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AS TUTELAS E AS SANÇÕES EM DIREITO AUTORAL

Diego Gomes Ferreira Leite1

RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade o estudo do arcabouço normativo que impõe as
diversas espécies de sanções penais, cíveis ou mesmo administrativas em sede de violação dos
direitos autorais. Procedeu-se a uma narrativa das infrações aos direitos autorais para uma
análise de suas consequências em cada um dos ramos jurídicos pertinentes.

Palavras-chave: Sanção penal. Sanção Civil. Sanção Administrativa. ECAD. Violação de


Direitos Autorais. Crimes contra a propriedade imaterial.

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Advogado formado pela UFRJ, Auditor Interno no BNDES, especialista em direito público pela UVA.
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1)- INTRODUÇÃO
O presente trabalho destina-se a um breve estudo das sanções nos âmbitos do direito
penal e do direito civil previstas para os violadores dos Direitos Autorais. Para tanto,
explorar-se-á a doutrina mais especializada no tema, e também será realizada uma análise do
pensamento reinante nos tribunais superiores sobre o assunto.
Prima facie será feito um arcabouço do direito do autor dentro do ordenamento jurídico
brasileiro e em sequência serão tratadas as ferramentas de que dispõe o Escritório Central de
Arrecadação e Distribuição (ECAD). Em seguida, serão minudenciadas as previsões legais
ínsitas na própria lei de direitos autorais (LDA), que regem o tratamento cível decorrente das
infrações àqueles direitos. Por conseguinte, apresentar-se-ão os tipos penais que tutelam os
direitos da propriedade intelectual, tanto do Código Penal, quanto das demais leis esparsas.
Contudo, o presente trabalho procurou realizar uma análise mais detida dos tipos penais que
tutelam o direito autoral, em que pese existirem outros a tutelar os demais ramos da
propriedade intelectual.
Outrossim, para que se possa compreender o tema, é necessário perceber que já na
antiguidade clássica conheceu-se um embrião do da proteção ao direito autoral, mormente em
impérios que foram o berço da cultura ocidental: o grego e o romano. Contudo, esses impérios
antigos não entendiam o direito do autor da mesma forma que atualmente. Apesar de a
opinião pública da época repudiar o plágio, inexistiam remédios legais para proteger as
diversas manifestações da criação intelectual. Assim, era comum que o filho herdasse a obra
intelectual de seus pais, como se coisa comum fosse. Na verdade, nesta época, o autor tinha
um domínio tão grande sobre sua obra que poderia até mesmo alienar sua autoria, o que é
diametralmente oposto ao paradigma atual, pelo qual os princípios mais elementares do
direito autoral proíbem a transmissão da autoria, por qualquer meio (PARANAGUÁ e
BRANCO, 2009, págs 14 e 15).
Com o advento da prensa de tipos móveis de Gutenberg, houve uma mudança
significativa nas relações dos direitos intelectuais até então, pois passou a ser mais rápido e
fácil editar e reproduzir obras literárias. Tal fato surtiu efeito direto sobre as relações entre
autores, editores e as obras. Surgiram, então, práticas de concorrência desleal
(VASCONCELOS, 2010, págs 24 e 25). Os livreiros, que eram uma espécie de “fabricantes-
editores de livros” arcavam com os custos altos da produção das obras, incluindo nelas
gravuras, adornos e outras informações acessórias. Tornou-se comum haver a cópia de tais
obras por terceiros, que não eram cuidadosos com a fidedignidade do original e tampouco se
preocupavam em arcar com os custos da edição original. O avanço tecnológico, portanto, traz
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uma maior eficiência da “pirataria”, que não é uma prática exclusivamente moderna, mas que
existe e evolui em compasso com o avanço científico-tecnológico.
Contudo, jamais na história foi possível acessar a uma miríade tão enorme de dados
com tanta facilidade. O acesso a obras musicais, literárias e até mesmo acadêmicas restou
demasiado prático e fácil a qualquer um, independente da parte do globo terrestre onde este
indivíduo se encontre. Diante de tal acesso fácil a informação, os ordenamentos jurídicos
buscam adequar-se a essa realidade a fim de buscar uma tutela e proteção eficiente desses
direitos.
Uma das formas que o Estado tem para obrigar o indivíduo a determinado
comportamento, visando a tutela de determinado direito, coletivo ou individual, é a utilização
da Sanção. Não obstante serem sanções de natureza distinta, sob determinado prisma, tanto a
sanção civil quanto a penal prestam-se a função de gerar no inconsciente coletivo a ideia de
que a ameaça da pena produza uma motivação para não cometer delitos ou comportar-se
contrariamente ao que fora acordado entre as partes.
Ainda que não isoladamente, tal aspecto encontra maior guarida no âmbito do direito
penal, cuja Teoria da Prevenção Geral defende a ideia de que “na medida em que os demais
membros do corpo social, ao testemunharem o tratamento dado ao infrator, sentir-se-iam
inibidos a realizar condutas infracionais análogas” (JOPPERT, 2011, pág.377). Deste modo,
resta claro que as sanções são parte importante do sistema de proteção dessa sorte de direitos.

2) A PROTEÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO E AS ESPÉCIES DE


VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS
A Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), consagrando a mesma diretriz das cartas
anteriores, veio a conferir a estirpe de direito fundamental ao direito do autor sobre suas
obras. Notadamente, com fulcro no artigo 5º, incisos XXVII 2 e XXVIII3, o legislador
constituinte conferiu ampla proteção aos direitos autorais. Dessa feita, tendo sido içado a
espécie de direito constitucional, o direito do autor, merece especial destaque em nosso direito
objetivo, sobretudo no que concerne a sua característica de direito exclusivo. “Exclusividade”
quer significar que o autor das obras é o único, dentro do ordenamento jurídico, com poderes

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CRFB/88, Art 5º, XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de
suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
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CRFB/88. Art. 5º, XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas,
inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos
criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;
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para exercer as prerrogativas decorrentes das obras protegidas. Nesse sentido, inclusive, os
autores Caio Valério Gondim Falcão e Sidney Soares Filho citam o entendimento do Supremo
Tribunal Federal (STF) sobre o tema e professam:

“Percebe-se a ampla proteção que o legislador constituinte deu aos direitos autorais,
inserindo-os no rol de direitos e garantias fundamentais, de forma a assegurar aos criadores de
músicas de demais artistas a remuneração pela utilização de sua obra. Aliás, sobre o tema, o
próprio Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula nº 386, a qual preceitua da seguinte
forma:
‘Pela execução de obra musical por artistas remunerados é devido direito autoral, não exigível
quando a orquestra for de amadores’” (FALCÃO e FILHO, 2012, pág 54).

Dentro desse espírito, a Lei Federal nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais – LDA), no
rastro do que fizeram suas antecessoras (lei nº 5.998/73 e lei nº 4.944/66) trouxe a
regulamentação das disposições constitucionais, de modo a positivar a ampla proteção ao
direito autoral, inserindo, inclusive, ferramentas como o ECAD.
A LDA aduz que os direitos autorais tem a natureza de bens móveis, na forma do que
dispões expressamente seu artigo4 3º, em conformidade com o Código Civil Brasileiro de
20025 (CC/02). Além disso, trouxe a obrigação legal de que as pessoas não utilizem de obras
de outros sem a devida autorização do autor, ou do titular do direito, como pode-se notar de
simples leitura de seus artigos6 28 e 29. Tais preceitos legais, nada mais são do que a
materialização em lei, das proteções conferidas pela Constituição sobre o tema, de modo a
ressaltar o caráter exclusivo do direito do autor. Nesse sentido, lecionam Caio Valério
Gondim Falcão e Sidney Soares Filho (FALCÃO e FILHO, 2012, pág 56) que “a Lei de
Proteção aos Direitos Autorais, em consonância com a ordem constitucional, protege a
pessoa criadora da obra artística a utilização exclusiva de sua criação, podendo, inclusive,
cobrar pelo uso por parte de terceiros”.
Segundo os ensinamentos de Costa Netto (NETTO, 1998, pág 78) o legislador
preocupou-se em contemplar a chamada teoria dualista dos direitos autorais, pois ela
apresenta dois ramos distintos e complementares dos direitos autorais: o direito patrimonial e
o direito moral. Segundo a mesma linha, Eliane Y. Abrão salienta que a lei autoral faz, ainda,
uma especialização dentro dos direitos morais, trazendo uma espécie de direito moral, natural,
específico e exclusivo do autor da obra. Professa que “a lei autoral contempla quatro
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Lei nº 9.610/98. Art. 3º Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis.
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Código Civil/02. Art. 48 - Consideram-se móveis para os efeitos legais: (...) III - os direitos de autor.
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Lei nº 9.610/98. Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística
ou científica.
Lei nº 9.610/98. Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer
modalidades, tais como: (...).
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hipóteses de dano moral puro (incisos IV e VI do art. 24 e parágrafo único do art. 26 e art.
128), e quatro de violações aos direitos morais do autor (art. 24, incisos I,III,V e VI)”
(ABRÃO, 2002, pág 78).
Seguindo esse raciocínio, no tocante às espécies de violação ao direito do autor, Eliane
Y. Abrão (ABRÃO, 2002, págs 158 e 159) divide as violações aos direitos autorais em dois
grupos: violações ao direito moral e violações aos direitos patrimoniais.
O primeiro grupo de violações se relaciona com os sentimentos subjetivos da pessoa do
autor. Tratam do direito que detém o autor de reivindicar e ser conhecido pela paternidade da
obra. As violações aos direitos morais de autor são, para a autora, “as que se referem à
ausência de identificação (crédito), ou a falsa indicação de autoria na obra, à publicação de
inéditos, em impedimentos ao desejo do autor de modificar a obra antes ou depois de
utilizada, e às mutilações feitas à obra, com adições, subtrações ou quaisquer modificações
não consentidas” (ABRÃO, 2002, pág 158). Assim, seriam exemplos de violações dessa
categoria: a omissão do nome do autor na publicação da obra; alteração desse nome, ou sua
usurpação.
O segundo grupo de infrações corresponde aos atos atentatórios dos direitos
patrimoniais, com bem leciona Eliane Y. Abrão, elas são de três espécies: a) contrafação; b)
uso não autorizado de obras e direitos que não os de reprodução; e c) atos tendentes a alterar
prerrogativas exclusivas dos autores (ABRÃO, 2002, pág 158).
O ato de contrafação tem sua definição em texto legal 7, e poder-se-ia dizer que ela
corresponde a reprodução da obra não autorizada pelo autor ou titular do direito. Segundo
leciona Costa Netto (NETTO, 1998, pág 188), a contrafação pode ser conceituada como
qualquer utilização não autorizada de obra intelectual. Em síntese, a contrafação consiste na
reprodução total ou parcial sem a prévia autorização do titular do direito. Note-se que a mera
reprodução desautorizada pelo titular do direito já configura tal infração, independentemente
de ter existido o prejuízo material efetivo, e tampouco a forma de reprodução ou a destinação.
Contudo, não deve ser confundida a reprodução com o mero uso parcialmente consentido da
obra, pois nos dizeres de Eliane Y. Abrão (ABRÃO, 2001, pág 159) “contrafação parcial é o
uso não autorizado de grande parte de uma obra protegida”, não devendo ser confundido
com as hipóteses do artigo 46 da lei nº 9.610/988.
A segunda categoria de atos atentatórios aos direitos patrimoniais consiste no uso não
autorizado de obras e direitos que não os de reprodução. Tal categoria possui a mesma

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Lei 9610/98, art 5º: Para os efeitos desta Lei, considera-se: VII - contrafação - a reprodução não autorizada;
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Traz hipóteses que, expressamente, não constituem ofensa aos direitos autorais.
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dinâmica que a contrafação, contudo recai sobre direitos outros que não os de reprodução. É
cláusula geral, portanto. Na doutrina (ABRÃO, 2002, pág 159), podemos encontrar como
exemplos: a representação pública de texto literal não autorizada, ou feita em discordância
com o texto original, a inclusão não autorizada de fonograma em determinada película, a
desvirtuação dos fins do uso de fotografia, a continuidade de extração de exemplares após o
termo final do contrato de cessão ou de licença de reprodução de obra de artes plásticas, a
violação aos direitos decorrentes do artigo 2º da lei nº 9.610/989.
A terceira espécie de violação aos direitos patrimoniais do autor aduz ao direito
conferido àquele de exclusividade sobre sua obra para alterar, suprimir, divulgar ou mesmo
inutilizá-la, do modo que melhor lhe aprouver. A proteção a tais prerrogativas está firmada no
artigo 107 da lei nº 9.610/98.
O plágio é uma infração que intuitivamente é lembrada por qualquer um que pense em
direito autoral. Sua definição, contudo, não encontra amparo legal e tampouco parece ser
tratado de forma uníssona na doutrina. Professa Delia Lipszyc (ABRÃO, 2002, pág162),
contudo, que se trata de “apoderamento ideal de todos ou de alguns elementos originais
contidos na obra de outro autor, apresentando-os como próprios”. No entanto, conforme
dispõe o artigo 8º, inciso I da lei nº 9.610/98 10, a ideia não pode ser objeto de proteção autoral,
de modo que não pode existir infração, civil ou penal, no fato de sua apropriação. Ademais,
obras baseadas em elementos do inconsciente coletivo, tais como fatos históricos, ou o
amálgama de diversas obras consagradas, implicam em uma forma de apoderamento, nem por
isso indesejável.

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Lei 9.610/98, art. 2º: O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o
conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o
disposto nesta Lei.
§ 1º Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a
qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do
autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra
modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.
§ 2º Fica assegurada a tutela dos direitos relativos a programa de computador pelo prazo de cinqüenta anos,
contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua
criação.
§ 3º A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro.
§ 4º Os direitos atribuídos por esta Lei ficam assegurados aos estrangeiros domiciliados no exterior, desde que
o país de origem do programa conceda, aos brasileiros e estrangeiros domiciliados no Brasil, direitos
equivalentes.
§ 5º Inclui-se dentre os direitos assegurados por esta Lei e pela legislação de direitos autorais e conexos
vigentes no País aquele direito exclusivo de autorizar ou proibir o aluguel comercial, não sendo esse direito
exaurível pela venda, licença ou outra forma de transferência da cópia do programa.
§ 6º O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos casos em que o programa em si não seja objeto
essencial do aluguel.
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Lei nº 9.610/98. Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:
I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
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De outro lado, José Carlos Costa Netto (NETTO, 1998, pág.188) conceitua “plágio”
como aquele ato em que se “apresenta o trabalho alheio como próprio mediante o
aproveitamento disfarçado, mascarado, diluído, oblíquo, de frases, idéias, personagens,
situações, roteiros e demais elementos das criações alheias”. Dessarte, esse autor adiciona
um elemento ao conceito de plágio, qual seja: o processo de dissimulação. O plagiador busca
disfarçar o plágio, de modo que demonstra existir um elemento moral por detrás de seu ato,
visto que busca evitar o repúdio social que dele se segue.
Eliane Y. Abrão (ABRÃO, 2002, pág.162) reforça que não existe conceito legal de
“plágio”, contudo ilustra que ele pode existir em três hipóteses, cada qual com sua natureza e
consequências jurídicas distintas. A primeira seria a violação de um direito moral do autor em
decorrência da alteração de uma obra, resguardado no inciso V do artigo 24 da lei nº 9.610/98.
Outra hipótese seria a de um ilícito civil, equivalente a um ato de concorrência desleal, cuja
fundamentação estaria no artigo 195 da lei nº 9.296/9611. A terceira, e última, hipótese seria
uma mera ação antiética.
A fim de reprimir tais violações, o direito objetivo brasileiro contempla três classes de
sanções: administrativas, penais e civis. Sanções administrativas aplicam-se através de atos
das autoridades administrativas, sem interferência dos órgãos do Poder Judiciário. O
Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD é um exemplo de órgão que atua
nesse sentido.

3) O ECAD E SUA ATUAÇÃO


O ECAD é uma sociedade civil, de natureza privada, instituída pela lei federal
nº 5.988/73, e mantida pelas leis federais 9.610/98 e 12.853/13. Sua gestão é feita por
associações civis que representam titulares de obras musicais e fonogramas. Tais associações
integram o próprio órgão, que nada mais é do que um escritório organizado para arrecadar e
distribuir o fruto da reprodução de obras musicais entre os titulares do direito autoral.
Conforme os ditames do artigo 9912 da LDA, o ECAD tem a função de atuar como
protagonista na função de fiscalizar a execução pública de obras musicais e litero-musicais e

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A rigor, da professora Eliane Y.Abrão, na edição de seu livro utilizada para o presente trabalho, faz referência
ao artigo 186 do Código Penal (CP). Contudo os atos de concorrência desleal não estão mais elencados no CP,
mas no artigo 195 da lei nº 9.296/96. Ocorre que, na época da edição da referida obra, a redação do artigo 184 do
CP era diferente da atual.
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Lei 9.610 de 1998 – Art. 99 - As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e
distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de
fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras
audiovisuais.
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de fonogramas. Os conceitos de “execução pública” e de “representação pública” se


encontram estampados na própria lei, em seu artigo 68:

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras
teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções
públicas.
§ 1º Considera-se representação pública a utilização de obras teatrais no gênero drama,
tragédia, comédia, ópera, opereta, balé, pantomimas e assemelhadas, musicadas ou não,
mediante a participação de artistas, remunerados ou não, em locais de freqüência coletiva ou
pela radiodifusão, transmissão e exibição cinematográfica.
§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais,
mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e
obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a
radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.

Destarte, a LDA confere ao ECAD a atribuição para a promoção da defesa,


arrecadação e distribuição dos direitos autorais de todos os titulares filiados, podendo, para
tanto, praticar os atos necessários à defesa extrajudicial e judicial desses direitos, agindo em
nome próprio como substituto processual, nos termos do parágrafo 2º do art. 99 da Lei nº
9.610/98 (LDA).
Outro ponto que merece atenção é o atinente a natureza da atuação do ECAD.
Conforme dito, cumpre a ele, com exclusividade, cobrar dos usuários das músicas executadas
em ambientes públicos os valores devidos aos criadores intelectuais daquelas composições.
Para tanto, tal ente civil editara um regulamento, no qual normatiza a forma pela qual exerce
sua função. Neste, há a previsão de critérios de remuneração pela execução de músicas, bem
como a imposição de multas aos infratores. Tal ato normativo, inclusive, traz multas pelo
inadimplemento dos usuários. Nessa perspectiva, é interessante um olhar mais detido sobre o
artigo 105 da LDA, o qual dispõe:

Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao


público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas,
realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente
suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária
pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções
penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos
titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro.

A expressão acima destacada refere-se, claramente, a ideia de autoridade advinda de


um órgão estatal, ou seja: dispõe sobre os poderes de um agente público. Agente público,
segundo os ensinamentos e Marçal Justen Filho (JUSTEN-FILHO, 2006, págs 579-580) seria
“toda a pessoa física que atua como órgão estatal, produzindo ou manifestando a vontade do
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Estado”. Assim, considerando que o Estado é, nada mais que uma pessoa jurídica, e sua
atuação depende da atuação material de um indivíduo, pode-se concluir que o “agente
público” é aquele que forma e manifesta a vontade desse ente estatal.
A ratio essendi do poder de polícia é o interesse social. Seu fundamento está na ideia
de supremacia geral do Estado face aos seus súditos, bens e atividades, impondo
condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade. Ora, resta
claro, portanto, que o poder de polícia está insculpido dentre os poderes da Administração
Pública. Tanto assim é que José dos Santos Carvalho Filho (CARVALHO-FILHO, 2013 pág
77) o poder de polícia como sendo “a prerrogativa de direito público que, calcada na lei,
autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e de propriedade
em favor do interesse da coletividade”. Dessa feita, onde houver interesse relevante da
coletividade ou do próprio Estado, haverá um correlato poder de polícia para a preservação
desses interesses. Sendo assim, forçosa é a conclusão de que o ato de fiscalização não é
próprio de entidade privada.
Contudo, em que pese o fato de o poder de polícia ser ato estritamente estatal, já houve
debate na doutrina e na jurisprudência acerca da possibilidade de existir delegação dos atos
administrativos nele pautado a particulares. Tal debate foi suplantado pelo entendimento do
Plenário do STF13 sobre o tema, abaixo transcrito:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº
9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DEFISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES
REGULAMENTADAS.
1. (...)
2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70,
parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da
indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até
poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades
profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão
unânime.”

Nesta acepção, considerando que ECAD é um ente privado, seria totalmente descabido
que os fiscais mantidos por esse órgão tivessem poder de autuar, impor penalidades às pessoas
físicas ou jurídicas. Noutros termos, seria inconcebível que tais agentes particulares atuassem
com poder de polícia administrativa.
Contudo o ECAD possui, por força de lei, legitimidade ativa para a cobrança judicial
ou extrajudicial dos direitos autorais (FALCÃO e FILHO, 2018, pág 63). Desse modo,

13
ADI 1.717, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 28/03/2003.
10

quando este ente constata que determinada pessoa vem se utilizando dos direitos autorais sem
o recolhimento dos valores devidos, primeiramente cumpre-lhe proceder a cobranças
extrajudiciais, de cunho estritamente persuasivo. Persistindo o usuário no inadimplemento do
que é devido, o ECAD tem o poder de acioná-lo judicialmente para que efetue o pagamento,
bem como para decretar a suspensão ou mesmo a interdição da execução da obra na forma do
que dispõe o artigo 105 da LDA14 (FALCÃO e FILHO, 2018, págs 57 e 58).

4) SANÇÕES CIVIS
Em que pese existirem duas correntes sobre a concepção da obrigação 15, a
Responsabilidade Civil surge do descumprimento de uma obrigação de direito privado, um
direito de natureza pessoal, seja ela contratual ou aquiliana 16. Noutros termos, a
responsabilidade civil tanto pode provir de uma violação de normas de um acordo privado
quanto da inobservância do ordenamento jurídico. Em conformidade com a proteção dada aos
direitos patrimoniais e morais do autor, a LDA trouxe um rol de sanções civis aplicáveis aos
violadores destes.
A tutela dos direitos do autor, a depender do momento, poderá ser tutelada por
instrumentos preventivos ou repressivos, acautelatórios ou reparatórios. Em linhas gerais, as
medidas acautelatórias visam proteger o direito, fazer cessar suas violações, enquanto que as
reparatórias visam buscar a efetiva indenização ou reparação por tutela específica decorrente
do direito violado.
A Lei 9610, de 19 de fevereiro de 1998, a chamada “Lei dos Direitos Autorais” (LDA),
faz previsão das sanções civis relacionadas a violação dos Direitos Autorais, que deverão ser
aplicadas sem prejuízo das sanções criminais. No que toca as condutas ilícitas, a lei de direitos
autorais traz, a partir de seu artigo 102, um rol de condutas típicas, bem como das respectivas
14
Lei 9610/08. Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao
público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante
violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade
judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis,
independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos
direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro.
15
Segundo a corrente Monista, a obrigação forma um único vínculo entre credor e devedor. Tal vínculo é
materializado no débito. Assim, a obrigação forma apenas uma relação de crédito e débito entre credor e
devedor, de modo que a responsabilidade civil não integra o conceito de obrigação, mas é um consectário do
descumprimento desta. Por isso Carnelutti dizia que a responsabilidade é como a sombra da obrigação. De
acordo com a corrente Dualista, a obrigação forma um duplo vínculo entre credor e devedor. Aqui a
responsabilidade civil integra o conceito de obrigação, estando dentro desta.
16
Responsabilidade objetiva extracontratual. É aquela responsabilidade que decorre da inobservância de norma
jurídica, por aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano
a outrem, ainda que exclusivamente mora
(https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/985/Responsabilidade-aquiliana, disponível em 28/06/2018).
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sanções, na seara cível. Tais condutas são descritas de forma bastante similares a tipos penais,
e tal como estes, trazem penas civis descritas.
A primeira sanção foi materializada no artigo 102 da LDA, segundo o qual é possível a
apreensão das obras cumulativamente com a indenização cabível. Tal sanção tem aplicação
mais factível quando o suporte da obra for meio físico, e destarte, perde um pouco de sua
praticidade na atualidade, governada pela virtualidade.
O artigo 103 traz a possibilidade de perda para o autor dos exemplares copiados. Além
disso, não sendo possível a delimitação da quantidade de exemplares, o legislador instituíra
uma multa equivalente a três mil exemplares.
O artigo 104 traz uma espécie de participação, bastante similar a figura do Direito
Penal, vez que este não se destina a punir o fraudador, mas quem o auxilia ou beneficia.
O artigo 105 prevê a imediata suspensão da transmissão ou comunicação ao público das
obras copiadas, além de multa diária e a duplicidade desta em caso de reincidência na
conduta.
O artigo seguinte (artigo 106) traz a faculdade dada ao Juiz, pelo legislador, de
determinar a destruição dos exemplares fraudulentamente copiados, bem como dos
instrumentos utilizados para a prática da conduta.
Já o artigo 107 traz hipóteses típicas em que o contrafator responderá por perdas e
danos, ainda que perca os equipamentos utilizados. Tal dispositivo traz um valor mínimo, que
seria aquele aplicável pelo supracitado artigo 103.
E, finalmente o artigo 108, que traz a conduta típica mais comumente praticada em
ambiente virtual (e talvez até acadêmico): daquele que deixa de identificar a titularidade da
obra. Neste, além dos danos morais, incidirá a obrigação legal de divulgação do verdadeiro
autor da criação.
Em síntese, pode-se destacar a apreensão do objeto da reprodução sem autorização, sua
destruição, multas com valores elevados e pré-definidos, multas diárias e a perda dos
equipamentos utilizados para contrafação. Nota-se, também, nítida a intenção do legislador
em salvaguardar tanto o direito patrimonial quanto o direito moral do autor, que é claramente
tutelado pelo artigo 108 referido acima17.
Além dessas disposições, a LDA traz a responsabilidade solidária para aquele que
organiza o espetáculo em que ocorre a violação do direito autoral e também daquele que ajuda
o contrafator, ou de qualquer forma o auxilia ou lucra com a contrafação.
17
“Lei nº 9.610/98 - Art. 108. Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de
indicar ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de
responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade da seguinte forma: (...)”
12

A existência de disposições específicas não invalida a aplicação das normas gerais do


Código Civil, notadamente os artigos 40218 e 18619 do diploma. Segundo professa Eliane Y.
Abrão (ABRÃO, 2002, pág.178), as medidas judiciais cíveis intentam o ressarcimento
pecuniário em decorrência do ato ilícito ou do enriquecimento sem causa, ou provimentos de
natureza declaratória ou constitutiva, buscando o cumprimento de obrigações de fazer e de
não fazer.
No que se refere a medidas cautelares, a ação de busca e apreensão era, nos idos do
vetusto Código de Processo, a mais importante e utilizada. Tal ação cautelar era bastante útil,
uma vez que ela conseguia alcançar um provimento rápido que, embora provisório, era
preparatório ou incidental a ação principal. Em que pese o novo Código de Processo ter
extinguido a citada ação cautelar enquanto nominada, este diploma privilegiou os princípios
da economia processual e da instrumentalidade das formas, de modo que a essência daquela
ação permanece. Em síntese, o moderno Código Processual Civil retirou o nomem iuris da
ação cautelar de busca e apreensão, contudo, sua alma permanece intacta. De maneira geral,
tal procedimento visa buscar e apreender coisas ou pessoas, com o objetivo de se garantir a
eficácia de um processo principal. Conclui-se que ora possui natureza cautelar, ora satisfativa.
A mesma autora supracitada (ABRÃO, 2002, pág.178) ressalta que outras ações podem
ser utilizadas para a tutela cível do direito do autor, tais como: ação monitória, interdito
proibitório e a ação de prestação de contas. Poder-se-ia pensar, ainda, na utilização de ação
cominatória, ou mesmo na de reparação de danos, inclusive fundamentadas na concorrência
desleal.

5) AS SANÇÕES PENAIS
No concernente a Responsabilidade Penal, há diferenças substanciais em relação à
Responsabilidade Civil, dentre as quais a principal diferença é o fato de que seu surgimento
decorre necessariamente do descumprimento de uma norma de direito público. Ela é mais
gravosa que a Responsabilidade Civil, pois visam proteger bens jurídicos indisponíveis como,
por exemplo, a vida, a liberdade e a integridade física.
Pena é a sanção do Estado, valendo-se do devido processo legal, cuja finalidade é a
repressão ao crime perpetrado e a prevenção a novos delitos, objetivando reeducar o
delinquente, retirá-lo do convívio social enquanto for necessário, bem como reafirmar os

18
“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem,
além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.
19
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
13

valores protegidos pelo direito penal e intimidar a sociedade para que o crime seja evitado
(NUCCI, 2011, p. 401).
A proteção ao direito autoral vem estampada no Título III do Código Penal Brasileiro
(CP) “Dos crimes contra a Propriedade Imaterial”, notadamente em seu Título I, nos artigos
184 a 186. Ainda, há outras leis penais extravagantes 20 tratando do tema: a lei nº 9.279/96, que
trata dos crimes contra as patentes ou modelos de utilidade, os desenhos industriais, as
marcas, as indicações geográficas e de concorrência desleal; e da lei nº 9.609/98, norma
especial que trata da proteção da propriedade intelectual quando o objeto do crime forem
programas de computador.
Nos dizeres de Rogério Greco (GRECO, 2014, pág 658) os artigos 184 a 186 do CP são
normas penal em branco21, de modo que devem ser lidas em conjunto com as disposições da
LDA a fim de que se traga para o âmbito do Direito Penal o conceito de “ direitos de autor”.
Destarte, o artigo 184 do CP deve ser complementado com o conceito de direito autoral
contido no artigo 3º da LDA, bem como em sua extensão devem ser considerados os direitos
morais e patrimoniais, consoante os artigos 11 e 22 do mesmo diploma legal.
Ainda segundo o renomado penalista (GRECO, 2014, pág. 660), o artigo 184 pode ser
classificado como crime comum, doloso, comissivo, material, instantâneo ou permanente (a
depender do caso concreto), monossubjetivo (também chamado de crimes de concurso
eventual, pois são aqueles que podem ser praticados, mas não necessariamente, por apenas um
sujeito), plurissubsistente (pois constituído de vários atos, que juntos perfazem uma única
conduta) e admissível a tentativa (uma vez que o iter criminis é passível de ser fracionado).
No que concerne ao elemento subjetivo deste tipo penal o caput do artigo 184 traz hipótese de
dolo direto ou eventual22, enquanto que as figuras qualificadas dos seus parágrafos elencam
expressamente a necessidade de dolo específico (também chamado de especial fim de agir ou
elemento subjetivo especial), qual seja: a finalidade de lucro, direto ou indireto.
Em linhas gerais, a figura típica do caput traz uma cláusula geral para a proteção penal
dos direitos autorais e conexos, de modo que seus parágrafos trazem figuras qualificadas,
detalhando condutas que o legislador entendeu serem mais ofensivas ao bem jurídico tutelado.
O parágrafo primeiro traz a hipótese da reprodução da obra sem a autorização do titular do

20
Nomenclatura que a doutrina penalista costuma usar para tratar das leis que tratam de temas penais e
processuais penais fora dos códigos.
21
Trata-se de espécie normativa típica do Direito Penal, na qual, para que haja uma plena adequação típica é
necessário que o intérprete busque sua complementação em outra norma, que pode ser de fonte normativa
idêntica ou distinta da norma incriminadora. O exemplo clássico citado na doutrina mais especializada é o artigo
33 da lei 11.343/06.
22
TJPR, ACr. 0462836-4, 4ª Câ. Crim., Relator Carlos Hoffmann, j. 10/04/2008.
14

direito. Tal tipo deve ser lido em consonância com o inciso IV do artigo 5º da LDA, segundo
o qual reprodução é “a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou
científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer
armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de
fixação que venha a ser desenvolvido”. Já o parágrafo segundo prevê outros comportamentos
comuns que soem ocorrer no momento posterior a realização da reprodução ilegal da obra.
Nota-se clara intenção do legislador de punir todos os sujeitos do processo de reprodução
ilegal de obras literárias, artísticas ou científicas. Quanto ao tema, o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) exarou um importante verbete sumular, o qual aduz que a douta corte entende
ser desnecessário que as cópias sejam aptas a iludir o consumidor, bastando para a sua
perfeita adequação que os sujeitos pratiquem qualquer dos verbos do tipo com reproduções
não autorizadas. Ei-lo:

“Súmula 502-STJ: Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao


crime previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, a conduta de expor à venda CDs e
DVDs piratas”.

O último parágrafo do artigo 184 que traz uma figura típica qualificada é o terceiro. Este
se refere ao crime de oferecimento ao público da obra, sem autorização expressa de seu titular
e, novamente, contida a intenção de lucro.
O derradeiro parágrafo deste artigo trouxe duas hipóteses de exclusão da tipicidade. A
primeira hipótese elencada traduz as causas nas quais a lei excepciona ou limita os direitos
23 24
autorais, tal qual o artigo 46 ou o 8º da LDA. Quanto a outra hipótese, nos dizeres do
mestre Guilherme de Souza Nucci (GRECO, 2007, pág. 747 apud NUCCI, 2003) “observa-se
que o legislador pretendeu autorizar a cópia de obra intelectual ou fonograma, quando feita
em um só exemplar, para uso privado do copista, desde que não haja intuito de lucro”.
O artigo 185 do CP fora revogado pela lei nº 10.695/03, que, de outro lado, trouxe
algumas alterações relevantes, como a inclusão no caput a hipótese de violação de direitos
conexos aos de autor. Outras alterações emblemáticas inauguradas por esta lei foram o rol de
ações penais dessa sorte de crimes, bem como suas penas.
O artigo 186 traz a sistemática das ações penais pertinentes, que vai desde a Ação Penal
Privada (como regra geral do caput), quanto a Ação Penal Pública Incondicionada (para os
tipos dos parágrafos primeiro e segundo, bem como quando o sujeito passivo for a

23
“Lei nº 9.610/98. Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (...)”
24
“Lei nº 9.610/98. Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: (...)”.
15

Administração Pública), passando pela Ação Penal Condicionada a Representação do


Ofendido (hipótese do parágrafo terceiro).
Quanto a parte processual, esses crimes são regidos pelos artigos 524 ao 530-I do CPP,
alguns dos quais foram incluídos pela lei nº 10.695/03. Dentre estes, destaca-se o efeito da
sentença condenatória que dá, ao juiz, a possibilidade de determinar a destruição dos bens
ilicitamente produzidos ou reproduzidos, bem como o perdimento dos equipamentos
apreendidos25. A competência é, via de regra, da Justiça Estadual, salvo se ocorrerem
hipóteses de cabimento da Justiça Federal, hipótese possível em tese, mas de difícil ocorrência
na prática.
Conforme exposto alhures, outras leis esparsas também tutelam a propriedade
intelectual no âmbito penal. A lei nº 9.297/96 traz os crimes contra a propriedade industrial,
quais sejam: os crimes contra as patentes (arts. 183 a 186), crimes contra os desenhos
industriais (arts. 187 e 188), crimes contra as marcas (arts.189 e 190), crimes cometidos por
meio de marca, título de estabelecimento e sinal de propaganda (art. 191), crimes contra
indicações geográficas e demais indicações (arts. 192 a 194) e crimes de concorrência desleal
(art. 195). Em seus artigos 196 a 210 a lei traz normas processuais específicas.
Outro diploma normativo penal extravagante é a lei nº 9.609/98 que traz hipóteses
bastante específicas de tutela penal a propriedade intelectual: a proteção aos direitos autorais
no âmbito da tecnologia da informação. O único artigo que enumera condutas típicas, nesta
lei, é o 12, que termina por repetir estrutura similar àquela do artigo 184 do CP, uma vez que
traz uma norma geral em seu caput, deixando para seus parágrafos 1º e 2º as formas
qualificadas. A peculiaridade destes tipos penais está em seu objeto material, que é o
programa de computador. A ação penal é, como regra, privada, salvo as hipóteses dos dois
incisos do parágrafo 3º do artigo 12, que elencam as hipóteses de crimes praticados contra a
Administração e quando do ato resultar crime tributário.
Um dispositivo que merece destaque na lei nº 9.609/98 é seu artigo 14, pois este trata de
medidas cautelares e indenizatórias de natureza civil passíveis de serem impetradas pelo
titular do direito violado.
Merece atenção na jurisprudência o entendimento pacífico dos Tribunais superiores
quanto a impossibilidade da aplicação do Princípio da Insignificância, vez que o bem jurídico

25
“CPP. Art. 530-G. O juiz, ao prolatar a sentença condenatória, poderá determinar a destruição dos bens
ilicitamente produzidos ou reproduzidos e o perdimento dos equipamentos apreendidos, desde que
precipuamente destinados à produção e reprodução dos bens, em favor da Fazenda Nacional, que deverá
destruí-los ou doá-los aos Estados, Municípios e Distrito Federal, a instituições públicas de ensino e pesquisa
ou de assistência social, bem como incorporá-los, por economia ou interesse público, ao patrimônio da União,
que não poderão retorná-los aos canais de comércio”.
16

tutelado merece guarida no artigo 5º, inciso XXVII, sendo, portanto, direito fundamental 26.
Outro ponto de destaque é o entendimento de que é inaceitável a tese de adequação social da
conduta. Noutras palavras, o STJ entende que, ainda que haja a prática rotineira da pirataria
no país, tal fato não tem a virtude de impedir a incidência desses tipos penais 27. Uma outra
jurisprudência de suma importância para o tema diz respeito a perícia incidente sobre os
materiais supostamente contrafeitos. Segundo o art. 530-D do CPP, depois da apreensão, será
realizada perícia sobre todos os bens apreendidos, ato contínuo deverá ser elaborado o laudo,
que integrará o inquérito policial ou a denúncia. De acordo com o STJ 28, não é razoável
exigir-se minúcias exageradas no laudo pericial, de forma que é válida a perícia realizada nas
características meramente externas do material apreendido. Além disso, apesar de a redação
do art. 530-D do CPP determinar que a perícia deva ser realizada sobre todos os bens
apreendidos, o STJ relativiza essa exigência e admite que a mesma seja realizada por
amostragem.

6) CONCLUSÃO
O presente trabalho buscou trazer um panorama geral do arcabouço normativo brasileiro
de tutela aos direitos autorais em suas mais diversas searas. Para tanto, analisou-se a natureza
dos próprios direitos protegidos, bem como sua fundamentação constitucional e legal. A
natureza constitucional da proteção a essa espécie de direitos. Inclusive, o elevara a direito
fundamental. Dentro desse escopo, ocupou-se de salientar a distinção entre os direitos
patrimoniais e direitos morais dos autores. Dentro dos direitos morais dos autores,
sobressalta-se de importância sua peculiaridade, que a doutrina mais especializada faz questão
de demonstrar ser diferente do “direito moral do cidadão comum” e por isso merecedor de
tutelas jurídicas bastante próprias.
Em seguida passou-se a analisar as espécies de violações a esses direitos, e deste modo
traçou-se a distinção doutrinária entre: contrafação; uso não autorizado de obras e direitos que
não os de reprodução; e atos tendentes a alterar prerrogativas exclusivas dos autores. Neste
ponto, merece destaque o plágio. Tal infração, apesar de ser a mais mencionada quando se
pensa em direitos autorais, não possui um conceito legal. Contudo, tal conceito ficou ao
alvedrio da doutrina.

26
STJ, HC 201.235/SP, Relatora Minª. Laurita Vaz, 5ª Turma, Dje 05/03/2012.
27
STJ, AgRg. Nos EDcl. No AResp 265891/RS, Relator Min. Campos Marques, 5ª Turma, Dje 28/06/2012.
28
STJ. AgRg no AREsp 276.128-MG, Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme, 5ª Turma,Dje 02/10/2014.
17

Em sequência, fora traçado um estudo dos principais caracteres do ECAD, que é a


sociedade civil instituída por lei a quem compete arrecadar e distribuir o fruto da reprodução
de obras musicais e fonogramas. Tal órgão, em razão de ter natureza jurídica de direito
privado, não exerce poder de polícia, de forma utiliza-se de instrumentos meramente
requisitórios extrajudiciais e judiciais para tutelar os direitos daqueles que representa.
Na sequência, foram vistas as infrações civis elencadas na própria Lei de Direitos
Autorais, com suas peculiaridades, bem como as sanções penais pertinentes ao tema.
18

REFERÊNCIAS
ABRÃO, Eliane Y. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: ed.do Brasil, 2002.

FALCÃO, Caio Valério Gondim Reginaldo e FILHO, Sidney Soares. Direito Autoral e
ECAD: Análise jurisprudencial do papel do Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição na cobrança judicial pela execução pública de obras musicais e congêneres.
Disponível em: http://www.uni7.edu.br/periodicos/index.php/revistajuridica/article
/download/98/100>, acesso em 14 de julho de 2018.

CARVALHO-FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ªed., São


Paulo: Atlas, 2013.

JUSTEN-FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo.2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado, 8ª ed., Niterói: Impetus, 2014.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Volume III, 3ªed., Niterói:
Impetus, 2007.

JOPPERT, Alexandre Couto. Fundamentos de Direito Penal. 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen
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NETTO, José Carlos Costa, Direito Autoral no Brasil. 3ª ed., São Paulo: FTD, 1998.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 3ª ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 7ª ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.

PARANAGUÁ, Pedro e BRANCO, Sérgio. Direitos Autorais. 1ª ed., Rio de Janeiro: FGV,
2009.

VASCONCELOS, Cláudio Lins de. Mídia e Propriedade Intelectual- A crônica de um


modelo em transformação. Rio de Janeiro: ed. Lumen Iuris, 2010.

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