de memorização e repetição (GOMÉZ, 2015).
Reforçava esta identidade pátria e estereótipos, além de demonstrar as já
citadas controvérsias à sua proposta central de romper com um currículo
tradicional e abarcar temas e narrativas antes não inscritas no currículo. Tais
temas referem-se a questões de gênero, o período de “La Violencia”, a matriz
sociocultural africana, etc.
Percebe-se, de certa forma, que, apesar da disputa pelo conhecimento
histórico a ser produzido e da construção de uma “nova história” a partir dos
anos 80 na Colômbia, os currículos acabam por cair em uma prescrição do que
deve ser ensinado, que pode levar o aluno somente a decorar, e não
compreender. Um exemplo disso é que, ao ano de 2004, surgem os
Estándares Básicos eEnm Ciencias Sociales, em contrapartida aos
Lineamientos Curriculares, que propõem uma redução da complexidade que a
proposta de 2002 pretendia abarcar. Surge o discurso de “saber y saber hacer”
como objetivo para alcançar a qualidade da educação colombiana. Essa
proposta dos Estándares Básicos, publicada em 2004, volta a apresentar uma
narrativa que forjava (neste caso, reforçava e a modificava aos tempos atuais)
uma identidade curricular que vem sendo construída desde o século XIX e
retoma com os conteúdos cronológicos e sequenciais aos quais os
Lineamientos Curriculares pretendiam superar, mesmo que de forma, como
apresentado anteriormente, controversa (GOMÉZ, 2015).

Conclusão
Desta forma, apesar dos esforços produzidos pela proposta de
2002 em renovar o currículo e problematizar conceitos como a identidade e a
narrativa já há muito concretizadas, esta cai em desuso. Em um cenário como
da Colômbia, onde houve diversas tentativas com poucos sucessos de se
apresentar um currículo que trabalhe com a realidade colombiana e suas
matrizes, fugindo de uma narrativa eurocêntrica baseada em exploração e
colonização, devemos analisar sobre qual mentalidade busca-se construir e a
quem interessa o currículo. Invisibilizar a história indígena, por exemplo,
demonstra que o currículo é produzido a partir de uma visão epistemológica
construída por uma elite que reconhece suas raízes a partir da chegada dos
europeus ao território hoje conhecido como Colômbia (MARTÍN, 2016). Dessa
forma, analisar as transformações no currículo e reconhecer esforços para
superação do eurocentrismo servem para que, numa futura reavaliação
curricular, possa-se aplicar e abarcar demandas e sujeitos sociais de forma a
reconhece-los como parte da formação do processo identitário colombiano.

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