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0-Atividade Monteiro L.
0-Atividade Monteiro L.
— Coitada da Das Dores, tão boazinha… Jeca Tatu desenhado por Belmonte
Das Dores é isso, só isso – boazinha. Não possui outra qualidade. É (1897-1947), um dos principais
feia, é desengraçada, é inelegante, é magérrima, não tem seios nem cadei- cartunistas da primeira década do
século XX, para ilustrar o livro Ideias
ras nem nenhuma rotundidade posterior; é pobre de bens e de espírito; e de Jeca Tatu, de 1919.
é filha daquele Joaquim da Venda, ilhéu de burrice ebúrnea – isto é, dura
como o marfim. Moça que não tem por onde se lhe pegue fica sendo ape-
nas isso – boazinha.
— Coitada da Das Dores, tão boazinha… Margens do texto
MONTEIRO LOBATO, J. B. R. Cidades mortas. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 65. 1. Qual é o significado do vocábu-
lo engenhosas? Por que as “mães
A descrição de Das Dores evidencia, de forma geral, a tendência de Lobato
engenhosas” são chamadas de
à caricatura, composição marcada pelo exagero de um traço característico, “benditas”?
e, de forma específica, uma visão preconceituosa que desvaloriza a mulher. 2. Quem é o alvo da crítica desse
Para a análise do trabalhador rural paulista, Lobato recorreu à tradição conto? Por quê?
realista-naturalista, da qual vinham os pressupostos científicos de degene-
ração racial causada pela miscigenação, muito empregados por ele.
Sua leitura
VOCABuLÁRIO
Em 1914, Monteiro Lobato escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo o artigo “Velha praga”, dE APOIO
em que denunciava a prática de queimadas para limpar áreas de plantação no interior paulista. apaiolar:
armazenar
Nesse artigo e no seguinte, “Urupês”, apresentou o caboclo (trabalhador rural) como pregui-
aparar: estender
çoso, ignorante e apático. Essa visão a respeito de Jeca Tatu, personagem-símbolo do caboclo, objeto para
aparece no trecho a seguir. Leia-o e responda às questões. segurar algo
biboca: habitação
Urupês humilde,
pequena
[…] bosquímano:
Quando comparece às feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre coisas que a nome dado
natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher – cocos de pelos europeus a
tucum ou jiçara, guabirobas, bacuparis, maracujás, jataís, pinhões, orquídeas; ou artefatos de alguns povos que
taquarapoca – peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de caçador; ou utensílios de madeira habitam a África
meridional
mole – gamelas, pilõezinhos, colheres de pau.
Nada mais. cuia: recipiente
usado para beber
Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai
cumeeira: parte
longe. elevada do
Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gar- telhado
galhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquímano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipa- esbeiçado: de
da esteira de peri posta sobre o chão batido. bordas gastas
Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para os hóspedes. Três pernas per- espipada: furada
mitem equilíbrio; inútil, portanto, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para gamela: vasilha
que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam? de madeira ou
Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo – colher, garfo e faca a um tempo? barro
No mais, umas cuias, gamelinhas, um pote esbeiçado, a pichorra e a panela de feijão. gretar: rachar
Nada de armários ou baús. A roupa, guarda-a no corpo. Só tem dois parelhos; um que traz mantimento:
no uso e outro na lavagem. conjunto de
Os mantimentos apaiola nos cantos da casa. alimentos
Inventou um cipó preso à cumeeira, de gancho na ponta e um disco de lata no alto: ali pen- munheca: pulso,
dura o toucinho, a salvo dos gatos e ratos. mão
Da parede pende a espingarda pica-pau, o polvarinho de chifre, o São Benedito defumado, o nesga: pedaço
rabo de tatu e as palmas bentas de queimar durante as fortes trovoadas. Servem de gaveta os parelho:
buracos da parede. conjunto de
Seus remotos avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão quarta per- calça e paletó
masculinos
na ao banco. Para quê? Vive-se bem sem isso.
peri: planta que
Se pelotas de barro caem, abrindo seteiras na parede, Jeca não se move a repô-las. Ficam pe- fornece fibra
lo resto da vida os buracos abertos, a entremostrarem nesgas de céu.
pica-pau:
Quando a palha do teto, apodrecida, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jeca, em vez de espingarda de
remendar a tortura, limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante… carregar pela
Remendo… Para quê? se uma casa dura dez anos e faltam “apenas” nove para que ele aban- boca
done aquela? Esta filosofia economiza reparos. pichorra:
[...] pequeno jarro de
barro com bico
MONTEIRO LOBATO, J. B. R. Urupês. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 168-169. pilão: objeto
usado para
Sobre o texto esmagar ou
triturar alimentos
1. O trecho lido apresenta uma visão do cabloco como alguém pouco civilizado.
polvarinho:
a) De que maneira, ao descrever os hábitos do cabloco, o autor constrói essa visão? frasco de levar
b) Esta frase resume a perspectiva do autor sobre a natureza do caboclo: “Seu grande cuidado pólvora
é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longe”. Explique samburá: cesto
a ironia da frase. feito de cipó ou
taquara
2. Os verbos no presente do indicativo predominam nessa descrição. Que efeito é obtido pelo
seteira: fresta na
emprego desse tempo e desse modo verbal? parede
3. Considerando esse trecho, é correto afirmar que o narrador culpa o governo pela condição tipiti: cesto
de vida dos caboclos? Por quê? utilizado para
o preparo de
4. Em que medida a descrição do caboclo feita por Lobato dialoga com as correntes científicas alimentos à base
do final do século XIX sobre a miscigenação? Explique. de mandioca-
-brava