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catástrofe
a hist ó ria , o presente , o contempor â neo

henry rousso
Tradu çã o de Fernando Coelho e Fabrício Coelho

VFGV EDITORA
Copyright © 2016 Editora FGV
ï
o
Direitos desta edição reservados à
EDITORA FGV
Rua Jornalista Orlando Dantas, 37
22231 - 010 | Rio de Janeiro, RJ | Brasil
Tels.: 0800-021 - 7777 | ( 21 ) 3799-4427
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Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em


parte, constitui violação do copyright ( Lei na 9.610 /98) .

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade do autor.

Ia edi ção: 2016

Cet ouvrage, publié dans le cadre du Programme d’Aide à la Publication 2015 Carlos Drummond li
de Andrade, a bé n éficié du soutien de lAmbassade de France au Brésil.
Este livro, publicado no â mbito do Programa de Apoio à Publicação 2015 Carlos Drummond
de Andrade, contou com o apoio da Embaixada da Fran ça no Brasil.

Este livro contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inova ção do
Estado de Santa Catarina ( Fapesc ).
*:
>
Revisão técnica: Luiz Felipe Falcão e Silvia Maria Fávero Arend
Coordenação editorial e copidesque: Ronald Polito
Revisão: Marco Antonio Corrêa e Sandro Gomes dos Santos
Capa: Andr é Castro e Paula Cruz
Projeto gr áfico de miolo e diagramação: Est údio 513

Ficha catalogr áfica elaborada pela


Biblioteca Mario Henrique Simonsen

Rousso, Henry, 1954-


A última cat ástrofe: a história, o presente e o contempor âneo / Henry Rousso;
tradução de Fernando Coelho, Fabr ício Coelho. - Rio de Janeiro : FGV Editora, 2016.
344 p.
Tradução de: La dernière catastrophe: l’ histoire, le présent, le contemporain.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978 -85- 225-1894-4
1. Historiografia. 2. História moderna - Historiografia. 3. História - Filosofia. I.
Fundação Getulio Vargas. II. Título.
CDD - 907.2
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SUM Á RIO

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Prefácio à edição brasileira 7
Henry Rousso

Apresentação 9
Luiz Felipe Falcã o e S ílvia Maria Fávero Arend
5;

Introdução. “ Vocês não estavam lá!” 13

Capí tulo I. A contemporaneidade no passado 31


*:
>

Um problema antigo ? 31
“ Toda hist ória digna desse nome é contemporâ nea” 39
O tempo presente antigo 43
O eterno presente medieval 48
História contemporâ nea e hist ória mediada 53
Nascimento da história contemporâ nea moderna 64
A recusa paradoxal do fim do século XIX 80

Capí tulo IL A guerra e o tempo posterior 99


O horizonte da cat ástrofe 99
Saída de guerra e contemporaneidade 117
Depois do nazismo 129
Mobilização e desmobilização ideológica 146
O tempo dessincronizado 160
Capí tulo III . A contemporaneidade no cerne da historicidade 165
A longa duração ou a resistência ao presente 166
Apreender a história em movimento 178
Uma história engajada em seu tempo 188
A reinven ção do tempo presente 195

Capí tulo IV. O nosso tempo 219


Tempo presente e presentismo 219
Denominações mais ou menos controladas 232
O que é ser contemporâneo 237
Uma definição por crité rios constantes 245
Um período móvel 246
Uma duraçã o significativa 247
Um prazo pol í tico de reserva 250
O ritmo secular 251
O ator e a testemunha 255
Uma história inacabada 262
Uma definição por crité rios variáveis 264
1789 265
1917 267
1945 268
1940 271
1914 275
1989, 2001? 279

Conclusão. Diante do trágico 281


Agradecimentos 303
Referências 305
índice 333
PREFÁCIO À EDI ÇÃ O BRASILEIRA

A tradução desta obra no Brasil, publicada originalmente na França em


2012, constitui para mim uma honra e uma felicidade. Com efeito, pude
constatar muitas vezes, seja na ocasião de algumas estadas no Brasil,
seja pelos intercâ mbios regulares com colegas brasileiros, qu ão comum
era o interesse pela prá tica da história do presente em nossos países. De
ambos os lados, houve nesses 30 ú ltimos anos um grande investimento
intelectual na maneira de abordar uma história no processo de se fazer,
nos papéis respectivos da história e da memória, na import â ncia deci-
siva do testemunho, da história oral e dos arquivos orais. Ainda que os
contextos políticos ou sociais sejam diferentes, sinto que há uma mesma
sensibilidade no Brasil e na França ( assim como na Europa de modo ge-
ral) no que diz respeito à maneira de tratar as sequelas dos períodos de
guerra e de violência política que deixam rastros e cicatrizes duradou-
ros. Esses acontecimentos, que marcaram a história do século XX e já a
do nascente século XXI, modificaram profundamente o ofício do histo-
riador, obrigando-o a se engajar de modo permanente no espaço públi-
co, sabendo ao mesmo tempo que sua missão, que consiste em explicar
8 A ULTIMA CAT Á STROFE

o mais amplamente possível a complexidade do passado, iria adensar


sua prática, fazendo -o sair da torre de marfim da universidade para que
adentrasse um pouco mais nos vivos combates do tempo presente, tanto
o seu quanto o dos homens e das mulheres que ele estuda.
Agradeço calorosamente a meus colegas Silvia Maria Fávero Arend
e Luiz Felipe Falcã o, que tomaram a iniciativa desta tradução, a Marieta
Moraes Ferreira, que viabilizou sua publica ção, e a Fernando e Fabrício
Coelho, que se encarregaram da tarefa delicada de realizá -la.

Henry Rousso
24 de abril de 2016
APRESENTAÇÃ O

É com grande satisfaçã o que colocamos à disposição do p ú blico leitor


brasileiro, numa iniciativa conjunta entre o Programa de Pós- Gradua-
ção em História da Universidade do Estado de Santa Catarina ( PPGH -
- Udesc ) , por meio de recursos disponibilizados pela Fundaçã o de Am -
paro à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina ( Fapesc), e a
Editora da Fundação Getulio Vargas, este livro intitulado A última ca -
tástrofe: a história, o presente, o contemporâ neo, do historiador, professor
e pesquisador francês Henry Rousso.
Lançada na França em 2012, esta obra pode ser considerada uma
reflexão sobre a import â ncia e as características de uma história do pre-
sente, dimensão historiográfica que tem se expandido rapidamente em
muitos países e para a qual o autor sempre voltou sua atenção, concen -
trada na história da França de Vichy, ou seja, do colaboracionismo fran -
cês com a ocupação alemã (1940- 44 ), incluindo aí a chamada “ solução
final da questão judaica” ( remoção dos judeus dos territórios ocupados
pelos nazistas e, posteriormente, sua eliminação planejada e meticulo-
sa nos campos de exterm ínio). Esse interesse pelo contemporâ neo e a
10 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

qualidade de seus estudos, inclusive, levaram - no a dirigir, entre os anos


de 1994 e 2005, o Instituto de História do Tempo Presente ( IHTP) , uma
unidade do prestigioso Centro Nacional da Pesquisa Científica ( CNRS
em francês ) criada na França em 1978 e inaugurada dois anos depois
por François Bédarida, que foi seu primeiro diretor.
De acordo com isso, A última catástrofe enfrenta com maestria sus-
peitas e objeções, abertas ou veladas, que a hist ória do tempo presente
vem despertando, mostrando que a quest ão da contemporaneidade
não é nova para a á rea de conhecimento história, ainda que na segun -
da metade do século XX e nas primeiras d écadas deste nosso século
ela tenha se deparado com novos problemas e desafios. Afinal, é preci-
so levar em conta as grandes tragédias que continuam a assombrar os
vivos, muitos deles sobreviventes de grandes cat ástrofes sociais ( como
escreveu Rousso num outro livro, voltado para a histó ria da memó -
ria coletiva sobre Vichy, “ um passado que não passa” ) , suas linhagens
ancestrais e suas reverbera ções na atualidade: por exemplo, é possível
abordar a coopera ção francesa com a “ solução final” do nacional-so-
cialismo sem perceber nenhum ví nculo, apenas para não ir t ão lon -
ge no passado, com o caso Dreyfus a partir do final do século XIX?
Supremo repto: que marcação temporal estabelecer ent ão para uma
histó ria do presente?
A história, quando de seu aparecimento como forma de narrativa
acerca dos feitos humanos, e depois com sua instituição como campo
disciplinar, não recebeu para tanto nenhum ditame prescrevendo que
seu foco estaria em definitivo direcionado para um tempo já encerrado,
no qual as paixões não exerceriam maior influência. Todavia, reconhecer
isso significa levar em conta as conexões entre história, memória e justi-
ça, com todas as dificuldades que contempla: convenhamos que a “ solu-
ção final” tem parentescos, distantes ou próximos, com o que aconteceu
em Kigali e Sarajevo, ou nas ditaduras latino-americanas da segunda me-
tade do século XX, bem mais perto de nós...
APRESENTA ÇÃ O 11

Consciente de tudo isso, Rousso sublinha que uma história que versa
sobre o presente transita obrigatoriamente no inacabado, no que está
sucedendo ou sucedeu t ão adjacente que seu halo segue ofuscando e seu
hálito ainda pode ser respirado. Exatamente por essa razão, necessita
admitir de maneira sincera que lida com incerteza e instabilidade, sem
que isso represente algum tipo de imperfeição ou inferioridade. Mais:
envolve relações com outras áreas de conhecimento, como a antropolo-
gia, a ciê ncia política ou a teoria liter ária, conforme o objeto de análise e
a abordagem pretendida, buscando intersecções entre a habitual diacro-

nia e a menos comum para historiadores sincronia. —
Trata -se, em suma — complementaríamos nós — , de uma história
que está fundada no impreciso, naquele não preciso cunhado por Fer-
nando Pessoa para comparar a arte da vida com a ciê ncia da navegação,
regrada por seu instrumental cient ífico e por seus cálculos matemáticos:
“ navegar é preciso, viver não é preciso”. Em outras palavras, se viver não
é preciso, não há por que a interpretação do vivido humano inserido no
tempo seja, ela mesma, precisa, sem que isso, decerto, seja compreendi-
do como uma desobrigação em face dos regramentos e parâ metros de
validação próprios do conhecimento histórico.
Para concluir, gostar íamos de agradecer a Henry Rousso por acredi-
tar nesse projeto desde o seu in ício e a Marieta de Moraes Ferreira por
possibilitar concretizá -lo, assim como desejamos a todos e a todas uma
boa e instigante leitura.

Luiz Felipe Falcã o e S ílvia Maria Fávero Arend


Florian ópolis, abril de 2016
INTRODU ÇÃ O

"Vocês nã o estavam lá!”

A cena se passa em 1989 no Instituto de História do Tempo Presente,


constituído por uma equipe do Centre National de la Recherche Scien -
tifique ( CNRS). Nesse dia, François Bédarida, o diretor, preside a uma
reunião dedicada à organiza ção de um colóquio internacional sobre “ o
regime de Vichy e os franceses”, previsto para o ano seguinte. Um de-
sacordo sobre o conte ú do surge entre ele e dois jovens pesquisadores,
Denis Peschanski e eu. Historiador renomado, com 63 anos de idade, o
primeiro viveu a Ocupação como estudante e como resistente, no cí rcu-
lo da revista Té moignage Chrétien. Os outros dois têm ambos 35 anos e
se lan çaram à aventura de uma instituição criada 10 anos antes para es-
truturar e desenvolver uma historiografia do contemporâ neo. A discus-
são se anima, a tensão aumenta. De repente, Fran çois B édarida exclama
com autoridade e um tanto irritado: “ Vocês não viveram esse per íodo,
vocês não podem compreender!” Um silêncio se segue bruscamente, e
os participantes hesitam entre o riso e o estupor.
A afirmação não tem, no entanto, nada de excepcional em um labora-
tório em que coabitam gerações diferentes. Tendo os pesquisadores atra-
14 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

vessado na adolescência ou na idade adulta o nazismo, a Segunda Guerra


Mundial, a descolonização, o stalinismo ou mesmo as barricadas da pri-

mavera de 1968 episódios, entre outros, que eram então objeto das pes-
quisas dessa instituição — , se chocam às vezes com os mais jovens, cuja
visão coincide raramente com sua própria experiência, ainda que relida
sob o prisma do seu trabalho de historiador. Contudo, naquele dia, a rea-
ção de François Bédarida me atinge como uma chicotada certeira. Espon-
taneamente, eu a julgo incongruente, quase absurda, pois “ não ter estado
lá” é, em princípio, próprio do historiador. Mas a observação parece tanto
mais estranha quando é ouvida em um lugar que fora destinado à tarefa de
trabalhar com o tempo próximo, defendendo a ideia de que isso era não
somente possível, mas necessário, em um plano científico, político e ético.
Ora, a característica primeira do tempo próximo é precisamente a presença
de atores que viveram os acontecimentos estudados pelo historiador e ca-
pazes eventualmente de testemunhá-los, de participar de um diálogo com
os mais jovens quando se trate de episódios relativamente mais antigos. Se
o historiador do tempo presente não viveu diretamente tudo o que entra
no seu campo de observação, ele pode, pelo menos, falar com aqueles que
o viveram. Ele é uma testemunha da testemunha, por vezes mesmo a pri-
meira, se foi ele que tomou a iniciativa de interrogá-la. Ele pode também
ser o último a ter podido lhe falar enquanto estava viva. Portanto, a reação
de François Bédarida adquire seu inteiro sentido: entre os historiadores
presentes, ele é o ú nico que viveu efetivamente os acontecimentos que são
o objeto da discussão, e, portanto, ele tem indubitavelmente uma vantagem
aparente sobre os outros, que ele assume e tenciona fazer saber.
Lidar com a exclamação “ não ter estado lá” significa para um historia-
dor passar pelo aprendizado de dois preconceitos antinômicos ainda que
sempre enraizados no senso comum. O primeiro afirma que nenhuma
boa história é possível sem recuo, ou ainda que o historiador não pode
entrar em cena senão quando todos os atores que ele estuda tiverem saí-
do. Nessa concepção da profissão, o historiador observa um passado en-
INTRODUÇÃ O 10

cerrado, uma história acabada, ele não age senão no tempo dos mortos,
ainda que seja para os ressuscitar no papel. Ele possui sobre aqueles que
o precederam a vantagem absoluta de pretender dizer a última palavra,
graças a uma leitura que se quer objetiva, distante, fria, de fatos tornados
“ históricos” porque seus efeitos teriam deixado de agir no presente. Esse
preconceito possuía ainda uma parcela de validade no fim dos anos 1970,
sobretudo no ensino superior, no qual escolher o caminho da história
contemporânea significava correr o risco de passar ao lado de uma car-
reira prestigiosa, representada sobretudo pela figura do medievalista ou
do modernista. O desenvolvimento ou a criação naquele momento, em
toda a Europa, de instituições encarregadas de trabalhar com o passado
próximo mostrou a evolu ção dos espíritos nesse campo. O segundo pre-
conceito acredita, em um movimento quase contrá rio, que a experiê ncia
prevalece sobre o conhecimento, que a narra ção histórica não poderá
nunca substituir verdadeiramente o testemunho, que a pretensão à ver -
dade dos profissionais do passado é uma ilusão cientificista. Somente
aquele que fez parte pode contribuir, por primeiro, a fazer com sua pró-
pria voz um discurso autêntico sobre o passado próximo antes de abrir
espaço àqueles que não terão dele senão os vest ígios e, precisamente, os
testemunhos. François Bédarida conhece melhor do que ninguém o im -
pacto dessa crença, pois ele está dentro de um universo no qual a tes-
temunha, ex- combatente, ex- resistente, ex-deportado, ocupa um lugar
cada vez maior nos debates e nas controvérsias sobre o passado recente.
Mais exatamente, é a época em que os historiadores começam a com-

í
preender a dimensão da presença e da intervenção dessas testemunhas
no espaço p úblico, figuras morais e atores sociais cuja aparição remonta
aos dias seguintes à Primeira Guerra Mundial. Isso criou muitas vezes
atritos com os historiadores que lhes são, contudo, próximos e também
controvérsias entre os próprios historiadores, entre aqueles que recusam
a priori todo valor probante ao testemunho oral e aqueles, ao contrário,
que sentem pela testemunha, sobretudo se é uma vítima, um fascínio
$
16 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

quase crístico, para mencionar as duas posições extremas. François Bé-


darida está, portanto, nos primeiros camarotes, e pode assim medir a
dificuldade deste confronto entre conhecimento elaborado e lembranças
reconstituídas, ao mesmo tempo que ele próprio est á, por seu percurso
e por sua idade, dividido entre esses dois polos mais significativos da re-
presentação do passado. Naquele dia de 1989, no espaço de um instante,
ele esqueceu o seu hábito profissional para dar livre curso à manifestação
de sua subjetividade sem por isso deixar de ser um historiador do tempo
presente. Ou melhor, se é possível dizer, ele parece dizer implicitamente
que o ú nico historiador verdadeiro é aquele que foi ele próprio teste-
munha dos fatos estudados, retomando a postura de Tucídides, com a
diferença de que durante os acontecimentos — no período da Ocupa-
ção — o jovem François Bédarida não podia saber que ele se tornaria
um dia historiador desse período. Ora, há uma grande diferença entre
a experiê ncia direta e ingénua de um momento histórico e a produção
de uma narrativa informada sobre o evento. Uma coisa é observar cons-
cientemente seu tempo com o objetivo de fazer dele uma narração, como
o historiador grego, outra é pôr em a ção muito tempo depois suas lem -
bran ças da juventude como elementos de uma narrativa histórica crível.
Com esse episódio, o historiador ainda um pouco imaturo que eu
era começou a compreender que a história do tempo presente que nós
pretendíamos fundar se caracterizava por um procedimento inteiramen-
te marcado pela tensão, e por vezes pela oposição, entre a história e a
memória, entre o conhecimento e a experiência, entre a distância e a
proximidade, entre a objetividade e a subjetividade, entre o pesquisador
e a testemunha, divisões que podem manifestar-se no interior de uma
mesma pessoa. Como outras maneiras de fazer a história, essa parte da
disciplina deve levar em conta temporalidades diferenciadas e uma dia-
lética particular entre o passado e o presente. Esse tempo sobre o qual
ela se debruça pertence sobretudo ao campo do imaginário. No real, om-
breiam-se gerações dessemelhantes, percepções diferentes do distante e
$
INTRODUÇÃ O 17

do próximo, abordagens diversas do vivido e do transmitido. Nesse sen -


tido, o tempo presente se caracteriza por uma ficção cient ífica do mesmo
modo em que existem ficções literárias ou jur ídicas. A anistia, por exem -
plo, apaga uma pena conferida por uma decisão formal que faz “ como
se” a condenação não tivesse sido dada, sem com isso buscar apagar a
lembrança do próprio crime, e menos ainda obrigar a vítima a esquecer.

A ficção permite aqui agir no presente perdoar ou esvaziar as prisões
— sem ser inteiramente dependente do peso do passado que, de todo
modo, continuará a ter efeito. O historiador do tempo presente faz “ como
se” ele pudesse agarrar na sua marcha o tempo que passa, dar uma pausa
na imagem para observar a passagem entre o presente e o passado, desa-
celerar o afastamento e o esquecimento que espreitam toda experiência
humana. A ficção consiste em não considerar esse tempo presente um
simples momento inapreensível, como o rio Lete, mas em lhe conferir
espessura, uma perspectiva, uma duração, como fazem todos os historia -
dores empenhados em uma operação de periodização. Aliás, a dificulda-
de não é insuper ável, pois, até mesmo para os contemporâneos dos fatos
estudados, esse tempo presente não se reduz a um instante fugidio: sua
consciê ncia, seu inconsciente — que supostamente ignora o tempo , —
sua memória lhe confere uma duração, que é mais uma percepção do que
uma realidade tangível, mas que é a ú nica que pode dar sentido aos acon -
tecimentos atravessados. Pode-se identificar essa duração, essa tempora-
lidade específica como uma “ contemporaneidade”, um qualificativo que
pode aplicar-se a tudo o que reconhecemos como pertencente ao “ nosso
tempo”, incluindo-se a tradição, o vest ígio, a lembrança de épocas encer -
radas. A contemporaneidade não é, aliás, própria dos períodos recentes.
Desde o surgimento das primeiras formas de cultura, as sociedades têm
vivido num presente marcado pelo peso do passado, que se constitui por
vezes em fardo, e aberto às possibilidades e quiçá às incertezas do futuro,
ainda quando a percepção do tempo tenha podido evoluir. Quando um
historiador observa um ator da história, desse passado acabado, ele deve
18 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

guardar constantemente na memória o “ tendo-sido” que ele foi, aquele


que viveu e agiu em um tempo presente que já não existe, mas que é pre-
ciso reconstituir, segundo nos ordena toda uma tradição epistemológica
desde Raymond Aron a Paul Ricoeur, passando por Reinhart Koselleck.
A particularidade da história do tempo presente está em que ela se in-
teressa por um presente que é o seu, em um contexto em que o passado
não está nem acabado, nem encerrado, em que o sujeito da sua narração
é um “ ainda -aí”. E isso apresentará alguns escolhos.
Compreendê-los, superá -los, tal tem sido a ambição da história do
tempo presente, um movimento que começou a se desenvolver, depen -
dendo dos lugares, entre os anos de 1950 e 1970, reinventando uma tra-
dição que remonta às origens gregas da historiografia. O objeto deste
livro é retraçar a evolução, compreender os móbiles, explicar os paradig-
mas e os pressupostos dessa parte da disciplina histórica que passou, em
algumas décadas, da margem ao centro. A história do tempo presente
existiu de fato desde sempre? Possui ela singularidades próprias ou não é
senão um aspecto da historiografia geral sem traços distintivos particu -
lares? Quais mudanças surgiram no último terço do século XX a ponto
de se considerar que a disciplina foi inteiramente transformada? Tais são
algumas das questões que eu desejo levantar aqui ao explicar que, se a
noçã o de história do tempo presente se enraizou no panorama historio-
gr áfico internacional, é porque ela possui uma história e características
próprias aptas a responder a interrogações a um só tempo conjunturais
e universais. Ainda que ela tenha adquirido sua legitimidade, essa for-
ma de história não deixa por isso de suscitar reservas e críticas, menos
sobre a factibilidade enquanto tal, como no século XIX, do que sobre as
escolhas epistemológicas que uma parte desse movimento fez nas duas

últimas décadas. Nesse sentido volto a esse assunto longamente nes-

ta obra , o termo “ história do tempo presente” não se confunde com
história “ contemporânea”, e cada tradição nacional possui a sua própria
maneira de qualificar o passado próximo. Essa diversidade reflete tradi-
INTRODUÇÃ O 19

ções por vezes antigas, por vezes recentes, e diferentes escolhas episte-
mológicas, objetos históricos e posturas no espaço público. Igualmen-
te, a noção de contemporaneidade remete a uma polissemia que não
constitui a menor das dificuldades para o historiador, quer ele busque
compreender a dos tempos encerrados, quer a dele próprio. Essa noção
não remete unicamente a uma temporalidade, ela não significa somente
uma proximidade no tempo, e, portanto, uma curiosidade em relação ao
seu próprio tempo. Ela remete també m a outras formas de proximidade,
no espaço, no imaginário. A presença do passado mais distante pode ser
por vezes mais intensa do que eventos próximos, e podemos ter mui-
to poucos pontos em comum com nossos semelhantes biológicos, e ao
contrário uma grande proximidade com ancestrais de outro tempo, e até
de outro lugar, bastando que o descubramos e que lhes demos uma atua -
lidade no presente. Essa constatação aparentemente banal gera in ú meras
questões. É o objetivo desta obra que se situa em um lugar epistemológi-
m?
co relativamente bem identificado, tanto no plano intelectual quanto no
m institucional: o de uma história que se confrontou com o trágico do sé-
culo passado e também com o deste século balbuciante. Esse movimen -
to, ou antes essa prática da história, tentou esboçar empiricamente uma
maneira de fazer, um modo de pensar a história quando esta atinge, ou
mesmo ultrapassa, o limite do compreensível e do aceitável. Ela se acha
em todo lugar em que o passado recente deixou marcas a ferro quente,
nos corpos, nos espíritos, nos territórios, nos objetos.

Em um artigo publicado em 2006, o historiado Antoine Prost procla-


mava que “ a história do tempo presente é uma história como as outras”,
6: denunciando “ um pseudoconceito” forjado por questões puramente cir-
cunstanciais ( Prost, 2006-2007:21-28). O tom surpreendentemente vinga-
tivo desse pequeno texto de sete páginas consistia em dizer que esse movi-
mento, tendo efetivamente vencido a batalha da legitimidade, devia dora-
vante abandonar a bandeira que tinha permitido a sua vitória. Nenhuma
18 20 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

nova bandeira foi proposta, como se essa parte da disciplina devesse ser
expropriada do seu nome e da sua identidade em prol de um imperialis-
mo epistemológico ou talvez de um ressentimento que não diziam, nem
um nem outro, seu nome. Ora, precisamente, essa prática historiográfica
possui de fato algumas singularidades que não podem ser apagadas por
um traço de caneta. Dos quatro grandes segmentos da historiografia oci-
dental: Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporâ-
nea, somente a última possui uma periodização constantemente incerta e
discutível. Segundo os locais e as tradições nacionais, o “ contemporâneo”
poderá, com efeito, começar tanto em 1789, em 1917, em 1959, quanto
em 1989. Em relação à sua data final, ela é por definição móvel, outra dife-
rença trivial, mas de monta. Dessas quatro periodizações, a história con-
temporânea é a ú nica que é objeto de desacordos recorrentes não sobre a

interpretação dos próprios segmentos temporais existem debates sobre
o fim da Antiguidade ou sobre o fim da Idade Média, assim como existe

sobre o in ício da história contemporânea , mas sobre a sua factibilidade,
seu significado, sua denominação, a exemplo precisamente do artigo cita-
do. Ademais, “ O que é ser contemporâneo? ” pertence a uma interrogação
surgida no século XIX que ultrapassa a reflexão puramente histórica. Ela
atravessa tanto a filosofia quanto a antropologia ou a história da arte, ou a
musicologia, que utilizam o adjetivo do seu modo. Há aqui uma quest ão
epistemológica sobre a qual os historiadores devem posicionar-se, e é o
que eu tento fazer ao interrogar ao mesmo tempo a longa evolução de
uma prática que pretende fazer a história do seu próprio tempo, a conjun -
tura específica do século XX, que acabou por lhe dar certa configuração
particular, e finalmente os critérios constantes ou variáveis que permitem
identificar as singularidades relativas dessa maneira de pensar a história
no interior da disciplina em seu conjunto.

Em vez de aceitar os clichés que repetem que “ toda história é contem -


porâ nea” ou que essa prática remonta às origens da disciplina, procurei
INTRODUÇÃ O 21

compreender inicialmente o que podia significar concretamente, na lon-


ga duração, o termo “ contemporâ neo” e as noções de “ história contem -
porânea” ou de “ história do tempo presente”, partindo de minha própria
experiê ncia — o estudo da história e da memória dos grandes conflitos
recentes — para retrilhar o tempo de maneira regressiva. Concentrei
em seguida minha aten ção no século XX, que vê progressivamente a
emergê ncia de uma história do tempo presente institucionalizada, com
seus métodos próprios, seus paradigmas, seus debates e seus detratores
no interior de uma profissão histórica renovada em profundidade. Meu
propósito não é propor nesta parte uma história erudita da contempora -
neidade, mas situar no tempo mais longo possível a hipótese geralmente
aceita de um aumento do poder da história contemporânea a contar dos
anos 1970. O último terço do século XX é um momento sobre o qual eu
me demoro, pois ele é objeto hoje de debates para saber se ele inaugura
ou não uma mudan ça de “ regime de historicidade”, um termo afortuna -
do, há alguns anos, na historiografia francesa, mas ainda muito pouco
discutido alhures. Nascido com a filosofia da história, no contexto do
debate sobre o historismo, o termo historicidade ( Geschichtlichkeit em
alemão) , tomado na sua acepção mais simples, designa o caráter pro-
priamente temporal e, portanto, evolutivo, variável, limitado e mortal
do homem ou das sociedades, que implica que o conhecimento que eles
podem produzir sobre si mesmos possui, igualmente, um limite, uma
finitude, sobretudo por oposição à metafísica tradicional. O termo mu -
dou de sentido com o impulso da antropologia, que designa por ele ao
mesmo tempo “ a riqueza de acontecimentos” ( Claude Lévi-Strauss ) de
uma dada sociedade e um meio de diferenciar as sociedades entre elas,
sobretudo pela famosa distinção entre “ sociedades quentes e frias” ou
entre “ culturas que se movem e que não se movem”. Acresce-se també m
a ideia essencial de que a historicidade é uma consciência ou uma per-
cepção de si, uma imagem subjetiva que o homem ou as sociedades tê m
de sua própria dimensão temporal. Nos anos 1980, sob a assinatura de
22 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

historiadores como François Hartog ou de antropólogos como Gérard


Lenclud, influenciados por Marshall Sahlins, a quest ão do “ regime de
historicidade” serviu de ponte entre as duas disciplinas e para pôr fim a
uma d écada de querelas entre o histórico e o estrutural. Com o uso, e no 5
contexto dos anos 1980-2000, em que se desenvolveu um debate intenso
sobre o lugar respectivo nas sociedades atuais do passado, do presente e
do futuro, a noção tomou um sentido mais amplo:

A expressão regime de historicidade remeteria, por conseguinte, primeira -


mente, pelo menos logicamente, ao tipo de relação que toda sociedade man -
tém com seu passado, ao modo pelo qual ela o trata e trata dele antes de (e
para ) utilizá -lo e constitui esta espécie de coisa que chamamos de história.
O modo pelo qual uma sociedade trata seu passado e do seu passado. Por
ordem crescente de ativismo no tratamento: o modo pelo qual uma socie -
dade dispõe os quadros culturais que organizam os vieses através dos quais
o seu passado a afeta ( além do que est á implicado no fato de toda sociedade
ter um passado ), o modo pelo qual esse passado é presente no seu presente
( mais do que haja necessariamente) , o modo pelo qual ela o cultiva ou o en -
terra, o reconstrói, o constitui, o mobiliza etc. Haveria assim toda uma escala
de atitudes ligadas à variabilidade cultural: aqui o passado é “ magistério de
vida”, lá um fardo intolerável, alhures um recurso inesgotável, um bem raro...
O regime de historicidade definiria uma forma culturalmente delimitada,
portanto convencional, de relação com o passado; a historiografia seria uma
dessas formas e, enquanto gênero, um elemento sintomático de um regime
de historicidade englobante. [ Hartog e Lenclud, 1993:26]

Além do seu interesse teórico, essa noção permitiu estimular as pes-


quisas sobre a história e a sociologia da memória, sobre as represen -
tações e os usos do passado, sobre a história da história, uma vez que
ela postula quent
ão somente as sociedades são históricas, mas que sua
maneira de se pensar no tempo e no espaço possui também uma histó-
INTRODUÇÃ O 23

ria, uma variabilidade, donde o recurso ao termo “ regime”, que permite


ver vários tipos de relação com o tempo, as quais podem suceder-se ou
coexistir em um mesmo lugar ou em um mesmo momento. Trabalhar
5
com os regimes de historicidade não é, portanto, somente debru çar-se

sobre a historiografia a evolução da produção dos historiadores , —
mas também postular que a maneira de ver o tempo, aqui o tempo pre-
sente, constitui um elemento essencial de compreensão de uma dada
sociedade, em um dado momento. Assim , François Hartog desenvolveu
recentemente a hipótese de que vivemos desde 1989 em um regime de
historicidade “ presentistao qual teria vindo após um regime de histo-
ricidade “ futurista”, surgido em 1789. A dominação do “ futuro” como
— —
horizonte cultural o Progresso, a Revolu ção, o Crescimento , inclu-
sive nas suas piores declinações, como os milenarismos totalitá rios, foi
suplantada pela dominação do “ presente” : “ sem futuro e sem passado, [ o
presente] gera, no dia - a-dia, o passado e o futuro do qual tem, dia após
dia, necessidade e valoriza o imediato” ( Hartog, 2003). Eu compartilho
em grande medida essa constatação, com , entretanto, algumas diferen -
ças e divergê ncias que eu explico adiante nesta obra. Elas versam sobre
a ligação entre o presentismo e o surgimento de uma nova história do
tempo presente, que eu vejo menos como um sintoma do que como
uma reação. Ela diz respeito ao momento de mudança de um regime
de historicidade para outro, uma vez que as evoluções da relação com o
tempo no mundo ocidental, e sobretudo a questão da contemporanei-
dade, começaram, a meu ver, antes da queda do Muro de Berlim , nos
anos 1970, e pertencem, portanto, a uma ordem de fatores explicati-
vos diferente do fim da Guerra Fria ou do sistema soviético. Enfim, se
o presente constitui hoje, sem contestação, uma categoria dominante
e mesmo invasiva, se ele influi particularmente na maneira pela qual
encaramos as lembranças do passado próximo, acontece também que
essas lembranças, essa memória, se exprimem, em sua essência, sob o
regime assaz tradicional de um fardo, de uma assombração do passa-
24 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

do, ainda quando as solu ções trazidas para o enfrentar pertencem, com
efeito, a uma forma de presentismo.

Nesse sentido, fiquei surpreso em constatar, depois de outros, até que


ponto o fenômeno bélico escande o tempo histórico ocidental moderno
desde a Revolu ção Francesa. A maior parte das fronteiras utilizadas pe-
los atores ou pelos historiadores para delimitar a idade contemporânea
pertence aos registros das saídas de guerra, e por vezes à entrada em
guerra: fim da Primeira Guerra Mundial, fim da Segunda Guerra Mun -
dial, fim da Guerra Fria, datas às quais se podem acrescentar as duas
grandes revoluções de 1789 e 1917, tendo a primeira implicado uma
longa sequê ncia de guerras na Europa, e a segunda resultando em parte
da Primeira Guerra Mundial. Com mais profundidade, a maior parte
das saídas de guerra ou de revolu ção tem suscitado uma forte renova -
ção de interesse pela hist ória contemporâ nea, quando não cria pura e
simplesmente um novo regime de historicidade, como após 1789. O in -
teresse pelo passado próximo parece assim estar inelutavelmente ligado
a um momento de violê ncia paroxística e ainda mais aos seus efeitos,
ao tempo que se segue ao acontecimento deflagrador, tempo necessário
à compreensão, à tomada de consciê ncia, à tomada de dist ância, mas
tempo marcado també m pelo traumatismo, e por fortes tensões entre a
necessidade da lembrança e o atrativo do esquecimento. É em todo caso
a hipótese que eu desenvolvo aqui apoiando- me nesta definição lapidar
e espantosa, segundo a qual toda história contemporâ nea começa com
“ a última cat ástrofe em data”, e em todo caso a última que parece a mais
loquaz, senão a mais próxima cronologicamente.

Ent ão quando começa o presente respectivo de uma época ? Começa com o


último acontecimento constitutivo, aquele que determina a sua existê ncia.
Para um casal feliz, o presente tem sua origem no casamento. Partindo des-
se exemplo, poder-se- ia dizer que cada presente de uma dada época começa
INTRODU ÇÃ O 2b

com a última cat ástrofe em data. Certamente, esse termo mascararia o es-

sencial. Quase todo povo para nos limitarmos agora à história dos povos
— viveu a mesma última catástrofe, a Segunda Guerra Mundial. Mas não
é o fato mesmo de ser vítima de catástrofes, por mais violentas que sejam,
que marca sozinho a origem do presente, o presente n ão começa em todo
lugar em 1945, mas é com a cat ástrofe que se inicia o presente da estrutura
histórica daqueles que são vítimas.1

Nesse texto de escrita um tanto dif ícil, a definição da história do


tempo presente — —
Zeitgeschichte em alemão oscila entre o chiste e
a afirmação erudita. Seu autor, Hermann Heimpel, pertence ao estabe-
lecimento universitá rio da Alemanha do Pós- Guerra e foi diretor do
Max- Planck Institut f ü r Geschichte no fim dos anos 1950. Seus escri-
tos e seus percursos ilustram as ambivalê ncias da historiografia alemã
contempor â nea, sem d úvida o modelo paradigmático de uma parte dos
problemas que eu tento levantar neste livro. Tendo dado mostras de fi-
delidade ao regime nazista e nomeado na Universidade do Reich insta-
lada em Estrasburgo após a derrota da França, ele també m esteve, após
a guerra, entre os primeiros a se confrontar com a quest ão da culpabi-
lidade alemã. Ele teria mesmo contribu ído para forjar, desde os anos
1950, o conceito ambivalente de Vergangenheitsbewàltigung, a necessi-
dade de “ dominar o passado” nazista, que ocupar á um lugar central na
história da Rep ública Federativa, um ponto de que eu trato no capítulo
III ( Berg, 2003) . Nesse sentido, o termo “ cat ástrofe” possui uma longa
história no contexto do pós- nazismo. Ele foi utilizado no fim dos anos
1940 para diluir as responsabilidades propriamente alemãs no uso eufe-
místico, compreendendo tanto as vítimas dos nazistas quanto os sofri-
mentos do povo alemão em geral. Nos anos 1980, generalizou-se na sua

1
Heimpel (1957:12 ) . Foi uma conferê ncia de Ulrich Raulff (1997:19 ) que chamou pela
primeira vez a minha atenção para esse texto.
26 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

versã o em hebraico — —
Shoah , em consequência do filme epônimo m
de Claude Lanzmann, para designar dessa vez a unicidade e a singula - I
ridade do exterm ínio dos judeus, sem chegar realmente a substituir o I
termo Holocausto, utilizado no mundo anglófono. A palavra “ catástrofe” I
K
consequentemente disseminou -se por mimetismo ou por reação para
<

I
designar a tragédia original e fondante da identidade de certos povos, à I
imagem da Nakba palestina, que remete às expulsões massivas de 1948.
É preciso, portanto, compreender aqui o termo “ cat ástrofe” em seu
!
'
|
sentido etimológico, ao mesmo tempo como um “ revolvimento”, como
l
um fim na sua acepção grega, os quais tê m consequências frequente-
mente insuperáveis, mas também como um “ desenlace”, um “ movimen - 1
to teatral” no sentido literá rio e dramat ú rgico do termo, na sua acepção
latina. Ao insistir na cat ástrofe como origem provisória de um tempo
presente cujo caráter fugaz ela aceita, esta concepçã o historiográfica,
cujas premissas remontam a 1917- 18, se insere em uma visã o discreta £
da história, em ruptura com a lógica da modernidade revolucioná ria
i
que repousou antes na ideia de uma continuidade, de uma linearidade, ê

de uma realiza ção, sobretudo em direção ao Progresso, depois que ela


própria surgiu de uma ruptura maior no curso da história, pelo menos
a ocidental:
V

Toda vez que há um acontecimento suficientemente significativo para es


clarecer o seu próprio passado, a história advém. Somente então o emara - %

nhado desordenado das ocorrê ncias passadas aparece sob a forma de uma 0
narrativa que pode ser contada porque possui um início e um fim. O que
tal acontecimento revela é um começo, pertencente a um passado, que es-
tava até ent ão escondido; o acontecimento esclarecedor não pode aparecer
ao historiador senão como um acabamento daquele começo que ele acaba
de trazer à luz. Será somente quando sobrevier, na história vindoura, um
acontecimento novo que esse “ fim” se revelará ser um começo aos olhos dos
historiadores futuros. [Arendt, 1990:55]
P

INTRODU ÇÃ O 27

Certamente, a noção apresenta algumas dificuldades, uma vez que é


raro que uma “ cat ástrofe” histórica, humana, seja percebida como tal de
maneira unânime e universal. Pelo menos se pode notar que as do sécu-
lo XX que nos servem de baliza compõem uma situação relativamente
inédita: com o tempo, os vencedores e os vencidos das duas grandes
guerras mundiais acabaram por considerar que elas estiveram ambas e
! para ambas as partes em presença de calamidades sem precedentes na
| história da humanidade, mesmo que a partilha das responsabilidades
ainda gere debates. Essa observação se junta à de Jean - Pierre Dupuy,
cuja defesa de um “ catastrofismo esclarecido” tem certa ressonância
com a tese desenvolvida aqui, uma vez que a necessidade de pensar luci-
damente no presente as cat ástrofes futuras pode implicar a necessidade
de pensar com igual lucidez, e do mesmo modo no presente, as catás-
trofes históricas do passado recente, que servem de ponto de partida:

Foi no século passado que a humanidade se tornou capaz de se destruir,


seja diretamente pela guerra nuclear, seja indiretamente pela alteração das
condições necessá rias à sobrevivê ncia. A ultrapassagem desse limiar estava
preparada havia muito tempo, mas ela tornou manifesto e crítico o que era
até então apenas um perigo potencial. [ Dupuy, 2002:9]

Há, portanto, algumas convergências que permitem considerar que


as catástrofes do século XX, e em particular o segundo conflito mundial,
inauguraram com uma nova contemporaneidade, não marcada pelo oti-
mismo, como acreditaram aqueles que fizeram do ano 1945, nos anos

1960, o ponto de partida de um novo mundo cheio de promessas Eu- —



ropa, crescimento, paz , mas pelo pessimismo, um espí rito do tempo
que privilegia, no plano da memória coletiva, os momentos mais mortí-
feros do passado próximo, aqueles que têm mais dificuldade de “ passar”.
O projeto de uma nova história do tempo presente não foi o de acom -
panhar essa visão obsédante, traumática do passado, mas o de ajudar a
28 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

compreendê-la, o de colocar essa história à dist ância apesar de sua im -


posição à memória. Essa historiografia teve de lhe dar chaves de leitura,
frequentemente incompletas e incertas. Ela teve de enfrentar as grandes
fases de amnésia do passado nazista ou da história da descolonização no
momento mesmo em que buscava suas próprias bases epistemológicas: é
uma de suas principais características e sem dúvida sua maior fragilida -
de. Alé m disso, fazer remontar o tempo presente à última catástrofe em
data é também uma definição estrutural: desde sempre, certas catástrofes
escandiram o tempo histórico, mas apenas de uma situação conjuntural:
nosso regime de historicidade se define em grande parte pela dificuldade
de superar a lembran ça das grandes catástrofes recentes, de reatar, por-
tanto, com certa continuidade histórica de maior duração. É o último
ponto abordado nesta obra, que busca compreender a parte respectiva
dos crité rios constantes que permitem definir uma “ contemporaneida -
de”, por exemplo, a presen ça de atores vivos capazes de testemunhar com
a própria voz, e com aquelas dos crité rios variáveis, sobretudo das perio -
diza ções diferentes de um autor, de uma cultura, de um país para o outro,
frequentemente independentes de a priori ideológicos ou intelectuais.

A ideia inicial desta obra se constitu ía em manifesto ofensivo. Com


o tempo, o projeto se transformou em uma interrogação mais aberta.
Nem tratado de epistemologia, nem ensaio normativo sobre a melhor
maneira de escrever a história, esta obra pretende simplesmente propor
uma reflexã o sobre certa maneira de pensar a história do tempo presen -
te. Ela se fundou e n ã o pôde ser possível sen ã o porque derivou de uma
pr á tica de pesquisa de campo e de um hábito de estudo dos períodos
sensíveis que induziram certo olhar sobre a minha disciplina. De resto,
ela não pretende representar todos os modos de escrita possíveis de uma
história contemporânea. A obra se insere, tanto quanto ela a analisa,
em uma conjuntura particular das sociedades atuais acerca das relações
que elas mantê m com o passado, apoiando-se na situação historiográ-
INTRODUÇÃ O 29


fica francesa, alemã ou nos países anglófonos por falta de tempo, de
espaço ou de competê ncia, não pude incluir nela elementos vindos da
historiografia italiana, espanhola ou ainda de alguns países da América
Latina, cuja situação entra em parte na perspectiva desenvolvida aqui. A
história contemporânea obteve nesses lugares um espaço incomparavel-
mente maior do que anteriormente, tanto na esfera universitária quanto
no espaço p úblico. Hoje, ela atrai uma grande porção dos estudantes
de história, do ensino, dos recursos alocados para a disciplina no seu
conjunto em in ú meros países, situaçã o impensável há 30 anos, quando
o tempo presente era objeto quase exclusivamente, na melhor das hipó-
teses, das outras ciências sociais, e, na pior, do jornalismo esclarecido. A
história recente tem, ademais, um número crescente de escritores, de ci-
neastas, de documentaristas, de artistas de todos os horizontes. In ú me-
ros blogs, sites e fóruns lhe foram dedicados, dos mais disparatados aos
mais informados. Essa evolu ção mostra a emergê ncia de novas curiosi-
dades e de uma expectativa de inteligibilidade do passado recente.
Ao mesmo tempo, o lugar da história em geral mudou de natureza.
As noções de memó ria ou de património invadiram o espaço p úblico
e cient ífico. O testemunho tomou o aspecto de um imperativo social e
moral. A justiça temporal se transformou em tribunal da história para
julgar crimes políticos de já há meio século. Os Estados verteram mui-
tos recursos e muita energia para implementar “ políticas p úblicas do
passado”, nacionais e internacionais. No senso comum , no vocabulá rio,
o passado se tornou um problema para resolver. Diz-se de bom grado
hoje que as sociedades, os grupos ou os indivíduos devem “ enfrentá-
-lo”, “ confrontar -se” com ele, como nas expressões inglesas: coping with
the past; ou ainda que se deve “ super á-lo”, “ dominá -lo”, coming to terms
with ou mastering the past, ideia que se encontra na expressão alemã
Vergangenheitsbewãltigung. Estranha metáfora, a pensar bem, que sig-
nifica literalmente que colocamos o passado em um lugar que não é em
princípio o seu, a saber, diante de nós, ou que estamos constantemente
30 A ULTIMA CAT Á STROFE

com as costas viradas para o futuro para poder lidar com ele, ilustra -
ção concreta da visão profética de Walter Benjamin feita ao observar
o Angélus novus de Paul Klee. As sociedades contemporâneas parecem
assim manter com a história, e singularmente com a história recente,
uma relação profundamente marcada pela conflituosidade: conflitos
íntimos ou coletivos nascidos de traumatismos insuperáveis, guerras
de memórias, polê micas p úblicas e controvérsias científicas, frequente-
mente misturadas. A história já não se caracteriza, primeiramente, por
tradições a respeitar, por heranças a transmitir, por conhecimentos a
elaborar ou por mortos a celebrar, mas antes por problemas a “ gerir”, por
um constante “ trabalho” de luto ou de memória a empreender, haja vista
o enraizamento da ideia de que o passado deve ser arrebatado do lim-
bo do esquecimento, e que somente dispositivos públicos ou privados
permitirão exumá-lo. O passado tornou-se assim uma matéria sobre a
§
qual se pode, ou mesmo se deve, constantemente agir para adapt á-lo às
necessidades do presente. Ele é doravante um campo da ação p ública,
í A exigência de verdade pró pria da atividade histó rica transformou -se

' em exigência social de reconhecimento, em políticas de reparação, em


j discursos de desculpa e de “ arrependimento” em relação às vítimas das
grandes cat ástrofes recentes. Foi nesse contexto que se desenvolveu uma
i.
nova história do tempo presente, chamada, logo depois de institu ída, a
responder aos desafios da amnésia de um passado próximo enunciado
em sua versão mort ífera, às necessidades da reparação que exige mui-
ta per ícia, às exigências de um discurso onipresente sobre a memória,
termo que perdeu pouco a pouco em clareza à medida que o fenômeno
ganhava em import ância. Às vezes, agindo em legítima defesa, às vezes
tomados pela exaltação da ação tão afastada da sua formação de obser -
vadores distantes, esses historiadores do tempo presente se tornaram
também atores de uma história que se est á fazendo.
CAP Í TULO I

Acontemporaneidade no passado

§
Um problema antigo?

Se a história contemporâ nea, compreendidas todas as escolas e todas


as tendências, teve nesses últimos 30 anos um desenvolvimento que
era imprevisível nos anos 1970, isso não significa, por esse fato, que ela
constitua uma inovação sem nenhum antecedente. “A história do tempo
presente é uma velha história!”, escreve Antoine Prost ( 2006- 2007:21)
no artigo citado anteriormente. A afirmação reflete uma das manias
mais comuns da profissão do historiador: reduzir toda inovação a um
:V
“ déjà - vu ” e opor -lhe a lista inesgot ável dos antecedentes que sublinham
a pretensão de ver o novo onde não haveria senão repetição. Contudo, a
I
afirmação exprime també m certa realidade que não somente nunca foi
contestada, mas foi, ao contrá rio, frequentemente invocada para fundar
em uma longa tradição as bases da nova história do tempo presente.
Escrever a história do seu tempo constitui, com efeito, para os historia-
dores uma prática tão antiga quanto seu surgimento como literatos ou
eruditos, pelo menos à primeira vista. Ela foi uma das principais carac-
32 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

terísticas da sua arte ou da sua disciplina, qualquer que tenha sido seu
status através das épocas. E, portanto, não haveria assim, uma vez lem -
brada essa evidê ncia, nenhuma razão para se interrogar sobre as parti-
cularidades dessa história, e boas razões, ao contrá rio, para recolocá-la J

sem demora na sua posiçã o. il


i
Há uma grande dist ância, todavia, entre a aparente evidência e a ob-
servação mais precisa. Mesmo que Tucídides e Eric Hobsbawm tenham
escrito sobre a sua respectiva época, eles o fizeram com algumas dife-
renças, uma vez que a Grécia Antiga e a Europa após 1945 constitu íam ,
contudo, contextos dessemelhantes. Do mesmo modo, o lugar da histó -
ria contemporâ nea nos estudos acad ê micos, tanto quanto em sua rela ção
com o poder ou com a sociedade, não permaneceu a tal ponto imut ável
em quase três milénios, que seja preciso limitar-se à simples constata -
ção de uma permanê ncia, ou até mesmo de uma invariância. Evidência
por evidê ncia, se desde sempre os historiadores se debru çaram sobre a
história do seu tempo, eles não o fizeram da mesma maneira, nem com
os mesmos m é todos, nem com as mesmas finalidades. Aliás, não existe
até hoje nenhum estudo cient ífico de conjunto sobre o modo pelo qual
a história do passado próximo foi intelectual e socialmente concebida
e recebida através dos tempos. Se já há muito tempo há interesse pela
história da percepção e da medida do tempo, não há ou há poucos estu -
dos sistemáticos sobre a história específica da contemporaneidade, um
problema raramente levantado como tal nos estudos historiográficos.
Nas suas Douze leçons sur Vhistoire, publicadas em 1996, uma das refe-
rê ncias em lí ngua francesa sobre a epistemologia da história, Antoine
Prost n ã o diz nada sobre essa noção, ao mesmo tempo que a emergê ncia
da história do tempo presente constitui um fenômeno importante na
historiografia europeia de então e suscita muitos debates e controvér-
sias, sobretudo após a queda do Muro de Berlim ( Prost, 1996 ). É in útil,
por conseguinte, afirmar que a pr ática de uma história do tempo pre-
sente teria existido por toda a eternidade, sem esboçar nem sequer os
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 33
f.

rudimentos de uma história do conceito. O empreendimento consiste


f

ccrtamente em um desafio, em razão da erudição necessária, mesmo


limitando -se apenas ao universo ocidental. Há diferenças demais nas
2

concepções e nas percepções do tempo na longa duração para que a


| noção de contemporaneidade possa comparar-se facilmente através das
í épocas. Contudo, esse desvio é indispensável para compreender certos
debates recentes, ou pelo menos para situá-los em uma longa dura ção.
:
í No caminho, responder -se- á parcialmente assim à crítica dirigida por
À
'

vezes aos historiadores do tempo presente por nunca levarem em con -


m
sideração essa longa duraçã o e por se situarem quase unicamente no
curto prazo do evento.3 Uma cr ítica que pode acabar em acusações por
% vezes curiosas: se é possível dar crédito ao relatório encomendado em
2008 pelo Ministé rio da Cultura para anteceder o projeto abortado da
“ Maison de l’ histoire de France”, tencionado pelo presidente da Repú -
blica, Nicolas Sarkozy, a história do tempo presente, apenas pela sua
existência, teria freado o desenvolvimento das pesquisas de longa dura-
ção e constitui mesmo uma das causas da dificuldade dos franceses em
“ assumir a sua história na sua globalidade” :

2
Encontram -se, contudo, elementos de reflex ão em Noiriel ( 1998 ) , que aborda o tema
nos séculos XIX e XX, Hartog ( 2003) . Com Christian Delacroix, François Dosse e
Patrick Garcia, exploramos esse tema em um seminá rio interdisciplinar que aconte-
ceu em 2002, no Instituto de História do Tempo Presente: “ L’ histoire du temps présent
à l’épreuve du passé”, com especialistas em Antiguidade ( François Hartog ) , em Idade
Média ( Michel Sot e Patrick Boucheron ), em histó ria moderna ( Jacques Guilhaumou,
Nicolas Leroux, Jean - Louis Fournel e Jean -Claude Zancarini ), em história contem -
porânea ( Robert Franck e Olivier Dumoulin ).
3
Esta cr ítica é explícita no artigo citado de Antoine Prost. E ela o é ainda mais na obra
de Noiriel (1999), sobretudo na introdução intitulada “ Pour une autre histoire du temps
présent”, um texto polêmico mas embasado que dá uma visão cr ítica da histó ria do tem -
po presente tal como ela se desenvolvia então e ao qual eu respondi na época: Rousso
( 2000:23- 40 ) . Observarei, com um pouco de polê mica da minha parte, que nem An -
toine Prost, nem Gérard Noiriel jamais desenvolveram análises de “ longa duração” em
seus próprios trabalhos, que tratam essencialmente do fim do século XIX e da primeira
metade do século XX, prova de que a objeção deriva de uma simples postura.
34 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

As pesquisas e os debates sobre “ a histó ria do tempo presente” ocultaram


por vezes a análise dos fatos de longa duração e engendraram querelas
epistemológicas e metodológicas; a transposição ao conjunto dos períodos
históricos dos métodos próprios à “ história do contemporaneíssimo”, so-
bretudo em maté ria de história política e social, tendeu a deixar caducos os
velhos quadros de referências: cronologia, epistemologia das fontes; geo-
grafia histó rica etc. [ Lemoine, 2008:9]

A heran ça negativa de Pétain teria ocultado, portanto, a herança po-


sitiva de Joana dArc, e a história do tempo presente teria feito perder o
gosto da cronologia; quanto aos debates epistemológicos, eles constitui-
riam em si mesmos uma ameaça à história nacional. A afirma ção mere-
ceria um dar de ombros, se o sobredito relatório não tivesse servido de
base para um dos projetos culturais mais controvertidos desses últimos
anos do poder político na Fran ça e se ele não constituísse um exemplo
dessas críticas recorrentes dirigidas à história do tempo presente, que
têm dificuldade em encontrar argumentos sé rios.

O adjetivo “ contemporâ neo”, do latim contemporaneus de cum e —


tempuSy “ que pertence a um mesmo tempo compartilhado” aparece—
sobretudo por volta de 1475, a darmos crédito ao Trésor de la langue
française. O termo “ histó ria contemporâ nea” parece mais tardio, pelo
menos em sua acepção moderna: encontra-se vest ígio dele notada -
mente nos Pensamentos de Pascal, um ponto estudado mais adiante.
Contudo, o termo se generaliza muito mais tarde, no século XIX, após |
o choque cultural e cognitivo da Revolução Francesa: o romance de
Balzac, Ixnvers de rhistoire contemporainey é publicado em 1848 e Tai-
ne publica suas Origines de la France contemporaine a partir de 1875.
É nessa época que surge a acepção que tem hoje, a saber, o estudo de
um tempo que é també m o do observador e o estudo de uma sequência
distinta que vem progressivamente completar a tripartição historiográ -
A CONTEMPO RANElDADE NO PASSADO 35

fica ocidental da história antiga, medieval e moderna, que se articula


em torno de duas grandes rupturas: a queda do Império Romano do
Ocidente e o Renascimento. Se a datação respectiva desses dois “ acon -
tecimentos” continua a evoluir segundo as escolas e os autores, o corte
tomou uma dimensã o de uma periodizaçã o canónica ( Leduc, 1999:92
e ss). Esta surge, lembremo -lo, em meados do século XV com os huma-
nistas italianos que queriam marcar a clara distin ção de sua é poca com
um passado qualificado de “ idade média” termo que aparece em 1469
sob a pena de Giovanni Andrea dei Bussi, bibliotecá rio pontifical. Ela
foi popularizada nos estudos historiográficos do fim do século XVII,
notadamente nos escritos do alemão Christoph Keller, dito Cellarius
( Guenée, 1980:9 - 10). É, portanto, uma tradiçã o antiga que se perpe-
tuou até os nossos dias após ter sido completada pela adição de um
i
quarto per íodo — “ contempor âneo” — no século XIX, igualmente cria-
do para estabelecer a dist â ncia em rela ção a uma “ modernidade” que
tinha adquirido certa idade e mudado de natureza após a Revolução de
1789. Não é, contudo, por falta de cr íticas constantes. Reinhart Kosel -
leck, por exemplo, vê nesse corte a ilusão a um só tempo de um tempo
linear e de um tempo homogé neo que impede de ver “ a contempora-
neidade do não contempor â neo na história” enquanto “ cada um de nós
pode constatar que ainda temos contemporâ neos que vivem na idade
da pedra” ( citado por Leduc, 1999:101). Jack Goody ( 2010 ) denuncia
esse corte e essa leitura global da história por terem sido impostos pela
§ civilização europeia ao resto do mundo, sobretudo durante a fase de
|
!
expansão colonial. Donde esta outra ilusã o de que as civilizações que,
^ apesar de dessemelhantes, vivem em um mesmo tempo devem fatal -
*

l mente ter em um tempo determinado a mesma evolução em direção


ao progresso, à democracia, ao mercado, sob a condiçã o de recuperar
seu “ atraso”, graças, inclusive, à ajuda do mundo ocidental, que deve-
* ria ter-lhe aberto caminho: essa ilusão teve profundas consequê ncias
mortíferas, inclusive mui recentemente no Iraque ou no Afeganistão.
36 A ULTIMA CAT Á STROFE

%
A noção mesma de regime de historicidade teve o efeito, precisamente,
de desconstruir a ideia de que existiria uma adequação entre o tempo A
biológico, o tempo social e o tempo cultural, contribuindo, de passa -
gem, para enfatizar um pouco mais as ambivalê ncias e as ambiguida - 4
des da palavra “ contemporâ neo” : um mesmo tempo n ão significa um jB
mesmo espa ço; uma mesma “ é poca” n ão cobre um mesmo universo ?
B
cultural; e a uma mesma é poca ladeiam -se estruturas, ideias, práticas
que evolu í ram de maneira diferente relativamente a um passado que
deve ser analisado em uma evolu ção diferenciada.
Nã o obstante, a periodização tradicional se manteve na disciplina
&
histórica. Alé m do hábito profissional, há sem dúvida uma necessidade
I
mais geral que se manifesta aqui, como escreve Michel de Certeau:

A historiografia separa primeiramente o seu presente de um passado. Mas


ela repete em todo lugar o gesto de dividir. Assim, sua cronologia se com -
põe de “ per íodos” ( por exemplo, Idade Média, História Moderna, Histó ria
Contemporâ nea) entre os quais se rastreia a cada vez a decisã o de ser outro
?
ou de j á não ser o que foi até ent ão (o Renascimento, a Revolução). Alterna -
damente, cada “ novo” tempo deu lugar a um discurso que trata como “ mor -
to” o que precedia, mas que recebe um “ passado” já marcado por rupturas
anteriores. [ Certeau, 1975:16, grifo do autor ]

Sem dúvida, nós somos contemporâ neos de indivíduos ou de grupos


que vivem ainda na “ idade da pedra”, mas o fato mesmo de identificá-
-los como tais, e, portanto, de remetê-los a outro tempo por causa de
suas diferen ças, ilustra esta necessidade de distinção entre hoje e on -
tem que caracteriza a historicidade moderna. Se fazer a história do seu
tempo constitui, portanto, uma prática à primeira vista antiquíssima,
a singularização e a conceitualização de uma história explicitamente
contemporâ nea, sem falar da noção mesma de contemporaneidade, se
desenvolveram, em realidade, sobretudo nos séculos XIX e XX.
A CONTEM PO RANEl DADE NO PASSADO 37
I?'

Traçar a história dessas noções na longa duração, mesmo em linhas


gerais, pode parecer uma presunção, porém afigura-se-me necessário
para compreender o surgimento de uma nova história do tempo presen-
te no fim dos anos 1970. Nessa época, a questão foi, aliás, saber se era
B preciso inventar completamente uma nova prática, uma nova maneira
B de fazer a história, em um contexto em que a disciplina dava mostras de
efervescência intelectual, ou se se tratava antes de reatar com uma tradi-
ção desamparada. Alguns buscam então uma legitimidade em uma tra-
dição tão antiga quanto a própria história, outros insistem antes em seu
caráter inovador, mas ambos reclamam para ela um lugar no seio de uma
&
profissão que a mantém em certa marginalidade institucional, para não
I
dizer em uma relativa suspeita. Em uma mesma obra coletiva publicada
em 1978 e dedicada à “ nova história” — uma fórmula editorial que de-
signa a abundância de uma historiografia então em plena transformação,

mas que continua a reclamar para si os Annales , Jean Lacouture e Pier-
re Nora, que preconizam cada um à sua maneira a constituição de uma
historiografia do contemporâ neo, adotam a esse respeito duas atitudes
?
diferentes ( Le Goff, Chartier e Revel, 1978). No artigo dedicado à “ histó-
ria imediata”, outro termo novo para designar a histó ria contemporâ nea
e título de uma coleção das Editions du Seuil, à qual voltarei no capítulo
IV, Jean Lacouture invoca tanto Tucídides quanto Júlio César, Ibn Khal-
doun e Charles de Gaulle, os cronistas de Joinville, Froissart e Commy-
nes, assim como Michelet ou Lissagaray, autores que têm como ponto
em comum o fato de terem produzido obras “ abertamente ancoradas no
presente, mas como atores, por vezes como protagonistas” ( Lacouture,
1978:274). Ele defende, contudo, a ideia de que esSa forma de história
constitui uma novidade, lembrando que a história em geral — e não so-
mente a contemporânea — , entendida como “ uma ciência do passado
[que ] não encontra sua razão de ser, sua nobreza, sua justificação senão
no laborioso desembaraço das suas fontes da montanha dos arquivos”, é
um “ dogma muito recente”, surgido por volta do fim do Segundo Império.
38 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

Pierre Nora, em um artigo que ele dedica ao “ Presente” — uma escolha



original no contexto da historiografia de então , não se interessa muito
pela história contemporânea tal como pôde existir antes do século XIX:
“ Houve uma ‘história contemporânea* no passado? Santo Agostinho, os
humanistas do Renascimento, Voltaire certamente tiveram o sentido de
uma era nova, mas sem que lhe seja associada, como para nós, a cons-
ciência de um olhar histórico particular” ( Nora, 1978:467). Ele lembra
que essa prática foi, com efeito, particularmente excluída do campo da
história que estava então em vias de se tornar uma disciplina cient ífica
com pleno direito, a contar dos anos 1870, momento que ele vê parado-
xalmente como fundador, para melhor situar seu próprio procedimento,
um século depois. É um debate do qual se redescobre o interesse nos anos
1970-80, pois essa exclusão se torna então a referência negativa por ex-
celência da nova história do tempo presente, que se justifica em primeiro
lugar ao recusar os argumentos sobre os quais essa rejeição se apoiou.
Pierre Nora chega a retomar uma hipótese à qual voltarei com mais deta -
lhes: é no exato momento em que a noção de contemporaneidade começa
a enraizar-se no universo mental do século XIX que a disciplina histórica
em vias de profissionalização decide separar a história contemporânea do
resto da história, dando-lhe de fato uma singularidade, uma vez que sua
identidade se vê reforçada em razão dessa exclusão.
Com o recuo e a experiência de uma história do tempo presente do-
ravante instalada na paisagem historiográfica, a questão merece, a meu
ver, ser colocada de outro modo: por que, no fim dos anos 1970, o de-
senvolvimento da história contemporâ nea constituiu um fato de ino-
vação no interior de uma disciplina que estava em plena ascensão e em '

plena reconfiguração, enquanto um século antes, em um contexto mais


ou menos comparável de inovação, a história contemporânea foi perce- T'
ï
bida, ao contrário, como um freio a ponto de ser exilada em uma espécie
*
de purgatório? Por que o que parece inovador no fim do século XX sus-
cita a desconfian ça no fim do século XIX? Por que a história contempo-
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 39

rânea se deslocou em um século, no interior da disciplina, da margem


para o centro? Como fazer a repartição na evolução dessa prática entre
os elementos estruturais, ligados à posição mesma dos historiadores que
trabalham com “ o seu” tempo, e os elementos de conjuntura, que consti-
tuem contextos diferentes e cambiantes?

“ Toda história digna desse nome é contemporânea”

É conhecida a célebre fórmula do historiador e filósofo italiano Benedetto


Croce, tornada quase um cliché. Ela significa que toda escrita da história,
do passado próximo ou do passado longínquo, tem sua fonte no presente:

Se a história contemporâ nea surge diretamente da vida, o mesmo acontece


com aquela que se chama de não contemporâ nea; ela també m surge dire -
tamente da vida, pois, com toda evidência, somente uma preocupação com
a vida presente pode levar- nos a fazer pesquisas sobre um fato do passado.
Portanto, esse fato, unido a um interesse pela vida presente, n ão responde
mais a uma curiosidade do passado, mas a uma preocupação presente. As
fórmulas empí ricas dos historiadores o disseram e redisseram de cem mo-
dos, e essa observação explica o sucesso, senão o conteúdo profundo, deste
lugar comum tão repisado: a história é magistra vitae.4

Benedetto Croce sublinha um dos traços próprios de todo procedimen-


to histórico que a história contemporânea não é a única a levar em conta:
o papel exemplar da história e o fato de que o conhecimento do passado
deve guiar as ações do presente, um traço identificado por Cícero há cerca
de 2 mil anos: “ a história, esta testemunha dos tempos, esta luz da verdade,

4
Croce (1968:13 ss [ 1. ed. em alemão: Tübingen, 1915; esses textos são publicados em
italiano em 1912-13] ).
40 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

esta mem ória viva que nos instrui a viver [ magistra vitae ] , esta intérprete
dos tempos antigos” ( Cícero, 1830:258). Essa ideia de uma história “ mes-
tra da vida” criou na tradição uma ligação indissociável entre o passado
e o presente, mas uma ligação que também tem uma história. A fórmula
permite, portanto, sublinhar a que ponto a história como processo de co-
nhecimento e de compreensão do mundo não é uma atividade gratuita, %
?
desinteressada e situada fora do tempo daquele que escreve. Ela dá um
primado ao historiador em relação ao objeto. Benedetto Croce estabelece |- j
.

com efeito uma diferença entre o que ele chama de “ crónica” e a história:

Não se deve considerar a cró nica e a história como formas de história que se
escrevem uma após a outra, ou que seriam subordinadas uma à outra. São
duas atitudes espirituais diferentes. A histó ria é uma histó ria viva e a crónica
uma história morta. Uma é história contemporânea, e a outra história pas-
sada. A história é principalmente um ato de pensamento e a crónica um ato
de vontade. Toda histó ria se torna crónica quando não é mais pensada, mas j

somente rememorada em palavras abstratas, em palavras que foram concre-


tas e expressivas uma vez e já n ão o são. [ Croce, 1968:17-18, grifo do autor ] $
’1
f
Escrever a história é, portanto, um ato intelectual que transcende a
simples relação dos fatos e visa o geral, diferentemente da crónica, que
se limita ao particular. Benedetto Croce defende aqui uma concepçã o
idealista da história na qual esta, graças a vestígios vivos e por defini-
ção presentes, “ precede” a crónica, e mesmo lhe dá uma aparência de
consistência: “ o que é exterior, estranho ao espírito n ão existe” ( Croce,
1968). Comentando essa obra, Robin G. Collingwood vê nela “ a síntese
perfeita entre o sujeito e o objeto, na medida em que o historiador se
pensa a si mesmo na história, os dois tornando-se contemporâneos”.5

5
Collingwood ( 1966:7 ) . O primeiro ensaio é dedicado ao livro de Croce e foi publicado
em 1921.
ff
A CONTEM PO RANEID ADE NO PASSADO 41

Da leitura dessa famosa passagem de Benedetto Croce, pode-se portan-


to concluir que a história em geral — e não somente a história contem -

porânea stricto sensu é triplamente contemporânea: ela se funda nos
vestígios acessíveis à observação e à análise, que se oferecem ao olhar do
historiador em seu estado presente, de entidades passadas cuja integri-
dade original é por definição inacessível, mesmo que ela seja situada na
f
concepção positivista que postula que essa realidade existiu antes que o
historiador a observasse; ela é um ato de pensamento que se desdobra
sobre o presente graças ao trabalho de um narrador consciencioso que
conta o passado; enfim, ela permite fazer reviver o passado no presente,
re- presentá - lo , como dirá mais tarde Paul Ricoeur, e até mesmo, a seguir
a posição assaz radical de Benedetto Croce, dar -lhe simplesmente vida,
uma vez que a história não existe fora do pensamento que a produz e lhe
I dá forma após o acontecimento.
Embora modernas, alimentadas pelo desenvolvimento recente da
js
história como disciplina cient ífica, mas defendendo o primado do ato
hístoriográfico sobre a ilusão de que se pode captar “ objetivamente” a
$L história “ tal como foi”, dogma da historiografia do século XIX, as teses
de Benedetto Croce retomam, apesar de tudo, uma definição ancestral
1'
f
da história no mundo ocidental, expressa sob uma forma mais ou me-
nos constante dos historiadores da Antiguidade aos da Idade Moderna,
* que não separa o passado do presente. Não se pode, por isso, esquecer
que a relação entre os dois não se revestiu do mesmo significado antes e
após a ruptura de 1789. Antes, toda história é contemporâ nea não por-
que os “ historiadores do tempo presente” e os “ historiadores do tempo
passado” partiriam, não obstante as diferenças, das mesmas premissas
ou de uma mesma postura, mas porque a história não se concebe fora
do presente, porque a história do passado encerrado que seria distinto,
e até mesmo cortado em relação ao tempo presente, não tem sentido
realmente. Antes do choque da Revolução Francesa, fazer a história
do seu tempo não constitui uma prática singular no que diz respeito à
42 A ULTIMA CAT Á STROFE

mera escrita da história. É mesmo, de certa maneira, o contrá rio, uma


vez que só há história contemporâ nea, no primeiro sentido do termo,
uma escrita cujo propósito, estrutura, finalidades, objetos são orienta-
dos por e em direção ao presente. Se as concepções do tempo mudam
profundamente do período antigo ao período moderno, a distinção
entre um passado próximo e um passado longínquo, entre o período
contemporâneo e o que lhe precede, é um corte da Revolução. Ela cria,
por exemplo, a noção de Antigo Regime para designar um passado re-
pentinamente encerrado, embora ainda próximo e inserido em uma
longa tradição que se deve precisamente combater. Interrogações que
nos parece pertencerem hoje antes à prática da história contemporânea
propriamente dia, como o papel da testemunha ou o peso de uma me- i

m ória viva, foram levantadas desde a origem a propósito da história em


geral, quando a questão da “ contemporaneidade” simplesmente não se
colocava, ou pelo menos não nos nossos termos. “A história moderna
ocidental começa com a diferença entre o presente e o passado”, escreve
Michel de Certeau (1975:14- 15, grifo do autor ), para quem a operação
historiográfica consiste, j á o vimos, em uma separação, um corte, uma
distin ção. Emancipando -se progressivamente da tradição religiosa, a
história se torna prática científica voltada à compreensão da alteridade,
a dos homens e mulheres do passado, a da própria mudança, a da perda.
Sua missão visa “ acalmar os mortos que ainda assombram o presente e
oferecer-lhes tumbas escriturais” ( Certeau, 1975). No decorrer do sécu -
lo XIX, a história se torna a quitação de uma d ívida para com os mor -
tos, um sepultamento que os separa assim dos vivos. Michel de Certeau
situa esse corte em Michelet. Mas como era antes? Como o historiador
pôde pensar um tempo presente, uma sequê ncia “ contemporânea”, se
não havia a ideia de que uma parte do passado pudesse ser encerrada ?
Que significado podia de fato ter o termo “ contemporâneo” em um tem -
po histórico que n ão era assim fendido?
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 43

fO tempo presente antigo


À seguirmos François Hartog no que diz respeito ao per í
odo grego e
romano, que vê nascer as primeiras grandes narrativas históricas, é pre-
cisamente a história do “ presente” que é a ú nica possível e não a história
I do “ passado”, tendo-se em mente aqui que os termos não têm a mesma
\ acepção que hoje. O historiador Heródoto, contrariamente aos aedos e
às narrativas é picas, estabelece para si mesmo como ú nica alçada o que
aconteceu com o destino dos homens” e distingue em suas Histórias o
I —
tempo dos deuses e o dos homens o seu próprio. Nessa nova concep-
ção da narrativa, “ o tempo dos deuses ou o dos heróis”, escreve François
Hartog, “ são passados’ que certamente ocorreram, mas eles escapam ao
saber do historiador que observa a partir do seu presente”. E acrescenta:
“ de saída, preso no tempo e às voltas com ele, o historiador decide entre
o passado e o presente, mas ele o faz a partir do seu próprio presente, a
partir desse nome próprio que ele profere ao começar e que lhe permite
distinguir entre agora’ ou ‘do meu tempo’ e antes’, outrora . A subje-
6

tividade, inclusive a temporal, condiciona, portanto, desde a origem a


escrita histórica: desde a primeira frase das Histórias, é o próprio Heró
-
!
V. doto que entra em cena. A narração resulta da observação direta do que
ele viu: a autópsia ( etimologicamente “ com seus próprios olhos” ). Esta
visa um uso da palavra para a posteridade e distingue duas temporali
-
I'
dades, pois a história contada é aqui não somente “ contemporâ nea” pelo
fato de falar do tempo do historiador, mas ela se funda ao colocar como
inacessível à observação outro tempo que não o presente ou o tempo
dos homens.
Esta centralidade do olho se encontra mais claramente em Tucídides:

( ,
6
Hartog ( 2005:68). Ver, igualmente, Hartog ( 2001) e o texto de Heródoto 1964
1985: 2 v.).
44 A ULTIMA CAT ÁSTROFE

Ao passo que os mythoi dos poetas s ão sem idade e os logoi dos logógrafos
[ aqueles que relatam por escrito as narrativas da tradição oral ] são de idades
misturadas, a vontade de verdade implica limitar-se ao presente: n ão h á
histó ria “ verdadeira” sen ão no presente. Assim, o (futuro ) historiador da
guerra do Peloponeso se pôs ao trabalho ao mesmo tempo que começavam !
as hostilidades. Dos dois meios do conhecimento histórico, o olho ( opsis )
e o ouvido ( akoê ) , somente o primeiro pode conduzir ( sob a condi ção de
fazer dele bom uso ) a um conhecimento claro e distinto ( sâphos eidenai ):
não somente o que eu vi, o que outros dizem ter visto, mas sob a condição
de que essas visões ( a minha, a dos outros) resistam a uma crítica cerrada.
[ Hartog, 2005:77]

A despeito de suas diferenças com Heródoto, Tucídides exprime as-


í
sim uma posiçã o similar, a tal ponto que se pode ver nele um “ historia -
dor do presente”, que “ se põe ao trabalho”, segundo as suas próprias pa m
lavras, “ desde os primeiros sintomas * da guerra entre Esparta e Atenas,
inventando a ficção de uma “ história ao vivo” 7. Para estar mais perto
da akribeia —
a verdade ou a conformidade com os fatos relatados — ,
Tucídides se concentra igualmente em “ seu tempo”. Desde a primeira
página da Guerra do Peloponeso, ele escreve:
I:
Quanto aos acontecimentos que marcaram o período que precedeu a esta
guerra e, mais antigamente ainda, os séculos dos quais, em razão do tempo
transcorrido, eu n ão podia ter um conhecimento preciso, estimo que eles
foram, tanto do ponto de vista militar quanto de todos os outros, de me-
díocre importâ ncia. Eu fundo esta certeza sobre os indícios que eu recolhi
no curso de uma investigação que remonta até os tempos mais recuados.
[ Tucídides, 2000: livro 1 ( 1), p. 35-36 ]

7
Tucídides ( 2000). Ver Darbo - Peschanski ( 1989:653-675).
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 45

Hp François Hartog aponta, contudo, nessa obra fundamental, o que


íode parecer uma espécie de contradição original, lembrando que
hicídides “ consegue a façanha de fazer ao mesmo tempo a exposi-
evi-
Ç o ‘mais clara sobre o passado da Gr écia e a demonstra ção mais
B| *

!dente de que a ‘história verdadeira* no passado é impossível” (Hartog,


2005:96 ) . Ele mostra como o antigo general ateniense pôde, por sua
K
1 busca da verdade, aquela que dá todo o sentido à fórmula “ história
I verdadeira”, servir de referê ncia aos fundadores da história positivista
è do século XIX, eles mesmos em busca de um método para apreen -
der a hist ória “ tal qual ela foi”. “ Mas, ao passo que a história positi-
vista pensa que a verdade, para se desvendar, precisa do silê ncio dos
arquivos e que a história se escreve, portanto, no passado, Tucídides
pretendia demonstrar que a ‘hist ória verdadeira n ão podia fazer -se
senão no presente” ( Hartog, 2005:100 ) . Sem chegar a fazer dos histo -
m riadores gregos os inventores da “ contemporaneidade”, o que não faria
muito sentido, nem reduzir esses textos apenas à quest ão da rela ção
entre passado e presente, as rela ções assim estabelecidas entre uma
investiga çã o sobre o mundo tal como ele é, conduzida por um sujei
to singular, escrevendo sobre seu próprio tempo, pondo em ação seu
olhar e sua experiê ncia direta dos fatos, e inserindo seu propósito em
uma busca da verdade enraizada no presente e voltada para o futuro,
não deixa de ressoar fortemente aos ouvidos do historiador do tempo
presente de hoje. Como n ã o fica sem ressonâ ncia essa liga ção original
entre a história e a política, entre a observação e a a çã o, entre aquele
que “ faz a hist ória” e aquele que “ faz hist ó ria”, para retomar a distinção
de Michel de Certeau. Em Tucídides, “ as duas atividades se alimentam
da mesma mat é ria, o presente, e se caracterizam pelo mesmo objetivo,
a utilidade para o futuro” ( Darbo - Peschanski, 1989:688 ) . A hist ória se
escreve para o bem da Cidade e não há diferença clara entre o que foi,
o que é e o que dever á ser : o passado é um reservatório de experiê ncias
para compreender o presente e decifrar o futuro.
46 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

Pode ser que o público encontre escasso encanto nesta narrativa pouco ro-
manesca. Considerar-me-ei, contudo, satisfeito se ela for julgada útil para
aqueles que quiserem ver claro nos acontecimentos do passado, assim como
naqueles, semelhantes ou similares, que a natureza humana nos reserva no
futuro. Em vez de um trecho composto para o auditório de um momento, é
um capital imperecível que se encontrará aqui. [Tucídides, 2000: 1, 22, p. 48]

A contemporaneidade significa, portanto, também a possibilidade para


o historiador de agir sobre seu presente, quer ele seja um ator dos eventos
que ele descreve, quer seu ato de narrar apresente uma utilidade política.
A importância da experiência pessoal e esta ligação orgânica entre
história e política, entre passado e presente, se encontram dois séculos
mais tarde em Políbio, e posteriormente na tradição romana da história
exemplar, “ mestra da vida”

Plat ão diz que as sociedades humanas n ão serão saudáveis senão quando os


filósofos forem reis ou os reis filósofos. E eu serei tentado a dizer que a his-
tó ria n ão andará bem senão quando os homens de Estado empreenderem
escrevê-la, não, como hoje, a considerando como uma ocupação acessória,
mas com a ideia de que se trata da mais bela e da mais necessá ria das tarefas
e... dedicando-lhe o tempo requerido no curso da sua vida, ou quando os
homens que se destinam a essa tarefa pensarem que a formação adquirida
na ação política é para isso indispensável. Na espera, os historiadores n ão
cessarão de se perder por ignorâ ncia.8

Denis Roussel, tradutor desta edição, se vê forçado a notar que “ de


um modo geral, as memórias publicadas pelos homens de Estado e pe-
los generais, de César a Winston Churchill, não confirmam a opinião
de Políbio” ( Políbio, 2003: n. 122 ). É sem dúvida verdadeiro, e apenas

Políbio ( 2003:837). Ver também François Hartog ( 2005:120 -121).


A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 47

ft experiência, mesmo no cerne da ação, não constitui sozinha


uma ga-
-
rantia de boa história, longe disso. Contudo, a ideia de que a experi
éncia direta do historiador, que constitui por definição um elemento
de contemporaneidade em seus escritos, possa desempenhar um papel
§ decisivo em sua compreensão da história acaba por lembrar as posições
B de Lucien Febvre ou de Marc Bloch. Não obstante a impossível compa-
I ração entre César e Churchill, os textos de Políbio, assim como os de
I Túcídides, lidos com um olhar um pouco anacrónico, podem fazer eco
I no historiador do tempo presente hoje. Este é, com efeito, confrontado
I permanentemente com a legitimidade do ator transformado em histo -

riador, uma figura certamente ancestral, mas que pode valer-se hoje dos
I
| mesmos m é todos científicos, frequentar os arquivos, envolver
-se com

!: a historiografia, e pode então opor ao pesquisador profissional não so-


mente uma capacidade por vezes igual de produzir conhecimento, mas
I
l também uma experiência insubstituível que lhe permite escrever uma
r história contemporâ nea ao mesmo tempo crível e “ verdadeira”
A história se constitui, portanto, na origem como olhar e como ação
sobre os vivos, e não como estudo, lembrança ou dívida para com os
ji
i
í mortos. A contemporaneidade não é identificada, para falar com pro-
priedade, pois ela é inerente ao procedimento dos historiadores e ela não
I tem nenhuma razão para constituir uma categoria singular. A prática de
uma história no seu tempo não suscita menos, em relação a ela, apesar de
tudo, reservas que se endereçam à história mesma, uma história pode- —
-se frisar — em que a guerra, a violência, o barulho e o furor são oni-
presentes. Narrar a história (próxima) não é nem sem riscos, nem sem
efeitos, como diz o poeta Horácio em sua célebre ode a Anísio Polião,
K
contempor âneo e historiador da luta fratricida entre César e Pompeu:

As perturbações civis, derivadas do consulado de Metelo, as causas, os er-


ros e os aspectos da guerra, o jogo da Fortuna, as amizades funestas dos
primeiros cidadãos, as armas temperadas pelas ondas de sangue que ainda
48 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

não foi expiado, esta maté ria cheia de acasos perigosos, tu pões-lhe a mã o, e
tu andas sobre fogos cobertos de uma cinza enganadora. Que um momento
a Musa da severa tragédia faça falta no teatro: em breve, assim que tiveres
ordenado a narrativa dos acontecimentos públicos, tu retomarás a nobre
tarefa sobre o coturno cecropiano. [ Horácio, 2002:95]

O excerto citado poderia servir de epígrafe a in ú meros trabalhos


de hist ória do tempo presente atuais, pois a í se expressa a tensão entre
uma história julgada ardente, que manté m viva a lembrança, aqui de
uma guerra civil, e o desejo, apesar de tudo, de uma trégua , de um
tempo de latê ncia , de um eventual esquecimento moment â neo que
permitiria aos contemporâneos respirar um pouco e ao historiador ter ; 1
tempo de dar sentido aos acontecimentos —
“ ordenar a narrativa” —
antes de retomar o tom elevado, tr ágico, at é mesmo presun çoso que
convé m à narraçã o histórica — o que significa a expressão “ retomar
o coturno cecropiano” ( do nome do calçado de sola alta de corti ça
utilizado em cena em Atenas ). Trata -se de uma tensão que atravessa
toda a historiografia e ainda mais toda a cultura contemporâ nea h á 30
anos. Com a quest ã o da rela çã o do historiador com a açã o pol ítica ou
a import â ncia de sua pró pria subjetividade e de sua própria experi -
ê ncia, essa tensã o constitui outro elemento constante de toda hist ória
contemporânea.

O eterno presente medieval

Falar de contemporaneidade para o Ocidente medieval parece à primei-


ra vista ainda mais inapropriado do que para a Antiguidade, tanto mais
que as concepções do tempo presente mudam radicalmente com o ad-
vento do cristianismo, e depois com a evolução das sociedades urbanas
mercantes no início do século XIII.
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 49

Os historiadores pagãos viam a história do mundo sob uma forma cíclica.


As civilizações floresciam, nasciam e morriam uma após a outra. A história
estudava tempos sempre recomeçados. Mas o cristianismo impunha uma
concepção linear do tempo. Toda a histó ria do mundo, de sua criação ao
seu fim, se passava em um só tempo. Um historiador cristão consequente
devia portanto seguir com um mesmo movimento toda a histó ria do mun-
do, de sua criação ao seu fim. [...] Não há diferença de natureza entre histó-
ria e profecia [ e ] para falar com rigor, para um historiador crist ão, n ão h á
senão um tempo. [Guenée, 1980:20- 21]
I

A linearidade do tempo se encontra tanto nas crónicas dinásticas


que dão um lugar para a ação do soberano em uma longa linhagem que
pode remontar até o Antigo Testamento quanto em uma perspectiva
escatológica, em que sua a ção de natureza divina não pode ser compre-
endida senão na promessa da Salvação, sem que haja corte entre pas-
sado, presente e futuro. Comentando os reparos da necró pole real de
Saint - Denis por São Lu ís, em que se encontram os 16 reis e rainhas me-
roví ngios, carol í ngios e capetinos, Jacques Le Goff escreve: “ A reunião
simult â nea de todos esses reis e rainhas cuja vida perpassa seis séculos,
em que cada um não conheceu a maior parte dos outros, faz que eles se
encontrem desde aquele momento em um eterno presente” ( Le Goff,
1996, citado por Leduc, 1999:13). Há, portanto, uma possibilidade mes-
ma de uma consciência histó rica em uma percepção també m cont í nua
do tempo? Marc Bloch via na cultura medieval “ uma vasta indiferen ça
em relação ao tempo” ( Bloch, 1939, citado por Le Goff, 1999:54). Se-
guindo seus passos, Jacques Le Goff acresce que “ a sociedade feudal,
na qual se imiscui a Igreja entre os séculos IX e XI, fixa uma reflexã o
histórica e parece parar o tempo da história, ou, pelo menos, assimilá-lo
à história da Igreja” ( Le Goff, 1999 ). Citando o exemplo do bispo e histo-
riador Oto de Freising, tio de Frederico Barba Roxa, ele mostra como o
pensamento medieval se revela ao mesmo tempo curioso em relação ao
50 A ULTIMA CAT Á STROFE

passado e desejoso de ignorar o tempo, ao passo que, na mesma época,


a can ção de gesta ou a epopeia contribuem também para uma “ negação
da história” por seu ideal incorpóreo, desprovido de toda historicidade.
Dessarte, existe de fato uma historiografia medieval, ainda que o gêne-
ro não apareça como central, como vítima de uma desqualificação aristo-
télica de uma arte que não seria autónoma: “ a história permaneceu até o
fim do século XVIII uma matéria mui amplamente marginal, dominada
pela teologia”, escreve Alain Guerreau.9 Essa historiografia se interessa
pelas ações dos homens notáveis, pela vida dos santos, dos reis, dos pode-
rosos, dos acontecimentos memoráveis e edificantes. Ela produz histórias
monográficas, de uma abadia, de um monastério, a fim de ancorar essas
instituições em uma continuidade legítima, donde os laços entre a histó-
ria e o direito. Ela é marcada inteiramente pela ideia de que todas as ações I
humanas acontecem pela vontade de Deus, e daí a dominação do pensa-
mento teológico, sendo os historiadores sobretudo bispos ( Gregório de Ü

Tours no século VI, Oto de Freising), e também monges. A seguirmos


o historiador Werner Goetz, os cronistas medievais, principalmente a
contar dos séculos XI e XII, desenvolveram no entanto uma consciên -
cia histórica marcada por três elementos: “ uma consciência da natureza
histórica do mundo” que assimila pela vontade divina os diferentes mo-
mentos da história; “ um sentido distinto do passado” em uma perspectiva
marcada pela busca das origens, a pesquisa de genealogias tão recuadas
no tempo quanto possível, e uma visão mítica do movimento da história
que permitia distinguir o passado do presente; e por fim, uma represen -
tação do passado “ estritamente orientada para o presente” ( Goetz, 2000 ).
É sem d úvida esse último ponto que pode interessar o historiador do
tempo presente hoje. Se há uma preponderância do presente nessa visão
do tempo e não, como hoje, uma dominação do presente, se há uma

9
Guerreau (1981:282-283), resenha do livro de Bernard Guenée, Histoire et culture his
torique dans VOccident médiéval .
A CONTEMPO RANElDADE NO PASSADO 51

Kialidade política ou moral para a reflexão sobre o passado, é ainda na


radição de uma história que deve guiar a ação dos vivos. Nessa con-
Icepção, os valores assim destacados são imemoriais porque obedecem a
I uma ordem das coisas que escapa à vontade dos homens:
-
tai pensamento se explicava em realidade pela crença de que os aconteci
mentos históricos estavam abertos a uma interpretação pelo presente
por-

que eles n ão tinham acontecido por acaso, mas tinham sido inspirados pela
-
vontade de divina, e, portanto, possuíam um “ sentido” para os contempo
râneos. [ Goetz, 2000:7].

Estamos quase no inverso do presentismo de nossa época, que mede


e julga o passado com base no presente, uma vez que aqui é ao contrá rio
o passado, pelo menos o passado de alguns homens e de algumas ações
Ü notáveis, considerados como outros tantos ind ícios do car áter divino
do movimento do tempo, que é instaurado como juiz do presente. Por
-

| tanto, é dif ícil distinguir nessa época uma “ historiografia do contem


-

| porâneo”, pois que o passado e o presente, o não contemporâneo e o


F contempor âneo, coexistem permanentemente.
í A quest ão, contudo, nã o deixa de ter sua pertinência na perspectiva
presente. Com
I de uma história regressiva da noção de história tempo
do

I efeito, a nos interessarmos já não pelos “ paradigmas”, mas pelas fontes


I e pelos métodos da historiografia medieval, esta também concede uma
I importância determinante ao testemunho direto do observador ou ao
i testemunho de segunda mão, à transmissão oral, à troca verbal mais do
} que à análise dos escritos.

Dois traços caracterizam a historiografia medieval: são os mesmos autores


que

tratam de um mesmo movimento da história dos tempos antigos e a


história

contemporânea; e se os historiadores dizem os acontecimentos do seu tempo


exclusivamente a partir daquilo que eles viram e ouviram, para o total da épo
-
52 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

ca moderna e mesmo para os tempos mais antigos, eles ainda ousam recorrer
às fontes orais. No século XIX, ao contrá rio, os eruditos e os antiquários que
estudavam os tempos passados, por um lado, os jornalistas e os memoriaíistas
que testemunhavam o tempo presente, por outro, estavam muito afastados uns
dos outros, e o oral era, em relação ao escrito, muito desvalorizado; os historia -
dores do século XIX nada tinham, certamente, para apreciar seus longínquos
predecessores. Mas hoje, em que o estudo do presente tende a ser reintroduzi-
í
do no campo da história e em que as tradições orais reencontram sua dignida -
de de fontes fundamentais, difíceis mas fundamentais, talvez estejamos mais
1
®;

bem colocados para compreender melhor os historiadores da Idade Média.10 f

A observa çã o do grande medievalista que era Bernard Guenée n ã o


é sem interesse se pensarmos no que ele declarara um dia, falando de
sua própria carreira, “ que ele escolheu o período medieval porque ele ?/

era inteligente demais para fazer a história contemporânea, em que a


profusã o das fontes incita à facilidade, e não o suficiente para fazer a
história antiga, em que sua raridade leva a usar muito a reflexã o...”.11
Ora, escrevendo em 1980, no momento em que surge uma nova história
do tempo presente, ele faz uma ponte imprevista entre esta e a historio-
grafia medieval. Não para nos explicar que não há nada de novo, mas \
k

porque ele percebe intuitivamente que essa historiografia ainda balbu - Ú

ciante, fundada em parte na transmissão oral, desfaz a unidade da or-


I
todoxia metódica do fim do século XIX e começa a atacar o fetichismo ï
da fonte escrita que marcou uma parte da historiografia a contar dessa &
%
i

10
Guenée ( 1980:84-85). Pode-se citar a título de exemplo o abade Guibert de Nogent e a sua
Histoire de la Première Croisada, escrita por volta de 1114: “ Embora eu não tenha podido ir
em pessoa a Jerusalém, nem conhecer a maior parte dos personagens e todos os lugares de
que se trata aqui, a utilidade geral de meu trabalho não poderia ser diminuída por isso, se é
certo que eu não soube das coisas que eu escrevi ou que ainda escreverei senão por meio de
homens cujo testemunho é perfeitamente conforme à verdade” ( Nogent, 2004).
11
Declaração referida por Nicolas Offenstadt na necrologia que ele lhe consagrou. Le
Monde, 2 out. 2010.
A CONTEM PO RAN E! DADE NO PASSADO 53

!?

I época. A lhe darmos crédito, a prática da história contemporânea que se


I desenha então não pertence a uma tradição que se teria perpetuado sem
I mudança através dos tempos, mas a um retorno imprevisto, um século
I depois da desqualifica ção da escola metódica.

História contemporânea e história mediada

“ O resultado mais importante da revolução científica dos séculos XVI


i e XVII é [...] a substituição, como fundamento da ciência, do conheci-
mento imediato pelo conhecimento mediado”, escreve Krzysztof Pomian
(1999:141), acerca da relação entre a evolução das ciências e a do pen-
samento histórico. Essa mudança relevante, iniciada pelo Renascimento,
permite ter acesso à realidade das coisas já não somente pelo pensamento
ou pela fé, mas por novos métodos de observação fundados em instru-
mentos de medida, principalmente do tempo e do espaço. Esse novo pa-
radigma permite a observação e a análise de objetos cada vez mais dis-
tantes, à imagem dos progressos da astronomia. Ele abre a “ passagem do
mundo fechado a um universo infinito que é o do mundo do mais ou
menos ao universo da precisão”, o que tem consequências diretas sobre a
percepção da história ( Pomian, 1999:148). Pesquisas recentes mostraram
a que ponto o progresso científico é acompanhado então de uma reflexão
nova sobre o papel da ficção que permite nomear, figurar o inobservável
por falta de instrumentos adequados, à imagem da viagem nas estrelas. A
inacessibilidade do objeto considerado supõe com efeito técnicas de es-
crita para descrever o invisível e dizer o desconhecido dos novos mundos
cosmológicos [e] nesse contexto, a ficção desempenha um papel central,
pois ela permite substituir a antiga imagem do cosmo por uma nova”. De
12

12
Frédérique Aït-Touati (2011:18). Ver a resenha de Nicolas Correard (disponível em:
< www.fabula.org/ revue/ document6947.php > ).
54 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

certa maneira, um movimento similar se vê na literatura histórica pelo


surgimento da noção de “ vestígios” que é preciso observar antes de pro-
duzir uma narrativa que preencherá os espaços. A época dita “ moderna”
se caracteriza por uma celebração do presente, dessa vez em detrimento
do passado próximo e já não em osmose com ele, como antes. É a inven-
ção da Idade Média que participa, por distinção e por recusa, da deno-
minação de um novo tempo, o do Renascimento. Quer seja a ideia do !

progresso das artes, das letras e das ciências, professada pelos humanistas l
ou pelos sábios, quer seja a ideia de um retorno às fontes do cristianismo, l
entre os reformadores protestantes, “ chega-se sempre a romper a conti- f
nuidade entre [o presente] e o passado, o que coloca o historiador em uma
situação nova” (Pomian, 1999:150). Uma vez que o presente se acha as-
sim destacado do passado, em todo caso distinto e distanciado, as vias de
acesso ao conhecimento da história mudam de natureza. O testemunho, j
a transmissão oral que pertencem ao “ conhecimento imediato” são subs- I
tituídos pelo interesse pelos vestígios materiais, sobretudo os vestígios í
escritos do passado, e, portanto, um “ conhecimento mediado” ; os textos,
sobretudo os de natureza religiosa, já não são somente “ autoridades”, ele-
mentos da tradição, mas “ fontes” e, portanto, vias de acesso ao passado.
O historiador de um novo gênero poderá lançar um olhar mais crítico
nas narrativas m íticas ou legendá rias, utilizando novas disciplinas como
a epigrafia, a numismática, a geografia histórica ou ainda a diplomática
descrita por Mabillon:

É portanto, no século XVII, que o passado se torna objeto de um conheci-


mento mediado que lhe analisa os vestígios e reconstrói, por seu intermédio,
as circunstâ ncias que os produziram. São elas que permitem ao historiador
conhecer os acontecimentos afastados, mesmo no caso em que nenhum
participante, nenhuma testemunha ocular tenha deixado deles uma nar-
rativa. São elas ainda que, quando tais narrativas existem, tornam possível
a sua cr ítica. Em resumo, o ponto de vista do historiador que observa o
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 55

passado se torna completamente independente, pelo menos em teoria, do


ponto de vista daqueles para quem o passado foi um presente. Suas narrati-
vas não lhe oferecem mais que informações, e, ainda, ele n ão acredita nelas
apenas pela palavra. Ele deve sempre verificar o que eles dizem. Quanto à
interpretação, ele próprio a traz. [ Pomian, 1999:154]

Essa mudança nas relações entre o passado e o presente faz assim


surgir outra concepção da contemporaneidade, uma hipótese que Kr-
zysztof Pomian não evoca explicitamente, mas que deriva naturalmente
da sua análise. Os letrados do século XVII irão não somente criar, como
vimos, um novo corte do tempo histórico com a “ Antiguidade”, a “ Idade
Média” e os “ Tempos Modernos”, mas irão distinguir pouco a pouco
um tempo presente do passado , cujos vestígios subsistentes o historiador
deve analisar, e um tempo presente do pró prio historiador, colocado em
posição de observador distante de seu objeto do mesmo modo que o
astrónomo ou o cartógrafo. Portanto, a história segue progressivamente
o caminho do conhecimento mediado, fundado em mé todos de análise
e técnicas novas, à imagem da erudição. O importante, aqui, é a diferen-
ciação teórica e já não simplesmente intuitiva entre o passado e o pre-
sente, entre um tempo acessível pela mediação das fontes e um tempo
acessível ao conhecimento imediato, pelo testemunho, pela transmissão
oral ou a experiê ncia direta, como escreve Jean - Marie Goulemot (1996 ):

Esta história erudita que domina o século XVII n ão representa nem uma
novidade nem uma ruptura. Não mais que o absolutismo não é dissociável
de uma lenta afirmação do tempo histórico, laicização do religioso, experi-
ência das perturbações civis e religiosas, não se pode pensar a história eru -
dita fora das novas formas da cultura que o século XVI triunfante impõe. A
ruptura cultural do Renascimento deve ser pensada prioritariamente como
uma transformação radical da relação medieval com o tempo. O retorno
filológico aos textos latinos e gregos, ao texto bíblico em si, postula sua ori-
56 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

gem — seus esquecimentos, acréscimos de comentá rios e de glosas


afastamento e perda.
— como

Segundo ele, duas ideias principais dominam o pensamento huma-


nista: o retorno às origens, à “Antiguidade como tempo frágil da per-
feição”, e a história entendida como uma “ degradação”. Uma vez que a
história é percebida como alteridade, como mudan ça, há, portanto, lu -
gar para uma distin ção mais clara entre uma história que seria contem -
porâ nea, escrita no calor da hora por um observador que testemunha
seu tempo e que funda sua análise em sua própria experiência, e uma
história que não o seria, que seria outra, dando conta da experiência de
outros tempos e de outros homens. De maneira paradoxal, é porque a
história cessa de ser essencialmente contemporânea que a história con -
temporânea, que nã o constitui senã o um aspecto do que ainda não é
uma disciplina, ser á identificada pouco a pouco enquanto tal. Em todo
caso, é interessante notar que o sintagma “ hist ória contemporânea” pa -
rece ter surgido nessa época.
Encontram -se, por exemplo, desde o século XVII, ocorrências da
noção de Zeitgeschichte, cujo uso no sentido de história do tempo pre-
sente se dissemina no século seguinte.13 Na língua francesa, o termo
“ história contemporâ nea” aparece em uma passagem dos Pensamentos
de Pascal, redigidos a partir de 1657 e publicados após sua morte, em
1670, dedicada ao lugar dos judeus na história, um texto frequentemen -
te citado, mas raramente analisado pelo ângulo de uma epistemologia
da contemporaneidade:

Como h á diferenças de um livro para outro! Não me surpreendo por terem


feito os gregos a Il íada , nem por terem feito os egí pcios e os chineses as suas

13
Jáckel ( 1989:133- 150, em um capítulo intitulado “ BegrifF und Fonktion der Zeitges-
chichte” ), citado por Schõttler ( 2011).
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 57

histó rias. Apenas é preciso ver como isso nasceu. Esses historiadores fabu-
losos não são contemporâ neos das coisas sobre as quais eles escrevem. Ho-
mero faz um romance, que ele d á como tal e que é recebido como tal; pois
I ninguém duvidava que Troia ou Agamêmnon não tinham existido mais do
que o pomo de ouro. Ele nã o pensava tampouco em fazer disso uma his-
tória, mas somente um divertimento; ele é o ú nico que escreve sobre o seu
tempo, a beleza da obra faz durar a coisa: todo mundo a aprende e fala dela
;

é preciso sabê -la, todos a sabem de cor. Quatro anos depois, as testemunhas
das coisas j á n ão est ão vivas; ningu ém sabe mais por seu conhecimento se é
uma fábula ou uma histó ria: a gente a aprendeu apenas dos seus ancestrais,
isto pode passar por verdadeiro.

Toda histó ria que n ã o é contempor â nea é suspeita; assim os livros das sibi
-

las e de Trismegisto, e tantos outros que tiveram crédito no mundo, são fal -
i
sos e se revelam falsos com o passar do tempo. E n ão é diferente em relação
aos autores contempor âneos.

Há muita diferen ça entre um livro que faz um particular, e que ele endereça
a seu povo, e um livro que um povo faz. Não se pode duvidar que o livro não
seja tão antigo quanto o povo.
14

Essa passagem est á no contexto da celebra ção do povo judeu, que


Pascal louva tanto por sua antiguidade quanto pela permanência da sua
I fidelidade à aliança original com Deus. Ele volta vá rias vezes à força da
lei na tradição judaica, ao mesmo tempo a mais antiga da história e a
que se perpetuou quase intacta através do tempo até constituir o alicerce
do cristianismo. É assim que ele opõe nessa passagem o Antigo Testa

14
Pascal (1963:556). Segundo as diferentes edições, o lugar dessa passagem variou na
classificação geral dos parágrafos. Ela é muito pouco comentada pelos historiadores de
hoje, e quase ignorada dos especialistas em história contemporânea. A interpretação
que lhe dou aqui é evidentemente muito subjetiva.
58 A ÚLTIMA CATÁSTROFE

mento a outras tradições e a outras mitologias, especialmente gregas.


Por um lado, o romance, o divertimento, o incerto, o tido por verdadei-
ro pela repetição no tempo, e mesmo o falso. Por outro, há a história, o
verdadeiro, o autêntico. Conquanto o matemático Pascal pertença à era
do conhecimento mediado da qual fala Krzysztof Pomian, ele não pa-
rece aqui dar crédito aos historiadores senão das coisas vistas, donde a
superioridade que ele concede à história contemporânea entendida aqui
como uma história escrita pelas testemunhas diretas, simples vetores de
transmissã o da palavra de Deus. Sua percepção da história, que certa -
mente não é central em uma obra dedicada à apologia do cristianismo,
parece estar em oposição ao pensamento científico. É uma hipótese le- *
vantada por Louis Marin ao comentar “ a desgraça do século” e a “ per-
versão da ordem das ciências” que Pascal denunciava em sua juventude:
“ trazer a autoridade de Aristóteles como prova nas matérias físicas que
? i
estão sujeitas somente à experiência e à razão, e introduzir novidades,
fazer invenções, empregar a razão na teologia em lugar da autoridade da
Escritura e dos Pais, é profanar o discurso de Deus” ( Marin , 1997:174-
175; o grifo é do autor ). A cr ítica, a razão, a recusa da autoridade valem
para as ciências, mas não para a história, ainda inteiramente dependente
da teologia.
Contudo, pelo menos no que diz respeito à minha tese, não é tan -

to a oposiçã o entre história “ erudita” e história “ literá ria” uma das
grandes querelas da é poca 15

que merece ser realçada, mas a definição
implícita que vem à tona aqui da história contemporâ nea, uma expres-
são ainda rara no vocabulá rio. Pascal evoca aqui a relação de um povo
com um texto sagrado, a questão de sua contemporaneidade, ainda que 1
o termo nã o apareça sob essa forma. Em outra passagem, ele frisa, por
exemplo, o papel fundamental de Moisés, em quem ele vê... um histo- 1
i
riador do tempo presente:
:r

15
Sobre essa questão, ver Barret - Kriegel ( 1988 ) .
%
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 59

R Começando a criação do mundo a se afastar, Deus proveu com um histo-


f riador ú nico contemporâneo, e responsabilizou todo um povo pela guarda
: deste livro, a fim de que esta história fosse a mais autêntica do mundo e que
todos os homens pudessem aprender por ele uma coisa tão necessá ria de
saber, que não se pudesse saber senão por ele. [ Pascal, 1963:562]

O uso que é feito aqui do termo “ contemporâneo” é tanto mais inte-


\ ressante quanto parece
paradoxal, pelo menos à vista do significado de
que ele pôde revestir-se depois. O que torna “ autê ntica’ a história relata-
t da pelo Livro é não somente que ela foi escrita
por contemporâneos, e,

portanto, por testemunhas encontra -se aqui a tradição historiográfi-

ca grega , mas é a permanência mesma de sua mensagem através das
I épocas que “ torna também a nós contemporâneos dos eventos contados
f pela Bíblia”, como escreve Pierre Force ( 1989:176 ). O poder do texto
sagrado reside em que ele resiste a toda historicidade ao transmitir in -
tacta a força da mensagem original da aliança. A característica do povo
F judeu é ser assim “ o enunciador perpétuo do Antigo Testamento , o que
f lhe confere, de resto, um caráter quase sobrenatural e anacrónico. A ex-
j pressão “ história contemporâ nea” não remete, portanto, aqui à história
í do seu próprio tempo, nem a um corte entre o passado e o presente,
nem mesmo a uma distinção entre um conhecimento direto de uma
história vista e vivida por oposição a uma história estudada e contada.
Ela remete a um passado que també m permaneceu contemporâneo e
que se perpetuou sob a forma de um presente eterno, uma presença por
assim dizer intacta do passado, um passado inalterado. Se a “ história
1 contemporânea” é a ú nica a ser “ suspeita” aos olhos de Pascal, é porque

ela é uma memória para utilizar aqui um termo de hoje. Quando ele
1 evoca um livro “ que um povo fez” e que é tão antigo quanto ele, pode-se
revelar aí uma ideia similar à desenvolvida pelo historiador do judaís-
mo Yosef Yerushalmi ( 1984): a relação ancestral do povo judeu com o
passado, antes das conturbações do século XX, liga-se ao registro da
60 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

memória e n ão ao da história, nem mesmo ao da tradição de práticas


perpetuadas, precisamente para entreter o presente de um passado ori-
ginal que permanece assim imutável.
Apesar das formulações quase id ê nticas, há uma grande dist ância
da afirmação de Pascal e a de Croce dois séculos depois sobre a história
contemporâ nea como “ a ú nica história digna desse nome”, ainda que
os dois remetam ao velho princípio da história que guia o presente: no
primeiro, esta história contemporâ nea, por referência à Bíblia, é sin ó-
nimo de ausência de historicidade, enquanto, no segundo, ela remete à
inserção no presente de toda abordagem do passado, próximo ou lon-
gínquo, em uma tradição mais próxima de Tucídides. Pascal situa a con -
temporaneidade no passado enquanto Croce a situa no presente: essa
diferença de sentido em uma fórmula que fez fortuna não é anódina,
uma vez que ela enfatiza a que ponto a noção de contemporaneidade
pode designar regimes temporais muito diferentes.
u

O advento de uma historiografia fundada no conhecimento media-


do torna mais agudos, por outro lado, alguns problemas estruturais da
prática mesma da história, em particular a objetividade do saber e a in -
dependê ncia do historiador. O estabelecimento de métodos e de técni-
cas que permitem apreender objetivamente vestígios do passado se fun -
da na razão e, portanto, na afirmação de uma necessá ria independê ncia
relativamente às paixões, à fé, à Igreja, ao poder real, uma "doutrina
utópica”, nos diz Krzysztof Pomian ( 1999:155 ). Esta coloca diretamente
a questão da legitimidade de uma história contemporânea da qual não T
se sabe bem se ela está do lado do conhecimento imediato, como o quer 1
a abordagem teológica de Pascal, ou do lado do conhecimento media-
do, permanecendo, portanto, no campo da história, uma arte em franca
evolução. As novas interrogações sobre uma história contemporânea
erudita sã o tanto mais agudas quanto se inserem em um contexto par-
ticular: o da lembran ça traumática das guerras de religião da segunda
A CONTEM PO RAN El DADE NO PASSADO 61

hetade do século XVI e da primeira metade do século XVII. A intensi


Pdade e a violência delas atormentam os contemporâneos e levam a uma
K ispiração geral pela paz civil, que se traduz, no século XVII, por uma
m historiografia abundante, marcada pelo evento, pelo choque de
uma re-
I volução inacabada mas retrospectivamente assustadora, escrita em par-
— —
te pelos vencedores os católicos , que faz a apologia da monarquia
,

I até mesmo a absoluta, a ú nica capaz de garantir a ordem e a paz.


! A historiografia, e particularmente a historiografia do tempo presen-
cria novos
j te, participa també m do surgimento do Estado moderno que
,

; dispositivos para conhecer e fazer- se conhecer, por um lado vigiar


, e

dissimular -se, por outro, utilizando a literatura como um instrumento


de sedução e de dominação:

Ao longo de todo o século XVII, o poder monárquico [ na França] tentou


suscitar a escrita de uma história contemporâ nea que o satisfizesse e na qual
ele se reconhecesse. Diversos métodos foram empregados, diferentes projetos
foram desenvolvidos e iniciados, grandes livros chegaram a ser escritos. Mas
nunca o resultado pareceu à altura da expectativa. A determinação dos go
-

vernantes e o zelo patente dos escritores não foram suficientes, como se um


gênio maligno do desentendimento embaralhasse a cada vez o jogo, fazendo
soçobrar a força e a clareza das intenções na impotência das realizações.
16

Na época medieval, a matéria da história era a vontade divina. Na


época moderna, é o soberano. A história do tempo presente ocupa aí um
lugar importante, mas não pelas mesmas razões que nas épocas anterio-
1 res. O presente é doravante uma conjuntura, uma sequê ncia histórica
particular e não um presente eterno. Certamente, o rei continua tendo
essência divina, mas a história do tempo presente é posta em ação a ser-

“ Historiens du présent
16
Jouhaud (2000:151). A citação começa o capítulo III, intitulado
et pouvoir politique”.
62 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

viço do seu poder temporal. Se a finalidade da escrita da história per-


manece a sua exemplaridade e a possibilidade de guiar o presente, sua
operacionalização se insere doravante na lógica de um conhecimento
mediado, fundado em documentos. Ora, se a demanda do poder e as
exigências da erudição parecem a priori compat íveis — pelo menos os &


historiógrafos oficiais querem acreditar nisso , elas se verificam defini-
tivamente muito dif íceis de conciliar: “ a história é um inevit ável e impor-
tuno desafio para o poder”, escreve ainda Christian Jouhaud ( Jouhaud,
2000:151). Retomando a constatação de Scipion Dupleix, historiógrafo P
de Luís XIII, ele mostra como três exigências pesam sobre esse encargo:
a própria decisão de empreender um estudo historiográfico que depende
não do letrado, mas do poder ; a quest ão da censura e, mais geralmente, tj

de sua liberdade de escrita; as fontes que ele poderá ou não utilizar.


O historiador do tempo presente do século XVII se vê assim às vol -
tas com a lógica do Estado moderno e com a preservação do segredo
de sua ação. Colbert recusou a François Charpentier, encarregado por
Luís XIV de escrever uma hist ória do seu reino, o acesso às pastas do
gabinete real ou a possibilidade de interrogar regularmente o ministro.
Essa situação lembra o dilema contemporâ neo dos arquivos pú blicos
que coloca o Estado, assim como o cidadão, diante da dupla exigê ncia
da transparê ncia da a ção p ú blica e da preservação dos segredos de Es-
tado ou da vida privada. A história, assim como o poder, deve dizer e
nã o dizer ao mesmo tempo. A questã o da censura, por outro lado, não é
um problema novo. Muitas críticas ao soberano correm o risco, eviden -
temente, de desagradar ou de não ser conforme a realidade. Muita de-
ferê ncia pode, ao contrá rio, prejudicar a credibilidade do historiador, e
assim a do seu assunto, fazendo também que corra riscos. O historiador ft
y
;
?V
'

Charles Sorel, o autor em especial do Avertissement sur Vhistoire de la


monarchie française (1629), relata a anedota segundo a qual Alexandre
o Grande ameaça de morte um historiador que “ lia diante dele o que já
compusera de sua história em que contava coisas fabulosas e incríveis”
r
p
|a
1’ A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 63

I ( Jouhaud, 2000:170). Que grau de louvor, que grau de crítica são acei-
f táveis pelo poder ? É toda uma responsabilidade do historiador que é
ï levantada aqui, e que muda de natureza uma vez que o conhecimento
que ele produz não tem sua fonte apenas na experiê ncia, por definição
&
compartilhada com outros, mas em um conhecimento mediado e, por-
tanto, na frequentação mais ou menos solit ária dos vest ígios de escritos
que não podem fazer sentido senão se o historiador é confiável, ainda
quando ele seja submisso. Um século antes, em sua História de Floren -
P
ça (1521-25) encomenda pelo papa Clemente VII, Maquiavel j á tinha
enunciado os escolhos que a escrita de uma história apresenta, tanto a
contemporânea quanto a mediada:

Porque Vossa Beatitude me impôs e ordenou particularmente escrever as


ações realizadas por seus antepassados, a fim de que se visse que eu estava
longe de todo tipo de adulação [...] , temo muito parecer ter ultrapassado suas
ordens ao descrever as virtudes de João de Médici, a ciência de Cosmo, a hu -
manidade de Pedro e a magnificência e a sabedoria de Lourenço. [...] Pois, em
todas as minhas narrações, nunca quis dissimular uma ação desonesta sob
uma causa honesta, nem escurecer uma obra digna de louvor, como visando
a um fim contrá rio. Quanto eu me pus à distâ ncia da adulação, vê-se em to-
das as partes da minha histó ria, e sobretudo nos discursos e nas declarações
tidas privadamente, relatadas em discurso direto, assim como indireto, que
são fiéis sem nenhuma reserva, em suas expressões e seu desenvolvimento,
à coerência do caráter das pessoas que se exprimem. Evito cuidadosamente
e em toda ocasião os termos violentos, como pouco necessários à dignidade
e à verdade da histó ria. [...] Esforcei-me portanto, Bem -aventurado e muito
Santo Padre, por satisfazer cada um em minha narração sem alterar a ver-
dade. Talvez eu não venha a satisfazer ninguém. Se isto acontecesse, n ão me
surpreenderia, pois julgo que é impossível descrever os acontecimentos do
nosso tempo sem ofender um grande n ú mero de pessoas. Contudo, avanço
alegremente no campo de batalha. [ Maquiavel, 1996:653-654]
"
1

64 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

Civismo, sinceridade, coragem, distância, lucidez, imparcialidade, tem-


perança, Maquiavel faz aqui o retrato ideal do historiador do tempo pre-
sente, isto mesmo que a corte do rei de França fracassará em promover. Ele
enuncia uma verdade que parece atravessar toda a época moderna: a es-
crita de uma “ história do nosso tempo”, da qual percebemos cada vez mais
a particularidade, senão a singularidade, é tão necessária ao exercício do
poder quanto é difícil, talvez impossível, de empreender por causa precisa-
mente da sua proximidade com o soberano. Quanto mais essa historiogra-
fia se singulariza, mais ela coloca questões. Quanto mais ela parece marcar
uma ruptura na linearidade ou na continuidade do tempo, especialmente
no tempo divino, mais ela incomoda. Quanto mais a história se torna uma
medida da alteridade, mais a questão da distância relativamente às paixões
se coloca.

Nascimento da história contemporânea moderna

Na busca de uma “ episteme” moderna, Michel Foucault, em As palavras


e as coisas, evoca a ruptura que se produziu nas sociedades ocidentais
na virada dos séculos XVIII e XIX. As “ ciê ncias humanas”, saber recente
que toma o homem como objeto, passam de um regime de inteligibili-
dade fundado na Ordem , a saber, a taxonomia, a classificaçã o dos seres e
das coisas em um espaço relativamente est ável, a um outro, fundado na
história, entendida aqui não como a narra ção dos fatos ocorridos, mas
como o movimento do próprio tempo e um princípio de organizaçã o.
5
'

A Histó ria, sabe -se, é o terreno mais erudito, o mais avisado, o mais des-
perto, o mais atulhado talvez de nossa memória; mas é também o fundo
donde todos os seres vêm à sua existência e à sua cintilação precá ria. Modo
de ser de tudo o que nos é dado na experiência, a História tornou -se assim
o incontornável do nosso pensamento [...]. [Foucault, 1966:230]
\
t A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 65

B Michel Foucault aponta aqui o nascimento propriamente dito da his-


Btoricidade entendida como uma característica das sociedades modernas
Ique se pensam não mais na continuidade (ou na contestação) de uma
I tradição imutável, mas no movimento, em uma mudança constante, por
I vezes brutal, aberta a todas as promessas do Progresso, mas também
I cheia de todas as incertezas de um futuro doravante indecifrável. Nessa
perspectiva, a Revolu ção Francesa constituiu uma virada significativa
cujos efeitos se fizeram sentir até o último terço do século XX. Reinhart
Koselleck, desenvolvendo por vias diferentes a mesma intuição de Fou -
cault, demonstra assim que, de um lado e de outro da Revolução, é o
próprio conceito de história que muda de sentido. Ele se amplia para
deixar espaço a um novo “ metaconceito” : o de uma história (do alemão
Geschichte ) que não se reduz à soma das histórias particulares (Geschi-
chten), nem à só justaposição dos fatos e da sua narração ( Histoire ) , a
“ histórias de...” descrevendo a vida de um soberano, de um reino, de um
I país, de uma instituição religiosa, quer ela seja do passado próximo ou
I do passado mais longí nquo. Daí em diante, a cultura do iluminismo e
í depois a cultura pós- revolucioná ria procuram apreender a história “ en -
quanto tal”, a história “ em geral”, que se situa acima das evoluções de
tal ou qual sujeito histórico particular: “ Acima das histórias, há a histó -
na , escreve Droysen , um dos fundadores da escola histórica alemã, em
1858.17 É uma história doravante destacada da Providência e da vontade
divina que “ se cria a si mesma” e se vê fonte do seu próprio movimento.
Ela desempenha assim o papel de uma última inst ância que se confunde
com o princípio da Razão em marcha e “ se torna um agente do desti-
no humano ou do progresso da sociedade” ( Koselleck, 1997:15-99). Por
isso, a fun ção da história como disciplina muda também, uma vez que
já nã o se trata simplesmente de relatar “ a narração verídica das coisas
passadas”, segundo a fórmula consagrada desde a Antiguidade, mas de

17 «
Ü ber den Geschichten ist die Geschichte”, Droysen ( 2002: §73, p. 85) .
66 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

apreender o próprio movimento do destino humano. A história se torna


disciplina autónoma que pode e até deve, daqui para a frente, permitir
pensar a história do mundo” (Weltgeschichte), com alcance universal.

Eis a í uma aquisição da filosofia das Luzes por meio da qual a história ( His
torie ) enquanto ciência se separa da retórica e da filosofia moral que se lhe
aproximam, como ela se liberta da teologia e da jurisprudência que lhe são
superiores na hierarquia acadê mica. Que a histó ria { Historie ) , que não tra -
tava até então sen ão do singular, do particular e do acidental, fosse capaz de
“ Filosofia”, não se podiaperceber. Quando os métodos histórico-filológicos
e as ciências auxiliares já se tinham tornado autónomos desde o humanis-
mo, a história ( Historie ) enquanto tal se tornou uma ciê ncia independen -
te somente quando — na “ história em geral” ela ganhou um espaço de
experiência. Desde então, ela pôde também estabelecer o seu “ dom í nio de f

objetos” específico. A constituição da filosofia da história é um indicador sr


desse processo. [ Koselleck, 1997:28] íi

A filosofia da história se constitui ent ão em gê nero à parte, e se ela


ajuda a disciplina histórica a ganhar autonomia, ela também lhe coloca
desafios. “ Ela se vê provocada”, escreve Koselleck, “ pois, uma vez que
o divino se torna caduco, a história é obrigada a elaborar coerê ncias,
a supor que houve, a partir de componentes provenientes da própria
hist ória” ( Koselleck, 1997:41). Essa nova história deve, portanto, reali-
zar uma metamorfose tanto teórica quanto empí rica, para ultrapassar a l
análise puramente positiva dos vest ígios efetivos do passado e empre-
: >.
ender a reconstituição de um todo coerente, amplamente hipotético e j
dedutivo, e portanto mais próximo da postura filosófica. A concorrê ncia
entre hist ória e filosofia se acha por isso tanto mais marcada quanto a !
primeira perde com isso seu status de arte menor herdado do pensa-
mento aristotélico. Ela tornar-se- á a disciplina rainha do século XIX,
pelo menos na França e na Alemanha. 4
v;
r '

A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 67

P
B Se o iluminismo participou da erupção de 1789 e configurou assim, por
pim lado, o evento, a Revolução Francesa soa, por outro, como a tradução
1 espetacular no mundo material do nascimento da história “ enquanto tal”
( no mundo das ideias. Pela fratura que ela provoca no seio de uma ordem
I milenar que se acreditava imutável, ela modifica profundamente a relação
I entre o passado, o presente e o futuro, que não oferece mais à consciência
I uma continuidade. Dá nascimento a uma percepção da história em
mar-
[ cha inteiramente fundada na aceleração do tempo presente, percebido daí
j em diante como uma transição instável, incerta entre o que Koselleck cha-
ma de “ espaço de experiência” e “ horizonte de espera”. Esses dois concei-
tos, que tiveram grande fortuna na retórica histórica e são frequentemente
utilizados como simples metáforas decorativas, não designam simples-
mente o passado e o futuro tais como percebidos pelos contemporâneos
*
í èm um dado momento. Eles enfatizam a descontinuidade e a diferença de
natureza entre o passado e o futuro tais como apareceram com a fratura
revolucioná ria e das quais ainda somos amplamente tributários. Marcam
a mudança de perspectiva dos historiadores que deverão agora escrever
a história do tempo presente e reescrever a dos tempos mais recuados à
luz dessa descontinuidade. Não é somente a história que se está fazendo
no momento que muda de alicerce, mas é a história já escrita que deve
mudar, uma vez que uma ordem declarada e pensada como imutável o —

Antigo Regime se verificou mortal e desmoronou em poucos anos —
um pouco como o comunismo soviético. Se o fim da história muda, se é
que existe um fim da história, é tudo o que precede que deve ser concebido
de outro modo. Este estado chancela, de fato, a ruptura entre um passado

que se proclama encerrado uma noção relativamente desconhecida até

então e que não dita mais a sua lei à ação presente, uma vez que se trata

!
precisamente de romper com ele, e um futuro inteiramente aberto, cuja

antecipação deve ditar as condutas presentes a invenção de uma nova

sociedade exatamente quando a providência divina já não pode servir
de ponto de apoio. Portanto, o problema reside aqui na criação de novas
68 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

passarelas entre a experiência adquirida e um horizonte que já não é pre-


visível, donde o surgimento de uma nova reflexão sobre a história contem-
porânea que constitui precisamente uma maneira de pensar essa passagem
e de responder tanto à recusa da história como reservatório da experiência
quanto à instabilidade criada pelo desaparecimento de um futuro agora
imprevisível e para o qual é preciso encontrar novas chaves de leitura.
Os historiadores se veem assim investidos de responsabilidades de
certo modo inéditas. Esta nova concepção de uma história motriz da
humanidade dá uma importância considerável ao olhar que a posteri-
dade lan çará ao presente. A história se torna uma inst ância última de
julgamento. A ela é atribu ída a palavra final. DAlembert fala assim acer-
ca disso de um “ tribunal íntegro e terrível”, ao passo que Schiller declara
que “ a história do mundo é o tribunal do mundo”, célebre fórmula reto -
mada e desenvolvida por Hegel ( Koselleck, 1997:38- 39 ). Chateaubriand
atribui à história um encargo pesado:

Quando, no silê ncio da abjeção, n ão se ouve retinir mais que a corrente do


escravo e a voz do delator; quando tudo treme diante do tirano, e quando é
tão perigoso incorrer no seu favor quanto merecer a sua desgraça, o histo-
riador aparece, carregado da vingan ça dos povos. É em vão que Nero pros-
pera, Tá cito j á nasceu no impé rio; ele cresce desconhecido perto das cinzas
de Germânico, e já a íntegra provid ência entregou a uma criança obscura a
gló ria do senhor do mundo.18

Essa citação célebre merece nossa aten ção, pois é frequentemente re-
tomada na historiografia recente do tempo presente. Ela constitui, por
exemplo, um momento - chave da vocação de um Pierre Vidal- Naquet,
“ uma razão de viver”, escreve esse historiador da Antiguidade, filho de
18
Esta célebre passagem vem de um artigo publicado no Mercure de France, no dia 7 de
-
julho de 1807 e republicado em suas M émoires doutre tombe, tomo II, p. 102 da edição
de Liège de 1849.
A CONTEM PO RAN El DADE NO PASSADO 69

deportados, engajado nos combates do seu tempo, em especial contra


^ o colonialismo, e que militou pela constituição tanto de uma memória
quanto de uma história do Holocausto, a contar dos anos 1980 ( Vidal-
-
Naquet, 1995:113-114). Nessa concepção, não é tanto a vingança no
sentido de uma reação contra o criminoso ou tirano que conta, mas a
esperança de ver a verdade triunfar com o tempo, acessoriamente com
a ajuda do historiador. O tribunal da história não tem por função aqui
B; punir, ainda menos tomar o lugar de uma verdadeira corte de justiça —
I Pierre Vidal-Naquet sempre recusou a história “ judicial” — , mas permi-
I tir à história, o tempo que será preciso, sair do poço. Estamos aqui em
uma tradição de Dreyfus, que Pierre Vidal- Naquet encarnou na França
pós-colonial (Hartog, Schmitt e Schnapp, 1998).
B Essa abordagem é muito distante da ideia de que o historiador, por
: seus trabalhos, deva suprir a ausência de um tribunal e constituir -se
ele próprio em inst ância de julgamento, utilizando qualificativos penais,
até mesmo pronunciando vereditos, uma tend ê ncia surgida após a que-
da do Muro de Berlim a propósito dos crimes do sistema comunista.
“ Longe de n ós a ideia de nos instituirmos em defensores da enigm ática
vingança dos povos” ’, escreve, por exemplo, Stéphane Courtois no seu
: prefácio ao Livre noir du communisme, publicado em 1997, um livro
importante que suscita numerosas contrové rsias tanto de fundo quanto
acerca da postura adotada.19 Contudo, é esse exatamente o sentido do
seu texto, cuja passagem essencial consiste em fazer entrar o trabalho
| aprofundado realizado pelo conjunto dos historiadores sobre os crimes
[ . do comunismo no quadro de qualificativos feitos em Nuremberg, em
l particular o crime de guerra e o crime contra a humanidade, ou ainda
de genocídio ( Courtois et al., 1997:9-18). O que é problemático nesse
procedimento não é a estigmatização de crimes de massa que perma -
neceram impunes e foram por muito tempo negados, ainda menos o

19
Courtois et al. ( 1997 ) . Citação da p. 36 da edição da coleção “ Bouquins”, 1998.
70 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

fato de que o historiador exprime com ele sua subjetividade. É o recurso


ao contrassenso do procedimento jurídico e judicial, pois o historiador,
aqui, toma o lugar do policial ou magistrado instrutor, do procurador e
do juiz, pronuncia julgamentos não suscetíveis de recurso nem de exa-
me de conformidade ao “ direito” que ele utiliza, e frequentemente ape-
nas concede um pequeno espaço à palavra do contraditório da defesa,
ou seja, o exato contrário de um processo legítimo. Nesse sentido, o uso
que é feito aqui das categorias jur ídicas e judiciais se situa no registro

de uma “ vingança” que quer suprir a falta frequentemente real, por
outro lado — de uma justiça temporal.
Essa atitude, que se disseminou muito na escrita da história recente
do tempo presente, mostra até que ponto, em face da herança de curto e
médio prazo de uma grande catástrofe ou de uma grande perturbação, o
historiador do contemporâneo deve enfrentar desafios que ultrapassam
de longe o simples exercício intelectual e acadêmico. Esses desafios têm
por objeto a busca da verdade, a consideração dos sofrimentos havidos,
a ávida necessidade de decidir entre o bem e o mal, a necessidade fre-
quentemente tensa e angustiada de uma narra ção, mesmo que imperfei-
ta, que faça sentido após o evento. Foi o caso depois de 1945 e depois de
1989, e foi também o caso após 1789, por motivos muito diversos quanto
ao sentido dado ao evento, e sobretudo porque a Revolução não foi so-
mente um advento de um mundo novo, mas de uma nova concepção do
tempo e da história que dará todo o seu sentido nas décadas seguintes
à noção mesma de história contemporâ nea em sua acepção moderna.
Se insisto aqui, mesmo nas digressões, nessa dimensão jurídica e ju -
dicial do discurso histórico sobre o tempo presente, quer seja nos dias
seguintes à Revolução Francesa, quer no fim do século XX, é porque ela
constitui em minha opinião o ponto limite da reflexão sobre a prática
histórica. Quer seja pela figura do historiador armado de uma provi-
dência divina, o historiador “ vingador dos povos”, o historiador subs-
tituto de um “ Nuremberg do comunismo” abortado, sem nem mesmo
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 71

Htfar aqui do historiador “ testemunha judicial”, cada uma dessas postu-


Bfts, sejam conscientes ou não, livremente ou não consentidas, remetem
0s limites da própria prática da história —
e singularmente da história
do passado próximo. Os desafios historiográficos mais evidentes, pelo
menos para o historiador de hoje, tomam aí um sentido incompara -
Bvelmente mais agudo, dadas as tensões em jogo: pesquisa da verdade,
I questão da imparcialidade, escolha entre objetividade e subjetividade,
I definição da boa distância, estilo de argumentação e de narração, sus-
I pensão ou não do juízo. Ora, é precisamente porque a história muda
I de sentido na virada do século XVIII e porque ela se vê investida em
í parte do que constituía a providência divina, que sua importâ ncia como
I modo de pensamento mudará consideravelmente nas décadas seguin -
| tes, para acabar no surgimento de uma disciplina já não simplesmente
[ autónoma, mas que reivindica para si car áter cient ífico.

I O surgimento da filosofia do iluminismo, após as conturba ções revo-


I lucioná rias, gera sentimentos contraditórios sobre os usos e a utilidade
do olhar histórico. Encontra -se, por um lado, uma recusa da história
tradicional, sobretudo a que se viu reduzida a ser apenas a auxiliar do
soberano, desprovida de perspectiva geral e que fez somente, o mais
das vezes, perpetuar a ordem estabelecida ao enraizá-la em um tem -
\ po imemorial, legitimando pelo recurso ao passado a perpetuação de
í uma dominação. Há, por outro lado, o surgimento de um novo pensa-
mento histórico, de uma filosofia da história com pretensões cada vez
mais holísticas. Há também, durante e após a Revolu ção, um gosto, uma
expectativa, poder-se- ia dizer quase uma obsessã o pela história, que
se explica por duas razões essenciais: o sentimento de que a ruptura
revolucioná ria e a aceleração do tempo afastam de repente o passado
cuja presença já não é evidente, como um navio que se dirige para um
novo mundo desconhecido e vê desaparecer as margens familiares do
antigo; a necessidade de compreender, de dar sentido e inteligibilidade
72 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

à deflagração revolucionária e às possibilidades que ela abre. Essa ambi-


valê ncia entre recusa e expectativa diz respeito essencialmente à história
contempor â nea.
A recusa da história tradicional desempenha seu papel, por exemplo,
no surgimento da filosofia da histó ria, termo inventado por Voltaire em
sua obra epônima publicada em 1765 sob o pseudónimo de abade Ba -
zin, e que servirá em seguida, em 1769, como “ Discurso preliminar ” ao
seu Essai sur les moeurs.20 Ainda que esse texto não tenha muito que ver
com uma reflexão sobre a história, mas se apresente antes como uma
contra- história de alcance universal, ele marca ao mesmo tempo a apro-
ximação entre as duas formas de pensamento, ou antes, uma espécie de
entrada da filosofia no terreno da interpreta ção histórica, e uma crítica
radical da história tal como ela se praticava ent ão, sujeita que estava ao
ascendente teológico e político. “ Vocês gostariam que filósofos tivessem
escrito a história antiga, porque vocês querem lê-la como filosofia . Vo -
cês buscam apenas verdades ú teis, e com frequ ê ncia, dizem vocês, n ã o
encontraram sen ão erros in ú teis.” Em duas frases inaugurais, Voltaire
denuncia a falta de sentido da historiografia clássica e sua fraca credibi-
lidade. DAlembert segue seus passos no mesmo momento:

Assim , muito longe de que a histó ria deva ser desdenhada pelo filósofo, é
apenas ao filósofo que ela deve ser verdadeiramente útil. Contudo, h á uma
classe à qual ela é ainda mais proveitosa. É a classe desafortunada dos pr í n -
cipes. Ouso empregar essa expressão sem temer ofendê - los, porque é ditada
pelo interesse que deve inspirar a todos os cidadãos a infelicidade inevitável
à qual eles estão sujeitos, o de n ã o ver nunca os homens senã o sob a m áscara,
esses homens que é, contudo, tão essencial conhecer. A história pelo menos
lhos mostra pintados, e sob a figura humana: e o retrato dos pais lhes grita
para desconfiar dos filhos. É, portanto, ser o benfeitor dos pr í ncipes, e con -
f
f,
20
Ver a versão das Éditions Slatkine de 1996, prefácio de Catherine Volpilhac- Auger.
A CONTEMPORANEiDADE NO PASSADO 73

seguintemente do gênero humano que eles governam, nunca perder de vis


-

ta ao escrever a histó ria o respeito supersticioso que se deve à verdade. Que


não se deva jamais permitir alterar, isso n ão vale a pena de ser dito; acres-
centemos que há mesmo muito poucos casos em que seja permitido calá -la.

Mas como um historiador, que não quer nem se aviltar, nem se prejudicar,
evitará ao mesmo tempo o perigo de dizer a verdade quando ela ofende, e a
vergonha de calá - la quando é útil? Talvez a ú nica resposta a essa questão é
que um escritor, ao preço de ser acusado ou pelo menos suspeito de mentir,
nunca deveria dar ao público a histó ria do seu tempo; como um jornalista
nunca deveria falar dos livros do seu país, se ele n ão quer correr o risco de
se desonrar por seus elogios ou por suas sátiras. O homem de letras sábio e
esclarecido, respeitando, como deve, aqueles que seu poder ou seu crédito
coloca ao alcance de fazer muito bem ou muito mal a seus semelhantes, os
julga e os aprecia no silê ncio, sem fel nem lisonja, mantém, por assim dizer,
registro de seus vícios e de suas virtudes, e conserva esse registro para a
posteridade, que deve pronunciar e fazer justiça. Um soberano que, subin -
do ao trono, proibisse, para fechar a boca aos aduladores, que se publicasse
i
sua história enquanto vivo, se cobriria de gló ria por essa proibição; ele n ão
precisaria temer nem o que a verdade ousasse lhe dizer, nem o que ela po
-

deria dizer dele; ela o louvaria, ap ós vê - la esclarecida, e ele fruiria antecipa -


2
damente de sua história que ele não gostaria de 1er. '

I Essa reflexão é evidentemente central para minha tese. Não há histó -


ria autê ntica que n ão seja contemporânea, parece proclamar dAlembert,
em uma inversão assaz notável da evolução anterior: sua declaração
it
acaba com a conclusão inversa à de Pascal e ainda mais à de Maquiavel

21
Alembert ( 1821-1822: t. II, Ia parte, p. 1- 10). Texto reproduzido em Ré flexions sur
f Vhistoire, et sur les différences manières de lecrire. Disponível em: <www.eliohs.unifi.it/
(
, testi/ 700/alemb / reflect.html>. Edição online de Guido Abbatista para Cromohs Cyber
Review of Modem Historiography ), jan. 1977 . O grifo é do autor.
74 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

na Histoire de Florence citada, conquanto as premissas sobre as relações


entre poder e verdade sejam aí comparáveis. Quanto mais se entra no
tempo da Razão, que vê a vitória da história filosófica sobre a história
erudita, mais a história, a fortiori a história contemporânea por demais
dependente das realidades do seu tempo, começa a tonar-se suspeita.
Daí em diante, é a proximidade, a ausência de distância que prejudica
a perspectiva. Essa evolução não é somente notável porque desenvolve
argumentos contra a possibilidade mesma de escrever uma história con -
temporânea dos fatos que ela pretende descrever e analisar, mas porque,
ao fazer isso, essa crítica acusa a cisão entre o passado recente e o passa-
do encerrado, e sem d úvida contribui para criá -la antes mesmo da cisão
social e política da Revolução. O importante, em minha opinião, é que
a história contemporâ nea começa a ser identificada como relativamente
singular, pelo menos apresentando características particulares, o que sig-
nificaria que é seu surgimento mesmo no campo intelectual que suscita
as reações mais argumentadas da sua necessá ria rejeição. É uma hipó-
tese, nós o vimos no começo deste capítulo, enunciada por Pierre Nora,
mas para o fim do século XIX. Ora, essa característica de uma prática
que surge apenas para ser imediatamente contestada toma forma muito
mais cedo, sobretudo na Alemanha, e parece ligada tanto ao surgimento
de uma disciplina histórica que se quer como ciência quanto ao in ício da •
/]

profissionalização do ofício de historiador, consequências mais ou me-


nos diretas da mudan ça de historicidade que se realiza entre os séculos
XVIII e XIX. Essa recusa n ão está, portanto, ligada à história da Terceira
República, e menos ainda específica apenas do contexto francês.
O próprio aparecimento da história como disciplina autónoma torna
suspeita, por isso mesmo, uma história contemporânea que, até então,
fazia parte intrínseca do olhar e da prática dos historiadores. A Revo -
lução provisoriamente terminada, o que constituía antes um elemento

n ão discutido da reflexão histórica a consideração do tempo presen-
te, um tempo presente não destacado do passado — , constitui doravante
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 75

I um problema. É primeiramente um problema político. Na França, por


I exemplo, sob a Restauração, os programas escolares hesitam sobre o lu-
f gar que é preciso conceder ao período revolucionário: em 1818, para as
Ií classes de primeiro ano do ensino médio, e em 1826, para as classes de
último ano do ensino fundamental, as diretrizes preconizam ir “ at é os
; nossos dias”, uma noção relativamente nova não na prática, mas em sua
denominação. Por outro lado, no programa das classes de primeiro ano
I
, do ensino m édio em 1828, o ciclo de ensino de hist ó ria acaba com o in í
-

cio da Regência em 1715. Essas hesita ções refletem as divergências entre


os liberais, como Adolphe Thiers, que preconizam estudar a Revoluçã o
e analisar as causas para evitar uma possível repetição, e os reacionários
extremistas, como Josef de Maistre, que veem nela um acidente ou uma
punição divina que é preciso considerar como um parê ntese. De modo
geral, os debates sobre a história recente suscitam reações ao mesmo
tempo antagonistas e contraditórias. À recusa dos valores revolucioná -
rios e ao medo de vê-los transmitidos às gerações futuras, opõe -se a
vontade de reconciliação conforme a política de amnésia volunt ária lou-
; vada pela Carta Constitucional de 1815. Em face da realidade cada vez
mais presente de um impossível retorno à situação anterior ou ainda do
desejo de virar a página, surge a preocupação de manter, apesar de tudo,
a sequê ncia revolucioná ria em uma proximidade ainda n ão “ histórica”
a fim de facilitar uma reescrita do passado, por exemplo, pela restituição
dos bens confiscados22. Por conseguinte, especialmente por impulso de
i Victor Duruy, o ensino do passado próximo se tornará um elemento
I essencial da formação dos jovens secundaristas, assim como o ensino da
história em geral é objeto de uma forma de autonomização, sobretudo
em relação à situação da historiografia, pois responde a missões cívicas
específicas:

Ver Garcia e Leduc (2003:38-44). Ver também Koselleck (1990:51). Agradeço Sylvie
22

Aprile e Emmanuel Fureix por seus conselhos sobre este per íodo.
76 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

[ O programa das classes de filosofia ] deve estender-se de 1789 até nossos


dias, a fim de que aqueles que, em alguns anos, farão os negócios do país,
saibam de que maneira este país até o presente viveu [...]. A nossa sociedade
atual, com a sua organização e suas necessidades, data da Revolução e, para
compreender bem, como para servi- la bem, é preciso conhecê-la.23

Esse novo meio de conceber a contemporaneidade, no contexto de


uma aceleração do tempo, também gera problemas intelectuais e torna
alguns historiadores mais circunspectos. “Assim, eles hesitam” escreve
Reinhart Koselleck, “ em escrever histórias modernas, particularmente
as que, como era usual antes, devem estender-se até à ‘histó ria do tem -
po presente ( Zeitgeschichte ) ” ( Koselleck, 1997:83). A ausência de um
presente est ável, de um ponto fixo a partir do qual dirigir um olhar re-
trospectivo constitui um primeiro obst áculo: começa-se a ter a ideia de
que a escrita de uma história que se prolonga no tempo presente agora
incerto nã o pode conceber-se senão como uma história inacabada, em
suspensão. Nessa acepçã o, sendo o tempo presente provisório, ele não
pode ser colocado em história. “ Em todo lugar, na vida civil, política,
religiosa e financeira, a situaçã o n ã o é provisória ? Ora, n ão é o acon -
tecer, mas o que aconteceu que é a finalidade da história”, escreve Gus-
tav Poel24. A histó ria pode e deve escrever-se apenas levando em con -
ta a duração transcorrida. Uma histó ria do tempo presente se verifica,
portanto, doravante impossível para toda uma corrente historiográfica
“ pois ela ajudaria quando muito a desencadear uma querela de parti -
dos”. Portanto, “ nada de dur ável, nenhuma história verdadeira podem
ser apagados por uma história escrita hoje”. E Koselleck chama a atenção

23 “ Instruction relative à l’enseignement de l’ histoire contemporaine dans la classe de


Philosophie des Lycées impériaux”, 24 set. 1863, citado por Garcia e Leduc (2003:79).
24
Koselleck (1997:83). Gustav Poel, em uma discussão com dois de seus colegas, Johann
Georg Rist e Friedrich Christoph Perthes, pergunta -se sobre a possibilidade de escrever
em torno de 1820 uma Histoire des É tats européens.
A CONTEMPORAN EIDADE NO PASSADO 77

para “ a palavra amarga” de Friedrich Christoph Dahlmann, em escritos


I de 1847: “A história é distinta demais para ir até os nossos dias”.
25

ão
I É importante notar aqui que as objeções mais importantes que ser
feitas à ambição de escrever uma história contempor â nea a contar de

meados do século XIX a ausência de recuo, a vivacidade das paixões
,

i —
o inacabamento dos processos observados decorrem muito direta
-

científico e de uma disciplina profis -


f mente não somente do surgimento
sionalizada, mas da recusa da história clássica, consequê ncia da sombra
«•

trazida por uma Revolução que transtornou a ordem do tempo. Está se


-

em presen ça de uma reação tanto intelectual quanto emocional, de uma


, salvo a repensar
[ dificuldade de pensar o mundo após tal acontecimento
toda a disciplina, o que acontecerá efetiva, mas progressivamente. As
objeções que surgem à possibilidade de escrever uma histó ria do tempo
presente parecem tanto mais notáveis quanto essa forma de ceticismo
se desenvolve de maneira concomitante a um movimento inverso que
leva, ao contrário, os contemporâneos da Revolução a se interessar com
maior aten ção pela histó ria, ou seja, por um mundo repentinamente
desaparecido, quer a gente se regozije com isso, quer se deplore. É uma
,
das razões que fazem do século pré- revolucioná rio o século da história
aquele dos historiadores-escritores (Michelet) ou dos escritores-histo-
),
riadores ( Dumas), dos historiadores- políticos (Thiers, Von Humboldt
fï dos historiadores - filósofos ( Droysen, Tocqueville). É também o século
da invenção do arquivo, do património e mesmo do surgimento das pri
-

meiras “ políticas de memória” com o advento das grandes campanhas


de
escavações arqueológicas ou com a constru ção de museus e outras ins
-

, ele
tituições encarregadas de preservar o passado. Fenômeno europeu
é particularmente verificado na França, onde os historiadores se veem
da missão de escrever uma narrativa coerente, que fizesse a
investidos

um Bernard
25
Koselleck ( 1997:83-84). O aforismo não deixa de lembrar a posição de
f
Guenée, citado anteriormente.
ï

l
78 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

ligação entre o passado e o presente, entre os diversos componentes de


uma sociedade fraturada, que desse sentido à descontinuidade vivida, e
que até mesmo preparasse o julgamento da posteridade.

Por isso, conceber uma histó ria que explica a ruptura revolucioná ria e che-
ga a articular juntas as partes desunidas da história da Fran ça é uma tarefa
primordial. Espera -se da histó ria que ela permita compreender os conflitos
que dividem os franceses como o que os unem. Em face da fragilidade dos
governos e das instituições políticas, da repetição compulsiva do gesto re -
volucion á rio que opõe os herdeiros da Revolução entre si, aos historiadores
é reconhecido um formid ável magisté rio: o de dizer a verdade da França.
Por uma singular reviravolta, o especialista do passado age como profeta.
[Delacroix, Dosse e Garcia, 2007:12]

*
Outro fato notável que encontramos repetidamente: não só a histó- *i
ria em sentido amplo se reveste entã o de uma importâ ncia maior, mas 3

%
a história do tempo presente se desenvolve em todos os seus aspectos, I
apesar da suspeita e da recusa expressa por alguns. A Revolu ção ator-
menta sobremodo os espíritos —
e atormentará por muito tempo —
para desencorajar as penas mais curiosas ou as mais implicadas. Ela
suscitou uma historiografia muito precoce, que surgiu nos primeiros
anos do século, à imagem da Histoire de France depuis la Révolution de
1789, empreendida por Emmanuel de Toulongeon no in ício do Impé-
rio. Este preconiza relatar “ n ão somente o que ele sabe, mas o que ele
pode aprender; não somente o que ele viu do lugar em que estava, mas
o que ele poderia ter visto, se ele tivesse estado ao mesmo tempo em
todos os lugares que os espectadores ocupavam” (Toulongeon, 1803, ci-
tado por Leterrier, 1997:20). Encontra -se aqui uma tradição ancestral
— o historiador testemunha, o historiador que escreve a partir de sua
própria experiência, o historiador contemporâneo que, de Tucídides a
Pascal, deve produzir uma história “ digna desse nome”. Mas encontra-
A C ONTEM PORAN ElDADE NO PASSADO 79

f- -se também o vest ígio do progresso da historiografia, a utilização das


i fontes e o raciocínio especulativo que utiliza a imaginação: “ o que ele
poderia ter visto”. O que é verdadeiro da Revolução, objeto de história
mais importante ao longo de todo o século XIX, é também da Restau-
ração, uma vez que nela ainda as primeiras histórias desse período são
produzidas no calor dos acontecimentos. Charles de Lacretelle pôde,
assim, escrever no espaço de uma década uma Histoire de la Révolution
i française em oito volumes, entre 1824 e 1826, e uma Histoire de France
I depuis la Restauration, publicada entre 1829 e 1835, uma obra que se
vale tanto da narrativa histórica quanto do testemunho pessoal ou do
jornalismo. E o que é verdadeiro da Restauração é também dos momen-
tos posteriores, à imagem da célebre Histoire de dix ans de Louis Blanc,
um olhar panfletário sobre o início do reino de Luís Filipe. A multipli-
»,
cação dos trabalhos em história contempor â nea, se ela resulta em parte
da presença dur ável do acontecimento revolucioná rio, mostra também
a banalização de um gê nero liter á rio que se desenvolve ao longo de todo
o século, no contexto de uma ordem social e política conturbada. É uma
historiografia frequentemente informada, que repousa sobre corpora de
f; fontes, colet â neas de documentos oficiais, mas també m quase sempre
engajada, de um lado como de outro, inteiramente atravessada pelas
paixões políticas herdadas da Revolução, e das suas sequelas, marcada,
portanto, pela tensã o entre a vontade de compreender e a necessidade
[i

de tomar partido. A originalidade do per íodo pós-revolucioná rio não


consiste, portanto, somente no desenvolvimento de uma nova forma de
história contemporâ nea, mas mais ainda no fato de que esta se torna
uma arma de predileção nos combates políticos e ideológicos. A análise
do presente ou do passado próximo, a história enquanto se est á fazendo
e da qual é preciso tirar lições para a ação a curto prazo, para transfor-
mar o mundo e não somente o interpretar ( Marx), se tornam elementos
essenciais de um pensamento e de uma filosofia políticos doravante pro-
fundamente nutridos de historicidade.
80 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

A recusa paradoxal do fim do século XIX

O último terço do século XIX testemunha o surgimento de novas es-


colas historiográficas que capitalizam as evoluções que sobrevieram de
um e de outro lado da Revolução. Sem entrar nos detalhes de uma his -
tória conhecida, demorar- me-ei aqui em algumas caracter ísticas signi-
ficativas para minha tese. Após abandonado seu status de arte menor
para adquirir sua autonomia, a história no mundo ocidental é pouco a
pouco erigida a disciplina cient ífica. Nem todos os historiadores com-
partilham da posiçã o radical de um Fustel de Coulanges, que vê nela
“ uma pura ciência, uma ciê ncia como a física ou a geologia”, a ciência
dos fatos passados que é preciso, contudo, constituir como tal 26. Mas
in ú meros sã o aqueles que a consideram agora um verdadeiro of ício que
requer uma profissionalização, outra caracter ística importante da é poca
que vê a criação de novos diplomas, de novas cátedras, de novos ve-
tores de difusão do saber ( revistas, sociedades eruditas...), nas univer-
sidades francesas, alemãs ou americanas. Esse conhecimento histórico
de um gê nero relativamente novo se funda em métodos normatizados,
em particular no trabalho sistemático com corpora de arquivos ou de
textos que exige um maior rigor e uma maior técnica. A retórica ou a
U

eloquê ncia não bastam e essas novas gera ções Wilhelm von Humbol-
dt, Johann Gustav Droysen ou Leopold Ranke, na Alemanha do primei-
ro terço do século XIX, Charles-Victor Langlois, Charles Seignobos ou

Ernest Lavisse, na França da Terceira República denunciam a dema-
siada proximidade entre a história e a literatura, encarnada por um Mi-
chelet, assim como ela se afasta da filosofia da história, e da influ ê ncia de
um Kant ou de um Hegel, como nã o sendo senão um “ disfarce laico da
velha teoria teológica das causas finais” ( Langlois e Seignobos, 1992:54 ).
Consequência da cisão revolucioná ria entre passado e presente, o his-

26
Fustel de Coulanges (1988:341 - 342 ), citado por Delacroix, Dosse e Garcia (1999:76).
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 81

h toriador tem agora como tarefa não somente fornecer exemplos de boa
conduta para as ações humanas pelo estudo de um passado edificante,
ontologicamente ligado ao presente, mas lançar luz sobre os vest ígios de
! um passado encerrado, que é imperioso conhecer para não se destacar
inteiramente das gera ções precedentes: a disciplina j á não serve a man -
ter a continuidade, mas a atenuar os efeitos das rupturas da história. Seu
papel já não é manter uma tradição que derivava da natureza das coisas,
mas de enraizar o presente e o futuro incerto em uma continuidade com
a qual é preciso reatar, com um passado, aquele que é anterior à Revo -
lução, e que corre o risco de desaparecer da memória coletiva caso não
seja objeto de investigações sistemáticas e aprofundadas por um novo
corpo do of ício. Donde esta ideia de que a tarefa prioritá ria do historia -
¥ dor deve ser “ apresentar o que realmente aconteceu”, restituindo -o com
a maté ria “ mais pura e mais perfeita”.27 Esse credo, que parece reatar
com uma concepçã o ancestral da hist ória como “ narra ção ver ídica dos
! fatos passados”, foi denunciado posteriormente como “ positivista” e pa-
I rece hoje evidentemente ultrapassado. É esquecer sua pertinência me-
[ nos como cânone atemporal e universal do of ício de historiador que —

é preciso ent ã o fundar do que como projeto intelectual no contexto
l pós- revolucionário: pretender explicar o que “ realmente” aconteceu nos
\ tempos antigos quando o acontecimento revolucioná rio e as guerras
í napoleônicas assolaram completamente o mundo em que vivem esses
historiadores, e os quadros tradicionais de interpretação se tornaram
obsoletos e numerosos vestígios desapareceram ou parece que desapa-
receram, não era evidente. Atormentados pelo medo de serem cindidos
do passado, criticando a filosofia da história que se desenvolve no mes-

27
HUMBOLDT, Wilhelm von. Über die Aufgabe des Geschichtschreibers ( 1821) .
Reedição: On the historians task. History and Theory, v. 6, n . 1, p. 57- 71, 1967. A citação
foi retomada por Leopold Ranke em 1824. É a primeira frase da conferê ncia proferida
na Academia da Pr ú ssia pelo fundador da Universidade de Berlim (1810), que tem hoje
seu nome.
82 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

mo momento, esses historiadores inventam o princípio do olhar dis-


tante —
distante com respeito às paixões, às mitologias, à aceleração do
tempo vivido. Os historiadores do tempo presente do período recente,
apesar de nutridos pela história estrutural e influenciados pela herme-
nêutica contemporâ nea aos ant ípodas do positivismo ( ou de sua carica -
tura ), tiveram também que enfrentar a tarefa primordial de reconstituir
o que “ realmente aconteceu” na primeira metade do século XX, em um
universo cognitivo em que as paixões, a mem ó ria longa e dolorosa das
grandes catástrofes, o medo de ver desaparecerem os seus vestígios ou a
sua lembran ça, as mitologias de todo gênero, inclusive a negação de fa-
tos históricos massivos se impuseram particularmente. Contudo, se nos
dois casos o passado próximo constitui uma questão central no espaço
pú blico, um espaço público que começa a surgir precisamente nos vest í-
gios da Revolução, ele não desempenhou um mesmo papel na historio-
grafia científica, na escrita de uma história do tempo presente no século
d
XIX, especialmente da deflagração revolucioná ria — e mesmo por causa ?
n
dela — suscitando sentimentos ambivalentes e contraditórios. Em seu V
artigo já citado de 1978, que ele dedica ao “ Presente” como categoria I
singular do historiador, Pierre Nora esteve entre os primeiros a insistir í
no paradoxo de uma historiografia que é rejeitada no momento mesmo I
em que começa a existir. I
I
Enquanto n ão h á história sen ão do passado, n ão há história contemporâneay '

eis uma contradição nos termos. Em si, a história contemporânea nunca


é, com efeito, encontrada. Ela não se situa. Uma cisão escolar herdada na
França do in ício da Terceira República a faz datar, n ão sem um fundo de
verdade, da Revolução Francesa, mas quem tomaria um programa escolar
por uma verdade cient ífica ? [...] A hipótese que se desejaria aqui propor é

que a história contemporânea esta história sem objeto, sem status e sem

definição não é o simples apêndice temporal de uma história segura de
si mesma, mas uma história outra, e que a exclusão do contemporâneo fora b
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 83

P do campo da histó ria é precisamente o que lhe dá sua especificidade. Dito


' de outra forma, o compartilhamento entre presente e passado em que con-
siste, fundado em uma concepção linear da história, também pertence ao
passado; a um passado que ainda pesa sobre o presente, mas não basta para
defini-lo. O aparecimento mesmo de um presente histórico coincidiria,
portanto, com a sua expulsão do campo da histó ria, seu exílio, seu recalca -
mento, sua repressão. E a marca da sua exclusão seria o sinal do seu adven -
to. Entre o surgimento de uma histó ria “ contemporâ nea” e a sua conjuração
existe uma correlação histó rica t ão estreita, que a histó ria contemporânea
já não seria ela mesma decifrável sen ão no vazio, no movimento que nega
sua ameaça e apaga sua novidade.
28

A constatação repousa, em grande parte, em elementos verificados,


ainda que a recusa, ou pelo menos a ambivalência, com respeito à his-
tória contemporânea como gênero seja anterior em vá rias décadas, nós
o vimos, ao surgimento da escola metódica francesa. A suspeita data
V dos dias seguintes ao acontecimento original e se liga mais ao pró prio
I traumatismo, ao efeito da Revolu ção, do que à constituição, bem mais
í —
tardia, de uma historiografia científica e profissionalizada ainda que
I esta última venha a dar consistê ncia e a apresentar as razões pelas quais
I é preciso manter à distâ ncia essa parte da disciplina. É porque há agora
I uma cisão, que tratar da mais recente história não é nada óbvio para os
historiadores, como era ainda o caso no século precedente, e como foi
o caso desde as origens da história. Enquanto o passado, o presente ( e o
futuro) se concebiam em um mesmo contínuo, quer fosse cíclico, como
para os gregos, ou linear, como no eterno presente medieval, a noção
de história contemporânea enquanto tal não fazia muito sentido, uma
vez que não havia razão para singularizá-la, donde a fraca presença do

Nora ( 1978:467). O grifo é do autor. Pierre Nora segue o caminho de Charles-Olivier


28

Carbonell ( 1976).
84 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

termo quando o passado próximo era efetivamente levado em conta. Ao


contrário, após a cisão revolucionária, a história próxima se identificou
com o período de transição entre mundo antigo e mundo novo, ela to-
mou, nos estudos, na literatura, no ensino, uma singularidade inédita, e
é porque ela se singularizou que pôde suscitar, inversamente, formas de
recusa: exclui-se aqui o que parece diferente e não o que constitui o mes-
mo. É porque após a Revolução a história com pretensão cient ífica quer
dedicar-se prioritariamente —
sem consegui-lo realmente —
ao ú nico
passado encerrado, que a possibilidade mesma de uma história també m
cient ífica do passado próximo suscita reservas. Somente a história di-
plomática, especialmente após a guerra de 1870, escapa dessa exclusão,
com figuras como Albert-Sorel, autor em 1875 de uma história da guerra
franco -alemã, após ter publicado sete volumes sobre a história da Europa
e da Revolu ção ( Noiriel, 1998:52 ). *

Os indícios dessa recusa precoce são numerosos e foram frequente-


mente recenseados nos estudos historiográficos sobre a história em ge- I
ral ou do tempo presente. “ Em 1900”, escreve G érard Noiriel, “ mais da
metade dos historiadores universit á rios franceses são medievalistas e da
École Pratique des Hautes Études ( instituição que agrupa ent ão a pes-
quisa de ponta em ciências humanas) , dos mais ou menos cinquenta se-
miná rios, apenas dois são dedicados ao período posterior a 1500»29. Na
Alemanha, os historiadores mais conhecidos e mais influentes são tam -
bém especialistas na Antiguidade e medievalistas. Desde a sua fundação,
em 1886, até o pós-1918, a English Historical Review, uma das principais
revistas históricas inglesas, não publicou nenhum artigo sobre a história
interna após 1852 ou sobre a história europeia após 1870, e do mesmo
modo os cursos oferecidos na Modern History School de Oxford, em

29
Noiriel (1998:13) . Gérard Noiriel retoma a análise de Louis Halphen ( 1914), que
mostra como a nova geração de historiadores se interessou prioritariamente pelo estudo
da Antiguidade e da Idade Média.
*
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 85

F
I 1914, exclu íam a história política inglesa após 1837 e a história geral
í após 1878, uma exclusão temporal que foi acompanhada por uma redu-
ção do espaço estudado, uma vez que, por exemplo, o estudo da índia se
limitava ao dos colonos ingleses e o da China ao do comércio ocidental:

Essa exclusão da história contempor â nea dos estudos universit á rios teve
i
sérias consequê ncias práticas. A classe governante inglesa [...] entrava na
política ou no serviço público ou no of ício sabendo menos sobre o estado
do mundo contemporâ neo do que sabiam sobre a Grécia Antiga ou sobre
Roma. No fim do século XIX ou no in ício do século XX, dez ou doze corres-
| pondentes de imprensa tinham uma melhor compreensão dos perigos que
ameaçavam a paz na Europa do que a maior parte dos membros influentes
dos gabinetes britâ nicos.30

Por outro lado, a situação é diferente nos Estados Unidos, à medida


que a pr ática da história contemporâ nea não parece nem tão problemá-
tica, nem tão diferenciada quanto foi na Europa. Trata-se mesmo de um
contraexemplo interessante a respeito das questões levantadas aqui. Em
seu livro mais importante sobre a evolução da historiografia americana,
Peter Novick mostra como no fim do século XIX a história se torna tam -
I
bém uma profissão com seus procedimentos de validação, seus currícu-

los de carreira, suas organizações próprias é em 1884 que é fundada
a American Historical Association —
e sobretudo sua ideologia domi-
-
nante: a paixão pela objetividade. Por objetividade é preciso entender a
ideia segundo a qual os fatos históricos preexistem à interpretação, e que
esta deve ser experimentada pelo critério dos fatos, que a verdade é uma,
que a história consiste em uma descoberta e não em uma construção, e,
finalmente, que, apesar das diferenças de apreciação por gerações de his-
toriadores, o sentido dos acontecimentos permanece inalterado ( Novick,

30
Woodward ( 1966:1- 2). Voltarei no próximo capítulo à criação dessa revista.
86 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

1988:3). Essa historiografia foi fortemente influenciada pelo modelo ale-


mão e pela escola metódica francesa: a Introduction aux études historiques
de Langlois e Seignobos foi traduzida em 1898, um ano após sua publi-
cação na França, e permaneceu um clássico nos Estados Unidos até a
Segunda Guerra Mundial, nos diz Peter Novick, ainda que as referências
epistemológicas sejam um pouco diferentes: a crença na história como
ciência objetivável preferiu seguir os preceitos de Francis Bacon: primado
do empirismo, desconfiança em relação às hipóteses, busca da taxonomia
— nomear, classificar, descrever ( Novick, 1988: respectivamente, p. 37- 38
e 34). Não obstante, a despeito dessa paixão, não se nota nem suspeita,
nem recusa particular da história contemporânea. Muito ao contrá rio,
essa história é particularmente viva no fim do século XIX, quando uma
das questões ainda é a reconcilia ção nacional após a Guerra Civil e os
problemas criados pela reconstrução das zonas devastadas. Peter No-
vick mostra assim como os historiadores do Norte e do Sul acabaram
por concordar sobre uma espécie de “ consenso” predominante segundo
ele racista e nacionalista ( Novick, 1988:75- 78 ). O importante aqui é re-
ter a ideia de que a questão da legitimidade da história contemporânea
nem mesmo é levantada em um estudo que é, contudo, not ável e quase
exaustivo da história da historiografia americana, que vai ao encontro de
uma constatação muito fácil de fazer nos dias de hoje: os debates teóri-
cos sobre a definição ou o per ímetro da história contemporânea, tanto
hoje quanto ontem, que agitam os historiadores europeus, pelo menos na
França, na Alemanha, na Itália, nos países da Europa oriental ou na Ame-
rica Latina, parecem n ão ter nenhum poder nos Estados Unidos, onde
a história contemporânea parece praticar-se “ naturalmente”, sem inter-
rogação epistemológica particular. É preciso pôr isso na conta de uma
tradição historiográfica aparentemente mais “ empírica” ou voltada para
outras questões estruturais (a etnia, o gênero, o global) ? É a consequência
de uma história nacional que se estendeu essencialmente à “ época con -
temporânea” no sentido europeu do termo, e, portanto, sobre a vertente
A CONTEM POR AN EIDADE NO PASSADO 87

I histórica pós- revolucionária? É possível, mas, por um lado, essas caracte-


! rísticas não impediram a historiografia americana de produzir gerações
I de especialistas em história medieval e moderna de grande renome in-
| ternacional, e, por outro, a história “ nacional” americana adquiriu uma
r maior profundidade temporal a partir do momento em que o interesse
se voltou para a história das comunidades indígenas instaladas antes da
chegada dos Europeus. Portanto, não há relação de causalidade entre o
l fato de que os Estados Unidos eram, no fim do século XIX, um país ainda
I “ jovem” e a ausência de recusa da história contemporânea. E tanto mais
I notável quanto os historiadores americanos da época adotaram com ar
-
[ dor os princípios positivistas europeus. Mas eles não importaram todos
os seus preconceitos, o que mostra que os princípios metódicos podiam
muito bem acolher uma prática da história contemporânea.

I Entre as razões da recusa da história contemporâ nea na França ou na


f Alemanha no fim do século XIX, há antes efeitos de distinção, mecanis-
mo banal em toda atividade em vias de profissionalização. Quanto mais
nos afastamos do presente, mais a investigaçã o histórica parece dif ícil —

onde é declarada com tal por falta de vest ígios em n ú mero suficiente.
E quanto mais eia requer um conhecimento das línguas e dos textos
clássicos do qual se alimentam os universit á rios ao contrá rio dos histo-
riadores “ amadores” ou não profissionais, o que permite excluí-los mais
facilmente e proteger um meio científico em vias de formação. É um
dos argumentos invocados por Louis Halphen, que pensa que a história
contemporânea possui o inconveniente, aos olhos dos metódicos, de ser
“ muito facilmente acessível” e, portanto, aberta à “ legião de vasculhado-
res tentados pelo atrativo de tudo o que é inédito e que superabunda nos
arquivos” ( Halphen, 1914, citado por Noiriel, 1998). É preciso, portanto,
traçar uma fronteira entre o que é “ científico”, de uma elite universitá ria,
e o que é “ literatura”, ou “ política”, ou qualquer outra coisa, para cons-
tituir um verdadeiro corpo de profissionais de história. Encontramos
88 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

uma situação que os historiadores do tempo presente profissionais co-


nhecem bem hoje diante da concorrê ncia consciente ou não que repre-
sentam os jornalistas, bloggers, historiadores amadores ou militantes, ou
ainda qualquer cidadão interessado pelo passado. Essa concorrência é
consideravelmente mais limitada, visto que se trata de história medieval
ou mesmo de hist ória moderna, uma mat é ria efetivamente de menos fá -
cil acesso do que a história próxima. É preciso també m mencionar aqui
a divisão do trabalho que se estabeleceu ent ão entre essa nova disciplina
histórica voltada para o passado longínquo e a sociologia mais voltada
por definição para o contemporâ neo, uma divisã o nã o somente prática,
mas teórica, e que resultará em uma contestaçã o dos pressupostos da es-
cola metódica e da cisão que eles delimitam entre o passado e o presen -
te. Essa oposiçã o entre, por um lado, um método histórico voltado para
o passado encerrado e fundado na cisã o entre o passado e o presente, e,
por outro, uma “ ciência social” nascente que considera o tempo como
uma construção social e uma variável entre outras para compreender as
sociedades, contribui para tornar o estudo do mundo contemporâ neo
ainda mais dif ícil na historiografia. Certamente, a escola dos Annales
nos anos 1920 contribuirá para fazer da disciplina histórica uma ciê ncia
A

social tanto quanto uma ciência humana e recusar uma boa parte desses
preconceitos: desde o primeiro n ú mero da revista, em 15 de janeiro de
1929, Marc Bloch e Lucien Febvre denunciam no seu editorial essa divi -
sã o implícita do trabalho que deixa o passado aos historiadores e o estu -
do das sociedades e das economias contemporâneas a outros. Mas essa
divisã o deverá perdurar até o último terço do século XX, e não perderá
força senã o com o surgimento de uma nova história do tempo presente.
A recusa explica-se em seguida pelo surgimento de um novo quadro
intelectual e cognitivo que mostra os limites e as dificuldades próprias de
uma história do tempo presente. Eles não são propriamente novos, mas
assumem uma configuração particular no contexto pós- revolucioná rio.
Os historiadores têm a missão de compreender o passado encerrado, eles
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 89

devem entã o confrontar-se cada vez mais com a questão da alteridade:


escrever a história do passado não é retraçar uma genealogia que aca-
ba no presente, nem fazer a história do mesmo, mas mergulhar em um
mundo diferente, por vezes completamente estranho a quem escreve.
Isto não significa por esse fato que existiria uma diferen ça de natureza
entre fatos antigos ou fatos recentes, como enfatiza Charles Seignobos,
em um texto considerado um dos manifestos da escola metódica:

Mas, a partir do momento em que se procura delimitar praticamente o ter-


reno da histó ria, a partir do momento em que se tenta tra çar os limites entre
uma ciê ncia histó rica dos fatos humanos do passado e uma ciê ncia atual
dos fatos humanos do presente, percebe -se que esse limite n ão pode ser
estabelecido, porque em realidade n ã o há fatos que sejam histó ricos por sua
natureza, como h á fatos fisiológicos ou biológicos. No uso vulgar, o termo
“ histó rico” é tomado ainda no sentido antigo: digno de ser contado; diz-se
nesse sentido um “ dia histó rico”, uma “ palavra histórica”. Mas essa no ção de
histó ria é abandonada; todo incidente passado faz parte da histó ria, tanto o
traje usado pelo camponês do século XVIII quanto a tomada da Bastilha; e
os motivos que fazem parecer um fato digno de men ção são infinitamente
variáveis. A histó ria abarca o estudo de todos os fatos passados, políticos,
intelectuais, económicos, a maioria dos quais passou despercebido. Pare -
ceria , portanto, que os fatos históricos pudessem ser definidos: os “ fatos
passados”, por oposição aos fatos atuais que são o objeto das ciê ncias descri -
tivas da humanidade. É precisamente essa oposição que parece impossível
manter na prática. Ser presente ou passado não é uma diferen ça de caráter
interno, ligada à natureza de um fato: é apenas uma diferen ça de posição em
relação a um dado observador. A revolução de 1830 é um fato passado para
n ós, presente para as pessoas que a fizeram. E do mesmo modo a sessão de
ontem na Câ mara é j á um fato passado. Portanto, n ão há fatos históricos
por natureza; nã o h á fatos histó ricos sen ão por posição. É histó rico todo
fato que já não se pode observar diretamente porque ele cessou de existir.
90 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

Não há caráter histó rico inerente aos fatos, de histórico há apenas o modo
de conhecê-los. A história n ão é uma ciência, ela é apenas um procedimen -
-
to de conhecimento. [Seignobos, 1909:2 3]

Portanto, não se trata aqui de uma recusa por natureza da história


contemporânea. O fato de considerar, por exemplo, que os debates “ de
ontem”, na Câmara, já pertencem ao passado é uma maneira de supor
que eles podem entrar no campo de observação do historiador. Mas à !
medida que esta nova história se define como um “ conhecimento por
vestígios”, ela se torna um conhecimento indireto — encontra-se o co-
nhecimento mediado do Renascimento — , elaborado a partir de fontes
escritas que não são imediatamente acessíveis ao historiador. Este últi-
mo não pode apreender uma realidade que lhe é a priori estranha senão
por um esforço de abstração e de imaginação, bases da nova crítica dos
textos. Nessa perspectiva que faz do método mais do que dos objetos
estudados ( ainda que os metódicos tenham preferência pela história po-
lítica ) a base do novo ofício de historiador, o passado próximo não pode
entrar no campo de investigação deste, uma vez que a tarefa que lhe é
oficialmente atribu ída consiste em estudar o que já não é: “ é histórico
todo fato que já n ão se pode observar diretamente porque cessou de exis-
tir”. Certamente, Seignobos n ão diz que um fato presente, n ão histórico
segundo a sua definição, també m n ão pode ser estudado, mas tal não é a
tarefa prioritá ria do historiador, pelo menos na vertente científica de sua
g
atividade. Do mesmo modo, não se trata de aderir ingenuamente a um
princípio de objetividade. Os metódicos estão perfeitamente cientes do
fato de que a história é em parte uma “ construção”, para empregar um
termo de hoje, uma forma assumida de “ problematização” muito avant
la lettre, um ponto enfatizado muito cedo pela nova historiografia alemã:

Toda pesquisa empí rica se regra pelos dados para os quais é orientada.
E ela não pode orientar-se senão por dados que, por sua presen ça imediata,
?
A CONTEMPO RANEl DADE NO PASSADO 91

se prestam a uma percep ção sensível. Os dados da pesquisa histórica n ão


são as coisas passadas ( pois essas coisas pertencem ao passado ) , mas o que

ainda n ão está encerrado, aqui e agora quer se trate de lembranças ou de
vestígios do que foi e aconteceu outrora. [ Droysen, 2002:41]

Mas se o historiador deve assumir sua posição anacrónica relativamen -


te aos objetos que estuda e medir assim a diferença entre as coisas pas-
sadas e seu vestígio ou sua marca, na grande tradição agostiniana, o seu
próprio presente e a sua própria experiência podem tornar-se obstáculos
a superar para escrever a história, uma vez que se trata, prioritariamente,
de colocar-se na perspectiva dos homens ou das mulheres do passado para
compreender seu universo, sua maneira de pensar, de agir, de sentir: é o
princípio da empatia histórica teorizado pela historiografia alemã. O his-
toriador deverá, portanto, fazer um esforço de imaginação e de distancia-
mento para tentar devolver ao vestígio presente sua forma original passa -
da. É preciso assim que ele se destaque da sua própria contemporaneidade,
e, portanto, de todo ou de parte da sua própria subjetividade donde a —
importância do princípio da objetividade histórica na historiografia dessa
época. Levada ao seu extremo, essa postura pode acabar em uma forma

de cientificismo à qual os metódicos não aderem, visto que a separação
entre o passado e o presente é, para eles, mais relativa do que absoluta, pois
decorre primeiramente da posição do historiador e não de uma concepção
ontológica do tempo. Fustel de Coulanges pôde assim escrever:

quando leio os trabalhos modernos sobre a Antiguidade, o meu primeiro


movimento, confesso, é de duvidar, porque reconheço muito frequente-
mente pensamentos totalmente modernos. Mas quando leio os antigos, o
meu primeiro movimento é de crer, e os leio tanto mais quanto suas ideias
são mais afastadas das minhas.31

31
Fustel de Coulanges (1893:408) . Ver també m Leterrier (1997:282 ).
92 A ULTIMA CATÁ STROFE

Tanto a posição anacrónica do historiador como sua necessidade de


ter de considerar o passado como uma alteridade podem assim condu -
zir já não a uma simples suspeita acerca da história contemporâ nea, mas
sobre a afirmação de uma impossibilidade radical:

O olhar que lan çamos às coisas presentes é sempre perturbado por algum
interesse pessoal, algum preconceito ou alguma paixão. Ver bem é quase
sempre impossível. Se se trata ao contrá rio do passado, nosso olhar é mais
£
calmo e mais certo. Compreendemos melhor eventos e revoluçõ es [ subli -
íl
nhado por mim] dos quais não temos nada para temer e nada para espe -
rar. Os fatos realizados se apresentam para n ós com outra nitidez que n ão
quando em vias de realiza çã o. Nós vemos seu começo e seu fim, a causa i!
v,

e os efeitos, as origens e as consequê ncias. Neles distinguimos o essencial É


e o acessório. Captamos- lhe a marcha, a direção e o verdadeiro sentido.
Enquanto se realizavam , os homens n ão os compreendiam; eles estavam
embaralhados, misturados com elemento estranhos, obscurecidos por aci -
dentes efé meros. Sempre h á nesses eventos humanos uma parte que n ão
é sen ão exterior e aparente; é ordinariamente essa parte que mais toca os
olhos dos contemporâ neos. Assim , é muito raro que um grande fato tenha
sido compreendido por aqueles que trabalharam para produzi -lo. Quase
sempre toda geração se enganou sobre as suas obras. Ela agiu sem saber
claramente o que fazia . Ela acreditava visar um fim e foi a um fim total -
mente diferente que os seus esforços a conduziram. Parece que est á acima
das forças do espí rito humano ter a intuição clara do presente. O estudo da
história deve ter pelo menos esta vantagem de nos acostumar a distinguir
nos fatos e na marcha das sociedades o que é aparente do que é real, o que é
ilusão dos contemporâneos do que é verdade.32

32
Ibid., p. XV. Ver também Leterrier (1997:284).
Ü A CONTEMPOR ANEIDADE NO PASSADO 93

Nem todos os historiadores da época compartilham dessa ideia de


uma história que os homens fariam sem o saber e que seria movida por
forças profundas e invisíveis que apenas a dist ância temporal e psicoló-
í gica permite apreender. Mas muitos carregam essa convicção, moderna
na época, de que a história não pode escrever-se senão com um atraso
ï
de reserva: o tempo de recolher e de classificar os arquivos, maté ria pri-
meira do historiador ; o tempo de deixar as paixões arrefecer, especial -
mente as paixões políticas nascidas com a deflagra ção revolucioná ria
£
e suas consequências, obst áculo a uma hist ória imparcial e objetiva; o
l
tempo para o esquecimento fazer sua obra e, portanto, permitir ao his-
toriador trabalhar fora dos efeitos de uma memória que se crê tanto
!
,
mais viva quanto os eventos são próximos; o tempo para que os proces-
É sos hist óricos encontrem seu acabamento.

Essa perspectiva vai ao encontro de outra ideia importante da época,


percept ível tanto na histó ria quanto na literatura, nas artes ou na filoso-
fia, que vê no presente uma ilusão efé mera. “ Não há Presente, não — um
presente não existe”, escreve Mallarmé, acrescentando: “ Mal informado
aquele que se proclamasse o seu próprio contemporâ neo, desertando,
usurpando, com impudê ncia igual, quando um passado cessou e que tar-
&
de um futuro ou quando os dois se entremeiam perplexamente em vista
de mascarar a distâ ncia” ( Mallarmé, 2003:265). A possibilidade de apre-
ender de maneira racional seu próprio tempo seria, nesse sentido, uma
forma de quimera intelectual. Essa ideia foi expressa com certa virulên -
cia por Nietzsche, em 1874, em sua Deuxiè me consid ération inactuelle.

Inatual, esta consideração o é ainda porque procuro compreender como


ï um mal, um dano, uma carência, algo de que a época se glorifica com razão,
a saber, a sua cultura histórica. Penso mesmo que somos todos vítimas de
r-
uma febre de histó ria, e que dever íamos pelo menos dar- nos conta disso.
,
*
; [...] Isto, minha profissão de filólogo me d á o direito de dizer: pois n ão sei
94 A ULTIMA CAT Á STROFE

que sentido a filologia poderia ter hoje, senão o de exercer uma influên -
cia intelectual, ou seja, agir contra o tempo, e portanto sobre o tempo, e,
H
esperemo-lo, em benefício de um tempo vindouro.33
IX
Nietzsche denuncia em vão nesse texto o historicismo, pois ele vai
B
ao encontro, com efeito, da crítica formulada, explicitamente ou nao,
por uma grande parte da historiografia da época sobre a ilusão que seria
^
querer compreender o seu próprio tempo, pelo menos com as ferra-
mentas do historiador. Ele o faz com um objetivo totalmente diverso,
o de uma “ história para a vida”, para a ação, e, portanto, voltada para o
IB
futuro, mas tendo como consequê ncia fazer do presente, do atual, um
B
B
momento instável, incerto, volátil diante do movimento da história.
. B
Essa necessidade de apreender uma história “ acabada”, de se interessar
por uma história “ inatual”, de recuar em relação ao mundo contempo-
B
râneo pode explicar-se não somente pelas posturas cientificistas e posi -
B
tivistas, mas também por uma forma de lassidão intelectual. Os debates
B
políticos na Europa nessa época permanecem, com efeito, profundamente
B
marcados e divididos pelo tumulto original de uma revolu ção cujos efeitos
B
parecem intermináveis. Essa ausência de fechamento gera o sentimento
B
B
em muitos historiadores de que uma interpretação objetiva e consensual
B
dos fatos parece impossível para esse evento ainda fresco na memória co-
letiva no momento em que esses princípios parecem indispensáveis para
K
refundar outra maneira de apreender a história. Donde a necessidade de
f
um atraso de reserva para compreender a marcha das sociedades, uma
postura duplamente historicista, uma vez que ela supõe, por um lado, que
o fator tempo permaneça o elemento de explicação primordial, o que é
contestado no mesmo momento pela sociologia, e, por outro lado, que a
distância temporal ofereça a garantia de um maior destacamento e de um
!
olhar mais amplo — uma ideia que se sabe hoje parcialmente errónea,

33
Nietzsche ( 1990:94 ) . Ver Paravicini ( 2002:151 - 191).
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 95

pois que o afastamento no tempo das grandes conturbações históricas não


H atenua em nada as paixões que elas podem suscitar. A Revolução France-
X sa, precisamente, oferece um contraexemplo surpreendente disso. Nesta
busca de uma historiografia distante, para não dizer serena, há certamente
B a marca de uma nova ética científica. Há, talvez, também a expressão de
uma necessidade de recalcamento, uma hipótese que se levanta raramen-
te: tomar distância da catástrofe, cessar de falar dela ou de fazer dela um
objeto central de investigação, remontar mais longe no tempo para reatar
B com uma longa identidade, participar portanto de uma forma de esqueci-
B mento relativo acaba constituindo-se em uma resposta não traumática à
B prova pela qual se passou e que indica que o choque revolucionário foi em
B parte atenuado ou estava em vias de sê-lo, pois, apesar de tudo, nessa épo-
B ca, a Revolução estava em vias de acabar, para parafrasear François Furet.
B Aqui ainda é a situação inversa da que nós conhecemos há uns 30 anos,
B pois que a resposta às catástrofes do século, certamente de uma natureza
B totalmente diferente, tomou a forma de uma presença obsessiva do pas-
B sado e o recurso compulsivo a uma memória que deve ser onipresente e
B que os historiadores, especialmente os do tempo presente, devem manter:
B eis aí uma resposta traumática aos choques originais, revelando-se que o
B passado não pode ser ultrapassado nem superado.

K Se os princípios preconizados pela escola metódica repousam em


parte em uma necessidade afinal de contas esperada, de recalcamen -
to das paixões políticas das quais os seus predecessores eram objeto,
eles se exprimem, apesar de tudo, em uma contradição flagrante, que é
consequência dos efeitos ambivalentes da sombra projetada pelo evento.
Se a hist ória contemporâ nea parece rejeitada quando começa a existir,
ela nã o é condenada nem por todos os historiadores, nem de maneira
sistem ática por seus principais detratores. Eis aí um segundo paradoxo.
Com efeito, apesar da suspeita, a história contemporâ nea, a de um pas-
sado próximo que começa com a Revoluçã o, se desenvolve realmente ao
96 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

longo de todo o século XIX. As primeiras histórias do evento aparecem


muito cedo, já o vimos, e constituem uma questã o moral e política tan - í
to quanto científica. Ao longo de todo o século, autores importantes,
escritores, jornalistas ou políticos produzem sobre o tema ensaios im - j- j

portantes ( Tocqueville ) ou histórias gerais das quais as mais conhecidas


são evidentemente as de Michelet ( 1847 ), de Quinet ( 1865) ou de Jaurès
( 1900 ). Com a aproximação do centen á rio, em 1889, coloca -se em açã o
uma verdadeira política de memória, com o lançamento de uma revista
— —
La Révolution Française que aceita apenas artigos originais funda -
dos em fontes que defendessem a linha ideológica dos radicais sobre a
unicidade do evento ( “A Revolu ção é um bloco” ), ou ainda a criação de
uma Comissão encarregada de coletar e de publicar documentos, entre
os quais as Atas do Comit é de Salvação P ú blica.34 Em 1891, Alphonse
Aulard, o perito nomeado e aparelhado pelos poderes pú blicos, ocupa j.
na Sorbonne a primeira cátedra de hist ória da Revolu ção. No momento I
em que a história contemporâ nea suscita cada vez mais reservas, a his- I
tória da Revoluçã o, evento agora centen á rio, entra ent ão em uma fase I
cient ífica. De uma maneira mais geral, in ú meros ind ícios mostram a [
relativa vitalidade da história contempor â nea na França apesar do os-
tracismo do qual ela é objeto. No campo acad ê mico, ela est á longe de
estar ausente, ainda que seja minorit á ria, como atestam , por exemplo,
a criaçã o de cá tedras sobre a hist ória moderna e contemporânea na
Sorbonne ( 1884 e 1888) , o nascimento da Revue d’ Histoire Moderne et
Contemporaine ( 1889), a criação de uma Sociedade de História da Re-
volução de 1848 ( 1904 ) ou ainda o estabelecimento de um Répertoire
méthodique de Vhistoire moderne et contemporaine, publicado pela So -
ciedade de História Moderna ( 1901 ), e que recenseia livros e artigos so-
bre a história da Fran ça “ de 1789 até os nossos dias”, uma expressão que

34
Sobre esse assunto, ver os trabalhos citados de Gé rard Noiriel e Christian Delacroix,
François Dosse e Patrick Garcia, assim com Pascal Ory (1992).
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 97

se generaliza ent ão na produção historiográfica e mostra uma forma de


integra ção do passado mais próximo da história em geral.
Este aparente paradoxo se explica por uma razão bem conhecida hoje.
Os representantes da escola metódica que dominam então a disciplina se
acharam em uma verdadeira contradição: afastar do campo científico a
história próxima era privar-se de integrar o evento decisivo que tinha ao
mesmo tempo fundado uma nova ordem política e uma nova ordem inte-
lectual e cient ífica. A contradição era tanto mais insustentável quanto seus
inimigos conservadores ou reacionários, frequentemente fora do períme-
tro acadêmico, tinham ocupado o lugar deixado vazio e investido com su-
cesso no campo da história da Revolução e da história recente, à imagem
de Taine e das suas Origines de la France contemporaine (1875) ou ainda da
criação da Sociedade de História Contemporâ nea, de inspiração católica
conservadora (1890 ).35 Para evitar abandonar o terreno a seus inimigos,
os historiadores metódicos introduziram os períodos recentes nos progra-
mas de ensino universitário e trataram deles em seus manuais acadê mi-
cos ou em suas obras de vulgarização. Na França, um dos artesões dessa
evolução foi Victor Duruy, ministro da Instrução P ública sob o Segundo
Império ( 1863-69), que compreende a que ponto o conhecimento do seu
próprio tempo deve fazer parte do estudo da educação do jovem cidadão:

Saturados do passado, [ os alunos do colégio] querem o presente e o tomam


onde encontram, nos panfletos ou nas composições parciais e fragmentadas,
das quais nenhuma, aliás, apresenta, no seu conjunto, por conseguinte na sua
verdade, o caráter novo da civilização contemporâ nea. Se a história é de fato o
depósito da experiê ncia universal, se n ão há administrador que, para resolver
uma questão, grande ou pequena, não julgue necessário estudar como, antes
dele, ela foi resolvida, por que se proíbe àqueles que, em alguns anos, farão
os negócios do país, conhecer de que maneira este país viveu, no período que

35
Noiriel ( 1998:14), que retoma as análises de Carbonell (1976) .
98 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

precede imediatamente aquele em que eles serão chamados a agir ? Teme-se


a invasão da política. Mas, primeiramente, se se deve a verdade aos mortos,
deve-se consideração aos “ vivos” ; e essas lições de história contemporânea
com as quais n ão se assustam, como nós, os nossos vizinhos do outro lado I
do Reno e da Mancha, nunca deveriam versar sobre as pessoas, nem se fazer
com os pequenos fatos ao modo de Suetônio ou de Saint -Simon. Seria preci -
so olhar de cima e de longe, boa maneira de ver bem . Faz-se menos política
nas cantinas das casernas ou do Quartier Latin porque se é ignorante das

-
coisas que aí se discutem ? Certamente n ão, mas com certeza faz se má pol í-
tica. Jogar um homem na cidadela sem lhe ter dito nada da organização das
necessidades do meio dos quais terá de viver e lutar é como se você jogasse na
batalha um caçador a pé com o armamento dos francos arqueiros de Carlos
VII. [ Duruy, 1901:122-125, citada por Leterrier, 1997:239]

O historiador Ernst Lavisse, notado por Victor Duruy, colocará em prá -


tica mais tarde a ideia de que a história contemporânea é uma necessidade
cívica e política, quaisquer que sejam as objeções científicas que se possam
opor a ela, ao dirigir uma Histoire de France, depuis les origines jusqud la
Révolution (1903-11), e depois uma Histoire de la France contemporaine
depuis la Révolution jusqud la paix de 1919 (1920- 22 ), em 28 volumes, um
verdadeiro monumento nacional sem igual no seu gênero. Mal se pode
imaginar, com efeito, que tal obra — verdadeira “ teoria da França”, segun -
do as palavras daquele que a concebeu, redigida no início do século XX, ao

longo da Primeira Guerra Mundial pare às portas da tomada da Bastilha
ou ignore um conflito, aliás vitorioso, que estruturou em parte o sentimen-
to nacional na segunda metade da Terceira República.36 Portanto, encon-
tra-se mais uma vez essa dimensão paradoxal de uma história contempo-
rânea] declarada cientificamente impossível, mas civicamente necessária\

36
A Histoire de France, depuis les origines jusqua la Révolution está sendo reeditada pelas
Éditions des Équateurs desde 2009, com um prefácio de Pierre Nora.
I

CAP Í TULO II

A guerra e o tempo posterior

A história é o esgoto dos crimes do gênero humano, ela exala um


odor cadavérico e a massa das calamidades passadas, parecendo atenuar
as calamidades presentes, parece precisar, por uma ligação que se supõe
f ísica , até das calamidades futuras. Se se pudesse aniquilar a história,
ou seja, o exemplo de tantos crimes pol í ticos impunemente cometidos
e justificados, quem duvida que os tiranos da terra perdessem os seus
direitos terr íveis, e que o gênero humano, n ão vendo mais que o presente,
e n ão o passado, reouvesse com razão os seus antigos privilégios?
-
Louis-Sé bastien Mercier ( 1773:47 48 )

O horizonte da catástrofe

As esperan ças e as ilusões da escola met ódica e dos seus ê mulos de


uma história percebida como uma ciência objetiva do tempo social,
um saber cumulativo e um conhecimento racional do passado, se es -
patifar ã o, pelo menos em parte, nas trincheiras da Primeira Guerra
Mundial, ainda que os historiadores de todas as nacionalidades, fre -
quentemente mobilizados como combatentes, não tomem todos ime-
diatamente consciê ncia do fato. O evento, na sua violê ncia e por ser
repentino, gera no cerne da sua deflagração, e depois em seus efeitos,
o sentimento de uma nova ruptura na continuidade histórica. O termo
catástrofe n ã o é aqui uma met áfora e descreve com dificuldade as con -
turbações materiais, físicas e psicológicas causadas por um conflito de
100 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

uma natureza in édita. Os limites de violê ncia atingidos, a amplitude


inaudita das perdas humanas, a monta das destruições materiais e a ex-
tensão dos territ órios envolvidos marcaram permanentemente vá rias
gerações e deixaram, por muito tempo, suas cicatrizes. Apesar da sua
violê ncia intr í nseca à qual n ã o pode ser reduzida, a Revolu çã o France-
sa carregava em si a promessa de um progresso em um futuro próximo
que pôde tornar aceit ável o caráter repentino de uma cisã o na hist ória
entre um presente em devir e um passado daquele momento em diante
encerrado. A Primeira Guerra Mundial nã o traz sen ão destruiçã o e
nenhuma outra promessa que nã o a esperan ça , quase imediatamente
I
desenganada, de que ela será, de que ela deve ser a primeira e a ú lti -
ma do gê nero. De uma cren ça em um progresso racional, cont í nuo e
dominado, passa -se em alguns anos ao sentimento quase geral de um
mundo refém do caos, de um tempo marcado pela descontinuidade, á

— —
de uma história repentinamente e mais uma vez fora de si. Con -
tudo, se ela acabou com o sonho de um progresso cont í nuo, de um
tempo histó rico que pode ser dominado pela razã o e pelo conheci -
mento, a Primeira Guerra Mundial inaugurou novos prosseguimentos
revolucion á rios com tra ços escatológicos. A Revolu çã o Bolchevique,
por um lado, o fascismo e o nazismo, por outro, ainda que opostos e
inimigos mortais, t ê m em comum, entre outras coisas, carregar uma
visão da história marcada tanto por uma revisão radical do passado
quanto pela expressã o de novos milenarismos que pretendem acelerar
o advento de um homem novo pela violê ncia extrema e pelo poder ab -
soluto sobre os corpos, os espa ços e o tempo. Contudo, a maior parte
desses sistemas era consciente da sua própria precariedade hist órica,
o que nã o faz senã o acusar a intensidade da violê ncia exercida contra
seus inimigos ou ainda contra seus próprios povos: quando a realiza -
ção escatológica de um Reich milenar se verificou uma utopia sob as
bombas dos aliados, o regime preferiu seguir o caminho do caos e da
autodestruição, em lugar de renunciar a dominar o curso da história.
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 101

[ Nesse contexto, a própria noção de contemporaneidade mudará de


sentido, do mesmo modo que mudam a fun ção da história em geral,
seu lugar na sociedade, o papel dos historiadores e sua maneira de con -
ceber uma disciplina atravessada por fortes tensões. Em um primeiro
&
momento, em toda a Europa, a história se mobiliza a serviço da guerra,
assim como todo o mundo cientifico e intelectual, um processo hoje
bem conhecido.37 Na França, o sociólogo É mile Durkheim denuncia o
caráter “ mórbido” da mentalidade alemã e descobre nela uma “ patolo-
i
.

gia social” que deve constituir no futuro um tema de reflexão para os


I-
historiadores e sociólogos. O filósofo Henri Bergson defende a ideia de
I
que “ a luta engajada contra a Alemanha é a luta da civilização contra a
barbá rie”. O historiador Ernest Babelon, especialista em história antiga
i
I e professor do Collège de France, lhe segue os passos tentando mostrar
á
que o Reno constitui sua fronteira natural. E o geógrafo Paul Vidal de La
Blache busca provar “ cientificamente” o pertencimento de Sarre à Fran -
ce para apoiar as futuras reivindica ções sobre a margem esquerda do
rio.38 As coisas sã o comparáveis, do lado alem ão, à imagem do famoso
“ Manifesto dos 93 sábios” assinado por uma meia dúzia de historiado-
f
res, entre os quais Karl Lamprecht, um dos mais célebres da sua geração.
I Publicado em 1914, apoiando o governo alemã o e negando as acusações
de atrocidades, esse texto constitui um exemplo entre outros da guer-
ra que se dão os intelectuais dos países beligerantes quando solicitados
( Rassmussen , 2004:9- 23). Nos Estados Unidos, a situa çã o se complica
pelo fato de que o país entrou tardiamente na guerra e, antes de 1917,
f-
os historiadores se dividiam entre uma corrente favorável aos britâ nicos
x e aos franceses, e outra, menos importante, favorável aos alemães, com,
%
m

?
em segundo plano, a necessidade ou não de uma intervenção militar

y
1-
| 37
Ver Novick ( 1988:112 e ss ) e Olivier ( 1992:327 - 398 ).
38
Durkheim (1915:42 ) , Bergson ( 1914), Babelon (1917-1918), La Blache ( 1919:249
ï
267). Para uma análise geral, ver Beaupré (2012).
1
1
I
102 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

na Europa. Em 1917, a situação muda e, após terem condenado o na-


cionalismo de seus colegas franceses ou alemães, que tinha, segundo
eles, levado à guerra, os historiadores se arrependem explicitamente de
ter “ promovido insuficientemente o sentimento patriótico americano”
( Novick, 1988:117 ). Mais interessante ainda, no momento em que esse
engajamento se mostra perfeitamente contraditório com seu ideal de
objetividade e imparcialidade, os acadêmicos se empenham, por sua
vez, para mostrar o interesse de sua disciplina e o papel social que eles
podem desempenhar no conflito. Trata-se ent ão de atacar a imagem de
um historiador “ unicamente preocupado com as datas e os detalhes de
J
processos distantes, sem rela ção com as exigê ncias decisivas do tempo
presente” ( J. Franklin Jameson citado por Novick, 1988 ).

É assim que a configuração da Primeira Guerra Mundial, e sobretudo


seu componente nacional que colocará em primeiro plano durante e após
o conflito a questão das fronteiras, das línguas, dos povos e das etnias,
das migrações, temas esses que apelam à geografia e à história por ve-
zes mais recuada, conturbam a relação dos praticantes dessas disciplinas
em seu próprio tempo. Ao longo de todo o século XIX, os historiadores
foram convidados a destacar-se do presente, a se tornarem cr íveis pelo
afastamento do campo contemporâ neo, pelo menos em seus trabalhos
científicos, a desconfiarem das longas paixões, a se mostrarem parcimo-
niosos em seus engajamentos políticos, pelo menos na ligação possível
entre ciência e política, não sem alguma contradição: na ocasião do caso
Dreyfus, a “ neutralidade” do saber se choca com a necessidade de de-
fender os valores que fundam esse mesmo saber, obrigando, portanto, a
tomar partido. Com a guerra total e a mobilização geral dos corpos e dos
espíritos, esse universo muda. O engajamento se torna norma, a neutrali-
dade, impensável, a torre de marfim científica, uma quimera condenável.
O historiador deve ser “ útil” tanto como combatente quanto como perito,
colocando sua arte a serviço da pátria em guerra do mesmo modo que os
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 103

B
^^ B
B
outros, e mesmo um pouco mais que os outros, pois uma boa parte das
finalidades de guerra repousa em leituras antagonistas do passado.

^jV^
B
Por isso, é o tempo presente que comanda, tanto por causa das urgên -
cias da hora quanto porque a simultaneidade da experiência da guerra à

^ escala de todo o continente e através de todas as classes sociais dará uma


nova espessura e um novo significado à noção de “ história contempora -
in nea”. Assim como após a Revolução, a escrita de uma história do tempo
|B presente se acha diante das tendências ou das exigências expostas. Por
B ' um lado, há a necessidade de produzir narrativas sobre o conflito que
acaba de se encerrar. As opiniões nacionais esperam apreender o caráter
|aB incompreensível dessa guerra, sua violência tanto inaudita quanto iné-
B dita na história, e sobretudo indicar responsáveis e culpados. A história
B é mais uma vez convidada, no momento seguinte, a dar sentido, a ajudar
B a sair do traumatismo, a criar um tribunal da posteridade. O Tratado de
B Versalhes prevê, aliás, levar à justiça criminosos de guerra ou denuncia -
B dos como tais, o que conduzirá especialmente ao projeto, abortado, de
julgar o kaiser, e ao processo de Leipzig de 1921. Pela primeira vez, um
IB tribunal se vê assim investido da tarefa de produzir uma leitura norma-
B tizada da história do passado próximo, ainda que essa dimensão não
i B apareça ent ão em toda a sua originalidade, como será o caso após 1945.
B Por outro lado, há os obstáculos habituais: recuo insuficiente, paixões
B pelo menos t ão vivas quanto após 1789, e em uma escala mais vasta. Em
B que medida se pode escrever uma história nã o conflituosa da guerra,
produzir uma narrativa que possa gerar um consenso no momento em
B que se enfrentam, no campo político e intelectual, concepções radical -
B mente antagonistas do evento: visã o dos vencedores contra visão dos
vencidos, universalistas contra nacionalistas, pacifistas contra belicistas,
B narrativas heroicas contra narrativas cr íticas? A escrita de uma história
do tempo presente não corre somente o risco de ficar prisioneira das
B paixões da hora, ela também se torna uma das paixões mais vivas do
pós-guerra no plano nacional e internacional.
104 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

Contudo, se os estudos sobre o conflito se multiplicam logo após a


assinatura do armistício, eles continuam uma tradição nascida nas pre-
missas do conflito. A contar de 1911, a nova Doação Carnegie para a paz
internacional publicou regularmente uma quantidade de documentos
sobre as rela ções internacionais ou sobre os conflitos em curso. Desde
1914, os países beligerantes publicaram igualmente numerosas coleções

de documentos “ livro amarelo” francês, “ livro azul” britâ nico, “ livro
branco” alemão —
para justificar sua posição. Esses textos constituem
fontes importantes para a análise do conflito. Do mesmo modo, a maior
parte dos Estados- maiores se dotou de “ serviços históricos” ou reformou
estruturas por vezes muito antigas. Na França, o Dépôt de la Guerre
constituído no fim do século XVII para coletar os arquivos militares, re-
formado após a derrota de 1870 com a criação em especial de uma seção
histórica e de um serviço geográfico, é inteiramente refundado em 1919
com a criação de um serviço histórico do Exé rcito e um serviço histórico
da Marinha ( eles serão completados pela criação em 1934 de um serviço
histórico da Aeroná utica ). Seu objetivo é promover “ o estabelecimento,
segundo os mé todos cient íficos e cr íticos dos ensinos do passado” e em -
preender uma história dos exé rcitos franceses da Primeira Guerra.39 A
ideia de recolher no calor do acontecimento a experiência de um conflito
em curso ou recente não é, certamente, nova no mundo militar : desde
sempre, a estratégia se fundou em uma forma de análise histórica. Mas
ela se reveste agora de uma dimensão memorial com a homenagem ren -
dida aos combatentes e apela às técnicas historiográficas mais recentes.
Essa história do passado próximo se desenvolve assim no fogo da
ação, sem postulados epistemológicos nem programa bem definido. “A
precocidade é surpreendente”, escrevem Antoine Prost e Jay Winter, pois
“ tão logo ganha, a batalha de Marne se torna tema de história”, com uma

39
Ver Bourlet ( 2003:4-12 ) . Ver também Chablat - Beylot e Corail ( 2009:132-134 ) .
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 105

I
obra publicada desde 1915 ( Prost e Winter, 2004:16-17). No campo uni-
versitário, a suspeita parece ter sido parcialmente levantada, conquanto
a história contemporânea ainda não adquira um direito de cidade equi-
?; valente aos outros períodos historiográfkos. Como quer que seja, é toda
a disciplina histórica que é objeto de uma suspeita, como revelará mais
tarde o historiador francês, antigo soldado de infantaria, Jules Isaac:

Para o historiador, antigo combatente, nenhum dever mais urgente, mais


imperioso, que tomar nos bra ços a imponente, complacente história oficial
i que já se empregava para mascarar demasiadas verdades desencorajadoras;
nenhuma empresa mais necessá ria, mais salutar que pôr em plena luz as
realidades da guerra, e assim uma vitória ilusó ria, a precariedade da paz. A
!
questão deste debate n ão era o futuro? nacional, humano? 40

?
E conhece-se o célebre pronunciamento de Lucien Febvre, na oca-
sião de sua aula inaugural na universidade de Estrasburgo novamente
francesa, para a qual ele acaba de ser nomeado, que mostra, ele també m,
o quadro de uma disciplina moralmente em ruínas:

A história que serve é uma história serva. Professores da universidade


francesa de Estrasburgo não somos os missioná rios despreparados de um
evangelho nacional oficial, por mais belo, maior, mais bem intencionado
que possa parecer, n ão trazemos a Estrasburgo, nas pregas de nossas togas
doutorais, nem provisões de antídotos sabiamente combinados para des-
truir os últimos efeitos da farmacopeia histórico- providencial de nossos
predecessores, nem contraprova engenhosamente maquiada e travestida à
francesa desta verdade ornada de capacete e couraça, com os falsos ares de
Belona ou de Germ â nia, ú nica e verdadeira deusa do que era, ontem, um

40
Citado em Isaac ( 2004:302). A citação provém de um projeto não publicado de se -
gundo volume de suas Memórias ( Expériences de ma vie), publicadas em 1959.
106 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

templo oficial, do que é hoje um centro livre de pesquisas. A Verdade, n ão


a trazemos, cativa, em nossas bagagens. Nós a procuramos, a procuraremos
até o nosso último dia. [ Febvre, 1920:1-15]

A perda de credibilidade de uma disciplina recrutada para fazer


guerra e que desempenhou um papel importante na definiçã o dos obje-
tivos da guerra ou na construção do inimigo entre os principais belige-
rantes é, portanto, geral. Os historiadores mais ligados à objetividade e
à imparcialidade mostraram que podiam pôr sua arte a serviço das mais
negativas paixões do presente. Por isso, as objeções contra uma história
contemporâ nea pretensamente impossível, porquanto marcada demais
por questões vivazes, perdem uma grande parte da sua pertinência e
da sua atualidade. O passado encerrado sobre o qual a história erudita
devia lançar um olhar objetivo foi instrumentalizado até à sua caricatu -
ra, e é agora o passado mais próximo que é objeto de todas as aten ções
e precisa dos estudos rigorosos. Preconizar de novo uma necessá ria e
ortodoxa distâ ncia temporal já não faz sentido: pensa -se em esperar
meio século para publicar as primeiras histó rias confiáveis da guerra
que acaba de terminar ? Bem ao contrá rio, a necessidade de inventar
uma nova forma de distâ ncia epistemológica, uma nova maneira de fa -
zer história que rompa com o objetivismo se impõe em quase todo lugar
na historiografia dos anos 1920, com a criação em 1926, em Genebra, do
Comité Internacional das Ciê ncias Históricas ( Cish ), que procura dese-
nhar os contornos de uma comunidade transnacional de historiadores,
e responde aos desejos de Marc Bloch ou do historiador Henri Pirenne
de uma história comparada, fator de compreensão m ú tua entre os povos
( Schõttler, 2010:404-425).
Neste contexto, é um novo espaço marcado pela lembrança e pelo
efeito da catástrofe que se abre para a história do tempo presente. A mo-
bilização fez que os historiadores perdessem a ilusão da objetividade, e
a desmobilização os coloca diante de desafios inesperados. Assim, desde
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 107

o fim do conflito, na Europa e na América do Norte, os historiadores


publicam de maneira abundante sobre a “ Grande Guerra” Esta não en -
trou ainda no vocabulá rio como a “ Primeira Guerra Mundial” embora o
termo tenha sido utilizado pela primeira vez pelos alemães, que falam de
Weltkriegy como falam de Weltmacht ( potência mundial) ou, por motivos
diametralmente opostos, por Woodrow Wilson que vê a guerra com um
enfrentamento de valores universais muito além dos territórios envolvi-
dos, um dos argumentos invocados para engajar seu país no conflito (ver
Reynolds, 2003, citado por Postei- Vinay, 2007). As primeiras obras, de
caráter diplomático e militar, divergem sobre as causas e os responsáveis
pela guerra, tema obsédante. Para alguns, os impé rios centrais começa-
ram sozinhos o conflito, uma posiçã o que reflete em parte a posição ofi-
í cial francesa. Para outros, em especial para os “ revisionistas” americanos,
como Harry Elmer Barnes ou alguns intelectuais franceses pacifistas e
germanófilos, como Alfred Fabre-Luce, são os Estados da Entente que
têm a responsabilidade. Para um terceiro grupo, entre os quais historia-
I dores franceses como Jules Isaac ou Pierre Renouvin , a responsabilidade
i alemã é maior, mas não é unilateral. Juntam -se aqueles que negam vanta-
! gem a ambos os beligerantes ou os marxistas, para os quais a guerra não
I era senão a consequência previsível do imperialismo.41
I Portanto, a história do tempo presente permanece, ao que tudo in -
I dica, mobilizada após 1918. É exatamente nessa época que surge uma
! figura que haveria de gozar de certa fortuna: a do historiador perito.
\ À diferença do historiador a serviço do príncipe, o perito est á inserido
em um campo de saber e de poder, em que sua credibilidade científica
constitui seu principal trunfo. Ele já n ão é um letrado isolado, é um
erudito que evolui em uma disciplina estruturada, reconhecida e autô-
j
. noma, que coloca suas competê ncias, seu rigor e seu gosto pela verdade

41
Ver Becker ( 2008:108-110). Sobre Harry Elmer Barnes, ver Novick (1988:178-180).
Para um ponto de vista geralr Wilson ( 1996). Ver também Prost e Winter ( 2004:16 -29).
108 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

a serviço de uma causa política. À imagem da perícia psiquiátrica que


surgiu no século XIX, essa forma de solicitude contribui em geral para
acelerar a profissionalização de uma disciplina, para lhe dar um novo
horizonte, um novo perímetro, novas responsabilidades. Nesse sentido,
só podia haver “ peritos” no campo da história se houvesse previamente
ÍJ
uma profissão, por pouco que fosse, organizada e regulamentada por
í
, . procedimentos internos, movimento que ocorreu antes de 1914, tan-
to na Europa quanto na América do Norte. É preciso, em seguida, um
campo de ação em que as técnicas de investiga ção do passado pudessem
servir como ações políticas ou jur ídicas concretas e imediatas. Fora o
precedente limitado dos historiadores peritos durante o caso Dreyfus, o
fim da Primeira Guerra Mundial constituiu uma experiê ncia de grande
escala dessa nova função da história: após a propaganda a serviço da pá-
tria em guerra, muitos historiadores colaboram na redação dos tratados
e na definição das novas fronteiras europeias em 1918. Foi o caso, por
exemplo, do historiador britânico Robert William Seton - Watson, esla -
vista, amigo de Masaryk e de Benes, militante da causa tcheca e antigo
combatente, que defende a ideia de que o historiador deve desempenhar
um papel político na reconfiguraçã o da Europa central (Seton - Watson ,
1922). Foi o caso també m do historiador francês Ernest Denis, espe-
cialista em Boé mia e Alemanha, que ajuda na criaçã o do futuro Esta-
do tchecoslovaco, até tornar-se uma figura m ítica da narrativa nacio -
nal desse país ( Marès, Léger e Denis, 1995:63-82). Ernest Denis se faz
presente, aliás, no Comité de Estudos, criado em 1917 pelo presidente
do conselho, Aristide Briand, e encerrado efetivamente em 1919. Ele
re ú ne uns 30 acadê micos sob a direção de Ernest Lavisse e Paul Vidal
de La Blache a fim de ajudar o governo francês a definir os objetivos
de guerra e as pretensões territoriais da França. Apesar da redação de
umas 60 memórias, esse comité acabará tendo pouca influê ncia sobre
a redação definitiva dos tratados, chegando a causar confusão e mal-
-estar entre os eruditos requisitados, sobretudo entre os historiadores
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 109

I e geógrafos, que passam assim pela experiência de uma requisição por


K parte do poder que atrapalha suas práticas acadêmicas habituais, sem
I com isso obter resultados tangíveis ( Lowczyk, 2010 ). Woodrow Wilson,
I ele próprio historiador de ofício rejeitado por uma parte dos seus pares,
I també m mobilizou uma equipe de historiadores para assisti-lo durante
as negociações sobre os tratados de paz, uma novidade nas práticas go-
I vernamentais desse país, justificada pelo fato de que os Estados Unidos
I exercem pela primeira vez uma influência notável na condução dos ne-
I gócios dos outros países ( Nielson , 2011).
I O pós-guerra vê assim o nascimento de uma nova história do tempo
a I presente, sob o aguilhão das urgê ncias do momento, sobretudo diplomá -
! ticas. Na Fran ça, no rastro da Comissão de Inqué rito Senatorial sobre
I os fatos de guerra, cria -se uma Sociedade de História da Guerra, com
| o objetivo de constituir coleções documentais e publicar trabalhos que
K obedecessem aos critérios da pesquisa, em especial graças a uma nova
I revista: a Revue d’ Histoire de la Guerre Mondiale, lançada em 1923, e cuja
I publicação regular se estende até julho de 1939. Em 1922, a Sorbonne
I inicia uma disciplina dedicada ao conflito, cujo primeiro titular é o se-
i cretá rio dessa revista, Pierre Renouvin, um jovem historiador de 29 anos,
I antigo combatente com o braço esquerdo e o polegar da mão direita am -
! putados. Pierre Renouvin, cuja carreira nascente se situa no cruzamento
I de várias iniciativas, todas indo no sentido da escrita de uma história que
I estava se fazendo, também foi encarregado pelo ministro da Instrução
Pública, André Honnorat, de realizar uma vasta investigação graças aos
documentos dispon íveis sobre as causas do conflito, que resultará em
um livro fundamental: Les Origines immédiates de la guerre: 28 juin-4
août 1914, publicado em 1925. Esse livro, como os trabalhos seguintes de
ï Pierre Renouvin — que será nomeado professor na Sorbonne em 1931,

permanecendo aí até 1964 contribuirão para fundar uma nova histó-
ria das relações internacionais, resultante de uma evolução da história di-
i
plomática clássica, mais atenta às “ forças profundas” das sociedades em
110 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

contato umas com as outras, do que apenas ao comportamento das elites


políticas e diplomáticas.42 Essa nova história das relações internacionais
constituirá por certo tempo um dos ramos da historiografia do contem-
porâneo mais ou menos tolerado no interior da Universidade.

Sem d úvida mais significativo, além da produção erudita, a Primeira


Guerra Mundial e sua herança a médio prazo também fizeram surgir
novas práticas políticas e sociais do passado, novas não em sua essê ncia,
mas em seus usos e na extensã o do seu campo de aplicação. À mobiliza -
ção das massas em escala continental sucede a formação de uma memó-
ria coletiva da guerra que é estruturada por práticas de luto, comemora-
ções pú blicas nacionais ou locais e pela expressão de testemunhos que
també m assumem uma dimensão inédita e massiva, alcançando não
mais as elites, mas o mais profundo tecido das sociedades europeias.43 O
próprio conceito de “ memória coletiva” êm sua acepção sociológica, re-
descoberto e explorado nos anos 1980, foi forjado por Maurice Halbwa -
chs nos anos 1920-30, em um espaço de experiência dominado pela Pri-
meira Guerra Mundial e pelo horizonte de expectativa posterior, ainda
que o autor nunca evoque diretamente o conflito.44 Soldados ou oficiais,
experientes na escrita ou improvisados, ilustres letrados ou anónimos,
in ú meros são aqueles que contam a guerra por meio de sua experiên -
cia pessoal, dando uma dimensão fortemente subjetiva a essa história
próxima, que assume a forma de uma memória viva, pelo menos até a
eclosão da Segunda Guerra Mundial. Esse fenômeno inédito por sua di-

42
Sobre Pierre Renouvin, ver os artigos que lhe dedicaram seus herdeiros: Jean - Baptiste
Duroselle, na Encyclopaedia universalis, e Ren é Girault (1998:7-9). Ver também Dela-
croix, Dosse e Garcia ( 2007:358 e ss) e Noiriel ( 1998:56 e ss).
43
Existe sobre esse tema uma literatura considerável. Ver prioritariamente Fussel ( 1975),
Mosse ( 1999 ), Winter (1995).
44
Os Cadres sociaux de la mémoire foram publicados pela primeira vez em 1925. Ver a
recente edição, assim como reedição da M émoire collective chez Albin Michel ( 1994 e
1997) por G érard Namer. Ver também a biografia de Becker ( 2003) .
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 111

versidade, por sua amplitude e por seu impacto faz surgir novas figuras
sociais chamadas a durar, ou que pelo menos reaparecerão regularmen -
te ao longo de todo o século. É o caso, por exemplo, da “ testemunha
moral”, o sobrevivente que fala em nome de seus camaradas mortos, e
mantém uma forma de relação com o passado, marcada pela obrigação
da lembrança, e fala em primeira pessoa, com a ideia de que aqueles que
não viveram a experiê ncia do combate não podem compreender o sen -
tido da guerra que acaba de terminar, mas ele é também um “ nós” que
fala em nome de um coletivo, o qual engloba os mortos e os vivos, ou
antes os sobreviventes. Em alguns casos, esta testemunha privilegiada
se tornará um rival do historiador — pelo menos do historiador “ que
não esteve lá”, que não viveu diretamente, aqui o trauma das trincheiras,
mais tarde o da deportaçã o. Essa testemunha de um novo gê nero afirma
com veemê ncia a autenticidade do primado da experiê ncia vivida. O
exemplo mais conhecido, o mais discutido e o mais emblemático é o de
Jean Norton Cru. Alistado voluntariamente em agosto de 1914, tendo
conhecido o fronte durante dois anos, sobretudo em Verdun , ele publi-
ca em 1929 uma obra de sucesso intitulada Témoins, na qual recenseia
e critica os testemunhos publicados sobre a guerra na década anterior,
visando especialmente grandes nomes, como Henri Barbusse ou Ro -
land Dorgelès. Em busca dos erros materiais, das inverossimilhanças,
das fanfarronices, atormentado pela revelação de uma verdade histórica
una e indivisível, ele se erige como verdadeiro juiz da boa maneira de
testemunhar a guerra, não sem algum excesso cientificista e certo po-

pulismo anti-intelectual ainda que ele próprio ensine literatura em
um college de Massachusetts. Sua obra constitui um momento impor -
tante no surgimento de uma verdadeira ideologia do testemunho, na
qual o autor defende uma posição fadada a perdurar: a primeira escrita
no calor de uma cat ástrofe como a Primeira Guerra Mundial pertence
quase exclusivamente aos testemunhos que viveram os fatos entre lama
e cadáveres; somente essa experiência direta, carnal, pode dar conta dos
112 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

fatos antes de todo conhecimento mediado, do qual ele não recusa o


princípio, mas a aplica ção no imediato. Norton Cru retoma assim expli-
citamente por sua conta as objeções da escola metódica contra a história
contemporânea, em especial contra a necessidade de um recuo, uma po -
sição a meu ver completamente significativa: “Aqueles que antecipam ao
escrever desde agora histórias se condenam a fazer algo provisório, e de
um provisório de muito curta duração. Eles desperdiçam o seu tempo e
o seu saber” 45 Sendo a história rigorosa da guerra impossível de fazer no
calor do acontecimento, devem prevalecer apenas os escritos autê nticos
e sinceros das verdadeiras testemunhas que constituirã o outras fontes
para os historiadores... de amanhã. Diante desse positivismo que a guer-
ra tornou em grande medida obsoleto, Jules Isaac replicará:

Afirmação conforme à opinião corrente, geralmente não discutida, mas que


n ão parece indiscut ível. Desconfio um pouco, por minha vez, deste “ recuo
necessá rio ao historiador”. Ele é talvez necessá rio na prá tica ( por causa dos
materiais que o historiador deve acumular ). Na teoria, pergunto- me se os
inconvenientes do recuo n ão sobrelevam sobre as vantagens. Quanto mais
o recuo se acentua, mais o evento é visto “ de fora” : percebe -se - lhe talvez
melhor as grandes linhas superficiais, mas perfura -se mais dificilmente a
crosta de lenda de que se recobriu e em que se transformou . Para conhecer
o evento em toda a sua realidade, para perceber a sua verdadeira substâ ncia,
é preciso, como dizia Péguy, tê - lo visto de dentro, sobretudo quando se trata
de um evento t ão complexo e conturbador como a guerra. “ Apenas a guerra
fala bem sobre a guerra” é um axioma válido também para o historiador.
[...] A história não conhece obra prima que iguale A guerra do Peloponeso.
Ora, é a obra n ão de um historiador que esperou ter “ o recuo necessá rio”,

45
Cru (1929, 1931:26), citado por Rousseau (2003:68). A obra, bem documentada,
adota, contudo, uma posição marcada paradoxalmente por devoção em relação a um
personagem considerado um dos inventores da “ hipercr ítica”, e uma manifestação da
ideologia do testemunho sempre vivaz na historiografia contemporânea.
;
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 113

mas da testemunha que tinha o sentido e o gênio histórico no mais algo


í grau. Concluo, portanto, que é melhor não erguer divisórias estanques en -
tre testemunhas e historiadores e que, para se colocar no trabalho histórico
propriamente dito, n ão é preciso esperar “ o recuo necessário”.46

É surpreendente constatar que a Primeira Guerra Mundial fez surgir


ou ressurgir no espaço público tanto a figura do historiador do tempo
B presente, chamado pelas circunstâ ncias a dar sentido à catástrofe ocor-
B rida, quanto a da testemunha, que procura por outras vias e outras bases
B as palavras para dizê-la. O seu companheirismo, a sua rivalidade e a sua
B oposição constituirão ao longo de todo o século XX um elemento cert -
s '

trai da escrita da história trágica do tempo presente.


B Em todo lugar, pelo menos nos territórios atingidos pela guerra, a
B —
história da última catástrofe em data que é també m a primeira do gê-
B —
nero ocupa um lugar considerável no campo social: ela é onipresente
B pelos vest ígios visíveis do conflito, pelas feridas de guerra, pelos escritos
B que se exprimem na literatura, na imprensa, nas edições populares, no
B cinema, nos debates políticos. É uma verdadeira “ história p ública” que
B surge de maneira frequentemente espont â nea, à imagem da nova Biblio -
B teca- Museu da Guerra na França (BMG ), fundada em 1918 e dirigida
B ent ão por Camille Bloch, com Pierre Renouvin à frente do departamen -
B to de documentação. Essa instituição teve origem em uma coleção ú nica
B em seu gê nero, de um casal de industriais parisienses, Louise e Henri
B Leblanc, que empreenderam reunir desde 1914 dezenas de milhares de
B documentos de toda natureza sobre a guerra: livros, jornais, arquivos,
B pinturas, cartazes, fotos, brinquedos e outros pequenos objetos que dão
B testemunho da cultura patriótica e do engajamento de todo um país no
B conflito. Durando a guerra mais do que o previsto, eles fazem doção

Em uma discussão sobre o livro publicado no Bulletin de VUnion pour la Vérité, fev./
46

mar. 1931. Rousseau ( 2013:68-69).


114 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

do acervo ao Estado em 1917, que cria um verdadeiro “ laboratório de


história” aberto ao grande pú blico.47 Essa instituição oferece uma dupla
originalidade: ela nasce no cora ção mesmo do evento e vem primeira -
mente da sociedade civil. Não é um lugar de memória voltado para a
celebração do passado, mas um lugar que vislumbra o horizonte de uma
memória por vir, que se dever á precisamente constituir : é um exemplo
bastante ú nico de uma percepçã o do presente, de uma forma de con -
temporaneidade vivida como efémera e da qual se trata precisamente de
guardar o maior n ú mero de vest ígios. A Segunda Guerra Mundial dará
muitos exemplos de lugares de mem ória para o futuro , constitu ídos no
coração mesmo do evento.
Esta “ hist ória p ú blica”, esta necessidade geral de apreender o presen -
te em todos os sentidos do termo participam plenamente de uma nova
“ consciê ncia histórica” popular que constitui um fato cultural impor-
tante e um elemento essencial na evolu çã o da historicidade contempo-
rânea. Ela contribui, por um lado, a dar um caráter homogéneo às socie-
dades que saem do conflito, pois ela exprime uma contemporaneidade
compreendida sob a forma de uma simultaneidade das experiências vi-
vidas, a começar pela experiência combativa de dezenas de milhões de
homens na Europa e também de outros lugares do mundo, por meio
das tropas vindas das colónias. Mas ela desenvolve també m uma for-
ma dessincronizada de contemporaneidade em razão das defasagens e
descontinuidades entre experiê ncias e percepções do tempo totalmente
diferentes segundo se observem os antigos combatentes ou os civis, a
gera ção do fogo ou as que vêm depois, os vencedores que vivem uma es-
pécie de “ fim da história” (independências nacionais, retorno de provín -
cias perdidas ), ou os vencidos para quem a história não terminou e que
se projetam em um futuro mais ou menos próximo, tendo como nome

47
É a atual Biblioteca de Documentação Internacional Contemporânea ( BDIC ), situa -
da no campus da universidade Paris-Ouest Nanterre-La Défense, ligada ao Museu de
História Contemporânea, situado nos Invalides. Ver Becker ( 2010:5-6).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 11ò

m a revanche. Domina um sentimento comum e massivo de terem vivido


i uma ruptura significativa na história, ao mesmo tempo que a consciên -
I cia tão aguda de que esses eventos não têm por isso menos significados
I profundamente antagonistas, que ser á difícil conciliar sem uma possível
[ nova catástrofe. Tanto a Revolução tinha gerado, apesar dos conflitos e
f das resistências, uma memória “ positiva”, que se encarnou na invenção
[ de novas tradições políticas que reclamaram para si com orgulho esse
I passado e integraram pouco a pouco seus mais ferozes adversários (a
I começar pela Igreja Católica ), quanto a Primeira Guerra Mundial deu
| nascimento às primeiras formas de memória “ negativa” que repousam
I na perpetuação do luto e na ameaça de uma repetição do passado. Ain -
l da que esse sentimento tenha podido ser atenuado pela esperança —
í —
rapidamente decepcionada suscitada pela Revolução bolchevique, o
r medo de um retorno à violência da guerra, o “ nunca mais isso!” dos
[ antigos combatentes, ocupa um grande espaço nas sociedades do pós-
I -guerra. Essa palavra de ordem não conhece fronteiras e inaugura uma
[ forma particular de relaçã o entre o presente e o passado. O passado pró -
ximo se vê rejeitado como lembran ça de assombro ao mesmo tempo
que atormenta as consciê ncias em uma escala até entã o inédita. Não
— —
passa, não passa mais é o aspecto traumá tico , não deve passar é —

a sua tradu çã o moral e política pois a sua lembran ça, dominada ou
não, serve doravante de alerta, de “ advertê ncia” a uma possível recidiva,
à imagem do Anjo da História de Walter Benjamin:

Há um quadro de Klee que se intitula Angelas Novus. Representa um anjo


que parece estar afastando-se de algo ao qual o seu olhar permanece fixado.
Seus olhos estão esbugalhados, sua boca aberta, suas asas estendidas. Tal é
o aspecto que deve ter necessariamente o Anjo da História. Ele tem o rosto
voltado para o passado. Onde se apresenta a nós uma cadeia de aconteci-
mentos, ele n ão vê sen ão uma só e ú nica catástrofe, que n ão cessa de amon -
toar ruínas sobre ruínas e as lança a seus pés. Ele desejaria demorar-se,
116 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

despertar os mortos e ajuntar o que foi quebrado. Mas do paraíso sopra uma
tempestade que se apoderou das suas asas, t ão forte que o anjo n ão pode
mais fech á - las. Esta tempestade o arrasta irreversivelmente para o futuro
ao qual ele volta as costas, enquanto até o cé u diante dele se acumulam as
ru í nas. Esta tempestade é o que n ós chamamos de progresso.48

Essa citação é uma das mais conhecidas e das mais comentadas das
Teses sobre história, redigidas em 1940 ( e que não eram destinadas à
publica ção ) quando a cat ástrofe seguinte efetivamente aconteceu. Cer-
tamente, para Benjamin, a sobredita catástrofe n ã o é a guerra, mas certa
concepção do Progresso, produzida sobretudo por uma socialdemocra-
cia para a qual ele n ão tem palavras suficientemente duras. Mas nessas
frases, se se fizer delas uma leitura outra que não política, Benjamin
exprime em algumas palavras de uma densidade profé tica essa mudan -
ça de historicidade das últimas d écadas transcorridas: a história como
olhar sobre a cat ástrofe, como d ívida para com os mortos, as vítimas,
os vencidos, a história como aprendizagem de uma alteridade radical
que deve, contudo, tecer de novo os la ços entre o tempo que corre e o
tempo das ru í nas, sem perder de vista nessa acelera ção a necessidade de
compreender, ainda que tal nã o seja a preocupaçã o principal de Benja -
min. “ Permanece, para o historiador de ofício, aquém deste horizonte
de fuga, a inquié tante estranheza da história, a interminável competi-
ção entre o desejo de fidelidade da mem ória e a busca da verdade em
histó ria”, escreverá mais tarde Paul Ricoeur acerca desse texto ( Ricoeur,
2000:649-650 ).

e
.

Segui aqui o texto de Lõwy ( 2001:71).


A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 117

Saída de guerra e contemporaneidade

A muitos respeitos, a Primeira Guerra Mundial tornou de certo modo


caduca a cisão entre o passado e o presente, legado cultural da Revo-
lução que a historiografia metódica tinha retomado por conta própria
em nome de uma necessária distinção, senão separação, entre ciência
e política, entre observaçã o e engajamento. As lembran ças da história
mais próxima invadiram o campo social e político, um fato de sociedade
que os historiadores de ofício não podem ignorar. A evolução dos pa-
radigmas culturais e cient íficos ( entre os quais a teoria da relatividade)
torna caducas as visões lineares do tempo sobre as quais repousava esta
cisã o, que també m n ão era sen ã o uma ficção científica de que os seus
promotores estavam em grande medida conscientes. O desenvolvimen -
to de uma história mais conceituai fundada na import ância de quadros
prévios de referê ncia , de uma “ problem á tica” e de um questionamento
próprio ao historiador dá por definiçã o mais espaço à contemporanei-
dade, no sentido de Benedetto Croce, uma vez que o ator historiador
tanto quanto seu contexto de elaboraçã o se tornam elementos essenciais
para compreender o passado mais distante. A subjetividade, ou antes a
postura subjetiva, outrora heré tica, se dissemina entre os historiadores
do pós- guerra na Europa e nos Estados Unidos:

O historiador pode liberar- se de algumas dificuldades supé rfluas levanta -


das pela fó rmula de Ranke, [ o passado ] tai como realmente aconteceu, que
permanece a vá rios respeitos útil. Mas essa célebre forma conté m cono-
tações metafísicas das quais faríamos bem em nos livrarmos. Tal como é
interpretada por numerosos historiadores da velha geração, ela implica que
um historiador podia de certa maneira ter acesso a uma realidade que se
.

achava totalmente fora do seu pensamento que “ o que aconteceu real -
mente” era em si mesmo um fato à espera de ser descoberto. Nós podemos
agora admitir que o passado nesse sentido está para sempre perdido para
118 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

nós; que o historiador deve colocar seus fatos em relação com um mode -
lo, um esquema conceituai de que ele pode lançar mão unicamente se se
verifica útil; que ele constitui, do mesmo modo que o esquema conceituai
utilizado pelo físico para o elétron, um meio prático para dar conta de fatos
conhecidos e conduzir à descoberta de fatos até ent ão desconhecidos. O
historiador pode livrar-se do demónio absolutista que a fórmula “ tal como
realmente aconteceu” implica e aceitar todas as vantagens de uma posição
francamente relativista.49

O declínio — —
relativo e provisório do paradigma da objetividade
entre os historiadores de ofício e o liame crescente —
mas que perma-
nece marcado por uma desconfian ça recíproca —
com as outras ciên -
cias sociais implicam uma maior atenção ao contemporâ neo e incitam a
vislumbrar de maneira mais dialética a relação entre o passado e o pre-
sente. Na ocasião de uma célebre conferência proferida na Universida-
de de Londres, no dia 13 de dezembro de 1928, o historiador brit ânico
Robert William Seton - Watson, que participou da Conferê ncia da Paz,
pronuncia uma vibrante “ apologia do estudo da história contemporânea”
(Seton - Watson , 1929:1- 18 ). Trata -se de um texto essencial para compre-
ender como essa forma de história sai do seu purgatório após a Primeira
Guerra. Frequentemente citado na historiografia anglófona, ele é quase
desconhecido da historiografia francesa, talvez porque, na época, esta

última não retivesse senão o alvorecer dos Annales cujo primeiro n ú -
mero é publicado em janeiro de 1929 — que acabou por eclipsar todas
as outras inovações ou antecipações similares nascidas fora da França.
Seton - Watson denuncia neste artigo a incongruência de um campo
abandonado no momento em que a disciplina, em seu conjunto, teve um
desenvolvimento sem precedentes nas últimas três décadas:

49
Brinton ( 1939:153), citado por Novick ( 1988:141) . Brinton é um historiador ameri -
cano conhecido por seus trabalhos sobre a Revolução Francesa.
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 119

Não estou atacando os outros ramos da história — seja a antiga, a medieval


ou a moderna. Proponho antes, em nome da sua mais jovem irmã, que aca -
ba de atingir a maioridade, um pleito por um reconhecimento e uma igual -
dade de tratamento. Com efeito, sugiro que nós todos, sejamos estudantes,
professores ou homens de ação, não deveríamos em nossas pesquisas, nos-
sas preocupações ou nossas reivindicações sobre o interesse de nossos alu -
nos parar exatamente no momento em que os estudos históricos adquirem
o seu maior valor prático, a saber, no limiar de nossa época. [Seton -Watson,
1929:2 ]

Ele prediz um crescimento em um futuro próximo e desfaz sem


muita dificuldade as objeções levantadas contra a história contempo -
rânea. Esta corre o risco de rapidamente se tornar obsoleta ? É a sorte
de toda proposição historiográfica, tanto mais que cada época revisa
o conjunto da história escrita antes dela, e não somente sua parte mais
recente. Ela é demasiadamente dependente das fontes contemporâneas
e da sua escassez, haja vista os atrasos necessá rios ao acesso aos arqui-
vos? É a natureza mesma do trabalho do historiador repousar, mesmo
muito tempo após, nas referidas fontes, com um olhar diferente. Quanto
ao risco da pen ú ria dos arquivos, é absurdo, uma vez que é o risco in -
verso, a superabundâ ncia, com a qual o historiador dever á lidar. Mais
importante ainda, a natureza mesma da Primeira Guerra, a publicação
de in ú meros documentos diplomáticos ou de memórias de políticos e
a brecha parcialmente aberta no princípio tradicional do segredo que
protege a ação dos Estados fazem com que nenhuma crise comparável
em toda a história da humanidade tenha disposto t ã o rapidamente de
tantas fontes essenciais para escrever a história de um acontecimento do
tempo presente.

É certamente supé rfluo insistir no fato de que o processo geral brevemente


descrito aqui tenha recebido um impulso gigantesco da Primeira Guerra e
1'

120 A Ú LTIMA CATÁ STROFE !

da série de revoluções nas quais culminou. Joseph de Maistre, escrevendo a


um amigo no momento mais tenso da Revolução Francesa, defendia que “ o
projeto de colocar o lago de Genebra em garrafas é claramente menos louco
que o de restabelecer as coisas precisamente no mesmo pé em que estavam
antes da Revolu ção” ; e pode -se afirmar que a Primeira Guerra teve o mes-
mo efeito revolucion á rio sobre os estudos históricos, e, em especial, sobre o
estudo da história contemporâ nea.50
|

Quanto à quest ão da objetividade e de saber se é preciso abjurar


toda posição política ou toda crença religiosa para escrever a história,
contemporâ nea ou não, Seton -Watson , partid á rio ativo da causa tcheca,
pergunta-se se não é melhor “ encher nossas veias de leite em vez de san -
gue” e renunciar assim à nossa condição humana. Ele chega a advogar
um engajamento mais pronunciado dos historiadores do tempo presen -
te nas urgências do pós-guerra:

Um estudo aprofundado da histó ria recente é um corolá rio essencial do


novo movimento internacional em favor da paz que gravita em torno da
Sociedade das Na ções, e de que deve depender t ã o amplamente a possibi -
lidade de evitar novas conturbações. Não sou t ão est ú pido para advogar tal
ou qual campanha em favor do pacifismo ou do desarmamento; mas é uma
evidê ncia em si mesma que eles tê m um papel muito particular para desem -
penhar na promoção deste estudo cient ífico do tempo presente [ recent ti -
mes], que é um dos fundamentos essenciais sobre os quais um novo mundo
e uma nova mentalidade devem ser construídos. [Seton -Watson , 1929:17] í

Por outro lado, em nenhum momento nesse artigo, n ão mais que


nos textos similares que defendem ent ão a pr ática cient ífica de uma

50
Seton -Watson ( 1929:9). A citação de Joseph de Maistre vem de uma correspondência
endereçada ao barão Vignet des Étoles, em dezembro de 1793.
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 121

história contempor â nea, é avançada de maneira explícita a ideia de


uma singularidade desse per íodo historiográfico. Muito ao contr á rio,
I
essas apologias insistem no fato de que esta história é “ como as outras”,
o que não tem nada de espantosa uma vez que se trata precisamente de
promover uma opera ção de integraçã o após um per íodo de exclusão,
e, portanto, de mostrar a que ponto esta hist ória é idê ntica em seus
métodos e seus paradigmas aos outros ramos mais “ nobres” da his -
| toriografia. Não é senão muito mais tarde, uma vez reconhecida essa
historiografia e depois de ter conquistado uma forma de hegemonia
tanto no campo universit á rio quanto no grande p ú blico, que a quest ão
se colocar á, não por preocupa ção de distinção, mas porque, chegada
à idade da maturidade, a hist ória ter á que afinar os seus pressupostos
epistemológicos.
Alé m do desenvolvimento necessá rio de uma história contemporâ -
nea para a qual se pede reconhecimento e legitimidade, é precisamente
o lugar respectivo do passado e do presente que muda no olhar historio-
gráfico, ele també m reflexo de uma evolução cultural profunda. Seton -
- Watson percebe esse fato de maneira intuitiva no fim da sua fala:

Afirmo que estudar de perto ( com a contribuição, se possível, de conheci -


dos pessoais) os líderes políticos, intelectuais e industriais de hoje é um dos
meios mais eficazes de testar teorias derivadas de estudos documentados
sobre a era de Metternich e de Francisco José, de Kossuth e de [ Ferenc ]
Deá k. Não advogo, por certo, esta desastrosa heresia que consiste em julgar
o presente pelo passado ou o passado pelo presente. Sugiro somente que o
método que consiste em comparar constantemente os dois, em se reportar
frequentemente, mas com vigilância de um ao outro, é capaz de tornar agu -
dos e humanizar os julgamentos que o historiador faz sobre os homens e o
mundo. É um dos aspectos muito práticos do método comparativo, que, a
meu ver, é um dos mais proveitosos de todos os métodos históricos, quando
mantido em justos limites. [Seton -Watson, 1929:13]
122 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

Esse apelo a considerar de outro modo a relação entre o passado e o I


presente, não mais pelo modo da cisã o, mas por aquele da comparação e ) I
da dialética, deriva em toda lógica da defesa de uma inteira inclusão da I
história contemporânea nos estudos históricos. Por isso que se defende I
uma reunifica çã o da disciplina histórica, não importa o período, já não I
tendo a separação entre passado encerrado e história próxima que se I
est á fazendo, por definição, nenhuma pertinência: é quase uma tautolo- i
gia. Ainda que se trate aqui de uma simples intuição, ela é notável pelo I
fato de antecipar um dos paradigmas mais importantes na ala dos An- I
nales, a saber, a necessidade de redefinir no trabalho dos historiadores e I
das ciê ncias sociais em geral o laço entre o passado e o presente. Ela não I
o faz partindo da ideia de que é preciso repensar todo o método históri- I
co, mas pedindo mais modestamente que a história contemporâ nea seja !
levada a sé rio em virtude desse mesmo método. S
I
No mesmo momento, processo muito mais conhecido, analisado e ï
incansavelmente autocelebrado, o projeto dos Annales tenciona refun - t
dar todas as bases da historiografia. Ele concede de saída um grande ï
'

espaço ao “ presente” e condena a separação artificial do passado. An -


dré Burguiè re ( 2006 ) identifica durante o per íodo de fundação dos anos f

1930 uma forma de “ presentismo” no meio que se agrega em torno da í


revista. O termo designa inicialmente uma postura cient ífica que con - |
cede ao ponto de vista do historiador e à construção de seu objeto um f

lugar determinante, o que resulta, por definição, em colocar o presente,


o tempo do próprio historiador, como primeiro na escrita da história.
Esse primado do presente do observador sobre o passado do objeto es-
tudado é também ilustrado no estabelecimento do método dito “ regres-
sivo”, o qual parte de uma quest ão enraizada no presente para remontar
no tempo, à imagem da investigação de Henri Hauser (1930:384-385)
h
sobre “ o problema histórico dos preços”, requisitada em fevereiro de
1929 e lançada em 1930, no in ício da Grande Depressão. Essa preocu -
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 123

I pação com o presente se traduz també m por uma maior atenção à his -
I tória contemporânea e à atualidade. Entre 1929 e 1945, a revista dedica
I 16,4% do n ú mero total das suas páginas à história do século XIX e do
I século XX, e 21,7% a temas que entram na atualidade ou no passado
próximo, ou seja, mais de um terço do total para a história dita “ con -
I temporânea” no sentido institucional do termo, que inclui in ú meros
i artigos vindos de outras disciplinas como a sociologia ou a economia.
I No mesmo per íodo, a Revue Historique e a Revue d’ Histoire Moderne
I et Contemporaine, lugar de uma maior ortodoxia disciplinar, dedicam
I respectivamente 23,7% e 57,9% do seu volume aos séculos XIX e XX
I — o que é já not ável e mostra que a história contemporâ nea saiu do
I, —
purgatório , mas quase nada à histó ria muito recente ou à atualidade
! ( Wesseling, 1979). Contudo, essa evolução deve tanto ao clima científico
S dos Annales e ao desenvolvimento do contexto geral da época quanto à
I personalidade dos seus fundadores, Lucien Febvre e Marc Bloch. Este
ï último, aliás, foi apresentado frequentemente como um “ historiador do
t tempo presente”.51 Não somente o medievalista que ele é assumiu o risco
'

de escrever muitas vezes sobre o seu próprio tempo, mas també m for-
malizou sob a Ocupação a ideia que ele tem das relações que um histo-
riador da sua época deve ter com o passado e o presente. A maior parte
í dos textos de Marc Bloch sobre a história próxima, seja científicos, polí-
| ticos ou autobiográficos, versa em suma sobre as duas guerras mundiais,
seja sobre os rumores, sobre a fotografia ou suas próprias Lembranças
durante a Primeira Guerra, seja ainda seu texto mais célebre, A estranha
derrotay escrito após a derrota de 1940, antes de se engajar na Resistên -
cia, na qual perderá a vida. A experiência da guerra foi, portanto, uma
experiê ncia decisiva na sua maneira de pensar o ofício de historiador.52

51
Raulff (1997). Ver também a biografia que ele lhe dedicou: Raulíf ( 2005).
52
Ver os pontos de vista convergentes de Schõttler ( 2010) , Becker ( 2006:XIII ) e Bur-
guière ( 2006:41).
124 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

A contribuição de Marc Bloch é evidentemente decisiva no surgimento


de uma nova percepção da contemporaneidade. Embora não seja o primei- ^^
ro a fazê-lo, ele formaliza o lugar que passado e presente devem ter no tra -
balho do historiador. Em sua Apologia da história, ele desenvolve uma ideia ^^
cuja pertinência permanece hoje intacta: é preciso tanto “ compreender o
presente pelo passado” quanto “ compreender o passado pelo presente”.53 H^
A compreensão do presente pelo passado parece reatar com a longuíssima
tradição da historiografia ocidental de uma história mestra da vida, se é
eB
que essa tradição alguma vez de fato se perdeu. Ela luta na verdade contra H
a ilusão modernista da sua época e das décadas anteriores, que faria do B
contemporâneo um tempo fora do tempo, donde sua exclusão por parte da
escola metódica, com o resultado de que o estudo do presente se tornou o
apanágio, para não dizer a exclusividade, das outras ciências sociais:

No vasto transcorrer dos tempos, acredita - se poder colocar de parte uma


fase de pequena extensã o. Relativamente pouco distante de n ós, em seu
ponto de partida, ela abarca, no seu acabamento, os dias em que vivemos.
Nela, nada, nem as características mais marcantes do estado social ou polí -
tico, nem o seu aparelhamento material, nem a tonalidade geral da civiliza -
ção apresentam, parece, diferenças profundas com o mundo em que temos
nossos h ábitos. Ela parece, em uma palavra , afetada, em rela ção a n ós, por
um coeficiente muito forte de “ contemporaneidade”. Donde a honra, ou o
laivo, de n ão ser confundida com o resto do passado. [ Bloch, 1997:58- 59]

53
Trata -se dos t ítulos respectivos dos parágrafos VI e VII do primeiro capítulo da Apolo -
gie pour l’ histoire ou M étier d’ historien, manuscrito inacabado escrito essencialmente
em 1942, publicado postumamente uma primeira vez em 1949, depois reeditado vá rias
vezes, especialmente em um Cahier des Annales, 3, Paris, Librairie Armand Colin, 1952,
e, muito recentemente, pela Gallimard: Bloch ( 2006) . As expressões: “ compreender o
presente pelo passado” e “ compreender o passado pelo presente” são dos subtítulos
acrescentados por Lucien Febvre, que resumem bem a tese do autor. Por conselhos de I
Peter Schõttler, um dos melhores conhecedores da obra de Marc Bloch , utilizei aqui a I
ï
versão publicada em 1997, por Armand Colin, anotada por Etienne Bloch e prefaciada ?
?
por Le Goff, mais próxima, parece, das notas manuscritas originais. î
&
?

A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 12b

B
^^B
B
Marc Bloch critica aqui uma concepçã o puramente “ biológica” da
contemporaneidade que dependeria de um simples grau de proximida-

^^ B
B
de temporal entre os indivíduos e as gerações. É a consequência da sua
recusa da objetividade: por um lado, o tempo de hoje não é, em grande

H^ medida, senão um momento efémero de uma evolução mais longa; por


outro, o tempo vivido ou o tempo percebido são extremamente impor-
es
B|
tantes, se não mais que o tempo dito “ real”. A abordagem histórica da
contemporaneidade pode achar -se, por isso mesmo, mais á rdua, pois
H faz entrar outros elementos que permitem identificar proximidades en -
B tre o passado e o presente diferentes do fato de viver no mesmo tempo,
mas nada justifica por isso a sua separação:

“ Desde 1830, j á n ão se trata de histó ria, dizia - nos um de nossos professores


do ensino m édio, que era muito velho quando eu era muito novo, trata -se
de política.” J á n ão se diria hoje: “ desde 1830” —
os Três Gloriosos, por
sua vez, ficaram velhos — nem “ se trata de política”. Antes, com um tom
respeitoso: “ trata - se de sociologia” ; ou, com menos consideração: “ trata -se
de jornalismo”. Muitos, contudo, repetiriam de bom grado: desde 1914 ou
1940, já n ão se trata de histó ria. Sem , aliás, ter muita certeza sobre os mo-
tivos desse ostracismo.

Alguns, estimando que os fatos mais vizinhos de nós são, por isso mes-
mo, rebeldes a todo estudo verdadeiramente sereno, desejam simplesmente
poupar a casta Clio de contatos demasiadamente ardentes. Assim pensava,
imagino, o meu velho mestre. É, seguramente, atribuir- nos um fraco dom í-
nio de nossos nervos. É també m esquecer que, desde que as resson âncias
sentimentais entram em jogo, o limite entre o atual e o inatual está longe
de se regular necessariamente pela medida matem ática de um intervalo de
I tempo. [ Bloch, 1997]
I
ï
? •

?
î
&
?..

126 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

A suspeita de que os contemporanistas ( termo de uso muito recente)


fazem, na melhor das hipóteses, “ ciência política” e, na pior, “ jornalismo”,
estava ainda em voga há umas três décadas: a resistência à história do
tempo presente perdurou por muito tempo. Contudo, Marc Bloch expli-
cita bem — é a novidade da tese. Ele mostra como o conhecimento do
seu tempo oferece ao historiador recursos essenciais para compreender o I
passado. Essa ideia repousa inicialmente na observação das continuida-
des, das permanências de certas estruturas materiais (por exemplo, o de- i!
senho dos campos ) ou culturais ( as modalidades da herança ) que, obser-
vadas em seu estado presente, permitem apreender o que elas puderam
ser no passado. A despeito das oposições, ele não está muito afastado da
lógica dos vestígios defendida pela escola metódica. Essa ideia se apoia
em seguida na hipótese de que grandes traumatismos históricos ( a Re- q
forma ) podem continuar a agir por seus efeitos em uma longa duração,
por vezes mais extensamente que os traumatismos mais próximos no
tempo ( talvez ele faça alusão ao nazismo ). A sua observação no presente
permite, aqui também, ter acesso a certa inteligibilidade do passado. A
tese se apoia, enfim, na constatação de que a experiê ncia direta do his-
toriador pode permitir-lhe compreender por analogia, ou porque existe
uma permanê ncia antropológica dos gestos do passado pela observa ção
dos seus pró prios gestos do presente. Este último registro é pouco expli-
citado na Apologia, mas transparece em sua obra posterior à Primeira
Guerra: Marc Bloch poderia sem dúvida nenhuma ter sido, desse ponto
de vista, um grandíssimo historiador de duas grandes guerras mundiais,
não somente por seu talento científico, mas por sua experiência direta,
em campo, da ação de combatente e depois de resistente, o que foi a ca-
racterística de muitos historiadores dessa geração em toda a Europa. Por
isso, o laço entre o passado e o presente se impõe por si:

esta solidariedade das épocas teve tanta força, que entre eles os laços de
inteligibilidade têm verdadeiramente dois sentidos. A incompreensão do
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 127

presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez n ão seja


menos vão esgotar-se em compreender o passado, se não se sabe nada do
presente. [ Bloch, 1997:63]

I
Desse modo, essas reflexões contribu íram para instalar de forma
permanente a história contemporânea no campo dos estudos historio-
gráficos, e é preciso considerar Marc Bloch, aqui também , como um
precursor? Nada é menos certo, ainda que Bloch, Febvre e esta primei-
I ' ra corrente dos Annales sem dúvida tenham contribuído para solapar
uma forma de ortodoxia na maté ria. A Apologia defende certa ética da
história em geral, inclusive a história próxima, mas sem erigir progra-
ma particular nem explicar como a disciplina deveria integrar a história
contemporâ nea, n ã o como procedimento heur ístico, mas como campo
de estudo específico. Não é simplesmente a tese do autor. Ora, uma coisa
é convidar um medievalista a estar atento ao seu tempo para compre-
ender o feudalismo, outra é pretender escrever com um mesmo grau de
rigor e de credibilidade uma história no calor do nazismo. Certamente,
pode-se ver em A estranha derrota um livro emblemá tico de história do
tempo presente, tanto mais que o autor mostra uma grande lucidez que
agrada aos historiadores, uma vez que ele parece ver o que eles mesmos
ver ão post facto na derrota de 1940. Isso significa, contudo, esquecer
que se trata aqui inicialmente e antes de tudo de um testemunho sobre
o seu tempo — Bloch introduz sua tese como “ uma deposição da tes-

temunha” , e não como um trabalho de historiador. Aliás, é interes-
sante notar que essa visão que faz de um testemunho contemporâ neo,
assumido explicitamente como tal por seu autor, um livro de hist ória do
tempo presente, se disseminou sobretudo nos 20 últimos anos, no con-
texto precisamente de uma fronteira cada vez mais incerta entre a tes-
temunha e o historiador. Ora, como lembra Gé rard Noiriel, Marc Bloch
nunca confundiu os dois: “ o julgamento severo que ele faz sobre a so-
ciedade francesa em A estranha derrota nã o é senão o ponto de vista de
128 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

um autor, ponto de vista que o historiador de amanhã confrontará com


outros testemunhos e com outras fontes” ( Noiriel, 1999:33- 34 ). Aqui ele
se insere mais na tradição do pronunciamento de um acadê mico que se
tornou um intelectual engajado no século, do que assume a postura de
um historiador de seu tempo, comparável ao que ele podia ter feito em
relação à an álise dos rumores da Primeira Guerra. É bem mais tarde,
nos anos 1970, por razões intelectuais e estratégicas, que Marc Bloch
será inclu ído, não sem alguns artif ícios, entre os pais fundadores da
nova história do tempo presente, para mostrar bem aos seus detratores í]
que ela também se liga à corrente dominante da historiografia francesa.
Acrescentemos que o modo pelo qual Marc Bloch vê em 1940 os la- û
ços entre passado e presente é frequentemente descrito como uma ino -
vação, na lógica da revoluçã o historiográfica que aconteceu na década
precedente. Ora, Marc Bloch é o primeiro a lembrar que estabelecer tal
laço pertence a uma longuíssima tradição. Ao denunciar a cisã o realiza-
da entre o estudo do passado o estudo do presente, ele tem essa reflexão,
como nessa passagem:

O curioso é que a ideia deste cisma surgiu muito recentemente. Os velhos


historiadores gregos, um Heródoto, um Tuc ídides, mais perto de nós, os
verdadeiros mestres dos nossos estudos, os ancestrais cujas imagens me -
recerã o figurar eternamente no altar da corporação, nunca sonharam que,
para explicar a tarde, pôde ser suficiente conhecer, no m áximo, a manh ã.54

Certamente, ele cita então Michelet e a necessidade de compreender


o atual pelo inatual. Mas talvez ele també m renove um pensamento his-
toriogr áfico pré- revolucioná rio no qual não havia descontinuidade na
I
54
Bloch (1997:60 ) . Tanto nas primeiras como nas últimas versões mais recentes da Apo- I
logia, encontra-se frequentemente a primeira redação dessa passagem: “ O singular é que
a questão, hoje, possa colocar-se. Até uma época muito próxima de nós, com efeito, ela
pareceu, quase unanimemente, resolvida antecipadamente”
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 120

1 abordagem do tempo histórico, nem história propriamente contempo -


i rânea, uma vez que n ão havia diferen ça entre o próximo e o longínquo,
I entre a história e o presente. É a consequ ê ncia indireta de sua crítica
I da escola metódica, a qual formalizou essa cisão, e que o leva assim a
I reatar com o que precede? É uma necessidade que ele sente ent ão de
vislumbrar uma história longa para reabrir seu próprio horizonte de ex-
[ pectativa e considerar que o triunfo da barbá rie da qual ele será uma
I das vítimas faz talvez parte desses fenômenos “ efémeros” de que ele fala
I vá rias vezes na Apologia? Talvez ele tenha querido escapar assim ao pre-
! sente mort ífero e reabrir os futuros possíveis mergulhando em um pas-
sado longí nquo, para encontrar a í esperança. Marc Bloch ter-se-ia assim
comportado tanto como um filho do seu tempo quanto como um filho
I '
do seu pai, ao reatar, laico como era, com uma tradição judaica que finca
suas raízes no imemorial e, portanto, em um tempo em que passado e
presente coexistem permanentemente.

Depois do nazismo

O homem se manté m agora em uma “ brecha entre o passado e o futuro”,


escreve Hannah Arendt, em 1945.55 Ele se acha em um lugar instável
e incerto, entre um passado que se afastou e que demanda agora ser
decifrado — donde a nova importâ ncia da história como atividade inte-

lectual e da memória como prática social e política , e um futuro que
se tornou ilegível para vá rias gera ções — donde a import â ncia desse
momento de passagem, de transição entre o passado e o presente que
caracteriza a escrita da história do tempo presente no século XX. Franz
I
Kafka, Walter Benjamin e in ú meros intelectuais exprimiram , entre as
I'

Arendt ( 1972 ) . A primeira edição desses ensaios foi publicada em 1961 com o título
55

Between past and future.


130 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

duas guerras, um mesmo sentimento diante da fratura da continuidade


histórica. René Char, outra sentinela mencionada por Arendt, também
o exprimiu na clandestinidade, em 1943- 44: “ nossa herança não é pre-
cedida de nenhum testamento”, aforismo célebre, muitas vezes citado
pela filósofa, que exprime a ideia de que as gerações que seguirão as da
guerra terão que suportar um legado cujo sentido não é legível.56 Após
a Revolução Francesa, o homem moderno se achou destacado do seu
passado, mas projetado no futuro. Após as duas guerras mundiais, ele
se acha na solid ão do presente, confrontado com um passado próximo
cujo fardo se verificará, de maneira paradoxal, cada vez mais pesado de
carregar à medida que nos afastamos da cesura de 1945.

A Primeira Guerra e seus dias seguintes foram testemunhas do desen -


volvimento de uma forma de historicidade desenraizada, que tinha rom -
pido com a do século XIX, fundada na ideia de um progresso cont ínuo 1
cumulativo, na crença em um dom í nio do mundo pelo saber científico.
A memória do conflito, a presença e mesmo o peso da história próxima
tinham influenciado fortemente a vida política, social e cient ífica dos
anos 1920- 30, dando uma nova importâ ncia e uma nova dimensão à no-
ção de contemporaneidade. Após 1945, as sequelas combinadas da guer-
ra, do nazismo e do Holocausto implicam em todo o mundo ocidental
um interesse ainda mais intenso pela história do tempo presente, que se
desenvolverá de maneira decisiva tentando dar conta da herança dessa
última cat ástrofe. O liame entre política, memória e história surgido em
1918 no contexto da primeira guerra de massa se percebe de maneira
mais n ítida ainda após 1945: compreender o tempo presente é de novo
urgente, mas com grandes diferenças que dizem respeito quase todas à
natureza da violê ncia da guerra, que foi acompanhada de uma violência
política e ideológica de uma intensidade raramente igualada no passado.

56
Ibid., p. 15 e 16. A citação de René Char foi retirada dos Feuillets d’ Hypnos, §62 (1946).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 131

I Contrariamente a 1914-18, em que apenas as zonas de fronte tinham


i sido fisicamente devastadas e somente os combatentes tinham sofrido

perdas massivas com a notável exceção do genocídio dos arménios

planejado pelos turcos , o conflito de 1939 - 45 produziu na Europa,
e em uma menor medida na Ásia e no Pacífico, destruições físicas e
humanas sem comparação. Elas visaram prioritariamente populações
civis ou combatentes desarmados pela eliminação intencional de fai-
xas inteiras das populações conquistadas, massacres de massa de pri-
sioneiros de guerra, destruições voluntá rias de grandes aglomerações
não estratégicas, movimentos forçados de populações — deslocadas,
deportadas, cativas, escravizadas ou refugiadas em n ú mero de dezenas
de milhões. Como 20 anos antes, é preciso enfrentar a terr ível quest ão
I de saber como manter a lembrança dos mortos e desaparecidos sem
1 sepultura, encarregar-se dos lutos coletivos, dar sentido a acontecimen -
I tos que parecem inacessíveis à razão. Uma das mais velhas tradições
I culturais e religiosas da história da humanidade desapareceu em parte
K pela elimina ção sistemática das pessoas, dos lugares de culto, das escolas
I e dos cemité rios. O genocídio dos judeus, que se estendeu sobre todo
I o continente, não é certamente o primeiro, nem o último, mas é sem
I precedentes quanto a sua amplitude, sua natureza e suas modalidades.
I Quase em todo lugar da Europa ocupada, empreendimentos clandes-
l tinos foram criados para salvaguardar o património cultural do judaís-
; mo ameaçado e para constituir no calor do acontecimento, com meios
improvisados, vestígios do crime que estava sendo cometido. Eles têm
també m o objetivo de recolher testemunhos sobre o que corre o risco de
suscitar a incredulidade, e mesmo reações de negação. Podemos men -
cionar o trabalho do historiador Emmanuel Ringelblum e do seu grupo
Oneg Shabbat ( “A alegria do sábado” ), que desde o mês de outubro de
1939 em Varsóvia, depois no interior do gueto, coletou um n ú mero im-
pressionante de informações sobre a vida cotidiana e a sorte dos judeus
132 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

durante esse período.57 Podemos também mencionar, de mesma inspi-


raçã o, a criação por Isaac Schneersohn , no dia 28 de abril de 1943, em
Grenoble, do Centro de Documenta ção Judaica Contemporânea, encar-
^
regado inicialmente de coletar os vestígios da perseguição dos judeus da
Fran ça, que desempenhará um papel decisivo, no pós-guerra, na cons -
trução de uma memória do Holocausto na França.58 Podemos evocar
finalmente, de um registro diferente, esta incrível iniciativa que se teve
em 30 de setembro de 1942, em Jerusalém , por um antigo delegado nos
^t
H

Congressos Sionistas, Mordecai Shenhavi, que propôs que o Fundo Na- H


cional Judeu erigisse, na Palestina, um memorial em homenagem aos H
“ mortos e heróis de Israel” vítimas dos nazistas quando a Soluçã o Final
ainda estava em açã o. O projeto e a formulação serão retomados após B
a criaçã o do Estado de Israel, em maio de 1953, para dar nascimento
ao Memorial de Yad Vashem, autoridade encarregada de comemorar B
“ os heróis e m á rtires” da perseguição. Para o historiador Tom Segev, B
que descobriu o primeiro projeto inacabado, “ houve manifestaçã o mais B
clara, mais vulgar e mais macabra desta tendência de pensar o Genocí- B
dio no passado: quando o yishouv debatia sobre a melhor maneira de m
comemorar as suas lembran ças, a maior parte das vítimas ainda esta -
vam vivas” ( Segev, 1993:129 ). Na verdade, nessa data, por volta de 4 I
milhões de pessoas já est ão mortas e muitas informações vazaram para
fora da Europa. A iniciativa carrega, contudo, a marca de uma vontade B
de escapar à realidade do presente, igualmente consequência de uma B
forma de impotê ncia. Ela mostra també m a que ponto o exterm í nio dos |
judeus começa a conturbar profundamente a relação com o tempo e
com a memória, sem com isso abolir completamente qualquer visão do
futuro, muito ao contrá rio. A maior parte dessas iniciativas mostra que i

57
Ver o texto póstumo: Ringelblum (1959 ). Ver também o estudo mais recente sobre o
tema: Kassow ( 2011 ).
58
Sobre as origens do CDJC, ver Poznanski (1999:51-64).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 133

B no cerne do processo do genocídio acharam-se vozes e escritos para


^preservar de maneira volunt ária os vest ígios presentes e passados de um
evento em processo de acontecer, a fim de manter a possibilidade de
uma história e de uma memória futuras. Esses historiadores, eruditos e
rabinos podiam imaginar que o genocídio dos judeus, que iria arrebat á -
B -los quase todos, iria acabar por formar, décadas após o fim do conflito,
^ts
Ht um nó da cultural ocidental? Quer se chame de Shoah ou de Holocaus-
to, termos utilizados desde 1948 em Israel, sua lembrança permanece
H ainda hoje, cerca de quatro gerações após os fatos, o elemento central
^
H| de uma cultura da memória que marca profundamente nosso regime
.

de historicidade. É tanto mais interessante notar que foi precisamen -


B te esse evento que conturbou a percepção judaica do tempo, fazendo
da história, entendida aqui como contingência, ruptura, incertezas, um
B elemento essencial da cultura judaica, que era antes fundada na memó -
B ria, entendida como a permanência de uma tradição presumidamente
B impermeável ao tempo que passa.59
B Essa vontade de escrever uma história precoce da guerra se manifes-
m ta, num registro diferente, desde os primeiros meses da liberação dos
países ocupados e se desenvolve de maneira geral nos anos 1950- 60,
'

I reproduzindo, dessa vez, em grande escala, a situação após 1918. Em


toda a Europa, frequentemente por impulso do Estado e à margem do
B mundo acadêmico, criam -se institutos e comités de história encarrega-
B dos de empreender a coleta de documentos e de testemunhos, e de pro-
| duzir as primeiras histórias do evento apenas terminado.60 O fenômeno
é tanto mais notável quanto, em um primeiro momento, essas criações
obedecem a uma lógica nacional espont â nea, ainda que apareça muito
i rápido a vontade de uma coordenação internacional. O primado na or-

59
Evoco, claramente, as teses de Yerushalmi (1984 ) .
60
Sobre esta história, ver Lagrou (1999- 2000:191- 215). Ver também seu estudo compa
rado da França, dos Países Baixos e da Bélgica: Lagrou (2003).
134 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

dem cronológica pertence aos Países Baixos. Aqui também, é durante a


própria ocupação alemã que se manifesta a vontade de guardar os ves-
tígios do evento. Uma primeira iniciativa é do historiador economista
Nicolaas Wilhelmus Posthumus, que fundou em 1935 o Instituto Inter -
nacional de História Social de Amsterd ã, concebido como um centro
de documentação e de reflexão sobre o movimento operário europeu
após a chegada dos nazistas ao poder. Com outros acadê micos, ele visa a
cria çã o de um centro de documentação sobre os Países Baixos em guer-
ra. Uma segunda iniciativa vem do governo neerlandês em exílio, em
particular do ministro da Educação, das Artes e das Ciências, Gerrit
Bolkestein, que, de Londres, em 28 de março de 1944, se endereça nestes
termos aos seus compatriotas na Radio Orange:

A histó ria não se escreve somente a partir dos atos oficiais e dos documen -
tos dos arquivos. Se quisermos que a posteridade tenha noção das provas
que o nosso povo atravessou e superou durante esses anos de guerra, preci -

saremos justamente de testemunhos mais modestos um diá rio, as cartas
de um trabalhador do STO na Alemanha, uma série de prédicas de um pas-
tor ou de um padre. Somente o ac ú mulo de uma grande quantidade desse
material simples e cotidiano permitirá pincelar com toda sua profundidade
e brilho o quadro da nossa luta pela liberdade.61

Esse apelo mostra até que ponto a vontade de constituir uma história
e uma memória desse conflito fora do normal constituiu um elemento
essencial da própria cultura de guerra. É preciso insistir nessa extraor -
dinária situação em que um representante de um governo em exílio,
a alguns meses da abertura de um novo fronte chamado a libertar a
Europa ocidental, se preocupa com a maneira pela qual a história dessa

Citado Stroom (1989:75-76) . Trata -se da edição científica das ( três) diferentes versões
61

do Diá rio de Anne Frank publicado pela primeira vez em 1947.


A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 135

I guerra será escrita? Esse apelo foi entendido por Anne Frank, que o cita
t em seu Diário:

Cara Kitty,
Ontem à noite, o ministro Bolkestein disse na Rádio Orange que no fim da
guerra se faria uma coleção de diá rios e de cartas sobre esta guerra. Eviden -
temente, eles se lan çaram ao meu diá rio. Pense como seria interessante se
eu publicasse um romance sobre o Anexo, só pelo título as pessoas iriam
imaginar que se trata de um romance policial. Não, mas com seriedade,
cerca de dez anos após a guerra, certamente já terá um efeito estranho nas
pessoas contar a elas como nós, judeus, vivemos, nos alimentamos e con -
versamos aqui. Ainda que eu fale muito de nós, tu sabes muito pouco das
coisas da nossa vida.62

I Desde os primeiros dias da liberação do país, em abril de 1945, o


I governo neerlandês cria um Departamento Nacional de Documenta -
I ção de Guerra, que se torna em outubro de 1945 o Instituto Nacional
f de Documentação de Guerra ( Rijksinstituut voor Oorlogsdocumenta -
S

tie, Riod ), cuja direção é confiada ao historiador Louis de Jong, que se
imporá como uma figura dominante da historiografia neerlandesa do
; pós-guerra.63
O mesmo gênero de iniciativa apareceu na França alguns meses
antes com a criaçã o, por decisão do Governo Provisório da Rep ú blica
Francesa, de duas instituições: a Comissão de História da Ocupação e
da Liberação da França ( Cholf ) , criada no dia 20 de outubro de 1944,

62
Ibid., p. 616. O Anexo menciona o sótão em que se escondia a fam ília de Frank. Re-
produzi aqui o texto da primeira redação do Diário.
63
Para um breve resumo dessa história, ver o site do herdeiro do Netherlands Institute
for War, Holocaust, and Genocide studies ( Niod ): < www.niod.knaw.nl > . Ver também
Stoop ( 1986:455-465) e, sobretudo, Hirschfeld ( 2005:141-157). Ver também Lagrou
( 2003:77- 78).
136 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

que se segue a um efémero Comité de História da Liberação de Paris,


criado no interior da Biblioteca do Arsenal, no fim de agosto de 1944,
e o Comité de História da Guerra, criado no dia 6 de junho de 1945. !
Ambos são fundidos por decreto, no dia 17 de dezembro de 1951, no
Comité de História da Segunda Guerra Mundial ( CHGM ), que ser á li -
gado à presid ê ncia do Conselho, em seguida após 1958, junto dos ser -
viços do primeiro - ministro.64 Em 1949, resistentes e militantes antifas-
cistas italianos criam , por sua vez, o Instituto Nacional para a História
do Movimento de Liberação na Itália ( Istituto Nazionale per la Storia
del Movimento di Liberazione in Italia, INSMLI ), que se torna uma ins-
tituiçã o oficial em 1967, à qual se ligam cerca de 70 instituições regio-
nais em todo o país ( Galimi, 2000 ). Na Áustria, sã o també m antigos
resistentes que fundam em Viena, em 1963, os Arquivos Documentais
da Resistência Austríaca ( Documentationsarchiv des õsterreichischen
Widerstandes, DõW ), que se tornou um centro financiado pelo Estado
a partir de 1983. Na Bélgica, haja vista as divisões políticas internas,
sobretudo acerca da “ Quest ão real” ( a atitude de Leopoldo III durante
a guerra ), não é senão em 1967 que é criado o Centro de Pesquisas e
de Estudos Históricos da Segunda Guerra Mundial ( CPEHSGM ) , posto
sob a tutela do Ministé rio da Educa ção Nacional e ligado aos Arquivos
do Estado, com o objetivo de “ documentar o heroísmo” dos resistentes
e das vítimas da guerra ( Lagrou, 1999 - 2000 ). Poder -se- ia multiplicar
os exemplos na antiga Europa ocupada, incluindo-se o outro lado da
Cortina de Ferro, em que se criam, aí també m, centros de arquivos e de
documentação exclusivamente dedicados à história da Segunda Guerra
Mundial, em especial na Polónia ou na URSS, em que essa guerra cons-

64
Chabord (1982:5- 19). Ver também Douzou ( 2005). O autor mostra que alguns resis-
tentes franceses também visaram, durante a guerra , uma escrita da sua história. Con -
tudo, a obra não alude ao contexto europeu da criação do CHGM, nem ao papel deci-
sivo que este último desempenhou na internacionalização dessa historiografia nos anos-
1960. Encontra -se o mesmo viés de uma história centrada na França em Douzou ( 2008 ) .
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 137

titui um momento particularmente fundamental de uma nova identida-


de nacional e política.
!f O interesse desse fenômeno, que suscitou alguns trabalhos de alcance
nacional, mas poucos estudos de conjunto de dimensão europeia com —
exceção do trabalho citado de Pieter Lagrou — , reside na convergê ncia
intelectual dessas iniciativas, apesar das diferenças culturais e históricas
dos países envolvidos, e, mais ainda, da sua respectiva situação durante
a guerra. Esses organismos ad hoc desempenharam um papel decisivo
não somente no surgimento de uma historiografia do tempo presente
na Europa, a qual já existe de maneira esparsa desde o fim da Primeira
Guerra Mundial, mas sobretudo na sua institucionaliza ção. Graças à sua
dimensão oficial que lhes permite beneficiar-se muito rapidamente de
pessoal e de meios, e sobretudo de uma visibilidade social, esses orga -
nismos se instalam na paisagem acad ê mica e se tornam em sua maio -
ria incontornáveis, uma vez que se requer uma per ícia sobre a guerra.
Certamente, até nos anos 1970-80, esses institutos prosperaram fora do
controle da Universidade ou das grandes instituições de pesquisa, ainda
que estas tenham contribu ído para seu funcionamento, como na França,
em que o Comit é de História da Segunda Guerra Mundial foi em grande
parte financiado pelo CNRS. Daí o rótulo de “ história oficial” que lhes
foi por vezes atribu ído, esquecendo -se que a história geral praticada na
mesma época nas instituições universit á rias europeias não oferecia um
modelo de imparcialidade ideológica: toda a disciplina foi, ao contrá rio,
atravessada pela mobilização da Guerra Fria. À saída do fascismo e do
nazismo e diante do modelo soviético que dominava o outro lado do
continente, as reticências, na Europa ocidental, à vista de uma história
finalizada e controlada politicamente, podem legitimamente suscitar re-
servas. Contudo, como escreve Pieter Lagrou (1999-2000 ),

se para a histó ria recente se fez uma exceção, é porque as circunstâ ncias
eram percebidas como excepcionais: a urgê ncia da coleta de documentos e
138 A ÚLTIMA CATÁSTROFE

a salvaguarda da honra nacional; a necessidade de uma narrativa comum


de uso interno e externo sobre os acontecimentos traumáticos da ocupação,
narrativa que a historiografia universitá ria desdenhava produzir por con -
servadorismo metodológico e por desprezo pelo “ jornalismo”.

A desconfiança dos acadêmicos, se não desaparece completamente,


se vê obrigada a se apagar diante do que aparece entã o como uma for-
ma de civismo patriótico e mesmo universalista. Os representantes mais ‘1
conhecidos da disciplina, que não são “ contemporanistas”, compreen -
dem , aliás, a necessidade de desenvolver a história contemporânea em
geral e a história da última guerra em particular. Em 1949, no primeiro
n ú mero dos Cahiers d’ Histoire de la Guerre, que o comité epônimo pu -
blica, Lucien Febvre, que preside seu conselho científico, escreve em seu
preâmbulo:

Eu me censuro por redigir, no início deste primeiro caderno, um programa


ambicioso. A hora n ão é para vastas antecipações, para promessas vantajo-
sas. É para refazimentos en é rgicos. O Comité Francês de História da Guerra
n ão busca a glória. Ela não é buscada, historiador, no estudo de tão san -
grentas, de tão perturbadoras tragédias. O Comité Francês de História da
Guerra quer servir modesta, paciente, laboriosamente a verdade, ajudando
os trabalhadores a estabelecer e, portanto, a derrubar a Babel de menti -
ras, inven ções, duplas ou triplas verdades que impedem de ver claro nos
eventos. Ele não pretende, aliás, para fazer o seu trabalho, enclausurar-se
em casa, fechar-se na sua boa e velha França: ele estende aos trabalhadores
do mundo inteiro uma mão fraterna, contanto que a mão deles seja leal:
quero dizer a mão de homens que não pleiteiam, mas que demonstram.
Calmamente. Com provas, e bem criteriosas. Ele não pretende servir a ne-
nhuma tese, e, de novo, é preciso dizê-lo, a nenhuma política. Mas ele não
nega um vivo desejo: o de, ao desmontar as engrenagens complicadas de
mil maquinações mortíferas e secretas, trabalhar para a educação do senso
\
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 139

crítico entre os contemporâneos. E inicialmente na França. Do senso crítico


e de algo mais, se é verdade, como escreveu Marc Bloch no in ício de um
dos dois ou três livros mais profundos, mais verdadeiramente pensados que
nós possu íamos sobre esses anos dolorosos — eu mencionei a sua Estranha
Derrota — que esta derrota foi inicialmente e antes de tudo uma derrota da
inteligência francesa. Pode-se fazer, com toda a consciê ncia, o seu trabalho
de historiador profissional, e n ão se impedir, na sua posição e com os seus
meios, levar remédio a tamanhos males. Vamos, boa sorte, longa vida aos
Cahiers d’ Histoirel [ Febvre, 1949:1- 3]

! O líder da ala dos Annales defende aqui, portanto, uma historiogra-


fia que preconiza a humildade, a pesquisa da verdade, incluindo -se as
verdades mais factuais, a imparcialidade, qualidades colocadas a ser -
viço de uma melhor educa ção, tanto cr ítica quanto cívica. Ele chega a
[ mostrar sem rodeios a vocaçã o de taumaturgo desta historiografia que
; começa com dificuldade. Mais uma vez, a história do tempo presente se
i vê mobilizada para responder aos efeitos do traumatismo sofrido sob a
condição de lançar um olhar distante aos eventos que, contudo, est ão
muito próximos no tempo e que os próprios historiadores atravessa -
ram. Estamos em presença mais uma vez, e agora em grande escala,
de uma forma de resposta não traumática ao traumatismo vivido. E se
um Lucien Febvre apoia sem reservas tal projeto, é porque esse parece
responder à missão propriamente dita da história como disciplina, de
todos os períodos, tal como se constitui agora quase em todo lugar nas
democracias ocidentais. No ano seguinte, na mesma revista, ele dá um
novo passo ao introduzir um n ú mero dedicado à resistência europeia:
4
ï
& Que seja cedo demais para escrever algo verdadeiramente válido sobre a
Resistência à opressão dos países europeus invadidos pela Alemanha, n ão
deixarão de no-lo dizer, quer gentilmente, quer com certa acidez. Nós agra -
# •

decemos antecipadamente os nossos informantes; mas eles não nos ensina -


\
140 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

riam nada. Como n ão temos a candura de crer no “ definitivo” em História,


como sabemos que esta Histó ria, ciê ncia das mudanças, est á em mudan ça
perpétua, e portanto que ela n ão pode proceder sen ão por uma sequê n -
cia de aproximações sucessivas, as primeiras muito grosseiras, as seguintes
cada vez mais precisas; como temos, por outro lado, o forte sentimento de
que, sob pena de suicídio, os historiadores honestos n ão podem, n ão de-
vem deixar na ignorâ ncia do que se pode já saber um grande público que
pede que não se espere a sua morte para lhe trazer... o quê? Algo provisório,
pouco menos provisório do que o que podemos lhe dar hoje, decidimos
passar alé m dos escr ú pulos do “ esperismo” e dedicar de agora em diante
este caderno a um sobrevoo rápido da Resistê ncia tal como se manifestou
espontaneamente em quase todo lugar da Europa nos países ocupados pe-
los alemães, e desde 1941. [ Febvre, 1959:1]

Dessa vez, já não estamos unicamente na urgê ncia cívica de uma his -
tória no calor da cat ástrofe e de uma resposta a uma legítima demanda

social — que ele, apesar de tudo, lembra , mas no enunciado de um
fundamento epistemológico que diz respeito à história do tempo pre-
sente enquanto tal. Sim , essa hist ória se insere no âmbito do provisório,
do inacabado, mas, diz- nos Lucien Febvre, isso é próprio de toda disci-
plina, pois toda escrita histórica pertence ao provisório, pelo menos não
pode pretender enunciar postulado ou verdades que não sejam revisá -
veis com o tempo. A demasiada precocidade do evento nã o pode assim
em nada constituir uma objeçã o válida. Ele chega a ir mais longe ao afir -
mar que negligenciar essa forma de história seria para a disciplina uma
— —
forma de “ suicídio”, pois a tese est á implícita se não são historia -
dores profissionais que respondem à demanda, outros e com intenções
sem d úvida menos louváveis ocuparão o terreno, e aliás já o ocupam.
É verdade, contudo, que boa parte do trabalho deste Comité con -
siste de início na coleta das fontes primárias, “ uma documentação para
os historiadores da próxima geração”, como diz Henri Michel em 1949,
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 141

mas em condições de trabalho particulares que são frequentemente a


marca de toda história muito precoce: constituição de um corpus ad hoc
de testemunhos, confidencialidade de algumas declarações coletadas,
autocensura e prática do silê ncio da parte dos historiadores ( Michel,
1949:45-55).
Essa primeira onda historiogr áfica, oficial ou n ão, foi profunda -
mente marcada, assim, pelos desafios do seu tempo e pelas primeiras
leituras sociais e políticas do conflito. Ela tem vocação de produzir
inicialmente e antes de tudo uma narrativa nacional que possa contri-
buir para o reerguimento moral e intelectual dos pa íses que estavam
saindo da guerra , e devolver - lhes a dignidade por vezes amplamente
ferida pela ocupa ção nazista , um programa que não parece ent ão in -
g compat ível com uma história de dimensã o cient ífica. Ela deve també m
enfrentar a imensa dificuldade de dar conta dos crimes do nazismo
e da violê ncia dessa guerra. Muitas dessas instituições servem aliás
diretamente aos procedimentos em curso contra os criminosos na -
zistas e seus colaboradores. Por outro lado, nem todos os temas sã o
abordados de maneira igual. A colaboração permanece um assunto
que, se n ão é tabu , é pelo menos secund á rio, ao contr á rio do estudo de
todas as formas de resistê ncia e de oposição ao ocupante, ou ainda do
[
estabelecimento dos diferentes balan ços físicos e materiais da guerra.
A constata ção nã o prové m somente das gera ções posteriores, mas dos
próprios contemporâ neos, à imagem da cr ítica que René Ré mond for -
mula contra o CHGM de Henri Michel, a quem ele censura por ainda
nã o se ter interessado —em 1967 —
“ pelo outro lado”, ou seja, por
Vichy e a Colaboração, o que implica um olhar desequilibrado sobre
f o per íodo.65 O exterm í nio dos judeus não figura tampouco entre os

* objetivos prioritá rios. Para ser mais preciso, há uma espécie de divisão

65
Rémond (1967:43) . Ver a citação no capítulo seguinte. Neste artigo, o autor faz, por
outro lado, o elogio do CHGM.
142 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

do trabalho que se realiza entre esses institutos oficiais encarregados


de uma história que se reveste de uma dimensão nacional e institui-
ções propriamente judaicas, que apresentadas como tais se encarrega-
ram da história do genocídio. Pode-se certamente ver aí com os olhos
e as palavras de hoje uma oposiçã o entre uma história de vocaçã o co -
mum e uma história de dimensão “ comunit á ria” e as contrové rsias não
faltaram sobre esse ponto há uns 20 anos ( participei dela como muitos
^B
H
H
outros ) , mas é assim que as coisas eram percebidas pelos atores da H
época. A título de exemplo, pode -se citar o que Léon Poliakov, um
dos primeiros historiadores da Solução Final, que colabora no Cen - H
tro de Documenta çã o Judaica Contemporâ nea, mas se encontra em
certa marginalidade, diz do Comité de História da Segunda Guerra
Mundial, novamente criado, e, ao contrá rio, mais em evidê ncia. Não
^mmB
somente nã o lhe surge a ideia de o censurar pela ausê ncia de estu - m
dos sobre a perseguição dos judeus; n ão somente ele frisa “ a amizade
sólida, nutrida pelo paralelismo dos interesses e das tarefas” entre os V
dois organismos, mas faz o elogio de uma instituição historiogr áfica B
plenamente comprometida com seu tempo, não sem alguma alusão Bf
implícita à sua própria situa ção e às dos seus colegas do CDCJ: B
B
Há algum tempo, esperava -se que Clio fosse uma Musa impassível e in- H
diferente: incumbia -lhe reconstruir um palácio babilónico ou um tempo B
etrusco sem mostrar paixão, sem pronunciar nenhum julgamento. A histó- B
ria é uma ciência, dizia - se - nos; ela deve manter-se acima dos conflitos e os
problemas do Bem e do Mal n ão a interessam. Ora, eis que homens escolhi-
dos entre os mais prestigiosos historiadores franceses se fazem cronistas de
eventos dos quais participaram, e com que paixão, que desprendimento, há
apenas dois lustros. Quaisquer que sejam o seu destacamento e a sua probi -
dade profissional, estes serão acompanhados por uma vigorosa tomada de
posição ética. E felizmente é assim. Pois a história n ão é senão verdade. Ela
%-
é também ação sobre o real. Desse ponto de vista, felizmente os animadores
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 143

do Comité são em sua maioria homens que a última guerra marcou no mais
profundo do seu ser com uma marca indelével.66

É evidente, entretanto, que esses organismos oficiais não abordam


B de frente, pelo menos imediatamente, todas as questões que, vistas com
H o recuo, deveriam ou poderiam ter sido levantadas na época: é uma ca -
racter ística constitutiva de toda historiografia. Eles são, apesar de tudo,
H obrigados a preservar algumas sensibilidades internas: a história de Vi-
chy na França, a Quest ão Real na Bélgica, o antissemitismo na Polónia
H
B
— a lista dos temas espinhosos sobre esse conflito é particularmente
longa, e não é certo que as gerações de historiadores que se seguiram os
m tenham abordado ou resolvido a todos. Eles devem também preservar
as sensibilidades externas: a cooperação internacional, que existe apesar
da Cortina de Ferro, exige comprometimento, ou mesmo a instaura-

ção de verdadeiros tabus no sentido de um silê ncio imposto , em —
particular, sobre alguns crimes cometidos pelos Aliados: os estupros de
massa, os massacres civis ou de combatentes, o tratamento dos prisio -
neiros de guerra alemães, os bombardeios das cidades, a expulsão das
populações germâ nicas da Europa oriental. São temas de grande peso
polêmico e ideológico, que suscitam contrové rsias políticas violentas, e
que não serão realmente tratados de maneira científica senão décadas
mais tarde, sobretudo após a queda do Muro de Berlim: escrever a histó -
ria do tempo presente não significa escrever toda a história e toda a sua
sequê ncia. Isso não impede a essa historiografia lançar as bases sólidas
de uma narrativa que, se não é comum, pelo menos é transversal e plu -
ralista da Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1967, por iniciativa do
historiador francês Henri Michel, secretá rio-geral do CHCM, a maior
parte desses institutos se agrupa em um Comité Internacional de Histó-

66
Poliakov (1956:19-22). Léon Poliakov publicou, seis anos após o fim da guerra, uma
das primeiras sínteses em escala internacional sobre a história do genocídio a partir dos
arquivos do processo de Nuremberg: Poliakov (1951).
144 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

ria da Segunda Guerra Mundial, que compreende de in ício uma dezena


de membros ( Alemanha Federal, Bélgica, Bulgá ria, Dinamarca, Estados
Unidos, França, Israel, Países Baixos, Roménia, Reino Unido, URSS, Iu -
goslávia ). Afiliado posteriormente ao Comité Internacional das Ciê n -
cias Hist óricas ( CISH ) , esse organismo se desenvolveu acolhendo comi -
tés criados em países neutros durante a guerra (Su íça, Vaticano ) ou em
países da Ásia ( China, Japão, Coreia do Sul).67 Desde a origem , 50 anos
após as exortações de Bloch ou Pirenne, e cerca de meio século antes das
discussões sobre a “ história global” e dos recentes encantamentos sobre
o abandono necessá rio do paradigma nacional, esta história do conflito
mundial se revestiu de uma dimensão efetivamente mundial, enfatizan -
do que a história do tempo presente, que se desenvolvia na segunda me-
tade do século XX, não tinha outra escolha senão sair do terreno nacio -
nal, ainda que essa boa ideia tenha conhecido vicissitudes antes de ser
mais ou menos amplamente aceita —
e posta em prática na realidade.

Outra diferença entre as duas guerras merece ser lembrada, pois ela
desempenhou um papel essencial para se levar em consideração uma nova
forma de contemporaneidade. A necessidade de se confrontar com a am -
plitude dos crimes cometidos pelos nazistas, fascistas e seus colaboradores
constituiu uma questão essencial desde a época do conflito, uma vez que a
punição dos criminosos de guerra foi um dos objetivos de guerra declara -
dos pelos Aliados. Essa particularidade resultou nos primeiros grandes tri-
bunais internacionais da história, os de Nuremberg e de Tóquio, momen -

67
Ver os primeiros n ú meros do Bulletin du Comité International d’ Histoire de la Deuxiè me
Guerre Mondiale, inicialmente redigidos apenas em francês, depois em inglês e em
francês, editado sob a égide do CHGM até 1978, depois do IHTP, que foram as suas
sedes sucessivas, ficando a cargo dos franceses até 2010 a secretaria -geral ( Henri Michel:
1967-80, François Bédarida: 1980 - 90, Henry Rousso; 1990- 2000, Pieter Lagrou 2000 -
10 ). Desde 2010, a função é assumida por Chantal Kesteloot, do Centro de Estudos e
de Documentação Guerra e Sociedades Contemporâneas (Ceges/Soma ) de Bruxelas, *
sucessor do Centro belga (CPEHSGM ), criado em 1967.
?
I
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 145

tos decisivos não somente do ponto de vista do surgimento de uma justiça


supranacional, mas também do ponto de vista da escrita da história. Os
procedimentos postos em prática para julgar os crimes nazistas e, em uma
menor medida, os que foram empregados para os crimes do exército japo-
nês, as investigações de campo que buscaram coletar o maior n ú mero de
informações confiáveis: documentos, narrações, vestígios materiais e hu-
manos, as audiências públicas dos cursos permitiram reunir um n úmero
considerável de arquivos e de testemunhos tornados quase imediatamente
acessíveis não somente aos magistrados, aos advogados, às vítimas, mas
também aos jornalistas do mundo inteiro, aos historiadores, aos politólo-
gos e aos psicólogos. O trabalho dessas cortes de justiça de um novo gêne-
ro produziu, nolens volensy as primeiras narrações históricas da catástrofe,
ou seja, as primeiras análises coerentes do evento fundadas nos vestígios
probantes, submetidos ao debate contraditório e buscando dar sentido. O
processo de Nuremberg, por sua extensão, seu rigor, os meios empregados
e a publicidade dada, foi um ponto de partida na elaboração de uma his-
toriografia muito precoce do nazismo e da Segunda Guerra Mundial. Em
uma menor medida, mas na mesma lógica, em toda a Europa que estava
saindo da guerra, os processos abertos contra os nazistas e os colaborado-
res tiveram efeitos análogos no surgimento de uma primeira historiografia
do evento, també m muito precoce, sobretudo graças à publicação de inú-
meros testemunhos, quer sejam advogados em causa própria ou acusa-
ções, coleta de documentos, análises de história política ou militar com
uma vasta audiê ncia. Contrariamente a uma crença recente que defende
que essa história foi “ ocultada”, raramente eventos terão sido analisados,
documentados, dissecados e contados tão logo após os fatos — certamente
com brancos, lacunas, negações, e por vezes mentiras. Mas é essa recipro-
r cidade que merece a nossa atenção aqui, tendo-se presente ao espírito que
essas primeiras narrações históricas foram profundamente impregnadas
por uma dimensão normativa: a análise histórica foi aqui apenas segunda,
*
atrás da análise jurídica, à medida que a tarefa mais urgente foi qualificar
?
I
146 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

os crimes cometidos antes de julgá-los. Essa marca original influenciará


durante décadas e até hoje a escrita da história das grandes catástrofes do
século XX, e explica que a historiografia do tempo presente ainda mantém
laços estreitos e conflituosos com o direito e a justiça.68

Mobilização e desmobilização ideológica

Outra diferença entre as duas guerras, em 1939: não houve em todo


lugar mobilização coletiva dos intelectuais, dos cientistas, dos histo -
riadores defendendo no contexto das uniões nacionais os objetivos de
guerra de cada um dos respectivos beligerantes. Nesse novo conflito, é
a dimensão política que se torna crucial. Ela implica um enfrentamento ri

não somente entre potências rivais, mas entre sistemas ideológicos cuja Î]

influência transcendeu as fronteiras. Os eruditos, assim como os outros,


se dividiram em toda parte entre partidá rios da colaboração com os na-
zistas e resistentes, entre aqueles que aceitavam aliar-se com Stálin para
combater Hitler e aqueles cujo anticomunismo comandava o resto. Na
França, historiadores se engajaram na Resistência ou serviram fielmente I
&

a Vichy, mas o fizeram individualmente, nã o em nome de uma corpo-


ração. Há, contudo, exceções, entre as quais as mais notáveis, para com -
preender a evolu ção da história contemporâ nea como disciplina após
1945, são as da historiografia da Alemanha ocidental e da historiografia
f
norte-americana que mantêm, por outro lado, durante a Guerra Fria,
laços estreitos, considerando-se o n ú mero de intelectuais alemães que
foram acolhidos nos Estados Unidos nos anos 1930 - 40.
m
No interior da Alemanha nazista, a história e os historiadores, do
mesmo modo que os juristas ou os físicos, desempenharam um gran-
?
r
i
68
Abordei este ponto em Rousso (1997).
4
I*
&

t A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 147

P
de papel na legitimação do regime: a amplitude desse apoio ideológico
continua a ser um objeto de disputas à medida que participa das con -
trovérsias recorrentes sobre a interpretação do passado nazista. De uma
l maneira geral, o grande desenvolvimento da história contemporâ nea na
í Alemanha Federal após 1945 foi a consequê ncia quase evidente do peso
fv
considerável das sequelas do nazismo.

r-
t- No fim dos anos quarenta e dos anos cinquenta, os estudos eruditos sobre
o tempo presente eram inicialmente percebidos como uma consequê ncia
da experiência alemã do nazismo. No campo da pesquisa histó rica, assim

J **
como em outros campos acadê micos, o Terceiro Reich tinha interrompido
uma continuidade. Entre os historiadores, um consenso se formou sobre o
I fato de que eles deviam apoiar todas as tentativas de investigar e interpretar
o reino do nacional -socialismo. [ Frei, 1988:123]

Esse consenso aparente decorre de uma forma de culpabilidade mais


ou menos compartilhada e aceita segundo o caso, que remete à situação
pessoal durante a era nazista de muitos historiadores entre os mais renoma-
I dos. Ele repousa também na situação de conjunto da profissão após 1945,
&

chamada a fazer, aos olhos do mundo, um balanço crítico do nazismo, mas


requisitada do interior para restabelecer os fundamentos de uma identida-
de alemã, sobretudo após a divisão do país em dois Estados. O dilema se
f
cristaliza desde 1946 com a publicação de dois textos emblemáticos, senão
inteiramente representativos deste período: Die Schuldfrage (“ O problema
da culpabilidade” ), do filósofo Karl Jaspers (1948), e Die deutsche Katas-
trophe, do venerável historiador conservador Friedrich Meinecke (1946),
m deplorando o desaparecimento por causa do nazismo de uma Alemanha
unida e soberana. Essas tensões condicionarão por muito tempo a produ-
ção historiográfica e o debate público sobre o passado, pelo menos até os
anos 1980. No mesmo momento, numa escala mundial, uma grande par-
te da nova historiografia do tempo presente também se polariza sobre a
148 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

história dos dois conflitos mundiais, do nazismo, do fascismo, enquanto a


história do outro grande sistema totalitário, o comunismo e suas variantes,
começa também a ser objeto de estudos sistemáticos no contexto de um
mundo bipolar. A história contemporânea da Alemanha se torna, portanto,
um caso emblemático da história geral do século XX. Ela constitui um pon-
to de passagem obrigatório de todos os historiadores do tempo presente,
sobretudo no universo anglófono, quaisquer que sejam os temas tratados.
A historiografia da Alemanha (ocidental) ocupa de novo um lugar impor-
tante na reflexão epistemológica após 1945, menos pela originalidade dos
seus paradigmas, como no século XIX, quanto pela acuidade das questões
éticas ou morais às quais é confrontada. Algumas não são novas, como as
divergências de interpretação sobre a história nacional, mas elas assumem
uma intensidade sem precedente, cujo eco ultrapassa de longe as fronteiras
do país, desde a controvérsia lançada em 1961 por Fritz Fischer sobre as
responsabilidades alemãs na deflagração da Primeira Guerra à querela ( His-
torikerstreit ) de 1986-87 sobre o “ justo” lugar dos anos 1933-45 na história
geral da Alemanha, para citar apenas as mais conhecidas. Outras, por outro
lado, são amplamente inéditas, a ponto que se pôde falar nesse contexto de
“ a invenção da história contemporânea” :

Foi uma inven çã o, com efeito, à medida que a maior parte dos historiadores
percebia a institucionalização da história contemporâ nea como o ponto de
partida puro e simples de uma prática habitual em direção de algo decidi -
damente novo. Martin Broszat, por exemplo, que se tornará posteriormente
um dos mais eminentes historiadores da República Federal, sublinhou a í -
novidade desta subdisciplina: “ o termo história contemporâ nea e a prática
da pesquisa e do ensino em história contemporâ nea foram estabelecidos, na
Alemanha, unicamente após 1945”.69

69
Conrad ( 2010:125). A citação de Martin Broszat , que foi o diretor nos anos 1980 do
Institut f ü r Zeitgeschichte e um dos fundadores da escola dita “ funcionalista”, é retirada
de: Broszat (1957:529-550).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 149

Em realidade, o uso do termo Zeitgeschichte, como vimos, remon -


I ta ao século XVIII ( Jàckel, 1989) , uma genealogia voluntariamente ig-
I norada na época, assim como é ignorada a genealogia mais longa da
I história contemporâ nea que eu tento traçar aqui. Ele assume, contudo,
I no pós-guerra um significado muito particular do qual ainda não se
F compreendeu o alcance, quando esse conceito foi exportado, sobretudo
I na Fran ça, 30 anos mais tarde, em um contexto totalmente diferente. A
I história do conceito se confunde, pelo menos no início, com a história
I do centro que formou mais ou menos diretamente a maior parte dos
I historiadores do nazismo: o Institut f ü r Zeitgeschichte ( IfZ). O projeto
f; de uma instituição que se encarregasse de maneira exclusiva da hist ória
-
í
do nacional-socialismo aparece nos dias seguintes à capitulação, com
a criação em Munique, em zona americana, de um Institut zur Erfors -
chung der nationalsozialistischen Politik ( “ Instituto de pesquisa sobre a
j política nacional-socialista” ). Em 1949, na ocasião da cria ção dos dois
Estados soberanos, ele se torna o Deutsches Institut f ü r die Geschichte
I
der nationalsozialistischen Zeit ( “ Instituto alemão de história do perí-
odo nacional-socialista” ). Ele ganha seu t ítulo definitivo em 1952, tor-
nando-se uma instituiçã o de direito privado aut ónoma, fora do sistema
acadêmico, financiada inicialmente pelo governo federal e pelo Estado
livre da Baviera, que assume desde ent ão sua tutela, e depois, a contar de
1961, também pelos outros Lander. “ Por isso, suas diversas atividades,
as quais previam —
no contexto das medidas de desnazificação postas

em prática pelos Aliados um trabalho de educa ção política junto da
população, foram ditadas por princípios estritamente científicos” ’.70 A
contar desta data, o IfZ se torna, com efeito, a instituição de referê ncia,
detendo, senão um monopólio, pelo menos uma posição dominante so-
bre a história do per íodo nazista, e beneficiando-se alé m disso de um

70
Citação retirada do histórico do IfZ em seu site: < www.ifz- muenchen.de/geschichte.
html? &L= 2 > . Acesso em: dez. 2011. Sobre a história dessa prestigiosa instituição, ver
Mõller e Wengst (1999).
150 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

centro de arquivos de uma grande riqueza quando o acesso a grande li


parte dos documentos nazistas era muito difícil na RDA até 1989.
Inicialmente, a situação do IfZ se parece com a das outras instituições
criadas no mesmo momento na Europa para escrever a história da guer-
ra. Aliás, quando é fundado em 1967 o Comité internacional de história
da Segunda Guerra Mundial, é o IfZ que é espontaneamente contatado
para representar a Alemanha Federal, uma tarefa assumida pelo histo-
!
riador Helmut Krausnick.71 Como o CHGM francês ou o Riod neerlan -
dês, o IzF trabalha fora do sistema universitá rio nacional, com fundos
específicos e com um objeto de estudo quase ú nico: a história do perí-
odo de 1933-45. Como os outros, é um lugar de perícia incontornável,
especialmente jurídica: ele entrega assim até 600 relatórios ou pareceres
anuais no contexto dos processos abertos pela Alemanha Federal contra
os criminosos de guerra nazistas após a criação do tribunal especial de
Ludwigsburg, em 1958.72 Sem ele, a historiografia do nazismo sem d úvi-
da não teria atingido tal grau de desenvolvimento. Contudo, essa posição
singular, quase “ extraterritorial”, não tem o mesmo significado dos seus
homólogos europeus: fazer a história do nazismo nos países “ vítimas”
ou que se consideram prioritariamente como tais não tem as mesmas
implicações de fazer essa história a partir do interior. A contemporanei-
dade não tem aí a mesma textura: se o tempo histórico envolvido é evi-
dentemente o mesmo, nem o espaço coberto, nem a experiência da qual
os historiadores devem dar conta são comparáveis —
é um eufemismo.
O historiador Sebastian Conrad vai mais longe. Para ele, se essa singu -
laridade institucional permitiu um tratamento privilegiado do período
nazista e, portanto, tornou essa história possível muito cedo, ela também *
participou, conscientemente ou não, de uma “ estratégia imunitá ria” :

71
Bulletin du Comité International d’ Histoire de la Deuxème Guerre Mondiale, n. 1, p. 3,
fev. 1968.
72
Nú mero citado por Le Moigne ( 2004:186-192 ) .
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 151

O apelo a um tratamento privilegiado da história do nacional-socialismo


pôde muito bem, contudo, participar de uma estratégia imunitá ria. A de-
I manda de um instituto especial, ou seja, a segregação administrativa da
história do Terceiro Reich — que devia, portanto, ser estudada com méto-

I
dos especiais que era preciso elaborar — , podia também ser compreendida
como uma maneira de separar o nacional-socialismo do contínuo da his-
tória alem ã. Ademais, o apelo a institutos de pesquisa particulares que im-
plicavam que o nacional - socialismo não podia ser apreendido com base em
um conhecimento da história alemã e das suas tradições, mas unicamente
como um fen ômeno sui generis. [ Conrad, 2010:124-125]

A hipótese é sedutora, embora paradoxal. Pode-se objetar inicial-


mente que não há ligação mecâ nica entre as duas atitudes: o desenvol-
vimento da história do nazismo em um lugar especializado permitiu
levantar por algum tempo a maior parte das questões que mereciam
ser levantadas, ainda que elas fossem postas tanto a partir do interior
quanto do exterior. Pode-se notar em seguida que todos os institutos
europeus que trabalhavam com a segunda guerra também se beneficia -
ram de um tratamento privilegiado e també m tiveram a tend ê ncia de
isolar o per íodo da guerra do resto da história nacional ou europeia.
Certamente, eles puderam fazê-lo adotando uma estrat égia imunitá -
ria análoga, por exemplo, subestimando a colaboração indígena e seu
enraizamento na própria história do país, para privilegiar apenas as
circunst âncias da ocupação nazista, como no caso do CHGM francês
e do seu tratamento superficial do regime de Vichy. Certamente, eles
* se inclinaram por vezes a produzir uma história sob medida que pre-
serva a honra nacional por concentrar -se prioritariamente nas formas
de resistência e de vitimização. Contudo, essas escolhas mais ou menos
conscientes resultam menos da originalidade institucional desses lu -
gares do que do sentimento próprio de toda uma geração de que essa
guerra não foi semelhante a nenhuma outra e de que ela devia ser estu-
152 A ÚLTIMA CAT Á STROFE


dada assim como o nazismo que lhe era a causa principal como —
um fenômeno efetivamente sui generis. Pode-se enfim acrescentar que
essa maneira de conceber o evento como excepcional não faz senã o
acusar a si própria com o tempo, e sobre pressupostos morais e políti-
cos inversos ao que Sebastian Conrad sugere para o pós-guerra imedia -
to. No momento em que a historiografia do Holocausto teve um desen -
volvimento exponencial nos anos 1980 - 90, in ú meros são aqueles que
defenderam que o assunto fosse, também nesse per íodo, tratado em
lugares específicos, com métodos singulares e objetivos particulares,
dessa vez em nome da singularidade radical do evento, assumindo-se o
risco muitas vezes denunciado de isolar o genocídio dos judeus de toda J
visã o histórica de conjunto.
A hipótese de Sebastian Conrad tem , entretanto, o mérito de mostrar
até que ponto a singularidade proclamada da Zeitgeschichte, por repou -
sar em grande parte sobre elementos cient íficos tangíveis, não resulta,
por isso, menos de um contexto político e cultural muito particular,
como mostra a definiçã o, tornada clássica, que lhe d á Hans Rothfel, o
primeiro diretor do instituto de Munique:

O conceito de Zeitgeschicht [...] repousa na ideia segundo a qual por volta i

dos anos 1917 -1918 uma nova época da histó ria universal começou a se
formar. As suas raí zes chegam às tendências pesadas da política imperialista
e da sociedade industrial cujo tratamento não deve ser exclu ído [...] pela
escolha de um limite cronológico mecâ nico. Contudo, mesmo da Primeira
Guerra Mundial, por mais revolucionária que tenha sido a sua irrupção e
por mais forte que tenha sido o choque para a seguran ça, poder-se-ia dizer
legitimamente que ela n ão foi sen ão um conflito de Estados- Nações au-
mentado em escala mundial. É apenas com o duplo acontecimento singu -
larmente combinado da entrada em guerra dos Estados Unidos e da defla -
gração da Revolução Russa que a constelação se tornou realmente universal
e que um conflito de povos e de Estados se torna ao mesmo tempo um con -
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 153

flito atravessado por profundas contradições sociais. No fundo, a oposição


entre Washington e Moscou já era uma realidade desde 1918. Seguiram-se
décadas durante as quais a democracia, o fascismo e o comunismo coexisti -
ram em uma espécie de relação “ triangular”, em um jogo de oposições e de
alianças variáveis, até que, desde 1945, a partição bipolar começa a operar
de novo. [ Rothfels, 1953:6- 7]

Historiador conservador, convertido muito jovem ao protestantis -


mo, Hans Rothfels, teve, contudo, que emigrar para os Estados Unidos
em 1939, porque nascido de pais judeus. Voltando a ensinar na Ale-
manha no in ício dos anos 1950, não cessou de defender uma profissão
marcada por sua submissão ao nazismo.73 Seu papel foi essencial na
h'
instalação da histó ria contempor â nea na paisagem cient ífica interna -
I cional, mas ele foi também criticado, especialmente nos últimos anos,
por aqueles que veem nessa história do tempo presente após 1945, não
sem algum excesso geracional, um empreendimento disfarçado de jus-
tificação.74 Com efeito, a definição que Rothfels d á do tempo presente
repousa não sobre uma reflexão acerca do grau de proximidade tem -
poral ou cultural do historiador com os fatos relatados, mas sobre um
i corte subjetivo do tempo hist órico que faz começar arbitrariamente a
época contempor â nea com a entrada em guerra dos Estados Unidos no
primeiro conflito mundial e com a revolu ção bolchevique, retirando
assim da Primeira Guerra a sua unidade intr í nseca. O mundo contem -
porâ neo se definiu aqui, portanto, pelo surgimento de uma dinâ mica
revolucioná ria, por uma forma de globalização, pelo nascimento de
uma sociedade de massa ou ainda pelo enfrentamento entre sistemas
— a democracia, o fascismo e o comunismo — que ultrapassa o con -

73
Hü rter e Woller ( 2005). Ver também Wirsching ( 2011) .
74
Ver especialmente Berg ( 2003), que suscitou uma acirrada controvérsia pelas acusa -
ções que faz. Ver também Sch õttler (1997), um dos primeiros a ter levantado a dif ícil
questão; Solchany (1997), Husson ( 2000).
154 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

texto nacional. Essa leitura da primeira metade do século XX não deixa


de esconder um real valor interpretativo. Ela parece, contudo, obedecer
assim a outras considera ções, uma vez que, de certa maneira, isso acaba
por diluir as responsabilidades próprias da Alemanha na deflagra ção
das duas guerras mundiais ou no aparecimento do nazismo. Em todo
caso, essa é a censura que lhe foi feita.
Uma vez proclamada a singularidade do per íodo entre 1917- 45,
colocou -se ent ão a quest ão do estudo posterior, o do pós- guerra e da
Guerra Fria, e també m das sequelas de longo prazo do nazismo. Ora, 4

surpreendentemente, mas não sem coerê ncia em vista do que prece-


de, certo n ú mero de figuras desta história alemã do tempo presente
considera que o conceito já não tem validade ap ós 1945, que o “ tempo
presente” é o tempo que d á nascimento ao nazismo e o vê desenvolver-
-se para depois desmoronar, mas nã o o tempo posterior, nem a his-
tória do passado próximo no sentido estrutural. Da í o aparecimento
nos anos 1970 de um novo corte histó rico: a “ neure Zeitgeschichte”,
ou “ a mais recente hist ória do tempo presente” — conceito mais ou
menos t ã o vago quanto a hist ória do muito contempor â neo”, que re -

duz mais uma vez e sempre a contemporaneidade a uma quest ão de
proximidade temporal. “ A ‘história contempor â nea, tal como foi con -
cebida na sequê ncia da Segunda Guerra Mundial, j á não significava
simplesmente a confrontação com o respectivo passado de cada um,
mas implicava també m a preocupa ção com um per íodo particular da
hist ó ria ( alemã em primeiro lugar ) ” ( Conrad, 2010:127). Entretanto,
pode-se notar que essa hist ória tão singular, t ão aparentemente irre-
dut ível apenas ao período nazista, resultou 20 ou 30 anos mais tarde,
em Munique e em quase todos os institutos europeus encarregados
da história da guerra, em uma história das sequelas de longo prazo do
evento e em uma prática da história contemporâ nea em parte eman -
cipada da cat ástrofe original, ainda que esta tenha permanecido como I
um paradigma fundamental para compreender a segunda metade do
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 155

século XX. Quaisquer que sejam as insuficiências ou as ambiguidades


dessa historiografia, qualquer que seja seu traço narcísico original, ela
B levantou um n ú mero impressionante de problemas éticos e teóricos
que estruturaram permanentemente a escrita da história do tempo
presente, do que este livro precisamente tenta dar conta: a dialética
B entre história e memória; a quest ão da “ historicização” ( Historiesie-
I rung ) ou que lugar conceder à moral na abordagem de um fenômeno
tal como o nazismo, e que escolha fazer entre uma história que privi-
1 legia o ponto de vista das vítimas e a que se interessa pelos criminosos
K ou pelos processos de decisão; a oposição entre postura empática e
postura distante, importante em si na prá tica de toda história contem -
porânea, mas singularmente espinhosa por tratar-se de compreender
crimes de massa; os problemas postos pelo surgimento de uma escrita
judicial da histó ria; a polarização, por vezes excessiva, sobre a ú nica
dimensão catastrófica da hist ória do século XX.
O interessante nessa virada historiogr áfica reside com efeito em sua
instabilidade, na ausê ncia de um consenso duradouro sobre a maneira
I de definir seu principal objeto de estudo, em suas profundas ambi-
í guidades ideológicas, na transição forçada entre a velha tradição his -
I toricista e a obrigaçã o de pensar de outro modo a história. Esta deve
K levar em conta agora a necessidade não mais de inserir o presente na
I continuidade de uma hist ória positiva, fonte de orgulho nacional, mas
| de escrever sobre um passado próximo que resultou na humilhação,
na perda e na culpa. Escrever a hist ória não é somente um exercício de
compreensão e de reflexão, é uma confrontaçã o, um combate com um
passado sempre presente, que constituir á durante décadas mais uma
fonte de problemas do que um magisté rio do qual é preciso tirar li-
ções. Daí esta noção central e ambivalente de um necessá rio “ dom í nio
i ' do passado” (Vergangenheitsbewãltigung ) que impregna desde os anos
A?

I 1950 - 60 a rela ção dos alemães com a sua história, e que acabou por

difundir-se com variantes como o “ dever de memória” —em quase
156 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

toda a Europa nos anos 1980 - 90.75 Se se experimenta essa necessidade


de dom ínio, é precisamente porque essa história escapa a qualquer
controle.

Os Estados Unidos constituem outro caso singular quanto à situaçã o


da história e dos historiadores na guerra e no pós-guerra. A necessidade
de justificar um engajamento massivo no conflito mobiliza ainda mais do
que em 1917 todos os setores da sociedade, dos estú dios de Hollywood
às grandes universidades. Os historiadores se encontram, assim como i-
outras profissões, na situação de defender os valores da cultura ocidental,
acerca dos quais os meios mais conservadores dizem que foram “ solapa-
dos” pelos progressos do relativismo e do subjetivismo, teorias denuncia -
das como tendo preparado o fascismo. O fato não é uma anedota, pois
essa mobilização tanto ideológica quanto patriótica continuará durante
o in ício da Guerra Fria, nos anos 1950-60, com uma dupla consequ ência.
Por um lado, volta a ser prestigiosa a ideia de “ verdade histórica objetiva”,
que incumbe aos historiadores exumar e que constitui uma arma essen -
cial contra o nazismo e depois contra o comunismo: “ a coisa realmente
assustadora do totalitarismo não é que ele cometa atrocidades’, mas que
ataque o conceito de verdade objetiva: ele pretende controlar o passado
tanto quanto o futuro”, escreve George Orwell em fevereiro de 1944.76
Por outro lado, a guerra, o pós-guerra e depois a Guerra Fria levarão
a um desenvolvimento significativo da história do tempo presente, mas
dessa vez sem que o respeito à objetividade apareça como um obstáculo
ao estudo do presente, como no século XIX. Ao contrá rio, é em nome de
uma objetividade necessária que o contemporâneo se torna um objeto

75
Ver a obra de referência do historiador Norbert Frei (1997), que começou a sua car-
reira no I f Z , nos anos 1980, sob a direção de Martin Broszat , e se voltou muito cedo para
uma história da memória. Ver também Gaudard (1997). Para uma perspectiva mais
ampla sobre o passado e a memória alemã, ver François e Schulze ( 2007).
76
Orwell, Tribune, 4 fev. 1944, citado por Novick ( 1988:290).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 157

E Importante de investigação, tanto nas universidades quanto em algumas


K Instituições federais. O Office of Strategic Services ( OSS), novo e primei-
I ro grande serviço de informações americano, criado em junho de 1942,
I recrutou, por exemplo, in ú meros intelectuais antifascistas, entre os quais
; membros eminentes da Escola de Frankfurt que desempenharam um pa-
pel importante na compreensão do inimigo, à imagem de Neumann, que
l publicou, em 1942, Behemoth, uma das primeiras aná77lises aprofundadas
da policracia nazista, ou ainda de Herbert Marcuse. O Office of War
I'

Information ( OWI ), criado em 1942 para organizar a propaganda inter-


| na, também utilizou os serviços de inúmeros acadêmicos, entre os quais
jr a antropóloga Ruth Benedict, cujos trabalhos sobre a cultura japonesa,
fundados especialmente nos diá rios pessoais de soldados capturados, na
-i
publicação, em 1946, de uma obra important íssima: O crisântemo e a
i
espada. Do mesmo modo, o Departamento da Guerra cria, em agosto de
1943, uma “ seção histórica ’ no interior da divisão da informação militar
do Estado- Maior geral, para que se encarregue de uma verdadeira fun -
ção “ história” no interior do exé rcito americano, diferente do simples uso
dialético tradicional praticado desde sempre nas escolas militares. Essa
seção envia para campo cerca de 300 historiadores inscritos no contexto
de um novo conceito: a “ história militar operacional” ( Military History
Operations). O objetivo é coletar no calor do acontecimento o testemu-
nho dos combatentes a fim de utilizá-lo, por um lado, como um tipo de
“ retorno de experiência” e, por outro, para manter a coesão interna das
unidades envolvidas, difundindo as entrevistas assim coletadas, sobretu-
f;
'

do junto dos feridos isolados de seus camaradas. A originalidade do mé-


todo posto em prática pelo responsável desse serviço, o antigo jornalista
Samuel L. A. Marshall, consiste em seguir uma unidade no combate e
conversar com os protagonistas nas horas que seguem um enfrentamen -
to, com duas inovações que terão um grande sucesso: “ a primeira é a prá-

77
Sobre o papel de Franz Neumann no OSS, ver Salter ( 2007 ) .
158 A ÚLTIMA CATÁSTROFE

tica da entrevista em grupo nos próprios lugares do acontecimento, para


garantir tanto a autenticidade quanto a pertinência dos fatos, mas tam-
bém para favorecer certa vivacidade da narração; a segunda é juntar à
narração uma análise das diferentes situações táticas que permita ao lei-
tor tirar lições da operação realizada na sua totalidade”.78 Vá rios milhares
de testemunhos de combatentes da Segunda Guerra Mundial foram co-
letados desse modo, abrindo caminho a um ramo muito ativo da história
do tempo presente nos Estados Unidos: a história oral da guerra, que se
encontra no cruzamento de duas grandes tradições historiográficas an -
coradas no tempo presente, a história oral e a história militante.79 É, com
efeito, no contexto do pós-guerra que foram constituídas as primeiras
grandes coleções de arquivos orais, em especial o Oral History Research
Office, fundado na Universidade de Columbia, em 1948-49, pelo histo -
riador Alan Nevins. Este retoma uma tradição inaugurada nos anos 1930
com as grandes investigações de história social conduzidas no contexto
do New Deal, ou ainda com os trabalhos pioneiros de sociologia urbana
da escola de Chicago.80 Assim, os dois grandes eventos que marcaram

em menos de uma geração a Greatest Generation, como foi nomeada
posteriormente —
a história dos Estados Unidos: a Grande Depressão,
vivida como uma catástrofe económica e social sem precedentes, e a Se-
gunda Guerra Mundial favoreceram o surgimento de uma historiografia
do passado próximo profundamente impregnado pela ideia de que a ex-
periê ncia direta dos atores devia constituir ao mesmo tempo uma fonte
principal e um objeto essencial das análises históricas, dando assim uma
nova dimensão à noção de contemporaneidade que surgiu após 1918.

78
Krugler ( 2009:59-75), um artigo original sobre um tema desconhecido. Sobre um
tema próximo, ver Frankland (1998 ), memó rias de um antigo piloto da Royal Air Force,
que se tornou diretor da Imperial War Museum de 1960 a 1982.
79
O estudo mais conhecido do gênero, talvez o primeiro, é o de Terkel (1984) .
80
Sobre a história da história oral, ver, em francês: Joutard (1992:13-32) e Descamps
( 2001).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 159

Contrariamente a uma ideia herdada, o desenvolvimento da história oral


' começou muito antes dos anos 1960- 70 e dos grandes movimentos de
I contestação que quiseram dar a palavra aos sem -voz e aos anónimos da
f história. Essa forma de abordagem, diretamente ligada ao enraizamento
do tempo presente como categoria historiográfica, também se preocu-
pou com a origem tanto dos combatentes do Pacífico e, posteriormente,
da Guerra da Coreia quanto das elites económicas ou políticas, antes de
se ocupar dos operá rios, das mulheres e dos imigrantes: foi Roosevelt
I "

que inaugurou a primeira biblioteca presidencial que coleta arquivos e


f testemunhos sobre o mandato, tradição formalizada em 1955 em virtude
do Presidential Libraries Act. A história oral, bem como a história do
tempo presente em geral, foi iniciada, assim, em primeiro lugar por e no
momento posterior dos grandes cataclismos históricos da primeira me-
tade do século XX, antes de se constituir, 30 anos depois, em programa
historiográfico e contestador.
í Durante a Guerra Fria, o desenvolvimento de uma historiografia do
contemporâneo se acentuará, e o contexto oferecer á oportunidades para
f: - os historiadores e politólogos se engajarem no estudo das relações in -
ternacionais, na análise do totalitarismo, conceito que ganha corpo no
mesmo momento, ou ainda na história da URSS e do sistema soviético,
um campo quase virgem antes da guerra, que ter á um crescimento es-
petacular.81 Esse investimento massivo, motivado pelas circunstâ ncias,
financiado por fundações ou organismos mobilizados pela luta contra
mt o comunismo, talvez explique o fato de o desenvolvimento da história
do tempo presente nos Estados Unidos não parecer ter suscitado de-
bates comparáveis ao que acontece na Europa sobre sua factibilidade
ou sua legitimidade. Essa maneira de fazer história se verificou quase
de saída como óbvia e não parece ter gerado a partir de então disputas
epistemológicas comparáveis às que agitaram os historiadores alemães,

81
Novick (1988:310 ) . Ver também Werth ( 2001:878-896) .
160 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

franceses e italianos nos anos 1970-80, debate reativado na Europa pós-


-comunista ou nas democracias da América Latina nos anos 1990 - 2000.
Acrescentemos com uma expressão mais lapidar que a dependência dos
historiadores em relação ao contexto político foi bem pior do outro lado
da Cortina de Ferro, onde a história contemporânea se tornou um ins -
trumento a serviço dos regimes comunistas. A história contemporâ nea
foi particularmente mobilizada na defesa do sistema e na produ ção de
uma hist ória sob medida, também pela elaboraçã o de grandes mentiras
de Estado, negando, por exemplo, a existência de protocolos secretos do i
pacto germano -soviético de 1939 ou ainda imputando o massacre de
Katyn de 1940 aos nazistas. A história contemporâ nea se tornou assim
no mundo comunista a parte da disciplina mais sujeitada pelo poder
político, não sem algumas semelhanças nos meios comunistas ociden -
tais, ainda que essa historiografia mereça sem d úvida ser abordada hoje B
com um olhar mais nuan çado.82 Após a queda do Muro de Berlim , os |
historiadores contemporanistas soviéticos, da Alemanha oriental, po - H
loneses etc. terão aliás muito mais dificuldade para conservar seus pos -
tos ou suas posições, comparados aos seus homólogos medievalistas ou Í
modernistas.

O tempo dessincronizado

Se fosse necessá rio, finalmente, apontar uma última diferença na res-


1
pectiva historicidade das duas guerras mundiais, seria preciso mencio -
ï
nar o caráter heterogéneo, por vezes irredut ível uma à outra, das experi- :

ências vividas. É em parte o caso nos Estados Unidos, onde os combates


ocorreram ao longe e onde a popula çã o civil nã o conheceu a violência %
da guerra. Mas isto é sobretudo verdadeiro na Europa, à medida que

82
Ver Jarausch ( 1991) . Ver também Berger (1995:187 - 222 ) .
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 161

contemporaneidade se traduz menos em termos de simultaneidade


A
de experiências do que de dessincronização radical dos tempos vividos.
A despeito das disparidades entre homens e mulheres, civis e comba-
tentes, habitantes das zonas de combate e das zonas desmilitarizadas,
e mais ainda entre vencedores e vencidos, a Primeira Guerra Mundial
tinha, apesar de tudo, levado, após o ocorrido, a uma narrativa mais ou
menos dominante entre os antigos beligerantes: a de uma experiê ncia de
massa compartilhada em razão da intensidade da violê ncia do campo de
batalha e de suas repercussões fora dele. Esse espaço tinha transcendido
í as antigas linhas de fronte para criar um rudimento de memória comum
no interior do mundo dos combatentes, apesar dos ressentimentos. A
contemporaneidade do pós-1918 foi assim impregnada da ideia, am -
plamente constru ída, de uma comunidade de experiência, a da “ geração
B do fogo”, soldada por uma espécie de unidade de tempo, de lugar e de
|ação. Após 1945, apesar do destaque que se dá a uma comunhão de
-

H destino fundada desta vez não na experiência do fronte, mas no fato


de ter sido vítima da mesma barbá rie de uma ponta à outra da Europa,
de ter resistido a ela e de tê-la vencido finalmente, é a diferença radical
de situações que se imporá por algum tempo na percepção do evento.
E com razão: não houve nada de comum entre a experiê ncia do fronte
do Oeste e a do fronte do Leste; entre a zona não ocupada francesa, que
praticamente nã o viu alemães até 1944, e o resto da Fran ça ocupada; en -
tre a situação da França em seu conjunto e a da Polónia; entre o destino
dos prisioneiros de guerra franceses, belgas, neerlandeses ou ingleses e
a dos prisioneiros de guerra soviéticos, vítimas de massacres organiza -
dos e sistemáticos; ou ainda no tratamento reservado aos cativos após a
guerra, tendo os primeiros voltado para casa e os segundos tendo sido
-
enviados para o Gulag. Não há comparação, apesar do horror das si-
tuações vividas, entre os deportados de campos de concentração e os
dos campos de extermínio. Essas diferenças nem sempre foram admiti-
das ou compreendidas logo em seguida, nem encontraram no imediato
162 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

pós-guerra um respectivo espaço político ou cultural para se exprimir


r
e influir de maneira igual nas percepções coletivas do evento. Houve,
sabe-se, hierarquias na celebração dos heróis e dos má rtires, enquanto
os resistentes ou os comportamentos resistentes ocuparam naturalmen -
l
te um lugar proeminente na memória oficial da maior parte dos países
ocupados pelos nazistas. Se a ideia de um silêncio dos sobreviventes
judeus do Holocausto após a guerra é sem dúvida uma construção re-
cente, pertencente ao contexto dos anos 1970-80, em que se pretendeu,
com ou sem razã o, desfazer tabus, se a sensibilidade desta época em
in ú meros países europeus nã o foi t ão indiferente ao genocídio cometido
contra os judeus quanto foi dito nas últimas décadas,83 isso n ã o significa
que não há compara ção possível entre o lugar que a memória do Holo-
causto ocupa na consciência coletiva europeia desde os anos 1990 e o
que ela ocupava nos anos 1950. É essa diferença que me interessa aqui,
pois resulta de um fenômeno de igual modo relativamente inédito na
história: o efeito tardio na representação de uma catástrofe e o fato de
que as gerações nascidas três ou quatro décadas após os fatos tenham
decidido refundar completamente um sistema de representações nas-
cido durante os eventos e na sua posteridade imediata. Elas o fizeram a
fim de empreender uma “ reparação da história” em grande escala, uma y


verdadeira a ção retroativa sobre o passado processos tardios, indeni-
zações, desculpas nacionais, novos monumentos, novas comemorações
— que diz respeito exclusivamente ou quase às vítimas inocentes pre-
sumidamente esquecidas do pós-guerra, inicialmente os judeus vítimas
do Holocausto e, posteriormente, por quest ão de igualdade, os rons,
os trabalhadores forçados, os homossexuais, os prisioneiros de guerra
etc. Entre a memória do evento tal como se desenvolve no pós- guerra e
meio século após, não há somente uma diferença de conte údos, há uma

Vários trabalhos recentes põem em questão essa ideia: sobre o caso americano, ver
83

Diner ( 2009); sobre o caso francês, ver Azouvi ( 2012).


A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 163

diferença de natureza. No primeiro caso, as representações do passado


I
i
foram produzidas e se endereçaram à geração que viveu o drama; no se-
fr. gundo, elas são parcialmente produzidas pelos atores que sobreviveram
I
e se endereçam a gerações muito afastadas do evento, do qual se reduziu
a distância temporal em relação ao presente por toda uma série de dis-
I.
f positivos, em particular a imprescritibilidade jur ídica que torna todos
! os atores de um processo ( além do acusado e das suas vítimas) “ contem -
k
porâneos” do crime cometido há meio século. Há aqui uma mudança na
I
í
definição da contemporaneidade que est á no contexto das últimas déca -
ï
r das, mas que encontra parte de sua explicação na historicidade própria
I da Segunda Guerra Mundial e da sua posteridade tanto a curto quanto
a longo prazo.
I As duas situações, a do pós-guerra e a de hoje, escondem , aliás, um
í; mal-entendido análogo. No primeiro caso, a representação do passado
k
g.
da guerra repousou implicitamente na ideia de uma contemporaneidade
i3 presumidamente compartilhada, que não era em realidade senão relati -
r - va, uma vez que as experiências vividas não podiam reduzir-se apenas à

{ sua simultaneidade. Ao comemorar inicialmente o mart írio dos depor-
tados resistentes, as celebra ções oficiais do pós- guerra pensavam come-
y?
tf morar també m a lembrança dos judeus deportados cuja destino singu-
i.
lar não tinha, no contexto de ent ão, razão de ser posto particularmente
em destaque, sem imaginar que elas pudessem um dia ser denunciadas
retrospectivamente como injustas em relaçã o às vítimas esquecidas. Da
mesma maneira, o investimento considerável, nacional e intelectual,
dessas três últimas décadas na comemoração do Holocausto, que dá a
esse evento uma centralidade que ele não tinha nas representações de
1945, repousa na ideia segundo a qual se pode criar contemporaneidade

não mais ignorando as diferenças de situa ção trata-se ao contrário de

enfatizá -las , mas ignorando dessa vez o tempo transcorrido, uma vez
que se pede a gerações nascidas vá rias décadas após os fatos que consi-
derem a lembrança dessa catástrofe como se ela tivesse acontecido on -
164 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

tem, que sintam ainda uma parte do impacto emocional, que carreguem
a responsabilidade moral por ela e que assumam uma parte do seu custo *
material. Em 1945, procurou-se abolir o espaço das experiê ncias dife-
renciadas da guerra; nos anos recentes, tentou -se abolir seu horizonte
de espera, uma vez que as nossas gerações já não representam o futuro
das gerações da guerra, a esperança de um mundo melhor para os seus
filhos, mas permanecem mergulhadas, em parte, em um traumatismo u
transmitido e mantido de uma catástrofe que elas não viveram. h

II
â;
k
ir
t
F

CAP Í TULO III

Acontemporaneidade no cerne da historicidade

A situação do segundo pós-guerra do século XX poderia ter permane-


cido excepcional, como um efeito circunscrito do caráter singular do
último conflito mundial. O interesse pela história do tempo presente
poderia ter diminuído à medida que nos afast ávamos do acontecimen -
to. Ora, foi exatamente o inverso o que aconteceu. A lembrança dessa
última catástrofe resultou, ao contrá rio, em uma preocupação crescente
K

II pela história dessa guerra em particular, e pela hist ória do passado pró -
ximo em geral tanto no mundo acadêmico quanto no espaço público.
;
Nos últimos 30 anos, o “ presente” se tornou o regime de historicidade
dominante: falar de hist ória na literatura, no cinema, nas manifestações
culturais ou patrimoniais, e sobretudo nos debates políticos, é falar com
frequê ncia prioritariamente, se não exclusivamente, do passado próxi-
mo para se afastar dele, para julgá -lo, para repará-lo. As imagens das
catástrofes que se sucederam desde 1914 passam repetidamente em
nossas telas e formam um elemento determinante do imaginário con -
temporâ neo, ao passo que as imagens mais distantes parecem desbotar,
ou pelo menos perder seu caráter presente a sua força estruturante de
166 A ÚLTIMA CAT Á STROFE


uma identidade coletiva. Pior ainda, se é lícito dizer, este “ presente”

que cobre em verdade a duração do último século adquiriu de fato o
status de medida para apreender outros períodos da história aos quais
se aplicam categorias contemporâneas, como quando uma lei francesa
de 2001 qualifica retroativamente a escravidão e o comércio escrava -
gista ocidental como “ crimes contra a humanidade”. Nesse contexto,
assistiu -se a uma mutação profunda do equilíbrio da disciplina, uma
vez que a história do tempo presente, qualquer que seja a sua denomi-
nação, ocupa agora em n ú mero de estudantes, em temas de tese, em
superfície institucional, editorial ou midiática uma posição claramente
maior, se comparada à história moderna, medieval ou antiga. Quais são
as ligações entre as duas coisas? Como explicar essa mudança, variável
segundo os lugares e as modalidades? Neste capítulo, o caso francês foi
um pouco mais privilegiado que os outros. Se a Zeitgeschichte alemã, a
despeito das ambiguidades, desempenhou um papel essencial no surgi-
mento de uma história contemporâ nea após 1945, a história do tempo
presente francesa, sem ser um modelo do mesmo gênero, ilustra, con -
tudo, muito bem o fim das últimas reticê ncias epistemológicas em vista i

dessa prática nos anos 1970-80.

A longa duração ou a resistência ao presente

O movimento de institucionalização começado em 1945, inicialmen -


te em lugares singulares e especializados, desenvolve-se quase em todo
lugar nos anos 1960- 70. Na Alemanha, o trabalho do Institut f ü r Zeit-
geschichte é acompanhado, no fim dos anos 1960, pelo aparecimento do
currículo sobre a história próxima em cerca de 15 universidades, sendo
a história do nazismo minorit ária em proveito de uma história mais ge-
ral da Alemanha e da Europa (Conrad, 2010:130 ). Na França , a história
contemporâ nea aumenta sua influência, mas sempre com fortes resis-
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 167

I tências, por vezes inesperadas. A presença de um Pierre Renouvin na


I Sorbonne, depois na Fundação Nacional das Ciências Políticas ( FNSP )
[ que ele preside de 1959 a 1971, marca uma forma de reconhecimento,
-

ele que foi após 1918 uma figura emblemática de uma nova abordagem
da contemporaneidade. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, ele
adotou posições bem mais conservadoras, a dar crédito a René Girault,
um dos jovens historiadores da época que seguiu seus ensinamentos.

Pierre Renouvin, rapidamente, tornou -se mais prudente sobre a história do


tempo presente. Quando, em 1925, ele escreve um primeiro livro sobre as
origens diretas da Primeira Guerra Mundial, ou seja, apenas dez anos após
o conflito, ele chegou a uma convicçã o que resultou em uma verdadeira lei
para os historiadores posteriores: n ão fazer história do tempo presente. O
resultado desse paradoxo é que ser á ele, no imediato pós segunda guerra
mundial, quem fará o conselho científico da Sorbonne adotar a decisão de
proibir teses que versassem sobre uma história muito contemporâ nea ou,
para ser mais preciso, seria preciso estabelecer uma relação entre a abertura
i dos arquivos e a capacidade de fazer uma tese sobre um dado assunto. Isso
significou na época que não se podia fazer tese sobre a história do período
posterior a 1914. Houve duas exceções nos anos 1950, porque nos dois ca -
sos o futuro autor da tese teve, por razões pessoais, acesso a pastas às quais
outros n ão tinham. [...] Durante muito tempo, Pierre Renouvin recusou
assim teses que ultrapassavam 1914. Na época, era uma história “ imediata”
v demais. [ Girault, 1998:7-9]

Isto é, a desconfiança persiste nos meios acadêmicos tradicionais


com respeito a uma prática tanto mais sujeita à cautela quanto os temas
B suscetíveis de provocar polêmicas são numerosos em um universo in -
Ï telectual marcado pela Guerra Fria. Desse ponto de vista, a situação da
® França, como a da Itália, em que o peso político e intelectual do partido
5 comunista e a influência do marxismo não têm equivalente na Europa
168 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

ocidental, difere do que acontece na historiografia inglesa, americana ou


alemã. Nenhum campo do saber escapa à fratura entre marxistas e anti-
marxistas de todas as correntes, e entre os historiadores franceses os de-
bates sobre o feudalismo, o Antigo Regime ou a Revolução não tê m nada
a invejar das contrové rsias sobre o fascismo ou a guerra, dentro e fora
do mundo acadêmico. Esta politização dos anos 1950- 70 desencorajou
as voca ções e freou o desenvolvimento da história do tempo presente?
“ O maior n ú mero dos jovens historiadores comunistas da minha gera -
ção se tornou contemporanista ”, escreve Maurice Agulhon, que evoca
aqui a contemporaneidade institucional, a que parte de 1789 ( Agulhon,
1987:24 ). Raoul Girardet, liberal vindo da Action française , lhe d á a ré-
plica: “ É pela aprendizagem da milit ância política que tantos dos meus
companheiros de geração chegaram à maioridade” e, portanto, ao ofí-
cio, escreve aquele que foi um dos historiadores do nacionalismo fran -
cês ( Girardet, 1987:163). Por outro lado, uma militante comunista como
Madeleine Rebé rioux, muito engajada na luta anticolonial, presidente da
|
I

Liga dos Direitos do Homem entre 1991 e 1995, especialista em século


XIX e in ício do século XX, exprimiu frequentemente sua reticê ncia de
!
universit á ria face a uma hist ória muito próxima, aquela precisamente M
dos seus engajamentos de cidadã, e sem d úvida pela “ recusa de se con - 1
.

m
frontar com a história do partido comunista” ( Blum e Vaccaro, 2007:73). 1

O atraso relativo da França se explica em realidade por outras razões


que não a politização do meio. Um pouco mais do que alhures, os historia-
dores franceses são polarizados por uma abordagem estrutural que parece
antinômica com o estudo do passado recente. Iniciativas singulares como
o CHGM ou o CDJC são certamente encorajadas por historiadores bem
colocados: vimos isso com Lucien Febvre apoiando os Cahiers d’ Histoire
de la Guerre, que, porém, não oferecia um modelo de história-problema
tal como ele chamava. Mas fica-se ainda mais ou menos na ideia de que
existe uma divisão do trabalho entre lugares muito especializados cuja
A CONTEM PO RANElDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 169

F
r existência se justifica por questões de urgência moral e ética, e a Univer-
sidade em sentido amplo que tem como tarefa desenvolver os cânones da
P
disciplina, os quais pouco se preocupam com uma história mais recente.
I
P Quando, antes da guerra, a darmos crédito ao estudo citado de Henk Wes-
1 '
seling, a revista Annales deu a esta última uma grande atenção e se dedicou
â encontrar uma nova dinâmica entre passado e presente, ela parece, após
1945, abandonar esse campo: até 1977, a história dos séculos XIX e XX
i ocupa de maneira estável cerca de 16% do n ú mero de páginas, ao passo
, que a história dita então “ imediata”, que ocupava cerca de 22% do volume
antes da guerra, diminui regularmente até não ocupar senão 6%.84 A esse
I respeito, o historiador neerlandês não concede vantagem a nenhum dos
« protagonistas, alegando que, não conseguindo a historiografia do contem -
porâneo dissociar-se da mais tradicional história política e manifestando
J um desinteresse pelos avanços da escola dos Annales, esta abandonou o
| campo. O argumento convence apenas em parte, pois isso não explica por
I que nesse grupo e quando a historiografia francesa conhece um período
f de grande influência, não se desenvolve um programa capaz de permitir a
!: escrita de uma outra história próxima que não fosse política ou de aconte-
M- cimentos. Os primeiros cientistas de crédito que advogaram em favor de
1 uma história contemporânea apareceram, contudo, no fim dos anos 1930,
m
1 como vimos no capítulo precedente, no mesmo momento da criação dos
Annales, em 1929. Ora, é definitivamente meio século mais tarde, nos anos
1970, que essa preocupação encontrará um lugar na École des Hautes Étu-
des en Sciences Sociales ( EHESS), herdeira da Sexta Seção da École Prati-
que des Hautes Études ( Ephe), criada e dirigida por Lucien Febvre, depois
por Fernand Braudel, em um contexto em que toda a disciplina está se in-
teressando pela questão. Nos anos 1950-60, há realmente um abismo entre

uma historiografia medieval e moderna inclusa a Revolução Francesa
— reconhecida, e criando novos paradigmas ( a longa duração, a história

84
Wesseling ( 1978:185 - 194) . Ver também Dosse ( 1987:46- 47 ) .
170 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

imóvel, as mentalidades) ou novos objetos (o clima, o cotidiano), e uma


historiografia do tempo presente ainda fracamente implantada, prisionei-
ra de temas qualificados de “ tradicionais” (as guerras, as revoluções, o fas-
cismo ) e de paradigmas aparentemente ultrapassados (o acontecimento).
Essa situação se parece muito com uma repetição do fim do século XX, em
que os sucessos da escola metódica tinham barrado o desenvolvimento de
uma historiografia científica do contemporâneo. A priori* a aproximação
pode parecer herética, uma vez que os Annales se construíram contra a
referida escola, e continuou a prosperar após a guerra, dando a crer que o
inimigo acontecimento, embora amplamente aniquilado, ameaçava sem-
pre as imediações da avenida Raspail. Contudo, há a meu ver um ponto
em comum entre os dois: a recusa, ou talvez a incapacidade, tanto de um
Seignobos quanto de um Braudel, em aceitar o caráter incerto e inacabado
de toda história do tempo presente, que vai ao encontro da sua perspectiva
fundamentalmente cientificista. Acresce-se a isso a questão mais precisa
da incompatibilidade de fundo entre o conceito de “ longa duração” defen-
dido por Braudel, figura dominante da historiografia da época, e o estudo
do tempo de então, o da primeira metade do século XX.

Cativo durante a guerra, em Mayence, depois em Lü beck, Fernand


Braudel não somente concebe nos oflags a sua tese sobre o Méditerranée
et le monde méditerranéen à l époque de Philippe //, mas enuncia pela
primeira vez o conceito de longa duração que formalizará em 1958
(Schõttler, 2011). Para tanto, ele aborda de modo muito pessoal a ques-
tão da atualidade, do acontecimento, dos acontecimentos:

A boa política, a atitude viril é reagir contra eles, suportá - los pacientemente
desde o começo, e sobretudo julgá -los pelo seu valor, por vezes tão irrisório,
pois os grandes acontecimentos apagam-se com rapidez, sem deixar nunca
após si as importantes consequências anunciadas. Basta pensar no destino
de tantas vitórias brilhantes ou de tantos grandes discursos políticos! Que
A CONTEMPORAN ElDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 171

resta deles dois ou três meses depois? E o que reterá a história em cinquenta
anos, em bloco, do nosso tempo tão inquieto, monstruosamente preocupa -
do consigo próprio?85

Fernand Braudel evoca aqui a propaganda alemã de que os prisio-


neiros de guerra são alimentados e a maneira de resistir a ela. Mais pro -
fundamente, o texto esconde uma vontade de evadir-se da presença do
seu próprio presente, uma ideia que ele exprimiu muitas vezes: “ todos
esses acontecimentos que a rádio e os jornais derramavam sobre nós...,
era preciso que eu os superasse, os rejeitasse, os negasse..., crer que a
história, o destino, foram escritos em uma profundidade bem maior,
escolher o observatório do tempo longo” ( Braudel, 1972, citado em
Braudel, 1997:20- 21 ).86 Foi assim que seus companheiros habituados às
conferências dadas no Oflag Xllb de Mayence, em 1941- 42, se tinham
habituado a reagir aos an ú ncios deprimentes das vitó rias alemãs no
fronte do Leste, gritando: “ É acontecimento, nada mais que aconteci-
mento!”, como para conjurar a sorte ( Braudel, 1972, citado em Braudel,
1997:20- 21). Pensamos aqui na situação de alguns grandes espíritos,
como Norbert Elias, que, após a Primeira Guerra Mundial, puderam
negar parcialmente ou recalcar nos seus escritos a violê ncia do combate
sofrida, observada ou infligida, da qual eles tinham tido a experiê ncia
direta ( Audoin - Rouzeau, 2008). Da mesma maneira, um dos maiores
historiadores da geração seguinte inventa a longa dura ção e recusa o
evento como “ escuma da história”, no momento em que está no cerne do

maior cataclismo da história da humanidade é verdade, em um relati-
vo isolamento. Longe de ser compreendido como um Walter Benjamin ,
pela urgência imposta pela cat ástrofe e que o levará ao suicídio, Fernand

85 “ L’ Histoire, mesure du monde”, texto redigido em cativeiro, retomado em Braudel


(1997:29).
86
Braudel (1972 ), citado em Braudel (1997:20 - 21).
172 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

Braudel nega o caráter trágico do seu tempo para sobreviver e continuar


a exercer sua criatividade em um universo em que o presente mortífero
apagou o passado e obscureceu o futuro. Ele escreverá, em 1958, em seu
célebre artigo sobre a longa duração: I-

Quanto a mim, lutei muito, no curso do meu cativeiro assaz sombrio, para
escapar à cró nica dos anos difíceis ( 1940-1945). Recusar os acontecimentos
e o tempo dos acontecimentos, era colocar-se à margem, ao abrigo, para 1
olhá -los um pouco de longe, julgá -los melhor e não acreditar demais. Do 1
tempo curto, passar ao tempo menos curto e ao tempo muito longo (se exis -
te, este último n ã o pode ser sen ão o tempo dos sábios ); e depois, chegado a
esse termo, parar, considerar tudo de novo e reconstruir, e até mesmo girar
tudo em torno de si: a operação que deve tentar um historiador. [ Braudel,
1958, retomado em Braudel, 1997:223]

Temos mais uma vez o exemplo de uma resposta nã o traumática


diante dos efeitos de uma cat ástrofe histórica. Contudo, essa concepçã o
do tempo forjada muito cedo no cerne do Terceiro Reich n ã o é somente
uma resposta psicológica em que o lugar do tempo presente e do acon -
tecimento é problem á tico:

O que é de fato um grande acontecimento? Não aquele que tem mais reper-
cussão no momento [...] , mas o que leva às mais numerosas e mais impor-
tantes consequências. As consequê ncias não se produzem imediatamente,
elas são filhas do tempo. Daí as múltiplas vantagens que há em observar
uma época com um grande recuo. É igualmente uma vantagem apreender
alinhamentos de fatos, n ão como pontos, mas como linhas de luz. É impor-
tante, ao estudar um drama, conhecer a sua última palavra.87

87“ L’ Histoire, mesure du monde”, texto redigido em cativeiro, retomado em Braudel


(1997:49).
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 173

E Braudel cita dois exemplos que mostram os escolhos quando fal-


ta o sacrossanto recuo. O primeiro é o de Henri Pirenne, que, termi-
nando a sua Histoire de Belgique, queixou -se “ de ter tido de trabalhar
em uma hist ória próxima demais dele, ainda não decantada, de se ter
afogado em uma poeira de fatos em que nada se distinguia com segu -
rança” O segundo é de Émile Bourgeois, que, para escrever o último
tomo do seu Manuel historique de politique é trangè re, teve de esperar
o fim da Primeira Guerra Mundial para compreender melhor o con -
1 gresso de Berlim de 1878. Da í a ú nica conclusão possível: “ é preciso
sem d úvida que uma é poca se tenha destacado suficientemente de n ós
a
e dos liames da atualidade viva, que tenha feito a sua circunvolução e
tenha permanecido o tempo requerido na podridã o, assim como algu-
mas prepara ções anat ômicas, para revelar a sua estrutura profunda”.
88

Fernand Braudel retoma por conta pr ó pria a ideia dos cientificistas e


dos metódicos do século XIX, e algumas expressões lembram as de
tm um Fustel de Coulanges, poré m com duas grandes diferenças. Por um
lado, n ão se trata de compreender um acontecimento ou um processo,
uma vez este “ refrescado”, mas de observar melhor, graças à longa ou
alta perspectiva, como em uma foto aé rea , as estruturas profundas da
sociedade. Por outro lado, longe de considerar que o tempo transcor -
W' -
rido seja uma deficiê ncia que deve ser superada pela empatia ou pelo
método objetivo, ele vê nele “ um privilégio do historiador ”, assumindo
assim a posição subjetivista que est á no cerne do projeto dos Annales.
s*£ Mas, no fim das contas, o resultado será o mesmo: a histó ria contem -

a

r porâ nea se vê mais uma vez reduzida à política e ao curto prazo



aquilo de que é necessá rio precisamente desvencilhar -se , donde o
divórcio posterior. Braudel não explica, contudo, em nenhum momen -
to, em que o longo prazo oferece uma melhor inteligibilidade do que
o curto prazo, uma vez que não se observa unicamente as estruturas

88
Ibid.
174 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

com fraco ritmo de evolu çã o, nem em que esse mé todo pode ser apli-
cado para compreender um século, o seu, marcado precisamente pela
acelera ção de um tempo particularmente móvel. Em realidade, se o
conceito de longa dura ção permite compreender a temporalidade pró -
pria do Ocidente medieval ou moderno até as prim ícias da Revoluçã o
Francesa, ele mostra pouca pertinência para analisar as sociedades de
massa contemporâ neas, marcadas pela velocidade e pela sucessã o de
acontecimentos constru ídos e percebidos como outras tantas rupturas
em uma continuidade histórica que perdeu a sua legibilidade. Da í a
escassez dos trabalhos fundados no conceito de longa duração que te-
nham permitido uma inteligibilidade melhor do século XX, ainda que
o termo às vezes seja agitado como um chocalho. Este pertence menos
a um conceito heur ístico do que à interpreta çã o de uma conjuntura,
ainda que milenar, que n ã o é nem eterna, nem universal.
Pode-se, aliás, duvidar de que Fernand Braudel, para alé m das postu -
ras de distinção e de combate, não o tenha compreendido intimamente.
Em janeiro de 1957, a Revue d’ Histoire de la Deuxiè me Guerre Mondiale
dedica um primeiro n ú mero especial ao cativeiro no qual Braudel aceita
fazer uma introdu ção baseada nas recorda ções da sua própria experiê n - I
cia. É uma nova passarela entre os historiadores do CHGM, um lugar
dedicado à abordagem dos acontecimentos, se de fato o foi, e à aristo -
cracia da disciplina. Rendendo homenagem à equipe de Henri Michel,
Fernand Braudel escreve:

Como Lucien Febvre disse frequentemente e como repetirei, agora que ele
j á n ão está aqui: a história é o estudo do passado, certamente, mas também
uma explicação do presente em que vivemos. Os advogados que preconi-
zam a necessidade do recuo para o historiador se enganam, em parte, sobre
a própria essência do nosso ofício: em todo caso, eles deixam deteriorar-se a
maior parte da matéria - prima da história, de um tempo do qual emergimos
e que continua, com efeito, a pesar sobre nós. [Braudel, 1957:3-5]

>
K
$ A CONTEM PO RAN El DADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 175

Ele não está errado em lembrar que retoma as palavras utilizadas


nessa revista por Lucien Febvre, alguns anos antes. O mesmo nú mero
publica acerca desse texto uma breve homenagem ao cofundador dos
Annales, morto no ano anterior, e que foi durante 10 anos o presidente
do conselho diretor do CHGM:

Ele gostava de dizer, por brincadeira, que não era especialista em histó ria
contemporâ nea; mas nenhum campo de pesquisa lhe permaneceu estranho
por muito tempo, e sua perspectiva aguçada, sua ampla experiência dos
homens e da coisas, lhe permitiam descobrir rapidamente, e ampliar, os
caminhos nos quais convinha investir. Que os contemporâneos devam por
primeiro, tão logo extintas as suas paixões, dar a sua versão dos aconteci -
mentos dos quais eles foram os autores, ou simplesmente testemunhas, lhe
parecia por demais evidente, para o maior proveito das gerações vindouras,
para que o passado mais próximo delas pelo tempo n ão fosse também o que
elas conhecessem menos e n ão lhes ficasse estranho. Se, nesta Revue, os te-
mas mais ardentes do segundo conflito mundial foram por vezes abordados,
se as paisagens humanas mais atormentadas da nossa época se seguem por
I
vezes aí, clarificadas pelo historiador, é a Lucien Febvre que o devemos.89

A integridade dessa consideração acerca de uma história contem -


porânea ainda perto demais em seus métodos que eles não cessaram de
denunciar poderia passar por uma simples polidez acadê mica ou um
oportunismo benfazejo relativamente a um período do qual se foi ator.
Entretanto, no que diz respeito pelo menos a Fernand Braudel, a con -
tradição é demasiadamente forte sobre a questão do recuo entre a sua
posição de 1943 e a que ele defende em 1957, para não denotar uma
incerteza, ou até mesmo uma tensão entre duas necessidades epistemo-

89
Lucien Febvre (1878-1956). Revue d’ Histoire de la Deuxième Guerre Mondiale, n. 25, p.
2, jan. 1957. Esse texto foi escrito sem d úvida nenhuma por Henri Michel.
176 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

l ógi s contrá rias: a espera por um distanciamento e a urgê ncia de com -


preender, tensão que estrutura toda a escrita de uma história do tempo
presente, como já sublinhamos várias vezes. É verdade que a posição de
Braudel não é idê ntica à de Febvre, pois ele parece ver na história con -
tempor ânea uma coleta primá ria de fontes e de testemunhos, uma es-
pécie de fase preliminar a uma historiografia futura, num momento em
que o Comité de Henri Michel já havia ultrapassado esse est ágio havia
alguns anos e j á produzia seu pró prio conhecimento elaborado sobre o
per íodo da guerra, j á não se contentando com uma simples coleta. Isso
nã o impede que essas tomadas de posição sejam tanto mais espantosas
quanto elas são concomitantes com o seu artigo fundador sobre a longa
duração, publicado em 1958.
Sem reacender um debate que fez correr muita tinta e parece um
pouco ultrapassado hoje, lembremos contudo que esse artigo estig-
matiza mais uma vez o mesmo inimigo íntimo: “ a história tradicional,
dita dos acontecimentos, sua etiqueta se confundindo com a história
política”.90 Essa história política, de certo modo fantasiada, se tornou
um bode expiatório reconfortante, pois mantém sempre em aparê ncia

a mesma face traço pró prio a toda construçã o de um inimigo ou de
um adversá rio hereditá rio. Essa condenação vale, aliás, para a história
em geral e nã o para a ú nica história contemporânea que não é aborda -
da diretamente nesse artigo. Do mesmo modo, outra nuança, o autor
nota que “ a história política não é necessariamente de acontecimentos”,
uma observa ção incidental cujo alcance se pode medir hoje, haja vista
a renova ção da história social ou cultural do político na França nesses
últimos 20 anos pelo impulso dado por René Rémond e continuado por
Jean -François Sirinelli e outros. Permanece, em todo caso, a ambivalên-
cia de que o autor dá mostras acerca do estudo do presente.

90
Fernand Braudel (1997:196-197). Sobre esse debate, ver o livro fundamental de Fran -
çois Dosse ( 2010) , que recorta várias das problem áticas abordadas aqui, que discutimos
juntos há muito tempo.
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 177

Mas o que não daria o viajante da atualidade para ter este recuo (ou este
avanço no tempo), que desmascarasse e simplificasse a vida presente, con -
fusa, pouco legível porque cheia demais de gestos e de sinais menores?
Claude Lévi-Strauss pretende que uma hora de conversa com um contem -
porâneo de Platão o informaria, mais do que nossos discursos clássicos,
sobre a coerência ou a incoerência da Grécia antiga. Estou plenamente de
acordo. Mas é que ele ouviu, durante anos, cem vozes gregas salvas do silê n -
1
cio. O historiador preparou a viagem. Uma hora na Grécia de hoje n ão lhe
ensinaria nada, sobre as coerê ncias ou as incoerências atuais.

Mais ainda, o perquiridor do tempo presente n ão chega às tramas “ finas”


das estruturas sen ão com a condiçã o de, ele também, reconstruir, avan çar
hipóteses e explicações, recusar o real tal como se percebe, truncá -lo, ultra -
passá - lo, todas as opera ções que permitem escapar ao dado para domin á-lo
melhor, mas que sã o, todas, reconstru ções.91

Por um lado, a sua cr ítica visa as ciências sociais ignorantes da história


e do trabalho do tempo longo, como a economia, incapaz de remontar
“ antes de 1945”. É a ocasião de lembrar a superioridade da história, uma
superioridade fundada no recuo. A história é ainda e sempre a disciplina
que permite ter acesso à verdade de uma época pela dist â ncia tempo-
ral, a ú nica que pode discernir as linhas de força essenciais em meio
aos cegos que são os contemporâ neos que se agitam no seu tempo sem
compreender nada dele. E uma vez que as ciências sociais diferentes da
história versam, por definição, sobre o estudo do presente, é preciso, por-
tanto, afirmar no seu seio a superioridade do historiador. Por outro lado,
Braudel parece ao mesmo tempo querer livrar-se dessa questão ao lem -
brar que a querela entre o distante e o atual é no fundo vã, a aceitarmos,

91
Ibid., p. 207. As palavras são sublinhadas pelo autor. A citação de Lévi-Strauss é do seu
artigo “ Diogène couché”, v. 7, n. 2, p. 253, 1957.
178 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

juntamente com Bloch e Febvre, a ideia de uma dialética entre passado e


s
presente. Julgando insistir, ele propõe um programa a priori impossível:
para compreender o real: seria necessário recusá -lo para reconstruí-lo, r
l
í
projeto de que são evidentemente incapazes, a seus olhos, os especia -
listas no presente que são os sociólogos ou os economistas ignorantes
da história. Ao fazer isso, ele abre incidentalmente outra via na qual a
dist â ncia entre passado e presente não é somente temporal e, portanto,

passiva o historiador deve esperar que o tempo faça a sua obra, o que

não é particularmente novo , mas consiste em uma operação intelec-
tual, uma construção que busca livrar-se da sua própria época por certo
tipo de olhar, de método ou de postura. Ora, criar distância em relação
ao muito próximo é a direção que tomará, 20 anos mais tarde, a história
do tempo presente francesa, dando à noção de contemporaneidade outra
acepção diferente da pura dimensão temporal.
I

Apreender a história em movimento


1
Um ano antes da publicação do artigo de Fernand Braudel sobre a longa 1

duração, em 1958, outro historiador, René Ré mond, de uma geração


mais jovem ( nasceu em 1918 ), publicava um artigo menos famoso, mas
não sem import ância: “ Defesa de uma história abandonada. O fim da
Terceira Rep ública”, editado em uma revista de ciê ncia política, uma
escolha em si mesma muito significativa. Fortalecido pela notoriedade
adquirida graças à sua obra publicada em 1954, e que se tornou rapida-
mente um clássico da história política francesa: La droite en France de
1815 à nos jours , o autor deplora aí o fato de que “ os dez últimos anos
da Terceira República constituem um dos mais belos exemplos de des- J

graça aparentemente inexplicável” ( Rémond, 1957:253). Centrado no


silêncio que circunda a história da França dos anos 1930, esse artigo se
tornou no linguajar profissional da disciplina um dos atos de fundação
-
i
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 179

? da historiografia contemporânea francesa. O próprio autor contribuiu


V

i
amplamente, aliás, para isso: “ o artigo teve alguma repercussão e as re-
*t ações n ão foram todas positivas: defender, em 1957, que os historiado-
r

res comecem a se interessar pelo Conselho do Bloco Nacional ou pelas


eleições da frente de esquerdas parecia ainda a alguns historiadores uma
i aventura e mesmo uma provocação”, escreverá ele em 1987, quando se
p
tornará um dos historiadores franceses com maior reputação ( Rémond,
!
I 1987:341). É verdade, salvo que o autor não diz nada sobre a situação no
¥

I
estrangeiro, sobretudo nos Estados Unidos ou na Alemanha, onde essa
I -
história já está bem estabelecida, nem leva em conta o fato de que uma
l
das correntes dominantes da historiografia da época não vê nela nenhu-
i
ma temeridade intelectual, mas a manifestação de uma história política
I dos acontecimentos caída em descrédito. De fato, a apologia de René
i
Rémond não dissocia história contemporâ nea e história política. Ele
confirma assim involuntariamente o laço consubstanciai que existiria
entre as duas e parece defender de maneira simétrica muito exatamente
o que Braudel e a corrente dos Annales continuam a estigmatizar.
No fundo, René Ré mond censura às revistas científicas e aos manu -
:

r ais universitários o fato de pararem nos momentos seguintes à Primeira


I
;
Guerra Mundial ou tratarem de maneira lapidar os anos seguintes.

A proximidade do período o explica facilmente: talvez seja cedo demais


para estudos de conjunto e pode-se estimar legitimamente que a hora das
«
grandes sínteses ainda não chegou. Mas que esses dez anos [1929-1939]
h tenham suscitado tão poucos estudos particulares, eis o fato surpreendente.
O silê ncio da história feita encontra sua explicação na indiferen ça da histó-
ria que se faz. [ Rémond, 1957:255]
J
I
Rémond defende, portanto, aqui um elemento essencial a toda prática
LV

Íí de história do tempo presente: a apreensão de uma história em movimen-


! to. Ele o faz contudo com uma grande prudência, uma vez que ele admite
y
180 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

“ que historiadores formados nos bons métodos da crítica histórica e que


visam à objetividade científica tenham escr úpulos ao abordar um perí-
odo ainda muito próximo e uma regra de esperar os efeitos benfazejos
do tempo”, voltando-se então para os jornalistas, igualmente pusilânimes
acerca do assunto ( Rémond, 1957:256 ). Primeiramente, ele se contenta
em fazer um apelo para estudar um período desconhecido “ um capí- —

tulo distinto da história da Terceira República” , como existe frequen -
temente na disciplina. É o próprio período, a sua atualidade, a sua “ con -
temporaneidade”, e a possibilidade de tirar dele lições para uma Quarta
República, que também est á em crise, que chamam a sua atenção, ainda
que ele não o diga explicitamente, mais que as condições de possibilidade
de uma história contemporânea, a qual já existe, como ele lembra:

Ora, o silêncio dos historiadores, a absten ção dos ensaístas, já surpreenden -


tes em comparação com o n ú mero dos sinais de interesse que eles deram
nos anos anteriores, parecem ainda mais surpreendentes a quem considera
o período posterior a 1939. Paradoxalmente, estamos dez vezes mais infor-
mados sobre a Segunda Guerra Mundial e sobre os anos seguintes, do que
sobre o fim da Terceira Rep ública [... ] . O Comité de histó ria da Segunda
Guerra Mundial realiza um trabalho considerável, cuja qualidade cient ífica
prescinde dos nossos elogios. Não é inconcebível que estejamos menos bem
informados e equipados sobre a nossa própria história política dos anos
1930- 1939 e que ningué m ou que nenhuma instituição tenha empreendido
um trabalho sobre isso do mesmo quilate? Tal é, contudo, a situação. Esses
1
dez anos de 1930-1939 formam um vazio entre dois maciços no relevo dos
estudos histó ricos. [ Rémond, 1957:257]

Explicando as razões do silê ncio que ele denuncia, René Rémond


acaba por contestar, na sequência desse artigo, uma a uma as objeções
tradicionais a toda história contemporânea, em particular a ausência de
recuo:
A CONTEMPOR ANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 181

Contudo, talvez elas não sejam determinantes. Sobretudo a sua força va -


ria muito com a natureza dos problemas que é preciso estudar. [...] Não se
notou suficientemente que a espera pelo tempo imposto pelas administra -
ções implica talvez uma escolha involunt á ria e que as vantagens usufruídas
també m têm a sua contrapartida onerosa . Espera -se a última palavra de
documentos frequentemente contestáveis, relatórios de polícia previamen -
te desprovidos do mais interessante, correspondências administrativas fre-
quentemente mal informadas da situa ção das preferências; cada consulta
eleitoral administra de novo a prova da lacuna que persiste entre as previ -
sões dos profetas centradas nas indicações dos seus informantes e expressão
do sufrágio universal. Ao mesmo tempo, permite-se por descuido que se
destruam documentos preciosos em posse de particulares e que desapare-
çam testemunhas insubstituíveis. [ Ré mond, 1957:259]

De maneira ainda mais incisiva, ele revolve inteiramente a necessida -


de de um tempo de reserva, enunciando um dos mais fortes argumentos
em favor de uma hist ória do tempo presente que vai desenvolver-se nos
anos 1970-80 a propósito, por exemplo, das testemunhas do Holocaus -
to, que correm o risco de desaparecer antes de terem informado a pos-
teridade:

O estudo quase contemporâ neo nã o torna in útil por antecipação o estudo


M
de documentos empreendido a dist â ncia; ao contrá rio. A recíproca n ão é
menos verdadeira: nada pode substituir a investigação junto dos contem-
1
porâ neos; a esperar o recuo que forneça por uma ação quase mecâ nica a
fisionomia exata da realidade histórica, deixa -se escapar a possibilidade de
encontrar a palavra de alguns enigmas, expõe-se manter sempre sem res-
posta algumas incertezas. É uma ilusão pensar que o tempo trabalha ne -
cessariamente para o historiador e o conhecimento histórico. Longe de ser
cedo demais para empreender o estudo dos anos 1930-1939, não é senão a
hora de começar. [ Rémond, 1957:260]
182 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

Nesse texto, a história contemporânea não é ainda definida pela


existê ncia de atores vivos, embora seu testemunho deva ser recolhido
sem tardar: reencontra-se essa ideia do historiador do tempo presente
como primeira testemunha da testemunha. Sem o dizer explicitamente,
a testemunha se reduz, contudo, à sua “ grande testemunha” : o homem
de Estado, o ministro, o diplomata, ou ainda o líder de partido ou o
chefe de empresa, eventualmente o homem de gabinete. É nesse cami-
nho que René Rémond se empenhará 12 anos mais tarde ao organizar
uma série de colóquios na Fundação Nacional das Ciê ncias Políticas so-
bre essa história abandonada, reunindo historiadores e atores da época
i;
( Ré mond, 1972; Rémond e Bourdin, 1977). O método fez amplamente
escola em história do tempo presente e se verificou produtivo, não fos-
sem algumas derivas em direção de uma historiografia por vezes ten -
tada pelo crédito oficial quando foi preciso trabalhar com ex- chefes de
Estado ou com os seus executores testamentá rios, como na ocasião de
colóquios organizados pela FNSP sobre François Mitterrand (1999 ) ou
Valé ry Giscard d’ Estaing ( 2002). Com maior profundidade, René Ré-
mond define a história contemporânea como uma história em processo
de se fazer que se pode tentar apreender pelas migalhas, mas de que não
se podem tirar ainda todas as lições. Ele defende com convicção a pers-
pectiva de uma história inacabada, provisória, ao mesmo tempo que se
situa em uma visão assaz clássica da historiografia, uma vez que admite
ou concede que a história de um acontecimento ou de um momento não
encontra o seu sentido último senão quando o processo está terminado.
Por outro lado, nunca se apontou uma contradição desse artigo. Por
um lado, ele tenta explicar por que a história dos anos recentes é pos-
sível e mesmo necessá ria, mas, por outro, ele nã o explica o status que
concede ao período da Segunda Guerra Mundial, o outro “ maciço” que
enquadra o “ vazio” dos anos 1930, e acerca do qual ele nos diz que ela é
amplamente estudada. Por que desenvolver em vá rias páginas uma apo-
logia de uma história contemporâ nea e não somente a dos anos 1930, se
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 183

essa história existe efetivamente na paisagem científica? E por que não


tirar nenhuma consequência da experiê ncia adquirida pelo Comité de
História da Segunda Guerra Mundial, do qual ele tece, aliás, um elogio?
A resposta remete provavelmente às ambivalências do autor acerca des-
se período que ele sempre apreendeu como um parêntese excepcional
na história da França e à sua vontade de não fazer julgamentos decisi-
vos sobre instituições que ele próprio tinha atravessado. É com muita
frequência acerca do regime de Vichy que ele invocar á a necessidade
para o historiador de ser “ objetivo” e “ imparcial” ao mesmo tempo que
encoraja os estudos sobre o tema. Em 1967, em uma contribuição para
um dossiê sobre a história contemporânea, publicado pelo novíssimo
Journal of Contemporary History, do qual se tratará mais à frente, ele vol-
ta ao balanço do CHGM francês, mas dessa vez de maneira mais crítica:

O trabalho do comité d á a demonstração concreta de que n ão é impossível


i para espí ritos formados no m étodo histórico ser objetivos mesmo acerca
de eventos recentes que foram o tema de contrové rsias apaixonadas. [ Con -
tudo,] considerando-se o seu interesse a priori pela luta contra o invasor, o
comité teve pouco interesse pelo outro lado, o governo de Vichy e a “ revo-
lução nacional”, ou pelo papel e a personalidade do Marechal Pétain. Nosso
conhecimento dos anos em questão sofre com esta ausência acentuada de
equilíbrio. Excetuados alguns trabalhos n ão partidá rios, entre os quais se
sobressai a História de Vichy de Robert Aron ( Paris, 1954), quase tudo o que
apareceu sobre o regime de Vichy é viciado pelo espírito partidário ou pela
vontade de reabilitação. [ Ré mond, 1967:43]

Três anos depois, René Rémond organizará o primeiro grande coló -


quio, em que ladeiam historiadores e testemunhas, cujo foco é o “ gover-
no” de Vichy ( e não sobre o regime). Ele se limita prudentemente aos
anos de 1940- 42, o “ bom Vichy” de Pétain por oposição ao “ mau Vichy”
de Lavai, uma dicotomia defendida por André Siegfried, a figura tutelar
184 A ULTIMA CAT Á STROFE

da Sciences Po, e ignora completamente a quest ão da colabora ção e so -


bretudo a do antissemitismo, em razão do que ele será por muito tem -

po exprobrado eu fui um desses, e não renego a minha crítica. Um
texto pouco conhecido esclarece, aliás, retrospectivamente seu estado
de espí rito. Em um dossiê de abril de 1972 da revista Réalités, dedica-
do à “ França novamente bendita pelos deuses”, René Rémond — um
m ano após a saída controversa do Chagrin et la pitié escreve um breve
artigo sobre a derrota e a ocupaçã o intitulado “ A ferida de 1940 enfim
cicatrizada”, no qual ele conclui que:

Hoje, a descolonização acabou, a Fran ça est á em paz com o mundo inteiro,


sua economia se transforma em um ritmo que permite a comparação com
os outros; a lembrança dos nossos reveses se afasta e tem -se o direito de
pensar que os seus efeitos psicológicos se apagaram.92

Tendo-se embora interessado como precursor pela quest ão da me -


mória coletiva dos franceses — nos anos 1960, ele organizou um se -
miná rio no Instituto de Estudos Políticos ( IEP ) sobre o tema “ Histoire,

durée, mémoire et politique” ( Lavabre, 2007: par ágrafo 12 ) , ele não vê
chegar a amnésia de Vichy, nem mesmo os efeitos da crise económica,
persuadido de que a França est á agora voltada para o futuro e para a
prosperidade, um traço próprio da sua gera ção.
Para desculpá-lo, se podemos dizer isso, além do fato de que ele con -
tribuirá nos anos 1990 para produzir uma história sem ingenuidade desse
período, René Rémond abordou de frente no colóquio de 1970 o caso
mais complexo de toda história do tempo presente: o estudo de um con -
flito recente, duplicado por um conflito interno, ou até mesmo uma forma
de guerra civil com sequelas vivazes, com a ideia de confrontar os pontos

92
Rémond (1*972:41). Agradeço a Olivier B ü ttner por ter chamado a minha atenção para
esse artigo.
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 1

1 '

- de vista fora de toda postura de julgamento. É defender a ideia de que o


- anfiteatro universitário não é uma corte de justiça, um lugar em que o
m mesmo René Rémond aceitará, contudo, testemunhar anos mais tarde,
o | ao lado de outros historiadores, na ocasião do processo de Paul Touvier,
- l em 1994, e posteriormente do processo de Maurice Papon, em 1997. Na
m l introdução da publicação dos anais desse colóquio, o primeiro do gêne-
e ro na França, ele escreve: “ toda pesquisa coletiva sobre um passado pró-
m ximo é uma aventura [e ] quando ela toma por objeto um período tão
dramático quanto os anos 1940-1944, e quando se propõe, além disso,
pôr em presença homens que pertenceram a campos opostos, ela se tor-
, na um desafio ou uma provocação”, festejando, contudo, a realização de
m uma manifestação em que antigos ministros de Vichy foram convidados
m
e com grande honra a vir exprimir-se e com toda liberdade, sem “ polêmi-
B cas mesquinhas” ( Rémond, 1972:17). René Ré mond toca aqui em uma
if aporia inerente a toda abordagem do tempo presente, particularmente
- m aguda, tratando-se da história do século XX. Escolher o partido tomado?
- j
|
| O historiador será então atacado pelos outros “ partidos” e será criticado
|
,
t
pela profissão, lançando uma suspeita sobre o valor do trabalho histórico
ê ft realizado. Escolher a neutralidade? Ela é insustentável moralmente e pode
, conduzir a um sentimento que minimiza os crimes cometidos, e até mes-
a I mo estabelecer uma espécie de equilíbrio entre “ partes” que não se equi-
valem no nosso sistema de valores: mesmo para as necessidades de uma
- pesquisa cient ífica, o torturador não pode ser equiparado a sua vítima. O
e que é possível em uma instância judiciá ria que deve decidir sobre a culpa,
o a responsabilidade, a pena para cada um dos protagonistas, os quais po-
f
-
i
dem todos se exprimir de maneira contraditória, não o é em um recinto
f
a § científico, pouco importa o que digam. Assim como o Comité de História
¥V:
s da Segunda Guerra Mundial, o seu sucessor, o Instituto de História do
fr,
L: Tempo Presente, manteve relações estreitas e seguidas com numerosos re-
I
It
% sistentes ou sobreviventes, constantemente presentes aos seus seminários
a
è e colóquios até o início dos anos 2000. Por outro lado, se antigos vichystas
i
186 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

ou colaboradores puderam ser também requisitados pelos pesquisadores


em suas pesquisas, nunca nenhum foi convidado a uma manifestação p ú-
blica quando Vichy e a colaboração eram os temas preferidos.
Desse ponto de vista, a experiência do colóquio de 1970 nunca foi
renovada. Não há, portanto, nenhuma boa postura na mat é ria, coisa que
René Rémond pressente com exatidão ao falar de “ desafio” e de “ pro-
vocação”. Os historiadores do tempo presente, tendo trabalhado sobre B
questões terrivelmente sensíveis, tiveram de inventar, senão métodos,
pelo menos uma maneira de se colocar na paisagem. Eles tiveram de
criar suas hierarquias acerca das testemunhas, tentando dominar seus B
afetos sem com isso renunciar a suas emoções. Eles tiveram de aceitar B
que o “ Mal” se encarnou em indivíduos de carne e osso, os quais era pre- f
ciso exprobrar, cativar, interrogar, sem perder de vista o que eles tinham f
feito, e que as figuras heroicas, os mártires, os vencidos da história não B
podiam ser considerados intocáveis, indignos de um olhar cr ítico, mes- B
mo que isso implicasse em tomar certas precauções. Contrariamente à B
posição defendida em 1970 por René Rémond, a solução residiu mais B
frequentemente na escolha de uma subjetividade assumida do que na de B
uma subjetividade forçada. Antes de ignorar suas próprias inclina ções B
ou sua pró pria identidade, o historiador deve se servir disso para pôr à B
sua maneira problemas que não podem ser tratados de modo “ neutro” :
o destino dos valores petainistas deve movê-lo a um excesso de rigor
para analisar Vichy sem trapacear sobre os fatos ou fazer silêncio sobre
o que não se coaduna com os preconceitos correntes; um engajamento
— —
político pode e deve conduzir a uma mesma vigilâ ncia crítica no
estudo da sua própria fam ília política. Para a maior parte dos pesquisa-
dores ( nem todos, é verdade), o pior consiste com frequência em confe-
rir pouca credibilidade àquilo que pode fazer contrapeso ao erro de se-
guir cegamente as suas próprias inclinações ideológicas, tanto mais que
hoje os procedimentos de verificação, inclusive por não profissionais,
tornam frágeis enunciados científicos escandalosamente partidá rios.
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 187

De todo modo, o historiador que tenta apreender a história em mo-


vimento deixa-se também envolver na marcha do tempo e deve acei-
tar que seu olhar é apenas parcial, limitado, frágil, bem ao contrário da
último da história. A despeito
i ilusão cient ífica de dominar o sentido
disso, René Rémond permaneceu ligado à crença positivista que pensa
que, apesar de tudo, o tempo permitirá um dia escrever uma “ verdadei-
B ra” história de tal ou qual evento ou processo histórico. Muito embora
tenha professado uma grande ligação com a contingê ncia histórica e
combatido a história dogmática ou sistémica, ele conserva uma inclina-
B ção pela ideia de “ forças profundas”, herdada de Pierre Renouvin e de
'

B André Siegfried. Acrescento como prova sua recusa constante em levar


flf em conta o peso do fascismo, do nazismo e das duas guerras mundiais
fl| na sua visão das direitas francesas após 1945, que teriam permanecido,
Bí segundo ele, herdeiras de uma tripartição nascida no contexto do sé-
B culo XIX, também consequê ncia da Revolu ção Francesa, uma posição
B
B
B[
^ dificilmente sustent ável.93 Por um lado, ele aceita o caráter inacabado
de toda escrita da história do tempo presente, por outro, ele continua
pensando que a última palavra virá mais tarde, mesmo que ele espere
B secretamente conservá -la. Prefaciando em 1982 uma nova edição da sua
B história dos direitos, ele escreve:

Os fatos mesmos vieram trazer à interpretação realizada em 1954 um co-


meço de verificaçã o experimental. É um risco tem ível para as obras que tra -
tam de uma história que n ão est á fechada o confronto com o real: é também
uma possibilidade de experimentação da qual as ciê ncias humanas são com
muita frequê ncia privadas. [ Rémond, 1982:10 ]

Ele está aqui do lado do inacabado, do provisório assumido, de uma


P-
postura que vê o historiador analisar um passado em devir, e assim for-
:

93
Remeto, sobre esse ponto, ao meu estudo: Rousso (1992:549-620).
188 A ÚLTIMA CAT ÁSTROFE

mular interpretações em suspenso, chegando a ousar evocar a dimensã o


experimental da disciplina pela observaçã o do presente mais próximo.
Em outras circunst â ncias, ele se refugia, ao contr ário, na ortodoxia dis-
ciplinar:

Todo per íodo recebe do momento seguinte a resposta às questões que


ele coloca ; ele n ã o toma o seu significado sen ã o muito depois do seu
fim. É o desastre de 1940 que sela finalmente os ú ltimos anos da Tercei -
ra Rep ú blica . Nã o estando inteiramente encerrada, a hist ó ria do nosso
século n ão revelou ainda todas as suas implica ções , nem disse a sua úl -
tima palavra . N ã o é, portanto, prematuro fixar e congelar a vis ã o dessas
poucas d é cadas ? [ Os historiadores do tempo presente ] se expõem ao du -
plo desmentido dos contemporâ neos e dos acontecimentos vindouros,
ajudando os seus contempor â neos a compreender seu tempo, a decifrar
a complexidade, e preparando a via aos historiadores do amanh ã. [ Ré -
mond, 1988: t. VI , p. 9 ]

Aqui, ele venera o historiador da ú ltima palavra. Mas ent ão como,


por que e em que momento uma história em movimento se torna uma
hist ória encerrada ?

Uma história engajada em seu tempo

Na Grã- Bretanha, a situa ção evolui nos anos 1960, após o declí nio
do Impé rio Colonial, em um contexto em que domina a quest ã o do
lugar dos europeus em um mundo percebido cada vez mais como
“ globalizado”. Como alhures, ela se realiza inicialmente fora ou nas
margens do establishment. Em 1964, o historiador Geoffrey Barra -
clough publica uma Introduction à Vhistoire contemporaine , que se
tornar á nos anos seguintes a referê ncia sobre o tema no mundo an -
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 189

glófono.94 Medievalista de 56 anos, especialista em Alemanha , ele en -


sina em Liverpool, Londres e na Califórnia. Profundamente marcado
pela guerra em que participou nos serviços de informa ção da Royal
Air Force, ele se volta nos anos 1950-60 para a história contempo -
râ nea n ã o por simples curiosidade intelectual, mas porque se sente
envolvido pela metamorfose em curso na história do mundo: o fim
do dom í nio europeu e o surgimento de novas pot ê ncias que contes -
tam sua hegemonia; o desenvolvimento da democracia de massa; as
inova çõ es cient íficas e tecnológicas. Isso o leva a se interessar pelo
presente e a pensar diferentemente a hist ó ria: “ somos invadidos por
um sentimento de incerteza porque nos sentimos no limiar de uma
nova era, para a qual a experiê ncia anterior nã o oferece nenhum guia
seguro”, escreve em 1955, uma ideia em que sentimos a influência
tanto de Tocqueville quanto de Benjamin , e que Hannah Arendt reto -
mar á em seu ensaio Between past and future , alguns anos mais tarde,
em 1961 ( Barraclough , 1955, citado por C. Dewar, 1994:449- 464 ). O
historiador deve dar conta dessa profunda muta ção. Se toda histó -
ria desde Tucídides é certamente “ contempor â nea”, uma concessã o
puramente ret ó rica, e se de fato houve uma renova çã o dessa noçã o
após 1918, Geoffrey Barraclough denuncia , contudo, a persist ê ncia
nos anos 1950 dos paradigmas do século XIX: o objetivismo, a abor -
dagem causal, o eurocentrismo. Ele apela a uma maneira totalmente
diferente de apreender o tempo presente. Influenciado pelo marxis -
mo, ele advoga uma histó ria mundial que n ã o seja a soma das hist ó -
rias nacionais, uma tese que estrutura todo o seu livro e uma parte da
sua obra. Embora seja uma parte cativante da historiografia geral, a
história contempor ânea tem, segundo ele, outra natureza por obrigar

94
Barraclough (1964). Refiro - me aqui à edição de bolso de 1967 e a uma tradução pes -
I soal. Agradeço a Martin Conway por ter chamado a minha aten ção para essa obra,
quase nunca citada na historiografia francesa mesmo tendo sido traduzida em 1967
pela editora Stock.
190 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

o historiador a dirigir sua aten ção à transição em curso e a utilizar


sistematicamente um olhar retrospectivo. Dando exemplos tirados da
história recente da Rússia, da Ásia ou dos Estados Unidos, ele escreve:

Esses exemplos são suficientes para mostrar que a histó ria contemporâ nea

n ão significa como os historiadores fizeram por vezes entender com des-
prezo — nada diferente de arranhar a superfície dos acontecimentos recen -
:! tes e interpretar mal o passado à luz das ideologias do momento. Mas eles
mostram també m — o que é fundamentalmente mais importante — por
que n ão podemos dizer que a história contemporâ nea “ começa” em 1945
ou 1939, ou 1917, ou 1898, ou em uma outra data qualquer que podemos
escolher. [...] [Certamente] , os anos imediatamente anteriores e posteriores
a 1890 constituí ram uma virada importante; mas far íamos melhor tendo
cautela com datas precisas. A história contemporânea começa quando os pro -
biemas que pertencem à atualidade no mundo de hoje tomaram pela primei -
ra vez uma forma visí vel; ela começa com as mudan ças que permitem , ou
antes que nos forçam a dizer que entramos em uma nova era o tipo de
mudan ças [...] que os historiadores colocam em evid ê ncia quando traçam
um risco que separa a Idade Média e os tempos “ modernos” na virada dos
séculos quinze e dezesseis. Assim como as raí zes das mutações do Renas-
cimento podem remeter à It ália de Frederico II , també m minhas raí zes do
presente podem se situar t ão longe como no século dezoito. [ Barraclough,
1964:20, passagens sublinhadas pelo autor ]

Nesta acepção, a história contemporânea se refere menos à história


de um per íodo do que a uma maneira de fazer —
uma postura que é
a de muitos historiadores hoje acerca da história do tempo presente, a
qual não se limita, nessa perspectiva, apenas ao período contemporâ -
neo. Prolongando as reflexões de Marc Bloch sobre a necessidade de se
partir do presente para compreender o passado, ele esboça uma reflexão
que aborda o tempo presente enquanto tal, tanto em sua singularidade
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 19


estrutural como na sua particularidade conjuntural ainda que ele in-
sista mais neste segundo aspecto, pertencendo o contemporâ neo, afinal
I de contas, a uma nova periodização, quaisquer que sejam seus argu -
mentos para se afastar dessa herança positivista.
Geoffrey Barraclough foi considerado um iconoclasta. Comentando
os seus escritos, A. J. R Taylor, uma das figuras tutelares da historiografia
inglesa, nota “ que é uma coisa dizer que o passado muda à luz do pre-
sente, outra é dizer que o próprio passado muda”, uma boa ilustração da
persistência do paradigma objetivista que é precisamente denunciado
por Barraclough (Taylor, 1956, citado por Dewar, 1994:457). Este desen -
volve um ponto de vista muito pessoal sobre a história contemporâ nea

que surge retrospectivamente e para seguir o seu próprio método —
como um delineamento do que vai desenvolver-se nos anos 1970. Ele
chegou a incr íveis antecipações: mais de uma década antes das teses de
Jean -François Lyotard, ele desejaria qualificar a sua época como “ pós-
- moderna” para distingui -la do per íodo “ moderno”, que teve seu fim,
segundo ele, nos anos 1940, do mesmo modo em que esta última foi
forjada para se distinguir da Idade Média ( Barraclough, 1964:23). Ele
vê aí um momento “ climaté rico”, no sentido de per íodo crítico, desen -
volvendo uma espécie de presentismo radical: “ ninguém tem um dever
para com os mortos mas sim com os vivos”, um modo de lembrar que o
mundo posterior a 1945 é um mundo de sobreviventes.95

É também em 1964 que é inaugurado o Institut of Contemporary His-


tory na Wiener Library de Londres, um centro de documentação funda-
do por Alfred Wiener, em 1947. Este refugiado judeu alemão fugiu do

95
Barraclough (1955), citado por Dewar (1994:457). No que tange à pequena história,
Geoffrey Barraclough participa, em 1978, da redação do relatório da Unesco sobre o es-
tado das ciências sociais. Ele ficou encarregado da história e é ladeado por Paul Ricoeur,
que redige a parte sobre a filosofia e... Jean - François Lyotard encarregou -se da parte
sobre a psicanálise: Havet (1978 ).
192 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

nazismo em 1933 e fundou em Amsterd ã o Jewish Central Information


Office, transferido para Londres em 1939. A Wiener Library tem por ob-
jetivo não somente reunir documentação sobre as perseguições nazistas,
mas se torna após a guerra um lugar importante de reflexão e de sensi -
bilização aos riscos de um ressurgimento do antissemitismo. Dois anos
mais tarde, em janeiro de 1966, o novo instituto lança uma nova revista, o
Journal of Contemporary History, dirigido por dois outros refugiados ju -
deus alemães, os historiadores George L. Mosse, que ensina nos Estados
Unidos, e Walter Laqueur. Esse novo ambiente de pesquisa, se é verda-
de que contribuirá por certo tempo para o desenvolvimento da história
contemporânea na Grã- Bretanha e na Europa, se situa també m , em sua
origem, às margens da universidade, tanto mais que se dedica priorita -
riamente à história do nazismo e do fascismo, e, portanto, a uma história
continental à qual os ingleses continuam acreditando não pertencerem
de fato ( Palmowski e Readman, 2011:488 ). No comité de redação da nova
revista, contam - se acadêmicos ingleses, americanos, alem ã es e franceses,
todos conhecidos ou em vias de se tornarem conhecidos: Karl Dietri-
ch Bracher, Allan Bullock, Norman Cohn, Bernard Lewis, Hugh Seton -
- Watson, Eugen Weber, Alfred Grosser, Pierre Renouvin . No primeiro

n ú mero, os editores observam que os opositores da história do passado


próximo se tornaram raros, seja porque existe uma maior tolerâ ncia no
meio em relação a essa prática, seja porque os limites inerentes a toda
escrita da história aparecem com mais nitidez, diminuindo o alcance das
cr íticas que haviam sido feitas contra o estudo do contemporâ neo. O fim
do ideal cientificista do século XIX e o impacto das duas guerras mun -
diais dão assim um lugar maior a uma visão mais ampla e mais prag -
mática da disciplina. Em algumas linhas somente, os autores varrem as
objeções tradicionais da falta de arquivos, da falta de recuo, das paixões
ainda vivas. É ao contrá rio a abundância de arquivos e de documentos
que ameaça o historiador do século XX. A regra dos 50 anos passados an -
tes de qualquer acesso aos arquivos p úblicos na Grã- Bretanha, na Fran ça
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 193

e em outros lugares, não pode evitar que os segredos de Estado, pelo me-
nos nas democracias, sejam espalhados ao fim de alguns anos. Quanto à
ausência de recuo, não há pertinê ncia, uma vez que se abandona o credo
objetivista. Esses dois contra-argumentos serão constantemente retoma-
dos nos anos seguintes em todo lugar em que se desenvolve uma historio-
grafia do tempo presente. Mais original, não somente a nova revista não
nega o risco de uma escrita envolta nas paixões do tempo, mas assume
plenamente, e mesmo o reivindica como um postulado ético:

As revistas histó ricas do século XIX excluí am “ a discussã o sobre questões


n ão resolvidas dos negócios políticos correntes” ( Historische Zeitschrift ) ,
proclamavam que elas iam “ evitar as contrové rsias contemporâ neas” { Revue
historique ) ou mesmo recusar “ contribuições que discutissem questões ain -
y

da ardentes, que fizessem referê ncia a uma contrové rsia atual” ( Historical
Review ) . O Journal of Contemporary History, ao contrário dos seus prede-
cessores mais distintos, mesmo nã o buscando de maneira ativa a contrové r -
sia, certamente n ã o a evitará. Não fugirá diante das questões sempre pen -
dentes que tocam o passado recente. “ Acadêmico” n ão é e n ão deve ser sob
nenhum pretexto sin ó nimo de “ neutralidade”, “ n ão controverso” ou “ n ão
pertinente ao olhar do mundo de hoje” 96
-
1
í-

- Esta tomada de posiçã o, tanto mais not ável quanto os membros do


novo comité não são todos ferozes opositores do paradigma da objeti-
vidade, em particular o francês Pierre Renouvin , retoma em suas linhas
gerais as ideias de Hugh Seton - Watson , expressas em seu artigo funda-
mental de 1929. A esse engajamento revindicado no tempo presente,
acrescem -se duas outras dimensões: a história contemporânea deve ser
uma história transnacional, e mesmo que a revista se interesse priori-
tariamente pela história da Europa, ela pretende não isolá-la do resto

96
EDITORIAL note. Journal of Contemporary History, v. 1, n. 1, p. iii-vi, jan. 1966.
194 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

do mundo; do mesmo modo, a revista não se dirige apenas aos espe-


cialistas, mas visará um público mais amplo, tentando lutar contra uma

especialização grande demais da história um postulado que leva em
conta o interesse crescente do grande público ( Woodward, 1966:1-13).
Enfim, com uma notável intuição, os editores desse n ú mero dedicado
essencialmente à gé nese do fascismo alertam contra um risco possível
que continua a agitar o mundo dos contemporanistas cerca de 40 anos
depois, o de uma historiografia que se centraria exclusivamente na di-
mensão trágica, catastrófica, do século:

Ainda que o historiador n ão possa ou não deva esquecer o caráter essencial -



mente trágico do seu tema a proximidade da morte ou do esquecimento
— , o estudo da histó ria contemporâ nea n ão justifica afundar no pessimis-
mo total no que diz respeito aos negócios humanos. Gibbon [...] descreve a
história como o registro dos crimes, loucuras e infelicidades da humanida -
de. Nossa época acrescentou mais que a sua parte a esse cat álogo sombrio,
mas a é poca também foi marcada por ações heroicas de uma amplitude
inabitual e pelo mais not ável desenvolvimento do poder da inteligência em
novos campos /07'

Apesar de um desenvolvimento extremamente diversificado da his -


toriografia do tempo presente, o lugar que ocupa nela ainda hoje o es-
tudo do nazismo, do comunismo, das guerras mundiais ou coloniais,
inclusive no Journal of Contemporary History, demonstra, se fosse pre-
ciso, que essas cat ástrofes não cessaram de exercer seus efeitos no longo
prazo.

97
Woodward ( 1966:13). No ano seguinte, sob a direção de Walter Laqueur e George
Mosse, a revista dedica um n ú mero inteiro ao estado da histó ria contemporâ nea no
mundo: “ History today in USA, Britain, France, Italy, Germany, Poland, India, Czecho-
slovakia, Spain, Holland, Sweden”, v. 2, n. 1, jan. 1967.
í
A CONTEMPOR ANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 195

A reinvenção do tempo presente

m Na década seguinte, a história do tempo presente vê uma dupla evolu -


m ção, que ainda caracteriza mais ou menos sua situação atual: ela cons-
S titui agora uma parte importante, por vezes mesmo dominante, dos
8 estudos históricos, e ocupa um lugar inédito no espaço público e na
B cultura popular. O gosto e o interesse do grande público pela histó-
« ria certamente não tê m nada de novo, sobretudo em países como a
m Franca, a Alemanha ou a Itália. Mas, a contar dos anos 1970, surgem
B novas formas de curiosidade pelo passado. A história em geral se tor-
i na objeto de consumo de massa, de investimento cultural e de diver-
'

B são cujos indícios são bem conhecidos e deram lugar a uma literatura
B abundante: emergência da memória como nova categoria intelectual,
social e cultural, multiplica ção das comemorações, patrimonialização
B diversificada, sucesso da literatura ou do cinema com componente
B histórico, onipresen ça da história nos canais de televisão e, há uma
B década, explosão dos sites online ou dos fóruns de discussão dedi -
1 cados à história. Contudo, essa paixão de novas caracter ísticas pela

B história ou pela memória dois termos que vão confundir-se pouco

B a pouco no senso comum vai concentrar-se progressivamente no
B passado recente, e dirá respeito de maneira privilegiada às grandes
B catástrofes do século XX e do século XXI, objetos quase exclusivos das
grandes polêmicas e das “ políticas do passado” h á duas décadas. Esse
interesse cresce consideravelmente após 1989 em uma escala mundial:
8 nos países da Europa central e oriental que tiveram uma transição de-
8 mocrática, nos países da América Latina liberados das ditaduras, em
uma África do Sul liberada do apartheid , ou ainda em muitos países
continuamente marcados por heranças coloniais, assim como na Ar-
gélia ou na Coreia do Sul. Mas esse fenômeno começou muito antes
e constitui uma evolu çã o mais profunda do que apenas os efeitos da
queda do Muro de Berlim.
196 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

O desenvolvimento da história do tempo presente se insere nesse fl


contexto. Ela resulta de uma evolução própria à historiografia e ao uni-
verso científico, mas acompanha també m uma “ demanda social” de his-
tória. A criatividade dos historiadores e dos cientistas sociais em geral,
;

sua capacidade de identificar fenômenos, de lhes dar um nome, de in -


seri-los em uma duraçã o e em um espa ço permitiram dar forma a uma
espera, uma necessidade de compreender o passado próximo, as quais
nutriram em contrapartida seus questionamentos. Essa demanda social
de história que surge no espaço público das sociedades contemporâ ne-
as explica em grande medida o desenvolvimento da história do mes-
mo nome há uns 30 anos. Os ind ícios são in ú meros e dou aqui apenas
alguns exemplos provindos do caso francês. As mudanças são aí mais
visíveis, quando não realmente diferentes do que acontece em outros
países. “ A explosão da História Nova é espetacular, a partir da virada dos
anos 1968- 1969”, escreve Fran çois Dosse.

Ela se segue às publicações psicanalíticas e antropológicas. Em 1974, o n ú -


mero de volumes dedicados à História é seis vezes maior do que era em
1964; e as posições-chave deixam ver uma preponder â ncia absoluta dos I
Annales. Este entusiasmo pela Histó ria nos anos 1970 se insere em certa
continuidade com o interesse suscitado pela Antropologia nos anos 1960. B
Trata -se sempre de descobrir a figura do Outro, n ão em lugares distantes, 1
Er

mas no interior da civilização ocidental, nas profundezas do passado. [ Dos- I


se, 2011:223] I
í
A corrente dita “ Nova Historia” re ú ne então quase exclusivamente
medievalistas ou especialistas em história moderna: Georges Duby, Jac-
ques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie, Pierre Chaunu e outros. Esses
historiadores de grande renome contribuíram com suas obras, frequen -
temente de grande tiragem, para criar uma nova sensibilidade em uma
audiência esclarecida que descobre uma história das mentalidades ou
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 197

uma outra visão da Idade Média, muito afastadas das formas habituais
das obras históricas de grande difusão. Esses autores se beneficiam do
contexto geral de apetite pela cultura sob todas as suas formas, que carac-
teriza o período posterior aos acontecimentos de 1968. Busca-se na leitu-
ra da história uma forma relativa de mudar de ares, ainda que comece a
despontar a dimensão de identidade e, portanto, uma preocupação anco-
rada no presente. São testemunhas disso o Montaillou de Emmanuel Le
Roy Ladurie, publicado em 1975 por Pierre Nora pela Gallimard e subti-
tulado chamativamente de “ vila occitana”, em plena tendê ncia regionalis-
ta, ou ainda, uma década mais tarde, a evolu ção de um Fernand Braudel,
que publica, em 1986, a sua última grande obra dedicada à L’ identité de la
France. No mesmo ano, um dos principais historiadores dessa corrente,
Georges Duby, é nomeado presidente da Sociedade Europeia de Progra -
mas de Televisão (Sept ), primeiro canal de televisão quase inteiramente
dedicado a programas culturais e ancestral do canal franco-alemão Arte.
É um sinal indubitável da import â ncia que a História e os historiadores
tomaram como vetores de uma nova cultura contemporâ nea de massa,
uma História vivida aqui como referente positivo, uma ancoragem em
um mundo em que as balizas temporais est ão se movendo.

Deste movimento, a histó ria contemporâ nea é quase ausente. Ela se


desenvolve, entretanto, de maneira paralela nos nichos editoriais e na
imprensa escrita, pois, aqui também, existe uma demanda e també m
um mercado económico nascente. Sem surpresa, são os per íodos e os
temas ditos “ sensíveis” que atraem um n ú mero crescente de leitores,
sinal de que a dimensão cultural ou a dimensão identit á ria est ão longe
de ser as ú nicas explicações desse interesse renovado pelo passado.
Pode-se mesmo dizer que há um abismo entre as expectativas do pú -
blico em relação à história das “ batalhas” do século XX e o desprezo
mostrado pela maior parte dos historiadores da corrente dominante
dessa forma de Hist ória, que não deixa de lembrar a situa ção do fim
198 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

do século XIX. Talvez exista — —


já... uma espécie de fascínio pela
violê ncia do século, e até uma forma de voyeurismo que se exprime
abertamente durante a tendência dita “ retro”, com o sucesso ambíguo
de um filme como Portier de nuit, de Liliana Cavani ( 1974). Contudo,
o fenômeno durou, ampliando -se nas décadas seguintes, e tocou tan -
to as gerações marcadas pelas maiores cat ástrofes do século quanto
as seguintes, mais poupadas, mas que sofreram seus efeitos. Pode-se,
portanto, considerar que ele não constitui uma simples conjuntura.
V-
Os acontecimentos de 1968 també m tiveram sua parte, criando uma !
demanda cada vez mais caracterizada por uma história menos defe-
rente e mais cr ítica das zonas de sombra e de outros tabus, reais ou
i

proclamados, da história próxima. Forma -se assim nos anos 1970 uma
interrogação que nã o vai cessar de crescer sobre a dimensã o mort ífera
do século, muito diferente a meu ver do atrativo da história medieval
ou moderna, ou ainda da herança da Revolu ção Francesa, que ocupará
os franceses na ocasiã o do Bicenten á rio de 1989. Ela nã o pertence ao
registro da positividade, a de tradições reatualizadas e reivindicadas, a
de uma hist ó ria exemplar da negatividade, a de um passado que tomou
a forma de um fardo que se deverá medir para o enfrentar ou tentar li -
vrar-se dele. Contrariamente a certa doxa formulada na sequ ê ncia das
reflexões de Pierre Nora no fim dos Lieux de mé moire sobre a “ era da
comemoração”, ou de François Hartog sobre a quest ão do presentismo,
penso que não se pode compreender o regime de historicidade dessas
três ú ltimas décadas se nã o se leva em considera çã o a forte tensão,
variável segundo os lugares e os momentos, entre esses dois polos. A
presença obsessiva do passado na qual vivemos não constitui somente
uma pê rda da tradição, uma ruptura desconsiderada do passado, uma
inconsciê ncia quase prometeica que encerraria as sociedades pós- mo-
dernas, e talvez até “ pós- pós- modernas”, em um presente perpétuo, e
nos faria assim consumir a história como se consome alta tecnologia.
Ela constitui també m, talvez até mais, a necessidade imperiosa de se
i A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 199

f
B libertar do peso dos mortos, das dezenas de milhões de mortos, das
I destruições sem precedentes ocasionadas pela loucura humana e nao
I por uma fatalidade qualquer. Daí esta outra tensão entre exigência da
I lembrança e necessidade do esquecimento que caracteriza os debates
I recentes em torno das últimas catástrofes do século.
I É nesse contexto que a história contemporânea terá uma forma
| de apogeu. Em um primeiro momento, por não dispor de uma ofer-
| ta científica desenvolvida, o público se volta para jornalistas, escrito-
I
res, historiadores “ amadores”, a maior parte do tempo sem contato real
I com o meio acadêmico, o qual abandou em parte esses temas. Henri
í Amouroux, que começou em um jornal pró- Pétain, La Petite Gironde,
'

r antes de se juntar a uma rede de resistência e de participar da cria ção


!* i
í do jornal Sud -Ouest, publica em 1961 uma primeira história geral dos
l franceses sob a Ocupação, pela Fayard, em uma coleção intitulada “ Les
ï grandes études contemporaines” ( Amouroux, 1961). Pela mesma edi-
I tora, o grande repórter Yves Courrière publica em 1968 o volume ini-
í ciai da primeira narrativa de conjunto sobre a Guerra da Argélia, que
havia terminado oficialmente apenas quatro anos antes.98 Fundado em
numerosos testemunhos, sobretudo dos “ vencidos” oficiais, policiais,—
militantes da OAS , ele inaugura um gê nero histórico que privilegia,
sobre o tema, a narrativa de vida, o anedótico, a dimensão militar, o que
Benjamin Stora qualifica de “ efeito Courrière” (Stora, 1991:241- 242 ).
I Alguns anos antes, em 1963, outro jornalista, Jean Lacouture, criou pe-
las Éditions du Seuil uma nova coleção intitulada “ L’ Histoire immédia -
I te”, que será depois retomada por Jean - Claude Guillebaud. A fórmula,
\ que teria certa fortuna, teria sido inventada pelo editor Paul Flamand,
f que desejava produzir obras documentadas sobre acontecimentos re-
f centes, distinguindo trabalho histórico e investigação jornalística." A

98
Courrière (1968- 1971); o primeiro volume foi prefaciado por Joseph Kessel.
99
Ver o testemunho de Lacouture ( 1989), citado por Pervillé ( 2006 - 2007:6- 7).
200 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

coleção busca promover a história contemporânea e seus primeiríssi-


mos títulos remetem... às últimas catástrofes em data: Jean Plumyè ne e 1
.

i
Raymond Lasierra com Les fascismes français, 1923- 1963 (1963) , sem
d úvida a primeira obra sobre o tema, ou ainda Saul Friedlànder e seu
!
Pie XII et le Hie Reich (1964). A coleçã o se enriquece nos anos seguintes
com obras de etnologia ( Germaine Tillion ) , de ciência política ( Maurice
Duverger ) , documentos de atualidade, como a sé rie de entrevistas com
os principais líderes do movimento de 1968: Jacques Sauvageot , Alain
Geismar, Daniel Cohn - Bendit, em La révolte étudiante: les animateurs
parlent ( 1968 ), ou ainda de sociologia, com a célebre obra de Edgar Mo-
rin: La rumeur d'Orl éans (1969 ).
Em um primeiro momento, a expressã o “ histó ria imediata” cons-
titui um procedimento editorial e n ã o um conceito epistemológico. É
apenas 15 anos mais tarde, em razã o do sucesso da coleçã o, e em um
contexto em que a história contemporâ nea começa a surgir, que Jean
Lacouture tenta formalizá -la em um artigo que consta de uma obra
dedicada à “ Nova Hist ó ria” e lhe dá um começo de legitimidade cien -
t ífica. Nesse contexto, Jean Lacouture se pergunta sobre a pertinê ncia
da fórmula: “ Imediata , de fato ? Ou seja, instant â nea na sua apreensã o,
simult â nea na sua produ çã o, virgem de todo mediador ? Imagin á-la é
praticamente negá -la — ou reservá -la a alguns casos limites” ( Lacou -
ture, 1978:270 ) . Contudo, segue - se uma brilhante demonstração dos
desafios de uma hist ória contempor â nea que d á mostras de uma bela
capacidade de antecipa çã o. Que ela seja escrita no calor do aconteci-
mento por atores ou testemunhas, por jornalistas, por historiadores
que buscam compreender as raízes de um acontecimento ou de um
processo em andamento, essa hist ória pertence menos à “ imediatida -
de” do que à observação de uma mudança que opera sob os olhos do
observador, uma ideia simples mas central, pois mostra que a contem -
poraneidade não define um momento fixo do tempo, mas um movi-
mento em curso:
A CONTEM POR ANEI DADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 201

Na busca da tentativa de definição, o “ imediatista” seria tentado a sugerir


que a disciplina que ele se esforça por praticar não versa exatamente sobre
essas mudanças, e menos ainda sobre o “ mudado” ; mas sobre o “ mudar”.
Como Malraux abria caminho ao existencialismo trágico e literá rio fazendo
o herói da Voie royale dizer que o que conta n ão é a morte, mas o “ morrer”,
assim o “ imediatista” dirige a sua aten ção priorit ária a esta passagem exis-
tencial. [ Lacouture, 1978:293]

Nos anos seguintes, o conceito se desenvolve no universo cient ífico


paralelamente e concorrendo com a noção de história do tempo pre-
sente — no capítulo seguinte explico por que esse termo apresenta, a
meu ver, inconvenientes epistemológicos. Ele tem o mé rito de enfatizar
a aporia fundamental de toda história contemporânea, uma vez que o
próprio analista é obrigado a criar sua dist â ncia, e daí a relação estreita
ï - com as outras ciê ncias sociais, uma posição que é defendida pelo soció -
logo e economista belga Benoît Verhaegen:

Dois traços caracterizam esta disciplina na confluê ncia da História, da An -


tropologia e da Sociologia: ela pretende, por um lado, inverter a relação
un ívoca tradicional entre o estudioso e o objeto do conhecimento, relação
fundada na passividade do objeto e na dist â ncia m áxima entre ele o estu -
dioso, e substitu í -lo por uma rela ção de trocas que implicam a participação
l real do objeto
no limite com
—o desaparecimento
como ator hist —
ó rico com seu próprio conhecimento e
do estudioso como indivíduo: por ou -
tro lado, e correlativamente, o mé todo de Histó ria imediata se quer reso-
lutamente orientado para uma prática social e política e engajada em uma
transformação revolucion ária do mundo. [ Verhaegen, 1974, citado por Per-
villé, 2006- 2007:7-8]

Se os jornalistas foram os primeiros a investir no campo da histó-


ria contemporânea com vocação popular, os acadêmicos os seguiram,
1
202 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

permitindo a essa história sair definitivamente das margens em que fora


confinada. Vimos anteriormente o papel precursor de René Rémond,
empenhado em defender a possibilidade científica de uma história pró-
xima. No início dos anos 1970, Pierre Nora, de uma geração mais jovem
( nasceu em 1931), o segue de perto ao esboçar com poucas pinceladas
alguns dos contornos possíveis de uma nova historiografia do contem - 11
porâneo. Em 1972, ele publica um artigo que não seria rapidamente es- i
n
^
quecido, intitulado “ événement monstre” ; nele ele desenvolve a ideia
de que “ as mídias de massa têm agora o monopólio da História”, ou seja,
substancialmente, o da criação e da difusão dos acontecimentos ( Nora,
1972:162-172 ). “A televisão é na vida moderna o que era o sino na vila,
o ângelus da civilização industrial”, mas como todas as m ídias frias, em
que se participa de maneira passiva, em casa, à distâ ncia, ela é portadora
de imprevisto e transforma a história em “ agressão” pela irrupção cons-
tante do novo e do sensacional, donde o seu caráter “ monstruoso”. Esse
postulado, que não ganhou nenhuma ruga, tem várias consequências.
Ele muda primeiramente a posição dos historiadores e a natureza mesma
do seu trabalho, pois o acontecimento não é somente inteligível muito
tempo depois, por obra do tempo transcorrido e do julgamento da poste-
ridade. Ele toma uma dimensão “ histórica” no imediato e são os próprios
contemporâ neos que podem assim qualificá-lo de acontecimento, parti-
cipando efetivamente do seu surgimento e da sua qualificação:

Mas é para o historiador que, monstruoso, o acontecimento moderno o


é sempre mais, pois de todos os recebedores ele é o mais desprovido. O
acontecimento permanecia, em um sistema tradicional, o privilégio da sua
função. Ele lhe dava seu lugar e seu valor e nada penetrava em História
sem seu selo. O acontecimento se dá a ele agora do exterior, com todo o
peso de um dado, antes da sua elaboração, antes do trabalho do tempo. E
mesmo com tanto mais força quanto as mídias impõem imediatamente o
vivido como história e quanto o presente nos impõe mais do vivido. Uma
K
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 203
f

imensa promoção do imediato ao histórico e do vivido ao lendário se opera


no exato momento em que o historiador se encontra desnorteado em seus
hábitos, ameaçado em seus poderes, confrontado com o que ele se aplica a
reduzir em outros lugares. Mas trata -se do mesmo acontecimento? [ Nora,
1972:164]

Em seguida, não somente o acontecimento se torna ou volta a tor-


nar-se um elemento essencial da historicidade, na contracorrente da
$ tradição historiográfica dominante, mas ele muda de natureza. Ele diz
k respeito agora às massas e, portanto, a todos. Os acontecimentos já não
I-
£
podem ser percebidos como a escuma de movimentos mais lentos. Por
\ seu n ú mero e sua repetição, eles são portadores de sentidos m ú ltiplos.
I Por isso, abre-se um espa ço novo de análise:

Reside exatamente aqui a fortuna do historiador do presente: o desloca -


mento da mensagem narrativa para suas virtualidades imagin á rias, espeta - í
culares, parasit á rias, tem como efeito sublinhar, no acontecimento, a parte
do que não é acontecimento. Ou antes de n ão fazer do acontecimento sen ão
o lugar temporal e neutro do surgimento brutal, isolável, de um conjunto de
fen ômenos sociais surgidos das profundezas e que, sem ele, teriam perma -
necido sob as dobras do mental coletivo. O acontecimento testemunha me -
nos pelo que ele traduz do que pelo que ele revela, menos pelo que ele é do
que pelo que ele provoca. O seu significado é absorvido na sua repercussão;
ele é apenas um eco, um espelho da sociedade, um buraco. [ Nora, 1972:168 ]

A originalidade da posição de Pierre Nora relativamente a uma re-


,
)
flexão renovada sobre a história contemporâ nea reside no fato de não
*

se situar no registro da apologia, como muitos dos seus predecessores.


* Ele não se faz aqui advogado de uma prática que deveria ter seu lugar
em um dispositivo, diga -se de passagem, imutável. É porque a história
no processo de se fazer muda precisamente de natureza, porque os his-
204 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

toriadores, inté rpretes do tempo, não devem deixar a outros o cuidado


de fazer sua narração exclusiva, que o próprio historiador deve evoluir
e se apropriar do acontecimento, visto aqui mais como um sintoma o —

termo é meu do que como uma finalidade historiográfica em si.
Esta ideia preliminar, Pierre Nora desenvolverá em vá rios outros es-
critos. Em 1974, ele coedita com Jacques Le GofF três volumes sobre as
novas maneiras de Faire de Vhistoire, nos quais a história contemporâ-
nea ocupa um lugar ainda modesto, mas real, sobretudo pela retomada
do seu próprio artigo remanejado e completado sobre o acontecimento, T
14
e artigos sobre temas novos, como as rela ções entre cinema e hist ória,
analisados por Marc Ferro.100 Em 1975, Pierre Nora deixa o Institut
d’ Études Politiques, onde a história contemporâ nea começou a se de-
senvolver, para juntar -se à École des Hautes Études en Sciences Sociales \i
em uma cátedra identificada como “ História do Tempo Presente” por
seu presidente, Jacques Le GofF, tendo seu projeto o t ítulo — pequeno

detalhe de “ História do presente”. É incontestavelmente uma evolu -
ção na tradição do que é ent ão um dos lugares de prest ígio da pesquisa
histórica. No projeto que ele apresenta, como em um artigo escrito três
anos depois sobre o mesmo tema, ele precisa o que pretende fazer ao n
praticar uma “ História do presente”, que superou o descrédito do fim do
século XIX e reconheceu o desenvolvimento das ciências sociais:

Ora, agora que esta revoluçã o pôs amplamente em quest ão a prá tica da His-
tó ria como ciê ncia do passado, é lógico que a interrogaçã o dos historiadores
ampliasse naturalmente seu horizonte no tempo presente: um presente cuja
espessura própria e transparente opacidade põem, contudo, ao estudo pro-
blemas metodológicos muito particulares. São os caracteres originais desta
nova consciência histórica que, por falta de meios, se teria a ambição de

100
Le GofFe Nora (1974). O artigo de Pierre Nora se intitula “ Le retour de levénement”
( tomo I, p. 210 - 228 ), o de Marc Ferro “ Le film, une contra -analyse de la société? ” ( tomo
III, p. 236 - 255).
P

A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 205

esclarecer... Eu desejaria estudar o peso do passado sobre o presente pelo


invent á rio relativo das diferentes heran ças histó ricas, segundo os tipos de
sociedades contemporâ neas.101

Após as m ídias, após o acontecimento, o historiador do presente deve


interessar-se pelo que não é ainda identificado como “ a memória”, mas
como “ o peso do passado sobre o presente” Nesses in ícios dos Lieux de
mémoire, cujo primeiro volume será publicado 10 anos mais tarde e que
não dizem respeito somente à história contempor â nea, pode-se revelar
l
a influência de René Ré mond. Em realidade, quase em todo lugar, tanto
I na Fran ça quanto na Europa, delineia -se o esboço de uma configura-
ção historiográfica particular. A renova ção da história contempor â nea
i
traduz uma evolu ção cultural e sem d úvida uma mudança de historici -
\ dade que se apoiar á em elementos até então abandonados e até mesmo
| desprezados pelos historiadores: o acontecimento, concebido diferente-
f mente e que ocupa um lugar de escolha no imaginá rio contemporâ neo;
[ as m ídias, consideradas ao mesmo tempo como fonte de informa ção,
\ como objeto de hist ória e, logo, como vetores de difusão de uma nova
n prática da disciplina inserida em um espaço público; enfim , a memória,
um tema cujo peso pessoal aparecerá pouco a pouco, mas que apresen -
ta, em um primeiro momento, o interesse estratégico de ligar o estudo
1
do passado e do presente, e portanto de permitir a uma “ história do
? presente” inserir-se em um dispositivo científico em que medievalistas e
|
especialistas em história moderna permanecem hegemónicos.
l

[• Contudo, Pierre Nora, como a maior parte dos outros autores france-
ses então mobilizados em campo, não leva em conta os textos fundadores
dos historiadores alemães ou ingleses que marcaram a disciplina fora da

Programa de orientação citado por François Dosse ( 2011:282- 283). Ver também
101

Nora (1978).
206 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

França. Se ele evoca de maneira pioneira a necessidade de uma história


do presente, não menciona o instituto alemão que leva esse nome, criado
25 anos antes em Munique. Defendendo o princípio de uma história con -
temporânea, ele não cita a revista de mesmo nome, criada em Londres al-
guns anos antes. Do mesmo modo, a dimensão catastrófica do século não
aparece senão de modo marginal em sua reflexão, e ela parece mesmo
quase constantemente evitada, com exceção de algumas alusões. Ora, é
justamente a que domina nos lugares em que se insere ent ão uma história
contemporânea. Certamente, guerras, conflitos e revolu ções fazem parte
do contexto geral, mas o “ acontecimento monstro” não é o Holocausto do
qual Pierre Nora escapou pessoalmente, nem mesmo a Guerra da Argé-
lia, à qual ele dedicou em 1961 uma obra crítica e engajada ( Les Français
d'Algérie ) fruto da sua experiê ncia de jovem professor em Oran. É mais
y

uma abstração, uma figura epistemológica, do que um objeto de estudos.


Isso merece ser enfatizado, pois o itinerário de Pierre Nora o conduzirá a
uma direção diferente da implementação de uma nova história do tempo
presente, a qual terá seu desenvolvimento alhures.
No fim dos anos 1970, as mentalidades evolu í ram consideravelmen -
te. A maior parte das instituições criadas após 1945 para fazer a histó -
ria do último conflito mundial tem, a contar dessa época, uma mesma
:
evolu ção, mais ou menos precoce segundo o caso: elas são convidadas 1
a se reformar, a renovar suas problemáticas, a tratar de um campo mais 4
amplo do que apenas a história da guerra, primeiramente ao avançar na
cronologia para abordar a história do pós-guerra, e depois ao remontar
ao in ício do século para englobar a Primeira Guerra Mundial. Por razões
contingentes, mas também por causa de um contexto historiográfico fa -
vorável, os franceses se tornam precursores. Em 1976- 77, o secretário-
-geral do governo decide que o Comité de História da Segunda Guerra
Mundial, do qual ele tem a tutela desde 1951, dependerá agora apenas
do CNRS, que financia seu pessoal e suas atividades. Essa medida fora
do normal foi tomada para facilitar o acesso a arquivos particularmente
A C ONTEMPORAN El DADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 207

P delicados que dependia de diversas administrações (assuntos estrangei-


I ros, internos, finanças etc.). A estratégia tinha dado frutos, a despeito
K da impossibilidade de ter acesso aos documentos do regime de Vichy e
I dos documentos posteriores a 10 de julho de 1940. O governo põe-lhe
B fim por duas razões. Por um lado, ele antecipa os efeitos de uma lei em
I tramitação sobre os arquivos que prevê um prazo de reserva de 30 e não
I mais de 50 anos, oferecendo mecanicamente a possibilidade de abrir os
ï arquivos da Ocupação. Será a lei de 3 de janeiro de 1979, que permiti-
I rá uma real inserção historiográfica, ainda que seja preciso tempo para
I que a maioria dos documentos desse período seja quase inteiramente
I explorável pelos pesquisadores. Por outro lado, os poderes públicos es-
I timam que a França deve agora olhar para o futuro e liquidar as últimas
I sequelas do conflito mundial, como mostra a decisão tomada em 1975
S pelo presidente Valéry Giscard d’Estaing de suprimir o dia 8 de maio
I como feriado.102 Partindo da constatação de que é preciso virar a página
do passado, o governo empreende normalizar uma instituição criada na
! urgência do pós-guerra e mantida em uma situação de excepcionalida -
I
'

t
de durante vá rias décadas. Fato muito raro, o CHGM teve apenas um
f diretor, Henri Michel, inamovível secretário-geral de 1951 a 1978. De
I fato, ele escapou assim das modalidades habituais de nomeação e ava -
1 liação em vigor no meio cient ífico, um tra ço que ele compartilha com
4 outros historiadores europeus vistos então como historiadores e peritos
oficiais que detinham uma posição de monopólio, como seu homólogo
Louis de Jong, que foi por muito tempo diretor do Riod, o instituto ne-
erlandês de história da guerra, e autor de uma monumental história dos
r
Países Baixos em 29 volumes ( Hirschfeld, 2005; Lagrou, 2003). É verda-
de que o balanço do comité francês fala por si mesmo com a realização
de numerosos estudos sobre a Resistência, as primeiras pesquisas sobre

Sobre a modernidade histórica de Valéry Giscard d’Estaing, ver Garcia ( a ser publi-
102

cado em 2013).
208 A ULTIMA CAT Á STROFE

a opinião dos franceses sob a Ocupação, a situação política e económi-


ca, ou ainda o expurgo e a liberação do país, aquisições sobre as quais a
geração posterior, de que eu faço parte, pôde apoiar-se, contrariamente
ao cliché tenaz segundo o qual a história do per íodo não começou senão
“ tardiamente” —foi a história de Vichy que foi profundamente reno-
vada a partir dos anos 1970, pela história da guerra que começa desde
1945, como vimos no capítulo anterior.
É, portanto, no nível da secretaria-geral do governo que se negocia
com o CNRS, durante o primeiro semestre de 1977, uma transição que
se tornou necessá ria com a aposentadoria de Henri Michel. Surge ent ã o
a ideia de que é preciso aproveitar essa situaçã o contingente para favo-
recer a cria ção de um “ centro de pesquisa sobre a hist ória do mundo
contemporâneo”, o primeiro do gênero no panorama científico francês.
“ O dado fundamental”, explica a nota de inten çã o prévia que alimen -
tou as discussões, “ é a existê ncia de um vasto campo de conhecimento
até aqui insuficientemente coberto e que deveria ser desenvolvido com
determinação, método e vigor”.103 A riqueza do per íodo que se estende
“ da Segunda Guerra Mundial até nossos dias”, o fato de que ela se pres-
ta melhor do que qualquer outra à abordagem multidisciplinar, assim
como o fim do descrédito em rela ção a essa forma de história, devem
incitar o CNRS a manter e a estruturar um novo meio de pesquisa, uma

103
NOTE sur la création d’un Institut du Monde Contemporain, si: s.d. Esse texto de !
I
sete páginas foi regidido provavelmente por François Bédarida , o futuro diretor, com a
ajuda do economista Edmond Lisle, então diretor científico do departamento das ciê n -
cias humanas e sociais do CNRS, durante o ano de 1977. Ele serviu de base a duas
reuniões feitas no mesmo ano no Hôtel Marignon . Descobri a existência de uma cópia
no momento da segunda transferência dos arquivos do IHTP aos Arquivos Nacionais,
em 2010, realizada por Anne-Marie Pathé, responsável pela documentação, e por mim
mesmo. A primeira foi feita em 1998 por François Bédarida e Marianne Ranson, então
secretária - geral, que participou estreitamente da fundação do IHTP e desempenhou
nele um papel central até o fim dos anos 1990 ( AN — Fontainebleau, Ministè re de la Re-
cherche, CNRS, IHTP, cote 20110096). O original se encontra sem dúvida nos arquivos
da secretaria -geral do governo. Ver também Lisle ( 2002 ) .
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 209

das razões de ser da época. O papel deste último é tanto mais neces -
sário quanto os obstáculos práticos subsistem, sobretudo a dificuldade
de ter acesso aos arquivos públicos, ou, inversamente, a da presença de
uma “ massa enorme de fontes agora dispon íveis”, necessitando meios
e métodos específicos, em especial a condução de grandes pesquisas
coletivas. Mais surpreendente, a nota invoca também uma espécie de
patriotismo cient ífico:

Acrescentemos ainda que, em razão das carências por muito tempo evi -
dentes nesta á rea, o campo, abandonado pelos franceses, se viu, por assim
dizer, “ colonizado” pelos pesquisadores estrangeiros, em primeiro lugar pe-
los pesquisadores americanos. Não é paradoxal que uma proporção consi-
derável dos estudos mais pertinentes sobre a França do século XX seja obra
de historiadores anglo-saxões ? Se devemos nos alegrar ao ver aumentar o
n ú mero de historiadores estrangeiros que dedicam sua atividade à histó-
ria francesa, podemos, contudo, desejar que no futuro a pesquisa francesa
chegue a cobrir melhor um campo t ão essencial para o conhecimento e a
inteligência de nosso próprio porvir. U>4

jf Os pesquisadores “ americanos”, sem serem citados, sã o sem d úvida


I Eugen Weber, autor de uma primeira história da Action Française, pu -
I blicada em 1962 nos EUA, mas traduzida em francês somente em 1985,
!
í Stanley Hoffmann, o grande politólogo franco-americano, professor de
Harvard, autor de in úmeros ensaios influentes sobre a França, assim
! como seu aluno, Robert O. Paxton, da Universidade Columbia, cuja obra
-
I La France de Vichy foi traduzida em 1973. A postura da nota é tanto mais
I notável quanto se situa em 1977, uma década antes que se dissemine a
I cantilena segundo a qual o estudo dos períodos delicados da história
f francesa recente não teria sido escrito senão por estrangeiros.

104
NOTE sur la création d un Institut du Monde Contemporain, p. 2.
210 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

A solução finalmente adotada prevê a absorção progressiva do


CHGM pelo novo instituto, devendo o comité cessar de existir ao cabo
de alguns anos. Além dos problemas de pessoas que vão complicar sin -
gularmente as coisas, põe-se a quest ão central do destino reservado aos
estudos sobre a guerra e, de modo mais geral, a definição mesma das
atividades do novo instituto. Três eixos são ent ão definidos. É preciso
decifrar a história da França desde 1945, uma história mal conhecida
que deve fornecer acessoriamente “ um esclarecimento útil para a com -
preensão do porvir nacional”. É preciso empreender um trabalho que
“ abra janelas enormes para o exterior” e voltadas para o comparatismo
para remediar a tendência “ hexagonal” demais da historiografia france-
sa. Por não poder cobrir toda a história do século XX, o novo instituto
deve assim privilegiar algumas áreas “ geoculturais” : a Europa dos Nove,
os EUA, o Reino Unido e a Commonwealth , a Ásia do Sudeste, ou ainda li
alguns temas essenciais: “ na medida em que o per íodo considerado é
dominado ( pelo menos na sua primeira fase ) pelo fenômeno da des- H
11
colonização, pareceria desejável dar uma atenção particular aos anti- í
gos territórios coloniais, que se tornaram hoje países independentes”. O
acento dever á ent ão ser colocado na África francófona. Estamos então
duas décadas antes das contrové rsias sobre o “ impensado colonial” da
historiografia e da sociedade francesas, prova de que esse “ impensado”
mereceria às vezes ser recolocado em perspectiva antes de ser levantado
como um slogan. Enfim, será necessá rio conduzir e talvez ampliar as
pesquisas sobre a Segunda Guerra Mundial, campo em que a historio -
grafia francesa ocupa um lugar eminente graças, sobretudo, ao Comité
Internacional de História da Segunda Guerra Mundial. Além disso, a
nota de intenção situa com precisão o novo organismo que terá o status
de “ unidade própria”, portanto dependente exclusivamente do CNRS e
não de um estabelecimento de ensino superior em função da clássica
divisão própria da França: longe de partir de uma tabula rasa , o novo
instituto terá como primeira tarefa apoiar-se sobre um conhecimento
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 211

I adquirido e por conseguinte manter relações estreitas e amicais com o


I conjunto das universidades e dos grandes estabelecimentos ( Fondation
F Nationale des Sciences Politiques, École des Hautes Études en Sciences
J Sociales etc.) em que existem centros de pesquisa que realizam traba -
! lhos sobre a história recente, uma formula diplomática destinada a evi-
I tar a ideia de um lugar com pretensão hegemónica e mostrar que sua
[ missão será a de uma coordenação e de um ponto de encontro, o que
l —
fez que muitos acadêmicos, ciosos de suas prerrogativas sobretudo a

orientação de teses , observassem com certa desconfiança as negocia -
tas em andamento.105
Último problema —e não dos menores: a denominação do novo
centro de pesquisa. A quest ão é evidentemente essencial, pois tem im -
plicações epistemológicas e historiogr áficas, ainda que a decisão perten -
ça afinal de contas a uma forma de pragmatismo institucional. Vá rios
ft nomes sã o evocados: “ Instituto de história do mundo contemporâ neo”,
I “ Instituto de história do presente”, “ Instituto de história do tempo pre-
i sente”. O redator da nota, que chega a evocar em um momento a noção
K de “ ultracontemporâ neo”, precisa aliás que sua preferê ncia é pela pri-
K
I meira opçã o, o “ mundo contemporâ neo”, sem explicar as razões. Ade-
I mais, o CNRS visa criar no mesmo momento outra unidade própria —
I o “ Instituto de história moderna e contemporânea” — encarregada de
1 empreender pesquisas sobre os séculos XVII, XVIII e XIX, tendo aqui a
I palavra “ contemporâneo” seu sentido tradicional no universo acad ê mi-
í co francês, portanto, desde 1789.
I Finalmente, é o nome “ Instituto de história do tempo presente” que
I será escolhido. Anos de discussão com François Bédarida não me per-
! mitiram elucidar com precisão as razões de tal decisão. Primeiramente,
I ela foi realizada à revelia. Apesar da vontade reformadora que preside
f a criação desse instituto, não se toca nas grandes divisões canónicas do

\ 105
Ibid. , p. 5.
212 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

tempo histórico, e o termo história contemporânea continuará a definir


um período agora duas vezes secular. A exist ê ncia de duas instituições
que trabalham com per íodos diferentes tendo duas denominações eti-
mologicamente vizinhas — contemporâ neo e tempo presente n ão—
fará senão acentuar a indeterminação dessa forma de historiografia,
mas terá uma grande vantagem: a de suscitar de maneira duradoura
uma reflexão epistemológica sobre a relação entre definições formais,
fundamentos teóricos e pr á ticas efetivas em torno da questão da con -
temporaneidade, que tem sido a marca do IHTP e de pesquisadores que
trabalham no seu corpo, e do que este livro é um testemunho direto.
Posteriormente, como vimos, o conceito “ tempo presente” surgiu no vo -
cabulá rio dos historiadores há alguns anos. François Dosse explica que
essa escolha teria sido de Jacques Le Goff, que preside a seção de Histó -
ria do CNRS, a qual participará da criaçã o da nova unidade, como um
eco da direção de estudos da EHESS, para a qual Pierre Nora fora eleito
algum tempo antes ( Dosse, 2011:282 - 283). É verdade que o grande me-
dievalista desempenhou um papel essencial na criação do IHTP, prova
de que o desenvolvimento da histó ria contempor â nea é de interesse para
i
toda a disciplina. Mas, por um lado, ele est á longe de ter sido o ú nico.
René Ré mond també m teve um peso considerável, tendo sido um dos
primeiros a praticar uma história contemporâ nea de um novo gê nero.
Desse modo, ele presidir á de 1979 a 1990 o comité cient ífico do IHTP,
uma das duas inst âncias de avalia ção, com o conselho de laboratório,
próprias de todas as unidades do CNRS às quais virá juntar -se uma
inst ância específica: o conselho de coordenaçã o, proposto por François
Bédarida para acomodar membros eminentes do mundo político, elites
administrativas e antigos resistentes.106 Por outro lado, o termo “ história

106
Recebendo René Rémond na Academia Francesa, no dia 4 de novembro de 1999,
Hélène Carrère dTncausse evocará este aspecto da carreira do receptor ao declarar:
“ Você esteve na origem da criação do Instituto de história do tempo presente, o qual
você presidiu desde a sua criação, em 1979, a 1990”. Rémond ( 2000:47) . A informação
A CONTEMPORAN ElDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 213

do presente” possui uma visibilidade há muito tempo na historiografia


B alemã, e se encarna desde 1949 em uma instituição respeitada, o Institut
^^
B fur Zeitgeschichte de Munique. Ainda que os protagonistas franceses
B que participaram da criação do IHTP não tenham todos lido os traba -
B lhos de Hans Rothfels e dos seus sucessores, eles conhecem a existência
B e a missão dessa instituição, próxima do comité francês em processo de
^ restrutura ção e que servirá em parte de modelo para o novo IHTP, uma
vez que desde 1967 o IfZ representa a Alemanha Federal junto do Co -
B mitê Internacional de História da Segunda Guerra Mundial, presidido
^^
B por Henri Michel.
Enfim, a escolha do termo e sobretudo o fato de que tenha podi-
B do impor-se em seguida devem muito à personalidade do novo dire-
^tor, conquanto não fosse, certamente, sua primeira escolha. Nascido

^
B em 1926, François Bédarida é um especialista da história contempo-
B rânea da Grã - Bretanha, onde fez parte de sua carreira. Está familiari-
B zado com a historiografia anglófona, o que lhe dá um perfil at ípico no
B meio acadêmico francês. Professor do Instituto de Estudos Políticos
B de Paris, foi encarregado de estabelecer uma edição crítica dos proces-
i I sos do Conselho Supremo Interaliado, o órgão de coordena ção militar
franco - brit ânico em 1939 - 40, selecionados por Pierre Renouvin junto
dos arquivos de Eduardo Daladier entregues à FNSP em 1972 ( Béda-
rida, 1979 ). Muito próximo de René Rémond, mais velho que ele e seu
amigo, compartilha com ele uma fé católica que o levou, em 1944, a
participar com sua mulher Renée da aventura do Té moignage chrétien,
o jornal clandestino da resistência espiritual. Ele tem, portanto, o perfil
adequado. Ora, neste meio próximo do personalismo, a noção de tem -
po presente se reveste de uma acepção mais profunda do que a simples

I figura também na nota oficial online no site da Academia: <www.academie-francaise.


f fr/les-immortels/ rene- remond > . O elogio é em grande parte merecido, pois o cargo
de “ presidente do IHTP” nunca existiu: durante esse per íodo, esse organismo não teve
senão um diretor na pessoa de François Bédarida.
1 '
214 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

designação de uma sequê ncia histórica: ela assinala um engajamento


temporal, hic et nunc, que não somente assegura o respeito à fé em todas
as suas dimensões, mas també m lhe dá todo o seu sentido ao traba -
lhar por um mundo melhor aqui na terra e não simplesmente em uma
espera passiva do outro lado. François Bédarida, aliás, mencionou por
vezes uma filiação com o nome de duas revistas dos anos 1930, resultan-
tes dessa tendência: Sept. VHebdomadaire du Temps Présent, criado em
1934 pelos Dominicanos das Éditions du Cerf, que se engajou na causa
dos Republicanos espanhóis e do Fronte Popular espanhol, suscitando a
ira de Roma e sua dissolu çã o, e seu sucessor, Temps Présent, criado por
Jacques Maritain e François Mauriac em 1937 ( Winock, 1975:141; Se-
vegrand, 2006 ). Essa herança indireta influirá de maneira determinante
na maneira pela qual François Bédarida conceber á as missões do novo
instituto, em particular por uma reflexã o contínua sobre o papel social
do historiador, sobre sua responsabilidade no debate p úbico, sobre os
laços entre “ ciência e sociedade”, como se dizia ent ão.107 Ele o fará por
vias diferentes das trilhadas pelos “ intelectuais orgâ nicos” próximos do
Partido Comunista ou seus herdeiros, que não cessaram de denunciar o
papel da demanda social no surgimento da história do tempo presente
ao mesmo tempo que defendiam a ideia de que o historiador devia pôr-
-se a serviço da causa do povo.108 Essa discussã o em torno do nome do
?
novo instituto pode parecer secund á ria. Com efeito, ela o é na época,

107
Bédarida ( 2003) . Podemos nos referir também ao seminá rio que ele conduziu de
1980 a 1986 sobre “ Historiographie passée et temps présent”, na École normale supéri -
eure e na Ehess ( gravações e transcrições disponíveis na biblioteca do IHPT, SEM 001-
0038). Ver também Delacroix ( 2006:271- 282 ) .
108
Foi no sentido do debate que me opôs a Gérard Noiriel em 1999- 2000, na sequência
da publicação de seu livro Les Origines ré publicaines de Vichy (1999): L’HISTOIRE du
temps présent, hier et aujourd’ hui ( 2000:23-40). É a mesma oposição que sustenta as
divergências entre a associação Liberté pour l’ Histoire, presidida por René Rémond e
depois por Pierre Nora, a que me juntei algum tempo depois de sua criação, em 2005, e
o Comité de Vigilance face aux Usages Publics de l’Histoire (CVUH ) sobre o tema das
leis ditas “ memoriais”.
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 215

I uma vez que outras opções poderiam ter-se imposto. A criação do IHTP
I e, portanto, de um campo “ história do tempo presente” na historiografia
I francesa não resultaram de um trabalho teórico prévio que teria acaba-
I do na institucionalização de um conceito mais ou menos bem definido
| F
e já posto à prova. Foi antes o inverso que aconteceu. Em função de
[ uma necessidade ainda difusa, criou -se uma instituição ad hoc; e uma
; •
vez que essa instituição desenvolveu uma prática singular da história
sob o estandarte da história do tempo presente, essa noção acabou por
ganhar sentido e se enraizar no linguajar historiográfico. Há, portanto,
p
nesse conceito uma dimensão pragmática que eu assumo plenamente,
embora eu tenha tentado mostrar desde o in ício deste livro que se podia
identificar na longa duração uma reflexão mais ou menos comparável
J sobre o lugar do presente no tempo histórico, quaisquer que sejam os
termos utilizados segundo os lugares e as épocas. É uma maneira de
dizer: falar de história do tempo presente não constitui unicamente uma
— —
conjuntura explicar o século XX , mas coloca questões muito mais
universais sobre o lugar do historiador, sobre a escrita da história, sobre
o que est á em jogo nas relações entre observadores e atores. Nada disso
r
tudo era explicado claramente em 1978, mas quase todas essas questões
I serão levantadas nos anos seguintes.
I Na decisão que criou o IHTP, o CNRS precisa que esse organismo

visa a cobrir um campo de pesquisa histórica insuficientemente explorado


até aqui pelos historiadores franceses: a histó ria recente da Fran ça e dos pa -
íses estrangeiros desde 1945 [e] ao mesmo tempo que ele integra o Comité
de História da Segunda Guerra Mundial, o Instituto de História do Tempo
Presente se empenhará também no estudo do per íodo de 1939-1945.109

Artigo 2 da decisão de 26 de setembro de 1978, assinada por Robert Chabbal, diretor-


109

geral do CNRS, citada em vários documentos, sobretudo em “ Réflexions et perspectives


sur l’IHTP”, 8 jul. 1985, arquivos pessoais de Henry Rousso.
216 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

A sucessão não ocorreu bem: Henri Michel saiu com estrondo e le-
vou consigo, ao Ministé rio da Defesa, a Revue d’ Histoire de la Deuxiè -
me Guerre Mondiale. Será, com efeito, uma oportunidade para o IHTP,
que participará ativamente a contar de 1983-84 da criação da revista
Vingtiè me Siècley primeira revista científica francesa de história contem -
porâ nea, uma questão que eu abordo no próximo capítulo. Contudo,
o pessoal, a biblioteca ( privada da sua fototeca ), os arquivos coletados
( que serã o doados posteriormente aos Arquivos Nacionais ), as pesqui-
sas em curso, assim como a Secretaria- Geral do Comité Internacional
de História da Segunda Guerra Mundial, vão para o IHTP. Eu expliquei
em um outro livro como essa instituição — à qual me juntei em 1981
— , criada para desenvolver sobretudo uma história do pós-1945, tinha
encontrado na sua frente a anamnese dessa guerra na Europa dos anos
1980-90, daí um investimento considerável ao mesmo tempo na histó -
ria das páginas mal cobertas da guerra e da ocupaçã o: a colaboração,
o antissemitismo, o regime de Vichy e sobretudo a história de sua me-
mória, tendo sido o primeiro projeto do IHTP, por exemplo, o estudo
sobre a dura ção da comemora ção do 8 de maio ( Rousso, 2001:32 - 33).
Desde a origem, e por razões diferentes das desenvolvidas por Pierre
Nora e pela EHESS, o IHTP se engajará, entre outros, no campo de uma
história da memória coletiva e da história oral com Jean - Pierre Rioux,
Danièle Voldman, Denis Peschanski e alguns outros. Do mesmo modo,
ele impulsiona desde a origem pesquisas sobre a descolonização e sobre
a Guerra da Argélia, graças a Charles- Robert Ageron, que encontra no ï
novo instituto um lugar e meios propícios que a universidade em que ele
ensinava não lhe oferecia então, e que permitirá publicar alguns livros
importantes sobre esses temas antes da renova ção historiográfica dos
anos 1990. Enfim, o IHTP acolhe tanto historiadores quanto sociólogos
ou economistas.
Nos anos 1980, o panorama historiográfico mudou consideravel-
mente nesse campo. Existem agora na Fran ça vá rios lugares desenvol-
A CONTEMPOR AN EIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 217

I vendo a história recente em torno de uma rede de personalidades, na


I Universidade de Nanterre, dirigida de 1971 a 1976 por René Ré mond,
I no Instituto de Estudos Políticos de Paris, nos meios da história social,
I da história das relações internacionais, da história económica ou ainda
I entre os germanistas.110 A diversidade das especialidades, das sensibili-
! dades historiográficas e ideológicas, dos lugares acadêmicos mostra que
[ na época essa histó ria está em pleno desenvolvimento. Durante a déca -
j da de 1980, os “ contemporaneístas” —
que agrupam, é verdade, os es-

I pecialistas dos séculos XIX e XX constituem perto de 30% dos 1.155
I historiadores profissionais empregados no ensino superior e no CNRS,
í para 22% dos especialistas em hist ória antiga, 18% dos medievalistas,
f> 18% dos modernistas e 12 % dos historiadores da arte ( sem distinção de
í período) ( Langlois e Chartier, 1991:19 ). Foram eles que tiveram a maior '(

: taxa de crescimento nos anos precedentes. E nos anos 1990, a parte dos
| especialistas do século XX junto dos contemporaneístas se torna majo -
\ ritária, uma tendência que se estabilizou nos anos seguintes ( Rémond,
1995:247 - 251; Poirrier, 2010:73- 91). Mesmo não se considerando ime-
diatamente sua dimensão, isso constituiu uma verdadeira mudança na

K 110 Podem -se mencionar, em Nanterre, nos anos 1980, os nomes de Jean - Jacques Beck -
1 er, que em seguida fundará uma verdadeira escola que renovou a histó ria da Primeira
B Guerra Mundial, e Annie Kriegel, sua irm ã, historiadora do comunismo, que també m
formará uma gera ção de sociólogos, politólogos, historiadores ( Stéphane Courtois,
I Marc Lazar, Marie - Claire Lavabre, Annette Wieviorka e outros ) . Na Fundação Nacional
I das Ciê ncias Pol í ticas e no Instituto de mesmo nome, em que Pierre Nora e Fran çois
I Bédarida fizeram uma parte de sua carreira, pode-se citar: Jean - Pierre Azé ma, Serge
I Berstein, Raoul Girardet , Jean - Noël Jeanneney, Pierre Milza , Michel Winock. Pode-se
Ï acrescentar a essa lista n ão exaustiva dos historiadores economistas em torno de Jean
I Bouvier ( Paris I ), de Fran çois Caron ( Paris IV ) e de Maurice Lévy- Leboyer ( Paris X
I Nanterre ), historiadores de relações internacionais herdeiros de Pierre Renouvin em
I Paris I como Jean - Baptiste Duroselle, Ren é Girault , Robert Frank (que sucederá a Fran -
I çois Bédarida na direção do IHTP em 1990). Podem -se também mencionar os herdeiros
I intelectuais de Jean Maitron no Centro de Histó ria do Sindicalismo, criado na Sorbonne
í em meados dos anos 1960, em torno da revista Le Mouvement Social, sobretudo Antoine
Prost, ou ainda o meio dos germanistas franceses na Universidade de Estrasburgo e em
Paris IV ( Jacques Bariéty, François- George Dreyfus, Jean - Marie Valentin ) .
218 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

profissão, em sua maneira de conceber a pesquisa e o ensino, em sua


relação com a sociedade, na natureza da sua visibilidade. Enfim, se me
concentrei aqui na França, poder-se-ia observar a mesma evolu ção em
outros países. A maior parte dos centros de história da guerra na Europa 1

amplia seus centros de interesse, a guerra servindo de ponto de poio


para ao mesmo tempo desenvolver estudos sobre a Primeira Guerra
Mundial, sobre a descoloniza ção, sobre a Guerra Fria, e para conduzir
uma reflexão sobre a epistemologia da história contemporânea, muito
presente sobretudo na Alemanha.
Os metódicos do século XIX, seguindo nisso uma tend ência surgida
na Alemanha, país que “ inventou” a história no sentido moderno do
termo, logo em seguida à Revolu ção Francesa, tinham imaginado po-
der excluir o contemporâneo da história cient ífica para relegá -lo a uma
forma de ensino cívico e patriótico. Os partidá rios da Nova História,
adeptos da longa duração, tinham pensado, em nome de uma ideologia
igualmente cientificista, manter à parte uma história do tempo presente
julgada política demais e presa aos acontecimentos. Mas o acontecimen -
to teve sua revanche, talvez provisória. Hoje, é toda a historiografia que
deve transigir com o peso do tempo presente e a dificuldade de classifi-
car as catástrofes do século XX na categoria de um passado encerrado.

ï
j.

Pi CAP Í TULO IV

0 nosso tempo
&

Tempo presente e presentismo


[i
í As grandes catástrofes do século XX produziram figuras historiográfi -
‘ cas novas, que participaram do enraizamento de uma história do tem -
ï-
l
po presente no campo cient ífico e no espaço público. A Grande Guerra
ï
%
contribuiu para o declínio ou o fim do paradigma da objetividade de-
f
[ senvolvido no século XIX, em seguida ao engajamento sem reservas dos
l historiadores e dos acad ê micos em geral de todos os campos na guerra

i ’; ideológica. Ela viu surgir també m a figura do historiador- perito, encar -

regado de ajudar na redefinição de fronteiras e tornando-se, por esse


fato, ator, ainda que menor, de um processo em curso, ou ainda a da
testemunha, sobrevivente de uma experiência de violência extrema que
fj
fala em nome de seus camaradas desaparecidos e se impõe no espaço
público em osmose ou em conflito com os discursos acadêmicos, igual-
I mente impregnados da experiê ncia direta da guerra. Surge de manei-
I ra geral uma nova relação com o passado marcada por uma obrigação
política e moral, uma “ dívida”, diria Paul Ricoeur, de reconstruir uma
I
1
220 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

lembrança coletiva. Esta se nutre da multiplicação das narrativas de ex-


-combatentes, do erguimento em toda a Europa de monumentos aos
mortos de um gê nero novo, das comemora ções de um luto de massa,
das primeiras políticas públicas de memória em grande escala. São in ú -
meros os elementos de historicidade inéditos que entretêm e enraízam
o passado próximo no imaginá rio social sem buscar abolir a distâ ncia
da emoção original. Após 1945, uma figura de historicidade surge: a
do grande processo histórico, com a coleta de uma massa sem prece-
dentes de testemunhos e de documentos, e as primeiras interpretações
jur ídicas e judiciá rias de uma história apenas terminada. Igualmente, as
primeiras narrativas da guerra se elaboram no interior de organismos
oficiais criados para essa circunst â ncia. A escrita da história do con -
flito se torna parte de uma cultura de guerra antes de ser um elemento
central do pós -guerra, tanto no contexto da Guerra Fria quanto no da
constru çã o europeia em que os intercâmbios escolares universit á rios e
o ensino da hist ória recente desempenharam um papel dinamizador.
O surgimento dos grandes crimes de massa, com a primazia do ex-
term í nio dos judeus, desempenhou, sem d úvida nenhuma, um papel
central na import â ncia concedida à hist ória recente. Vimos no capítulo
precedente a que ponto a necessidade de compreender, de guardar ras-
tros e testemunhos da destruição do judaísmo europeu começou no cer -
ne do processo. A forma ção dessa história e a amplitude da tomada de
consciê ncia viram, após 1945, uma evolu ção singular, com aspectos iné-
ditos como a longevidade do problema, sua transmissão de uma geração
à outra, sua acuidade maior à medida que nos afastávamos do acon -
tecimento. Ainda quando o “ silêncio” sobre o Holocausto tivesse sido
um mito forjado a posteriori, é nos anos 1960 na Alemanha e em Israel,
nos anos 1970 na França, nos anos 1980 nos Estados Unidos, e, portan -
to, com atrasos variáveis, que a lembrança do Holocausto se torna um
problema p úblico nacional e internacional relevante. É de 20 a 30 anos
após a guerra que se realizam as grandes comemorações oficiais, que
i
O NOSSO TEMPO 221

I
!
liurgem os discursos de desculpas ou de arrependimento ( flly Brandt
^
|em 1970, Jacques Chirac em 1995), que essa história é objeto de um
I Investimento considerável no ensino primário e secundário e, sobretu-
Ido, que é lançada, não sem grandes dificuldades e resistências, o que
I chamei de uma “ segunda onda de expurgo”, sobretudo com os processos
I franceses por crimes contra a humanidade que conturbam o tempo ju -
í diciário tradicional e, portanto, mudam profundamente nossa relação
; com a história. O regime do imprescritível aplicado de maneira efetiva
f
I a crimes de natureza política nã o pertence somente a uma categoria que
í sempre existiu em certos sistemas jur ídicos ( como para os crimes de
Sangue nos Estados Unidos ) , mas també m de um regime de historici-
í dade singular. Ele abole a distâ ncia entre o passado e o presente, ele nos
{ torna, no tempo do processo, artificialmente contempor âneos dos so -

frimentos infligidos não a alguns, mas a toda uma coletividade. Ele nos
obriga também a apreender de novo o passado pelo ângulo de normas e
de categorias morais como nos momentos seguintes ao acontecimento.
Ele participa de uma temporalidade em que não é tanto o presente que
Irt
domina - ainda que se trate de aplicar qualificações forjadas após a
I catástrofe -, mas da persistência do passado, ou mais exatamente a de
I um acontecimento insuper ável, sem precedente e, portanto, matricial.
| A anamnese mais ou menos tardia do Holocausto teve, ademais, ou -
f tro desenvolvimento ainda mais significativo para minha tese. Percebida
Î como um efeito da singularidade do pró prio genocídio, acontecimento
* ?
sem precedente, essa anamnese se tornou um precedente, quase um mo-
delo a imitar, por vezes invejado, em uma outra conjuntura, a da queda
I do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria, que implicou não somente
o fim das ditaduras comunistas na Europa central e oriental, mas, indi-
retamente, o fim de outros sistemas autoritá rios, como na África do Sul
ou na América Latina. Se faltam estudos para estabelecer com certeza a
existência de um vínculo direto entre os dois fenômenos, pode-se pelo
menos observar uma concomit ância histórica notável: é no exato mo-
222 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

mento em que a Europa empreende em grande escala uma nova onda


de reparação judicial, moral ou financeira dos crimes cometidos pelos
nazistas contra os judeus, que questões semelhantes surgem quase em
todo lugar no mundo, colocando dilemas análogos àqueles, mal resol-
vidos, de 1945. É preciso expurgar em nome da moral e da seguran ça
!

os funcionários, os policiais, os magistrados dos regimes defuntos, pelo


menos aqueles que cometeram erros identificáveis, ou é preciso mantê-
-los para assegurar a continuidade dos Estados? É preciso anistiar ou é
preciso julgar aqueles que se tornaram culpados de crimes perpetrados?
Como julgá -los e como respeitar um direito formal diante de crimes
frequentemente fora do normal? Com quais textos e quais tribunais? É
preciso tornar p ú blicos os arquivos dos crimes cometidos em nome da
transparência democrática ou é preciso submetê-los a um prazo de re-
serva para preservar a paz social ? Tais são algumas das questões levan -
tadas nos anos 1990, quando o combate pelo reconhecimento das víti-

mas do Holocausto e dos crimes cometidos em torno dele exclusões,

espoliações, deportações, extermínios teve sucesso graças à ação de
algumas associações de vítimas e de alguns militantes ferrenhos (Simon
Wiesenthal, Beate e Serge Klarsfeld ). Ora, sempre permanecendo ape-
nas na observação de uma concomit ância e não de uma filiação entre
os dois processos, existe um debate, por vezes de enfrentamento aberto,
entre os partidá rios da memória e os do esquecimento, entre os que re-
clamam a justiça em nome de uma moral dos direitos do homem e os
que preconizam a anistia em nome da tradicional razão de Estado, entre
os que propõem tomar a palavra e testemunhar contra o silêncio e a
!
vontade de virar a página. Essas questões já tinham sido colocadas em
1945 na saída da guerra e do nazismo, mas elas se colocam após 1990
com uma maior clareza do que estava em jogo, e sobretudo dando um
lugar inédito às vozes que reclamam direito à memória, o qual se tornou
um verdadeiro direito do homem. No pós-guerra, essas vozes existiam,
mas eram minoritá rias e não tiveram adesão, como mostra a aprovação
I O NOSSO TEMPO 223

I de leis de anistia relativamente precoces em muitos países europeus. Se a


I situação se mostra diferente nos anos 1990, do Cabo a Santiago, é porque
f inúmeros atores políticos, jurídicos e associativos temem reproduzir o
I exemplo de uma memória do Holocausto, que levou o tempo de duas
I gerações para ser plenamente reconhecida. Dessa hipótese, muito geral,
I decorre ipso facto a observação de que em todo lugar, nesses países, a
ï
lnecessidade de escrever uma história do tempo presente, seja por his-
'

[ toriadores, testemunhas, tribunais de uma justiça qualificada doravante


I como “ transicional”, comissões de verdade e de reconciliação — uma
f novidade na ordem das narrativas postbellum — , museus ou memoriais,
f

constituiu uma evidência e mesmo uma prática social efetiva que teria
|sido impossível de refrear em nome de uma necessidade inversa, a de
I esperar que essa história fosse escrita apenas por pesquisadores de ge-
L >

I rações futuras. Não somente a catástrofe mudou a maneira de escrever


ï
I
a história contemporâ nea, mas suas longas sequelas contribuíram para
í mudar de maneira duradoura a relação com o passado e com o presente.
r
h
t
I É preciso por isso reduzir apenas às consequências diretas ou indi-
S retas das guerras e conflitos a mudança bastante radical que se verificou
na historiografia desses últimos 30 anos quase em todo mundo e que viu
í.

a história contemporâ nea tornar-se uma preocupação relevante tanto no


£
w. universo científico quanto na esfera cultural ou política ? Certamente não.
Tendo-se multiplicado desde o fim da Primeira Guerra Mundial os defen -
sores de uma história contemporânea, eles acabaram por encontrar um
!
eco e um lugar no mundo acadêmico, tanto mais que as objeções que lhes
eram feitas perderam pouco a pouco sua pertinência. Outros elementos
puderam entrar em jogo, em razão dos progressos dos métodos utiliza-
dos, como na história oral com a generalização dos procedimentos de
íí
gravação e de salvaguarda dos testemunhos; a novidade de alguns temas,
como a história da memória; a interpenetração das disciplinas que ser-
[ viu a todos os historiadores, mas que sem dúvida deu um pouco mais
224 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

de credibilidade àqueles que trabalhavam com história política, social ou


económica dos períodos recentes, pois eles podiam apoiar-se em dados
e trabalhos de ciê ncia política, de sociologia ou de economia. O apetite
do grande público pela história próxima desempenhou seu papel, confor-
me vimos. Seria preciso acrescentar o papel desempenhado pelo cinema,
pela televisão, pelo rádio e pelos suportes online. Certamente, o investi-
mento dessas m ídias na história abrange todos os períodos. Contudo, é
assaz fácil observar a que ponto a história do século XX domina muito
amplamente nas produções audiovisuais de toda natureza. Além de isso
se inserir no contexto geral analisado aqui, existem razões particulares
que merecem pelo menos uma men ção. Sobre a história dos últimos 150
anos, dispomos de imagens animadas, hoje recenseadas, utilizadas em ba-

ses acessíveis jurídica e tecnicamente como a do Instituto Nacional do
Audiovisual ( INA ) na França, que se beneficiou de uma lei precursora
sobre o depósito legal das produções audiovisuais, iniciada em 1992 por
um historiador, Jean - Noël Jeanneney, ou ainda as das grandes agências de
imprensa internacionais que alimentam a ind ústria dos document á rios
históricos. Ora, a explosão da oferta e da demanda audiovisual encorajou
a exploração sistemática desses arquivos, inexistentes por definição para
per íodos antigos, com os diretores e autores privilegiando naturalmente
os per íodos ou os acontecimentos com forte densidade de imagens e sons,
e, portanto, as catástrofes históricas, desde a Segunda Guerra Mundial —
onipresente nas telas de televisão do mundo todo — até o 11 de Setembro.
Tendo pertencido durante alguns anos ao conselho de orientação do canal
francês Histoire, posso dar testemunho dos debates sobre a dificuldade re-
lativa de tratar na televisão de temas anteriores ao fim do século XIX, por
1
não poder mostrar imagens animadas, uma tendê ncia amplificada pela
ideia de que somente a imagem “ fala” verdadeiramente ao telespectador. 1

Assim , o sucesso da história contemporâ nea se explica por motivos


sem d úvida mais profundos que se ligam à evolu ção mesma dos regimes
O NOSSO TEMPO 225

Me historicidade, sem que seja fácil, aliás, distinguir entre a causa e o


( efeito: nosso regime atual de historicidade mudou porque o contem -
Jporâneo e o presente ocupam aí um lugar maior ou o interesse pelo
I contemporâneo é consequência da evolução da relação com a hist ória ?
I Entre essas razões, volta com frequência o argumento segundo o qual o
Ideclínio das “ grandes narrativas” com vocação ideológica teria mudado
F a maneira de perceber e de escrever a história: o fim da modernidade e
Inls condição pós-moderna que surgem nos anos 1970 nos teriam de al-
*

pum modo tornado mais sensíveis à contemporaneidade, exacerbando


P> sentimento de viver em um presente desprovido de sentido, privado
( da ideia estruturante de um progresso em devir ou ainda de uma finali-
Idade da história.
'
í
rCada uma das grandes narrativas de emancipação, a qualquer gê nero que
| tenha dado hegemonia, foi por assim dizer invalidada em seu princípio no
I curso dos últimos 50 anos. Tudo o que é real é racional, tudo o que é ra -
f cional é real: “ Auschwitz” refuta a doutrina especulativa. Pelo menos esse
I crime, que é real, n ão é racional.— Tudo o que é prolet á rio é comunista,
tudo o que é comunista é prolet á rio: “ Berlim 1953, Budapeste 1956, Tche -
coslováquia 1968, Polónia 1980” ( e outros) refutam a doutrina materialista

histórica: os trabalhadores se levantam contra o Partido. Tudo o que é
democrático é pelo povo e para o povo, e vice-versa: “ Maio de 1968” refuta
r a doutrina do liberalismo parlamentar. O social cotidiano põe em xeque
a instituição representativa. Tudo o que é livre jogo de oferta e de de-
manda é propício ao enriquecimento geral, e vice - versa: “ as crises de 1911,
1929” refutam a doutrina do liberalismo económico, e a “ crise de 1974-79”
refuta a organização pós-keynesiana dessa doutrina. Com esses nomes de
acontecimentos, o pesquisador relata muitos sinais de uma derrocada da
modernidade. As grandes narrativas se tornaram pouco críveis. [ Lyotard,
1986:52-53]
226 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

Em realidade, é menos o “ fim das ideologias” que serviu como condi-



ção de surgimento de uma história contemporânea os engajamentos
ideológicos, incluindo-se os mais partidários, suscitaram ao contrá rio

vocações do que o declínio das interpretações holistas da história. Por
isso que cada um dos acontecimentos há pouco analisados segundo um
princípio explicativo ú nico e mecânico —“ a luta de classes”, o “ merca -
do” — se achava como que suspenso no tempo, privado do lugar que
lhe era antes atribu ído no sistema, era preciso de fato lhe restituir uma H
consistência histórica, reintroduzi -lo como elemento sui generis de uma
narração a reconstruir uma vez desconstru ída. Ademais, não era possível
contentar-se em dizer que Auschwitz era afinal de contas um crime real
e nã o uma categoria abstrata. Era preciso ainda compreender seus me-
canismos e sua complexidade intrínseca, e, portanto, retornar à história H
singular, à medida que os últimos avatares dessas grandes narrativas to - H
mavam no mesmo momento formas degeneradas como o negacionismo. (
A seguir Jean - François Lyotard, é uma leitura da história recente (1956, W
1968, 1974) que soçobra com as “ grandes narrativas”. Esse desabamento w
abre, por conseguinte, a via a uma reavaliação dessa história sobre outras |
bases, sem o ou os fio (s) condutor ( es ) que tinha( m ) prevalecido desde o M
in ício da Guerra Fria. Pode-se acrescentar que essa incerteza quanto à 1
leitura do passado, do presente e do futuro retorna de maneira cíclica na
história do pensamento da historiografia. As “ grandes narrativas” nasci-
das nos anos 1950 não fizeram senão preencher um vazio deixado pela
catástrofe da Primeira Guerra Mundial, compensada por um tempo pelo
“ grande clarão” de 1917, e depois pelo de 1939-45 que nenhum elemento
“ positivo” veio atenuar. A situaçã o dos anos 1970 não é, portanto, desse
ponto de vista, uma novidade, nem uma explicação por si só.

Do mesmo modo, pode-se supor a existência de uma ligação entre a


importante virada epistemológica que constituiu o “ linguistic turn ] ou-
tro aspecto da pós-modernidade nascido nos Estados Unidos, e o sur-
O NOSSO TEMPO 227

gimento no mesmo momento de uma nova história do tempo presente.


Verdadeira arma de guerra voltada contra uma história social então hege-
mónica e contra interpretações materialistas da história, esse movimento
ambiciona revolucionar as ciências sociais propondo outro paradigma:
“ toda realidade é mediada pela linguagem e pelos textos, portanto toda
pesquisa histórica é dependente da reflexão sobre o discurso”, uma defi-
nição que lhe dá Gérard Noiriel, que contestou a esse movimento a supre-
H| macia da narrativa que pretende substituir a dos determinismos sociais
.

I
( Noiriel, 2005:167). Contudo, esse debate envolveu toda a disciplina, e
participou da epistemologia nascente de uma história do tempo presente
incidentalmente. Por um lado, a “ virada linguística” participa das muta-
ções das ciências sociais e da história em particular nos anos 1980, que
H criaram um contexto favorável ao questionamento dos paradigmas do-

H minantes entre aos quais a história social determinista e a longa dura-

(H ção e, portanto, favoreceram o surgimento de novas maneiras de fazer
Wm história, incluindo -se a história contemporânea renovada. Por outro lado,
wK a reavaliação da narrativa no trabalho do historiador encorajou incontes-
|B tavelmente a elaboração de uma história do acontecimento, da memória,
Mf das representações, da opinião, que constituíram aproximações ou obje-
:

1 I tos que contribuirão para dar à história do tempo presente uma configu-
ração mais problemática do que o simples “ retorno”, um tempo carica-
turado, à história política tradicional. Esses objetos novos ou renovados,
que deram uma credibilidade à nova história do tempo presente, devem
i
tanto ao contexto político e cultural quanto a um contexto propriamente
científico, o qual evolui também segundo ritmos que lhe são próprios.

í Há ainda outro argumento que se apresenta de maneira recorrente


f para explicar a importância do tempo presente nos estudos historio -
í gráficos atuais: o “ fim do paradigma nacional”. Uma historiografia es-
sencialmente nacional privilegia por definição o tempo vertical, aquele
\ —
que vai da fundação até os nossos dias de Hugo Capeto a François
228 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

Hollande — , ou ainda a singularidade, ou excepcionalidade, como os


conceitos de “ exceção francesa” ou de Sonderweg alemão. Quanto mais a
nação tem raízes antigas, mais ela teria tendência a valorizá-las, e o per í-
odo mais recente teria relativamente menos peso. Ao contrá rio, se a di-
mensão nacional diminui, é o tempo horizontal que será mais facilmen -
te privilegiado, o de um “ tempo mundial”, menos dependente da obses-
são das origens, mais marcado pela transversalidade e, portanto, mais
orientado para os per íodos recentes. As primeiras defesas da história
contemporâ nea de historiadores como Hugh Seton - Watson, nos anos
1930, já exprimiam a ideia de que a disciplina histórica devia evoluir
em uma dupla direção: levar em consideração o tempo presente e levar
em conta a globalização, dois fenômenos que eles descreviam como in -
timamente ligados. A observação guarda uma porção de verdade, mas
possui também seus limites. Pode-se contestar primeiramente a ideia
de que a “ globalização” começa com a segunda revolu ção industrial e
com as revolu ções cient íficas e técnicas do último terço do século XIX,
e situá -la bem antes, por exemplo, com os grandes descobrimentos. A
globalização nos fatos, senão nas narrativas históricas, seria ent ão ante-
rior ao paradigma nacional, que surgiu com a constituição dos Estados-
- nações modernos. Em seguida, a experiência mostrou que a escrita de
uma história nacional, sobretudo se ela teve uma vocação cívica, quase
sempre integrou o per íodo contemporâneo, ainda que ela fosse rejeitada
pelo campo cient ífico. Do mesmo modo, a história do tempo presente
que surgiu após 1945 levou tempo para sair do quadro apenas nacional,
e a presença deste não obedece a uma evolução linear: nos anos 1960,
a história da Segunda Guerra Mundial era uma história internacionali-
zada; nos anos 1980, ela se renacionalizou, focalizando fenômenos de
colabora ção interna; nos anos 1990, ela se europeizou e se abriu para a
comparação com a Primeira Guerra Mundial. Em realidade, a quest ão
mais espinhosa é compreender por que, inclusive acerca de temas que se
estendem sobre um espaço transnacional, o prisma nacional permane-
O NOSSO TEMPO 229

I ceu tão importante e tão atrativo. Enfim, seria arriscado transpor a situ -
| ação da historiografia americana, alemã ou francesa a outros países sem
f outra forma de análise: a história nacional tem belos dias à sua frente em
j Estados que procuram, desde o fim da Guerra Fria, forjar-se ou recon -
[ solidar uma identidade própria, como os países saídos da influê ncia da
ex- União Soviética ( Países Bálticos, Ucrâ nia, Bielorr ússia ). Os usos na -
i cionais e identit á rios da história recente estão, portanto, longe de terem
|desaparecido, ainda que se estendam em um contexto em que domina a
I necessidade de enfrentar as “ páginas negras” do passado.

Enfim , último elemento e não dos menores, a história do tempo pre-


r-
\ sente se desenvolveu no contexto de uma crise do futuro, uma crise do
[ porvir, em um regime de historicidade “ presentista”. Ela teria mesmo
ï contribuído a reforçar essa atenção superdimensionada ao presente.

t Historiador me esforçando por estar atento ao meu tempo, observei assim,


f como muitos outros, a subida rápida da categoria do presente até que se
I impusesse a evidê ncia de um presente onipresente. É o que eu denomino
I aqui de “ presentismo” Pode-se definir melhor esse fenômeno? Qual é o seu
F alcance ? Que sentido lhe atribuir? Por exemplo, no contexto da história pro-
I fissional francesa, o aparecimento de uma História que se reivindica, a partir
I dos anos 1980, como “ História do Tempo Presente” acompanhou esse mo-
S vimento [...] Às m últiplas questões de História Contemporânea ou muito
contemporânea, a profissão foi chamada, por vezes intimada, a responder.
Presente em vá rias frentes, esta História se achou, em particular, colocada
, sob projetores da atualidade judiciá ria, na ocasião dos processos por crimes
contra a humanidade que têm como característica primeira o fato de terem
a ver com a temporalidade inédita da imprescritibilidade. [ Hartog, 2003:18]

l Crise do futuro?” Sem dúvida nenhuma. Uma parte deste livro se


insere mais ou menos nessa perspectiva, uma vez que tento mostrar que
230 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

o aparecimento, por etapas, e sem lógica linear, de uma nova história do


tempo presente no mundo ocidental e, portanto, de uma nova forma de
contemporaneidade correspondeu a momentos de grande incerteza,
como após 1918 ou 1945, quanto à possibilidade de conservar um laço
com o passado encerrado e a possibilidade de vislumbrar um futuro mi-
nimamente aberto. Entre os indícios desse presentismo, François Hartog
individua, por exemplo, a recusa social do envelhecimento, a necessidade
de afastar a morte e os mortos do nosso ambiente, a patrimonialização
vista como frenesi de uma conservação generalizada e, portanto, como um
medo da alteridade do tempo que passa. Ele inclui o investimento na me-
mória, mais do que na história, ou seja, na vontade de fazer reviver o pas-
sado no presente, em vez de observá-lo de longe, mantendo distância. Eu
acrescentaria alguns outros, como a vontade de qualificar juridicamente e
de reparar os crimes do passado com a medida das normas e valores do
presente, esquecendo que estes devem em parte a sua configuração atual às
dificuldades de levar em conta, após 1945, a novidade desses crimes. Essa
atitude resultou em uma forma de julgamento retrospectivo e constante
das gerações passadas, acusadas de não terem “ compreendido” a natureza
real dos acontecimentos que elas atravessavam, uma vez que não tinham
tirado todas as consequências que tiraríamos 30, 40 ou 50 anos depois.
Portanto, a categoria historiográfica do presente data dos anos 1980
e nã o nasceu na Fran ça, mas na Alemanha. Do mesmo modo, a ideia
de uma brecha aberta entre o passado e o presente não surgiu no fim
r
do último século, mas após a Revolu ção Francesa: “ se o passado já não £

aclara o futuro, o espí rito marcha nas trevas”, escreveu Tocqueville em 1

1840, passagem comentada por Hannah Arendt em Between past and 1


future (Tocqueville, 1840: t. II, cap. VIII, citado em Arendt, 1972:15). '

Esse sentimento de incerteza parece, portanto, já percept ível no regime


de historicidade pós- revolucionário que pôs fim progressivamente ao
reino imperioso de uma história marcada pela Providência divina ou
pela Razão. Pode-se mesmo sugerir que essa percepção do tempo, essa
1'
l
O NOSSO TEMPO 231

I incerteza é própria da contemporaneidade moderna que não fez senão


reforçar-se com as catástrofes, ainda imprevisíveis, do século seguinte
ao de Tocqueville. Há, portanto, uma ligação entre a atenção dada ao
tempo presente e a mudança de percepção no futuro, mas talvez uma
[•
ligação mais estrutural que conjuntural ou própria de nosso tempo.
François Hartog tem razão, sem dúvida, em apontar também a ques-
tão espinhosa, mas de uma outra ordem , do papel desempenhado pelo
Ff

historiador no campo da per ícia, jurídica ou não. Contudo, não é tanto



a intervenção do historiador que se pode, evidentemente, criticar —
que me parece o elemento explicativo, mas a existência mesma de um
campo de perícia prévia em que se precisará dos seus serviços, que me
I parece ir no sentido do presentismo. Que o historiador aceite ou não o
I
papel que se quis que ele desempenhasse nos processes “ históricos”, não
k muda a existência de uma requisiçã o, que se insere
í >
na ideia de que os
atores do presente, aqui um tribunal constituído 50 anos após os fatos,
pretendiam agir retroativamente sobre o passado, repará-lo, pondo em
ação todo tipo de técnicas e de conhecimentos, entre os quais os do his -
j toriador.111 Do ponto de vista das suas intenções, para não dizer de suas
realizações efetivas, a história do tempo presente tal como se desenvol -
?!
veu nesses últimos 30 anos me parece, portanto, contr á ria a uma forma
de resistência ao presentismo, uma pretensão a restituir, como todos os
historiadores, uma profundidade ao passado próximo ou à atualidade,
uma maneira de inseri-lo em uma duração. Que ela tenha tido êxito
r I ou não é outra questã o, que ela tenha uma parte de responsabilidade
£-
-
no dom ínio de certas temá ticas na historiografia recente e nos debates
ï

1
!
1 públicos, é possível. Mas se, como escreve François Hartog em uma pas-
'•
j sagem citada na introdução deste livro, o presente, destacado ao mesmo
F
tempo do futuro e do passado, privilegia o imediato, ent ão a história do
tempo presente constitui um antídoto e não um sintoma.

l 111
Desenvolvi algumas dessas questões em Rousso (1997) .
232 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

Denominações mais ou menos controladas

Tendo em conta as diversas maneiras de abordar a história do passado


próximo, não é surpreendente que a mesma prática tenha sido identifi-
cada por uma multiplicidade de denominações, seja na mesma lí ngua,
seja em línguas diferentes, podendo a tradução de um termo, alé m do
mais, mudar de significado de uma língua a outra. Na maior parte dos
casos, sobretudo em inglês, que se tornou a língua dominante nas ci-
ências humanas e sociais, utiliza -se mais frequentemente o termo con -
temporary history, tomado em seu sentido etimológico e pragmático,
uma vez que há cerca de 40 anos a legitimidade dessa atitude já nã o é
realmente questionada. O mundo anglófono, em especial na Amé rica
do Norte, discute com mais facilidade objetos e abordagens concretas
da história recente do que se interroga sobre sua epistemologia, sua le-
gitimidade, sua significa ção política ou moral. Pode-se, contudo, notar
um retorno do interesse nesses temas na nova geração de pesquisado -
res americanos ou canadenses, gra ças ao surgimento de uma “ hist ória
popular”, escrita para o povo e pelo povo, segundo uma velha fórmula,
e que traduz a evolu ção atual da public history. Esse movimento, que
nasceu por se levar em conta a demanda social de história no in ício dos
anos 1980, buscou formar profissionais aptos a participar da cria ção de
museus locais, de parques nacionais, a ajudar as empresas a proceder a
uma classificação de seus arquivos e de seu património. Ele estabeleceu
assim verdadeiros currículos de “ história aplicada” em algumas univer -
sidades americanas, que foi de grande interesse para a história do tempo %

presente nascente na Europa, envolta no paradigma da demanda social


( Rousso, 1984:105-121). Há alguns anos, esse movimento acompanha
e encoraja os cidad ãos ordinários, ou antes as comunidades, a produzir
um conhecimento “ histórico” sobre sua fam ília, sua escola, sua cidade,
sua região, fora dos contextos da história acadêmica tradicional. Vastas
pesquisas sobre essas práticas populares mais ou menos espontâ neas da
F

O NOSSO TEMPO 233

Ihistória, nos Estados Unidos, na Austrália e no Canadá, suscitam como


í contrapartida uma reflexão epistemológica renovada e original.112 Do
I mesmo modo, existe um novo interesse pelo conceito de “ consciência
[ histórica”, em parte por causa dos avatares da noção de “ mem ória co-

! letiva”, dos quais os historiadores e sociólogos abusaram nesses últimos


I anos, em parte porque o termo se insere em uma propedê utica da histó-
I ria e em uma história cultural que buscam também compreender a evo-
tlução da historicidade, um termo ainda pouco disseminado no mundo
langlófono.113
I A noção de “ história do tempo presente” teve uma ampla difusão
|tanto no mundo germânico, em que nasceu, quanto, posteriormente,
Ino mundo francófono a contar dos anos 1980-90. Ela teve também
ium desenvolvimento notável na América Latina, sobretudo no Brasil,
|em que os centros e revistas do “ tempo presente” se multiplicaram nos
lanos 1990- 2000.114 Esse interesse se explica pela atenção que as histo-
[ riografias francesa e alemã deram às crises do século XX, à violência
|das guerras e às violências políticas que interessam por definição países
I que saíam da ditadura e da guerra civil. Daí a presença de noções muito
; próximas, como a de “ historia actual ”, mais próxima da história imedia -

f ta, de “ historia vivida”, ou de “ pasado vivo”, forjadas também no mundo


112
Rozenberg e Thelen ( 1998), Aston e Hamilton ( 2010), Létourneau e Northrup
( 2011:163- 196). Sobre esta questão, ver também a revista online Histoire engagée: < his -
toireengage.cax
?
i 113
J
Ver Seixas ( 2004) , ou ainda o Centre for the Study of Historical Consciousness, da
% \ universidade de British Columbia, ou ainda a revista Narration, Identity, and Historical
. Consciousness ( Berghahn Books ).
114 yer
P5rt0 jr. ( 2007); o seminário de História do Tempo Presente da Universidade do
Estado de Santa Catarina, que publica a revista Tempo et Argumento , sob a direção de
Silvia Maria de Fávero Arend; a revista Cadernos do Tempo Presente , da Universidade
Federal de Sergipe. O Colóquio Internacional organizado pelo IHTP em Paris, de 24 a
26 de março, sobre “ Tempo presente e contemporaneidade” fez um panorama da vitali-
dade da história do tempo presente na Argentina, no Brasil, no Chile e na Guatemala ,
j Esse aspecto deve ser o tema de um dossiê especial da revista online Conserveries M é-
l morielles , a ser publicada em 2013: < http:/ / cm.revues.org/indez.html>.
234 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

hispanófono, em que o adjetivo “ vivo” remete à presença tanto do pas-


sado quanto de atores vivos.115 Portanto, houve há cerca de 30 anos uma
circulação dos conceitos e das noções que exprimem a necessidade de
agarrar o legado das catástrofes recentes para as analisar ou compreen -
der seu impacto a médio prazo.
Sendo a história do tempo presente por vezes associada a certa
maneira de praticar a história contemporâ nea que n ã o suscita apenas
consenso, nem est á, claramente, isenta de defeitos, alguns pesquisado-
res franceses preferem utilizar a expressão aparentemente mais neutra
“ histoire très contemporaine”. Esse uso traduz sobretudo uma reflexão de
distinção, por vezes de hostilidade, a respeito dessa escola de pensamen -
to.116 Mas, por enquanto, não existe nenhum texto que dê a essa expres-
são um conte údo conceituai. Desprovida de uma real pertinência, ela
introduz ainda mais imprecisão onde precisamente é necessá rio escla -
recer as coisas. Principalmente, reduz de novo a noção de contempora-
neidade apenas à proximidade temporal, o que lhe falseia o sentido, pois
não se trata somente de medir o tempo histórico, mas de compreender
a relação entre o passado estudado e o presente do historiador. També m
se utiliza sempre a expressão “ história imediata”, acerca da qual vimos
que não tinha aparecido na França antes da expressão “ história do tem -
po presente”. Esta última, ao contrário, suscitou uma reflexão argumen -
tada em particular da parte de Jean - François Soulet, um especialista
:
do comunismo que fundou em 1989 o Grupo de Pesquisa em História
Imediata ( GRHI ) na Universidade de Toulouse- Le Mirail.117 Apesar das
diferenças por muito tempo proclamadas entre história do tempo pre-

115
Ver o notável trabalho de síntese de Pérotin - Dumon ( 2007) . Para o caso espanhol, ver
entre outros Cuesta (1993) e Aróstegui Sánchez ( 2004) .
116
É o caso sobretudo de Pierre Laborie, que utiliza essa expressão em Les Français des
années troubles ( 2001:8 ).
117
Ver sobretudo os seus artigos nos Cahiers d’ Histoire Immédiate, e Soulet (1994), ou
ainda Soulet ( 2009).
O NOSSO TEMPO 235

sente e história imediata, a evolu ção das práticas reais mostra, com efei-
to, uma grande proximidade entre as duas tendências. Nenhuma trata
de temas mais “ recentes” que a outra, e ambas foram alvo da mesma
suspeita acadêmica, e depois do mesmo atrativo. Ambas se confrontam
com os mesmos obstá culos e conhecem as mesmas interrogações epis-
temológicas, ainda que as respostas tenham sido diferentes segundo as
sensibilidades ou os centros de interesse. Guy Pervillé, sucessor de Jean -
-François Soulet, escreveu, aliás, que as duas expressões eram sinôni-
: mas, uma vez que designam a mesma sequência historiográfica, “ aquela
para a qual existem ainda testemunhas”.118 O debate est á por essa razão
acabado ? Sim, no fundo, pela ausência de diferenças concretas entre as
abordagens. Não, sobre o significado do termo “ imediato”.
Se as palavras tê m um sentido, nem a história contemporâ nea, nem
a história do tempo presente, nem nenhuma espécie de história pode
’ pretender situar-se no imediato, pela boa razão de que, desde a época
do Renascimento e do surgimento de um conhecimento... mediado, fa -
zer história é precisamente criar uma mediação, estabelecer uma ponte
entre um passado frequentemente ininteligível para as gerações poste-
riores e um presente que precisa de um enraizamento temporal, de uma
f

profundidade de campo, qualquer que seja sua duração. É tanto mais


necessá rio estar atento às palavras quanto a imediaticidade é uma das
grandes ilusões da nossa época. Ver as Torres Gêmeas de Manhattan de-
:
I sabar em tempo real representa uma forma de instantaneidade aparente
f nascida com os meios modernos de comunicação. É esquecer que essa
I “ instantaneidade” precisou da presença, fortuita ou não, de câmeras,
f capturando o acontecimento sob ângulos particulares, com olhares con-
I dicionados por objetivos. É negligenciar que essas imagens que deram a

118
Pervillé ( 2006- 2007:6). Sobre a discussão em torno das diversas denominações da
história contemporâ nea, ver a mesa - redonda organizada pelo IHTP no dia 2 de abril
de 2009, com Philippe Bourdin, Guy Pervillé, Henry Rousso e Jean - François Sirinelli,
apresentada por Patrick Garcia: < www.ihtp.cnrs.fr / spip.php% Farticle791.html > .
Fil!

236 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

volta ao mundo em alguns segundos foram, portanto, transmitidas por


um olho que “ vê” aquilo que está na tela, um lembrete tão banal quan -
to essencial. Um célebre jornalista e ensaísta americano, conselheiro de
"

Richard Nixon, William Safire (1972:349), comparou assim a história


imediata ou a instantaneidade ( instant history) ao café do mesmo nome.
Ele denuncia assim os riscos das per ícias precoces demais, daquelas que
nos acostumamos a ver disseminar-se em todo lugar, alguns minutos
após as primeiras projeções de resultados eleitorais ( e agora semanas
antes...) ou algumas horas após o início de um conflito no mundo. Nos -
sa época consome até à exaustã o esses exercícios de retórica, tanto mais
verborrágicos quanto falta informa ção, em que “ politólogos” com o to-
pete impecável se fazem doutamente de adivinhos durante horas, em
que ex-oficiais reformados vêm explicar- nos o resultado de uma guerra
que vai durar talvez vá rios anos, em que “ especialistas” de relações in -
ternacionais nutridos da leitura matinal de alguns artigos da imprensa
estrangeira nos explicam a evolução do mundo futuro a contar do acon -
tecimento do dia. Há certamente em nossas sociedades uma grande
demanda de imediaticidade, de “ análises” t ão rapidamente esquecidas
quanto enunciadas: elas tê m a vocação de ser consumidas no local, sem
preparação e sem esforço, como o café solúvel. Nossa é poca já não su-
porta nem o vazio, nem a incerteza, nem a espera, nem a lentid ão. Por
isso, o historiador do tempo presente deve, por definiçã o, posicionar-se
fora dessa temporalidade, que pertence a uma lógica diferente da do co -
nhecimento. A objeção de uma precocidade grande demais, formulada
pelos historiadores do século XIX hostis à história contemporânea, não
deixava, em suma, de ocultar certo bom senso, todos os historiadores
sabem disso. Mas sob a condição de considerar que o “ recuo necessá rio”
não significa um prazo de espera ou de reserva, mas constitui uma cons-
trução, uma disposição de espírito, uma maneira de analisar o presente
de outro modo em um universo que parece ter banido precisamente
toda distâ ncia temporal, espacial ou física. Querer escrever no calor da
O NOSSO TEMPO 237

lhora a história de um acontecimento prenhe de consequências possí-


I veis, a fortiori a de uma catástrofe que se desenvolve sob nossos olhos,
f não significa reduzi-las apenas a seus contornos presentes, nem as fixar
[ em uma imediaticidade impossível de compreender e que não tem, ali-
f ás, nenhum sentido para o historiador. Fazer a história do tempo pre-
.

I sente é, ao contrário, postular que o presente possui uma espessura, uma


n

profundidade, que ele não se reduz a uma soma de instantaneidades que


I se compreenderá repentinamente. Como toda boa história, trata-se de
I restituir uma genealogia, de inserir o acontecimento em uma duração,
I de propor uma ordem de inteligibilidade que tenta escapar à emoção do
I instante, ou, para usar um vocabulá rio lacaniano, que tenta instituir um
I pouco de simbólico onde o imaginá rio invadiu tudo: é uma das tarefas
I essenciais da história, e uma das missões mais importantes da história
do tempo presente.

0 que é ser contemporâneo

Definir o contemporâ neo parece uma tarefa mais essencial do que esco -
! lher uma boa denomina ção, ainda que a quest ão pertença a um dom í -

nio mais filosófico do que historiográfico. Pertencer ao “ mesmo tempo”,


; como temos visto desde o início deste livro, se reveste de vá rios signifi-

cados. “ Ser contemporâ neo” é ser biologicamente da mesma época, um


dado de base necessário para levar em conta, ainda que esteja longe de
ser suficiente: como para todas as outras ciências sociais, em particular
a Sociologia ou a Antropologia, o contato direto, a troca, o diálogo, a
confrontação, a simples presença de testemunhas ou atores, da sua me-
I mória, de suas reações possíveis e, portanto, da transferência que pode
I 1 estabelecer-se entre os protagonistas de uma mesma época, constituem
| um elemento de singularidade da história contemporânea apesar dos
f .

Ê contorcionismos intelectuais para negar essa particularidade em nome


238 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

de uma ciência histórica una e indivisível, uma questão à qual voltarei


adiante neste capítulo. Se toda história é contemporânea, a história do
tempo presente é um pouco mais que as outras.
“ Ser contemporâneo” é também para atores em diversas posições
manter uma relaçã o com uma atualidade, um presente sentido como
“ comum” em um espa ço que variou consideravelmente há meio século.
É participar da marcha do mundo, apesar das diferen ças de idade, de
lugar, de situação e de percepção do tempo vivido.

O contemporâ neo n ão é uma propriedade, uma qualidade ou um conjun-


to de qualidades que se poderia esperar fixar em um tipo ideal. Todas as
tentativas para definir um arqué tipo do nosso contemporâ neo participam
do erro segundo o qual haveria uma essê ncia histórica comum a todos os
atores presentes na cena. O erro n ão consiste em acreditar que há de fato
pontos comuns dos atores histó ricos, mas em crer que esses pontos comuns
poderiam compor a sua modernidade. Mas há de tudo na cena: o tradicio-
nal, o moderno, o antiquíssimo, ou até arcaico, o novíssimo e sobretudo
o misturado. O contemporâ neo é na verdade uma rela ção entre todos os
ingredientes da atualidade. [ Descombes, 2000:30- 31]

Portanto, a contemporaneidade deve ser pensada como uma rela ção


tanto com o tempo quanto com o espa ço, com a questão crucial para
um historiador de situar o lugar dos mortos nesse conjunto ou ainda
o lugar do encerrado. Uma sociedade que d á uma grande importâ ncia
à memória, mesmo de maneira superficial, consequentemente concede
ipso facto uma presença mais marcada aos desaparecidos e ao passado
encerrado. Ela reserva- os para um lugar diferente daquele que tradicio -
nalmente lhes pertence, uma vez que lhes d á uma atualidade incessan -
temente reativada: tal é o princípio em funcionamento em uma época
“ comemorativa”, sobretudo a nossa, que pretende ademais reparar todos
os sofrimentos do passado após tê-los reintroduzido em um presente
O NOSSO TEMPO 239

I por um modo de esquecimento impossível. Em um universo em que a


I fronteira entre o passado e o presente se atenua precisamente por causa
I dessa vontade de trazer e conservar na atualidade os sofrimentos ou os
I crimes do passado, próximo ou distante, o historiador do tempo presen -
j te se acha no dilema de ter que ou ser “ do seu tempo” e, portanto, acom -
1 panhar essa ilusão segundo a qual se pode reparar a história, participan-
I do da emoção coletiva e colocando, por exemplo, sua arte a serviço das
E causas “ memoriais” ou, ao contrário, se distanciar, se defasar correndo o
; risco de n ão ser compreendido, para criar precisamente uma distância,

contrária ao princípio da emoção que quer fazer reviver o sofrimento


I dos mortos em uma forma de empatia. “ Presentista”, o historiador do
I tempo presente? Não estaria ele mais próximo do “ metacomtemporâ-
I neo” de que fala Alain Finkielkraut acerca de Charles Péguy, ou ainda do
"extemporâ neo” nietzschiano ?

Aquele que pertence de fato ao seu tempo, o verdadeiro contemporâ neo, é


aquele que n ão coincide perfeitamente com ele nem adere às suas preten-
í sões, e se define, nesse sentido, como extemporâ neo; mas precisamente por
esta razão, precisamente por este afastamento e este anacronismo, ele é mais
apto que os outros a perceber e a compreender o seu tempo.119

Essa postura oculta sem d úvida nenhuma uma parcela de estetismo.


Contudo, essa abordagem da contemporaneidade vai ao encontro exa-
tamente da postura que os historiadores do tempo presente procuraram
adotar nesses últimos anos, criando dist ância com a proximidade, para
evitar soçobrar na ilusão de uma compreensão do mesmo pelo mesmo
sob o pretexto de respirar o mesmo ar do tempo que os atores estuda-
dos. Paradoxalmente, trabalhar com a história próxima é tomar perma-
nentemente a medida da dist ância constantemente variável em relação

119
Agamben ( 2008:9-10), comentando a Seconde consid ération inactuelle de Nietzsche.
240 A ULTIMA CATÁ STROFE

ao objeto e ao sujeito estudado. Há proximidade porque se estuda um


processo em curso, inacabado por definição, ou porque se trata de um
ator vivo, acessível e, portanto, sujeito a reações diante das afirma ções
;
do historiador. Há dist ância relativa porque o processo é apesar de tudo
datado ou o tema mais velho que o observador: encontra-se essa ideia
central de que o tempo presente define uma duração significativa e não
um instante fugaz. Há enfim um grau maior ou menor de alteridade
porque a experiê ncia descrita é frequentemente estranha ao historia-
dor, sobretudo se se trata de uma experiência de violência extrema. Os
historiadores do tempo presente têm, portanto, como todos os outros
historiadores, a experiê ncia de uma tensã o estrutural entre proximida-
de, dist â ncia e alteridade, mas eles a tê m com uma polaridade diferente:
é-lhes mais dif ícil estar longe. A quest ão da prá tica nã o consiste em se
aproximar daquilo de que eles estariam a priori distantes, como o an -
tropólogo diante de um í ndio cadiu é u ou o historiador diante de uma
camponesa medieval, mas, ao contrá rio, em se afastar daquilo de que
parecem estar próximos, como um resistente ou um sobrevivente que
tem a idade do seu pai ou do seu avô, fala a mesma língua, mora talvez
no mesmo bairro e, com frequê ncia, frequenta ou frequentava assidua -
mente os seminá rios que eles organizam.
Insisto nessa quest ão porque ela explica as confusões que por vezes
existem em torno do projeto da história do tempo presente. Esta per-
tence ao campo disciplinar da história e não tem nenhuma inten ção de
fugir da sua fam ília de origem. Ainda que pretenda algumas especifi-
cidades e mesmo singularidades, ela não procura nem se impor como
disciplina autónoma, nem se confundir com a sociologia ou ainda com
uma “ antropologia do presente”, que lhe é aparentemente próxima, uma
vez que ela também se interessa pelo mundo contemporâneo, que é o
do próprio observador e coloca, també m, a questão do distanciamen-
to volunt á rio. Esta última, surgida no início dos anos 1990, constitui,
aliás, um ind ício suplementar do peso crescente das preocupações em
O NOSSO TEMPO 241

w relação ao presente ou ao contemporâneo no fim do século XX. Tendo


I consciência do surgimento recente de uma história do tempo presente,
I essa forma de antropologia não pretendeu colocar-se em seu lugar, nem
reacender a velha querela sobre história e estrutura:
I

se a história da Histó ria, que é, por um lado, a da relação entre História e


Antropologia, consegue, no fim deste século, definir as condições de uma
‘história do presente’, a Antropologia n ão deve interpretar esta evolução
como o sinal imperialista de uma concorrê ncia desleal, mas como um sin -
toma tanto mais significativo quanto ele tem a sua fonte na reflexão de his-
toriadores por definição especialistas do tempo,

|escreve Marc Augé em 1994.120 Tanto a evolu ção da história quanto da


! antropologia para interrogações que dizem respeito ao presente consti-
I tuem, nesse sentido, um princípio de resposta à evolução das sociedades
I contemporâneas no seio das quais a “ imediatidade”, a experiência vivida
p>

I e o testemunho “ direto” ganharam cada vez mais importância em um


I espaço pú blico dominado pela emoção do instante. A análise media-
|da, distante, indireta tem, por isso, cada vez mais dificuldades para se
I impor, daí o risco que haveria de manter essa ilusão no interior das dis-
!ciplinas mais interessadas. Em um texto brilhante em que ele imagina
I um diálogo entre um antropólogo e um historiador em batalha pelos
I méritos comparados da observação direta e indireta, o antropólogo Gé-
I rard Lenclud lembra que sua disciplina não pode, por definição, abolir
I toda distância:
[ O antropólogo ] faz quest ão de lembrar ao historiador que se o etnógrafo
“ está lá”, ou seja, compartilha da experiê ncia dos homens que ele estuda, ele

I 120
Citação da p. 11 da edição Champs/ Flammarion (1997) . Ver também Althabe, Fabre
e Lanclud ( 1992 ) e os trabalhos de Marc Abelès.
242 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

n ão “ é um deles”. Ele n ão é um dos seus. Seu olhar é distante, sua participa -


ção distanciada. Seu ponto de vista n ão é, portanto, uma caverna, uma vez
que já está aberto ao do outro, já confrontado com um outro ponto de vista,
já questionado, já longe de casa. O historiador agradece ao antropólogo esse
lembrete, mas isto para afirmar, incontinente, que o “ eu estava lá” perde
então uma parte da sua força. O etnógrafo n ão saberia atuar em todos os
quadros. [ Lenclud, 2012]

Portanto, não é tanto a presença do observador in loco no momento


do desenrolar de tal ou qual fato que cria as condições de um melhor
conhecimento, mas a capacidade de distanciamento em relação aos fa-
tos ou às pessoas observadas, a qualidade de enuncia çã o e de narra çã o, a
possibilidade de pôr em relação um conhecimento prévio, um questio-
namento anterior diante das observa ções feitas em campo. Assim como
o historiador não pode prevalecer-se hoje de ter, um dia, a última pala-
vra, uma vez que ele não pode predizer em nada como o que ele próprio
observou hic et nunc do passado será percebido por seus pares dentro de
duas ou três gera ções, o antropólogo não pode prevalecer-se, também,
de um privilégio de posição, de “ contemporaneidade”, uma vez que esta,

entendida em seu sentido primeiro do mesmo tempo , não abole —
em nada a alteridade e, portanto, a necessidade para ele de colocar as
bases de um olhar a boa distâ ncia.

Por outro lado, tanto para o antropólogo quanto para o historiador


do tempo presente, a cena contemporânea é um lugar em que seus escri-
tos podem ter efeitos quase imediatos, uma vez que eles se inserem em

! um processo em curso, do mesmo modo que um jornalista, e essa é uma


singularidade muito marcante. A ideia não é nova. “ Todo ‘imediatista
[...] é ao mesmo tempo coletor de fatos e produtor de efeitos, efeitos
imediatos” ( Lacouture, 1978:282). Não se trata tanto de consequências
que tal ou qual interpretação histórica pode produzir na atualidade:
íí

O NOSSO TEMPO 243

uma discussão sobre sítios arqueológicos na Terra Santa ou sobre ma-


nuscritos religiosos da Idade Média pode revelar-se t ão viva quanto uma
contrové rsia sobre o 11 de Setembro. Trata-se antes das consequê ncias
que a análise histórica, colocada voluntariamente ou não em situação de
perícia, pode ter sobre um processo em curso. É em geral onde a história
l do tempo presente verifica a mais dif ícil e a mais arriscada.
se
,
Por exemplo o relatório feito pelo Nederlands Instituut voor Oor-
logsdocumentatie ( Niod ), o Instituto Neerlandês sobre a História da
Guerra, acerca dos massacres de Srebrenica de 1995, fez cair o governo
em 2002 ao apontar as responsabilidades dos capacetes azuis neerlande-
! ses. Contudo, mesmo levando a uma pesquisa aprofundada, o relatório
I por vezes errou o alvo, aplicando para a situação da guerra na ex- Iugos-
I lávia paradigmas utilizados para a história do nazismo. Ele o fez somen -
I te por reflexo — era seu campo de per ícia e mesmo a razão pela qual
S fora solicitado, de acordo com o princípio de uma possível analogia en -
I
I

tre as duas situações históricas , mas para escapar ao ascendente das
categorias jurídicas ao tentar “ deslocar” o problema tal como fora posto
no Tribunal Penal Internacional para a ex- Iugoslávia de Haia. Ora, essa
1 analogia, apesar do seu caráter inadequado, decuplou os efeitos políti-
cos do relatório, que não podia senão ter efeitos devastadores, uma vez
que se tratava do nazismo ( Lagrou, 2007:63- 79).
Do mesmo modo, sempre no registro da per ícia, o relatório feito por
Christian Bachelier, em 1998, no IHTP, sobre o papel da SNCF durante
a guerra, não foi somente uma leitura acadêmica ou perita de uma ques-
tão debatida no espaço público. Ele modificou profundamente a nature-
! za do problema em curso.121 Em um primeiro momento, esse relatório
I procurou tomar distância não do próprio período histórico, o que era
I
%
I óbvio, mas da maneira pela qual o problema era colocado no in ício dos

121Bachelier ( [ 1998] ). Uma parte deste relatório ( sem os anexos), pelo qual fiquei respon -
J
7

sável, está dispon ível no site da Association pour l’Histoire des Chemins de Fer en France:
< www.ahicf.com / une-entreprise- publique- dans-la -guerre-la -snfc-1939-1945,52>.
244 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

anos 1990. Solicitado pela SNCF para realizar uma perícia apenas sobre
a questão dos trens de deportação ( em torno de uma centena ), o IHTP
tinha proposto aumentar a quest ã o e conduzir uma pesquisa sobre a
estratégia global do empreendimento, assim como sobre suas ligações
com a tutela governamental e a das autoridades alemãs da ocupa ção a
fim de medir sua eventual margem de autonomia. A situação no início
da pesquisa, em 1992, era a de uma possível culpabilização do empre-
endimento por crimes contra a humanidade, donde a necessidade para
os historiadores de sair de uma lógica exclusivamente jurídica e judi -
cial, igualmente inserida na temporalidade das querelas de memória.
O IHTP propôs assim algo diferente de uma simples história factual
que buscasse determinar a culpabilidade ou a responsabilidade de tal
ou qual indivíduo ou de tal ou qual setor para se concentrar em uma
análise política e económica da estrat égia do empreendimento, e re-
colocar assim a quest ão dos comboios de deporta ção em um contexto
mais amplo. Uma vez entregue o relat ório em 1998, as associações que
processavam o empreendimento pú blico e que não tinham podido con -
tinuar pela via dos processos penais decidiram apresentar o processo
à justiça administrativa, que não julgava indivíduos, mas devia deter-
minar qual tinha sido a responsabilidade do empreendimento p ú blico
a fim de decidir se os preju ízos e interesses eram justificados. A ú nica
peça ou quase ú nica dessas novas queixas, das quais uma teve êxito, foi
o Relat ório Bachelier, o que nã o impediu alguns protagonistas de acu-
sar os historiadores de terem querido “ esconder a verdade”, uma pura
mentira tanto t ática quanto política. Em outras palavras, solicitado para
alimentar uma eventual defesa judicial, o Relatório Bachelier serviu de
peça de acusação em um processo administrativo, sem que os histo-
riadores, apesar de alertados e tendo tomado distâ ncia de um eventual
uso que seria feito do seu trabalho, pudessem de fato antecipar esses
efeitos. Pode-se certamente encontrar exemplos similares em trabalhos
de história medieval ou moderna, mas a experiê ncia mostrou que levar
O NOSSO TEMPO 245

hm conta os efeitos possíveis desse tipo de perícia no processo estudado,


:à medida que não estava “ acabado”, era de fato um dado estrutural da
história do tempo presente. Não adianta o historiador deslocar-se para
escapar da sua própria contemporaneidade, esta o pega sem que ele sai-
ba exatamente onde e quando.
i

'Uma definição por critérios constantes

Além da questão das denominações e da multiplicidade das definições


;4a contemporaneidade, existem na prática efetiva dos historiadores duas
maneiras de identificar a história contemporânea, não exclusivas uma da
Outra. De um lado, podem - se procurar os crité rios constantes que per-
mitam distinguir essa parte do tempo histórico dos outros períodos, sem
que esses critérios dependam de um contexto historiográfico particular
OU de uma conjuntura dada. Essa maneira de proceder tem a vantagem
de permitir comparações no tempo e no espaço sobre as diversas práticas
que reclamam para si uma mesma preocupação com a história recen -
te, daí o interesse por uma perspectiva longa. Por outro lado, pode-se
definir o “ tempo presente” ou o “ contemporâneo” pela periodização, a
operação historiográfica por excelê ncia, que convida a identificar uma
data inaugural e isolar um segmento histórico característico próprio. Ao
contrário da precedente, essa definição pertence ao registro da interpre-
tação do segmento considerado e depende, portanto, de critérios variá -
veis: autores, escolas de pensamento, contextos científicos ou culturais.
À primeira vista, é difícil distinguir grandes sequê ncias históricas de
' outro modo que n ão por fronteiras notáveis, uma tradição que remonta,
como vimos, ao Renascimento e também às primeiras narrativas histó-
! ricas. Essarfirõnteiras lembram em geral acontecimentos memoráveis,
I significativos para òs contemporâneos ou seus descendentes: guerras,
f revoluções, crises, mudanças dinásticas ou constitucionais, um hábito
f
246 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

solidamente ancorado na percepção do tempo através das idades, pelo


menos no universo ocidental. Da mesma maneira, a escolha de uma
periodiza ção histórica consiste sempre em uma leitura ou em uma re-
leitura do passado a partir de uma dada época, quer ela seja o fato dos
historiadores, do poder político ou do senso comum. Somente a história
contemporâ nea escapa em parte a essas características, uma vez que é
possível defini-la por meio de critérios constantes não dependentes de
uma dada conjuntura e, portanto, de uma leitura datada e situada.

Um período móvel

Vá rios historiadores, entre os quais eu me contava, tinham avançado a


ideia nos anos 1980 de que, sendo o limite final do território da história
do tempo presente uma fronteira constantemente móvel, o processo devia
ter consequências sobre as pesquisas a realizar, em particular uma espé-
cie de vigilância permanente da atualidade. Se o historiador do tempo
presente permanece atento ao seu próprio tempo, sobretudo por razões
evocadas anteriormente, essa ideia de mobilidade constante do tempo
fracassou e teve apenas um impacto muito limitado no trabalho efetivo.
O historiador do tempo presente não é um historiador do instante e não
tem a vocação de correr atrás da atualidade. Ademais, que os estudos his-
tóricos devam dar conta de um alongamento permanente do devir das
sociedades humanas é um truísmo, ainda que a questão não deixe de ter
efeito na organização dos programas escolares. Em inú meros países euro-
peus, sobretudo se os horários de ensino da história são reduzidos, esses
últimos se acham diante de um dilema: ou tratar da história do tempo
presente e reduzir em todos os anos a parte de outros episódios do passa-
do; ou recusar realizar uma seleção para evitar as controvérsias em torno
da ideia de que já não se ensina tal ou qual período, sob o risco de tornar
os programas ilegíveis. Essas dificuldades foram de certo modo pungentes
O NOSSO TEMPO 247

mos anos 1980, em especial na França, uma vez que as políticas escolares
[ em matéria de ensino da história desenvolveram a ideia de que os alunos
Ido primeiro e último ano deviam ser sensibilizados tanto para a história
I próxima quanto para temas ditos de “ atualidade”, uma evolução ligada ao
L Surgimento mesmo de uma nova sensibilidade para o contemporâneo.
IlVata-se, contudo, de um problema particular que não pesou sobre o de-
Isenvolvimento de uma história do tempo presente. Por outro lado, a insta-
bilidade de toda periodização em história contemporâ nea, que acaba com
[ maior frequência “ em nossos dias”, não pode ser facilmente eliminada, e
I continua um primeiro traço constante de toda história contemporânea.

Uma duração significativa

I Se fazer a história de um tempo presente é sempre abordar uma duração


I significativa, um “ per íodo” no sentido mais clássico do termo — “ de
I 1945 até nossos dias”, “ de 1989 até nossos dias” — , a experiência mostra
I que este será frequentemente mais reduzido do que na história medieval
I ou moderna. Quanto mais nos aproximamos do presente, mais os recor-
I tes são cerrados, fato facilmente observável nos títulos de concursos ou
I de exames, nos temas de teses, nos trabalhos de pesquisa. Por exemplo,
í entre 2009 e 2012, surgiu uma nova História Geral da França em 13 vo-
! lumes, retomando um recorte mais tradicional: quatro volumes que re-
1 cobrem a Idade Média, do advento de Clóvis (481) ao fim da Guerra dos
Cem Anos (1453); quatro recobrem a Idade Moderna, do Renascimento
às vésperas da Revolução Francesa; cinco cobrem a Idade Contemporâ-
nea no sentido institucional do termo, de 1789 a 2005.122 Um simples

Coleção “ Histoire de France”, sob a direção de Joël Cornette, Jean -Louis Biget e
122

Henry Rousso, pelas Éditions Belin ( 2009- 2012): Geneviève Bü hrer-Thierry e Charles
Mériaux, La France avant la France ( 481 -888 ); Florian Mazel, Féodalité ( 888 -1180 ); Jean -
Christophe Cassard, Lâge d’or capétien ( 1180- 1328 ); Boris Bove, Le temps de la Guerre
248 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

cálculo aritmético mostra que cada volume de história medieval cobre


em média 250 anos, cada volume de história moderna, 80 anos, cada
volume de história contemporâ nea, cerca de 45 anos, por vezes menos,
como o sobre 1914- 45. Foi preciso, portanto, mais volumes para cobrir
os pouco mais de dois séculos que nos separam da Revolu ção Francesa,
do que para cobrir um milénio de história medieval ou três séculos de
história moderna. Pode-se comparar essa situação a uma recente his-
tória da Alemanha, em 24 volumes, uma sé rie publicada entre 2004 e
2010. Além de um volume de cunho geral, oito volumes são dedicados
à Idade Média ( do século IV ao fim do século XV ); quatro à Idade Mo -
derna ( 1495-1806 ); cinco ao século XIX ( até 1914 ); e sete apenas para o
“ curto século XX” ( 1914-1990 ), dos quais três volumes são especifica -
mente dedicados ao Terceiro Reich, ao Holocausto e à Segunda Guerra
Mundial, e um meio volume à história da RDA.123 Se há claras diferenças
em relação à sé rie francesa posterior quanto ao lugar relativamente mais
importante da história medieval e ao peso sempre considerável dos anos
1933- 45, encontram -se disparidades sequenciais análogas: se é preciso
oito volumes para cobrir 10 séculos de história medieval, é preciso qua-
se da mesma quantidade para cobrir menos de um século de história do
tempo presente. Esses dois exemplos ilustram um fenômeno muito co-
nhecido dos pesquisadores, professores ou editores de manuais escola-
res: quanto mais nos aproximamos do presente, mais o sequenciamento
do tempo se encurta, e mais a densidade da maté ria aumenta.

de Cent ans ( 1328 - 1453 ); Philippe Hamon, Les renaissances ( 1453- 1559 ); Nicolas Le
Roux, Les guerres de religion ( 1559- 1629 ); Hervé Drévillon, Les rois absolus ( 1630 - 1715 );
Pierre- Yves Beaurepaire, La France des lumières ( 1715 - 1870 ); Vincent Duclert , La ré pu-
blique imaginée ( 1870- 1914 ); Nicolas Beaupré, Les grandes guerres ( 1914 - 1945 ); Michelle
Zacarini e Christian Delacroix, La France du temps présent ( 1945 -2005 ). Usou -se como
crité rio o n ú mero de volumes para cada per íodo, que constitui uma escolha assumida e
determinada pelos responsáveis pela sé rie, em vez do n ú mero de páginas, que varia em
função dos autores, do seu estilo e das suas escolhas intr ínsecas.
123
Benz, Haverkamp e Reinhard ( 2004-2012: 24 v.) . Essa coleção recebeu o nome de um
historiador alemão autor de manuais do fim do século XIX.
O NOSSO TEMPO 249

I Poder -se- ia dissertar longamente sobre as razões de tal situa ção, ob -


I servada aqui de maneira empí rica. A soma dos nossos conhecimentos
I decresce evidentemente à medida que nos afastamos no tempo, uma
regra que não é certo, aliás, que se aplique aos historiadores do futuro,
I observando nossa época, tão preocupada em conservar rastros de todo
I tipo— ainda que a fraca confiabilidade de conservação corra o risco de
suscitar problemas encontrados desde sempre pelos historiadores. Por
necessidade, os acontecimentos mais recentes pesam mais na memória
histórica e, portanto, nas escolhas historiográficas. Ademais, as histórias
¥ da Fran ça ou da Alemanha mencionadas são concebidas no contexto

cultural do fim do século XX e in ício do XXI, per íodo que dá muita


atenção à história do tempo presente. Enfim , a densidade da história
I contemporâ nea sobre per íodos mais curtos se liga à própria “ acelera-
ção” da história, consequê ncia do crescimento da velocidade de comu -
nicação, do desaparecimento progressivo dos limites espaciais que po-
diam limitar há ainda algumas décadas a percepção do tempo presente,
[ das formas m últiplas de globalização — processos esses que nos tornam
{ testemunhas e contemporâ neos do que se passa a todo instante no mun -
do: eis aí um grande desafio para os historiadores do tempo presen -
te de hoje e de amanhã. Objetar-se-á que eu apresento aqui elementos
contextuais para explicar um crité rio supostamente constante. Mas uma
rápida olhadela em alguns precedentes mostra que não se trata de um
traço próprio do fim do século XX. Ernest Lavisse, conforme citamos
í no primeiro capítulo, e seus colaboradores dedicaram 17 volumes ( mais
s
um volume para o índice ) à edição original da Histoire de France, depuis
les origines jusqu à la Ré volution , publicada entre 1903 e 1911, que cobre
1
15 séculos, e nove volumes ( dos quais um para o índice ) à Histoire de
I France contemporaine depuis la Révolution jusqua la paix de 1919, para
um tempo presente que cobre apenas 130 anos.
250 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

Um prazo pol ítico de reserva

Que a história contemporânea remonte no tempo em “ cinquenta anos,


um mês ou um minuto”, para retomar a expressão de Benedetto Croce,
quaisquer que sejam , portanto, a periodizaçã o ou o recorte adotados,
põe-se a questão de um prazo de reserva que não existe, por definição,
para as outras sequências da história. Certamente, acaba-se de mostrar
que o obstáculo foi levantado na historiografia ao longo de todas es-
sas últimas décadas. Nem por isso ele desapareceu inteiramente, como
mostram as discussões recorrentes sobre os prazos para o acesso aos ar -
quivos p ú blicos que delimitam um tempo de latência no qual o acesso à
informação será controlado, ou mesmo proibido por certo tempo.124 Na
França, esse tempo de lat ência, intensamente discutido pelos deputados
e senadores na ocasião da vota ção das diferentes leis sobre os arquivos,
foi sensivelmente modificado nas três últimas d écadas, passando de 50
anos (situação que prevalecia nos anos 1960 ), a 30 anos (lei de 1979),
depois a 25 anos ( lei de 2008) para os documentos de interesse geral,
mas com prazos de fechamento muito variáveis para alguns tipos de do -
cumentos, considerados “ delicados” pelos parlamentares ou pelo poder
político.125 Acontece o mesmo na maior parte dos países europeus que
concordam hoje sobre um prazo de reserva de 25 a 30 anos, com va -
ria ções no gerenciamento de alguns documentos. Nos Estados Unidos
prevalece o sistema de “ desclassificação” dos diferentes tipos de arquivos
públicos, que tem a vantagem de permitir um acesso progressivo a in ú -
meros documentos p úblicos sem esperar o fim de um prazo de reserva

124
Sobre os prazos para acesso estabelecidos para os arquivos vistos em um plano dife -
rente do simplesmente político ou administrativo, ver Menne- Haritz (1999:4- 10), versão
inglesa online: Thoughts on the latency of time in administrative work and the role ar-
chives play to make it visible. Dispon ível em: < www.staff.uni- marburg.de/ ~ mennehar/
publikationen / latency.pdf > .
125
Em uma literatura abundante, ver o levantamento clar íssimo, que aborda a questão de
um ponto de vista comparativo, de Coeuré e Duclert ( 2001) .
O NOSSO TEMPO 251

f geral. Mas em todos os casos, e conquanto o obstáculo dos arquivos


[ provisoriamente inacessíveis seja contornado, isso significa que existe
í pelo menos uma definição política e normativa da história contempo-
; rânea, uma singularidade bastante manifesta em relação a outros perí-
i odos da história que não deixa de ter implicações, especialmente nas
f relações que os historiadores mantê m com o Estado e o poder político.
\ Acrescentemos, contudo, que a observação vale apenas para os arquivos
públicos: rastros escritos, imagens ou sons produzidos pelos Estados e
í
pelos poderes constitu ídos de todo tipo. Ela vale parcialmente para os
arquivos privados, cujo acesso pode ser també m objeto de leis. Ela não
poderia cobrir o conjunto das fontes acessíveis à histó ria contempor â -
nea, cuja diversidade e abundâ ncia constituem ao mesmo tempo um
obstáculo e um trunfo da disciplina.

0 ritmo secular

\ Na prática dos historiadores, como aliás em outras disciplinas, é fre-


[ quente desde o século XIX recortar o tempo histórico em tantos seg-
[ mentos quanto existem “ séculos”. Isto permite definir mais facilmente
l territórios a compartilhar, temas de exames e de ensino. Existem assim
í mui naturalmente especialistas do século XX, como existem do século
í XVI, recortes visíveis tanto nos títulos dos manuais ( por exemplo a sé rie
l dos manuais de história literá ria de “ Lagarde et Michard” ), de centros de
pesquisas, quanto nos t ítulos de revistas cient íficas. Por exemplo, é pu -
blicado em 1984 o primeiro n ú mero da revista Vingti è me Siècle , criada
por historiadores vindos entre outros do Instituto de Estudos Políticos
de Paris ( René Rémond, Michel Winock, Jean - Pierre Azéma, Jean - Noël
Jeanneney...), da Universidade de Paris X Nanterre ( Jean -Jacques Becker,
Jean- François Sirinelli), do novo Instituto de História do Tempo Presen -
te ( François Bédarida, Jean Pierre Rioux, Danièle Voldman e eu ), em
252 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

que foi estabelecida em um primeiro momento a sede da redação. Nos


meses que precederam seu lançamento, os mais jovens dos redatores
levantaram a quest ão de saber se não era preciso antecipar um sucesso
possível dessa nova revista e, portanto, se interrogar sobre a pertinência
do seu nome. Est ávamos ent ão a apenas 17 anos do fim do século, e por
menos que a revista se enraizasse no meio cient ífico, seu nome poderia
tornar -se muito rapidamente obsoleto. O argumento foi logo descarta-
do pelos notáveis. Uma vez que era, por outro lado, impossível utilizar
um nome já usado por outra revista — a Revue d’ Histoire Moderne et

Contemporaine, sua irmã mais velha , e já que estava fora de ques
t ã o chamar o neonato de “ Revue d’ Histoire du Temps Présent ” , para não
dar o sentimento de que a criança tivesse apenas um pai quando tinha

vá rios problema que ia suscitar depois algumas vãs querelas sobre a
paternidade legítima, cujo segredo é guardado pela Universidade , o
nome foi mantido como estava. Dezessete anos depois, com sucesso de

fato granjeado, a revista teve de enfrentar um dilema: mudar de nome
e perturbar assim uma imagem bem instalada no meio acadêmico, ou
mantê-lo e perder um pouco da substância da sua mensagem original,
que era tanto o estudo do século XX enquanto tal quanto o estudo do
tempo presente, que iria transbordar para o século XXI. Conservou-se
o nome original.

A nossa revista devia assinalar a passagem do século XX para o XXI. Ela o


faz aqui do seu modo, sem orgulho nem arrependimentos, e inicialmente
fugindo a qualquer ideia de balanço organizado que chancelaria como ver -
dade estabelecida às pressas e a machadadas, como acontece há já alguns
meses em tantas publicações. A única verdade que este número especial de-
seja sugerir é esta: o tempo, o nosso tempo, n ão é fechado, os encadeamen -
tos causais mais pesados e os acontecimentos mais “ marcantes” (1989 em
primeiro lugar, para alguns) n ão foram suficientes para nos desligar deste
século XX cronologicamente fluido, cujas fontes remontam até 1914, e cujo
O NOSSO TEMPO 253

| fluxo segue, e tanto, “ até os nossos dias”, sob nossos olhos arregalados, sem
r
fatalismo trágico nem “ sentido” eufórico da História. Em resumo, a proble -
! mática crepuscular, em preto e branco, em rosa ou sangue, não nos conven -
ce e as diversas manifestações que marcaram no ano passado a entrada no
terceiro milé nio não nos fizeram mudar de opinião. A histó ria do presente,
í a história do tempo presente, a história da presen ça do tempo, a história de
k um passado n ão encerrado, a histó ria, portanto, contemporâ nea no sentido
s mais exato do adjetivo não deve ter senão obrigações de calendá rio e re-
:
i

I memorações artificiais, uma vez que recusa por definição as fronteiras e os


I fechamentos.126

I Se deixamos de lado a última asserção, assaz estranha no contexto,


kma vez que o nome da revista remete preeisamente a fronteiras se-
pfculares, o que é interessante no argumento é a constatação de que os
llistoriadores do tempo presente são primeiramente historiadores, tra -
í
Ibalhando, portanto, com durações significativas e não querendo estar
£

ujeitos à tirania ou às modas do imediato e da atualidade. Por isso que


^
ï '

fjfc revista não tinha escolhido um nome mais conceituai ou mais geral.
r !hamar-se uVingt-et- unième Siècle” desde o primeiro número de 2001
Iteria sido uma escolha arriscada. Assim, uma escolha mais ‘estrutural”
it mais ambiciosa na origem teria evitado de saída esse inconveniente.
§ No recorte em “ séculos”, os historiadores do contemporâneo são
faqueles que trabalham com o século mais recente: tal é o critério cons-
I tante. Contudo, por detrás dessa repartição do tempo um tanto mecâ-
|nica se dissimula uma visão implícita: o século constituiria o horizon -
I te temporal do senso comum e se trataria de uma categoria pertinente
para a análise científica. Cem anos é hoje pouco mais que uma vida hu-
mana, é uma dura ção simbólica, pelo menos nas civilizações que ado

r ué Rioux ( 2001:3-5). A última frase remete em nota a René Rémond ( 2000) e Laïdi
'

(2000 ) .
254 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

taram o calendário gregoriano e para as quais a passagem dos séculos e


dos milénios constitui momentos delicados do imaginá rio social. É uma
sequência ao alcance das lembran ças individuais ou coletivas diretas ou
transmitidas de primeira ou segunda geração. Não obstante, ao admitir
por hipótese que o senso comum perceba o século como um horizonte
histórico natural, o papel dos historiadores não seria, senão de recusá-
-lo, pelo menos de realizar um deslocamento de perspectiva ? Pode-se
aliás notar que os especialistas de um dado século raramente levantam
a questã o de saber se o século constitui em si uma escolha pertinente e,
em caso afirmativo, por quais razões. É verdade especialmente em rela-
çã o aos “ vintistas”, para não falar daqueles que já se posicionam como os
especialistas de um século XXI que apenas começou ( Almeida, 2007). A
maior parte, aliás, tem consciê ncia de qu ã o pouca pertinê ncia tê m esses
recortes e mostra ter imaginação para fazer coincidir o ritmo secular
com a interpreta ção subjetiva da história, situando-se portanto no regis-
tro interpretativo, que é a outra maneira de definir o tempo presente. Às
vezes trapaceando um pouco com a aritmética: os historiadores euro-
peus se habituaram assim a começar o século XIX com a queda do Im -
pé rio Napoleônico, em 1815, e a terminá-lo com a eclosão da Primeira
Guerra Mundial, em 1914; Geoffrey Barraclough , um dos pioneiros da
história contemporâ nea, mencionado no capítulo precedente, faz come-
çar o século XX e a modernidade em torno do 1890, com as revolu ções
tecnológicas; o grande historiador Eric Hobsbawm definiu um “ curto”
século XX, que teria começado em 1914 e terminado em 1991, com a
queda do sistema sovié tico ( Hobsbawm, 1999). Quanto aos terroristas
do 11 de Setembro, eles tiveram o bom gosto de realizar seus ataques
bem no início do novo século, oferecendo assim aos historiadores uma
fronteira inaugural muito original.
O NOSSO TEMPO 255

ator e a testemunha

(Enfim, a presen ça de atores vivos suscet íveis de testemunhar sobre sua


( experiência vivida constitui o critério constante que mais recorrente-
ítnente vem à baila. Os historiadores do tempo presente delimitam com
(frequência seu território ao se referirem à “ duração de uma vida huma -
§na” ou seja, um cálculo retroativo de 70 a 80 anos, a levar em conside-
iração as evoluções biológicas recentes. Diferentemente do século, que
127

mé uma fronteira fixa, encontra-se aqui a ideia de uma fronteira móvel,


lou pelo menos de uma temporalidade deslizante e relativa, verdadeira -
Imente muito dif ícil de dominar. Na ocasião de sua criação, em 1978-80,
Í0 IHTP tinha adotado em um primeiro momento esse tipo de crité rio,
|o tempo contemporâneo remontava, portanto, às imediações de 1900.
JCom o acaso mais uma vez fazendo muitas coisas, seus historiadores pu-
ideram assim dialogar diretamente com seus colegas “ vintistas” sem que
Inem sempre se compreendessem suas diferenças, uma vez que o tem-
Ipo presente se confundia então com o século em curso. Assim, sobre o
Bi .

( que podia “ testemunhar”, em 1980, uma pessoa nascida na França ou na


lEuropa em torno de 1900? Sobre sua infâ ncia antes da Primeira Guerra
RMundial ? Sobre sua atividade de adulto, a contar dos anos 1920? Sobre
Er

I os momentos notáveis da sua existência, por exemplo, a travessia da Se-


I gunda Guerra Mundial, a contar de 1939? Sobre o in ício de um relativo
I —
período de paz e de prosperidade após 1945 se ela tinha nascido do
! lado bom da Cortina de Ferro ou não vivia em um território colonial ?
Eis aí uma visã o ingé nua das coisas, pois o pró prio processo da fala so -
í
bre o passado obedece a crité rios infinitamente mais complexos do que
a simples restituição da memória histórica, no sentido em que entende
Maurice Halbwachs, ou seja, a de um passado coletivo mais ou menos

> 127Ver sobretudo os escritos do IHTP, em particular os de Bédarida ( 2003), assim como
o trabalho editado por Voldman ( 1992 ).
256 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

interiorizado pela experiência do indivíduo e dos contextos sociais pri-


meiros no qual ele se insere: a fam ília, o lugar de vida etc. Entram em
jogo aqui a capacidade própria dos indivíduos de se lembrarem e de se
esquecerem, sua vontade de se exprimirem ou não sobre o passado, sua
reatividade diante de eventuais questões dos historiadores com o intuito
de interrogá -los, as diferentes experiências por que passaram segundo
os lugares, o gê nero, os acasos da existência, seu temperamento e sua
posição social. A isso se soma um elemento essencial: a diferença de ge-
ra ção entre o historiador e sua testemunha potencial. Interrogar algu é m
mais velho, que passou por uma experiê ncia inacessível ao historiador,
como algué m que fora deportado, apresentará certamente dificuldades
inerentes a qualquer entrevista em ciê ncias sociais, mas oferecerá pelo
menos a vantagem de uma situação de alteridade evidente. Por outro
lado, interrogar algu é m mais próximo em idade necessitará de uma vi-
gilâ ncia maior, em virtude deste princípio vá rias vezes enunciado neste
livro: o desafio de um historiador do tempo presente consiste em criar
dist â ncia com a proximidade.
Consequentemente, a presença de testemunhas vivas não se confun -
de com a possibilidade para o historiador de interrogá-las e de fabricar
assim fontes orais para a hist ória, como se disse com muita frequ ência.
Não há homotetia entre a história oral e a história do tempo presente,
ainda que haja relações historiográficas evidentes. Por um lado, in ú me-
ras fontes históricas do passado mais longínquo são muito frequente-
mente fontes orais recolhidas, e em seguida colocadas em um suporte
que pôde atravessar o tempo e subsistir sob forma de rastro: é o caso,
. bem conhecido, dos arquivos judiciais ou policiais utilizados para com -
preender o imaginário popular, não sem alguns riscos bem conhecidos
de reproduzir o olhar não do interrogado, mas do interrogador ( Farge,
1989 ). Por outro lado, o historiador pode trabalhar com um aconte-
cimento recente sem ser por isso capaz de recolher testemunhos sufi-
cientes para serem significativos: todos aqueles que trabalham com a
N

*
O NOSSO TEMPO 257

Jpistória dos genocídios e dos massacres massivos do período recente


Conhecem essa dificuldade, seja porque quase todos os autores desapa-
(

receram , seja porque eles n ã o têm o desejo de testemunhar por medo ou


jpor razões ligadas à sua economia psíquica pessoal. Foi o que aconteceu
Ugumas vezes em alguns tribunais penais internacionais uma vez que
le julgavam crimes recentes cometidos por vizinhos, semelhantes e às
pezes por membros da família (como em Ruanda ), e não por elementos
Istranhos. 128

| Como justificar, então, o estabelecimento de tal critério para defi-


filir a história do tempo presente e o que significa fazer a história de
| un per íodo para o qual existem “ testemunhas vivas” ? Primeiramente,
ptnda quando não há equivalência perfeita entre a história do tempo
presente e a possibilidade de recurso a testemunhas orais, ela é uma
lealidade importante, para não dizer decisiva na prática concreta. As
luirrativas mais precoces, embora menos numerosas, sobre um acon -
lecimento dramático — guerra, revolução... — , são quase sempre teste-
munhos diretos que os historiadores utilizam posteriormente, inclusi-
ve com um olhar crítico. As informações disponíveis sobre os sistemas
iutoritários ou totalitários, dos quais o período recente não foi avaro,
provêm com muita frequência em primeiro lugar de testemunhos clan -
Hestinos, mais confiáveis do que qualquer documento oficial. Em se -
fcuida, qualquer que seja a unicidade proclamada do método histórico,
hão há comparação possível entre uma situação em que a testemunha
h o historiador est ão face a face, em uma relação interpessoal direta,
hm uma confrontação amistosa ou tensa entre duas consciências, dois
Inconscientes, dois imaginários, em que as palavras de um se moldam
jem virtude do ouvido do outro, de sua capacidade de escuta ou, ao con-
trário, da sua “ resistência” à alteridade, e uma situação em que o histo-
| I 2B Um filme recente ilustra muito bem este fenômeno, mostrando todas as posturas
testemunha diante do Tribunal Penal para a ex- íugoslávia de Haia: La révélation, de
i H&ns- Christian Schmid ( 2010 ) .
258 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

riador se confronta com a palavra de um morto, mesmo que sua missão


consista em fazê-lo reviver por um instante graças aos rastros que ele
pôde deixar, inclusive as palavras passadas a um documento de arquivo.
Com todo respeito aos críticos da história do tempo presente, existem
entre as duas situações diferenças essenciais, a começar pela natureza
dos fenômenos de transferência. Trabalhar com um passado longínquo
não impede o historiador de realizar uma transferência a um persona-
gem desaparecido há séculos, e o morto de ser substitu ído pelo vivo.
Mas essa transferê ncia nã o pode realizar -se senão em um só sentido,
enquanto na confrontaçã o direta, de viva voz, entre um historiador e
uma testemunha, as questões de transferê ncia desempenham um papel
determinante, a fortiori se um quiser fazer o outro falar sobre seu pas-
sado. A ignorâ ncia desses mecanismos psíquicos, porém elementares,
sobretudo da parte dos historiadores, explica frequentemente os mal-
- entendidos, e até mesmo os conflitos severos que podem existir na ma -

té ria, assim como o fato de as expectativas inconscientes da testemunha


serem levadas em consideração por um observador esclarecido pode,
ao contrá rio, explicar os laços muito fortes que se criam entre eles e
produzir uma grande inteligibilidade. Esses outros produtores de saber
histórico, a saber, os cineastas ou documentaristas, compreenderam ex-
celentemente essa relação específica, direta, intersubjetiva em face de
interlocutores de carne e osso, frequentemente incapazes de falar sem
serem pressionados, por vezes sem delicadeza, à imagem de um Marcel
Ophuls ou de um Claude Lanzmann, cujo talento e sucesso repousaram
em grande parte sobre sua capacidade “ de fazer falar” os mais reticentes,
inclusive manipulando- os sem a menor vergonha e valendo -se de uma
agressividade a respeito das suas testemunhas sem medida comum com
aquilo que se censura às vezes aos historiadores. É surpreendente a esse
respeito ver que são os acadê micos que são acusados frequentemente de
“ despossuir” as testemunhas da sua palavra ao passo que se sacralizam
os métodos de um Lanzmann , que quase substituiu física e moralmente
I
O NOSSO TEMPO 259

|i

aqueles cujo testemunho ele devia portar.129 Haveria, ao contrá rio, mui-
to a dizer sobre a ética ortodoxa e pusilâ nime da entrevista em ciências
sociais, que privilegia quase sempre o “ nã o diretivo”, o questionamento
l aberto, oferecendo aparentemente mais liberdade à testemunha requi-
I sitada. Em realidade, esse método acaba frequentemente em um apaga -
I mento da subjetividade do pesquisador e em resultados com frequê ncia
I sem relevo, quando muito em informações coletadas, enquanto seria
I preciso, ao contrário, ensiná-lo a dominar sua subjetividade ao mesmo
K tempo que ele aceita deixá-la afirmar-se, uma das ú nicas maneiras de
I criar o desejo na testemunha interrogada, de incitá -la a baixar a guarda,
I de criar mais uma vez um pouco de transferência, a ú nica portadora
I de surpresas, o único acesso possível a uma verdade que ultrapassaria
I o que estava no acordo. Ainda que a prática dos documentaristas não
I possa ser adotada pelos mesmos cientistas que devem respeitar um ro-
!teiro prévio, e ainda que a imagem tenha sempre, no caso, mais força
I para o grande público que a escrita, há contudo algumas lições a tirar do
I impacto desses testemunhos filmados em vista dos coletados pelos pes-
! quisadores, historiadores ou sociólogos, armados de um arsenal teórico
I às vezes tanto verborrágico quanto vazio, pois refreiam sua capacidade
K de se considerarem sujeitos que escutam outros sujeitos, aceitando, por-
I tanto, deixar-se atravessar pela palavra dos outros,
i Definitivamente, a história do tempo presente se singulariza menos
I pela questão da testemunha do que pela própria presença dos atores,
I quer eles sejam ou não interrogados e requisitados. É a sua presença
física, carnal, que obriga o historiador de um modo completamente di-
ferente daqueles que trabalham com rastros. Nem sempre é preciso uma
f longa demonstração para se convencer disso. Os historiadores do tempo
[ presente estão mais que os outros submetidos à atenção dos seus objetos
I 129
Sobre esse filme Shoah, em uma literatura abundante, ver o trabalho de desconstrução
t realizado por Rémy Besson em sua tese La mise en récit de Shoah, defendida na EHESS
I em março de 2012, e que analisa em detalhe a montagem do filme.

í
260 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

de estudo, à sua “ vigilância” amistosa, por vezes mesmo à sua puniçã o 1


se acaso eles forem levados a tribunais por difamação: pode-se, com 1
direito, dizer o que se quiser sobre os mortos (ainda que a tend ê ncia I
pareça ir em direção de uma maior restrição ), não se pode fazer isso 1
com os vivos, e daí o risco maior de autocensura. Trata -se, contudo, 1
de casos limites, e a singularidade se situa aqui em outro lugar. Há o I
caso frequente de atores que se transformam em historiadores dos acon - 1
tecimentos dos quais eles participaram, fazendo concorrê ncia com os
pesquisadores nascidos após, opondo-lhes não somente um saber ad -
quirido, comparável ao seu, mas também uma experiê ncia que eles não
tê m por definição: se o distanciamento se torna para eles mais difícil,
por outro lado a justeza da afirma ção, a precisão factual e a penetração
psicológica podem achar-se por isso reforçadas. Os escritos de um Jean-
- Louis Cré mieux- Brilhac, veterano da França Livre que se tornou um ]
historiador, ou de um Daniel Cordier, antigo secret á rio de Jean Moulin,
que se tornou seu biógrafo, valem por sua lucidez e seu espí rito cr ítico
por muitos escritos acadêmicos sobre a Resistê ncia, em que a estrei-
teza de visã o se conjuga com a facilidade hagiográfica. Acrescentemos ;
que na historiografia do fascismo, do nazismo, do Holocausto, muitos
grandes livros escritos até os anos 1990, antes que surgisse uma nova
geração, foram redigidos por historiadores que atravessaram eles pró-
prios o per íodo ( Saul Friedlâ nder, Walter Laqueur, George Mosse, Léon
Poliakov, Zeev Sternhell, ou ainda Martin Broszat ), com experiências
muito diferentes que desempenharam um papel essencial em sua voca-
ção e em sua maneira de escrever a história.
Às vezes acontece també m que os próprios atores se transformam
em observadores... dos historiadores. Isto é mostrado por um livro de
lembranças surpreendente, publicado em 2008 por Renée David, uma
ex- resistente, prima de Raymond Aubrac ( David, 2008). Em 1943, com
a idade de 22 anos, ela foi internada no Forte de Montluc, em Lyon, e de-
pois em Drancy. Engenheira pesquisadora na Sorbonne, ela participou,
O NOSSO TEMPO 261

1 Ndesde sua criação até o início dos anos 2000, de todos os seminários e
1 Colóquios do IHTP consagrados à história da Ocupação. Ela fala desse
I assunto em quase um terço do livro, avaliando as posições de uns e de
1 Outros, buscando compreender a dialética em jogo entre memória e ver-
1 [ dade, reproduzindo um diálogo que ela teve de viva voz durante mais de
I (20 anos com historiadores de vá rias gera ções, entre os quais eu me con -
1 fiava. Ela mostra as contribuições de uma historiografia que se constituiu
i

^ ob seus olhos, alegrando -se pelos laços calorosos mantidos durante


itfios entre atores e historiadores tomados em sua singularidade própria,
í jlem que fossem reduzidos ao seu simples status. Ela mostra também os
Étanpasses ou conflitos que essa historiografia atravessou, como após o
Pcaso Aubrac”, em 1997, em que uma reunião organizada e publicada
belo jornal Libérationi sobre Raymond e Lucie Aubrac, para discutir ca-
] lúnias proferidas a seu respeito, se transformou em um enfrentamento
Sfcntre atores, entre pesquisadores, entre atores e pesquisadores, entre ge-
•;
jraçoes. 130 A crise foi dolorosa, mas sem d úvida necessá ria para marcar o
jjtorte que existe afinal de contas nesses temas entre os que pensam que
; |
| > historiador deve servir a uma causa, política, moral ou outra, e que
gfeivindicam essa servidão apesar dos riscos de uma escrita apologéti-
lea, e os que pensam que a tarefa do historiador consiste em lançar um
fclhar crítico, autónomo e subjetivo sobre todo objeto ou todo tema que
lhe pareça digno de interesse, quem nela engaja sua responsabilidade, o
Ifre ço alto dessa liberdade. Apesar dos conflitos, Renée David pensa que
lesse diálogo foi frut ífero, pois os historiadores “ terão incitado, ‘forçado’
lias próprias testemunhas a uma retrospecção difícil” ( David, 2008:13).
|Ela toca com o dedo um elemento essencial, para não dizer original, do
íponto de vista da epistemologia: não somente o historiador do tempo
[presente pode criar suas próprias fontes, produzindo, por exemplo, re-

130
Exprimi- me longamente sobre este caso ( Rousso, 1997 ) . Para uma análise um pouco
imparcial, ver Suleiman ( 2006: cap. II ).
262 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

positórios de testemunhos, mas ele pode ainda agir sobre elas, inclusive
quando se trata de atores vivos cuja visão da história, inclusive a sua,
pode ver-se mudada por isso.

Uma histó ria inacabada

“ Os fatos realizados se apresentam a nós com uma clareza bem diferente


daquela dos fatos em vias de realizaçã o”, escrevia Fustel de Coulanges
( 1893: primeiro capítulo ). Uma visão retomada por Raymond Aron em
uma fórmula ainda mais incisiva: “ O objeto da História é uma realidade
que cessou de ser” ( Aron, 1964:100 -101). Nessa visão teleológica assu -
mida, as ações humanas não tomam seu significado senão no momento
posterior. E acabamos de ver que essa postura pode conservar certa legi-
timidade, por exemplo em termos de periodiza ção. Assim , a pr ática dos
historiadores do tempo presente consiste exatamente em uma postura
inversa: eles correm o risco de lan çar um olhar fluido sobre fatos em
vias de realização e sobre uma realidade que continua a viver em seu
presente. Eles interpretam uma história inacabada e assumem o caráter
provisório das suas análises.

É próprio de uma história do tempo presente, e de uma histó ria indisso-


ciavelmente social e cultural do tempo presente, mais ainda que de uma
hist ória política ou económica, ou de uma história das produ ções culturais
( teatro, cinema, revistas etc.) , ser uma histó ria manca, coxa, incompleta,
inacabada. A maneira correta de fazer esta História não é tentar remediar
este inacabamento, ou mascará -lo restabelecendo, por algum artifício, con -
tinuidades demasiado sedutoras que fariam o presente sair logicamente do
passado. É assumir este próprio inacabamento, de trabalhar para por em
relevo, da inadequação das representações às realidades sociais que elas
pretendem dizer, a sua própria novidade. [ Prost, 1993:359]
O NOSSO TEMPO 263

I Faço minha, palavra por palavra, a conclusão desse texto de Antoine


Prost, publicado em 1993 em um livro em homenagem a François Béda-
rida. Não somente ele aceita no livro a ideia de uma singularidade dessa
— —
forma de história embora vá negá-la posteriormente , mas aponta
|para sua mais evidente singularidade. Sobre esse ponto, a história do
I tempo presente se insere em um movimento geral da historiografia con -
I temporâ nea de todos os períodos. Tendo -se esta desviado do paradigma
I objetivista, ela admite quase naturalmente hoje que uma época histórica
I possa conhecer m últiplas vidas pelos diferentes historiadores e os dife-
I rentes observadores que vão debruçar-se sobre ela no futuro. Isso não
I Significa defender assim uma posição relativista em que todo postula-
| do sobre o passado “ que efetivamente existiu” teria desaparecido, e em
Ique todo conhecimento adquirido em um dado momento deveria ser
I revisto inteiramente 20 ou 30 anos mais tarde. Aceitar o inacabamento
Ide uma proposição histórica não significa negar à disciplina sua dimen -
Isão de processo cumulativo de conhecimentos. Assim, se toda história
Ipode ser hoje considerada inacabada, a história do tempo presente o
|é um pouco mais que as outras. Sua dificuldade se liga precisamente a
lesta maior incerteza quanto às proposições que ela emite que a apro-
iximam
K
das outras ciências sociais, pelo menos das disciplinas que não
Ipretendem explicar o real por leis, mas se esforçam por compreender
!indivíduos ou fatos sociais em movimento, com todos os riscos que isso
I pressupõe.
I Acrescentemos finalmente que o historiador do tempo presente se
I precipitou em uma contradição do objetivismo raramente levantada.
I “Ao historiador que quer reviver uma época, Fustel de Coulanges reco-
|menda esquecer tudo o que ele sabe sobre o curso posterior da histó ria.
! Não se poderia descrever melhor o método com o qual o materialismo
|histórico rompeu”, escreve Walter Benjamin, que desprezava concep-
I ções positivistas ( Benjamin , 2001:54- 55). Essa postura do historiador

f: que ignora a palavra final da história permanece grandemente um câ-


264 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

none da profissão, inclusive entre historiadores que não são nem positi-
vistas, nem materialistas. Ela chega a constituir o antídoto habitual para
o pecado de anacronismo, aquele que consiste em explicar as ações de
uma época com categorias que pertencem ao presente do historiador.
Ora, há uma contradição flagrante entre o princípio de uma história
que não pode ser escrita senão quando “ acabada” e o princípio de em-
patia, dois postulados de métodos do positivismo. De um lado, ordena -
-se aos historiadores não escrever nada enquanto os fatos n ão sejam
cumpridos, enquanto a história não tenha terminado, pois eles estariam
na incapacidade de compreender o sentido último de uma época es-
tudada cedo demais. Mas, de outro lado, pede-se-lhes que observem
esse mesmo passado, e, portanto, acabado, com um olhar que abstrairia
o conhecimento que eles têm da sequência das coisas para ter melhor
empatia com os homens do passado e compreender suas ações “ como se
eles estivessem lá”. Os historiadores devem , portanto, realizar um recuo,
mas com o mesmo movimento esquecer o que esse recuo lhes permite
ver. Ora, os historiadores do tempo presente nã o têm esse problema.
Melhor ainda, eles superaram facilmente essa contradição uma vez que
nã o conhecem efetivamente o fim da história e, portanto, est ão em uma
situação ideal para ter empatia com seus contemporâ neos sem preci -
sarem forçar sua imaginação. É verdade que é-lhes mais difícil — mas

també m necessá rio “ escovar a história a contrapelo”, como os convida
Walter Benjamin .

Uma definição por critérios variáveis

Via de regra, as grandes periodizações históricas consagradas pelo uso


se articulam em torno de momentos fundadores: a queda do Impé rio
Romano do Ocidente ( 476 ), a Tomada de Constantinopla (1453) e a Re-
volução Francesa ( 1789). Apesar da crítica em rela ção à história política
O NOSSO TEMPO 265

le à história dos acontecimentos, e a despeito das evoluções científicas


iou das relações estreitas que a história mantém com as outras ciências,
8ão menos as mudanças profundas, económicas, sociais ou culturais

íque ainda estruturam o tempo histórico “ oficial” aquele dos pro-
Igramas escolares e universitários — do que acontecimentos no sentido
[mais tradicional do termo. Não foi a primeira revolução industrial que
linaugurou a Idade Contemporânea em uma tradição francesa, e sim a
{Revolu ção Francesa, ainda que a historiografia seja hoje menos rígida
Ique outrora sobre a cronologia. A fronteira entre a história moderna

kfim do século XV fim do século XVIII ) e a história contemporânea
jiuscitou assim numerosos desacordos. Para ser mais preciso, é o nas-
jçimento da segunda que causa problema, mais que o fim da primeira:
|E?
há pouca contestação sobre o corte que representa a queda do Antigo
pRegime na França. Se sempre houve divergências para fixar os limites
[entre a Antiguidade, a Idade Média e os Tempos Modernos, conforme
íse privilegie tal ou qual acontecimento, os que dizem respeito ao in ício
|da história contemporânea apresentam entre si amplitudes que podem
latingir 150 anos entre as diversas escolas e, portanto, podem modifi-
Icar profundamente o sentido da palavra “ contemporâneo”. Dou alguns
lexemplos, entre os mais significativos, seguindo a ordem na qual os li-
Imites inaugurais ainda em uso apareceram sucessivamente há cerca de
!um século e meio para definir a época contemporânea.

Î 1789

A data mais recuada no tempo pertence também , logicamente, à tra -


I dição mais antiga de todas as que perduram ainda no início do sécu-
I lo XXI. O ano de 1789 e o acontecimento revolucionário em sentido
l amplo constituem um limite inaugural da época contemporânea desde
o fim do século XIX. Na época, essa maneira de recortar o tempo cor-
266 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

respondia a uma realidade intelectual e política em numerosos países


europeus. A sobrevivê ncia, hoje, dessa tradição é, aliás, uma singula-
ridade antes francesa, a despeito das evoluções históricas posteriores,
das profundas mutações da historiografia no século XX, ou ainda da
releitura do próprio acontecimento revolucionário. Ainda que os histo -
riadores franceses tenham desempenhado um papel de primeiro plano
1
em todas essas transformações, esse corte obsoleto não foi realmente
questionado, pelo menos até o surgimento, nos anos 1980, da noção de
história do tempo presente, em ruptura precisamente com essa tradição.
Se os pais fundadores da Repú blica tinham todas as razões para inserir

sua ação na linhagem da Revolu ção com as contradições assinaladas

no capítulo II e se a França de hoje, como uma boa parte da Europa,
permanece tribut ária dos efeitos de longo prazo dessa ruptura impor-
tantíssima na história, o que significa hoje uma tal definição extensi-
i va da contemporaneidade? Que um acontecimento recuado no tempo
íJí: continue a viver ou a reviver no imagin á rio presente, na memória na-
ini
> cional ou mundial, nas tradições, heranças políticas ou culturais, é uma

I evidência antropológica. Isso não basta para continuar a afirmar que


um acontecimento velho de mais ou menos um século e meio permane-
ça a virada decisiva do “ nosso tempo”, ainda menos a mantê-lo artificial-
mente como fato contemporâ neo, sobretudo nos recortes em vigor no
li
ensino superior, enquanto no mesmo momento os recortes historiográ -
ficos do ensino secundá rio se mostram mais racionais ao limitar de fato
a época contemporânea ao século XX, recorrendo assim a um crité rio
mais aceitável.
« Pode-se notar, aliás, que a distinção em uso pelos historiadores entre
os adjetivos “ moderno” e “ contemporâ neo” já não faz muito sentido. Os
dois termos pertencem a registros diferentes e não deveriam, pela lógi-
ca, designar sequências históricas sucessivas: um designa o advento de
uma nova ordem em relação a uma ordem velha, o outro designa em seu
sentido primeiro o pertencimento a uma mesma época. A modernidade
O NOSSO TEMPO 267
ï

f pertence tanto ao nosso tempo quanto ele foi desde o Renascimento


[ uma maneira de marcar uma mudança. A contemporaneidade carrega
tanto o moderno quanto o antigo. Melhor ou pior ainda, uma parte da
I reflexão epistemológica contemporâ nea faz do século XVIII e do mo-
! mento revolucionário o começo — —
e não o fim de uma modernidade
Ique confere à historicidade, isto é, à consciência de que a condição hu-
fmana se insere em um devir, um lugar determinante. E essa moderni-
! dade se teria enfraquecido no último terço do século XX com a crise do
porvir. Ademais, não somente é absurdo considerar que a Revolu çã o
I Francesa pertence ao “ mesmo tempo” que o início do século XXI, mas
í sobretudo esse recorte negligencia o fato de que outros acontecimentos
tposteriores igualmente importantes tiveram efeitos notáveis e duradou-
|ros tanto sobre a “ modernidade”, quanto sobre a maneira de conceber a
\ Contemporaneidade”

1917

ï Uma revolução expulsa a outra. Entre as datas que constituíram outro


I limite inaugural do mundo contemporâneo e que às vezes continua sen-
| do utilizada, figura o ano de 1917, ou antes a sequência 1917-18. Esse
f recorte se manifestou sobretudo na historiografia alemã logo depois da
\ Segunda Guerra Mundial e da queda do Terceiro Reich, como vimos no
ï capítulo II, com os escritos de Hans Rothfels e a criação do Institut f ü r
Zeitgeschichte. Esse recorte associa em um mesmo movimento a Revo-
lução Russa, a entrada na guerra dos Estados Unidos, grande potê ncia

nascente, e a saída da Primeira Guerra Mundial e não seu ponto de

partida , que constitui uma derrota relevante, cheia de consequê ncias
para a história da Alemanha e da Europa. Ele valoriza o surgimento de
I uma primeira forma de globalização, n ão sem reais argumentos, mas
constitui também um modo de diminuir a import ância do crité rio na -
l%
268 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

cional em uma época em que a historiografia alemã, assim como o res-


to da sociedade, deve dar conta do balan ço terrível do nazismo. Esse
recorte foi abandonado, aliás, pelas gerações seguintes em proveito de
uma periodizaçã o mais fluida, que focaliza a história e a pré- história do
nazismo, com um outro inconveniente, objeto de ferozes debates nos
anos 1980: o de isolar, de singularizar ao extremo a sequê ncia 1933-45
a ponto de lhe atribuir uma espécie de status de extraterritorialidade
histórica.

1945

Se 1789 e 1917 remetem a tradições historiográficas específicas, ambas


marcadas por um forte sentimento de excepcionalidade nacional, como
no caso da “ exceção francesa” ou do Sonderweg alemão, foram outros
limites inaugurais do mundo contemporâ neo que se impuseram mais
simplesmente ou mais “ naturalmente”, pelo menos em aparência. É o
caso do ano de 1945, que se encontra em grande parte da historiografia
inglesa dos anos 1980, sobretudo com a criação do Centre for Contem -
porary British History ( CCBH ), em 1986, e cujo campo de investiga ção
se inicia com o fim da Segunda Guerra Mundial. Encontram -se sem
surpresa divisões similares na historiografia americana, o corte entre
“ história moderna” e “ história contemporâ nea” estando aliás quase au -
sente no universo anglófono, por razões quase evidentes no caso ame-
ricano, cuja história nacional tem pouco mais de dois séculos, e por ra -
zões pragmáticas no caso brit ânico: “ O ano de 1945 e a definição em ter-
mos de memória viva são de bom grado admitidos não como tentativas
de delimitar uma nova era, mas para fornecer uma descriçã o cômoda
do contemporâ neo” ( Catterrall, 1997:441- 442). O mesmo corte figura,
por exemplo, nos programas da parte final do ensino fundamental na
França, editados em 1957 e modificados em 1959. Inspirados grande-
O NOSSO TEMPO 269

mente nas concepções de Fernand Braudel, esses programas preveem


que o período de 1914- 45 seja tratado no segundo ano do ensino mé-
dio, ao passo que no terceiro ano os alunos serão convidados a estudar
a história das “ civilizações” : os mundos ocidental, soviético, muçulma-
no, extremo-oriental, da Ásia do Sudeste e da Á frica negra.131 Por um
I lado, o ensino secundário mostra (assim como o primário) certo avan -
I ço sobre a pesquisa quanto ao lugar concedido à história recente, mas,
I por outro, ele cria uma estranha separação entre o essencial da história
I abordada de maneira tradicional, pelos fatos, os acontecimentos, a cro -
! nologia e, por outro lado, um “ mundo contemporâneo” que surge em
I1945 e em rela çã o ao qual se privilegia o espaço, a cultura, o tempo
I longo. Permanece-se assim implicitamente na ideia de que o recuo não
I é suficiente para estudar, por exemplo, a Revolu çã o chinesa como se
! estuda a Primeira Guerra Mundial.132 Esse programa suscita aliás nume-
Irosas contrové rsias, menos sobre o corte de 1945 do que sobre a questão
I das civilizações. Será preciso, contudo, aguardar as reformas de 1981-82
I para que esse conceito seja definitivamente abandonado em proveito de
I um recorte que reate a cronologia e coloque a Segunda Guerra Mundial
I no lugar certo, uma vez que, a contar dessa data, o programa do terceiro

I Programa de 19 de julho de 1957. Ver Garcia e Leduc ( 2003:200- 205) .


131

I Braudel ( 1963), reeditado na parte relativa às civilizações em 1987 sob o t ítulo de


132

IGrammaire des civilisations. Ver també m Bouillon, Sorlin e Rudel ( 1968 ) . Este último
I título é o que eu tive no último ano do ensino médio, em 1971-72, no Liceu Florent-
! Schmitt de Saint-Cloud. Ele tinha- me deixado uma lembrança bastante fraca. Por outro
Ilado, não esqueci o jovem professor, M. Wagner, que teve a presença de espí rito de es-
1 quecer o manual e o programa, para nos ensinar a matéria viva da história do século XX.
I Ele me aconselhou a perseverar nessa disciplina, e eu queria, a pretexto desta nota, pres-
I tar-lhe homenagem. Um detalhe: o Liceu Floren-Schmitt recebeu o nome, desde 2005,
I de Liceu Alexandre-Dumas. Com efeito, ele foi desbatizado após vários anos de polêmi-
Icas quando se ( re )descobriu que o músico, por um tempo morador de Saint - Cloud ,
-
K tinha sido pró nazista, presidente de honra da seção musical do Grupo Colaboração sob
I a Ocupação. A publicação de 2001, pelo Instituto de História do Tempo Presente (que eu
Idirigia então) e pelas Éditions Complexe de La vie musicale sous Vichy, um trabalho di -
| rigido pela musicóloga e historiadora Myriam Chimènes, parece ter acelerado as coisas.
270 A ÚLTIMA CAT ÁSTROFE

ano cobre o período de “ 1939 até nossos dias”, resultado ao mesmo tem -
po do surgimento de um debate público sobre a memória dessa guerra e
dos primeiros resultados de uma hist ória do tempo presente renascente.
À primeira vista, assim como para outros recortes, o ano de 1945
inaugura, ao que tudo indica, o nascimento de um mundo novo, marca-
do sobretudo no plano internacional pelo fim da dominação europeia,
o desaparecimento progressivo dos últimos impé rios coloniais, o sur -
gimento de novas grandes potências, o nascimento de uma tecnologia
nuclear com implicações militares e civis consideráveis. Ele constitui,
portanto, um limite “ natural” para os historiadores como ele o foi para
numerosos contemporâ neos. Contudo, fazer iniciar o mundo contem -
porâ neo logo depois da Segunda Guerra Mundial constitui tanto uma
escolha quanto um ponto de vista em relação ao sentido desse aconteci-
mento. Isso pressupõe, pelo menos na ordem das representa ções, virar a
!;.
ai página da guerra mais mort ífera da história da humanidade. Isso neces-

i sita remeter a um passado que considera encerrado o “ primeiro” século


XX, aquele do fascismo, do nazismo e dos crimes de massa sovié ticos.

Enfatizar esse recorte é sublinhar o triunfo pelo menos parcial da —
ideia democrática com o advento no espa ço do pós-guerra da constru -
ção europeia, do crescimento económico — que também é ocidental
— , de um Estado - Provid ência que se impõe por um tempo como um

' i modelo universal. Trata -se aqui de uma visão otimista da história do
. século XX, que pressupõe que as gera ções do pós-1945 teriam superado
l
1
bem, física e moralmente, os efeitos deletérios das décadas precedentes,
marcadas por uma violência bélica e política extrema.
Toda uma historiografia se desenvolveu, aliás, após 1989, contra essa vi-
i
são por vezes lenitiva, propondo um olhar mais “ pessimista”, e sem dúvida
mais próximo do vivido pelos europeus, sobre a história do pós-1945. Em
2005, data do sexagésimo aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial,
H o historiador britânico Tony Judt publicou uma história da Europa que
ele identifica não como o triunfo progressivo do modelo ocidental, mas
O NOSSO TEMPO 271

f como uma interminável saída de guerra que não teve fim senão depois da
[ queda do Muro de Berlim ( Judt, 2007). Como outros historiadores ciosos
[ de adotar um ponto de vista cujo centro de gravidade já não é a Europa ou
I o Ocidente, ele sublinha a que ponto, para milhões de europeus do Leste,
[ o ano de 1945 foi primeiramente, e antes de tudo, uma nova catástrofe co-
! letiva e individual, o ponto de partida de uma servidão sobre a qual nada
I permitia pressagiar que teria fim no horizonte de duas gerações. Em 2010,
I algum tempo antes da sua morte, advogando uma nova história europeia,
I Tony Judt chega a fazer esta espantosa constatação:

Com que, precisamente, se parecerá esta nova histó ria n ão é claro. Nem po-
demos dizer com certeza em que consistirá a sua periodização. As questões
que nos ocupam hoje n ão estarão sempre no centro de nossa aten ção. A his-
tória europeia, mesmo em nossa época, não se reduz à colaboração, à resis-
tência, ao crime de massa, ao castigo, à justiça política e à memória de tudo
isso. Mas até que tenhamos integrado com sucesso essas questões e aquelas
que lhes são ligadas em nossa compreensão do passado recente da Europa,
não seremos capazes de avan çar. A história da Europa de 1945 até nossos
dias começa com a necessidade de repensar a guerra e suas consequê ncias,
e não estamos senão no seu início. [ Judt, 2010:4 ]

1940

I Esta visão das coisas prevaleceu até os anos 1970-80, momento em que
I começa, no seio das sociedades europeias, uma ampla interrogação
I retrospectiva sobre a amplitude e a significação dos crimes de massa
I —
perpetrados pelo fascismo e pelo nazismo mas não ainda do stali-
! —
nismo , o que Tony Judt considera, com certo pessimismo que eu não
[ compartilho, inacabado em 2010. Toda uma geração percebe então que
essa página da história do século XX talvez tenha sido virada depressa
272 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

demais, ou talvez não tenha sequer sido escrita, pelo menos não de ma -
neira satisfatória em vista das novas questões que surgem, em particular
em torno da história do genocídio dos judeus. É nesse contexto que al -
guns avançam a ideia de que “ o nosso tempo” não começa nem em 1789,
nem em 1945 e na saída da última guerra mundial, mas em 1940, com a
derrota da França.133 Assim como os historiadores alemães fizeram das
premissas do nazismo um ponto de partida da história do tempo pre-
, ' sente, os historiadores franceses fazem , depois deles, da eclosã o da Se-
'
gunda Guerra Mundial uma fronteira inaugural. A ideia mais relevante
consiste ent ão em reintroduzir no tempo presente alguns aspectos do
acontecimento insuficientemente estudados, quando n ão foram pura e
simplesmente afastados do olhar historiográfico, como a história inter-
na do regime de Vichy. Afirmar em 1980 que o ano de 1940 constituía a
“ matriz de nosso tempo” era ao mesmo tempo recolocar em perspectiva
as consequências duradouras do colapso de 1940 e recolocar a ques-
t ão da participação de certo modo superestimada da França na vitória
aliada em 1945. Essa escolha conservava apenas em aparência um ca -
ráter estreitamente hexagonal, ao focalizar com exclusividade a derrota
francesa de maio- junho de 1940 e não a eclosão da guerra em seguida à

agressão alemã contra a Polónia, em setembro de 1939 data que se re-
cua às vezes a julho de 1937 com o in ício da guerra sino - japonesa. Com
efeito, o deslocamento do cursor para o in ício da guerra constitui uma
evoluçã o mais geral da historiografia ocidental que enseja nesses anos
uma reavaliação para cima da import â ncia da colabora ção na Fran ça,
na Bélgica, nos Países Baixos e nos países escandinavos, do impacto do
fascismo no seio das raras democracias subsistentes nos anos 1930 no
continente europeu, da profundidade de um antissemitismo endógeno
que explica em parte a facilidade com a qual a Solu ção Final pôde ser

133
Ver sobretudo Bédarida ( 1990:115- 138 ), retomado em Bédarida ( 2003), Azéma
(1993:147-152).
O NOSSO TEMPO 273

Solocada em prática pelos nazistas. Esse deslocamento de alguns anos


10 interesse tido pelo passado próximo ultrapassa amplamente o â m -
bito da pesquisa histórica, como vimos, uma vez que ele participa de
ima ampla revisã o cultural e política do sentido mesmo do mundo con -
ICmporâ neo, que vê as mitologias constru ídas no imediato pós-guerra,
rimeiramente na Europa ocidental, depois, após 1989-91, na Europa
^
íentral e oriental, se desagregarem uma após a outra: longe de ter sido
ima aberração ou um parê ntese na evolu ção inexorável em direção de
lm mundo de progresso e de bem - estar, a Segunda Guerra Mundial, o
lazismo, o Holocausto aparecem assim como tantos outros pontos de
jeferência de uma concepção da humanidade que deve doravante viver
>0m a possibilidade de dar conta da sua própria destruição parcial ou
fDtal, como foi o caso após 1939. A matriz do tempo presente já não é,
bortanto, o ano de 1945, ano certamente terr ível, mas portador, apesar
| e tudo, da esperança de um mundo melhor, mas os anos 1939 - 40, que
toam como as ú ltimas badaladas de uma concepção otimista da histó-
rta. A historiografia do tempo presente nascente se insere em um pessi-
lismo fundamental, que é um de seus traços distintivos.
í! Pode - se acrescentar que essa visão das coisas estava sem d úvida mais

iróxima dos sentimentos dos contempor â neos do que o otimismo re-


roativo que a valorização do ano de 1945 acarreta. Por exemplo, pode -
se citar um texto surpreendente escrito em 1938 pelo historiador suíço
onservador Gonzague de Reynolds, que faz uma reflexão sobre o fim
lo século XIX, que ele situa... às vésperas da Segunda Guerra Mundial:

Guerra mundial, revolução russa, fascismo, nacional -socialismo, crise eco-


nómica, guerra civil da Espanha: tais são os acontecimentos que dominam o
contemporâ neo, que lhe dão um sentido. Qual? [...] A primeira evidência é
que já não estamos no século XIX. Todo mundo sabe que o século XIX aca-
bou cronologicamente, mas bem poucos compreenderam finalmente que
ele terminou historicamente. [...] Segunda evidência: o século XIX pertence
274 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

agora ao passado, ele representa agora uma civilização expirada: a “ civiliza -


ção burguesa”. Em uma palavra, é para nós o antigo regime. Há mais: o sé-
culo XIX se liga ele próprio a um mundo antigo, a um mundo que morre. O
século XX, por outro lado, inaugura um mundo novo, o mundo que nasce.
Terceira evidência. Donde uma quarta evidência: não assistimos à evolução
de um conflito que acaba, e após o qual as coisas retornarão pouco a pouco
ao estado anterior, à prosperidade do século XIX! Não atravessamos tam-
pouco uma dessas crises que marcam geralmente a passagem de um século
ao outro, após o que o progresso interrompido reinicia. Não: não mudamos
de época. Tais mudanças, a Europa não as conheceu sen ão duas desde a era
cristã: o fim do Império Romano e do mundo antigo e o fim da Idade Média.
Vivemos hoje o fim da época moderna, da época inaugurada pela Reforma e
pelo Renascimento. Entramos em uma outra época. [...] Com efeito, quinta
evidê ncia, será que uma sé rie de acontecimentos como a guerra mundial, a
revolução russa, o fascismo, o nacional-socialismo, a crise económica, basta
para destruir uma sociedade, pôr fim a uma época ? A guerra já basta para
isso, e a crise económica teria bastado por si só a isso. Certamente, o passa -
do conheceu transtornos cujos rastros ainda são visíveis ou dos quais ainda
sofremos as consequ ências. Nenhum, entretanto, teve esse caráter universal,
nem coincidiu com uma anarquia intelectual e moral tão profunda quanto
a nossa. Não, nem mesmo a queda do Impé rio Romano e as invasões bár-
baras. Eis por que, sexta evidência, entre o século XIX e o século XX, entre
o fim da época moderna e o in ício da nova época, assistimos, nós, as teste-
munhas e as vítimas, a uma brusca, a uma violenta ruptura de continuidade.
Tão brusca, t ão violenta, que, no passado, n ão encontramos nenhuma seme-
lhante. Aliás, sétima evidê ncia, estamos em guerra, em plena guerra. Nunca
deixamos de estar em guerra desde 1914. Uma guerra de vinte e dois anos,
que será amanhã uma guerra de trinta anos, que será talvez uma guerra de
cem anos.134

134
Reynolds (1938). Agradeço a Fabien Théofilakis ter- me feito descobrir esse texto.
O NOSSO TEMPO 275

f 1914

I A ideia do ano 1940 como matriz era sedutora e intuitiva do advento de


I uma nova ordem de representações do passado próximo, em particular,
I do peso da memória e da memória particular desse acontecimento. Mas
I os historiadores do tempo presente têm mais que os outros a experiência
I de que os paradigmas na sua área têm vida curta. Apenas uma década
! depois, essa concepção é implicitamente recolocada em questão, não so -
!bre a visão pessimista da história, mas sobre a escolha da data inaugural.
I O século das trevas não começou nem em 1939-40, nem mesmo em 1933
I com a chegada de Hitler ao poder, nem em 1917-18, nem ainda talvez
K um pouco antes, com as Guerras Balcânicas de 1912-13, que formam
K como um prelúdio à catástrofe de 1914. O mesmo raciocínio que o uti-
I lizado para a Primeira Guerra Mundial prevalece aqui. Nunca até então
I tantas pessoas (cerca de 10 milhões) morreram em tão pouco tempo em
I um conflito. Nunca ou quase nunca uma guerra ultrapassara tal limiar
I de violência em campo de batalha, e nunca as sociedades beligerantes
I foram implicadas em tal grau de totalização da guerra. O fato é massi-
I vo, insuportável uma vez enunciado. Mas não adiantou que a primeira
I grande guerra tenha ensejado no passado livros importantes, ou tenha
I constituído um campo de estudos precoce da história contemporânea na
I Europa, pois a lembrança dela se viu relegada a último plano pelo impac-
! to da segunda, como mostra, por exemplo, a ignorância recíproca que
I por muito tempo prevaleceu entre os respectivos especialistas das duas
r guerras mundiais, como se os dois acontecimentos não estivessem liga-
I dos ( Audoin - Rouzeau et al., 2002). Nos anos 1990, realiza-se uma mu-
I dança crucial na historiografia. Não somente a Primeira Guerra Mundial
suscita uma nova onda de estudos dedicados às sociedades em guerra, à
condição material e psicológica dos soldados, ao estudo das formas es-
* pecíficas e diferenciadas de violência, mas o lugar do acontecimento na
276 A Ú LTIMA CATÁ STROFE

história do século muda de natureza.135 Pertencendo desde a eclosão da


Segunda Guerra Mundial a um passado de certo modo longínquo, vem
a Primeira Guerra Mundial reintegrar de chofre o passado mais próxi-
mo, no plano historiográfico e no plano comemorativo: basta observar o
espetacular investimento das políticas públicas de memória desde 1998
e o septuagésimo aniversário do armistício, sobretudo na França, na Ale-
manha, na Grã - Bretanha e na Áustria, na manutenção da lembrança da
Primeira Guerra, ou ainda o interesse renovado que lhe consagram há
duas décadas numerosos escritores e cineastas europeus ou americanos
— ainda que esse interesse não iguale em intensidade ao que se tem pela
Segunda Guerra Mundial, que permanece fora de categorias. Encontra-
-se aqui mais uma vez a ilustração de que a presen ça de um acontecimen -
lí:
| II;
to histórico não depende da sua proximidade temporal.
Numerosas razões podem explicar essa evoluçã o. Primeiro, a que-

S!! da do Muro de Berlim fez ressurgir problemas nacionais, étnicos ou de
fronteiras não inteiramente extintos em 1918, após a dissolu ção dos im -
pé rios centrais, e fixados após 1945 pela Guerra Fria e pela domina ção
comunista, como o ilustra o caso limite da fragmentação violenta da ex-
- Iugoslávia. O colapso de algum modo inesperado, pelo menos em suas
modalidades, do sistema soviético precisou de uma releitura da história
|: do século XX, presa até ent ão à ideia de que o comunismo europeu era
chamado a durar, e que o mundo seria por muito tempo dividido em
dois blocos. O fim brusco da URSS obrigou os historiadores a repen -
sar a natureza mesma do sistema soviético e, portanto, a remontar à
fonte de uma revolução que explodiu no coração da Primeira Guerra
Mundial, quest ão j á mencionada. Em seguida, em um outro registro, o
foco por vezes excessivo dos historiadores do mundo contemporâneo
no nazismo suscitou legítimas críticas sobre as origens da violê ncia ex-

Sobre esse aspecto, ver os trabalhos pioneiros de Jean -Jacques Becker e os trabalhos
135

publicados pela equipe do Historial de Péronne, inaugurado em 1992, em particular


Audoin - Rouzeau e Becker ( 2000).
O NOSSO TEMPO 277

f trema que se dissemina na Europa nos anos 1930- 40. A nova historio-
[ grafia da Primeira Guerra Mundial recoloca em questão indiretamente
: o dogma de uma unicidade do Holocausto, sem por isso contestar seu
: caráter sem precedentes. Ela o faz pela insistência sobre o fato de que
j um primeiro limiar de violê ncia , uma violência de uma outra natureza,
foi ultrapassado em 1914-18. Ela o faz mostrando implicitamente que
I a violência inaudita, na qual toda a Europa est á mergulhada durante
|quatro anos, de uma longuíssima guerra, pode ter influído diretamen -
! te na natureza da violência da outra guerra, 30 anos depois, inclusive
I no desenvolvimento da Solu ção Final. Se os historiadores da Segunda
I Guerra Mundial já tinham aberto caminho para uma leitura pessimista
I da história recente, os historiadores da Primeira Guerra Mundial acu -
I sam a tendência, mostrando a que ponto a guerra constituiu o hori-
I zonte do continente europeu durante uma grande parte do século XX.
I O sucesso tardio e póstumo do historiador George Mosse, inventor do
I conceito controverso, mas estimulante de “ brutalização”, é um indício
K disso: graças a ele, os historiadores compreenderam melhor que o im -

! pacto de uma guerra não se limita aos balanços humanos, às destruições


I materiais, às dificuldades da reconstrução, e que a gente não se “ desem -
I baraça” de uma guerra, ideia que eu tomo de empréstimo a Stéphane
I Audoin - Rouzeau, com a assinatura de um armist ício ou de um tratado
I de paz. Bem ao contrário, a violência da guerra, quer ela seja violência
I sofrida, infligida, observada ou evitada, pode marcar por muito tem -
tII po os espíritos.136 Ora, os efeitos posteriores da violência da Primeira
|Guerra Mundial apareceram como apagados pelo fato de que em 1939
I a humanidade ultrapassava outro limiar apocalíptico. E essa violência é
I redescoberta nos anos 1990- 2000.
I Alé m da queda do Muro de Berlim e dos progressos da historiogra -
[ fia, é possível que o renascimento progressivo do pacifismo na Europa
136
Ver sobretudo Mosse (1990).
278 A ULTIMA CAT Á STROFE

ou na América do Norte tenha suscitado um interesse renovado por


esse conflito quando no mesmo momento a sequência 1933- 45 absorve
de novo toda a atenção das sociedades ocidentais e mobiliza as polí-
ticas de memória, sobretudo na luta contra o “ esquecimento” dos cri-
mes nazistas. De maneira quase universal, a guerra total feita contra
as pot ê ncias do Eixo foi constantemente percebida, desde 1945 nao
sem razões evidentes , como uma guerra necessá ria, uma guerra vital
para a sobrevivência da humanidade, uma “ boa guerra” ( Terkel, 1984).
Ela foi o exemplo paradigmático da “ guerra justa”, um precedente fre-
quentemente invocado para justificar posteriormente uma intervenção
militar das potê ncias ocidentais, seja a de Suez, em 1956, ou a contra a
Sé rvia, em 1999, Nasser e Milosevic tendo como ponto em comum o
fato de ambos terem sido comparados, não sem alguma precipitação, a
Hitler. Esse precedente é implicitamente aceito por todos os movimen -
tos que se ligam à tradiçã o do antifascismo, inclusive os movimentos da
extrema -esquerda europeia dos anos 1970, hostis à guerra do Vietnã
e que se apresentavam como herdeiros da resistê ncia europeia ao na-
zismo, uma vez que do mesmo modo o “ fascismo” não pôde ser der-
rubado senão pelo uso da força bélica mais brutal e mais extrema. Em
1990-2000, o reaparecimento do espectro da guerra no horizonte oci-
dental, em um contexto totalmente diferente do da Guerra Fria, com a
primeira Guerra do Golfo, a guerra na ex- Iugoslávia, os atentados de 11
de setembro, as intervenções consecutivas no Afeganist ão e no Iraque,
suscitaram formas de oposição e o renascimento de movimentos e de
sentimentos pacifistas. Por isso que se tratou de denunciar de novo a
guerra, seus horrores, suas vítimas civis, a referência à Segunda Guer -
ra Mundial e à sua memória se tornava menos operante, e até mesmo
contraproducente. Daí a atençã o renovada que muitos atores sociais
( políticos, militantes, escritores) deram faz cerca de 15 anos à Primeira
Guerra Mundial, da qual se redescobre no mesmo momento, graças à
historiografia, até que ponto ela foi uma “ má guerra”, e portanto uma
O NOSSO TEMPO 279

«
r
boa” referê ncia histórica utilizável para as lutas pacifistas de hoje. Nessa

| lógica, não surpreende que no plano ideológico e sem entrar aqui no
fundo da querela franco -francesa dita “ do consentimento” — as teses
avançadas por uma parte dessa nova historiografia europeia, que traz o
! consentimento massivo dos combatentes engajados no fronte como ar-
í gumento principal para explicar sua resistência e seu costume a limiares
f de violência inéditos, tenham suscitado reações indignadas diante do
[ que foi percebido como um questionamento da figura do soldado -víti-
í ma e, incidentemente, da perda de substância de um argumento histó-
[ rico tanto mais cômodo quanto há hoje consenso da direita à esquerda,
j* em toda a Europa, para denunciar a inanidade desta guerra.

1989, 2001?

I A queda do Muro de Berlim ou os atentados de 11 de setembro podem


I por sua vez constituir fronteiras para um novo período contemporâneo?
I É... cedo demais para dizê-lo —
e essa nota não tem nada de contraditó-
I rio com a demonstração feita aqui. Se os atentados em solo americano
! inauguram uma sequência na histó ria da violência de guerra e produ -
! ziram importantes consequências internacionais, não é certo que eles
ï constituam uma cat ástrofe de tipo inaugural. Por outro lado, a sequê n -
I cia 1989-91 tem todos os atributos de um acontecimento de sentido
1 forte do tempo, qu.e consagra o desaparecimento de um mundo antigo,
I nascido em 1917 com a revolução leninista e cristalizado em 1945 com a
I dominação do stalinismo na metade da Europa. Mas se nada nos impe-
I de de fazer uma história do tempo presente desses 20 últimos anos ten -
! do em conta o impacto desse corte, nada obriga tampouco o historiador
I a transtornar as cronologias estabelecidas a cada ruptura de importân-
cia na história da humanidade. Por exemplo, o Zentrum fur zeithisto -
l rische Forschung ( ZZF) de Potsdam , criado em 1996 para enfrentar a
280 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

questão de uma história do tempo presente cujo centro de gravidade


já não é o do nazismo, realizou trabalhos em especial sobre a história
comparada das duas Alemanhas no contexto das ditaduras comunistas
da Europa central e oriental, suscitando importantes pesquisas sobre a
Guerra Fria e, portanto, sobre o período precedente de 1945 a 1989.137
Ele não postula, por isso, a necessidade de formalizar um novo período
que seria difícil de definir por falta de recuo suficiente: a possibilidade
de escrever sobre o passado próximo não significa ter a última palavra
sobre a quest ão, mas na melhor das hipóteses a segunda ou a terceira,
após os jornalistas e as testemunhas. Além disso, sob o risco de me repe-
tir, é preciso ter em mente que a história do tempo presente, quaisquer
que sejam , por outro lado, suas singularidades, aborda como qualquer
outra forma de hist ória dura ções históricas suficientemente significati-
vas para merecer uma atenção particular. Nem o período “ de 1989 at é
nossos dias”, nem a fortiori o que cobre “ de 2001 até nossos dias” podem ,
por enquanto, ser qualificados, com pouco que seja de pertinê ncia, alé m
do conceito cômodo de “ pós -comunismo” ou de “ pós-Guerra Fria” De
resto, ainda quando a história contempor â nea possa ter começado em
1914, 1940, 1945 ou 1989, imagina -se mal fazer, inversamente, cair os
respectivos per íodos anteriores na história dita moderna. Se, portanto,
se conserva o termo “ hist ória moderna” para o período que termina
com a Revolu ção Francesa, incluindo -se as guerras napoleônicas, e se
reserva o termo “ tempo presente” ou “ contemporâ neo” a uma sequê ncia
que começaria em 1945 ou 1989, como se qualificará o período que se
estende de 1815 a essas respectivas datas ?

137
Ver a sua apresentação no site: < www.zzf- pdm.de >. Acesso em: 2 abr. 2012. Nas pá -
ginas em francês, o ZZF se denomina “ Centre de recherche sur l’ histoire du temps pré-
sent”.
iCONGLUSÃO

Diante do trágico
Quem pode dizer onde a memó ria começa
Quem pode dizer onde o tempo presente acaba
Onde o passado se unirá à romança
Onde a desdita n ão é sen ão um papel amarelecido
Aragon (1968)

l Neste livro procurei uma espécie de ponto de equilíbrio entre perma


í nências e uma conjuntura, entre uma definição a- histórica da contem -
poraneidade e sua inserção em um contexto. Resultam vá rios temas de
reflexão que deixo à guisa de conclusão.

M . Do sobrevoo histó rico de longa duração resulta sem surpresa que a


[ ideia de contemporaneidade sofreu uma profunda evolução. Podemos,
por isso, contentar- nos com o cliché segundo o qual “ toda história é
contempor â nea”. Até o Renascimento, o surgimento de um conheci-
|'r

mento mediado, e sem d úvida mesmo até o século XVIII, a própria ideia
de uma história próxima distinta do resto da história apenas teve uma
frágil consistência, uma vez que não há separa ção clara entre passado e
presente. Isso não significa, contudo, que existe uma concepção cont í-
I nua e imutável através de vários milénios na maneira de escrever sobre
! seu próprio tempo: as modalidades, os métodos, as finalidades da escri-
! ta da história mudaram consideravelmente de uma civilização a outra.
Conceber o tempo de maneira cíclica ou linear, fazer do presente o fim
282 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

de toda coisa ou uma modalidade eterna, colocar a Cidade, o Senhor,


o Soberano ou a Provid ê ncia no centro da narrativa constituem regi-
mes de historicidade profundamente dessemelhantes. Mais que lembrar
simplesmente uma frase ritual que a prática da história contemporânea
faz remontar aos tempos mais recuados, o desvio por uma história lon -
ga permitiu balizar, ainda que de maneira fugaz e impertinente, alguns
traços permanentes na definição de uma história de seu próprio tempo.
A testemunha que vê, a testemunha que fala, a testemunha que es-
creve, seja o próprio historiador, desempenha claramente um papel es-
sencial, uma vez que é um mediador primá rio, para não dizer ú nico.
-. Disso deriva, ou antes é associada a essa constata çã o, a ideia segundo a
qual a memória desempenha igualmente um papel primeiro, pois existe
uma anterioridade do “ eu me lembro” sobre a narrativa hist órica, o “ era
uma vez” Situo - me aqui na tradição de Paul Ricoeur, para quem “ não
temos outro recurso, no que diz respeito à referência do passado, que
n ã o a própria memória, [ ... ] nã o temos nada melhor que a memória
para significar que alguma coisa teve lugar, aconteceu, se passou antes
que declarássemos lembrarmo - nos dela” ; nessa visão das rela ções entre
o passado e o presente, “ o testemunho constitui a estrutura fundamen -
tal de transição entre a memória e a história” ( Ricoeur, 2000:26). Mas
no tempo presente essa testemunha não est á fora de alcance, ela não
existe somente por seus rastros, ela n ã o é somente passado ressuscitado.
Contrariamente à testemunha do passado que não reviverá senão por
rastros que o historiador ou a posteridade explorarã o, essa testemunha
existe fora e previamente a qualquer operação historiográfica.
Outro tra ço quase constante: o historiador do tempo presente man -
t é m relações conflituosas com o poder, seja religioso, seja político. Sua
arte e depois sua profissão o destinam a antecipar o julgamento da pos-
teridade, e até mesmo a orient á-lo, em presença dos principais interes-
sados que agem no horizonte de uma imortalidade escriturária por não
poder ser biológica. Por isso, permanece inelutavelmente submetido a
CONCLUS Ã O 283

|uma tensão entre uma liberdade de escrita à qual ele aspira quase natu -
I ralmente e a necessidade de se submeter ao Príncipe, uma vez que, até o
I século XVIII , de tudo a história dos poderosos ou da
a história é antes
I vontade divina.
I Após a Revolução Francesa, novas categorias do tempo histórico
I aparecem. A “ história enquanto tal” é percebida agora como uma força
I autónoma destacada tanto da providência divina quanto da ação do so-
! berano. Do passado em geral, distingue- se o “ passado encerrado”, que
I assinala um corte, um “ antes” e um “ depois” do traumatismo de 1789.
I Por isso, uma nova sequê ncia do tempo histórico aparece no pensamen -
! to que se difundir á segundo os lugares sob o nome de Zeitgeschichte ou
I de “ história contemporânea”, pois se experimenta agora a necessidade
I de identificar um novo período após os “ tempos modernos” Antes da
I
B
'
Revolução, o emprego da palavra contempor âneo era relativamente li-
I mitado e podia ter múltiplos sentidos, inclusive o que lhe dá Pascal: uma
I presença do passado imemorial que atravessou o tempo sem alteração,
ï tornando os leitores do século XVII do Antigo Testamento contempo-
|râneos dos judeus que receberam as tábuas da lei. Após a Revolução,
ï a palavra se generaliza com um outro significado. A história deixa de
I ser inteiramente contemporâ nea, uma vez que já não há continuidade
I entre o passado e o presente. O período contemporâneo designa agora
I uma sequência mais limitada, mais visível, marcada por singularidades.
I No mesmo momento, ainda na posteridade revolucionária, a história se
l constitui progressivamente em profissão, e chega a aspirar a ser uma ci
-

l ência, inventa a distância e a objetividade e, com um mesmo movimento


I ou quase, lan ça um olhar desconfiado sobre a possibilidade de escrever
j sobre esse passado recente sem recuo e no fogo da paixão, aquilo que se
f
trata precisamente de destacar. O que constituía antes um elemento não

discutido da reflexão histórica levar em consideração o presente, um

presente não destacado do passado é agora problematizado, e daí a
exclusão, desde o in ício do século XIX, da história do tempo presente
284 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

como campo que pode pretender à cientificidade, mas não como cate-
goria da reflexão, do ensino e da literatura.

2. A maneira de pensar seu próprio tempo muda com o aparecimento


dessa tensã o entre, de um lado, a necessidade de escrever uma história
no calor do acontecimento, de dar sentido a um acontecimento que aca-
ba de transtornar a ordem antiga das coisas, de compreender seus mó-
veis e, de outro, a impossibilidade de empreender uma tal narração por
falta de fontes, de recuo e de serenidade. Esse dilema entre necessidade
e impossibilidade, essa oposição entre os que pretendem pôr-se à obra
no dia seguinte ao acontecimento e aqueles que lhes negam qualquer
credibilidade, pois o tempo ainda não fez seu trabalho, é concomitante
com o aparecimento da história contemporânea, como mostra a atitude
paradoxal da escola metódica, que rejeita a dimensão cient ífica de uma
possível história do tempo presente, mas a pratica de fato no ensino e na
publica çã o de manuais e de livros para o grande pú blico. Ela surge toda
vez no dia seguinte, e por vezes no cerne de todas as cat ástrofes do sécu -
lo XX. É verdade após 1918, assim como após 1945, momentos decisi-
vos na constituição, e depois na institucionaliza çã o, de uma história do
tempo presente perene, reconhecida e, portanto, sempre discutida, para
nã o dizer contestada. Essa tensão remete a duas maneiras de enfrentar
os traumatismos históricos, entendidos aqui como os efeitos retardados
de um acontecimento que fez ruptura, transtornou os valores, modifi-
cou o cotidiano, deixando rastros duráveis, às vezes feridas psíquicas
ou físicas tanto nos indivíduos quanto no seio das coletividades. De um
lado, há aqueles que preconizam a espera, o prazo de reserva a fim de
responder da melhor maneira possível aos critérios de imparcialidade:
esses recusam a ideia mesma de uma história do tempo presente que
lhes parece presunçosa, arriscada, poluída pela contingência e pelo ru-
ído do acessório. Pode-se dizer que eles se situam do lado do recalque
benfazejo, de uma espécie de encorajamento do esquecimento, uma fic-
CONCLUS Ã O 285

I ção de silêncio, às vezes um reflexo de negação. A história, aqui, deve


ï ser uma matéria fria, ou pelo menos resfriada, como as cinzas. De outro
f lado, há aqueles que querem, ao contr ário, escavar os rastros fumegan -
! tes do acontecimento, interpretar as primeiras palavras das testemunhas
I buscando dizer a catástrofe quando se trata de experiências extremas,
i que querem, portanto, responder às expectativas que reclamam senti-
I do no caos deixado por uma guerra, um genocídio ou uma destruição
I em massa: para eles, a história do tempo presente é uma necessidade
I intelectual, moral e psicológica, que assume mais ou menos o risco de
K manter a ferida aberta e não admite nenhum prazo de reserva para com -
I preender, colocar palavras sobre os acontecimentos percebidos e vividos
Icomo inauditos.
K Desde a Revolu ção, parece, portanto, existir uma relação estrutural
I entre a escrita de uma história do tempo presente e a existência de um
B traumatismo que necessita de uma adaptação mais ou menos longa,
I mais ou menos profunda das sociedades envolvidas com a crise advin -
1 da. A necessidade de recobrir uma continuidade temporal após a rup-
I tura, a necessidade de forjar narrativas, mesmo antagónicas, que podem
I dar sentido à ruptura sofrida ou provocada, e a recomposição das iden -
1tidades individuais ou coletivas que as grandes catástrofes históricas im-
I plicam são processos inerentes à posteridade de todos os “ acontecimen-
I tos-monstros”. E é geralmente nesse contexto que se inserem as interro-
I gações sobre a história contemporânea. Ela pertence não somente a um
I “ depois” — posição anacrónica que é a de todos os historiadores — , mas
! a um pós- trauma, mais próximo temporalmente da cat ástrofe, em todo
Icaso muito mais presente na consciência ou no inconsciente dos atores,
| obrigados a lidar com um passado que demora a passar, que corre o ris-
[ co por vezes de simplesmente não passar. Sua proposta não é somente
Itomar distâ ncia do acontecimento traumático a fim de poder interpretá-
I -lo, mas mais ainda de captar os efeitos a curto e médio prazo, de forjar
I ferramentas para 1er o que se pode chamar de instante seguinte, de vida
286 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

depois, de afterlife em inglês, ou seja, o prolongamento do choque ini-


cial e a maneira de adaptar-se a ele. Nessa perspectiva, o historiador do
tempo presente não se define, ou não somente, pela proximidade tem -
poral “ objetiva” que o separa do acontecimento estudado, mas antes por
sua capacidade própria de criar ele mesmo uma boa distâ ncia, visual e
ética, necessá ria à observação de um tempo que é apenas em parte o seu.

3. Se existe, entã o, desde a Revoluçã o Francesa uma história contem -


porâ nea identificada como tal, sua prática efetiva nos anos recentes foi
profundamente marcada por uma configuração cujos componentes não
são novos, mas cuja combinação é um tanto inédita. Essa configuração
põe em relação uma sé rie de elementos que pertencem tanto a uma re-
alidade social, cultural, política, tangível e concreta quanto a conceitos
ou noções elaborados pelas ciê ncias sociais, não sendo a hist ória a ú nica
disciplina envolvida: o acontecimento, o testemunho, a memória, a de-
manda social e a judicialização, não sendo a ordem desses elementos
indiferente. Alguns entre eles pertencem a qualquer escrita hist órica,
como o acontecimento, e outros sã o constitutivos de qualquer escrita de
uma história propriamente contemporâ nea, como o testemunho direto,
e outros ainda sã o fruto da conjuntura recente, como a interven çã o cres-
cente da lei, do direito e da justiça nas interpretações hist óricas.
A liga çã o entre acontecimento e hist ória do tempo presente não é
nem nova, nem original. Mas foi preciso, em um primeiro momento, lu -
tar contra a excomunhão que recaiu sobre o primeiro antes de enfrentar
as sequelas dos grandes traumatismos do século XX. Evidentemente, o
historiador não podia deixar fora do campo da historiografia acadêmica
o século das guerras, dos genocídios, dos totalitarismos. Além disso,
o acontecimento tal como foi estudado pelos historiadores do tempo
presente desses 30 últimos anos já não tem muito que ver com o de
uma história dos acontecimentos denunciada não faz muito tempo pela
escola dos Annales, e aliás grandemente construído como figura imagi-
CONCLUS Ã O 287

nária do inimigo a abater. Por um lado, ele tomou com maior frequên -
cia a forma de catástrofes sem precedentes, que se sucederam uma à
outra, tendo a cada vez a mesma necessidade de compreender como
a humanidade tinha podido ultrapassar um novo limiar de violê ncia
ou de destruição, como após 1918, após 1945 e talvez após 2001. Por
outro lado, esse acontecimento foi estudado com interesse de maneira
privilegiada não somente em seu desenvolvimento próprio, mas tam -
bém na sua posteridade, em seus efeitos duradouros, em sua memória.
A atenção voltada sobretudo ao pós- trauma dessas catástrofes mostra
acontecimentos que possuem uma vida quase autónoma no imaginá rio
social muito tempo após seu aparente desfecho, com uma rela ção por
vezes cada vez mais tensa com os fatos originais. Desse ponto de vista, o
intermin ável e impossível acabamento da Revolu çã o Francesa ao longo
de todo o século XIX, a anamnese da Segunda Guerra Mundial no úl -
timo terço do século XX, ou a da Primeira no in ício do século XXI são
casos para estudo.
Nã o mais que o acontecimento, a quest ã o do testemunho não é es -
pecífica da hist ória contemporâ nea, sendo a história por definição um
diálogo permanente entre os vivos e os mortos, e uma maneira entre
outras de conservar a lembrança desses ú ltimos. Ademais, antes de ser
uma “ testemunha”, um ator da história permanece fundamentalmente
um indivíduo que as circunst â ncias ou a requisição por parte do histo -
riador, do sociólogo, do antropólogo ou simplesmente de um editor vão
transformar em testemunha expressiva. Por outro lado, não somente o
diálogo com um morto ou com um vivo não é da mesma ordem , nem
usa os mesmos métodos ou a mesma é tica, mas a história do século XX
viu o aumento de poder de uma nova figura de testemunha e um novo
gê nero de testemunho ligados precisamente às cat ástrofes evocadas ao
longo desta obra. A reflexão evoluiu em seguida para uma reflexão sobre
a vítima e a vitimização, figura central da relação contemporânea com
o passado, nã o somente porque a história recente foi duradouramente
288 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

marcada pelo sofrimento, porque ela é o século traumático por exce-


lência, mas porque também as nossas sociedades responderam a isso
com políticas de reconhecimento, de reparações, sobretudo materiais,
que concederam às diferentes categorias de vítimas verdadeiros status
políticos, jurídicos e sociais: pessoas deslocadas, deportados políticos,
“ deportados raciais”, vítimas das leis antissemitas, espoliados, interna-
dos, resistentes reconhecidos, “ Justos”, vítimas de trabalho forçado etc.
A elaboração infinitamente complexa dessas categorias, tanto no plano
dos princípios gerais quanto em sua aplicação intuitu personae , precisou
na maior parte dos casos de uma per ícia histórica para definir o direito
de acesso a esse status. Do mesmo modo, a multiplicação dos procedi-
mentos civis ou penais de repara ções de acontecimentos hist óricos por
vezes com d écadas de existência levou ao emprego de per ícias de todo
tipo, inclusive de historiadores, versando sobre fatos passados. Por isso,
a relação entre atores da história e historiadores mudou de natureza.
Ficou tensa, despertada pela velha oposiçã o entre experiência e conhe-
cimento. De um lado, os atores erigidos a testemunhas pretenderam,
frequentemente por inocê ncia, falar em nome de toda uma época, es-
quecendo que sua experiê ncia, mesmo a mais terr ível e indelével, foi
limitada no tempo e no espaço: ter sido deportado para Buchenwald
não permite dar conta da experiência de Auschwitz. De outro, os histo-
riadores esqueceram às vezes a que ponto o discurso histórico é consti-
tuído por proposições gerais, frequentemente dif íceis de aplicar a casos
particulares, donde a dificuldade de fazer entrar um acusado de carne e
osso nas categorias filosóficas e históricas, como na ocasiã o dos proces-
sos de Eichmann ou de Papon. A oposição aliás não foi simples, uma vez
que testemunhas, como na França Daniel Cordier, o ex-secretá rio de
Jean Moulin que se tornou seu biógrafo, se colocaram sem ambiguidade
entre os historiadores mais desconfiados em relação aos testemunhos,
enquanto o mundo acadê mico se dividiu, com uma parte desenvolven -
do uma verdadeira ideologia do testemunho que amplia a testemunha
CONCLUS Ã O 289

I e a vítima, sacraliza sua palavra, mostra uma falsa humildade a seu res-
! peito, que mascara, em minha opinião, um populismo científico cujo
I objetivo não é, como em todo populismo, o desejo de defender a causa
j dos “ esquecidos da História”, mas a vontade mais ou menos consciente
[ de falar — alto — em seu lugar. Testemunhando, aliás, a violê ncia das
f afirma ções feitas na ocasião de algumas polêmicas historiogr áficas re-
j centes, sobretudo na França sobre a atitude dos combatentes da Primei-
! ra Guerra Mundial, sobre a heroiza ção da Resistê ncia, sobre a amplitude
I do impensado colonial e sua ligaçã o com a quest ão da imigraçã o. Não
j somente eu recuso essa ideologia do testemunho que, por um lado, se
I apresenta como a encarnação de uma radicalidade ideológica que per-
! deu suas referências históricas tradicionais e busca novos condenados
S na terra, mas penso que o verdadeiro respeito que o historiador deve à
I testemunha, ou antes ao ator da história, é considerá-la em um face a
I face, em um diálogo, amistoso ou polê mico, que n ão impede em nada
I de ter respeito pelo que ela foi no passado ao mesmo tempo que deixa
I a inteira liberdade para criticar suas interpretações sobre a história, in -
I elusive a sua própria.
I Da testemunha e da v í tima passamos quase naturalmente à memória ,
j a palavra fetiche do fim do século XX. Aqui mais uma vez toda história
| contemporâ nea é claramente confrontada com as lembran ças dos ato -
I res, com uma memó ria viva que pode ou não se exprimir publicamen -
! te e entrar em competiçã o com o discurso acad ê mico. Mas a memória
I de que se trata aqui, como vimos, foi de outra natureza, a ponto que
I se pôde falar em rela ção ao último terço do século XX de uma “ idade
I da memória”, consequê ncia inevit ável do século dos grandes traumatis-
I mos. O historiador do tempo presente foi confrontado um pouco mais
J que os outros com o desenvolvimento descontrolado dessa noção, que
I acabou por subsumir todas as outras formas habituais de rela ção com

o passado a história, a tradição, a herança, o mito e a lenda. Ele deu
[ importâ ncia particularmente a uma história das práticas e à presen ça
290 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

do passado recente, exemplo muito esclarecedor da maneira de tomar


distância de uma questão do presente. Contudo, é necessá rio insistir
no fato de que os trabalhos dos historiadores sobre a memória, sendo
mais ou menos tributá rios de um ar do tempo, de uma preocupação
com seus contemporâneos, tomaram vá rias direções diferentes, que não
tinham as mesmas implicações. Se deixo de lado a mais antiga, a que
redescobre a noção de memória em favor da história oral e, portanto,
do testemunho requisitado, e que teve um desenvolvimento, como vi-
mos, após 1945 com as grandes campanhas de entrevistas com vetera-
nos americanos da Segunda Guerra Mundial, ou nos anos 1970 com os
repositórios dedicados à memória operá ria inglesa ( Paul Thompson ), à
memória das mulheres ( Luisa Passerini ), ou ainda à memória protes-
tante francesa ( Philippe Joutard ) , e sobretudo o filã o dos “ lugares de
memória”, de um lado, e o das “ memórias traumáticas”, do outro, que
tiveram mais sucesso nas três últimas décadas. O primeiro, inspirado
no empreendimento editorial que Pierre Nora dedicou à Fran ça, e que
teve versões alemã, italiana, russa, holandesa e luxemburguesa, consti-
tui uma reescrita em segundo grau da história nacional. Ele lan çou um
olhar analítico ao património material e imaterial de cada um dos países
cujo inventá rio foi consideravelmente estendido a tudo o que pode, em
um momento ou outro, constituir o suporte ao mesmo tempo de um
imaginá rio e de um caráter nacional próprios. Essa maneira de ver a his-
tória da memória se insere essencialmente no registro da positividade,
ou seja, no registro que considera o passado antes sob a forma de uma
permanência de comportamentos, de tradições, de hábitos de pensa -
mento que fundam uma identidade nacional na qual os cidadã os de um
país considerado podem reconhecer-se e buscar aí recursos. Ela não diz
respeito, longe disso, à ú nica história recente, mas se situa, à imagem
do modelo original de Pierre Nora, na longa duração que corresponde
mais ou menos ao aparecimento do sentimento nacional. O segundo
filão versa essencialmente sobre o estudo dos episódios traumáticos do
CONCLUS Ã O 291

I passado recente, frequentemente ausentes da problemática dos lugares


[ de memória, com exceção dos que dizem respeito à Alemanha aliás, —
[ com frequê ncia se notou que as duas principais polê micas memoriais
I francesas, a saber, a sobre Vichy e a sobre a Argélia, estavam ausentes
dos sete volumes sob a direção de Pierre Nora e publicados entre 1984
l e 1992, no exato momento em que essas polêmicas surgem no espaço
I público.138 Quaisquer que sejam as razões, essa ausência enfatiza a dife-
rença em relação à corrente que privilegiou, às vezes com excesso, a his-
tória das “ barbaridades humanas” do século: as duas guerras mundiais,
os genocídios, o colonialismo, os sistemas totalitá rios e suas sequelas, o
pós- trauma, os efeitos retardados se impuseram como temas de estu -
dos importantes no momento em que uma nova história do tempo pre-
sente se impunha. Esse segundo filão acompanhou, ou estruturou esse
novo campo historiogr áfico que se desenvolveu quase em todo lugar no
[ mundo e que se inseriu, desde a origem , no registro da negatividade:
I é uma história que foi essencialmente confrontada com o luto, com a
[ perda, com o ressentimento, com a impossibilidade de reparação, com
| as exigências às quais os historiadores, sociólogos ou outros comprome-
í tidos no campo não podiam realmente responder, que se viu envolvida
: e suscitou em contrapartida conflitos, e até uma forma de violência que
I mostra a que ponto os observadores distantes foram confrontados pro-
I vável ou certamente com os efeitos retardados da violência original dos
I acontecimentos que eles estavam estudando. Se o empreendimento de
J Pierre Nora e dos seus êmulos pendeu mais para o lado das terapias
comportamentalistas que ordenam ao paciente “ positivar” sua história,
j a outra postura, por outro lado, se situou no horizonte da terapia ana-
í —
lítica mas eu não saberia de fato dizer se no lugar do analista ou do
í —
analisado , aquela que tenta historicizar o traumatismo ao retraçar
sua evolução após o choque, colocando palavras sobre as chagas, fazen -

138
Para um princípio de explicação, ao menos circunstancial, ver Dosse ( 2011).
292 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

do do discurso histórico não um recurso identit ário mas uma inst ância
simbólica suscet ível de contrabalan çar o imaginá rio invasivo de uma
identidade fundada na vitimiza ção.
A demanda social deriva do que precede, e os historiadores foram
confrontados com expectativas de um novo gênero vindas de uma so-
ciedade presa de profundas interrogações sobre o passado recente. Em
si, o termo designa um problema que todas as ciências sociais encon -
tram, a saber, expectativas mais ou menos explícitas suscet íveis de se-
rem traduzidas em pesquisas cuja iniciativa surge fora do meio acadê-
mico. A demanda social n ão é a per ícia, outra novidade que envolveu
os historiadores em geral, e os do tempo presente em particular. Ela
designa uma parte da demanda social que emprega conhecimentos a
servi ço de uma açã o, p ública ou privada, e que tem assim por finalidade
n ã o a compreensão somente do real, mas a vontade de mudar. Não há,
portanto, perícia” se não há previamente um campo de açã o bem defi-
nido e cujos autores exprimem clara e explicitamente uma expectativa,
como no caso de um processo judicial, enquanto a demanda social pode
pertencer só à imaginaçã o do pesquisador, que interpreta o contexto
que o circunda. As noções fazem parte da epistemologia das ci ê ncias
sociais e mesmo das ciências em geral há muito tempo. O intenso debate
em torno da quest ão da per ícia hist órica indica uma redefiniçã o em cur-
so das relações entre poder, saber e sociedade. Ele se encontra em uma
transição que viu realizar-se uma transferê ncia de influ ência dos “ inte-
lectuais” tradicionais, os legisladores, como designa Zygmunt Bauman,
os que buscam guiar o mundo, para os “ int é rpretes”, os “ intelectuais es -
pecíficos”, para empregar uma terminologia foucaultiana, e, portanto,
aos peritos, que buscam antes compreender, às vezes sob o risco de uma
perda de autonomia.139 Se o historiador se tornou também um “ perito”, é
justamente porque a própria história e singularmente a história recente

139
Michel Foucault (1976), retomado em Foucault (1994:109-114). Bauman ( 2007).
CONCLUS Ã O 293

í se tornou um campo de perícia, um campo de ação no interior do qual


I alguns atores sociais pretendiam agir retroativamente sobre o passado.
I O último elemento dessa configuração pertence à mesma conjun -

[ tura. Trata -se da tendê ncia , recente e relativamente inédita , de fazer


í do passado um objeto de direito, uma á rea de interven ção tanto do
( legislador quanto do juiz. Essa “ juridicização” (de jur ídico) ou “ judi-
I cializaçã o” ( de judicial ) da história pertence certamente a um movi-
I mento geral das sociedades contempor â neas que demandam ao di-
I reito e à justiça que intervenham cada vez mais nos campos em que
I sua a çã o era antes excepcional. No caso da hist ória , ela se revestiu
I de uma importâ ncia particular : pela multiplica çã o das decisões que
I dizem respeito ao trabalho dos historiadores, em especial, a quest ã o
I da difama ção em rela ção a atores vivos do passado; pelo papel que
I os estudos acad ê micos e os pesquisadores desempenharam na defi -
I nição da implementa ção de novas incriminações, tais como o crime
contra a humanidade; na parte ativa que eles tomaram na pesquisa
I de responsabilidades penais, administrativas ou civis dos grandes cri -
( mes de massa , at é intervir como peritos ou testemunhas nos grandes
I processos criminais de guerra na Alemanha , em Israel ou na França;
: e > finalmente, pelo surgimento de uma forma inédita de interpretaçã o
[ do passado utilizando a lei como ferramenta normativa para definir
I retroativamente acontecimentos do passado, como os dispositivos que
í reprimem o negacionismo ou ainda, na Fran ça, o que se chamou de
“ leis memoriais”, tomadas de posiçã o do legislador sobre episódios his-
Ï tóricos mais ou menos recentes ( a Guerra da Argélia, o colonialismo,
[ o genocídio dos armé nios e o comé rcio de escravos ocidental ). Essa
f tend ê ncia constitui uma das tradu ções políticas e sociais mais not áveis
do que foi descrito ao longo desta obra: o peso do passado trágico em
i nossas sociedades, a vontade de repará -lo em nome de uma concepção
virtuosa da mem ória, da testemunha e da vítima, a mudan ça do status
social do historiador, a particularidade da história do tempo presente,
294 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

esta última tendo sido particularmente afetada por esta intromissã o


do direito e da justiça na leitura do passado.

4. Quest ã o incidental e censura por vezes ouvida: a história do tempo


presente contribuiu para acentuar o corte atual entre passado e presen -
te? Ela encorajou o presentismo ambiente por uma focaliza ção exacer -
bada no presente desconhecendo as ligações dialéticas que existem en -
tre os dois a todo momento na história? Tentei mostrar ao longo deste
trabalho que, em suas premissas epistemológicas, assim como em suas
realizações efetivas, a história do tempo presente tinha contribuído, ao
contrá rio, para atenuar esse corte tal como ele pode desenhar -se no es-
paço pú blico e nas representações do senso comum. De um lado, essa
historiografia forjou suas ferramentas teóricas nos anos 1920- 30, pre-
cisamente no momento em que este corte, nascido com a Revolu ção e
formalizado pelos positivistas alemães, e depois franceses, é atacado de
frente seja pela escola dos Annales, seja pelos defensores de uma nova
história contemporâ nea. As próprias definições dessa forma historio -
gráfica, ainda que levem a singularidades de método ou de posição, re-
pousam na ideia de que o contemporâ neo pertence à história do mesmo
modo que qualquer outro per íodo e, portanto, que ele entra diretamente
no campo da observaçã o do historiador do mesmo modo em que está
no campo das ciências sociais. A ausência de corte é, portanto, aqui um
pré- requisito. Por outro lado, por razões conjunturais, a história do tem -
po presente dessas últimas décadas foi um pouco mais do que as outras,
sensível às questões de memória, ou seja, a uma das formas da presen -
ça do passado em nosso tempo. Ora, estudar a memória, suas relações
com outras formas de representação ou de narração do passado, entre
as quais se conta a história acadêmica, é por definição considerar o laço
forte que existe entre o presente e o passado, e não somente recente.
CONCLUS Ã O 295

I 5. Tanto por causa da conjuntura particular do fim do século XX quan -


I to dos traços constantes de toda contemporaneidade, o historiador do
I tempo presente teve a tarefa de se encarregar de um duplo movimento
| contrário, em ação sob seus olhos: de um lado, a colocação no passado
I do presente e, do outro, a colocação no presente do passado. Não se trata
K
I aqui de um jogo retórico, mas de uma questão essencial que se põe a
I todos os historiadores do contemporâ neo sem que eles tenham por isso
I a exclusividade.140
I A colocaçã o no passado do presente é simplesmente o momento em
I que um acontecimento, um processo, um ator do presente recai em um
I 'outro registro temporal. Essa passagem pode constituir um aconteci-
! mento brusco e notável, como no cumprimento de uma ação memorá-
! vel ou na ocasião do desaparecimento de uma figura de primeiro plano.
I Dir-se-á que a ação ou o personagem pertencem agora à história, ter-
I mo que significa aqui uma forma de imortalidade, uma presença eterna
I nas narrativas coletivas do presente e do futuro. Nessa acepção corren -
! te, “ entrar para a História” significa escapar ao esquecimento, passar a
I um presente eterno, inserir-se na memória. Trata -se, contudo, de um
I fenômeno antes excepcional, que diz respeito a alguns acontecimentos
| ou algumas figuras que puderam revestir-se de um caráter exemplar.
I Na maior parte dos casos, a passagem do presente ao passado se faz de
| maneira mais fluida, por deslizes frequentemente pouco percept íveis.
»

I Com exceção do caso de transições violentas, uma guerra ou uma re-


I volução, passa-se de uma época a outra sem tomar imediatamente sua
| medida, sem ter compreendido que uma gera ção se extinguiu pouco a
| pouco e que outra a substituiu. Essa passagem não é, aliás, em grande
I medida, senão uma representação do tempo, constituindo-se menos em
I um elemento objetivo. Entrar para a história pode então significar uma
140
Retomo aqui uma hipótese formulada há alguns anos no contexto de uma reflexão
sobre o património: “ Introduction” in Rousso ( 2003). Esse texto foi retomado em Auzas
e Jewsiewicki ( 2008:13- 21).
296 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

forma de esquecimento relativo ou definitivo, uma maneira de deixar o


mundo, à imagem da expressão americana ‘7 m history * “ Eu parti” ou “ o
meu tempo passou ”, que indica uma forma de obsolescência. Longe de
ser banal, essa passagem do presente ao passado se reveste para o his-
toriador de uma import â ncia crucial, pois nã o somente ele a atravessa
como todos os outros, mas é parte da sua missão repeti-la, analisá-la e
desenhar suas questões: é a caracter ística de uma história que se quer do
seu tempo, a qual deve levar em conta o tempo que passa sob seus olhos.
E se acaso ele tiver a tentaçã o de desviar o olhar, alguns estarão lá para
chamá-lo à ordem.

Nós, os últimos sobreviventes do Holocausto, desaparecemos uns após os


outros. Em breve a História se colocará a falar, na melhor das hipóteses,
com a voz impessoal dos pesquisadores e dos romancistas. Na pior, com a
: t dos negacionistas, dos falsificadores e dos demagogos. O Dia Internacional
da Comemoraçã o para as Ví timas é um liame vital na transmissã o de nossa
trágica herança. Se falharmos a lhe dar coletivamente e com discernimento
o lugar que lhe compete na mem ó ria e na educa çã o, no cerne dos valores
fundamentais de todas as crenças, espirituais ou seculares, as forças das tre -
vas poderão de novo voltar a nos assombrar.141

Assim se exprimia recentemente Samuel Pisar, um sobrevivente de


Auschwitz, que foi notadamente testemunha do processo Barbie, em
1987. Essa posiçã o tem de admirável o fato de que ela opõe, de um
lado, a experiê ncia da testemunha e a comemora ção, entendida aqui
como uma comunh ão emocional em torno da lembrança do aconte-
cimento, e, do outro, toda uma forma de representa çã o do passado,
hist órico ou romanesco, quase sugerindo que essas ú ltimas não est ão

141
Pisar ( 2012 ) , na ocasião do Dia Internacional pela Memória das Vítimas do Holo
causto.
CONCLUS Ã O 297

K muito afastadas do negacionismo. Nessa visão das coisas, a transferê n -


I cia de ator a pesquisador é vivida como uma perda, quase como uma
B injustiça. Se a afirmação é aqui radical, ela não exprime menos um
I sentimento muito disseminado entre os antigos deportados, os anti-
! gos resistentes e todos aqueles que sobreviveram a experiências extre-
! mas. Ora, a ideia de que o desaparecimento dos últimos sobreviventes
I muda a percepção de um acontecimento, que ele deixa todo o lugar
K aos historiadores para exercer um monopólio ao qual eles aspiram
i tanto, não data do momento em que os sobreviventes se fizeram cada
I vez mais raros em razão da idade. Ela é muito antiga: fui pessoalmente
1 interpelado sobre esse registro praticamente desde os primeiros escri -

tos sobre o per íodo, no fim dos anos 1970, uma experiê ncia que todos
I os historiadores que trabalham com acontecimentos delicados pude-
'

I ram ter. Ela não exprime, portanto, um problema conjuntural, ligado


I a uma situação biológica, mas uma percepção do tempo ligada tanto
I à experiência extrema, à deportação, à tortura e, portanto, ao passado
I vivido quanto à maneira pela qual nossas sociedades veem a relação
I entre o presente e o passado. No pós- trauma do Holocausto, a passa-
I gem do presente ao passado tomou uma dimensão particularmente
K problem ática, situando os historiadores diante de dilemas de uma in-
I tensidade inédita. Escrever essa história constituía mais uma vez, por
um lado, uma necessidade imperiosa, por outro, uma impossibilida -
I de absoluta. A necessidade foi assumida desde o fim da guerra tanto
>

I por sobreviventes quanto por profissionais, um não excluindo o outro,


I permitindo mesmo a eclosão de uma nova história do tempo presente.
I Por outro lado, a impossibilidade, desta vez, nã o era objeçã o met ódica
I de uma falta de recuo e, portanto, uma impossibilidade relativa, mas
E uma impossibilidade radical: escrever a história do Holocausto era de
i algum modo matar-lhe a lembrança, posição esta de um Samuel Pi-
I sar, mas també m, por outras razões sem d úvida menos desprovidas de
i considerações narcísicas, de um Claude Lanzmann.
298 A ULTIMA CAT Á STROFE

Esses posicionamentos não impediram de modo nenhum a eclosão


de uma historiografia do Holocausto, sem d úvida uma das mais diver-
sificadas e das mais sofisticadas no campo da história contemporânea.
Mas essas questões e esses temores desempenharam um papel essen -
cial na maneira de escrever esta história do tempo presente confronta -
da com o trágico. Elas são emblemá ticas da dificuldade de impor uma
dist â ncia histórica enquanto os atores ainda est ã o vivos, e a fortiori en -
quanto ainda são sobreviventes. Ela mostra a que ponto a passagem en -
tre o presente e o passado, entre a mem ória e a história, entre a verdade
de uma experiê ncia vivida e a de um conhecimento elaborado, pode ser
intimamente sentida como um luto, como se fosse uma morte por ante-
cipaçã o. Contudo, a ideia mesma de uma passagem t ão n ítida entre pre-
sente e passado não é mais que uma ilusão. Muitos antigos deportados
viveram suficientemente bastante para ver desaparecer prematuramente
numerosos historiadores do Holocausto, tendo a sucessão das gerações
um valor geral que não se aplica sempre, infelizmente, às situações par-
ticulares. Do mesmo modo, muitos historiadores se sentem bem mais
envolvidos por acontecimentos hist óricos por razões pessoais do que
antigos sobreviventes ou atores que decidiram por razões que lhes di-
zem respeito virar a página. Opor os “ historiadores” às “ testemunhas” é,
portanto, uma construção sumária. Por outro lado, a expressão pública
e repetida dessa oposição ilustra a dificuldade de pensar essa passagem,
como se fosse preciso parar o tempo, prevenir a alteridade do esqueci-
mento, tentar manter vivo por tanto tempo quanto possível um presente
que não é senão lembrança de um passado que hoje tem 70 anos.
Essa passagem do presente ao passado pode também, em alguns ca-
sos, ratificar o fracasso em fazer surgir na ação uma verdade necessária
e remeter a um futuro próximo esperando que o historiador possa cum -
prir uma missã o de que o contemporâneo não pode se desincumbir.
Recentemente, o senador italiano de esquerda Luciano Violante, ex- pre-
sidente da Comissão Antimáfia e ex- presidente da Câmara dos Depu -
CONCLUS Ã O 299

tados, comentando com amargura a absolvição definitiva, no dia 14 de


abril de 2012, de todos os acusados no processo do atentado de Brescia
de 28 de maio de 1974, atribu ído à extrema-direita e que tinha feito oito
mortos e uma centena de feridos, considerou que a palavra devia agora
“ passar aos historiadores”. Desprovidos da necessidade de trazer provas
formais e individuais, eles poderão em um futuro mais ou menos próxi-
mo, 1er de outro modo os documentos e dizer o que a justiça italiana não
pôde dizer. O historiador se vê, portanto, antecipadamente convocado
aqui por uma transferê ncia e por dizer uma verdade que a justiça n ã o
pôde formular — apesar de vá rias décadas de processo , na mais per-—
feita tradiçã o do “ tribunal í ntegro e terrível” de que fala DAlembert.142
Por trás da sua aparente banalidade, a passagem do presente ao
passado constitui em realidade um dos problemas mais espinhosos da
história do tempo presente dessas últimas d écadas. Ela ensejou nume-
rosas contrové rsias, como a que opôs nos anos 1980 o historiador ale-
m ã o Martin Broszat, diretor do Institut f ü r Zeitgeschichte de Munique,
provindo da “ gera ção das juventudes hitlerianas”, cabeça da escola dita
“ funcionalista” da interpretação do nazismo, e o historiador israelense
Saul Friedlá nder, um sobrevivente que se tornou uma das sumidades
mundiais sobre o tema. Sem reabrir um dossiê que fez correr muita tin -
ta, lembremos simplesmente que a controvérsia nasceu quando Martin
Broszat publicou um artigo intitulado “Apologia de uma historização
do nacional-socialismo”, pedindo que o nazismo fosse tratado como
um objeto de história entre outros, advogando um distanciamento não
moralizante e sobretudo menos r ígido e propondo paradigmas diferen -
tes da abordagem apenas ideológica.143 Aparentemente neutro, o termo

142
Ver Le Monde, 18 abr. 2012. Agradeço a Anne Pé rotin - Dumon por ter chamado a
minha atenção para esse artigo em um seminá rio que eu organizei no IHTP em 2011-12
sobre as relações entre histó ria e justiça.
143
Ver Broszat (1985:373- 385) e a resposta de Friendlánder ( 1987:43-54). Ver também a
correspondência publicada entre os dois historiadores: Broszat e Friedlá nder (1988:85-
300 A ÚLTIMA CAT Á STROFE

“ historização” ocultava muitas ambiguidades, como destacou seu con -


traditor. Apontando para os riscos de tal postura, Saul Friedlánder se
interrogava sobre a noção de dist ância no tratamento de tal tema, e,
portanto, sobre os limites mesmos de uma história do tempo presente:

De minha parte, estimo que este passado está ainda presente demais para
que os historiadores contemporâ neos possam ser capazes de tomar consci -
ência facilmente dos pressupostos e dos a priori que estão em jogo aqui —
sobretudo os historiadores alemães ou judeus que viveram sob o nazismo,
e talvez també m os que pertencem à segunda ou terceira gera ção. Pode-se
supor que, muito frequentemente, o historiador que aborda a era nazista
n ão tenha inteiramente ideia nem sobre que base específica, nem a partir de
quais m óbiles específicos, nem no interior de qual contexto específico ele
deseja trabalhar sobre este per íodo. Toda análise histórica deve, portanto,
imperativamente apoiar-se em um processo de reflexão sobre si mesma,
pois n ã o é sen ão a este preço que o historiador pode permanecer conscien -
te — a despeito do sentimento de objetividade que ele pode sentir que é —
exatamente ele e ele apenas que escolhe a abordagem, determina o m étodo
e organiza o material em fun ção de tal ou qual programa. O que é verda -
deiro para toda escrita histórica é decisivo para o estudo deste período. Es-
crever sobre o nazismo n ão é escrever sobre a Fran ça do século XVI: a ideia
de historização, tal como a analisamos aqui, repousa na hipótese, a meu ver
errónea, segundo a qual quarenta anos após o fim do Terceiro Reich, o na -
zismo poderia ser tratado mais ou menos da mesma maneira que a Fran ça
do século XVI. [ Friedlánder, 1987:52 ]

Essa controvérsia teve de notável o fato de que foi quase impossí-


vel decidir-se inteiramente em favor de um ou de outro protagonista.

126). O artigo de Martin Broszat e sua correspondência com Saul Friedlánder estão
disponíveis em francês: Bulletin trimestral de la Fondation Auschwitz ( Bruxelles), n. 24,
p. 27-86, abr./set. 1990.
CONCLUS Ã O 301

A posição de Martin Broszat e de sua escola de pensamento se revelou


de uma grande riqueza, pois ela “ desbloqueou” não somente a história
do nazismo, mas permitiu pensar sobre o modo de tratar a história de
todos os sistemas criminosos dos quais a lembrança ainda é próxima.
Na Fran ça, ela foi utilizada, por exemplo, para a história da Ocupação
em uma perspectiva menos determinada pelas explicações políticas e
ideológicas ( Bédarida e Azé ma, 1992). A posiçã o de Saul Friedlá nder
permitiu perceber os riscos que havia apesar de tudo em “ passar” rápido
demais do presente ao passado, em resfriar os objetos, em desconhecer
as quest ões morais e é ticas em jogo na constru çã o de uma problemática
histórica. Em face de uma possível deriva cientificista, à qual os historia -
dores podem facilmente sucumbir, ele lembrou que uma subjetividade
controlada, nutrida de reflexividade, de trabalho sobre si e sobre a sua
profissão, era a ú nica garantia de uma escrita da história que pudes-
se conciliar espí rito crítico e responsabilidade. Ambos, à sua maneira,
mostraram o papel decisivo dos discursos e escritos acadê micos sobre
a passagem do presente ao passado, da qual os historiadores não são as

testemunhas passivas, mas atores de primeiro plano donde os temo -
res que eles suscitam e os ataques dos quais podem por vezes ser objeto.
Poder -se- ia acrescentar que eles est ão longe de ser os ú nicos: os sobre-
viventes, os escritores, os artistas, todo leitor apaixonado pela história
ou todo espectador de uma comemoração participam também desta
“ historização” da qual se temem ou se denunciam antecipadamente os
efeitos. A historização, por vezes identificada como “ memorialização”, é
em si um fenômeno social de natureza geral, e cada coletividade possui
sua maneira de inscrever o tempo presente em uma narra ção perene.
Resta enfim uma interrogação sobre “ este passado presente demais”.
Permaneceu ele tão presente de 1945 a 1987? Expliquei em outros traba -
lhos que a memória desse período tinha, ao contrário, conhecido fases
diferentes de presença e de ausência. Ora, no momento em que se tem
esta controvérsia, a lembrança do Holocausto atingiu uma constante,
302 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

sobretudo com a estreia do filme Shoah e com o quadragésimo aniver-


sá rio da queda do Terceiro Reich, ou ainda com a sessão do processo
Barbie na Fran ça em 1987. Esta anamnese constitui literalmente uma
colocação no presente do passado , um processo de rememoração inverso
ao da historização. A era nazista era nesse momento, ao contrá rio, um
passado que retornou ao presente? Poder-se-ia fazer o mesmo raciocí-
nio com outros exemplos históricos. O importante aqui é a existê ncia de
um choque entre duas tendências contrárias no meio do qual se acha o
historiador do tempo presente. Já não se trata de captar um movimento
linear, de compreender uma história em processo, mas de combater em
duas frentes: a da hist ória e a da memória, a de um presente que nã o se
quer ver passar, a de um passado que volta para assombrar o presente,
sendo a distin çã o entre as duas por vezes inalcan çável. A hist ória do
tempo presente contemporâ nea nasceu e se desenvolveu nessa incerteza
e nessa instabilidade. Observando meu tempo presente hoje, n ã o vejo
nenhuma razã o para que ela não prossiga nesse caminho.
AGRADECIMENTOS

Este livro amadureceu durante um longo período, e daí a impossibilidade


de citar aqui todos os que puderam em um momento ou em outro ali-
mentar minha reflexão. O IHTP foi meu meio intelectual e profissional
desde sempre e meu primeiro pensamento remete a François Bédarida,
seu fundador, falecido prematuramente, ao qual eu associo a memória
de Michael Poliak, Michel Trebitsch e Karel Bartosek, mortos também
cedo demais. Gostaria também de mencionar Marianne Ranson, que es-
teve presente desde o início, assim como Robert Frank, Denis Peschanski,
Jean-Pierre Rioux e DanièleVoldman, em lembrança do tempo da funda-
ção, juntamente com Jean Astruc, Gabrielle Mue, Anne- Marie Pathé e Elé-
onore Testa. Na fase de redação, nesses últimos anos, fui beneficiado por
trocas cotidianas com Christian Ingrao, o atual diretor, Fabrice dAleida,
Vincent Auzas, Alain Bancaud, Rémy Besson, Anne Boigeol, Olivier Büt -
tner, Juliette Denis, Catherine Hass, Anne Kerlan, Anne Pérotin - Dumon,
Malika Rahal, Fabien Théofilakis. Agradeço por sua ajuda a Caroline
Chanteloup, Valérie Hugonnard, Morgane Jouve, Nicolas Schmidt e Boris
Videmann. Pelas numerosas discussões sobre a prática da história, tenho
304 A ULTIMA CAT Á STROFE

uma dívida particular para com Christian Delage e Peter Schõttler, assim

como Christian Delacroix, François Dosse e Patrick Garcia quem me


fez a gentileza de 1er o manuscrito , cujo seminário de historiografia foi
um lugar decisivo de amadurecimento deste livro.
Também aproveitei muito os la ços estreitos e regulares com meus
amigos do Grupo de Pesquisa Europeia de História do Tempo Presen -
te (The Network for Contemporary History
— EURHISTXX) que eu
coordeno no CHRS: Peter Apor, Paolo Capuzzo, Martin Conway, Nor-
bert Frei, John Horne, Constantin Iordachi, Michael Kopecek, Konrad
Jarausch, Pieter Lagrou, Marie-Claire Lavabre, Thomas Lindenberger,
Guillaume Mauralis, Peter Romijn, Mariuccia Salvati, Dariusz Stola.
Gostaria também de citar alguns dos que alimentaram diretamente ou
não este trabalho: em primeiro lugar, Stéphane Audoin-Rouzeau — que
me fez a gentileza de ser um dos primeiros leitores
— e Annette Becker,
com a quai (e Nicole Edelman ) organizei por muito tempo um seminá rio
na Universidade de Nanterre, assim como Marc Abelès, Ora Avni, Jean-
- Pierre Azéma, François Azouvi, Orner Bartov, Leora Coicaud, Erie Co-
nan, Olivier Dumoulin, Marc Ferro, Étienne François, Valeria Galimi, An-
toine Garapon, Richard J. Golsan, François Hartog, Gerhard Hirschfeld,
Bogumil Jewsiewicki, Alice Kaplan, Gerd Krumeich, Gérard Lenclud, Jo-
celyn Létouneau, Michael R. Marrus, Bertrand Muller, Pierre Nora, Peter



Novick um amigo próximo e grande historiador recentemente falecido
, Michel Offerlé, Pascal Ory, Robert O. Paxton, Philippe Petit, Krzystof
Pomian, Renée Poznanski, Philippe Roussim, Jean- François Sirinelli, Zeev
Sternhell, Benjamin Stora, Susan Suleiman, Nicolas Werth e Eli Zareski.
Faço questão também de expressar minha gratid ão a François Hofs-
tein , com quem pude encontrar algumas palavras para falar das incerte-
zas diante do peso de tal passado.
Um pensamento, finalmente, para Hélène, que suportou estoica-
mente as provas de uma obra incessantemente inacabada, e para Linda,
porque o futuro não é somente uma ilusão do tempo passado.
; REFER Ê NCIAS

Esta bibliografia lista as referê ncias citadas no texto, assim como uma
escolha de leituras que reflete o ambiente intelectual no qual este livro
foi concebido. Ela almeja també m ser uma ferramenta de trabalho e
foi dividida em três partes, para simplificar sua apresentação: 1 ) estu -
(

dos históricos, historiogr áficos ou epistemológicos gerais, assim como


: textos que pertencem à filosofia da história ou sobre a história; 2 ) refe -
rências sobre a questão específica da contemporaneidade, da definição
t

e da pr ática de uma histó ria do tempo presente, assim como t ítulos


.
sobre a história dos séculos XX e XXI, que permitiram situar o con -
I texto do surgimento ou que desempenharam um papel particular em
! seu desenvolvimento, independentemente do seu interesse intrínseco;
3) finalmente, uma seleção limitada de textos— em uma bibliografia

internacional hoje consider ável sobre a questão do testemunho, da
memória, do traumatismo e dos usos do passado. Ela foi atualizada
í
\ para a presente edição.
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Í NDICE

Afeganist ão: 35, 278. ARAGON , Louis: 281.


África: 210, 269. -
ARENDT, Hannah: 26, 129 130, 189, 230.
Á frica do Sul: 195, 221. Argélia, Guerra da: 195, 199, 213, 288, 290.
AGAMBEN , Giorgio: 239. Argentina: 233.
Agamê mnon ( in Homero, Il íada ) : 57. ARISTÓTELES: 50, 58, 66.
AGERON, Charles- Robert: 216. Armé nios: 131, 293.
AGOSTINHO (Santo ): 38, 91. AN ÍSIO POLIÃO ( Gaius Asinius Pollio ): 47.
AGULHON , Maurice: 168. ARON , Raymond: 18, 262.
A ÏT- TOUATI, Frédé rique: 53. ARON , Robert: 183.
Alemanha ocidental: 25, 144 , 146, 147, 148, ArquivOvS Nacionais: 208, 216.
150, 153, 154, 159 - 160, 166, 192, 205, 213, 220, Arte ( canal franco- alemão ): 197.
279, 293. Ásia: 131, 144, 190, 269.
Alemanha oriental: 146, 147, 148, 157, 248, 267. Ásia do Sudeste: 210, 269.
ALEMBERT, Jean Le Rond d’: 68, 72, 73, 299. Association pour l’histoire des chemins de fer en
ALEXANDRE III da Macedonia, dito o Grande: 62. France ( AHICF): 243.
Amé rica do Norte: 107, 108, 146, 232, 278. Ver Atenas ( antiga ): 44, 48.
Canadá . AUBRAC, Lucie ( Lucie Samuel, nascida
Amé rica Latina: 29, 86, 160, 195, 221, 233. Bernard ): 261.
American Historical Association: 85. AUBRAC, Raymond (Raymond Samuel): 260.
AMOUROUX, Henri: 199. AUDOIN- ROUZEAU, Stéphane: 275, 304.
Amsterd ã: 134, 192. AUG É, Marc: 241.
Annales: 37, 88, 118, 122, 123, 127, 139, 169, 170, AULARD, Alphonse: 96.
173, 175, 179, 196, 286, 294. Auschwitz: 225- 226, 288, 296.
334 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

Austrália: 233, 276. BLOCH, Gustave (pai de Marc): 129.


Áustria: 136. BLOCH, Marc: 47, 49, 88, 106, 123, 124, 125, 126,
AZÉ MA, Jean - Pierre: 217, 251, 304. 127, 128, 129, 139, 144, 178, 190.
Bo ê mia: 106.
BABELON, Ernest: 101. BOLKESTEIN, Gerrit: 134, 135.
BACHELIER, Christian: 243, 244. BOUCHERON, Patrick: 33.
BACON , Francis: 86. BOURDIN, Philippe: 235.
Bálcãs (Guerras Balcânicas de 1912-13): 275. BOURGEOIS, Émile: 173.
BALZAC, Honoré de: 34. BOUVIER, Jean: 217.
BARBIE, Klaus ( Nikolaus): 296, 302. BRACHER, Karl- Dietrich: 192.
BARBUSSE, Henri: 111. BRANDT, Willy: 221.
BARI ÉTY, Jacques: 217. Brasil: 233.
BARNES, Harry Elmer: 107. BRAUDEL, Fernand: 169, 170, 171, 172, 173, 174,
BARRACLOUGH, Geoffrey: 188, 189, 190, 191, 254. 175, 176, 177, 178, 197, 266.
Bastilha ( tomada da ): 89, 98. Brescia ( atentado de ): 299.
BAUMAN , Zygmunt: 292. BRIAND, Aristide: 108.
Baviera ( Terra da ): 149. BRINTON, Crane: 117, 118.
BAZIN , abade: ver VOLTAIRE. BROSZAT, Martin: 148, 156, 260, 299, 300, 301.
BECKER, Jean -Jacques: 217, 251, 276. Bruxelas: 144.
B É DARIDA, François: 10, 13, 14, 15, 16, 144, Buchenwald : 288.
208, 211, 212, 213, 214, 217, 251, 255, 263, 272, Budapeste: 225.
301, 303. Bulgá ria: 144.
BÉDARIDA, Renée: 213. BULLOCK, Allan: 192.
Bélgica: 133, 136, 143, 144, 161, 272. BURGUI È RE, André: 122, 123.
Belona: 105. BUSSI, Giovanni Andrea dei: 35.
BENEDICT, Ruth: 157
BENES, Edvard: 108 . Cabo: 223.
BENJAMIN, Walter: 30, 115, 116, 116, 129, 171, Cadernos do Tempo Presente: 233.
263, 264. Cahiers d’ Histoire de la Guerre: 138, 139, 168.
BENZ, Wolfgang: 248 . Califórnia: 189.
BERGSON , Henri: 101. Canada: 233. Ver América do Norte.
Berlim: 23, 32, 69, 81, 143, 160, 173, 195, 221, 225, CAPETO, Hugo: 227.
271, 276, 277, 279. Capetinos: 49.
BERSTEIN, Serge: 217. CARLOS VII: 98.
Bíblia: 49, 58, 59, 60, 283. Carolingios: 49.
Biblioteca de Documenta ção Internacional CARON, François: 217.
Contemporâ nea ( BDIC): 114. CARRÈRE D’ENCAUSSE, Hélène: 212.
Biblioteca do Arsenal: 136. CATTERRALL, Peter: 268.
Biblioteca-Museu da Guerra na França (BMG ): 113. CAVANI, Liliana: 198.
Bielorr ússia: 229. CELLARIUS, Christoph Keller, dito: 35.
BIGET, Jean - Louis: 247. Centre for Contemporary British History (CCBH;
BLANC, Louis: 79. Kings College, Londres): 268.
BLOCH, Camille: 113. Centre for the Study of Historical Consciousness
Í NDICE 335

(Universidade de British Columbia ): 233. Guerra Mundial: 143, 150, 210, 213, 216.
Centro de Documenta ção Judaica Comité Internacional das Ciências Históricas
Contempor ânea (CDJC): 132, 142, 168. ( Cish ): 106, 144.

Centro de Estudos e de Documenta ção Guerra e Comissão Antí máfia: 298.


Sociedades Contemporâneas (Ceges/Soma): 144. Comissã o de História da Ocupa ção e da
Centro de História do Sindicalismo (1966): 217. Liberação da França ( Cholf ): 135.
Centro de Pesquisas e de Estudos Históricos da COMMYNES, Philippe de: 37.
Segunda Guerra Mundial ( CPEHSGM; Bruxelas; Conferê ncia da Paz: 118.
1967): 136, 144. CONRAD, Sebastian: 148, 150, 151, 152, 154, 166.
CERTEAU, Michel de: 36, 42, 45. Conselho Supremo Interaliado ( 1939- 40 ): 213.
CHABBAL, Robert: 215. Constantinopla ( Tomada de; 1453): 264.
CHAR, René: 130. CORDIER, Daniel: 260, 288.
CHARPENTIER, François: 62. Coreia ( Guerra da ): 159.
CHATEAUBRIAND, François- René de: 68. Coreia do Sul: 144, 195.
CHAUNU, Pierre: 196. CORNETTE, Joël: 247.
Chicago ( escola de): 158. COURRI ÈRE, Yves: 199.
Chile: 233. COURTOIS, St éphane: 69, 217.
China: 56, 85, 144, 269. CRÉMIEUX- BRILHAC, Jean - Louis: 260.
CHIRAC, Jacques: 221. CROCE, Benedetto: 39, 40, 41, 60, 117, 250.
CHURCHILL, Winston: 46, 47. CRU, Jean Norton: 111, 112.
CÍCERO: 39, 40.
CLEMENTE VII (Julio de Média ): 63. DAHLMANN, Friedrich Christoph: 77.
CLÓVIS: 247. DALADIER, Eduardo: 213.
CNRS (Centre National de la Recherche DARBO- PESCHANSKI, Catherine: 44, 45.
Scientifique): 10, 13, 137, 206, 208, 210, 211, 212, DAVID, Renée: 260, 261.
215, 217. DEÁ K, Ferenc: 121.
COHN , Norman: 192. DELACROIX, Christian: 33, 78, 80, 96, 110, 214, 248, 304.
COHN - BENDIT, Daniel: 200. DENIS, Ernest: 108.
COLBERT, Jean - Baptiste: 62. Departamento Nacional de Documentação de
Collège de France: 101. Guerra ( Países Baixos; 1945): 135.
COLLINGWOOD, Robin George: 40. DESCOMBES, Vincent: 238.
Columbia, Universidade: 158, 209. Deutsches Institut f ü r die Geschichte der
Comité de Estudos (1917- 19): 108. nationalsozialistischen Zeit ( 1949 ): 149.
Comité de História da Guerra (1945): 136, 138, 141. Dinamarca: 144.

Comité de História da Liberação de Paris Doa ção Carnegie para a paz internacional: 104.
( 1944): 136. Documentationsarchiv des osterreichischen
Comité de História da Segunda Guerra Mundial Widerstandes ( D ÕW ): 136.
(CHGM ): 136, 137, 141, 142, 144, 150, 151, 168, DORGELÈS, Roland: 111.
174, 175, 183, 207, 210, 180, 183, 185, 206, 215. DOSSE, François: 33, 96, 196, 205, 212, 304.
Comité de Salvação Pú blica (1793-94): 96. Drancy: 260.
Comité de Vigilance face aux Usages Publics DREYFUS, Alfred: 69, 102, 108.
de l’ Histoire (CVUH): 214. DREYFUS, François-Georges: 217.
Comité Internacional de História da Segunda DROYSEN , Johann Gustav: 65, 77, 80, 91.
336 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

DUBY, Georges: 196, 197. FRIEDLÀNDER, Saul: 200, 260, 299, 300, 301 .
DUMAS, Alexandre: 77. FROISSART, Jean: 37.
DUMOULIN, Olivier: 33, 304. Fundação Nacional das Ciê ncias Pol íticas ( FNSP ):
DUPLEIX, Scipion: 62. 167, 182, 213, 217.
DUPUY, Jean - Pierre: 27. Fundo Nacional Judeu: 132.
DURKHEIM, É mile: 101. FURET, François: 95.
DUROSELLE, Jean - Baptiste: 110, 217. FUSTEL DE COULANGES, Numa - Denys: 80, 91,
DURUY, Victor: 75, 97, 98. 173, 262, 263.
DUVERGER, Maurice: 200.
GARCIA , Patrick: 33, 75, 76, 78, 80, 96, 110, 207,
École des Hautes Études en Sciences Sociales 235, 269, 304.
(EHESS): 169, 204, 211, 212, 214, 216, 259. GAULLE, Charles de: 37.
École Pratique des Hautes Études ( Ephe ): 84, 169 GEBHARDT, Bruno: 248.
Egípcios ( antigos ): 56. GEISMAR, Alain: 200.
EICHMANN, Adolf: 288. Genebra: 106.
ELIAS, Norbert: 171. Germania: 105.
English Historical Review: 84. GERM Â NICO: 68.
Escandinávia: 272. GIBBON , Edward: 194.
Espanha: 29, 214, 273. G1RARDET, Raoul: 168, 217.
Esparta: 44. GIRAULT, René: 110, 167, 217.
Estrasburgo: 25, 105, 217. GISCARD D’ ESTAING , Val éry: 182, 207.
GOETZ, Hans- Werner: 50, 51.
FABRE - LUCE, Alfred: 107. Golfo, primeira Guerra do: 278.
FÁVERO AREND, Silvia Maria: 233. GOODY, Jack ( John ) Rankine: 35.
FEBVRE, Lucien: 44, 88, 105, 106, 123, 124, 127, GOULEMOT, Jean - Marie: 55.
138, 139, 140, 168, 169, 174, 175, 176, 178. Gr ã- Bretanha: 85, 101, 104, 188, 192, 213, 276, 268.
FERRO, Marc: 204, 304. Ver Inglaterra, Reino Unido.
F í NKIELKRAUT, Alain: 239. Gr écia: 177.
FISCHER, Fritz: 148. Grécia antiga: 18, 32, 43, 45, 56, 58, 83, 85, 177.
FLAMAND, Paul: 199. GREGÓRIO DE TOURS: 50.
Florent -Schmitt , Liceu (Saint -Cloud ): 269. Grenoble: 132.
FORCE, Pierre: 59. GROSSER, Alfred: 192.
FOUCAULT, Michel: 64, 65, 292. Grupo Colabora ção: 269.
FOURNEL, Jean - Louis: 33. Grupo de Pesquisa em História Imediata
FRANCISCO JOSÉ I: 121. ( GRHI ): 234.
FRANK, Anne (Annelies Marie): 134, 135. Guatemala: 233.
FRANK, Otto, Edith e Margot: 135. GUEN ÉE, Bernard: 35, 49, 50, 52, 77.
FRANK, Robert: 217, 303. GUERREAU, Alain: 50.
Frankfurt (Escola de): 157. GUIBERT DE NOGF.NT: 52.
FREDERICO I HOHENSTAUFEN, dito GUILHAUMOU, Jacques: 33.
Frederico Barba Roxa: 49. GUILHERME II HOHENZOLLERN: 103.
FREDERICO II HOHENSTAUFEN: 190.
FREI, Norbert: 156, 304.
-
GUILLEBAUD, Jean Claude: 199.
Gulag: 161.
ÍNDICE 337

Haia: 243, 257. Instituto Nacional do Audiovisual ( INA ): 224.


HALBWACHS, Maurice: 110, 255. Iraque: 35, 278.
HALPHEN , Louis: 84, 87. ISAAC, Jules: 105, 107, 112.
HARTOG , François: 22, 23, 33, 43, 44, 45, 46, 69, Israel: 132, 133, 144, 220, 293.
198, 229, 230, 231, 304. Istituto Nazionale per la Storia del Movimento

Harvard: 209. di Liberazione in Italia ( INSMLI; 1949): 136.


HAUSER, Henri: 122. It á lia: 29, 35, 86, 136, 136, 160, 167, 190, 195,
HAVERKAMP, Alfred: 248. 290, 299.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich: 68, 80. Iugoslávia (ex- ): 144, 243, 257, 276, 278.
HEIMPEL, Hermann: 25.
HÉRODOTO DE HALICARNASSO: 43, 44, 128. JAMESON, John Franklin: 102.
Histoire ( canal francês): 224. Japão: 144, 157, 272.
Historial de la Grande Guerre ( Péronne): 276. JASPERS, Karl: 147.
Historical Review: 193. JAURÈS, Jean: 96.
Historische Zeitschrift : 193. JEANNENEY, Jean - Noël: 217, 224, 251.
HITLER, Adolf: 146, 275, 278, 299. Jerusalé m: 52, 132.
HOBSBAWM, Eric: 32, 254. Jewish Central Information Office: 192.
HOFFMANN, Stanley: 209. JOANA D’ARC: 34.
HOLLANDE, François: 227- 228. JOINVILLE, Jean de: 37.
Hollywood: 156. JONG, Louis ( Loe) de: 135, 207.
HOMERO: 57. JOUHAUD, Christian: 61, 62, 63.
HONNORAT, André: 109. Journal of Contemporary History: 183, 192, 193, 194.
HOR ÁCIO: 47, 48. JOUTARD, Philippe: 158, 290.
HUMBOLDT, Wilhelm von: 77, 80, 81. JUDT, Tony Robert: 270, 271.
J ÜLIO CÉSAR: 37, 46, 47.
IBN KHALDOUN ( Abou Zeid Abd ur Rahman -
-
Bin Mohamad Bin Khaldoun al Hadrami): 37. KAFKA, Franz: 129.
índia: 85. KANT, Emmanuel: 80.
Inglaterra: 84, 161, 168, 191, 192, 206, 268, 290. Ver Katyn: 160.
-
Grã Bretanha, Reino Unido. KESTELOOT, Chantal: 144.
Institut f ü r Zeitgeschichte ( IfZ): 148, 149, 150, KLARSFELD, Beate: 222.
156, 213, 166, 213, 267, 299. KLARSFELD, Serge: 222.
Institut zur Erforschung der KLEE, Paul: 30, 115.
nationalsozialistischen Politik (1947 ): 149. KOSELLECK, Reinhart: 18, 35, 65, 66, 67, 68, 75,
Institute of Contemporary History ( Wiener 76, 77.

Library): 191, 192. KOSSUTH , Lajos: 121.


Instituto de Estudos Políticos (IEP ): 184, 213, KRAUSNICK, Helmut: 150.
217, 251. KRIEGEL, Annie: 217.
Instituto de História do Tempo Presente (IHTP); 9, KRUGLER, Gilles: 158.
13, 33, 144, 185, 208, 211, 212, 213, 215, 216, 217,
233, 235, 243, 244, 251, 255, 261, 269, 299, 303. LACOUTURE, Jean: 37, 199, 200, 201, 242.
Instituto Internacional de História Social LACRETELLE, Charles de: 79.
( Amsterd ã; 1935): 134. LAGARDE, André: 251.
338 A Ú LTIMA CAT Á STROFE

LAGROU, Pieter: 133, 135, 136, 137, 144, 207, MAISTRE, Joseph de: 75, 120.
243, 304. MAITRON, Jean: 217.
LAMPRECHT, Karl: 101. MALLARMÉ, Stéphane: 93.
LANGLOIS, Charles- Victor: 80, 86, 217. MALRAUX, André: 201.
LANZMANN, Claude: 26, 258, 297. Mancha: 98.
LAQUEUR, Walter: 192, 194, 260. Manhattan (Torres Gêmeas ): 235.
LASIERRA , Raymond: 200. MAQUIAVEL ( Niccolò Machiavelli): 63, 64, 73.
LAVABRE, Marie-Claire: 184, 217, 304. MARCUSE, Herbert: 157.
LAVAL, Pierre: 183. MARIN, Louis: 55.
LAVISSE, Ernest: 80, 98, 108, 249. MARITAIN , Jacques: 214.
LAZAR, Marc: 217. Marne (batalha de): 104.
LE GOFF, Jacques: 37, 49, 124, 196, 204, 212. MARSHALL, Samuel L. A.: 157-158.
LE ROY LADURIE, Emmanuel: 196, 197. MARX, Karl: 79.
LEBLANC, Henri: 113. MASARYK, Tomás: 108.
LEBLANC, Louise: 113. Massachusetts: 111.
Leipzig ( processo de 1921 ): 103. MAURIAC, François: 214.
LEMOINE, Hervé: 34. -
Max Planck Institut für Geschichte ( MPIfG): 25.
LENCLUD, Gérard: 22, 241, 242, 304. Mayence: 170, 171.
LÊ NIN, Vladimir Ilitch Oulianov, dito: 279. MÉDICI, Cosmo de: 63.
LEOPOLDO III da Bélgica : 136, 143. M ÉDICI, João de: 63.
LEROUX, Nicolas: 33. MÉDICI, Lourenço de, dito o Magnífico: 63.
LÉVY- LEBOYER, Maurice: 217. M É DICI, Pedro de: 63.
LÉ VI -STRAUSS, Claude: 21, 177. MEINECKE, Friedrich: 147.
LEWIS, Bernard: 192. MERCIER, Louis-Sé bastien: 99.
Liberté pour l’ Histoire ( associação ): 214. Merovingios: 49.
Liga dos Direitos do Homem : 168. METELO: 47.
LISLE, Edmond: 208. METTERNICH, Klemens Wenzel von: 121.
LISSAGARAY, Hippolyte Prosper Olivier: 37. MICHARD, Laurent: 251.
Liverpool: 189. MICHEL, Henri: 140, 141, 143, 144, 174, 175,
Londres: 134, 189, 192, 206. 176, 207, 208, 213, 216.
LUlS IX (São Luis): 49. MICHELET, Jules: 37, 42, 77, 80, 96, 128.
LU ÍS XIII: 62. MILOSEVIC, Slobodan: 278.
LUÍS XIV: 62. MILZA, Pierre: 217.
LU ÍS FILIPE: 79. MITTERRAND, François: 182.
LÕWY, Michael: 115- 116. Modem History School (Oxford): 84.
Lü beck: 170. Moisés: 58.
Ludwigsburg: 150. Montluc (Forte de): 260.
Luxemburgo: 290. MORIN, Edgar: 200.
Lyon: 260. Moscou: 153.
LYOTARD, Jean - François: 191, 225, 226. MOSSE, George Lachmann: 110, 192, 194, 260, 277.
MOULIN, Jean: 260, 288.
MABILLON, Jean: 54- 55. Mouvement Social, Le ( revista ): 217.
Maison de l’histoire de France ( projeto ): 33. Munique: 149, 152, 154, 206, 213, 299.
INDICE 339

Museu de História Contempor ânea ( Paris): 114. PAPON, Maurice: 185, 288.
Paris: 110, 213, 217, 233, 251.
Nanterre ( Universidade Paris X ): 217, 251, 304. PASCAL, Biaise: 34, 56, 57, 58, 59, 60, 73, 78, 283.
NAPOLEÀO I: 81, 254, 280. PASSERINE Luisa: 290.
Narration , Identity, and Historical Consciousness PATHÉ, Anne - Marie: 208, 303.
( revista): 233. PAXTON , Robert Owen: 209, 304.
NASSER, Gamai Abdel: 278. PÉGUY, Charles: 112, 239.
Nederlands Instituut voor Oorlogsdocumentatie Peloponeso: 44.
( Niod ): 243. Perken (in Malraux, La voie royale): 201.
NERO: 68. Pé ronne: 276.
NEUMANN , Franz Leopold: 157. PERTHES, Friedrich Christoph: 76.
NEVINS, Alan: 158. PERVILLÉ, Guy: 199, 201, 235.
Nova York: ver Manhattan . PESCHANSKI, Denis: 13, 216, 303.
NIETZSCHE, Friedrich: 93, 94, 239. P ÉTAIN, Philippe: 34, 183, 199.
NIXON , Richard: 236. Petite Gironde, La ( jornal): 199.
NOIRIEL, Gérard: 33, 84, 87, 96, 97, 110, 127, PIRENNE, Henri: 106, 144, 173.
128, 214, 227. PISAR, Samuel: 296, 297.
NORA, Pierre: 37, 38, 74, 82, 83, 98, 197, 198, 202, PLATÀO: 46, 177.
203, 204, 205, 206, 212, 214, 216, 217, 290, 291, 304. PLUMYÈ NE, Jean: 200.
NOVICK, Peter: 85, 86, 101, 102, 107, 118, 156, POEL, Gustav: 76.
159, 304. POLIAKOV, Léon: 142, 143, 260.
Nuremberg ( processo de): 66, 67, 143, 144, 145. POLÍ BIO: 46, 47.
Polonia: 136, 143, 160, 161, 225, 272.
OFFENSTADT, Nicolas: 52. POMIAN, Krzysztof: 53, 54, 55, 58, 60, 304.
Office of Strategie Services (OSS): 157. POMPEU: 47.
Office of War Information ( OWI ): 157. POSTHUMUS, Nicolaas Wilhelmus: 134.
OnegShabbat ( grupo ): 131. Potsdam: 279.
OPHULS, Marcel: 258. PROST, Antoine: 19, 31, 32, 33, 104, 105, 107,
Oral History Research Office ( Universidade 217, 262, 263.
Columbia ): 158.
Oran: 206. QUINET, Edgar: 96.
Organiza ção armada secreta ( OAS): 199.
Organização das Nações Unidas RANKE, Leopold: 80, 81, 117.
(capacetes azuis): 243. RANSON, Marianne: 208, 303.
ORWELL, Eric Blair, dito George: 156. RAULFF, Ulrich: 25, 123.
OTO DE FREISING: 49, 50. Réalités (revista): 184.
Oxford: 84. REBÉRIOUX, Madeleine: 168.
REINHARD, Wolfgang: 248.
Pacífico, oceano: 131, 159. Reino Unido: 144, 210. Ver Inglaterra, Grã- Bretanha.
Países Baixos: 133, 134, 335, 144, 150, 161, 169, RÉMOND, René: 141, 176, 178, 179, 180, 181,
207, 243, 272, 290. 182, 183, 184, 185, 186, 187, 202, 205, 212, 213,
Países Bálticos: 229. 214, 217, 251, 253.
Palestina: 26, 132. Reno: 98, 101.
340 A ÚLTIMA CATÁ STROFE

RENOUVIN , Pierre: 107, 109, 110, 113, 167, 187, SCHNEERSOHN , Isaac: 132.
192, 193, 213, 217. SEGEV, Tom: 132.
Répertoire méthodique de Vhistoire moderne et SEIGNOBOS, Charles: 80, 86, 89, 90, 170.
contemporaine ( 1901): 96. Sept. L’ Hebdomadaire du Temps Présent : 214.
Révolution Fran çaise, La ( revista ; 1889 ): 96. Sé rvia: 278.
Revue d’ Histoire de la Deuxième Guerre SETON - WATSON , Hugh: 228.
Mondiale ( 1957 ): 174, 175. SETON - WATSON , Robert William: 108, 118,
Revue d’ Histoire de la Guerre Mondiale 119, 120, 121.
( 1923- 39 ): 109. SHENHAVI , Mordecai: 132.
Revue d’ Histoire Moderne et Contemporaine SIEGFRIED, André: 183, 187.
( 1899): 96, 123, 252 . SIRINELLI, Jean - François: 176, 235, 251, 304.
Revue Historique: 123, 193. SNCF (Socié t é nationale des chemin de fer
REYNOLDS, Gonzague de: 273, 274. fran çais): 243, 244.
RICŒ UR, Paul: 18, 41 , 116, 191, 219, 282. Sociedade de Hist ória Contempor ânea ( 1890 ): 97.
Rijksinstituut voor Oorlogsdocumentatie ( Riod ): Sociedade de Histó ria da Guerra ( 1919 ): 109.
135, 150, 207. Sociedade de Hist ória da Revolu çã o de 1848
RINGELBLUM , Emmanuel: 131, 132. ( 1904 ): 96.
RIOUX , Jean - Pierre: 216, 251, 253, 303. Sociedade de Hist ória Moderna ( 1901 ): 96.
R1ST, Johann Georg: 76. Sociedade das Nações (SDN ): 120.
Roma (antiga ): 35, 43, 46, 85, 264, 274. Sociedade Europeia de Programas de Televisã o
Romé nia: 144 , (Sept ): 197.
Rons: 162. Sorbonne: 96, 109, 167, 217, 260.
ROOSEVELT, Franklin Delano: 159. SOREL, Albert: 84.
ROTHFELS, Hans: 153, 213, 267. SOREL, Charles: 62.
ROUSSEL, Denis: 46. SOT, Michel: 33.
ROUSSO, Henry: 9, 10, 11, 33, 144, 146, 187, 215, SOULET, Jean - Fran çois: 234, 235.
216, 231, 232, 235, 247, 261, 295. Srebrenica: 243.
Ruanda: 257. STÁLIN , Iossif Vissarionovitch Djougachvili, dit:
Rússia: 23, 67, 137, 152, 159, 160, 161, 190, 254, 14, 146, 271, 279.
267, 269, 270, 273, 274, 276, 290, 256. Ver URSS. STERNHELL, Zeev: 260, 304.
STO (Serviço do Trabalho Obrigatório): 134, 162.
SAFIRE, William: 233. STORA , Benjamin : 199, 304.
SAHLINS, Marshall: 22. Sud - Ouest: 199.
Saint - Cloud: 269 . SUETÔ NIO: 98.
Saint - Denis ( necró pole real ): 49. Suez: 278.
SAINT-SIMON, Louis de Rouvroy, duque de: 98. Su íça: 144, 273.
Santiago do Chile: 223.
SARKOZY, Nicolas: 33. TÁCITO: 68.
Sarre: 101. TAINE , Hippolyte: 34, 97.
SAUVAGEOT, Jacques: 200. TAYLOR, Alan John Percivale: 191.
SCHILLER, Johann Christoph Friedrich von: 68. Tchecoslovâ quia: 108, 120, 225.
SCHMID, Hans-Christian: 257. Témoignage Chrétien: 14, 213.
SCHMITT, Florent: 269. Tempo et Argumento ( revista ): 233.
ÍNDICE 341

Temps Pré sent ( jornal ): 214. VOLTAIRE , François Marie Arouet, dito: 38, 72.
TERKEL, Studs: 158, 278.
THIERS, Adolphe: 75, 77. WAGNER, M . ( professor de história ): 269.
THOMPSON, Paul: 290. Washington: 153.
TILLION , Germaine: 200. WEBER, Eugen Joseph: 192, 209.
TOCQUEVILLE , Alexis Clérel de: 77, 96, 189, WESSELING , Henk (Hendrik) Lodewijk: 123, 169.
230, 231 . WIENER, Alfred ( Wiener Library): 191, 192.
Tóquio ( processo de ): 144. WIESENTHAL, Simon: 222.
TOULONGEON, François-Emmanuel WIEVIORKA , Annette: 217.
d’ Emskerque, visconde de: 78. WILSON, Thomas Woodrow: 107, 109.
Toulouse- Le Mirail, Universidade de: 234. WrNOCK, Michel: 214, 217, 251.
TOUVIER , Paul: 185. WINTER, Jay: 104, 105, 107, 110.
Tribunal penal internacional para a ex- Iugoslávia WOODWARD, Llewellyn: 85, 194.
( TPIY ): 243, 257.
Troia: 57. Yad Vashem ( Memorial de): 132.
TUCÍDIDES: 16, 32, 37, 43, 44, 45, 46, 47, 60, 78, YERUSHALMI, Yosef Hayim: 59, 133.
128, 189.
Turquia: 131. ZANCARINI , Jean -Claude: 33.
Zentrum fur zeithistorische Forschung (ZZF):
Ucrâ nia: 229. 279, 280.
Universidade do Reich (Estrasburgo): 25.
URSS: 23, 67, 100, 115, 137, 153, 159, 136, 144,
159, 160, 161, 229, 254, 269, 270, 276. Ver Rússia .

VALENTIN , Jean- Marie: 217.


Varsóvia: 131.
Vaticano: 144, 214.
Verdun: 111.
VERHAEGEN , Benoî t: 201.
Versalhes (Tratado de): 103.
Vichy: 9, 10, 13, 141, 143, 146, 151, 183, 184, 185,
186, 207, 208, 209, 214, 216, 269, 272, 291.
VIDAL DE LA BLACHE, Paul: 101, 108.
VIDAL- NAQUET, Lucien: 68, 69.
VIDAL- NAQUET, Margot (Marguerite) , nascida
Valabrègue: 68, 69.
VIDAL- NAQUET, Pierre: 68, 69.
Viena: 136.
Vietn ã (guerra do): 278.
VIGNET DES ÉTOLES, Louis de: 120.
Vingtiè me Siècle: 216, 251.
VIOLANTE, Luciano: 298.
VOLDMAN, Danièle: 216, 251, 255, 303.

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