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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL - CAMPUS PAULISTA

BACHARELADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

O FRACASSO DA INTERVENÇÃO NORTE-AMERICANA NO AFEGANISTÃO

GIOVANNA SCHIAVO VELASCO

GUILHERME BULHÕES RODRIGUES DOS SANTOS

MILLENA BELLO DA SILVA

SÃO PAULO - SP

2022
GIOVANNA SCHIAVO VELASCO

GUILHERME BULHÕES RODRIGUES DOS SANTOS

MILLENA BELLO DA SILVA

O FRACASSO DA INTERVENÇÃO NORTE-AMERICANA NO AFEGANISTÃO

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito parcial para
obtenção do título de bacharel em Relações
Internacionais pela Universidade Cruzeiro do
Sul.

Orientador: Profº Mestre Conrado Ottoboni


Baggio

SÃO PAULO - SP

2022
SUMÁRIO

RESUMO 1

INTRODUÇÃO 2

1.0 BREVE HISTÓRICO DO AFEGANISTÃO 4


1.1 GEOGRAFIA E DEMOGRAFIA 4
1.2 O AFEGANISTÃO: DA ANTIGUIDADE À COLONIZAÇÃO BRITÂNICA 7
1.3 O AFEGANISTÃO COMO UM ESTADO INDEPENDENTE E A INVASÃO DA URSS. 8
1.4 O PERÍODO DO TALIBÃ E A ALIANÇA COM A AL-QAEDA. 11

2.0 O FRACASSO DAS INICIATIVAS NORTE-AMERICANAS NO AFEGANISTÃO 13


2.1 CORRUPÇÃO, INEFICIÊNCIA E TRÁFICO DE DROGAS 15
2.2 A PERPETUAÇÃO DA POBREZA NO AFEGANISTÃO 18
2.3 VIOLAÇÕES HUMANITÁRIAS 20

CONSIDERAÇÕES FINAIS 22

REFERÊNCIAS 24
1

RESUMO

A intervenção norte-americana no Afeganistão ocorreu após os atentados do 11


de setembro de 2001. Com isso, o governo americano agiu de forma a acabar com a
Al-Qaeda e com o regime do Talibã e, a partir de outubro do mesmo ano, tropas foram
enviadas ao Afeganistão. Durante os primeiros meses, o governo do talibã foi retirado e
em 2002, começou um processo de estabilização no Afeganistão, pois durante duas
décadas o país foi marcado por inúmeros conflitos que não permitiam que um governo
se desenvolvesse. Sendo assim o objetivo deste trabalho é analisar como os vinte anos
de intervenção norte-americana foram ineficazes, fazendo uma retrospectiva da história
do Afeganistão mostrando sua complexidade e a falta de resultados da invasão em si.

Palavras-chave: Intervenção americana; Afeganistão; Estabilização;

ABSTRACT

The American intervention in Afghanistan took place after the attacks of September 11,
2001. With that, the American government acted in order to end Al-Qaeda and the
Taliban regime and, as of October of the same year, troops were sent to Afghanistan.
During the first months, the Taliban government was removed and in 2002, a
stabilization process began in Afghanistan, since for the past two decades the country
was marked by numerous conflicts that did not allow it for a government to develop.
Therefore, the objective of this project is to analyze how the twenty years of US
intervention were ineffective, by making a retrospective of the history of Afghanistan,
showing its complexity and the lack of results of the invasion itself.

Key Words: American intervention; Afghanistan; Stabilization;


2

INTRODUÇÃO

Em setembro de 2021, as imagens da retirada norte-americana do Afeganistão e


dos civis em pânico rodaram o mundo, trazendo à tona novamente a discussão sobre a
invasão norte-americana durante duas décadas e como, em grande medida, essa
ocupação foi desastrosa e não atingiu seus objetivos.

Tendo isso em vista, muito se tem contestado sobre o sucesso das iniciativas
norte-americanas no Afeganistão durante duas décadas no país, e esse é o objetivo
geral deste trabalho.

Além disso, os objetivos específicos incluem: contextualizar o contexto geográfico,


étnico e cultural do Afeganistão; explicar porque o Afeganistão é considerado o túmulo
de impérios do século XIX; descrever a Guerra Soviética-afegã (1979-1989), o
surgimento do grupo Talibã e sua relação com o grupo extremista islâmico Al-Qaeda; e
analisar porque a intervenção norte-americana não foi bem sucedida no território
afegão.

Em outras palavras, os objetivos específicos também mostram, para a área de


relações internacionais, como é possível entender essa questão a partir da
contextualização da situação social e política do Afeganistão, durante a intervenção, e
analisar suas consequências no período que ela ocorreu.

O trabalho se torna relevante na área de relações internacionais porque permite ao


leitor refletir sobre o papel de nation building no mundo; sobre a eficácia de
intervenções militares no planeta; e também a relevância e o poderio norte-americano
no século XXI.

O tipo de pesquisa utilizada no presente artigo básico foi descritiva em relação aos
objetivos. Assim, para construir as hipóteses, a metodologia envolve a análise e o
estudo de dissertações e afins, ligados direta e indiretamente com o problema
pesquisado.
3

Os procedimentos de coleta dos dados ao longo do projeto, foram realizados através


de pesquisa bibliográfica, com uma abordagem qualitativa, com a finalidade de
relacionar os dados históricos, políticos, sociais e econômicos numa linha narrativa para
gerar um aspecto mais detalhado do desenrolar do conflito e para gerar, no fim, uma
resposta à questão.

Ao longo da construção da pesquisa, o primeiro procedimento realizado diz respeito


à obtenção de fontes confiáveis e certificadas por revistas científicas ou por faculdades,
via projetos. Em seguida, definiram-se as categorias do tipo de pesquisa, espaço
geográfico, situação dos militares e das companhias militares privadas em solo afegão,
o povo afegão ao longo dos anos e opinião pública mundial e por fim, o trabalho foi
compilado em duas partes, os detalhes geopolíticos do Afeganistão e os problemas da
intervenção.

Portanto este trabalho será dividido da seguinte forma:

Depois dessa introdução veremos o capítulo 1 sobre os aspectos geográficos,


socioeconômicos, a situação pré-intervenção do Afeganistão e as razões que levaram à
intervenção americana em 2001.

No capítulo 2, analisaremos o fracasso da intervenção e as motivações pelas quais


ela foi considerada mal sucedida em aspectos financeiros e políticos focando na
inaptidão das forças de intervenção-americanas em acabar com a corrupção e
ineficiência da administração do país, sendo muitas vezes até responsáveis por agravar
esses problemas. Além disso, será mostrado como o uso em larga escala de
companhias militares privadas agravou a situação da violência no Afeganistão, gerando
diversos casos de violações humanitárias.

Em seguida nas considerações finais será mostrado como a retirada apressada dos
Estados Unidos, no final de agosto de 2021, quando comparada com os custos (tanto
materiais quanto humanos) da ocupação, representa a culminação de vinte anos de
esforços desperdiçados ou mal alocados.
4

1.0 BREVE HISTÓRICO DO AFEGANISTÃO

1.1 GEOGRAFIA E DEMOGRAFIA

Localizado na Ásia Central, o Afeganistão é um país com terrenos montanhosos


(o que sob a ótica internacional pode trazer vantagens estratégicas na Ásia do Sul) que,
apesar de não possuir saídas para o mar, ainda consegue gerar muito interesse nos
seis países que fazem fronteira com ele: Paquistão, Irã, Tajiquistão, Uzbequistão,
Turquemenistão e com a China. Dificilmente, um Estado nação que possui vizinhos tão
instáveis não estaria envolvido em conflitos de outros países que estão constantemente
brigando e em estado de alerta. Todos possuem interesses em boa parte do que
acontece dentro do país, já que ele é uma das poucas rotas de conexão entre todos
esses vizinhos internacionais.

Sua capital, Cabul, a cidade mais populosa do Afeganistão, está localizada no


vale do rio Cabul e possui 3.573.000 de habitantes em sua região metropolitana.

Mapa 1: Países que fazem fronteira com o Afeganistão.

Fonte: Britannica 2022.


5

Uma localização tão propícia para envolvimento involuntário em conflitos


externos, uma política extremamente volátil e o baixo desenvolvimento econômico e
humanitário serviram como fatores que impediram a melhora interna quanto para a
melhora externa do país.

Todos esses fatores, aliados a uma história de guerras e divisões oriundas desde
a dinastia Timúrida e Mongol, acabaram por levar o Afeganistão a ser um Estado em
constante conflito, onde o povo precisou lutar contra tiranos nacionais e países
europeus tentando colonizar seu território.

O Afeganistão é um país conhecido pela sua economia fraca, que sobrevive de


ajudas internacionais e da pouca agricultura, que mal serve para a maioria dos
cidadãos. (ISAR, S. 2014, p. 1)

Mas, o que se mostrou como motivo principal de interesse internacional no


território afegão a partir do século XX e XXI foi a vontade em explorar sua localização
geográfica estratégica, como ferramenta de lucro, com a criação de passagens de gás e
petróleo. Andando paralelamente com essas formas de especulação econômica, existe
a parte ilícita de geração e movimentação financeira baseada em drogas. Como o país
é um ponto de conexão entre os países pouco vigiado e muito vasto, ele
constantemente recebe e produz drogas ilegalmente para ser contrabandeado nas suas
fronteiras via cartéis e traficantes. (BURD, W.; WARD, C, 2004, p. 2)

Com um amplo histórico de invasões, guerras e tentativas de dominação, a


miscigenação ocorreu por todo o território, formando, ao longo dos séculos, uma grande
diversidade étnica, dos quais os que mais se destacam são os pashtuns, tadjiques,
hazaras e outros grupos menores como os quirguizes, balouches, paramiris e outros,
que ainda se mostram relevantes para a geopolítica local.
6

Mapa 2: Grupos Etnolinguísticos no Afeganistão.

Fonte: El País 2021.

Os Pashtuns são a etnia mais numerosa e ocupam a área mais extensa, ao sul
de Kandahar, possuindo uma língua própria, havendo tantos pashtuns no lado
paquistanês da fronteira, como no Afeganistão. Os Tadjiques (sunitas, incluindo
os Hymaks; 25-30% da população), os Uzebeques (7-10% da população), os
Turcomenos (menos de 2% da população) ocupam uma ampla faixa no norte
junto das fronteiras das repúblicas centro-asiáticas. Os Hazaras (xiitas; 10-15%
da população) ocupam o centro do país e acentuam a complexidade do quadro
afegão, quer pelas suas características físicas quer pelo fato de serem uma
minoria xiita num país maioritariamente sunita, tendo sido, por isso
marginalizados política e economicamente ao longo da história. Grupos
menores, como os Quirguizes, os Balouches, os nouristanis, os pamiris,
representam menos de 2% da população, por cada comunidade e espraiam-se
pelas fronteiras inter­nacionais, testemunhos da arbitrariedade do antigo poder
colonial. (Baptista, 2006, p. 12)
7

1.2 O AFEGANISTÃO: DA ANTIGUIDADE À COLONIZAÇÃO BRITÂNICA

Os primeiros documentos da região conhecida como o atual Afeganistão são as


escrituras zoroastristas que datam de 530 a.C., época do reinado de Ciro, o Grande. Os
reinos tribais existentes na região historicamente se opuseram aos impérios
colonizadores, como se observou no reinado de Dario, o Grande. Cidades como Cabul,
Herat e Kandahar têm sua fundação atribuída a Alexandre Magno, que conquistou,
juntamente com o exército grego, o Afeganistão e a Ásia central, passando em seguida
para a conquista de parte da Índia. Com isso os gregos determinaram uma civilização
grego-budista já que, na época, a maioria de sua população era budista. A partir do
século VII sua população foi convertida ao islamismo, com expansão dos exércitos
árabes no oriente médio. (BAPTISTA, 2006, p. 5)

No final do século X instalou-se a dinastia Gaznávida (de 997 a 1186), de turcos


do norte, tendo suscitado um renascimento artístico e intelectual. Contudo, foi
Gengiscão (1162-1227) que atravessou em 1219 o Afeganistão com as suas
hordas de Mongóis e veio a destruir esta civilização, deixando atrás de si os
Hazaras actuais, resultantes da mistura entre os Mongóis e as tribos locais. As
devastações mongólicas intensificaram a fragmentação da região (Rashid,
2000; Marsden, 2002). (BAPTISTA, 2006, p.5)

Somente sob o domínio de Tamerlão, que se conseguiu um controle único do


território. Este novo império se estendia da Rússia até a Pérsia; da Turquia até a Índia.
O reinado dele foi considerado sangrento, juntamente com os de seus sucessores.
Segundo Baptista o período é designado como Timúrida, tendo durado até 1506. A
fusão entre a cultura central asiática e persa foi um grande legado para o futuro do
Afeganistão. (BAPTISTA, 2006, p. 5)

Ainda segundo Baptista (2006, p. 6), após o nascimento da dinastia Timúrida, o


Afeganistão foi dividido entre os impérios Mongol e Safávide, de origem persa. Os dois
impérios combateram-se e tiveram que, simultaneamente, enfrentar revoltas de
diversas tribos afegãs.

Já entre os séculos XVIII e XIX se tem uma tentativa de colonização da Índia e


se instauram conflitos entre franceses, ingleses e o império russo, que buscava uma
8

saída para o oceano Índico. Com isso, eclodem três guerras anglo-afegãs. A primeira
guerra (1839-1842) foi marcada por uma derrota inglesa, que tentou implantar seu
modelo colonial criando assim uma revolta armada. Já a segunda guerra (1878-1879),
foi desenvolvida por um conflito de influência de russos e ingleses, que foi finalizado
com o tratado de Gandamak (permitindo ao Reino Unido a implementação de uma
delegação na cidade de Cabul e uma orientação na política externa do Afeganistão).
(BAPTISTA, 2006, p. 6)

Devido às frequentes tensões entre Inglaterra e Rússia, foram fixados acordos


que delimitam a fronteira ao norte do Afeganistão. Já em 1907, devido a um
desentendimento do Reino Unido com a Rússia, o Afeganistão passa a ser controlado
pelo Reino Unido. A terceira e última guerra anglo-afegã ocorreu após a morte do emir
Habibullah Khan (1919) que foi o responsável por manter Rússia e Inglaterra afastadas,
mantendo assim a independência do Afeganistão, mesmo com os acontecimentos da
Primeira Guerra Mundial. Esta guerra terminou com o tratado de Rawalpindi que
reconheceu a independência afegã. (BAPTISTA, 2006, p. 6)

1.3 O AFEGANISTÃO COMO UM ESTADO INDEPENDENTE E A INVASÃO DA


URSS.

Após a independência do Afeganistão, houve um reconhecimento do governo


que surgiu da revolução russa (1917), depois disso se extinguiu a chance de uma
colonização inglesa no Afeganistão. Os governos que o sucederam tiveram uma imensa
dificuldade numa tentativa de europeizar o Afeganistão, por conta da oposição de
liderança muçulmana e tribos conservadoras. (BAPTISTA, 2006, p. 6)

Em 1964 foi instaurada, com Zahir Shah, a monarquia constitucional que


resultou num período, simultaneamente de reformas e tolerância, como de
instabilidade política e crescente radicalismo. Nessa altura tinha bastante
importância o PDPA (Partido Democrático do Povo Afegão) com duas facções,
a Khalq (povo) de Taraki, com predomínio das etnias tadjique e hazara e que
ambicionava uma revolução operária camponesa, e a facção Parcham
(bandeira) de Babrak Karmal, com predomínio pashtun e que pretendia a união
popular com a participação da classe média, intelectuais e militares. Pouco
depois, surgiu uma tendência política dos tradicionalistas islâmicos, sob
liderança de Rabbani (tadjique), da Associação Islâmica (Jámiat-e Islami) e
9

Hekmatyar (pashtun), chefe do Partido Islâmico (Herzb-e Islami) que


pretendiam contrariar o carácter laico do PPDA. (BAPTISTA, 2006, p.6)

Com o apoio do PPDA, Mohammed Daud Khan dá um golpe militar em 1973 e


proclama uma república. Sua dependência com os pró-soviéticos, o faz se indispor com
os tradicionalistas islâmicos. Já em 1978, o país sofre um novo golpe militar, só que
desta vez com os militares do grupo Parcham também pertencentes ao PPDA, trazendo
a proclamação da República Democrática do Afeganistão, levando assim a uma união
onde o governo tinha os dois grupos do PPDA interligados sob o comando de
Mohammed Taraki. (BAPTISTA, 2006, p. 6-7)

O Afeganistão, desde sua independência, teve uma forte aproximação da União


Soviética, e a relação soviética-afegã começou com os soviéticos sendo os primeiros a
reconhecer a independência do território afegão, assim estabelecendo relações
diplomáticas entre ambos e tendo assim uma grande influência russa dentro do país.
(CUNHA, 2020, p. 3)

Em 1978 a URSS e o Afeganistão estabeleceram um Tratado de Amizade para


promover o desenvolvimento mútuo, onde mais tarde foi rompido pela URSS que
invadiu o Afeganistão, entrando em guerra direta pelo poder, e com isso começou a
guerra soviética-afegã. (CUNHA, 2020)

Durante nove anos o Afeganistão enfrentou a chamada Guerra do Afeganistão


ou Invasão Soviética ao Afeganistão (1979-1989), na qual um grupo de rebeldes
começou a se organizar contra a ocupação soviética. A União Soviética enviou suas
tropas para apoiar o governo afegão e enfrentar o grupo da oposição mujahedins, (que
viria a se tornar o Talibã) e recebeu financiamento e apoio dos Estados Unidos,
Paquistão e outros países mulçumanos, para assim combater o governo soviético.
(SALIBA, 2009)

Os EUA, com missão de conter a expansão soviética, explorar as fraquezas e


exercer pressão máxima sobre a força de invasão dos soviéticos, impôs sanções contra
10

a URSS e forneceu ajuda monetária aos insurgentes no Afeganistão, além de estarem


preparados para ajudar diretamente uma força insurgente: os mujahideen.

‘’O termo Mujahideen é uma palavra árabe que significa combatentes da


liberdade. Isso é tanto da tradução do árabe quanto do termo que foi aplicado
pelo presidente Ronald Reagan. Embora o termo não tenha sido inventado pelo
presidente Ronald Reagan, foi o método preferido usado por ele e pelo governo
para se referir à unificação de vários grupos insurgentes no Afeganistão com os
quais os EUA trabalharam para derrotar a União Soviética’’. (BILLARD, 2010, p.
5)

A União Soviética tomou controle do governo afegão por algum tempo, mas logo,
com o fim da Guerra Fria, retirou suas tropas do território, que estava dominado pelo
Talibã. (SALIBA, 2009, p. 389)

A retirada da URSS do Afeganistão teve início com as negociações em Genebra em 7


de abril de 1988. A União Soviética decidiu retirar completamente suas tropas do
Afeganistão, o que seria feito em duas etapas. A primeira etapa aconteceu de 15 de
maio a 16 de agosto de 1988 e nela o tamanho das forças soviéticas seria reduzido
pela metade. Em 15 de novembro começou a segunda e última etapa da retirada das
tropas soviéticas do país, encerrando a intervenção da URSS no Afeganistão.
(Vodatula, 2021)

A guerra deixou aos afegãos 1,6 milhão de mortes e cinco milhões de


deslocados. Para a União Soviética, estima-se que foram aproximadamente 13.800 e
26.800 de mortes, tornando-se um dos fatores que contribuíram para a deterioração da
já difícil situação interna e econômica da URSS na época, que seria forçada a se retirar
do Afeganistão e testemunhar a implosão de seu império. (FORIGUA - ROJAS 2010, p.
228)

Estima-se que os gastos soviéticos na guerra foram numerosos – cerca de 7,5


bilhões de dólares apenas entre 1984 e 1987, com o orçamento militar soviético anual
de cerca de 128 bilhões de dólares. (RADCHENKO, 2021)
11

O Departamento de Estado dos Estados Unidos afirmou que um total de 3


bilhões de dólares em gastos militares de assistência foi prestado pelos Estados Unidos
aos mujahedin afegãos de 1980 até o final do a ocupação soviética em 1989.
(KATZMAN, K.; THOMAS, C, 2017)

Segundo Hobsbawm (2012, p. 464) os EUA, para causar as perdas desejadas à


URSS, despejaram dinheiro e armamentos avançados sem limites nas mãos de
guerrilheiros fundamentalistas muçulmanos das montanhas. A grande consequência
dessa atitude, porém, foi que “(...) na base de ‘o inimigo do meu inimigo é meu amigo’,
Washington acabou ajudando a criar a organização terrorista mais formidável de todos
os tempos”. (MCCAULEY, 2002, p. 18-19)

1.4 O PERÍODO DO TALIBÃ E A ALIANÇA COM A AL-QAEDA.

O Talibã é um grupo fundamentalista e extremista islâmico formado no fim da invasão


soviética do Afeganistão (1979-1989) que durante 5 anos esteve no controle do
Afeganistão (1996 - 2001). Durante seu governo foi aplicada a Sharia, que consiste em
uma lei descrita no alcorão que tem suas devidas interpretações, que em poder deles
teve sua aplicação de forma extrema com julgamentos que tinham apedrejamentos e
execuções em praças públicas além da proibição do uso de roupas ocidentais ou a
mostra de partes do corpo para os homens. Já para as mulheres as leis eram mais
severas, consistindo no uso de burcas, a proibição de sair de casa sem a autorização
de um homem e a proibição de trabalhar ou estudar, pois deveriam ficar confinadas em
casa. Talibã, inclusive, significa “estudantes” em pashto, uma das línguas faladas no
Afeganistão.

Al Qaeda, fundada principalmente por Osama bin Laden, Ayman al-Zawahiri e


Abdullah Azzam, na cidade de Peshawar, no Paquistão, era um grupo de combatentes
contra a invasão soviética ao Afeganistão, que ocorreu em meados de 1979, e que via
aquela situação como uma grave ofensa aos muçulmanos. Seu foco era
majoritariamente reunir guerrilheiros e fundos para o exército da resistência afegã, mas
12

que ao longo do tempo, após a retirada da União Soviética do país, foi ganhando mais e
mais força globalmente, angariando apoio de várias comunidades muçulmanas ao redor
do planeta e entrando em conflitos contra regimes que eram considerados por eles
“Desviados do sentido real do Islã”. (AUREO, T.; MICHELLE, M, 2018, p. 10)

Após os eventos do conflito afegão, bin Laden retornou para a Arábia Saudita,
mas, com grande descontentamento, descobriu tropas ocidentais em território
muçulmano considerado sagrado. Após envolvimento com opositores do governo
saudita da época, bin Laden se tornou “persona non grata”, o que levou sua retirada do
país e sua ida ao Sudão, local onde ele encontrou espaço propício para o
assentamento do seu grupo e para o aumento de suas tropas, tudo isso, em acordo
com o governo sudanês, que recebeu de Osama um grande investimento financeiro
para infraestrutura do território. (AUREO, T.; MICHELLE, M, 2018, p. 11)

Em 1998 o mundo pôde ver o resultado de todo esse desenvolvimento terrorista


nos atentados às embaixadas dos Estados Unidos na África, especificamente em
Nairóbi, no Quénia, e em Dar es Salã, na Tanzânia, ataque que colocou Osama na mira
do FBI. (SHINN, DAVID H., 2007, p. 49)

O ataque acarretou uma operação americana denominada como "Infinite Reach”,


que enviou mísseis que partiram de um cruzador da marinha dos Estados Unidos a
campos de treinamento da Al-Qaeda no Afeganistão e que também levou a destruição
uma fábrica farmacêutica no Sudão que estava sendo suspeita de produzir armas
químicas para a Al-Qaeda. (PHINNEY, TODD R, 2003, p. 26)

Após ser convidado a se retirar do Sudão pelo próprio governo sudanês por
pressão ocidental ocasionado pelos ataques às embaixadas americanas, Osama e seus
parceiros deixaram o país e foram de encontro ao Afeganistão, que na época já estava
completamente dominado pelo Talibã. (AUREO, T.; MICHELLE, M, 2018, p. 11)

Para conseguirem acesso ao país, a Al Qaeda prometeu se subordinar às ordens


do Talibã, prometendo agir como uma força em paralelo ao do Talibã, mas sem
oposição alguma para com as suas regras já estabelecidas, o que não era nada
13

complicado já que os dois lados tinham filosofias bem parecidas e um grande desgosto
com a forma com que o ocidente tratava os países islâmicos. Essa aliança foi fechada
por Osama bin Laden e Mullah Omar (Líder do Talibã na época), e o tratado deles
começou a ser tão vantajoso para o Talibã que, logo na segunda metade dos anos 90,
eles deram permissão para que a Al Qaeda criasse centros de treinamento para as
suas tropas a um custo anual médio de 25 milhões de dólares, ato que reforçava tanto a
independência de ambos os grupos, mas que, ao mesmo tempo, mostrava que o ator
dominante da região continuava sendo o Talibã. (AUREO, T.; MICHELLE, M, 2018, p.
11)

O conflito do Afeganistão com os Estados Unidos começou em 2001, com o


ataque de 11 de setembro. No primeiro semestre de 2001, o presidente americano era
George W. Bush (2001-2008). A maior preocupação do governo norte-americano à
época era apoiar grupos anti-regime no Iraque e nada se discutia sobre o terrorismo
(JORGE, 2009 p. 33). Apesar de Richard Alan Clarke - conselheiro de contra-terrorismo
no Conselho de Segurança Nacional dos EUA - chamar atenção para a al-Qaeda e para
o Talibã, e a CIA informar ao governo norte-americano que estava preocupada com
possíveis ações da al-Qaeda, Paul Wolfowitz, então secretário adjunto de defesa
(2001-2005) acreditava que o Iraque era o maior perigo. Assim, apesar dos avisos,
Washington decidiu continuar o foco no Iraque, ao contrário do terrorismo. (JORGE,
2009, p. 33)

Diante dos ataques de 11 de setembro, os Estados Unidos passaram a agir e,


buscando acabar com o Al-Qaeda e com o regime Talibã, mandou suas tropas militares
para o Afeganistão a partir de outubro de 2001.
14

2.0 O FRACASSO DAS INICIATIVAS NORTE-AMERICANAS NO AFEGANISTÃO

Após o envio de tropas americanas ao Afeganistão em 2001, em novembro do


mesmo ano, os líderes do Talibã começaram a cair e os Estados Unidos conseguiram
derrubar o regime. Os membros da Al Qaeda e talibãs se refugiaram nas montanhas do
território afegão, que eram equipadas para abrigar pessoas, devido à guerra contra os
soviéticos enfrentada anteriormente. (JORGE, 2009, p. 35)

Como percebemos no capítulo anterior sobre a história afegã por duas décadas,
marcadas por guerras e conflitos dentro do território afegão - criou-se uma situação de
turbulência interna, e a partir de 2002 o Afeganistão começou seu processo de
estabilização visto que o país se encontrava com as infraestruturas políticas e
econômicas destruídas, uma vez que o governo nunca teve a chance de desenvolver
sua influência no país, diante de tantos conflitos e invasões. (FREITAS, 2009, p. 1)

Em 2004, uma nova constituição é aprovada e Hamid Karzai é eleito o presidente


do Afeganistão, e em 2005 ocorreram as eleições parlamentares, que resultaram no
aumento da violência por parte da Al Qaeda e oito candidatos mortos durante o período
eleitoral. Freitas (2009, p. 21) destaca que o Afeganistão depende muito da ajuda
internacional, principalmente em aspectos financeiros e de segurança, uma vez que
“[...] por si só o governo afegão não se manifesta capaz de garantir à população
segurança e bem-estar, em grande parte pela falta de meios econômicos”. Essa
descrição evidencia a situação em que o país se encontrou após tantos conflitos.

No início da guerra soviética-afegã, o objetivo dos Estados Unidos era pura e


simplesmente derrotar a União Soviética e não instalar um governo estável ali. Desde a
ocupação norte-americana, em 2001, até 2009, os Estados Unidos realizaram doações
que somaram cerca de 15 bilhões de dólares ao Afeganistão (LIMA, 2012, p. 64),
devido a sua necessidade de ajuda externa para reestruturar e desenvolver o país, com
a intenção de construir a democratização do Estado. Os Estados Unidos também
quadruplicaram as doações desde a ocupação com a ajuda de países aliados, do
Banco Nacional e do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.
15

Em meio ao processo de estabilização do Afeganistão os Estados Unidos


apresentaram duas propostas a fim de buscar uma solução para o país:

A primeira sugeria fazer uma aproximação que não envolvesse participação, na


qual procuradores pró-americanos dominariam o Afeganistão e garantiriam que
a al-Qaeda não voltasse. Neste esquema, o Afeganistão seria deixado às suas
próprias contas com apoio limitado norte-americano, uma vez que a Casa
Branca tinha dúvidas em assumir um papel de construção de nação. A outra
escola de pensamento imaginava que os EUA passariam a responsabilidade às
Nações Unidas, as quais conduziriam a reconstrução e o desenvolvimento
político com a OEF Operação Liberdade Duradoura (Operation Enduring
Freedom), atuando como um escudo. Este plano, todavia, era bastante vago. A
ONU, ademais, recusou o envolvimento com tal exercício, ao menos se
houvesse uma força de segurança que não fosse liderada pelos Estados Unidos
para protegê-la. (JORGE, 2009, p. 76)

Assim, observa-se que a intervenção dos Estados Unidos continuou após


derrubarem o Talibã, no processo de estabilização do país. Entretanto, segundo Alarcon
(2012, p. 127) “[...] os esforços envidados para a efetiva democratização afegã foram
irrisórios, o que se reflete até os dias atuais.” Ou seja, os esforços dos Estados Unidos
não foram eficazes para que o Afeganistão desenvolvesse um governo estável.

Ao longo dos anos de intervenção, veio se enraizando na história do Afeganistão


um legado de erros e despreparo americano, como: pessoal técnico insuficiente, falha
de um exército combatente afegão, teorias erradas, resistência em mudar a visão e
postura, bilhões de dólares gastos em respostas que a longo prazo não deram retorno
algum, retirada abrupta dos técnicos e militares americanos. Todas essas linhas de
ações que foram tomadas ao longo dos anos formaram uma imagem de desleixo em
relação a essa intervenção. (SIGAR, 2021)
16

2.1 CORRUPÇÃO, INEFICIÊNCIA E TRÁFICO DE DROGAS

A intervenção americana acarretou em uma questão que foi muito importante no


Afeganistão neste período de 20 anos: a corrupção. Segundo Lima (2012, p. 66) “A falta
de fiscalização sobre os milhares de dólares que são investidos mensalmente no país, o
recorrente pagamento de propina e a receita que é recolhida do tráfico de drogas
alimentam o sistema corrupto do país”. O que significa que os Estados Unidos correram
o risco de financiar atividades que vão contra o propósito de reconstrução do país,
devido à falta de fiscalização do uso do dinheiro.

Após a invasão americana do país, houve o aumentando do tráfico de drogas na


região, o que caracterizou o Afeganistão como maior produtor de ópio do mundo, e isso
se dá pelo fato de que se suspeita de que os maiores comerciantes da droga eram os
próprios funcionários do governo afegão. (LIMA, 2012, p. 66)

Gráfico 1 - Apreensão de ópio no Afeganistão (1991-2019)

Fonte: Elaborado segundo dados da UNODC (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME).

De forma geral, Lima (2012,p.77) acredita que o Afeganistão possuía


investimentos e suporte para se reconstruir e se desenvolver, entretanto as tentativas
de avanço do país foram falhas, e isso se deve ao projeto de reconstrução comandado
pelos Estados Unidos:
17

O que ocorre é que a operação de Nation-Building comandada pelos EUA e


seus aliados mantêm um mesmo padrão de relacionamento entre o Estado e os
grupos étnicos que coexistem no mesmo território. O processo de reconstrução
do estado afegão veio, através de uma intervenção externa que procurou se
inserir na realidade de um país, que em outras épocas de sua história já havia
repelido processos que vieram de fora para dentro. Embora todos os programas
implementados pelos estadunidenses, bem como os acordos feitos pela
comunidade internacional em comprometimento com a reconstrução do
Afeganistão, o Estado afegão ainda não consegue extrair recursos de sua
população, agravando ainda mais a dependência externa do país. (LIMA, 2012,
p. 77)

Segundo dados do SIGAR (Special Inspector General for Afghanistan


Reconstruction), principal autoridade supervisora do governo dos EUA na reconstrução
do Afeganistão, o governo dos EUA gastou nos 20 anos de intervenção 145 bilhões de
dólares tentando reconstruir o Afeganistão, suas forças de segurança, instituições
governamentais, economia e sociedade civil. O Departamento de Defesa também
gastou 837 bilhões de dólares em combates, durante os quais 2.443 soldados
americanos e 1.144 soldados aliados foram mortos e 20.666 soldados americanos
feridos. Os afegãos, enquanto isso, enfrentaram um embate maior, pelo menos 66.000
soldados afegãos foram mortos. Mais de 48.000 civis afegãos foram mortos e pelo
menos 75.000 ficaram feridos desde 2001. (SIGAR, 2021, p. 1)

Os custos foram feitos para servir a um propósito, embora a definição desse


propósito tenha evoluído com o tempo. Em vários pontos, o governo americano
esperava eliminar a Al-Qaeda, dizimar o movimento Talibã que a hospedava, negar a
todos os grupos terroristas um refúgio seguro no Afeganistão, construir forças de
segurança afegãs para que eles pudessem repelir forças terroristas no futuro e ajudar o
governo civil a se tornar legítimo e capaz o suficiente para ganhar a confiança dos
afegãos e representar ameaça a quem tentasse tomar o poder de forma ilegítima.
(SIGAR, 2021, p. VII)

Ao longo de todo o processo de ocupação aconteceram diversos erros, esses


problemas que foram gerados acabaram dificultando a criação de um mínimo grau de
harmonia aceitável, o que é extremamente importante para uma recuperação
18

econômica e política pois este seria um pilar do projeto de reestruturação. Desde a


entrada americana no Afeganistão até a retirada de suas tropas do país, vê-se um
caminho de desajustes e falta de coesão político-militar estadunidense. (SIGAR, 2021,
p. 14)

Para o ex-embaixador dos EUA no Afeganistão, Ryan Crocker (2021), o pior dos
problemas era a corrupção endêmica dos americanos e a falta de reconhecimento
dessa problemática, pois com a corrupção a reconstrução da economia afegã beirava o
impossível. As reconstruções de rodovias, cidades e campos eram constantemente
paralisadas pela falta de verba e incompetência administrativa nos projetos
relacionados. (SIGAR, 2021, p. 13)

Ao longo dos períodos de rotatividade de oficiais sênior, erros administrativos


eram deixados e herdados pelos seus sucessores. Esses novos oficiais que entravam
nesse sistema caótico acabavam por entregar um período de trabalho com projetos que
não evoluíram porque sempre acabavam de mãos atadas pois ou os projetos não iriam
pra frente porque as etapas anteriores estavam travadas ou porque já houveram tantas
tentativas que deram errado que o oficial anterior resolveu engavetar o projeto e deixar
para o próximo arrumar a situação. (SIGAR, 2021, p. 51)

Casos assim eram bem recorrentes. Ano após ano, soldados americanos
acreditavam que, no seu ano de alocação no Afeganistão eles conseguiriam fazer a
diferença, mas no final de seu tempo de serviço, os melhores acabavam entregando
uma diferença mínima na situação em que foram alocados, o que escancarou a falha
americana em colocar as pessoas corretas em cargos chaves nos momentos certos,
visto que pessoas desqualificadas e com pouco treinamento eram constantemente
realocados para cargos que exigiam mais do que sua formação poderia assegurar ou
pela alta rotatividade do exército e a difícil retenção de pessoas realmente qualificadas,
o que prejudicava constantemente a hierarquia do exército. (SIGAR, 2021, p. 51)
19

2.2 A PERPETUAÇÃO DA POBREZA NO AFEGANISTÃO

A ideia era criar um projeto sustentável de longo prazo, que não desperdiçasse
vidas americanas, afegãs e dinheiro, tanto na questão do combate, quanto na questão
da reconstrução do Afeganistão pós-conflitos, mas todas essas imprecisões de logística
e chefia acabavam com as chances de qualquer tentativa de melhoria. (SIGAR, 2021, p.
84)

Mesmo com uma alta taxa de investimento e relativa mão de obra, quase todos
os projetos americanos em solo afegão já estavam afetados pela falta de coordenação
e preparo. Isso, alinhado à falta de estrutura do país que perpetuou do começo ao fim
da intervenção, gerou a incapacidade dos planos de serem realizados da melhor
maneira possível. (LIMA, 2012, p. 65)

Parte das expectativas afegãs também eram baseadas em datas limites surreais
que eram apresentadas ao povo pelo exército americano (principalmente datas de
reconstruções). Essa pressa acabava criando várias situações passíveis de corrupção e
cortava exponencialmente a eficácia dos programas. (SIGAR, 2021, p. 87).

A economia afegã em vez de evoluir, acabou gerando poucos resultados, mesmo


com o gigantesco investimento que estava sendo injetado ocorreram vários atrasos em
quase todas as grandes áreas: agronegócio, construção civil e no setor energético pela
falta de preparo e estudo norte-americano sobre toda a complexidade da situação afegã
naquela época. (SIGAR, 2021, p. 91)

As expectativas dos afegãos giravam em torno da criação de um Estado pacífico,


considerando que o poder anterior era o Talibã, qualquer coisa que ligeiramente
respeitasse um pouco dos direitos humanos já poderia ser considerado algo que
chegasse bem perto desse pensamento.

Segundo Martins (2018, p. 49) os resultados apresentados no Afeganistão no


ano de 2018 não foram animadores. Com um PIB per capita de 561 dólares, segundo o
Banco Mundial, em 2018, mesmo com 3,402 milhões de dólares de ajuda pública ao
desenvolvimento. A situação social no Afeganistão é igualmente alarmante, com 2,5
20

milhões de refugiados segundo a ACNUR até 2018. De acordo com o Poverty Status
Update do Banco Mundial, realizado entre 2013-2014, a taxa de desemprego estava em
22% e a de pobreza em 39%.

Gráfico 2 - Situação social do Afeganistão (2001-2019)

Fonte: Elaborado segundo dados da UNODC (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME).

2.3 VIOLAÇÕES HUMANITÁRIAS

Os direitos humanos foram tópicos extremamente comentados e explorados por


diversas vezes ao longo dos anos de intervenção. Durante esse período, vários casos
de quebra desses direitos pelos americanos (principalmente por milícias terceirizadas)
foram relatados pelo povo afegão. Tais ações caracterizam crimes de guerra segundo a
convenção de Genebra de 1864. (PALMER, 2018, p. 12)

Essas companhias militares terceirizadas americanas como a Constellis Holdings


(Blackwater) prestam serviços agindo como força bruta, treinando soldados e
construtoras, contratadas pelos Estados Unidos, para atuar como auxiliares em
21

intervenções e guerras, no final de 2016 foi estimado que estavam em solo afegão
cerca de 25,197 pessoas terceirizadas junto a 9,800 soldados americanos, o que
mostra que nesse momento 72% da força americana era de serviço contratado.
(PALMER, 2018 ,p.7)

Grande parte dessas empresas, ao longo do tempo, começou a criar problemas


para a imagem americana e para a intervenção. A Constellis, por exemplo, quando
ainda era Blackwater, construiu um histórico grande de atirar em cidadãos afegãos sem
identificação e sem deixar eles se identificarem. Segundo relatos de afegãos, em 90%
das vezes, essas milícias saíram do local, abandonando essas pessoas antes da ajuda
chegar. (PALMER, 2018, p. 29)

Por várias vezes seguidas, essas companhias militares privadas, que deveriam
representar a força americana e ajudar o povo afegão, se mostraram pouco
interessados em utilizar os métodos de auxílio do exército e se preocupavam mais em
utilizar a força bruta, acreditando poderem burlar as convenções, tratados e acordos de
guerra. (PALMER, 2018, p. 26)

Não é à toa que ao longo dos anos, a empresa (Blackwater) mudou de nome três
vezes, juntando a repercussão negativa dos relatos dos afegãos e de todas as ações
judiciais que envolvem exportação ilegal de armas e explosivos, ficaria quase
impossível para o governo americano contratar eles sem o mundo questionar o porque
deles ainda agirem aliados com essa milícia que age com extrema violência, falta de
ética e de respeito pelos direitos e pela vida humana das pessoas que eles deveriam
supostamente proteger. (PALMER, 2018, p. 26)

Por se tratar de um serviço bem mais barato para a máquina governamental do que
desenvolver e aprimorar a própria força militar e além disso a possibilidade de fugir de
responsabilidade pelos atos desses agentes militares terceirizados cada vez mais essa
forma de serviço militar se torna mais atrativa. (OLIVEIRA, 2010, p.71-75)
22

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo a porta voz do ACNUR, Shabia Mantoo, em uma coletiva de imprensa dia
13 de agosto 2021, em Genebra, a crise humanitária no Afeganistão é alarmante pois
segundo dados do ACNUR, 250 mil afegãos foram obrigados a sair de suas casas
desde o final de maio e a situação se agrava. Se formos analisar os números anteriores
desde o início do ano, 400 mil pessoas deixaram suas casas por conta de conflitos que
se soma a 2,9 milhões deslocados internos, registrados no final de 2020. Por isso o
ACNUR pede a ajuda da comunidade internacional em forma de assistência a essas
pessoas.

Já segundo observado anteriormente, os fracassos na invasão são claramente


observados por organismos internacionais como a própria OTAN, aliança militar
liderada pelos Estados Unidos, que em discussão dos Ministros em negócios
estrangeiros concluiu que:

[...] o envolvimento da OTAN no Afeganistão demonstrou imensa capacitação e


capacidades militares e que num ambiente de segurança cada vez mais
complexo, a gestão de crises deve continuar a ser uma tarefa central para a
OTAN. Também concluiu que o nível de ambição da comunidade internacional
no Afeganistão se estendia muito além da degradação dos refúgios terroristas e
que, no futuro, os Aliados deveriam avaliar continuamente os interesses
estratégicos, estabelecer metas alcançáveis ​e permanecer cientes dos perigos
da expansão da missão. A avaliação faz várias outras recomendações, inclusive
sobre a manutenção da interoperabilidade com parceiros operacionais;
considerando as normas políticas e culturais das nações anfitriãs, bem como
sua capacidade de absorver capacitação e treinamento; e garantir relatórios
oportunos e consultas significativas.

Após uma rotatividade de aproximadamente 3 milhões de soldados americanos em


solo afegão nos 20 anos de conflito, os Estados Unidos da América deixam um legado
de aproximadamente 7.000 soldados americanos mortos e mais de 53.000 feridos em
campo de batalha, além disso estima-se que possivelmente até 17% de todos esses 3
milhões de soldados americanos (510.000) tenham desenvolvido estresse
pós-traumático e dificuldade de voltar para a sociedade. (PETERSON, 2021, p. 2)
23

A retirada americana do Afeganistão encerra uma guerra que teve seus objetivos
alterados ao longo de 20 anos e não alcançou nenhum deles, apesar do custo trilionário
e da perda de dezenas de milhares de vidas, a maioria afegãs. Em agosto de 2021
ocorreu a retirada das tropas norte-americanas, e a maneira como foi feita de modo
apressado e mal planejada, indicou a falta de controle e o abandono dos EUA ao
deixarem o país, pois encerraram a guerra de 20 anos entregando o talibã de volta ao
poder, o que demonstrou o fracasso da intervenção norte-americana. (BARINI, 2021)
24

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